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Meu Par ImPerfeito (PORTUGUESE EDITION)

Todos os direitos são reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Este livro, ou qualquer
parte dele, não pode ser reproduzido por quaisquer meios sem prévia autorização expressa da autora.

Revisão
Érica Carriço
Lucas, possui um histórico de ideias ruins. E não surpreendeu ninguém
quando pediu a ajuda de sua melhor amiga para fingir um relacionamento e
despertar ciúmes em sua ex-namorada. Porém, como sempre acontece com
ideias ruins, pouca consideração foi dada aos prós e contras dessa situação.
Eles certamente não previram a forte atração que poderiam sentir um pelo
outro. Agora, precisam lidar com as consequências inevitáveis que as
mentiras sempre trazem consigo.
Há quem diga que na vida existem dois tipos de amores: o amor da sua vida
e o amor para sua vida...
Talvez seja possível encontrar esses dois tipos em uma mesma pessoa. Mas
Isabella, talvez, já não acredite mais em acasos.
Poderão eles serem a exceção?
NOTA DA AUTORA

Caro leitor, na vida, acredito que precisamos de histórias leves.


Essa não é o caso...
Meu par ImPerfeito te arrancará sorrisos na mesma proporção de suas
lágrimas, mas prometo que será incrível.
Como autora, recomendo que mergulhe nessa história de cabeça. A playlist
foi inspirada em cada personagem e lhe trará a imersão completa na trama.
Vale a pena conferir inclusive a tradução das letras.
Essa é uma história de personagens quebrados e imperfeitos em suas
jornadas de amadurecimento; e que mostra, sobretudo, como superar uma
dor intermediária que parece ser impossível de ser curada.
Porque a vida é isso, não é? Um entremeio de dor e superação.
Atenção para possíveis gatilhos!
Meu par ImPerfeito é uma história para maiores de 18 anos. Contém cenas
de erotismo, linguagem inadequada e aborda temas polêmicos como abusos
e luto.
Não leia se não estiver confortável com o tema.
E reforço aqui que essa é uma história fictícia, onde não há certo ou errado
nem qualquer obrigação de retratar a realidade.
Dito isso, eu espero que se apaixone por cada um deles, e que no final... seu
coração fique aquecido assim como o meu.
Preparados?
“Fisicamente, habitamos um espaço, mas,
sentimentalmente, somos habitados por uma
memória”
José Saramago

“O que a memória ama fica eterno”


Adélia Prado

“O passado não reconhece seu lugar: está


sempre presente”
Mário Quintana
Para começar a contar essa história terei que voltar alguns anos atrás,
quando ainda era moleque nos subúrbios do Rio.

A vida é mesmo engraçada quando pensamos em como tudo começou.


Como éramos inocentes e isentos de responsabilidades, sem nos dar conta
da sorte que tínhamos. Até nos depararmos com o futuro, onde tudo de fato
começaria a ficar complicado. E eu estou sendo bastante eufemístico aqui.
O ano era 2000 e, naquela época, ainda me sentia grato pelo fato do mundo
não ter acabado na virada do século e que, por um milagre divino, poderia
brincar mais um dia na rua com meu melhor amigo, Pedro. Guarde bem
esse nome, vai precisar no futuro.
Pois bem, Pedro e eu brincávamos com mais algumas crianças, que na
altura dos meus vinte e seis anos não me recordarei dos nomes. Afinal,
pessoas vêm e vão de nossas vidas, e se tem algo que não posso me gabar é
de guardar nomes e fisionomias. Não sou bom com isso.
Na boa? Não sou bom em um monte de coisas, mas esse não é o ponto.
Então, vejamos. Onde parei?

Ah! Pedro e eu brincávamos com um bando de crianças esquecíveis,


lamento dizer, quando uma nova menina apareceu na rua pedindo para se
juntar à galera.
Seu nome era Isabella.
Isabella era magricela, aparentava ser tímida - foco no aparentava - e pediu
para participar da brincadeira com sua voz fina e irritantemente baixa.
Aquela loirinha havia acabado de se mudar para a antiga casa dos Souza,
um casal de senhores que, mais tarde, fui entender que sua nova moradia
seria o céu ou o cemitério, depende da ótica. Agradeço desde já o bom
senso da minha mãe em me poupar dos detalhes na época, ela levava jeito
com crianças. Eu não!
Isabella era irritante, moleca e, com o passar do tempo, uma ótima amiga.
Pessoas são passageiras, mas Pedro e Isabella ficaram. Era estranho e
divertido nosso convívio. Ter uma menina no nosso grupo ajudou a
entender um pouco mais sobre o abismo chamado pensamento feminino.
Isabella, por sua vez, se divertia com a nossa companhia. Em retrospectiva,
não era lá uma troca muito justa.

Seja como for, logo nos tornamos uma equipe e, durante todo o colegial,
estudamos na mesma sala, convivendo um com o outro boa parte de nossos
dias.

Éramos inseparáveis, até que a puberdade chegou.


Pedro começou a achar Isabella bonita e eu só tinha olhos para Valentina.

Valentina era nova na escola. Na época ainda era deslocada e linda.


Maravilhosa, é a melhor escolha de palavras.

Aquela beldade preta não se comparava a ninguém. Enquanto todas as


meninas apreciavam maquiagem e cabelos artificiais, Valentina prezava por
seus cachos volumosos e seu rosto natural. Na verdade, ela e Isabella não
gostavam muito de maquiagem. Contudo, a Is não conta.

Valentina e eu namoramos durante todo o ensino médio e todos os anos de


faculdade que se seguiram. Mas os problemas de adulto ficaram maiores do
que nossos sonhos e, de repente, tudo acabou.
Isabella e Pedro acho que em algum momento chegaram a se pegar, mas
meu amigo me confidenciou que apesar de achá-la muito gata, havia zero
química entre eles. Isso era óbvio, porém Pedro sempre foi meio idiota.
Isabella era como uma irmã, e a contar por sua aparência bem poderia se
passar por isso mesmo. Temos quase a mesma cor de cabelos, as mesmas
tonalidades dos olhos, sendo os dela apenas de um verde mais claro.

Sabe quando você anda tanto com uma pessoa que todos os seus trejeitos
são parecidos? Daí um ou outro confunde gestos com traços e por fim
éramos irmãos. E no final das contas, adorávamos esse papel. Servia muito
bem para colocar pessoas na fita ou afastá-las, quando conveniente.
Pedro namorou um bom tempo com a Amanda, mas a vida de adulto, como
já combinamos, é complicada. E como meu amigo não atendeu às
expectativas da patricinha, o relacionamento esfriou e acabou. Deus sabe o
quanto fui grato por isso.

Pedro se afastou, mas nunca consegui fazer o mesmo com a Valentina. Is e


minha preta viraram amigas, graças a mim. O que seria ótimo se eu ainda
não fosse apaixonado por essa mulher.

Valentina me desestrutura, e vê-la com outros caras não traz nada de


positivo para o meu ego.
O tempo passou e a vida seguiu. Me mudei de estado e trouxe meus amigos
comigo, isso ajudou com novos começos. Para Pedro eu superei, mas Is
sabe a verdade, ela sempre sabe. E não é como se eu precisasse falar
alguma coisa de qualquer forma. Isabella me entende calado, é
assustadoramente irritante. Mas, como uma boa amiga, não comenta
nada que não lhe diga respeito.

Enfim, o tempo passou e seguimos, obrigado!

Daí a vida, que estou começando a acreditar que não é a minha maior fã, me
fode sem vaselina e nem me convida para um chopinho para a conquista.

Valeu hein vida, obrigado mesmo!


Minha amiga conseguiu um emprego para minha ex, e minha eterna Tina
vem morar por um tempo conosco.

Eu mudei de cidade e o destino a trouxe de volta para mim.


Is perguntou se não teria problema, fez questão de frisar que seria
temporário, mas eu não seria o cara babaca que negaria um teto a uma velha
amiga. Mas me diz aí se não é de fazer o cu cair da bunda? É sim!
Aquela mulher debaixo do mesmo teto. Ou o destino é sádico ou está
escrito que é para ficarmos juntos.
Aliás, isso me faz pensar em um plano...

O foda? O foda é que meus planos sempre são uma merda...


Eu definitivamente deveria aprender a dizer não ao Lucas. Era justamente o
que pensava enquanto encarava aquela carinha de pau linda que ele tem,
diga-se de passagem.
— Não — disse mais uma vez, sem titubear.
— Qual é o problema, Is? — o idiota perguntou, e cogitei lhe dar um tapa.
— O problema é que não é mais um adolescente. É a porra de um adulto de
vinte e seis anos e a Valentina não é idiota.
— Já te falei, vai dar certo. E não é como se nunca tivéssemos feito um
teatro antes. Você é ótima nisso.
— Não sou porra nenhuma. Psicologia reversa vai ajudar em nada. Vai
pedir a opinião do Pedro. Aliás, cadê ele? — olhei ao redor buscando o
outro homem que morava conosco.
— Na academia, nunca sai de lá.
— E nós mulheres agradecemos por isso. Por falar nisso, está precisando.
Ajudaria a ocupar a cabeça com coisas úteis — ri com a careta que fez.
Mas o assunto era sério.

— Isabella Cristina, é pedir muito ajudar seu melhor amigo? — era sim,
custaria muito.
Poderia gritar mais uma vez, mas vamos combinar desde já que sou uma
idiota quando se trata do Lucas, e apenas o encarei.
— Não vou fazer isso, Lucas.
— Lavo os pratos todas as noites por um ano — ri alto.
— Desespero?

— Não tem ideia. E faço massagem nos seus pés todos os dias enquanto
essa farsa durar — comentou, agitando os dedos das mãos em uma vã
tentativa de demonstrar suas habilidades.

Eu queria chorar e dessa vez nem era de brincadeira.


— Lucas... — adverti mais uma vez.

Aquela conversa já durava mais de uma hora. Lucas era bom em pedir ou
talvez eu é que fosse bem ruim em negar... Uma coisa meio que levava a
outra.
O plano dele era realmente uma merda, como advertiu.

Eu era amiga da Tina, e Valentina é uma pessoa incrível e merece ser feliz.
O relacionamento deles terminou, ela seguiu, mas Luc ainda a adora.
Se Lucas não fosse tão especial e eu não tivesse a certeza que faria minha
amiga feliz, talvez fosse mais fácil ignorar sua última tentativa desesperada
de se reaproximar dela. Contudo, as coisas são como são.
Lucas a faria feliz e ela era toda a felicidade que meu amigo gostaria de ter.
No final das contas, eu só queria que ele fosse feliz.

Encarei novamente seu rosto aflito e, por fim, assenti.


Fui presenteada com seu melhor sorriso genuíno de felicidade, antes de se
jogar em cima de mim, nos derrubando no sofá azul brilhante, escolhido por
Pedro.

Tive certeza que iria me arrepender dessa decisão. Mas o que seria me
cortar mais um pouco com estilete?
Lucas me faria sangrar, talvez até não sobrar mais nada. E esse foi meu
último pensamento enquanto sorria dentro do seu abraço.

Abracei minha amiga assim que cruzou a porta.

— Isa, que saudade! — praticamente gritou empolgada.

Valentina era espalhafatosa e eu amava isso nela. Amava a forma como


iluminava tudo à sua volta. Foi isso que deixou meu amigo de quatro. Sua
presença era sempre um evento, com seus vestidos coloridos e
extravagantes. Esse era uma mistura de cores quentes, entre abóbora e
vermelho.

— Seja bem-vinda à sua nova casa — a convidei para entrar, indicando a


pequena sala com cores indefinidas, enquanto a ajudava com as malas.
— Cadê os meninos? — questionou.

Isso era o que mais admirava no relacionamento deles, mesmo após o


término, se gostavam e se respeitavam.

Lucas ainda não aceitava bem o fato de ver Tina com outros caras, mas
parecia enganar bem os mais próximos. Sempre segurava sua mão nesses
momentos.
— Tô aqui — Pedro a recebeu com seu abraço de urso. – Seja bem-vinda,
princesa. Como foi de viagem?

O moreno era enorme e envolveu facilmente seu corpo entre seus braços.
Minha amiga sorriu, recebendo de bom grado o cumprimento.
— Ocorreu tudo bem. Estava com tantas saudades de vocês. Cadê o Lucas?
— No trabalho, mas deve chegar logo — Pedro garantiu. — Temos que
comemorar porque estamos todos juntos novamente. Estava morrendo de
saudade de você, pimentinha.
Tina de repente ficou tímida e ele percebeu. Contudo, foi o olhar que
trocaram que me deixou apreensiva.

— Vem! Vou te mostrar nosso quarto — convidei Tina, estendendo o braço


e a conduzindo para o pequeno corredor que dava acesso aos quartos.
Depois de um tour pelo apartamento e após instalá-la devidamente em meu
quarto, dei início ao plano idiota do Lucas.

— Vamos dividir a cama, então? — me perguntou, deitada em cima da


minha colcha favorita de flores coloridas.
O quarto era bem pequeno para duas pessoas. Uma cabeceira e um pequeno
armário em madeira clara de segunda mão completavam a
decoração. Porém, não seria de jeito algum um incômodo tê-la aqui.
Todo o apartamento era bem simples. Inclusive, uma nova pintura nas
paredes cairia muito bem, e o branco nelas já havia visto dias melhores. Era
bem antigo, ainda de tacos no chão e alguns já estavam soltos. Entretanto,
aparentemente ter dois homens em casa não queria dizer muita coisa. Ainda
assim era confortável, com três quartos e uma pequena sala que dava acesso
a uma cozinha no estilo americana. Prático, e onde vivemos os dois últimos
anos de nossas vidas. Nosso lar.

— Em alguns dias — sorrio sem realmente achar graça. — Tina, temos que
conversar sobre algo.
Ela se sentou na cama e me deu a atenção que a situação exigia.

— Bem, é melhor que saiba por mim — suspirei, puxando minha camiseta
como se precisasse realmente ser ajeitada. — Eu e o Lucas estamos ficando
— me sinto tão idiota. — Não sei se é sério, mas estamos tentando. Na
verdade, não falei sobre isso com ninguém ainda. Queria muito conversar
com você antes — tão, tão idiota.
— Nossa – me encarou séria e me senti imediatamente péssima. Merda
Lucas! — Ah, acho que ok, Isa — disse por fim. — Não estamos mais
juntos há bastante tempo. Sempre achei que você e o Lucas tinham uma
conexão diferente. Mas me desculpa, porque ainda assim a notícia me
pegou de surpresa — me deu um sorriso triste. — É tudo novo, vou
estranhar um pouco no início, mas vai passar. Eu amo todos os dois e
espero mesmo que dê tudo certo entre vocês.
— É algo recente e pode não ser nada ainda, mas estamos tentando. Claro,
se por você estiver tudo bem.
Ela garantiu que estava, mas percebi que não. Por fim, a ideia do Lucas
parecia ter funcionado.
Lucas teve a brilhante ideia de fingirmos um relacionamento.
Meu amigo realmente acredita que se despertar ciúme o suficiente em
Valentina, fará com que magicamente ela se dê conta que ainda o ama. E
como estratégia, será uma espécie de namorado maravilhoso para mim, a
relembrando dos benefícios de se ter um homem fantástico ao seu lado.
Palavras dele, não minhas. Reviraria mais uma vez os olhos se não tivesse
apenas pensando a respeito.
Essa história tem inúmeros problemas. O primeiro e mais preocupante seria
Pedro.
Pedro é nosso amigo e mora conosco, e como não foi incluído na trama, as
chances são grandes de nos questionar de forma nada sutil, já que até o
aparecimento da Valentina não havia presenciado nada suspeito.
O plano é uma merda, não canso de falar isso.
Valentina não é trouxa e eu certamente não queria magoar seus sentimentos,
se realmente ainda sentir algo por Luc.
Por todos esses motivos, mentir para as pessoas mais próximas e que
nos conhecem profundamente será um grande erro. E o maior deles,
com certeza, será passar por cima dos meus sentimentos de novo pelo
homem o qual eu chamo de melhor amigo.

Lucas é lindo, sempre foi. Foi fácil me apaixonar por ele. Lógico que nunca
confidenciei isso a ninguém. Lucas sobretudo é meu melhor amigo e jamais
quis correr o risco de fazer com que se distanciasse para não me magoar.
Porque ele faria isso, exatamente isso.
Sei que nunca sequer cogitou ter algo comigo, me vê apenas como uma
irmã, e respeito sua decisão. Juro que tento fazer o mesmo e na maior parte
do tempo até consigo, mas é mais difícil quando tenho que suportar vê-lo
com outra pessoa.
O que não foi necessariamente um problema, já que Luc realmente amou
uma pessoa na vida, Valentina.
Meu coração se apertou quando os vi juntos pela primeira vez e foi difícil
ouvi-lo dizer repetidamente o quanto a amava. Dói sempre. E Valentina é
maravilhosa, eu realmente amo essa garota. E quem não amaria?
O que faço a respeito? Nada! Quero que ambos sejam felizes, mesmo que
jamais exponha meus sentimentos, mesmo que isso me faça sofrer dia após
dia. Posso fazer isso por ele.
Esperava realmente que com o passar do tempo esse amor diminuísse, que
ficasse mais fácil. Seria ótimo acordar um dia e simplesmente passasse a
vê-lo como um amigo querido. Não tive essa sorte até o momento,
infelizmente.

— Ei! — falando no diabo.


— Oi! Já viu a Tina? — questiono assim que me abraça.

— Vi — inspirou profundamente. — Ela deu uma saída para conhecer o


bairro com o Pedro. Vamos aproveitar para colocar o plano em prática? —
fala animado, já se agarrando à minha cintura e me conduzindo pelo
caminho até a sala.
Sei que está tentando não pensar a respeito, mesmo que demonstre o
contrário.

Imediatamente sinto meu rosto esquentar, mas sou besta demais e sigo
apenas em silêncio.
— Senta — aponta para o sofá. — Vou fazer sua massagem nos pés — me
paparica. — E quando eles chegarem, nos agarramos.
Como é?
Senti o desconforto da minha amiga assim que declarei que nos pegaríamos.
Não vai ser realmente fácil fingir essa parte, mas achei que isso havia
ficado subentendido quando fiz a proposta.

E agora? Falo alguma coisa?


Ainda continuo com o sorriso congelado no rosto esperando que me dê um
fora. Mas ela não o faz. Is é maravilhosa e eu sou um péssimo amigo.
Eu também faria isso por ela, sabe? Talvez não conseguisse fingir por muito
tempo, realmente não sei.
Não há qualquer atração entre nós. Então, esquisito nem chega a descrever
como serão as coisas daqui para frente.

Nunca vi a Is com outros olhos. Ela é linda, claro. Contudo, não faz meu
tipo. Sei que é bem comum receber atenção de homens e mulheres, sua
beleza é até bem óbvia.
A loira senta sem jeito no sofá e logo pesco seus pés para tentar fazer com
que se desestresse. Torço que a massagem seja suficiente para que o clima
pesado se dissipe de alguma forma. Ela adora massagem nos pés, essa
sempre é nossa moeda de troca. Minha e a de Pedro.
— Lucas, como faremos isso? — fala depois de um tempo, me encarando
assustada.

— Serão só uns beijinhos, Is. E só quando estivermos na frente deles. Nada


demais — faço pouco caso enquanto massageio seus pés.
Entretanto, nem mesmo eu dou crédito às minhas palavras.
— Zero convicção, hein? — sorri e sorrio de volta.
É o que basta para ouvirmos o barulho da porta sendo destrancada. E em
um movimento rápido, me jogo em cima de Isabella.

Essa é a minha vida, sendo mais filho da puta que nunca.

Não deu tempo para calcular bem o movimento e acabamos batendo a boca
um no outro.
Cogito dizer um palavrão, mas a porta se abre e somos flagrados.

Era o que tinha em mente. Na verdade, não era bem isso. Esperava algo
mais ensaiado. Não deu tempo. E agora é uma situação constrangedora para
todo mundo.
Is não esperava o movimento, e tenho certeza que nem por um segundo
aparento estar excitado com a situação. Uma bela bosta.

— Ai meu Deus, desculpa — Tina fala, e meu coração acelera no peito.


Encaro seus olhos brilhantes, quase negros, e lindos. Mas que nesse
momento, aparentam estar completamente sem graça por ter nos flagrado.
Sorrio, porque sempre sorrio ao vê-la.
— Quer dizer que é verdade? — Pedro questiona, semicerrando os olhos
em minha direção.

Essa é mais uma das coisas que não planejei direito. Como mentir para o
cara que me conhece a vida inteira?
Is e eu temos zero química e disso ele entende bem.

Fico parado encarando meu amigo, esperando uma intervenção divina para
nos tirar dessa furada.

— Desculpe pessoal, não esperávamos que chegassem agora. Tomamos um


susto.
Isabella salva com um sorriso tão amarelo que realmente pode parecer que
está envergonhada com o flagra. Me agarro nessa possibilidade, ignorando
o fato de que isso é possivelmente a mentira mais mal contada que existiu.

Apenas me levanto, a trazendo comigo. Precisamos planejar um pouco


melhor nossa interação.
[...]

— O que foi isso? — Isabella sussurra assim que bate à porta do meu
quarto.

— Foi horrível, não foi? Como iremos nos beijar, Is? — e esse sou eu
desesperado.
Agora me dou conta que, talvez, o plano não funcione exatamente como
imaginei.

— Para de andar de um lado para outro, temos que pensar a respeito.

Desisto e me junto a ela, me sentando ao seu lado na cama. Ela se


aproxima, retira minhas mãos do meu rosto, me obrigando a encará-la.

— Temos que fazer dar certo, Luc, já que isso é importante para você. E nos
passarmos por mentirosos nessa altura do campeonato será uma bela merda.
— Acho que não sei como fazer isso dar certo — digo o óbvio.

— Olha, sei que não sente atração por mim, mas tive uma ideia que pode
nos ajudar — me encara esperançosa. — Vamos encarar isso como se fosse
uma meinha — quase gargalho, mas abafo o som com a palma da mão para
não sermos ouvidos.
— Como se eu fosse beijar o Pedro.
— Cala a boca e me escuta pelo menos uma vez, já que nos colocou nessa
enrascada. Teremos que nos beijar e convencer o Pedro, que nos conhece a
fundo, que isso é real.
— Essa parte está clara, Is. Como faremos isso é que parece ser o problema
— ela bufa e revira os olhos, como faz todas as vezes que nos acha
irritantes.
— Quando eu era menina, fiz um trato com uma amiga. Uma ensinaria a
outra a beijar.
Arregalo os olhos, esperando que desminta.

— Eu te falaria que provavelmente já sabemos essa parte, mas ainda estou


preso na parte em que beijou outra garota — provoco.
— Cala a boca, idiota. — ralha.
— Ok. Posso te ensinar o que um homem gosta e você me conta se preciso
melhorar em alguma coisa. Como faremos isso?

— Ok, faremos isso — fala visivelmente nervosa. — Ok, posso fazer isso
— repete, mas não se convenceu. — Deita!
— Quer fazer isso em cima de mim? — indignado.

— Lógico que não! Deita de lado — instrui. — Vai ser esquisito pra
caramba se o Pedro entrar no quarto e ver a gente se beijando sentados um
de frente pro outro. Aí que o plano vai pra vala mesmo.
Ok, posso fazer isso! Esse sou eu tentando me convencer.

Obedeço, né? Que escolha tenho?


Não demora até que se deite de frente para mim. Ela sorri. É de nervoso, e
eu acompanho. De repente fica séria, está bem nervosa. Também estou Is,
também estou.
— Por que não começa? — incentivo. — Faz o que sabe e eu digo se está
bom — pisco convidando.
É a melhor opção, deixar que tome a iniciativa no seu tempo.
Isabella assente e se aproxima.
Tá legal, consigo fazer isso!

Ela fecha os olhos e a acompanho. Mantê-los abertos vai ajudar em nada a


essa altura.
Is encosta seus lábios quentes nos meus, entreabrindo-os, e consigo sentir
seu hálito morno. Sua língua pede passagem e a recebo. É esquisito a
princípio, mas encontramos um ritmo que funcione. É bom, Is beija bem.
Seu gosto também é bom. Muito bom!
Puxo seu lábio inferior entre os dentes e ela passa a língua pelos meus.
É bem gostoso. Excitante. Ok, não estava esperando por isso.

A trago para mais perto do meu corpo, deslizando minha mão por seu couro
cabeludo. Is adora que lhe faça cafuné, sabe? Não é bem isso que faço
agora. Está mais para um agarre na nuca. E ela me quebra arfando na minha
boca.
Outra parte que também não calculei direito, beijo traz necessidades.
Toques, pressões, proximidade, e é justamente o que estou fazendo. Ela
morde meu queixo e descubro que essa é uma zona erógena que não sabia
que existia. O ato traz mais urgência. Não é mais reconhecimento, é uma
constatação.

Quero obrigar o meu cérebro a reconhecer que é a minha amiga aqui e que
devo impor limites, mas todo o oxigênio está sendo drenado bem rápido
para uma região específica.

Vou fazer o quê? Se meu corpo está com vontade de manter a coisa toda
distante da classificação livre.
Isabella se entrega, sempre faz isso, com qualquer coisa que lhe deem como
desafio. E meus parabéns. Hein, Is. Parabéns.
— Puta merda, vocês estão se pegando real! — Pedro grasna, nos
despertando do transe.
Abro meus olhos no susto, me deparando com minha amiga. Estamos
arfando, ainda tentando entender o que aconteceu.
— Não bate mais na porta não, filho da puta? — trovejo. — A educação,
enfiou no cu?
— Tá com o ovo na bunda? Vim só chamar vocês para jantarmos.
Isabella se levanta e sai do quarto sem dizer nenhuma palavra.
— Deixou a garota com vergonha, idiota — encaro meu amigo, de quase
dois metros de altura, sem entender o porquê de estar tão puto.
Não é como se não fosse o plano ser flagrado.
Ah meu Deus, eu beijei o Lucas! EU BEIJEI O LUCAS... E agora? Tô
surtando.
— O que foi, Isa? — Tina pergunta assim que entro na pequena cozinha de
ladrilhos cafona, na cor bege.
— Nada — falo rápido demais e ela apenas me analisa.
Para minha sorte, Valentina sempre foi do tipo de pessoa que não se
intromete na vida alheia. Talvez fosse esse fato, compartilhado, que fez com
que nos aproximássemos, apesar de tudo.
Não demora para que Lucas e Pedro se juntem a nós, e rapidamente o
pequeno espaço diminui consideravelmente. E não tenho cara para encará-
los agora.
Que situação foi essa que me meti?

— Tudo bem, Is? — Luc questiona baixinho quando me abraça por trás,
assim que chega.
Ainda não o encaro, mas assinto em silêncio para que fique tranquilo. Ele
me dá um beijo na bochecha e se vira para colocar sua comida.

Como consegue agir tranquilamente, sinceramente não sei.


— Não estou com fome, pessoal. Vou me deitar um pouco. O dia foi bem
cheio hoje.

Lucas apoia a colher na panela e me encara com preocupação, mas não


espero resposta de nenhum dos presentes e apenas me retiro.
— Isa! — Pedro me alcança no corredor. — Me desculpe, anjo. Não queria
te deixar sem graça.
— Não foi nada, grandão. Apenas é novo. Não foi culpa sua — garanto,
fazendo um carinho de leve em sua barba, a qual mantém sempre bem
aparada.
Meu amigo é vaidoso, nem precisava de tanto. Sua pele dourada e seu rosto
bem desenhado com todos os predicados do cromossomo Y, em conjunto
com uma boca carnuda, sempre arrancam suspiros das mulheres. Ainda
assim tem um corpo P.E.R.F.E.I.T.O. É meu amigo, mas eu noto. Não sou
cega.

— Vai descansar! E se quiser conversar, sabe onde me encontrar — me dá


um beijo na testa e se volta para a cozinha.

Tenho amigos maravilhosos que sabem respeitar o espaço do outro, ou


quase.

6 anos antes...
— Acredita que aquele idiota terminou comigo por causa daquela garota
sem graça? — ouvi Amanda dizer assim que estava para entrar no
banheiro da faculdade.

Sua fala me desestimulou a seguir caminho. Tudo o que não precisava era
um embate com ela. Na verdade, ninguém merece ter, em qualquer parte de
seu dia, um conflito com a morena arrogante. No fundo, estava feliz que
Pedro tenha enxergado sua personalidade horrenda sem qualquer estímulo
da minha parte. Talvez Lucas o tenha ajudado com essa parte.
— Oi... — cruzei com Pedro na saída da faculdade. — Foi rápida.
Havia avisado que iria ao banheiro. E ele me aguardava pacientemente ao
lado do grande portão de ferro com entalhes geométricos que sempre
admirava.
— É... não estava apertada o suficiente e quero muito comer aquele
cachorro-quente agora — nem a pau contaria o que aconteceu. Meu amigo
não levaria tão de boa assim.

Ele me encarou de cima a baixo, e eu odiava essa sua mania de detectar


minhas mentiras.
— Tudo bem, vamos matar sua fome — sorriu e me abraçou. — E sabemos
que é magrinha assim de ruim que é. Porque come como um pedreiro em
dia de laje em sol quente.

Riu alto e lhe dei um tapa, tentando manter a postura de brava. Mas é
impossível não me juntar ao som de sua risada. Sempre agradecia o espaço
que me dava, mesmo diante de uma mentira deslavada.

Já era noite e a faculdade estava cheia de jovens andando por todos os


lados. Lucas e Pedro cursavam Tecnologia da Informação no horário
diurno, e se revezavam para me buscar todos os dias. Nós sempre
cuidávamos uns dos outros.
As ruas, diferentemente das paredes seguras do prédio, eram outra história.
Caminhamos por elas, que estavam agora quase desertas, comendo nosso
sanduíche em uma conversa animada. Sei o que estava tentando fazer.
Estava tirando meu foco do cenário à nossa volta. Sempre cuidando de
mim. E eu sempre seria a garota sortuda por ter ótimos amigos.

— Está acordada ainda? — Valentina pergunta, se deitando ao meu lado.

— Estou sim — permaneço encarando o teto em silêncio.


Como se fosse fácil dormir depois daquilo. Tentei me desligar, mas minha
cabeça está no duzentos e vinte e meu corpo ainda mantém a adrenalina
bem alta para que consiga relaxar.

— Amanhã combinamos de ir à praia. Vê se descansa, porque vamos


acordar cedo.
— Não sei se estou no clima, Tina. Tenho alguns trabalhos ainda pendentes
para colocar em dia. Aliás, como consegue ter esse pique? No seu lugar eu
passaria o dia dormindo.
— Não estou cansada. Fala como se não me conhecesse — me observa no
escuro. — E por falar nisso, não estou te perguntando. Estou afirmando que
vai comigo à praia. Como se fosse possível recusar meu convite depois de
tantos meses sem me ver — declara ignorando a careta que faço. — Tem
certeza que não quer conversar?
Nego e ela me abraça. Não sei quanto tempo leva, mas adormeço com seu
carinho.

— Pessoal, podem colocar nossas coisas na areia. Is e eu já alcançamos


vocês — Lucas informa assim que estaciona o carro.
A noite não foi fácil e o amanhecer também não trouxe nenhum conforto
aos meus pensamentos. Aceitar esse plano, provavelmente, foi um dos
maiores erros da minha vida.
— Quer conversar a respeito? — diz assim que ficamos sozinhos.
Encaro seus grandes olhos verdes, dando atenção à sua beleza. Como se eu
precisasse sofrer um pouco mais prestando atenção aos detalhes do seu
rosto. E como se já não o conhecesse de olhos fechados.
Lucas é lindo, sempre que sorri aparece uma covinha no lado esquerdo, só
uma. Deve ter se formado ali por hábito, pois adora dar seus sorrisinhos de
lado que poderiam roubar todos os meus suspiros. Seu nariz é afilado e sua
boca tem um formato bonito, bem desenhada. Nem grande, nem pequena,
na medida. E seus olhos quase se fecham sempre que sorri.
— Luc, não sei se consigo fazer isso.
— Foi ruim? — questiona, visivelmente preocupado. — Quer dizer. Eu
beijo mal, é isso? Não acho que...
— Não é nada disso — corto. — Só que é confusa toda essa situação toda,
Lucas.
— Eu sei, mas é só por um tempo, Is. Só precisamos agir com mais
naturalidade e isso tudo acaba. Vamos conseguir. Já nos passamos como
namorados outras vezes.
São momentos assim que odeio sua completa falta de noção. Nunca quis
tanto poder dizer as mil coisas que se passam em minha cabeça agora.
— Você beija bem. Agora estou preocupado por não estar à sua altura —
sorri exibindo aquela covinha, e eu permaneço o encarando.

Lucas sempre faz isso, é seu mecanismo de defesa quando está nervoso.
Tentar ser engraçado fora de hora.
— É super estranho, Luc. E sinceramente não sei como está conseguindo
levar de boa.
Ele afasta o seu banco para trás e permaneço observando, tentada a
questionar o que pretende.
— Vamos fazer o seguinte. Vamos conversar sobre os nossos limites, ok?
— assinto. — Quando chegarmos na areia vou te abraçar e ficar com você.
Nada que já não fazemos normalmente a vida inteira.
— Acho que está subestimando demais a situação. Não é esse o problema e
você sabe disso.
— Vem aqui — me ignora. — Vamos dar uns amassos e saber quais são
nossos limites.

— Não é possível, sério? Tem probleminhas, né Lucas? — semicerro os


olhos em sua direção.
— Para de bobeira. Somos dois adultos e serão apenas beijos Isabella, nada
demais. Se queremos terminar logo com isso, precisamos nos acostumar. E
temos que aprender a agir com naturalidade. A ideia é provocar ciúmes logo
e quando nos dermos conta, acabou.
Não acredito que vou fazer isso novamente. Não é bem uma questão de não
querer, deveria, mas não é o caso. É justamente o contrário que me
preocupa, e muito.
Hesito antes de ir ao seu encontro. Não que já não tenhamos feito isso um
milhão de vezes, somos esse tipo de amigos. Mas se parar para refletir,
nunca fizemos isso com esse propósito.
Tento montar em seu colo e acabo batendo com a cabeça no teto do carro,
que não é nem baixo, mas somos bem altos. Ainda bem que não estou
tentando seduzir, sou horrorosa com isso. Zero conforto isso aqui.

Lucas ri, e eu acompanho. Tomo cuidado para não encostar em nada,


mantendo a melhor distância que consigo. Bem, você sabe do que estou
falando.
— Vou te beijar agora e me diz até onde posso ir. Tudo bem? — argumenta.
O dia amanheceu e estava um clima bem estranho entre nós, para dizer o
mínimo. Não nos tocamos em nenhum momento, até evitamos conversar ou
ficarmos sozinhos. Se o intuito era passar credibilidade, ficou bem longe do
objetivo.
Ele ainda aguarda meu consentimento e assim o faço.

E lá vamos nós...
Lucas encosta sua boca na minha devagar, ainda receoso. E minhas
pálpebras se fecham involuntariamente.
Para meu completo azar, Luc tem o melhor beijo que já ganhei. Meu
coração dispara no peito e esse é um bom motivo para que me dê conta de
que, quando isso acabar, talvez não sobre nada dele.
A merda é que descobrimos que temos química, contrariando o que ele
esperava. Confesso que me agarrei nessa possibilidade também.

E não demora muito para que minhas mãos comecem a explorar seu corpo.
Como cortesia ganho o mesmo afago.
A coisa toda perde o controle rápido demais. Lucas agarra com força meu
quadril, me trazendo para mais perto. E quando imagino que não dá para
piorar, piora. Sempre piora.
Sinto sua ereção.
Esse é o segundo alerta, o ponto ideal para impor limites. Mas ele não para,
e eu não tenho convicção nenhuma de interromper.

Quando me dou conta, já estou rebolando em seu colo, buscando por mais
atrito. Lucas geme me fazendo sentir uma dor gostosa, alertando que fui
longe demais.

— Luc? — sussurro entre seus lábios.


— Eu sei Is, mas não para — implora entre sussurros. — Não para agora,
não.

Como podemos nunca ter nos dado conta disso?

Rebolo um pouco mais. Apenas porque é muito, muito bom mesmo.

— Deixa eu tocar você? Posso?


Apenas murmuro um hum-rum como resposta. Esse é meu bom senso me
deixando sozinha no carro vermelho com o Lucas. Parece que o espaço aqui
é bem limitado para nós três.
Não demora para que suas mãos comecem a subir pelo meu ventre. É lento
e torturante, e poucos segundos antes de alcançar meus seios, gemo em
expectativa.
Vai dar muita merda.
Luc por fim alcança meu seio e agora é ele quem geme.

— Luc, acho que temos que parar — zero convicção.

— Is, está bem gostoso. Muito, muito — geme comigo. — Quer mesmo
que eu pare agora?
— Não consigo — rebolo mais um pouco. — Eu...

Eu vou gozar em sua boca, rebolando na sua ereção...


— PUTA MERDA... Vocês estão se pegando de novo? — Pedro interrompe
pela segunda vez.
Não sei se estou grata ou não por sua intromissão.
Lembra quando disse que Pedro era meio idiota? Estava errado, é um
completo. É um dom, só pode.

Como merda pouca é bobagem, ele e Tina nos encaram na parte de fora do
carro. A negra de cabelos encaracolados volumosos, agora com pequenas
mechas iluminadas, sorri sem jeito e me perco um pouco em seu olhar. Eu
poderia afirmar que o plano deu certo a contar por suas expressões, mas
estou incomodado, não sei bem com o quê.

— Podem, por favor, nos dar um minutinho que já alcançamos vocês? —


imploro.
Is está com o rosto escondido no meu pescoço desde o flagra. A conheço o
suficiente para saber que deve estar completamente vermelha de vergonha.

Pedro sai reclamando e Tina o acompanha.


— Is, eles já foram.
Ela desce do meu colo devagar e logo tapa seu rosto com as mãos.

— Meu Deus, que vergonha.


Eu disse. Um sorriso aponta em meu rosto por conhecê-la tão bem.

— Fica tranquila, esse era o plano e está dando certo. Logo, logo, não
precisaremos fingir mais.
— O plano era nos pegarmos e você ficar excitado? Não lembro de termos
combinado essa parte — declara sarcástica.
Lógico que assim que profere as palavras, nossos olhares são atraídos
imediatamente para minha ereção.
— Não... não, não, não... — choraminga, e alargo meu sorriso.
— Relaxa, Is. Isso acontece com qualquer um — tranquilizo, encarando a
mancha de sua excitação que ficou gravada em meu short. — Não foi nada
demais.

— Meu Deus! Como vamos explicar isso? — aponta.

— Vou tirar o short e ninguém vai perceber — seguro seu rosto, tentando
acalmá-la. — Nos beijamos Is, é totalmente normal ficarmos excitados —
pelo menos acredito que sim.
Na verdade, não deveria ser assim. Mas o corpo humano é mecânico, não é?
É apenas estímulo.

Vinte minutos depois, descíamos a pequena trilha que dava acesso à praia
caminhando de mãos dadas. O papel de namorados apaixonados seria
prioridade.
— Até que enfim — Pedro protesta assim que nos sentamos ao seu lado na
areia branca. — Estava vendo a hora de ter que buscá-los para não serem
presos por atentado ao pudor.

Nenhum de nós dois diz qualquer coisa. Isabella apenas se mantém focada
em punir a areia com as mãos, segurando os grãos em seu punho com força.
— Bom pessoal... Que tal relembrarmos os velhos tempos e jogarmos
alguma coisa? — Tina salva. E Is compartilha um olhar de agradecimento.

— Vôlei? — sugiro.

— Por mim tudo bem. Vai jogar com a atual ou com a ex? — Pedro, sem
qualquer tipo de noção, questiona.
Tina e eu nos entreolhamos. Sempre fui seu par. Aproveitava momentos
assim para agarrá-la e curtir um pouco mais de sua companhia. Era nosso
lance de casal. Entretanto, dadas as circunstâncias, hoje não poderei
escolhê-la.

A parte boa é que Valentina é muito ruim jogando, muito mesmo, e sempre
perdíamos para Pedro e Is. Não que esteja reclamando. Se possível, eu
perderia mil vezes ao seu lado e, ainda assim, ficaria feliz. Mas estou
tentando ver o lado positivo da história. Colabora!
Não demorou até que formássemos as duplas, e durou um pouco menos
para que eu e Isabella estivéssemos ganhando de lavada. E a cada ponto
marcado comemorávamos com um high five no alto.

Foi divertido ganhar do Pedro para variar, o que pareceu bem dúbio.

— Estou morta e está mais calor hoje do que qualquer outro dia — a loira
fala assim que nos jogamos na areia, após vencermos a partida.
— Quer nadar um pouco? — convido.
— Eu te amo, Luc. Mas nem por um milagre me fará entrar nessa água fria
hoje. Nossa amizade, pode não parecer, mas tem limites. E esse é um deles.

— É um desafio? Porque você sabe muito bem que nada me faria mais feliz
do que um bom desafio — semicerro os olhos em sua direção. — Vou te dar
uns minutos de vantagem para fugir de mim.

— Você não seria maluco... — duvida, e eu arqueio a sobrancelha.


— Um, dois... — inicio a contagem, me sentando na areia, e logo ela se
levanta. Mais um movimento meu e já está correndo.

Pacientemente, olho para o relógio lhe dando aquele minuto de vantagem, e


também porque estou morto. Is é boa em muitas coisas, mas correr na areia
não está em sua lista de habilidades, e não demora muito até que a
alcance. A pego no colo, ouvindo suas gargalhadas contagiantes.

— LUC ME SOLTA! — protesta.


Ignoro completamente sua súplica e caminho vagarosamente com ela em
meus ombros, em direção ao mar de águas verdes, o qual sei que estará
absolutamente gelado em contraponto ao calor sentido.
— Tira o vestido, porque vamos entrar de qualquer jeito. Eu já superei o
fato, e você?
Obediente, retira e o joga na areia, segundos antes de me jogar na água com
ela.
— NÃO ACREDITO QUE ME MOLHOU — continua histérica, e
gargalho com a careta que faz.
A água, bem... está mais próxima de uma geladeira descongelando do que a
praia tropical que de fato é.
Encaro seus olhos arregalados, seu queixo batendo e isso quase me faz
sentir remorso.

— Vem aqui — a seguro entre meus braços.


Seus lábios começam a ficar roxos, e me compadeço da coitada.

— Sabe que não somos mais adolescentes, não é? Não pode fazer essas
coisas. Não gosto de água fria, Lucas — reclama.
— Temos que descobrir um meio termo, Is. Não gosto do que está rolando
entre nós. Eu propus fingirmos um relacionamento, e a minha amiga está se
afastando de mim.

Mesmo após nossa interação, Isabella estava visivelmente desconfortável.


Ela me encara com mil palavras presas em sua cabeça.
— Não sei como agir, Luc — reconhece. — Não quero deixar as coisas
estranhas entre a gente. Você é muito especial para mim.
— Também não sei, Is. Mas quero poder te abraçar sem achar esquisito ou
que seja um incômodo para você. Nada muda, daremos alguns beijos e só.
Não precisamos nem nos beijar quando estivermos com outras pessoas, e
será por pouco tempo.
Ela me encara refletindo a respeito.

— Ainda acho esquisito, mas vou te apoiar como sempre. Mas não dá para
manter isso por muito tempo, Lucas — murmura após um tempo.
— Não vamos. E se ficar esquisito, paramos. A última coisa que quero é te
magoar, Is. Você continua sendo a minha pessoa favorita.
— E você a minha.

Aperto ainda mais nosso abraço.


Eu amo a Is desde sempre, minha parceira em tudo. Não há nada que não
fizéssemos um pelo outro.
Após nossa curta conversa, voltamos pra areia e nos juntamos aos demais.
Is ficou um pouco mais calma. Mantivemos nossas mãos dadas e
conversamos normalmente como nos demais dias até aqui. Relembrando
somente os momentos divertidos de nossas infância e juventude.

De tempos em tempos, Valentina observava nossas mãos unidas, e


considerei essa uma pequena conquista para o dia.
Ela só precisava demonstrar um pouco mais de interesse e seria o suficiente.
Era só o que esperava. Um pouco mais.
Por fim, o passeio foi divertido. Is e eu apenas nos despedimos com um
estalinho na porta de casa. Tina alegou que precisava de um dia de garotas e
isso levou o dia todo. E no final, agradeci por não precisar fingir por mais
tempo.
Eu devia ser a pessoa com a menor autoestima que existia na Terra.
Valentina, não sei por que cargas d'água, me disse que eu precisava deixar a
imagem de boa moça para trás. E eu, por algum motivo, a ouvi.
Eu confiava em Tina e esse foi meu erro. Quando ela e João, o cabeleireiro,
disseram que cuidariam da minha imagem e me prometeram que não
deixaria de ser loira, acreditei. Abri mão do controle e me deixei ser
convencida. Aparentemente esse havia se tornado meu hobby favorito. Seis
horas depois, minha amiga retornou de casa e, somente após seu crivo, pude
conferir o resultado do que acreditei ser apenas uma hidratação e um corte
ousado. Não era.
— Olha... como prometi, continua loira — constata, me encarando através
do grande espelho.
Observo mais uma vez a imagem da mulher que me encara de volta e
semicerro os olhos em direção à Tina.
Eu vou matar a Valentina. É isso.

— Eu pedi para que não mexesse na cor Valentina, somente isso. Parecia
bem simples para mim – esbravejo.

— Gata, você está com cara de femme fatale. Os dias de princesa ficaram
para trás — João enfatiza, engrossando o coro.
— Adorei o comprimento, João. Arrasou! — ela fala, ignorando
completamente; mais uma das muitas coisas que estranhei.
Valentina havia chegado na cidade há pouco tempo, mas parecia ter mais
intimidade com o cabeleireiro do que comigo. Poderia elogiar essa sua
habilidade mais uma vez, mas o choque que sentia ao ver minha imagem
não deixava.
Estava consideravelmente mais loira, bem mais. E meu cabelo havia sido
cortado na metade, mal chegavam aos ombros.
Antes da transformação, havíamos passado por massagens e banhos
relaxantes. Aprovei essa parte e, talvez, somente por esse motivo ainda não
tivesse voado em sua jugular.

Quando Tina sugeriu a mudança, me comunicou que faria algumas compras


e retornaria no final do dia para me buscar. E aqui estava eu, ainda não
acreditando que me encarava no espelho.

— Cabelo cresce e a cor volta ao normal, Isa. É tempo de mudanças, minha


amiga. E irei te tirar da zona de conforto, você querendo ou não — sorriu.
— Vamos? — declarou, como se estivesse me contando como estava o
tempo lá fora.
Ela fez questão de pagar por tudo. Aliás, nem sabia por que Valentina
precisava trabalhar, já que recebia uma gorda quantia de seus pais.

A mim restava somente me conformar. Por hora.

— Ainda não acredito que jogou todas as minhas peças íntimas fora,
Valentina. Isso foi longe demais — disse sem ânimo, enquanto me encarava
no espelho do pequeno armário.
— Se reclamar, refaço seu guarda roupa todo. Você não é mais uma menina
de doze anos, Isabella. Suas roupas íntimas estavam pela hora da morte —
argumenta.

— Não sei o que faço com você.


— Agradece? — colou seu rosto em meu ombro. — Olha como está de
matar agora. Pronta para uma noite quente com o seu namorado?

Quis contestar, mas iria dizer o quê? Não Tina, ainda não transamos. Ou,
que tal, não durmo com o Lucas.
Eu deveria matar o Lucas isso sim. Aliás, imaginar matando os dois me
deixava incrivelmente mais leve.

Valentina havia me vestido com um conjunto de lingerie minúsculo e


com bastante transparência. Nem vou comentar nada sobre a cinta-liga
e o salto que me fez calçar. Por sorte, a convenci de me deixar bater na
porta do Lucas de roupão, com a desculpa de que Pedro poderia me flagrar
no corredor.

O plano era vestir algo emprestado do Lucas ou dormir de roupão, ainda


estava decidindo essa parte.
Na verdade, a ideia inicial era dormir na sala, mas a negra está segurando a
minha mão enquanto bate na porta de Lucas, minando todos os meus planos
de poder fugir dessa insanidade.

Ela me observa com calma, buscando algum traço de que eu vá desistir. E


eu quero realmente desistir. Na verdade, nunca quis tanto uma coisa na
vida.

— Ele já deve estar dormindo, Tina. Amanhã eu combino direitinho com


ele — tento. Ela, por outro lado, estuda meu rosto que, creio eu, deve
demonstrar certo nível de desespero.

— Me deixa ver mais uma vez esse conjunto — abre meu roupão. — Mas
nem morta vou deixar que desperdice meu presente.
E em um movimento questionável, Valentina arranca meu roupão e se
tranca no quarto. Entendeu? NO MEU QUARTO.

Eu iria impor limites aos meus amigos.

— VALENTINA, ABRE AGORA ESSA PORTA.


— Não, aqui você não dorme.
— ABRE OU AMANHÃ VOCÊ NÃO TEM UM TETO PARA DORMIR
— ameaço, batendo na porta.
— Que barulho é esse? — um Pedro sonolento se junta a mim no corredor.

Leva cinco segundos para arregalar os olhos e eu me dar conta de como


estou vestida.

— Isa? Caralho! Você tá muito... Nossa, uau!


Eu reviraria os olhos agora, mas a vergonha permite? Permite nada! Tento
tapar as partes mais importantes, que nesse conjunto ESTÃO
TRANSPARENTES... Faço o melhor que posso.

— Vira para o outro lado, Pedro. Valentina abre essa porta AGORA!
— É um desfile da Avon? — o moreno questiona. — Lembrei do meu
tempo de moleque.

— Não ouse comparar meu presente com Avon — Tina se indigna do outro
lado da MINHA porta. E eu seminua no corredor. Esse dia não acaba.
— O que está acontecendo aqui? — Lucas por fim dá o ar da graça, abrindo
a porta de seu quarto.
E eu? Eu me jogo em cima dele, nos trancando dentro do seu quarto.

— Mas que diabos? — reclama.


— Eu vou matar você, Lucas. Aliás, você e a Valentina. Me fazendo passar
por isso. Quer saber como foi meu dia, Lucas? Quer saber como Valentina
me enrolou para cortar meu cabelo, pintar, depilar cada pelo do meu corpo,
me maquiar e trocar todo o meu guarda-roupa? Eu não tenho uma porra de
calcinha confortável Lucas, nenhumazinha sequer. E essa nem é a parte
mais constrangedora de tudo... Olha, vou te contar... Ela propôs que eu
viesse até seu quarto para fazer uma surpresa para o meu namorado. MEU
NAMORADO, LUCAS. E você não é esse cara. E aqui estou eu, seminua,
jogada no corredor. TODO MUNDO ME VIU ASSIM, LUCAS. E é por
sua causa, SUA. Ouviu bem? — não consigo respirar.
Paro de andar de um lado a outro quando noto que Lucas não disse
exatamente NADA.
— Vai ficar calado? — questiono, e o vejo engolir em seco. — Estou
trancada para fora DO MEU QUARTO.

Não aguento mais isso, sério. Vou enlouquecer!


— Você vai dormir comigo assim? — aponta, por fim, tirando a língua do
cu, só pode.
— Não, Lucas, vou dormir no corredor, ou com o Pedro. O que acha? —
bufo. — LÓGICO QUE É COM VOCÊ, já que é MEU NAMORADO!

— Is, eu consigo ver a sua... — aponta sem sequer piscar.


E é aí, nesse exato momento, que me dou conta que o conjunto pouco
esconde a minha intimidade. Me viro o mais rápido que consigo me
refugiando na parede, a fim de evitar que ele enxergue meu útero, já que
todo o resto, dado o longo discurso, não é mais possível ser protegido.
— Hum... — murmura.
— LUCAS...

— Oi!
— O que está fazendo? — reclamo.
— Eu... Bem... — o filho da mãe não formula nenhuma resposta.
— LUCAS!

— O que é, Is? — murmura.


— Você pode, por favor, me dar algo para me cobrir?

— Ah! — fala e não demora até que me jogue sua camiseta.


Visto-a o mais rápido que consigo, e me viro para encará-lo. Me perco por
um momento observando seu abdômen.
— Pode me emprestar uma cueca também? — pergunto por fim.
— Não é uma boa ideia não, Is — responde como se sentisse dor.
— Eu vou... — aponto para a cama.

— É... é melhor — concorda.


Deito e me cubro praticamente até o pescoço. Demora ainda alguns minutos
para que se junte ao meu lado.
A merda? A merda é que Lucas tem somente um travesseiro e um edredom.
Vivo dizendo a esse idiota para deixar outros jogos de cama no quarto, mas
a política de não trazer ninguém para casa faz com que o teimoso não me
ouça. NUNCA.
— Agora bate um arrependimento de ter deixado a suíte com você —
constata. E eu apenas encaro o teto.
São longos minutos de silêncio até, por fim, tomar coragem de observá-lo
com a minha visão periférica.
— Lucas, toma o travesseiro — ofereço assim que constato que o coitado
está desconfortável.

— Não precisa, Is. Pode ficar com ele. Estou bem.


— Não! Vamos dividir.
Após uma breve discussão, enfim, ele cede e divido o travesseiro. Veja
bem, já dividimos o travesseiro uma centena de vezes, mas nenhuma das
vezes foi tão desconfortável assim. Estamos tão próximos que é
claustrofóbico.
Não, não é nada! A verdade é que estou super consciente de sua presença
bem próxima do meu corpo e dificilmente irei dormir desse jeito.
— Is, não vai dar para dormir assim não — dá voz aos meus pensamentos.

— Olha, estica o braço e eu deito nele. Já fizemos isso um milhão de vezes


— decido.
Lucas obedece. Por garantia, me deito no seu antebraço para manter a maior
distância possível. Vai ser horrível e, muito provavelmente, dentro de
algumas horas não estará sentindo mais seu membro. Que situação.

Poderia me revirar inúmeras vezes, mas me mantenho bem quietinha, bem


consciente de que Lucas está sem camisa, apenas de samba-canção e nada
mais. E tudo isso, a menos de um braço de distância do meu corpo.

As horas passam e o sono não vem. Não vem porque eu gostaria de estar
me atracando com meu melhor amigo nesse exato momento.
— Luc?

— Oi! — responde prontamente.

— Estamos fodidos, não é? — geme em resposta.

— Estamos muito fodidos, Is.


O dia amanhece e constato que essa noite entra para o hall das mais
esquisitas da minha vida. Eu não dormi exatamente nada e a Is, apesar de
muito quieta, também não. Que bela bosta. A única parte boa é que
amanheceu e acabou o martírio.

— Is, já está acordada?


— Tô — responde de imediato.

É o que basta para presentear sua manhã com um sorriso amarelo e logo me
levantar para me aprontar para o trabalho. Isabella faz o mesmo, mas pela
minha vida, evito olhar para seu corpo. Em um tempo recorde, pego minha
roupa e parto em direção ao banheiro.
Eu deveria fazer uma lista de coisas que particularmente dariam errado no
meu plano. É isso.
1º – Sermos pegos na mentira por nosso amigo.

2º – O jeito questionável em que Tina está particularmente ok com meu


relacionamento fake.

3ª – A atração física recém descoberta entre eu e minha melhor amiga.


Era uma lista bem curta, mas com grandes probabilidades de dar uma merda
imensa pelos desdobramentos de seus "e se isso, e se aquilo". E foi uma
noite inteira pensando nesses “se’s”. E o principal deles, se Is e eu não
tomarmos cuidado, vou acabar magoando minha amiga.
Nada havia mudado, ainda gostava da Valentina e faria qualquer coisa para
tê-la em minha vida, mesmo que isso significasse mentir para todos.

E você aí pensando que eu seria o mocinho da história?

— Bom dia novamente, amor — disse assim que lhe entreguei a xícara de
café do jeitinho que gostava.
Isabella estava sentada na pequena mesa da cozinha de apenas quatro
lugares e bastante desgastada pelo tempo. Eu amo verdadeiramente esse
lugar, desde os móveis de cores desbotadas, de um azul claro que em algum
momento foi moda, às paredes de ladrilhos portugueses com arabescos
desgastados pelo tempo. Amo ainda mais a sensação de casa que tudo aqui
me remete. Claro que, dado aos eventos da noite anterior, essa sensação é
um pouco ofuscada.

Veja bem, minha intenção quando adentrei no cômodo foi demonstrar o


quanto era um namorado perfeito e carinhoso, dar apenas um selinho e
seguir com a conversa casualmente. Porém, no lugar do selinho, eu puxei
seu lábio inferior com os dentes, o sugando de levinho. Não me julguem,
estou com um puta tesão mal resolvido. Vou colocar a culpa na Valentina
dessa vez.
Is ficou rígida imediatamente e Pedro interferiu com um pigarrear. Me fiz
de besta, claro. Continuei o assunto anterior, antes de sua aparição, e me
despedi o mais rápido que pude para me livrar por hora daquele teatro.

Voltei para casa o mais tarde que consegui. Jantei no escritório e fiz questão
de comprar um kit de cama extra. Como dizia meu pai: “um homem com
experiência é um homem grande”. Eu não dividiria mais cobertores e
travesseiros com Isabella.
Levei tudo o mais rápido que pude para o quarto e, após um banho
relaxante, como imaginava, Is bate na minha porta pontualmente. Isabella
traja um baby-doll dessa vez. Estaria mais aliviado, se aquela porra ainda
assim não fosse sexy para um senhor caralho. Eu queria chorar.
Is me cumprimenta e vai direto se deitar na cama, ocupando seu lugar. Fiz
questão de comprar um travesseiro a mais para separar meu pau daquela
bunda linda que descobri ter.
Veja bem... Isabella era magrela, inocentemente eu pensava assim até
ontem. Sempre optou por roupas mais soltas e que não deixavam se fazer
perceber o que maquiavelicamente escondia por debaixo delas. Não que eu
nunca tenha visto Is de biquíni. A verdade é que não me dei ao trabalho de
observar com atenção o seu corpo.
Eis que ela me aparece vestida como uma daquelas modelos famosas de
lingerie, com seu cabelo platinado e uma maquiagem que faria qualquer
homem se ajoelhar aos seus pés e implorar para que deixasse... Bem, você
sabe.
Foi naquela fração de segundo que me dei conta que Isabella era magricela
porra nenhuma. E eu fui ludibriado por toda uma vida, como se tivesse
recebido aquele eterno "na volta a gente compra" de mãe, inquestionável.
Seus seios pulavam para fora daquela porra que chamava de sutiã. E o pior
nem era isso, era aquela calcinha minúscula e completamente transparente.
Is se virou e eu me fodi.
Adoro bundas, sabe? E a bunda da Isabella é especialmente bonita naquela
tanguinha toda cavadinha... FOCO LUCAS! Eu preciso de foco. Preciso de
foco e uma punheta.
Estamos em silêncio e no escuro.

Sempre adorei o cheirinho de uva provindo dos seus cabelos, sempre me


remeteram à infância e segurança, mas agora essa porra desse cheiro me
deixa duro no escuro.

Tá calor pra cacete aqui. Essa porra desse ar está com defeito?
"Valentina me enrolou para cortar meu cabelo, pintar, depilar cada pelo do
meu corpo". Cada pelo. Porra, isso me fode em um nível que não dá para
mensurar. Eu me abraçaria se fosse possível. Estou com pena de mim.
Mais uma noite de pau duro ao lado da Is. Que porra. É doloroso, sabe? As
bolas pesam.
"Não tenho uma porra de calcinha confortável, Lucas, nenhumazinha se
quer". Que merda! Ela deve estar usando uma tanguinha minúscula por
debaixo daquele short.
Preciso dormir... só um pouquinho. Pensar na... vai ajudar em nada, Lucas.
NADA! EU PRECISO D.O.R.M.I.R.

O dia amanheceu e não dormi nada. DE NOVO!


Olho para o lado e Is está dormindo tranquilamente. Em outro dia qualquer
me jogaria em cima dela e a acordaria com beijos babados que ela
particularmente odeia.
Contudo, Is sentiu calor a noite, e está sem o cobertor, com aquela bundinha
arrebitada virada para cima que pede atenção. No caso, da minha mão ou só
a pontinha do meu amigo que está prestes a GANGRENAR E CAIR.
Vida que segue...

— Bom dia, amor. Por que não me acordou? — Is se serve de uma xícara
de café e enche a minha novamente.
Até aqui tudo ótimo, não é? Ela se inclina e me dá um beijo na boca bem
rapidinho. E meu pau acorda. DE NOVO!

Praticamente engulo meu café e saio para meu refúgio, ou seja, o trabalho.
Uma vez que meu lar não é mais um.
[...]
É a quarta noite que não durmo nada. Encaro meu reflexo de panda no
espelho, deixando transparecer todo meu mau-humor. Não aguento mais.
Sério! NÃO AGUENTO MAIS.
— Lucas? — Valentina aparece na porta do banheiro.

— Bom dia, Tina — queria tratá-la com mais carinho, mas o dia não
amanheceu especialmente bom.
— Está tudo bem? Parece cansado.
— Não tenho dormido muito — para falar o mínimo.

— Eu me lembro dessa parte — diz, mordendo o sorriso daquela forma


sacana que adoro.
Não estou diferente, porque ter Tina me provocando é algo a se gabar.
Entenderia se a visse.

— Sei o quanto é inapropriado dizer isso agora, mas sinto falta às vezes —
revela.
Também, quase todos os dias. Penso, mas não falo.

— Mas sei que a Isa vai te fazer feliz, sempre soube que vocês nasceram
um para o outro. Só não queria admitir na época.
Ciúmes, Valentina?

Juro que tento controlar a vontade de sorrir, mas falho miseravelmente


enquanto encaro seus olhos jabuticabas.

Já posso comemorar?
Me mantenho em silêncio fazendo a barba, enquanto a encaro pelo reflexo
do espelho, com uma expressão boba de quem recebeu seu presente favorito
e ainda não sabe como agradecer.
— Na verdade, vim somente avisar que hoje terá um evento de Halloween
da empresa. Trarei fantasias para todos nós e não aceito recusas. Me
conhece o suficiente para saber que é pura perda de tempo contestar alguma
coisa comigo.

Como se eu conseguisse negar alguma coisa a você.


— É... ainda me lembro dessa parte — sorrio. — Vou chegar mais cedo e
você pode brincar de nos produzir, como sempre faz.
Ela ficou satisfeita com a resposta, e nossa interação com toda a certeza foi
um bom acréscimo ao plano. Posso dizer que sou um homem feliz. Vou
contar também as pequenas vitórias.

— Nossas fantasias são de mendigos? — Pedro questiona e eu rio alto.

Recebemos somente uma calça esfarrapada e suja como fantasia.

— A ideia é que sejam pecadores que serão condenados ou absolvidos, e


isso dependerá unicamente de vocês — Tina explica, apontando do
corredor.
Meu sorriso morre nos lábios assim que a vejo. Valentina está vestida de
diabinha, mas o termo inha nem se aplica aqui. É uma porra de um macacão
de vinil vermelho que se agarra perfeitamente naquela bunda que me deixa
sempre meio doido. Eu gostaria de ser condenado mil vezes se meu suplício
fosse feito por ela.

— Vou enfartar, sério. Como você está gata nessa roupa, pimentinha. Aceito
ser furado por seu tridente na hora que quiser — Pedro dá voz aos meus
pensamentos.
E eu? Eu fico aqui parado, tentando não parecer um idiota, enquanto
analiso discretamente cada parte das curvas que tanto sinto falta.
— Gostaram? — dá uma voltinha e quase morro. — Nossas fantasias
combinam. Vem logo Isabella. VAMOS NOS ATRASAR.
— Não acredito que me fez vestir isso — Is chega reclamando.
E aí meu amigo? Vou te contar o tamanho do meu problema.
Sabe quando você deseja muito um jogo de videogame? Você junta a
parca[1] grana da sua mesada por meses a fio, e finalmente garante a quantia
necessária para adquirir a fonte de todo o seu desejo. Você vai à loja –
muito jovem e inocente – empolgado e ansioso para comprar seu tão
almejado prêmio.
Aí vem a vida e te fode. Você chega na loja feliz, sabe? Realizado por
conseguir seu intento, e se depara com um novo lançamento. Naquele
momento sua inocência não permite enxergar o verdadeiro problema, a
frustração de não ser o suficiente. Você não sabe se o novo jogo será tão
bom quanto a versão que almejou e esperou por meses, mas é tentador
imaginar que sim. E essa é a Isabella, vestida de anjo.
Falando assim não consigo detalhar para você o tamanho do meu problema.
Mas vou te contar: é um sutiã brilhoso que fazem os peitos dela ficarem em
3D e uma sainha de pregas bem curta, curta mesmo, e nada mais... Quer
dizer, tem a cinta-liga que está completamente visível. Puta merda.
Esse nem seria o problema se eu não desejasse minha amiga noite após
noite. Graças a minha ideia idiota de fingir um relacionamento. É de fazer o
cu cair da bunda, com toda a certeza.
— Está linda, Isa. Fico feliz que a Valentina tenha, enfim, te convencido a
não se esconder em suas roupas largas. Hoje o Luc terá mais alguns cabelos
brancos — Pedro diz e sorrio. — Fica tranquila que se o idiota se meter em
confusão por sua causa, tem um amigo bem grande aqui disposto a ajudar a
te proteger.
Para provar seu ponto, força os músculos do abdômen e braços. Eu rio.
— Obrigada, grandão. Sabe que te amo, não sabe? E se tem alguém que
pode me proteger, se eu de fato precisasse de alguém, é você.
— Te amo mais, anjo. E nada me faz tão feliz do que assistir esse seu
sorriso. Quero realmente que seja feliz, Isa.

— Vamos parar de melação? E eu não tenho cabelos brancos, idiota. São


fios loiros naturais — Lucas semicerrou os olhos em sua direção. — Está
linda demais, Is — garantiu.

Sei que não é apenas uma encenação. Como um acordo implícito quando
estamos fingindo, nos chamamos de amor. Mas quando é real ou estamos
apenas nós dois, voltamos a ser novamente Lucas e Is.
— Eu te disse — Tina endossa sem som e pisca, provando seu ponto.
— Não sei bem se estou cem por cento confortável assim, mas vamos, que
Tina não pode se atrasar.

[...]
— Ei, ei, ei... Levanta esse rosto e tira essa carinha de assustada —
Valentina fala quando estamos prestes a entrar no evento.
— Não sei não, Tina. Aqui não deixa de ser meu ambiente de trabalho e
estamos vestidas, bem... nem posso dizer que isso é realmente um traje.
Na verdade, não é bem uma festa fechada. Está mais para um grande evento
entre diversas empresas de moda. Desses glamorosos que tem muitas
pessoas estranhas dando em cima dos outros. Chamam de “fazer contatos”.
Bem, o contato é seu e você tem o direito de chamá-lo como quiser, não é?

A boate não passa de um grande galpão e, devido à temática de hoje, está


completamente escuro. Há leds coloridos e fumaça branca por todo o lugar.
Valentina arrasou como sempre. Escolheu a melhor boate da cidade e uma
equipe de eventos de deixar qualquer um de boca aberta, exatamente como
estou agora. As imagens são assustadoramente reais, mas tudo parece muito
caro e de bom gosto ainda assim.

Todas as pessoas que conheço na cidade estão aqui. Assim como os


modelos da agência. Usam fantasias extravagantes e extremamente
provocantes, em uma produção digna de horas, tenho certeza.
— E eu sou a melhor relações públicas que essa empresa já teve ou terá. E
você, futura gerente financeira, levanta esse rostinho maquiado com esmero
e faz a cara da mulher poderosa e sexy que é — segura meu braço. —
Trouxe dois espécimes[2] do sexo masculino invejáveis conosco, e hoje só
ficarão de espectadores.

Ri bastante da ideia da Valentina em deixar nossos amigos seminus,


exibindo seus físicos para, de acordo com ela, colocar inveja nas bruacas da
minha sala.

Valentina é do tipo de amiga que toma as dores dos outros. Não gostou de
como as meninas me tratavam. Não ligo, sabe? Minha vida pessoal deixo
fora das portas da empresa. Lá dentro dou o meu melhor e pouco me
importo com o que falam a meu respeito. Já Tina, não!
Respiro fundo como me orientou e entro ao seu lado, fazendo cara de
paisagem mas, por Deus, evitando olhar para o lado se possível.

Em nosso encalço estão nossos amigos. E estão de tirar o fôlego realmente,


não deixando a desejar em nada para os modelos aqui presentes. Oh,
homens bonitos, esses. Dá até pena dos colegas de trabalho.
— Doces ou travessuras? — Elton, diretor do Recursos Humanos, nos
aborda assim que entramos. — A festa está incrível, Valentina. Parabéns
mais uma vez. Isabella não exagerou em nada a seu respeito. Estou
impressionado.

— Valentina, está maravilhosa... — Daniel, diretor financeiro, e para todos


os efeitos -meu chefe-, me encara. – Isabella?

Tina sorri com a constatação.


— Oi Daniel, tudo bem? — falo da forma mais séria possível, o que é bem
difícil dentro dessa roupa.

— Nossa, uau! — sorri. — Não te reconheci.

Já estou acostumada com suas tiradas inapropriadas e sua fama em se


relacionar com seus funcionários. Entretanto, até o momento nunca havia
insinuado nada diretamente a mim. Culparei também minha amiga por não
passar despercebida hoje.

— Por que a escolha das roupas meninas? — Elton questiona curioso.


— Ora, Elton! O tema da festa é purgatório ou paraíso, e é claro que eu
tiraria proveito do tema — Tina recita simplesmente.

— Fica difícil escolher assim — constata. — Se divirtam, garotas.

— Acho que hoje escolheria o paraíso — Daniel sorri quando diz.


— Hum... É certamente a escolha do seu acompanhante também. Lucas? —
Valentina chama meu amigo, que não demora a vir em nossa direção.
— Deixe-me apresentá-los — aponta para os rapazes. — Esse é Pedro, meu
acompanhante e esse é Lucas, acompanhante da Isabella — Daniel encara
os dois brutamontes e noto quando encolhe os ombros. É quase satisfatório
vê-lo minguar.

Apertos de mãos são trocados, mesmo assim.


— Boa noite Daniel, Elton — digo, deixando-os para trás.

É uma segurança fingida, mas ultimamente estou tão boa em atuar que até
acredito estar na profissão errada.
É estranho para caramba receber a atenção que estou recebendo. Estou
acostumada a passar despercebida todos os dias, mesmo nas horas em que
somos obrigados a socializar entre uma pausa e outra.
Das mulheres recebo olhares estranhos, muito provavelmente por estar
dançando ora com Pedro, ora com Lucas. Essa parte até entendo.
Entretanto, são os olhares masculinos que me deixam completamente sem
graça. Uns de surpresa e outros, outros que por Deus...

— Aquela não é a vaca da... qual é mesmo o nome dela? Ah! Patrícia —
Tina aponta para a mulher conversando com o Lucas.
Patrícia. O que falar dela? Bem... Patrícia certamente possui a síndrome de
personalidade histriônica. O tipo de pessoa que é suscetível a uma variação
rápida de humor, bastante dramática, teatral e influenciável. Seu objetivo
quase sempre é chamar a atenção. Nem vou comentar o fato de achar seu
caráter um pouco duvidoso, atrapalhando sempre que tem oportunidade
aqueles que julga ser sua concorrência. Nesse momento, eu!
Gosta particularmente de competir comigo, almeja a vaga de gerência que
estamos concorrendo. E agora, nesse exato momento, sou sua pedra no
sapato, uma vez que provocou a demissão da Tatiana. Por isso, acredita ser
de bom tom estar nesse momento dando em cima, com inúmeras
insinuações, do meu namorado de mentira. É apenas uma provocação de
uma pessoa imatura.
Bem que gostaria de ignorar, mas sou amiga daquele idiota que está todo
sorrisinhos para ela nesse momento. E Patrícia é a própria profecia se
cumprindo. Certeza que se raspassem a sua cabeça encontrariam três
números seis bem aparentes.

Tomo três shots de uma única vez e vou lá salvar aquele imbecil.
— Oi amor, acho que chegou a hora de me tirar para dançar — Lucas me
encara como se tivesse nascido chifres em mim.
— Patrícia, me dê licença. Minha namorada está avisando que chegou
minha vez — sorri, se desculpando e já me abraçando pela cintura.

— Patrícia — digo, puxando meu acompanhante para pista.


Claro que a ruiva nunca é simpática, especialmente comigo. Apenas me
lança um olhar de desdém. Por mim, ok.
— O que foi isso? — me questiona assim que chega na pista. — Você não
age assim normalmente.

— Patrícia me vê como uma ameaça, e estava conversando com você


provavelmente com a intenção apenas de me provocar. E você tem um fraco
por mulheres bonitas com caráter duvidoso. Não é novidade para ninguém
isso. Não é verdade?
— Nossa, Is. Você sabe como aumentar a autoestima de um cara —
murmura rindo. — Sério mesmo, meu ego está impossível nesse momento.
— Vou deixar você me agradecer depois, mas agora está na hora de fazer o
papel de namoradinhos — suspirei. — Não aguento mais me esquivar dos
colegas da agência.
— Tudo bem, então — me agarra pela cintura e começa a se mexer no
ritmo da música. — Vamos deixar claro que essa gata aqui está
acompanhada, mesmo que seja fake — provoca.

Lucas está acostumado a esse tipo de evento, eu não. Na verdade, meus


amigos saem bastante, e costumam fazer um rodízio para me fazerem
companhia quando é dia de programas fora os nossos. Acho isso muito fofo
da parte deles.
Eu poderia dizer que retribuo. Contudo, são raras as minhas saídas sem
estar com os dois. Pensando a respeito, deveria mesmo sair mais, conhecer
outras pessoas e transar. Com toda a certeza transar.
[...]

Toda minha vida é bem estruturada e meus passos são calculados com
esmero para que tenha uma carreira ilibada. Não sou dada a excessos.
Acredito que a única loucura que me meti recentemente foi esse
relacionamento de mentira que praticamente fui obrigada a ter.
Lucas está dançando bem próximo, tento ignorar os gominhos do seu
abdômen que estão molhados de suor, pedindo por gentileza que eu os
prove com a língua.
Tem sido noites difíceis apesar de não termos nos beijado. O desejo está lá,
bem na superfície.
A droga da pista está enchendo bem rápido, obrigando a colar nossos
corpos que, até então, estavam em uma distância segura, respeitando nosso
acordo tácito[3].

Me viro de costas em uma tentativa de fazer com que nossas bocas não se
colem. Por Deus, não podemos nos beijar.

Está bem quente e muito apertado, tá sentindo?


A pista está cheia. Logo, é inevitável que minha bunda não se cole ao seu
quadril. A merda? A merda é que a bebida sempre nos deixa mais corajosos
e descobri recentemente que me esfregar no Lucas é uma das minhas coisas
favoritas. É melhor que chocolate. Não deveria, mas é. Vou fazer o quê?
Lucas é receptivo, sabe? Sua mão se cola no meu ventre, subindo e
descendo no ritmo da música e ele é muito bom em dançar também; dançar
e se esfregar.
Acho que Luc deve gostar também desses contatos, porque uma de suas
mãos está justamente agarrando meu quadril nesse momento.
Planejar. Acho que chega um momento em que planejamentos se fazem
necessários. Eu certamente deveria ter pensado a respeito com frequência, e
ter decidido começar a colocar em prática a questão.
Se me perguntassem, estava começando a ficar animado em saber que a
noite jazia completamente normal. Estava me divertindo entre amigos,
como costumávamos fazer todas as vezes anteriores, antes das coisas se
complicarem.
Isabella sorriu feliz, animada com os movimentos da dança. Gostava de vê-
la assim, leve, divertida, a Is.
A pista encheu em algum momento e me pus a proteger a sua volta, como
bons amigos fazem. Amigos possuem um salvo-conduto para toques, sem
qualquer tipo de maldades ou intenções, além da proteção e cuidado. Ela se
virou ainda sorrindo, evitando que nossos rostos se encontrassem, e faltou
planejamento.
Foi sem querer que seu corpo se colou ao meu. Certamente não foi
intencional que suas pálpebras se fechassem no processo. Seus cabelos
grudaram em mim, trazendo o aroma de uva, e decidi seguir seu exemplo,
fechando os meus também. Contudo, deveria saber que privar a visão
aguçaria outros sentidos, e eu estava sentindo seu aroma misturado a suor, o
que despertou rapidamente outras vontades.
Não planejei arrastar lentamente meu nariz em seu pescoço, absorvendo a
amálgama[4] de suor e uva. Também não foi intencional senti-la estremecer
com o ato, mas ali estava.
Sequer percebi em que momento decidi levar minhas mãos ao seu ventre,
ou trazer seu quadril para mais perto de forma impossível. Foi impossível
também não querer ainda mais. Is gemeu baixinho e eu ouvi, consciente
demais de seus movimentos.
Tesão é uma coisa. Se procurar a definição no dicionário encontrará que se
trata apenas de um desejo sexual e que essa sensação é a mesma atingida
quando tem um orgasmo ou come uma sobremesa. Para mim estavam
certos, até ter Isabella se esfregando em mim. Era demais e, ao mesmo
tempo, de menos.
Estava tão consciente do movimento e dela que todo o resto se esvaiu muito
rápido. A música, as pessoas, o pudor. Tudo.
Planejamento, eu deveria realmente prever antes de executar. Mas era tarde
demais. Como dizia Philip Roth: “quem, algum dia ganhou uma discussão
com um pau duro?”.
Minha mente me pregava peças, imaginando muitas equações e quais
seriam os resultados possíveis. E o pior, não dava a mínima para as
consequências. Não agora.
— Luc... — apenas um sussurrar do meu nome, e desejei que ela o gritasse
satisfeita.
A agarrei com mais força e Isabella deu uma rebolada lenta e gostosa que
me fez considerar gastar o réu primário. Gemi em seu pescoço, porque não
havia nada a mais a ser feito a respeito.
Eu ia ceder. Iria pedir, talvez até mesmo implorar. Eu ia chupá-la até ficar
satisfeito de seu gosto e fodê-la até que ambos dormissem esgotados após
tantos orgasmos.
— Lucas... — falou um pouco mais convicta, antes de se afastar e me
deixar sozinho na pista.
[...]
Isabella e eu não voltamos mais a ficar juntos durante a festa. Ela correu de
mim como qualquer pessoa de juízo teria feito. Sua atenção foi direcionada
à Tina e aos drinks. Bebidas demais para quem não estava acostumada a
fazer isso com frequência.
E quando seu corpo cedeu ao álcool, achei uma boa ideia trazê-la para casa.
Pedro permaneceu na festa para fazer companhia a Valentina já que,
enquanto responsável pelo evento, sua presença se fazia necessária até o
encerramento.
Minha amiga tropeçava em suas próprias pernas quando decidi, por fim,
carregá-la até o banheiro, já que insistia em tomar banho. Não a despi
completamente e também não a deixei sozinha. A ajudei com o banho como
fez comigo inúmeras vezes. Éramos esse tipo de amigos. Minha Is.
— Você é muiiito gostosoooo, Lucas — revelou e sorri.
— Xiu! Fica quietinha e vamos acabar logo com isso para eu te colocar na
cama — argumentei, enquanto ligava o chuveiro.
— Não aguento mais sentir tesão por você, Lucas — e parece que as
comportas da sinceridade estavam abertas. — Não devia ter aceitado seu
plano idiota.
Era um plano realmente ridículo, mas sou inocente nesse aspecto. Também
não planejei a química que temos.
— Isabella, colabora comigo. Toma o sabonete — entreguei, querendo
cessar o assunto.
— Na verdade eu não deveria ter aceitado pular a casa da dona Matilde. Tô
tãoo arrependida — fez uma carinha fofa de desagrado, fechando os olhos
assim que toquei seus cabelos com seu shampoo favorito.
Encarei o rosto da minha amiga, recordando da história em questão.
Foi logo após termos nos conhecido. Estava discutindo com Pedro que, em
um chute forte demais, mandou para dentro da casa da bruxa a bola dada
por meu pai.
— Você vai comigo buscar a bola, Pedro — falei, furioso.
— Eu não pulo na casa da dona Matilde, cê tá louco? — insistiu.
Dona Matilde era conhecida por ter pouca paciência e muitos brinquedos
destruídos. Não gostava de crianças e talvez fosse esse fato que, por ironia,
o destino quisesse lhe presentear ou atormentar de tempos em tempos,
mandado de presente brinquedos de crianças desavisadas.
— Você jogou, pega! — mandei, sentindo meus olhos começarem a
lacrimejar.
Ela estouraria minha bola, assim como fazia com tudo que caía em seu
território. Não podia permitir, não perderia um dos últimos presentes do
meu pai. Porém, com oito anos de idade, era difícil ter a coragem suficiente
para encarar a senhora mal-humorada.
— Eu vou com você — a menina franzina segurou minha mão e me
encarou, dando a coragem que eu precisava.
Apenas assenti e, minutos depois, corríamos pela rua animados com nossa
conquista.
Isabella segurou minha mão pela primeira vez e não soltou mais.
Lembrar da história me causou um imenso nó na garganta, daqueles que
impedem a gente de engolir salivas ou verdades.
Eu era um amigo idiota com tesão. Isabella não merecia um cara como eu,
ela merecia muito mais. Merecia um amigo verdadeiro que jurou protegê-la
como fez comigo por toda vida.
Não poderia ceder ao desejo de transar e magoar seu coração. Não faria isso
com ela. Is não merecia que a comessem por tesão. Minha Is merecia flores
e sorrisos. Isabella é fantástica.
— Is — chamei, observando o verde de seus olhos me encararem de volta.
— Não podemos transar — acariciei seu rosto e a vi fechar os olhos com o
toque. — Eu te amo tanto que nem sei o que faria se te magoasse de alguma
forma. A única coisa que acabaria comigo seria te perder — beijei sua testa.
— Eu não sei mais viver sem você — a puxei para meus braços. — Me
desculpa por estar sendo um idiota.
— Promete? Não quero me magoar, Luc — confessou.
— Prometo.
— É... eu também — disse, e me abraçou bem forte como sempre faz.
Apertei ainda mais nosso abraço, sentindo o peito doer de um jeito
estranho. Talvez fosse remorso.
Saí do banho me mantendo em pé por um milagre. A sensação nesses dias
era como ter uma serra no meu útero, partindo-o ao meio.
Escolhi meu moletom especial para dias assim, e me pus a andar em passos
lentos a caminho da sala.
O lado positivo disso era que a dor quase me fazia esquecer a noite anterior.
Lógico que as lembranças ainda estavam lá, distorcidas, mas ainda assim
havia uma boa dose de realidade de tudo que aconteceu. Principalmente da
parte em que meu cérebro parou de raciocinar e decidiu ser ok dar em cima,
descaradamente, de meu amigo.
Foi humilhante, ainda mais pelo fato de prometer não me tocar. Eu deveria
ficar realmente aliviada, mas não era o que sentia.
Talvez fosse melhor assim. Meu pobre e iludido coração iria se apaixonar
um pouco mais, fazendo a volta à realidade ser ainda mais difícil. Porque
chegaria esse momento, aquele em que Tina e Luc seriam novamente um
casal, e a mim restaria catar meus pedaços.
Sempre imaginei que nos apaixonamos por etapas até decidir ou reconhecer
o que é um amor verdadeiro. Na maioria dos casos é apenas atração e,
iludidos para atenuar ou enaltecer seu efeito, chamamos de paixão. E
sabemos que o desejo um dia acaba, e aí nos resta somente a frustração de
ter que reconhecer que nos iludimos pelo que inventamos do outro.
É isso! Posso estar me confundindo a vida toda. Um amor platônico, que
quando dado a chance vemos que não era nada do que imaginávamos.
Amo demais meu amigo, ninguém no mundo é tão bom ou divertido como
Lucas. E agora descobri essa química. Pode me culpar por esses
sentimentos?
Certamente se sentasse com algum terapeuta ele me diria que coloquei essa
pessoa em um pedestal, e que bastaria a realidade para enxergar que
idealizei alguém a ponto de achá-lo perfeito. Lucas não era perfeito e tinha
que tirá-lo desse lugar bem rápido.
— Não me diz que esqueceu que hoje vamos sair? — Tina falou com
desagrado, assim que me viu vestida com meu moletom surrado.
— Está bem, Isa? Quer que eu fique com você? — Pedro perguntou
preocupado, e Tina o encarou sem entender. — Dia vermelho, princesa —
explicou.
Valentina me olhou com um olhar de quem pede desculpas assim que se deu
conta. Não era novidade para ninguém as crises que tinha. O pior é que era
completamente desregulada, e minha menstruação poderia ficar meses sem
vir. Por isso, prever uma data ou fazer a tabelinha não era nem uma opção.
Anticoncepcionais foram sumariamente desestimulados por meu médico, e
a mim cabia resistir àqueles dias corajosamente.
— Is, o que foi? — Lucas questionou assim que se juntou a nós.
— Ok, vamos ficar em casa. Vou preparar o jantar — Valentina já estava a
caminho da cozinha.
— Qual é a escala de dor? — meu namorado de mentira questionou
preocupado.
Convivi com aqueles homens boa parte da minha vida, não existia nada que
não soubéssemos uns dos outros. Quer dizer, quase nada.
— Não precisam se preocupar. Vão vocês e fico aqui. Vou tomar um
remédio e apagar de qualquer jeito — garanti, recostando a cabeça no sofá.
— De jeito nenhum, Is. Vocês vão, fico com ela — Lucas decidiu.
Eu estava contestando, mas todos pareciam me ignorar e discutir entre si se
o passeio deveria ou não ser cancelado. Me recostei no sofá e apenas fechei
os olhos.
— Ei, toma aqui seu remédio — Lucas me entregou o remédio com um
copo d’água e me cobriu com a manta. — Por que não escolhe um filme
mela cueca pra gente assistir, enquanto faço a pipoca?
Valentina e Pedro, diante da teimosia de um Lucas enérgico, cederam e
saíram os dois.
Ele me entregou o controle com um sorriso carinhoso e logo se retirou em
direção à cozinha.
Acessei o streamer e zapiei até achar um filme de romance que parecia
razoavelmente seguro.
Alguns minutos depois, Lucas retornou com um copo e um balde de pipoca
que pareciam um verdadeiro exagero para apenas duas pessoas. Além de
chocolate e uma bolsa térmica.
— Suco de abacaxi com gengibre, pipoca e chocolate para a senhorita —
anunciou, se juntando a mim no sofá.
Me entregou a bolsa térmica quentinha e lhe agradeci com o olhar. E, como
todas as outras vezes até aqui, se sentou bem colado, dando início ao seu
cafuné.
O diabo do homem cheirava bem. Era uma mistura cítrica e amadeirada que
me fazia querer colar o nariz em seu pescoço e nunca mais sair dali.
— Abacaxi eu até entendo, mas gengibre. Sério? — questionei, fazendo
cara de nojo.
— Não questiona seu enfermeiro e bebe tudinho como a boa garota que sei
que é. O que escolheu para vermos? — ignorou completamente minha
aversão a gengibre.
— Amor e alguma coisa que não lembro. Parece clichê e tenho certeza que
vai odiar cada momento — sorri com a careta que fez.
— Não podemos assistir a um terror? — seu olhar quase me fez ceder. —
Vai dormir comigo de qualquer jeito. Não vai sentir medo — prometeu.
O ignorei e dei o play. Sabendo de meu estado, apenas se calou.
O filme começou e minha atenção foi para a pipoca e para a televisão.
Nossa rotina nesses dias seria: após alguns minutos de filme, o remédio
começaria a fazer efeito, eu acabaria adormecendo com seu cafuné e
somente acordaria na cama no outro dia. Mas o que de fato aconteceu foi:
meia hora depois, estava respirando curtinho, arrependida pela escolha.
A sinopse prometia um drama. Entretanto, na prática haviam cenas bem
quentes que bastaria mais um frame para que se tornasse imperativo trocar
meu absorvente. Estava molhada e, para minha afronta pessoal, não era
somente sangue.
Ameacei olhá-lo pela visão periférica e me arrependi. Assim como eu,
Lucas parecia bem afetado. Quase não se mexia mas, de tempos em tempos,
mordia o lábio como se fosse necessário para se manter são.
— Acho que vou trocar o absorvente — falei, já me levantando do sofá.
Cheguei ao banheiro pensando seriamente se deveria me satisfazer. Mas
Deus sabe que isso levaria meus pensamentos diretamente para o loiro na
sala, e dividir a cama após isso seria romper mais uma barreira.
Optei por um banho quase frio, mas demorado o suficiente para apagar as
cenas vistas. E como gostaria de ter feito igual. Agora entendia
completamente o apelido Metflix.
Antes de retornar para sua companhia, tomei mais um remédio, e não era
exatamente para cólica.
O filme já havia acabado, a bagunça arrumada, o que me deixou sem
alternativas além de ir ao seu quarto. O encontrei vazio. Deus olhava suas
filhas, afinal.
Deitei rapidamente, me agarrando ao travesseiro e fechando meus olhos em
uma oração silenciosa, para que dormisse antes que ele pudesse retornar.
Assim que atravessei a porta pude ouvir a música alta e o som das panelas
batendo. O apartamento não é muito grande, por isso é perfeitamente
possível, de onde estou, ver a origem do barulho.
Isabella segue alheia a qualquer outra coisa que não seja a pilha de coisas
em cima da pia. Enquanto divide sua atenção separando alguns ingredientes
para o que creio ser o nosso jantar. E eu duvido muito que vá utilizar de fato
tudo o que está juntando.
O som alto me mantém oculto, ou é apenas sua concentração que ainda a
deixa alheia à minha presença. Is é metódica, confere no celular o que
imagino ser a receita, busca o que precisa e volta a fazer isso algumas
vezes.
Sei que não tem qualquer habilidade na cozinha, e encarar o pacote de
Lámen separado para o menu escolhido quase me faz rir.
Quem geralmente cozinha é o Pedrão. Também ajudo em alguns dias com a
receita secreta de dona Vilma que, na verdade, não passa de um macarrão
prático que minha mãe jura ser herança de família. E nos demais,
lanchamos ou saímos.
Isabella na cozinha é sempre um sinal de desastre.
— O que está fazendo? — questiono, a vendo se virar rápido em minha
direção e levar as mãos ao peito.
— Que susto, Lucas! — ralha. — Por acaso não está vendo? Estou
preparando nosso jantar.
Aponta para a bancada sinalizando os ingredientes e revirando os olhos,
como se lhe faltasse paciência para o óbvio.
Veja bem, a lista de ingredientes inclui: alguns pacotes de miojo, creme de
leite, queijo e presunto. Seguro o riso, porque sei que vai ficar chateada.
— O que foi? — estreita os olhos para mim.
— Miojo, Isabella? — ela sorri e não consigo segurar. Desmancho em uma
risada estrondosa a vendo ceder e se juntar a mim.
— Para de rir, Lucas! — fala ainda rindo. — Não é miojo. É macarrão ao
forno com molho branco. Um clássico francês.
— Tudo bem, Is. Vou te ajudar a preparar, antes que um francês bata à
nossa porta e te processe pelo absurdo que acabou de dizer. Me fala como
posso te ajudar a preparar nosso incrementado jantar.
— Não tira sarro! — aponta para os ingredientes. — Pode picar os frios
enquanto preparo o molho — delega no seu tom mandamental[5] que
sempre usa conosco.
Vou em direção à pia, já dobrando as mangas da camisa social que estou
usando, antes de lavar as mãos.
Is mantém a atenção em meus braços por um tempo, tempo demais, até se
dar conta que o ato provavelmente durou mais do que deveria ser
considerado normal. Acredita que não reparo, mas eu reparo sim, Is. Aliás,
temos feito bastante isso um com o outro ultimamente. Está quase virando
um hábito entre nós.
Minha atenção logo é direcionada para a função de picar a pilha de queijo e
presunto, enquanto a Master Chef mistura creme de leite e o pozinho do
produto, se sentindo muito satisfeita pela elaborada receita que achou na
internet na primeira opção de busca.
Quando o mise en place[6] está devidamente organizado e pronto, se põe a
montar, jogando os ingredientes em camadas na travessa de vidro e
levando-a ao forno em seguida.
Bem... ruim não deve ficar.
Quinze minutos depois, retira a travessa do forno, levando-a até a pequena
mesa. E descubro que queijo pode salvar qualquer coisa.
— Ficou bem bonito — elogio. — Quer fazer uma sobremesa?
— Comprei cupcakes — fala satisfeita, como se tivesse pensado em
exatamente tudo para noite. — Vinho também. Eu pensei em exatamente
tudo.
— Nossa! Qual ocasião especial?
— Custou quinze reais a garrafa. Então, tem apenas o objetivo de embriagar
vocês, para que achem meu miojo bom o suficiente — arqueio a
sobrancelha.
— Não era macarrão ao molho branco, gratinado com queijo? — sarcástico.
— Cala a boca!
Ainda sorrindo, envio uma mensagem para Pedro e recebo como retorno a
informação de que ainda está na porta do trabalho de Valentina e que devem
se atrasar.
— Pedro e Valentina devem se atrasar. Ele ainda está aguardando por ela no
trabalho.
— Droga, vai endurecer. Deu tanto trabalho — faz uma carinha fofa de
desapontamento, e a puxo para meus braços apenas para confortá-la.
— Vamos comer enquanto está quente, depois eles esquentam no micro-
ondas. Me conta como foi seu dia?
Quinze minutos depois estamos com as taças cheias e os pratos também. A
mesa foi sumariamente ignorada. Optamos pelo chão da cozinha com os
pratos em mãos e as pernas entrelaçadas. Is e eu, cada vez mais, temos
mantido o contato físico. E, a essa altura, nem sei se quero evitar.
Contrariando as expectativas, está realmente boa a comida.
— Viu! Não disse que estava boa? — questiona, assim que sorve[7] um
pouco de vinho de sua taça, me dando um leve empurrão com os ombros.
— Vou te mandar para aquele programa de tevê. Tá uma delícia isso aqui
— ela ri comigo.
Não há pessoa tão leve como Isabella, tão doce...
Comemos em um silêncio gostoso, confortável. Somente ao som de seus
pequenos suspiros de huns de satisfação. Is se agrada com poucas coisas.
Vivemos catando moedas há tanto tempo que imagino como seria vivermos
de outra forma. Minha amiga merece o melhor.
Após lavarmos a louça, me sento à mesa, aguardando que traga os
cupcakes, e é impossível não manter meus olhos nela. A forma como se
ocupa na cozinha, seu sorriso doce de satisfação por ter feito algo especial
por nós. Sempre que pode se doa. Minha Is é fantástica.
Ela me entrega meu doce já mordiscando o seu, sujando o nariz afilado com
o glacê no processo. Caberia agora que eu tirasse sarro de sua cara, mas me
perco admirando a imagem por um tempo em silêncio.
Nessas horas, questiono o porquê de ainda não termos voltado a nos beijar.
Esses momentos são daqueles que me fazem querer jogar tudo para o alto e
seguir apenas o instinto. Hesito apenas, pois mais tarde, quando estivermos
na cama, será impossível me segurar.
Me levanto para limpá-la com as pontas dos dedos e me perco mais uma
vez em seus olhos. E ali está, aquela corrente de desejo que me impele a
encarar seus lábios perfeitos e querer experimentá-los mais uma vez. Só
mais uma.
Sustentamos o olhar, até que magneticamente nossa atenção seja
direcionada à boca um do outro, em um sinal claro demais para ser
ignorado.
Busco uma mecha macia de seu cabelo em um afago necessário. Já fazem
algumas horas que não nos tocamos assim. O foda é que toda essa
experiência nos aproximou ainda mais, e agora é muito fácil saber o que se
passa em sua cabeça.
— Vou tomar um banho, Is. Que tal filme mais tarde?
Quebro o encanto, pois tenho uma promessa a cumprir.
— Você também está tendo a impressão de que Pedro e Valentina estão
evitando sair conosco? — questionei, após olhar o relógio pela oitava vez e
me dar por convencida que nossos amigos não chegariam.
— É... pelo horário não devem vir mais não. Vamos pedir nosso jantar e
eles que se virem.
Já haviam se passado duas horas além do combinado, e nada daqueles dois.
A programação consistia em jantarmos em um restaurante novo que estava
sendo super elogiado pelo público, de acordo com Tina.
O lugar era realmente charmoso, construído em cima de um deck no lago da
cidade. Mesas em madeira, com toalhas brancas de algodão e adornadas
com lamparinas, davam um ar boho ao ambiente. Acima de nossas cabeças
havia apenas o céu estrelado e lanternas coloridas. Um verdadeiro contraste
com as águas negras do lago, que refletia perfeitamente a noite. Era um
visual e tanto.
Uma música suave tocava ao fundo, e a escolha de minha amiga começava
a me intrigar. Afinal, o restaurante trazia um ar romântico, que para quatro
amigos não fazia qualquer sentido. E com a ausência deles, menos ainda.
Lucas, ainda assim, parecia alheio ao plano daqueles dois, e continuava a
falar sobre seu dia, como se estivéssemos fazendo qualquer outra coisa em
qualquer outro lugar.
Nossa comida foi pedida, nossas bebidas chegaram e o jantar foi perfeito. O
único problema é que, em momentos assim, era mais difícil persuadir meu
pobre coração sobre a minha atual situação.
Ele me puxou para dançar e apenas segurei sua mão, me deixando ser
conduzida. Luc sempre gostou de música e nunca me incomodei em ser seu
par. Me conduziu em uma dança lenta, sem qualquer outro propósito além
de fazer da noite algo divertido para nós dois.
Ficamos por um tempo em silêncio, apenas nos balançando, como se fosse
possível flutuar pelas águas abaixo de nós. Recostei minha cabeça em seu
coração e prestei atenção no ritmo suave de seus batimentos.
Quando a música acabou, olhei para seu rosto e por um instante me perdi
em seu olhar. Acho que eu refletia seu estado de espírito, porque me
encarava com o mesmo interesse.
Era algo estranho, porque não me lembro de fazermos isso antes de tudo
isso começar. Segurei seu rosto entre minhas palmas e o acariciei com os
polegares, observando-o fechar os olhos, apreciando o contato.
Eu te amo.
Me fazia quase todos os dias a mesma pergunta: e se?
Recostei minha cabeça em seu ombro e senti que aspirava mais uma vez o
cheiro dos meus cabelos. Ele gostava do meu shampoo, mas ultimamente
vinha fazendo isso com mais frequência. Sempre me trazia um arrepio
gostoso e um sorriso aos lábios.
— Já disse que amo o cheiro de seus cabelos?
— Um milhão de vezes.
— Um milhão e uma. Amo seu cheiro, Is.
E eu amo você, Lucas.
Pagamos a conta e optamos por ir a pé para casa, uma vez que não ficava
muito distante de onde estávamos.
Mantivemos as mãos dadas pelo percurso, um hábito que passamos a ter. E
eu adorava sentir o calor de sua mão na minha. Eu seria grata por qualquer
parte que recebesse, mesmo esses pequenos gestos.
A rua estava deserta, apenas alguns transeuntes além de nós. Por isso,
caminhamos em um ritmo calmo, aproveitando mais um pouco da paisagem
e da companhia um do outro. Sei que, por mais que não sentisse o mesmo,
gostava dessas nossas saídas, da minha companhia.
— O que foi? – perguntei quando notei que me observava de esguelha[8].
— Não te disse o quanto está bonita hoje.
— Está se sentindo bem? — brinquei. — Nunca foi de fazer tantos elogios.
— Ótimo namorado, lembra? — apontou para si em um tom divertido.
— Mas estamos somente nós dois agora.
Disse o óbvio.
— Mas não deixa de ser verdade. Nunca te vejo de vestido e você fica
ótima nele. Deveria usar mais.
— Ah é? arqueei a sobrancelha em um questionamento mudo.
— É sim — garantiu. — Olha a cena linda que podemos protagonizar com
ele.
Me rodou, fazendo com que a saia levantasse somente um pouco no
processo. E eu ri de sua imaginação fértil.
Entramos no apartamento com meu pedido secreto de que nossos amigos
estivessem nele. E, para minha sorte, estavam.
Lucas, assim que entrou, me segurou por trás, cheirando meu pescoço e
depositando um pequeno beijo. E esse era o motivo que eu ansiava.
Fomos em direção ao banheiro sem ao menos parar para conversar com os
dois que lanchavam na cozinha. Apenas nos limitamos a dar um boa noite e
seguimos.
Assim que deitei na cama ao seu lado eu quis tanto abraçá-lo novamente,
mas o quarto agora era zona proibida.
Nosso acordo. Um acordo que odiava, mas que foi feito unicamente para
preservar meu coração.
O quarto de Luc era bem simples, apenas um guarda-roupa, uma
escrivaninha e sua cama de casal simples. Era um pouco menor que o meu,
que por sua vez não era nem de um tamanho razoável. Então, podem
imaginar. Não havia nada de especial nele, somente seu cheiro que tomava
conta de todo o espaço.
Trouxe seu travesseiro para meu agarre, só para sentir um pouco mais dele
já que, aqui dentro, havia um espaço emocional gigantesco entre nós.
— Luc?
— Oi, Is.
— Obrigada pela noite.
— Foi um prazer, meu amor.
Beijou minha testa com um boa noite e eu dormiria somente daqui há
alguns minutos, sentindo ainda o coração acelerado por conta do apelido
que ainda não havia me acostumado a ouvir.
Acredito ser seguro afirmar, nessa altura da minha vida, que sou um homem
de rotinas, e definitivamente gosto delas.
Acordei, tomei meu banho com calma e me dirigi à cozinha para o café da
manhã como em todos os dias.
Me junto aos meus amigos com um sorriso no rosto, que não espelha nem
de longe meu estado de espírito. Gosto particularmente da pequena
algazarra dos assuntos paralelos que temos pelas manhãs.
Is enche minha xícara com café e se acomoda em meu colo, assim que entra
no cômodo. Já fazemos isso há algum tempo.
Ela come seu pão de queijo, revezando pequenos goles em seu café. Com
uma das mãos, se ocupa em me oferecer um cafuné gostoso, feito com suas
unhas na minha nuca. Enquanto isso, discuto a rotina do dia com Pedro.
Hoje será um dia importante, dia de decisões e passos estratégicos para a
nossa Startup.
Na marca de um pouco mais de dois meses, também é possível afirmar que
meu plano não funcionou bem. Nada de novo sob o sol.
Talvez escolher Is, sendo ela amiga de Valentina, não tenha sido a melhor
das opções. Tina ama Is e aparentemente não se colocaria em seu caminho.
Olha que nos esforçamos um bocado.
Somos ridiculamente agarrados, andamos de mãos dadas e o tempo todo
nos abraçamos e nos damos carinho. Além de usarmos apelidos fofos e
frequentemente sairmos somente os dois, nos nossos dias de “casal”.
O surpreendente é que não dou a mínima pelo plano ter fracassado. Eu
deveria pôr fim a esse teatro, porém estar com a Is é tão natural e bom, que
não sei como seria não poder ter mais isso.
Lógico que nunca mais nos beijamos e as noites ainda são difíceis de se
manter a promessa. Mas o resto do dia, todo ele, é muito bom.
— Bom dia de trabalho para você, meu amor — lhe digo, estalando meus
lábios no dela.
— Bom dia, amor. Arrase na reunião hoje — deseja.
Com essa despedida, parto para mais um dia de trabalho com o Pedro e, por
algum motivo, feliz.

Chego ao restaurante animado para lhe contar como foi a importante


reunião que tivemos na parte da tarde. Coisas que somente bons amigos
fazem, ficarem ansiosos para contar novidades.
A avisto sentada sozinha na mesa de madeira rústica do restaurante que
descobrimos gostar. O lugar é todo simples, cortinas em xadrez e flores do
campo enfeitando. Aqui tem cheiro de casa e comida boa. Is está distraída
com o celular. Se eu gostasse de apostas, apostaria que está assistindo
vídeos de animais, os quais acha graça sempre que vê.
A alcanço no exato momento em que dá uma gargalhada gostosa, e é uma
missão dada ao fracasso não sorrir toda vez que ouço esse som.
Noite de casal. Poderíamos agir simplesmente como antes, quando estamos
a sós. Contudo, a repetição condiciona o cérebro a movimentos
involuntários. E esse movimento é cheirar seu pescoço por trás, enquanto
ainda está alheia à minha presença.
Isabella dá um gritinho de surpresa e ri alto demais para o que manda a
etiqueta. Não ligo, amo isso nela. Em mais um dos movimentos, meus
lábios encontram-se com os seus, em um de nossos, sempre muito breves,
cumprimentos.
Pedro e eu temos um aperto especial, eu e Is passamos a ter nossos beijos
roubados. Amo todos os dois.
— Vai me contar como foi hoje? Mal consegui me concentrar no trabalho
— fala rápido, assim que me sento à sua frente.
Em mais um movimento e nossos dedos estão entrelaçados. Seus olhos
brilham curiosos aguardando que eu desenvolva o assunto.
Isabella não se esforça muito para ficar bonita. Não que precisasse, seu
rosto é bem desenhado. Seus olhos puxadinhos, tão verdes como o mar, se
destacam sempre. Seria algo bem sexy, mas seu rosto fica entre uma nuance
de mulher e garota. É instigante, assim como sua boca bem desenhada em
um tom de rosinha natural. Is ainda não gosta de maquiagem, e descobri
adorar isso nela.
— Estou otimista. Os portugueses pediram poucas modificações, mas a
proposta para o sistema ser rodado por lá parece ser definitiva.
— Mentira? Quer dizer que meus amigos ficarão ricos? — aperta minha
mão.
— Estamos na torcida — dou uma piscada e lhe garanto com um sorriso. —
Mas ainda precisaremos de mais detalhes. Contudo, algo me diz que
estamos bem perto agora.
Minha amiga, como em todas as novidades que ouve, sorri verdadeiramente
feliz.
— E Pedro? Tenho certeza que o grandão não deve tá se aguentando de
alegria. Eu não estou.
— Está empolgado, todos estamos. Ser reconhecido e ver sua criação
internacionalizada é uma chance para poucos. Se tudo der certo, partimos
para a Europa. Você vem conosco, não é?
— Vai me dizer que quer me contratar como sua funcionária? — brinca,
rodando o pequeno vaso de flores com as pontas dos dedos.
— Tente sócia. Precisamos de alguém que administre bem e você é a pessoa
ideal para isso.
Seus olhos marejam. É aquele olhar que não precisa de palavras ou gestos,
pois entendemos exatamente o seu significado. Minha Is está grata pelo
convite, como se pudesse ser diferente disso. Ela é parte fundamental dessa
nossa conquista.
— Nem precisa de tanto. Estaria com vocês de qualquer forma. Aliás,
poucas coisas na vida me fariam perder isso.
E estávamos os dois sorrindo de mãos dadas. Em momentos assim meu
coração vinha batendo um pouco mais apressado.
O jantar transcorreu bem, como sempre. Rimos de nossas piadas e
brincadeiras, compartilhamos nossos dias e em alguns momentos apenas
nos mantivemos calados, fazendo carinho um no outro. Já no cinema, a
história de terror deixou Is assustada, e precisei abraçá-la algumas vezes
para evitar os sustos. Para confortá-la, beijei sua cabeça, inalando seu
cheiro de uva por puro hábito.
O encontro foi bom, talvez por isso tivéssemos esticado o programa para
bebermos um pouco após o cinema.
Paramos em um barzinho simples, que tocava uma música suave, a qual
nem prestávamos atenção. Estávamos eufóricos demais com a notícia do
dia, ou talvez fosse apenas uma desculpa para não encerrar a noite. Jantar e
cinema eram meus programas favoritos da vida.
Na saída do bar, presenciamos uma cena de uma criança fazendo birra.
Encarei seus pais, que pareciam não saber ao certo o que fazer, nem com
ela, nem consigo mesmos.
— Não sei como as pessoas planejam ter filhos — declarei indignado.
— Ainda não quer casar, Luc? — me encarou séria.
— Quero! Não agora, talvez algum dia — e assim que as palavras saíram da
minha boca, nos imaginei casados. Aqueles breves momentos de epifanias.
Seria uma boa vida ao seu lado. — Entretanto, você sabe o que penso sobre
filhos.
— É... eu sei — disse simplesmente, e me abraçou.
Não que desgostasse de crianças, mas a perda do meu pai fez com que eu
desejasse que uma criança jamais passasse por isso. Uma vida inteira
afastando a ideia de ter filhos ou relacionamentos fez com que jamais fosse
algo atrativo para mim.
Eu fui louco pela Tina. Ainda assim, mesmo com ela, não me vi nessa
condição. Essa imagem somente se desenrolou agora, ao lado da Is.
Fosse, talvez, pelo fato de ser minha amiga e jamais querer me separar dela,
ou apenas um pretexto para não me relacionar com outras mulheres no
futuro e precisar explicar um dia que não queria filhos, jamais. Seja como
for, não seria analisado agora, enquanto caminhávamos para casa.
Foi um bom dia, mais um para a conta.
Agora é que seria a parte difícil. A parte em que eu precisaria dividir uma
cama e não ceder ao desejo do meu corpo, e acabar magoando minha
amiga.
Diferente de mim, Isabella merecia tudo. E isso, eu jamais poderia lhe dar.
E ela, mais do que qualquer outra pessoa, sabia disso.
Entramos em casa sendo recebidos por um total silêncio e um completo
breu.
Pedro e Tina, assim como nós, haviam saído para comemorar. Não
quiseram atrapalhar nossa noite de casal. Por isso, aproveitaríamos o fato e
também sairíamos os quatro amigos no outro dia. A conquista de Luc e do
grandão era algo digno de se comemorar.
Eu estava tão feliz, e o encontro havia sido tão maravilhoso que não havia
nada que pudesse fazer para melhorar ainda mais o dia. Nós estávamos
somente sorrisos e toques.
Lucas não parecia perceber que a mentira estava cada vez mais difícil de ser
contada por mim, e eu o amava o suficiente para agradecer cada toque e
carinho a mais que recebia.
Tropecei no sofá e sorri, assim que Lucas se desequilibrou comigo, nos
levando a cair em cima do móvel no escuro.
— Está bem? — questionou, e lá estava. Aquela atração que crispava[9]
entre a gente sempre que ficávamos próximos demais.
Talvez fosse a euforia das boas notícias, talvez fosse o álcool, ou apenas o
fato de desejá-lo demais. Agora não importava o motivo, de qualquer
forma.
Segurei seu rosto entre as mãos, sentindo a textura macia de sua barba rala
entre os dedos e grudei nossos lábios ainda sorrindo.
Ele demorou um minuto entre sorrir de surpresa e ceder. E assim que sua
língua invadiu minha boca, meu coração quis correr do peito.
Cada dia eu o desejava, com todo meu amor. E dois meses era tempo
demais para pensar em contras agora.
Puxei sua camisa pela cabeça e descolamos a boca apenas para dar
passagem.
— Tem certeza? — sussurrou encarando minha alma.
— Sim.
Não me recordo como ficamos nus no sofá, mas não demorou muito até
acontecer. Era uma sensação engraçada de ser sentida. É como se o desejo
pudesse nos dopar de alguma forma. Consciente demais de seus toques, seu
cheiro e seu gosto, porém a visão… essa havia sido comprometida. Tudo se
apresentava como um borrão em minha mente.
Contudo, algo que jamais esqueceria, nem em mil anos, seria a sensação de
ser preenchida com calma por Lucas, enquanto olhava diretamente em meus
olhos. A imagem foi tão forte que tive receio de dizer alto o quanto o
amava.
As palavras não sairiam essa noite, mas meus toques e carícias lhe
contavam, com exatidão, toda a extensão do meu sentimento.
Lucas me beijou tão intensamente, que suas carícias cessavam somente para
me falar o quanto aquilo que estávamos fazendo era gostoso. E era mesmo,
sobretudo, intenso.
Sempre imaginei como nos pegaríamos, com desejo. Eram muitos dias de
tesão frustrados até ali para irmos com calma agora. Entretanto, tínhamos
carinho um pelo outro. Não duramos muito, de qualquer jeito. Ainda assim,
compartilhamos um sorriso logo após a eletricidade do orgasmo deixar
nossos corpos.
— Is, foi incrível — declarou, com a cabeça entre meus seios.
E eu sorri verdadeiramente feliz por ter me enganado. O dia sem sombra de
dúvida havia se tornado ainda melhor.
O pensamento me escapou quando ouvimos a porta se abrir. Um segundo
depois, a luz havia acendido e estávamos nus e expostos para dois amigos,
que nos encaravam estupefatos com suas bocas abertas.
Lucas de certa forma tapava meu corpo. Sei lá, acho que até conseguir me
cobrir, um seio pode ter aparecido, mas não podíamos fazer nada quanto à
sua bunda.
— Que visão do inferno! Chegar e ver a sua bunda branca, Lucas. Ninguém
merece essa porra! — Pedro disse, com um timbre divertido.
— Ah meu Deus... — eu queria sumir.
— Vocês podem virar um momento? — Lucas pediu.
Nossos amigos obedeceram de pronto. Pedro rindo e puxando para si uma
Valentina em completo choque.
Não parei para refletir o fato, apenas fui puxada com pressa por um Lucas
que corria rindo alto pelo corredor. E por mais esdrúxula que a cena fosse,
não conseguiria, naquele momento, sentir nada além de felicidade.
— Ah, meu Deus! Eles nos viram pelados, Lucas — falei assim que bateu a
porta de seu quarto e se virou em minha direção.
Não tive resposta. Apenas passadas apressadas, três para ser exata, foram
necessárias para agarrar meus cabelos pela nuca e tomar minha boca. E era
Lucas aqui, me tomando, pulsando. A mim restava apenas ceder.
— Eu te quero há tanto tempo que a mera intenção de esperar é impossível
– falou sério, assim que interrompeu o beijo.
— Estou vendo — respondi com um sorriso nos lábios, sentindo sua ereção
entre minhas pernas.
Fui içada pela cintura e preenchida em um só movimento. O prazer era tão
bom que fechei meus olhos e gemi, porque não havia qualquer outra palavra
a ser dita.
Cada arremetida me fazia arrepiar por completo tamanha eletricidade que
perpassava meu corpo.
Sabia que o sexo com meu amigo seria bom, mas isso estava acima de
qualquer expectativa. Eu era beijada e devorada cada vez que era
preenchida. Me restava somente gemer em sua boca e gozar ridiculamente
rápido mais uma vez.
Nunca havia chegado ao orgasmo somente com penetração, mas aí estava.
— Que carinha linda que faz, Is — declarou, antes de ele mesmo ser
acometido pelo prazer.
Suas pernas cederam e fomos levados ao chão, rindo e satisfeitos.
Encarei seus olhos verdes, e nossos sorrisos foram cedendo espaço, aos
poucos, para uma seriedade. Isso porque sabíamos que tudo mudaria a partir
dali.
Entramos no chuveiro e logo tomei sua boca novamente. Beijar Isabella
agora era muito mais intenso do que o tesão que senti assim que essa
confusão toda começou. E descobri que o sexo com minha melhor amiga
seria meu ponto fraco. Foi maravilhoso.
Suguei a pele de seu pescoço, porque descobri amar fazer isso, mas não
demorei de jeito algum a alcançar seus seios fartos. E é do caralho ouvir
seus sons de prazer. Is é toda sensível.
— Lucas, ficaremos assados — seu aviso soou mais como uma promessa
sussurrada, que eu ansiava há muito tempo para concretizar.
Olhar o rosto de tesão da Isabella seria o suficiente para me dar orgasmos
rápidos por uma vida. Era observar e logo querer sentir seu gosto
novamente. E descobri que beijar sua boca e sentir os sons de seu prazer me
deixava fraco.
A virei de costas e agradeci por nossas alturas serem compatíveis. Isabella
era alta, devia ter um e setenta e poucos. Segurei sua perna e a penetrei
devagar. Meu pensamento corria ambíguo, ora querendo fazer tudo sem
pressa, ora querendo tomá-la com a força do meu desejo.
Sua cabeça pendeu para trás, se recostando em meu ombro, enquanto
rebolava e gemia de olhos bem fechados, como se estivesse concentrando-
se apenas nas sensações que sentia.
Quis acompanhá-la, mas preferi manter os meus abertos, observando sua
boca entreaberta, vibrando todo o meu corpo com seus sons. Segurei firme
em um de seus seios, punindo seu mamilo com a ponta dos dedos, e a outra
mão levei até seu clitóris, durinho e ansioso por atenção.
Poderiam falar muitas coisas ao meu respeito, mas ignorar um pedido
desses não fazia parte da minha religião. E foi muito para minha Is, senti
sua boceta pulsar enquanto gemia, acometida pelo orgasmo.
Descobri que meu corpo e o dela estavam na mesma sintonia, porque o meu
logo entendeu que era o momento, e a acompanhei gemendo e mordendo
sua orelha, sussurrando palavras sem qualquer sentido.
O mais bizarro é que nunca senti orgasmos tão intensos assim. Nunca.
Me retirei com calma e logo a beijei novamente, porque precisava disso
mais do que respirar.
Não sei quanto tempo esse durou. A habilidade de definir espaço e tempo se
foi muito rápido. Uni nossas testas, encarando aqueles olhos verdes intensos
que sempre admirei. E ficamos assim, nos observando em silêncio, sabendo
que tudo havia mudado.
Segurei as palavras com receio de sua reação.
Isabella seria sempre a minha pessoa favorita. Sempre.
Sei que em algum momento precisaríamos conversar, mas o sexo gostoso
havia drenado minhas forças para racionalizar assuntos importantes.
[...]
Deitamos na cama, e ela logo veio se acomodar em mim, assim como
fizemos muitas noites antes desta. Parecia que finalmente as coisas haviam
encontrado seu rumo. Nunca fez tanto sentido.
Cheirei o aroma de uva de seus cabelos, sentindo que estava em casa
novamente. Alguns afagos depois, e a inconsciência foi tudo que lembrei.

Me recordo que quando tinha mais ou menos dez anos, meu pai, já doente
naquela época, adiantou o Natal.
Estávamos em agosto, acordei mais cedo sabendo que minhas horas junto
ao meu velho eram contadas, e tive a surpresa em ter a manhã preenchida
por presentes especiais. E foi uma sensação indescritível receber, sem
quaisquer expectativas, as caixas coloridas contendo coisas que sequer pedi,
mas que seriam eternamente importantes. Meu pai me ensinou naquele dia a
dar sem esperar nada em troca. Minha mãe e eu tivemos nossos presentes, e
meu pai, nossa gratidão. Ainda assim, sorria feliz.
Estava sonhando com esse dia, um dos poucos verdadeiramente felizes da
minha infância, quando senti um arrepio gostoso de tesão. Abri os olhos e
vi Is me dar mais um presente fora de hora. Quis abrir a boca para perguntar
o que estava fazendo, mesmo que fosse óbvio, mas gemi, sentindo um
arrepio varar minha espinha e se concentrar na cabeça do meu pau.
Meu Deus, essa mulher era boa em tudo. Não sei mesmo o porquê de não
termos feito isso antes. Contudo, posso prometer que as manhãs depois
dessa não teriam mais arrependimentos passados.
— Isso... — tentei dizer, mas senti sua língua rodear a cabeça do meu pau
antes de voltar a me engolir quase por inteiro. — Isso está uma delícia, Is,
mas traz sua boceta gostosa que também quero sentir seu gosto.
Ela sorriu com parte do meu pau na boca e se levantou, retirando sua
calcinha em tempo record, e logo se acomodou novamente, agora entre meu
rosto. Sem qualquer pudor ou melindres. Éramos nós, novamente. Iria fazer
uma piada e elogiar sua boceta, que para meu total deleite estava pingando,
mas Isabella abocanhou novamente meu membro e esqueci o propósito.
Não há nada mais gostoso do que saber que uma mulher está com tesão
apenas por te ter na boca. Provei Isabella com vontade. Abocanhei toda sua
boceta antes de me concentrar em sugar seu grelinho duro e convidativo.
Senti nos meus dedos a necessidade da sua boceta, que implorava por
toques. E meu pai já havia me ensinado a ser generoso. Por isso, mergulhei
dois dedos, a comendo enquanto sugava de leve seu clitóris.
Me concentrava em seus gemidos abafados por meu pau, enquanto os meus
próprios eram murmurados nela. Nossos orgasmos foram sincronizados, o
que me fez agradecer. Por Deus, não estava em condições de continuar.
Sorri, porque era esquisito para porra o prazer que Isabella me dava,
diferente de tudo.
Uma hora depois, após um banho gostoso e mais uma rodada de sexo,
entravámos na cozinha para nossa rotina de todas as manhãs. Tudo era
igual, absolutamente normal, e meu sorriso contava o quanto estava feliz
para caralho.
— Achei que perderiam a hora hoje — Valentina falou, colocando um
pedaço de pão na boca e sorrindo de lado.
— Não dormi porra nenhuma hoje escutando vocês dois — Pedro
reclamou, bebendo seu café. — Espero que tenha valido a pena.
— Cada minuto, grandão — para nossa surpresa, Isabella foi quem tomou à
frente, piscando para nosso amigo.
— Foi mal, brother. Seremos mais discretos — prometi, enquanto bebia
meu café.
Apesar de trabalharmos juntos, assuntos pessoais ficavam da porta para fora
do galpão. Havia muito a ser feito, o projeto estava rodando e em poucos
dias nossas vidas mudariam por completo. E isso ocupou tudo, ou quase.
Meus pensamentos, de vez em quando, eram levados para a loira que me
fazia contar as horas para vê-la.
Nunca fui tão feliz, nunca desejei que as horas passassem tão rápido. Meu
coração falhava às vezes, parava e voltava a bater em um compasso que
temia ser ouvido por uma pessoa que estivesse próxima a mim.
Foi difícil me concentrar na rotina de trabalho. Minha mente me levava para
a noite anterior e para a manhã de hoje a todo momento do dia. A tal ponto
que quando o relógio marcou o horário da saída não acreditei. Fiquei aérea
até me dar conta que de fato o dia havia encerrado.
Valentina e eu entramos no bar sem termos conversado sobre nada pessoal.
Minha amiga era extraordinária, ela estava feliz, era perceptível. Entretanto,
sei que não me indagaria com suas curiosidades, deixaria que eu contasse
em meu próprio tempo. E seria eternamente grata por isso.
O bar estava animado, cheio de jovens e tocava músicas alegres. Gostava
particularmente do ambiente rústico, todo em cimento queimado e madeira.
As bebidas aqui também eram bem gostosas.
Avistamos nossos amigos sentados nas banquetas em frente ao balcão e
seguimos em direção a eles. Assim que os alcançamos abracei Pedro, sendo
esmagada em seus braços. Eu ri alto e beijei sua bochecha, dando espaço
para que cumprimentasse Tina depois.
Lucas se levantou e me beijou com o mesmo desespero com que retribui. A
sensação era que, assim como eu, também tivesse contado as horas até aqui.
Quando terminamos, sorrimos um para o outro, cúmplices, nos encarando
daquela forma profunda que passamos a fazer.
Estávamos bem e eu o amava demais.
Conversamos, rimos e dançamos. Uma noite leve regada a bebidas e
sorrisos.
— Roda, meu amor — pediu, me girando em seus braços.
Ouvir o apelido agora talvez fosse perigoso.
A pista de dança não estava cheia. Contudo, Luc fez questão de me puxar
para dançar, e estava tão eufórica que ficar sentada não era uma opção. Ao
voltar para seus braços, segurei seu rosto, gravando cada pedacinho dele de
perto mais uma vez, antes de buscar sua boca.
A vida era maravilhosa e não precisava de mais nada para completá-la.
Plenitude, era isso que estava sentindo.

O dia da mudança estava se aproximando. Era real e oficial, estávamos de


mudança para a Europa.
Meus amigos fecharam um contrato milionário, ouviu bem? Meus meninos
estavam ricos e os dias de Lámen ficariam para trás.
Já havia um apartamento nos aguardando, e eles iriam na frente. Eu
chegaria depois, cumpriria o aviso prévio e ficaria mais um mês no
apartamento com Valentina, sozinhas.
Nossa amiga não quis ir conosco, mas prometeu que nos visitaria sempre
que pudesse.
Questionei se voltaria para nossa cidade e ela garantiu que estava em uma
fase de autodescoberta, e que manteria o apartamento e o emprego atual
para não depender de seus pais ricos. A entendia e estava muito orgulhosa
por sua decisão.
Conversamos, como boas amigas fariam. Contei como estavam as coisas
entre Lucas e eu, e senti que verdadeiramente estava contente por nós.
Frente a isso, não havia outra forma de me sentir além de muito abençoada
por ter pessoas tão especiais em minha vida.
Lucas jamais teria êxito em seu plano. Valentina nos amava e torcia
sinceramente para que fôssemos felizes.
Entrei no galpão, agora praticamente vazio, precisamente às quinze horas.
Restavam agora somente alguns móveis e poucos computadores.
Eu sempre adorei o fato de todo lugar ter essa pegada industrial, com tijolos
vermelhos expostos e muitas vigas de aço aparentes. Era até um pouco
nostálgico relembrar como foi descobrir este imóvel e dar vida à empresa
dos meninos.
Pedro, o mais diplomático de nós, havia embarcado no dia anterior. Hoje à
noite Lucas iria ao seu encontro e, de repente, trinta dias parecia tempo
demais para revê-los.
Passei o tempo inteiro segurando o choro, assim como na noite anterior, e
me mantive forte como pude. Não deixaria que sofressem com a despedida.
Luc e o grandão precisavam estar focados nesses dias para que tudo
corresse bem, e eu lhes daria essa paz.
Meu amigo abriu um sorriso lindo quando notou minha presença. Me
abaixei à sua frente para igualarmos a altura, já que estava sentado. E
sorrimos.
Há muito não precisávamos de palavras, e a saudade rasgava o peito,
apertando o coração.
Lucas despiu a camisa sem hesitar. Buscaríamos conforto da melhor forma
que aprendemos. Arrastei minhas unhas por seu abdômen sentindo cada
gominho, e isso foi o suficiente para que se levantasse e me despisse com
pressa. Tudo bem, hoje também não queria calma.
Me sentei em cima dele unindo nossos sexos, beijando sua boca e
compartilhando gemidos um do outro.
A cada união, uma lágrima escorria de meus olhos. De tesão, de tristeza, de
alegria, sobretudo de saudade. Queria fechar meus olhos e apenas curtir o
momento, e foi o que fiz, pendendo minha cabeça para trás e me
concentrando no prazer que nos dávamos.
Entretanto, entendi que era uma batalha perdida. Por isso, voltei a encarar
seus olhos. Aquela conexão estranha e diferente de tudo que nos exigia
sempre mais atenção.
Toquei seu peito sentindo o seu coração acelerado, o meu também não
estava diferente disso. Como poderia? E foi exatamente o que constatou,
quando ele mesmo tocou o meu, espelhando meu gesto.
— Eu te amo, Isabella — falou rouco. — Você sempre será a minha pessoa
favorita no mundo.
Tudo o que havia segurado desmoronou rápido demais. Minhas lágrimas já
não respeitavam o que meu cérebro tanto teimava em exigir.
— Eu amo você Lucas, amo demais — garanti.
Fui presenteada com um sorriso lindo, que se manteve em seus lábios até
gozarmos juntos, satisfeitos.
Trinta dias, só trinta para nos revermos.
Tina e eu deixamos Lucas no aeroporto, e não soltei sua mão. Apenas o fiz
quando estritamente necessário, antes de cruzar o portão de embarque.
Me despedi com um sorriso, o mais bonito que consegui colocar em meu
rosto, para que tivesse forças suficientes para essa nova etapa.
Trinta dias...
Meu coração se apertou de uma forma impossível. Ainda assim, mantive
meu sorriso, mesmo quando se virou em definitivo, e a primeira lágrima
desceu pelo meu rosto.
Observei sua partida com um nó na garganta, e uma sensação de que teria
más notícias em breve. E eu detestaria o fato de estar certa.
Era uma sensação agridoce realizar esse sonho. Não poderia dizer que
estava cem por cento feliz, havia motivos que ofuscavam a conquista.
Para dificultar um pouco mais, estava trabalhando mais do que achei que
seria possível, amaldiçoando o fato de ter escolhido a programação para
viver.
Já trabalhou com QA? Se nunca fez, dá tempo de desistir. Tudo pode estar
rodando normalmente, todas as etapas de testes dão certo, até você subir a
plataforma e pronto... Você toma no cu sem avisos ou lubrificantes. Foram
diversos bugs que saíram das profundezas do inferno para comprovar que o
purgatório é real. E você deve ser aquele cara disposto a salvar o mundo,
que corrige imediatamente, ou o mercado te engole. Dá seu jeito.
A primeira semana foi de puro caos. As que se seguiram foram de ajustes
na nova sede. Novos funcionários, estrutura, novas plataformas a serem
desenvolvidas... caos.
Contudo, o que me fodia é que quarenta e cinco dias se passaram e minha Is
ainda não estava conosco.
Sua mãe estava doente, e nossos planos seriam adiados até que dona Ana se
recuperasse. Eu queria estar com ela, era foda saber que passava por
exatamente o que passei, e eu não estava ao seu lado segurando sua mão
como fez tantas vezes comigo. Essa doença maldita, que drenava sonhos e
ceifava vidas. Estávamos sem prazos, restava somente a esperança por dias
melhores.
Nos falávamos todos os dias, e era sempre doloroso assistir seus olhos
vermelhos de tristeza através de uma tela. Daqui, a única coisa que era
possível fazer era trabalhar. E, por Deus, eu trabalhei mais nesses últimos
dias do que nos últimos anos da minha vida.
Pedro voltou a folgar nos finais de semana. Aproveitava as festas exclusivas
do novo grupo de amigos recém descoberto. Festas regadas à comida,
bebidas caras e mulheres. Meu amigo era solteiro, eu entendia. Em outro
momento, eu o acompanharia, se fossem há meses atrás.
Agora não era possível. Deixei meu coração no Rio, já que a loira dona dele
havia voltado a morar com sua mãe, e parecia tempo demais não me sentir
em casa em seus braços.
Ter dinheiro, uma boa casa e uma nova empresa com muitos funcionários
não era suficiente para apagar a vontade de querer sentir o cheiro de uva
que tanto ansiava e matar a imensa saudade que sentia.
Contava o tempo para que tudo se normalizasse e pudesse ao menos passar
uns dias com ela. Estava esgotado, física e mentalmente.
— Se arruma. Você vai comigo hoje — Pedro declarou assim que entrou no
quarto.
Observei meu amigo passear pelo espaço grande demais, acessar o closet e
escolher uma roupa a qual jogou ao meu lado na cama.
O apartamento era enorme, em nada lembrava o nosso antigo. Tudo agora
era luxuoso, em cores off-white, assim disse o arquiteto. Móveis planejados
e seis suítes de tamanhos satisfatórios. A minha era a maior, e a dividiria
com Isabella.
Ela iria amar o espaço no closet que reservei para ela. Nossa suíte possuía
uma hidro de tamanho vultoso[10], a qual ansiava por usar. Minha cama
agora era gigantesca, com lençóis de seda branca. Preto sempre incomodou
a minha amiga. A parte boa é que agora possuíamos empregados e muitas
plantas vivas. Isabella também não gostava de rosas. Dizia que morreriam
no final.
Estava feliz, sabe? Era uma boa conquista. Ainda não estava em êxtase
como Pedro estava com a nova vida, pois faltava a terceira parte de nosso
trio: Isabella.
— Não quero ir, Pedro.
— Cara, chega disso. Não aguento mais te ver nessa fossa — se sentou ao
meu lado, me encarando. — Não há nada que possamos fazer daqui, Lucas.
As coisas estão entrando nos eixos, não exigem tanto nossa atenção.
Acredito que na próxima semana já seja possível voltar ao Brasil, e nos
revezaremos para dar apoio à Isa.
— Não consigo sair para me divertir enquanto ela está lá, sofrendo ao lado
de sua mãe. E saber que pode perdê-la a qualquer momento é uma dor que
conheço de perto. Você sabe!
— Por isso mesmo. Você está entrando em depressão e não está se dando
conta — empurrou o dedo no meu peito. — Só trabalha e sofre, já vi isso
antes e não vou deixar acontecer novamente. Tá revivendo o que passou, e
sua terapeuta está bem longe daqui. Levanta essa bunda branca e vem
comigo. Não vou deixar que se afunde.
— Eu amo a Isabella — falei, sentindo a voz embargar.
— E eu a amo também e faria de tudo para estar ao seu lado agora. Mas
hoje, agora, neste momento, não é possível — sorriu, como se recordasse de
algo. — Valentina tinha razão, afinal.
— Do que você está falando? — questionei sem entender.
— Desfaz essas sobrancelhas. Às vezes tenho medo de que prenda o pau no
zíper toda vez que vai mijar.
— Pedrão, valeu por tentar levantar meu ânimo. Pode ir. Vou comer algo e
tentar dormir um pouco, não consegui a semana toda — disse, esgotado.
Me ignorou e prosseguiu.
— Só você para acreditar que cairíamos em seu teatrinho. Eu quis acabar
com a farsa no primeiro dia, mas vocês se beijaram e aquilo não dava para
fingir. Tina sabia que você era louco pela Isa e sugeriu que eu ficasse calado
e deixasse rolar. A cereja do bolo foi ela fingir estar com ciúme para que
você se achasse esperto — sorriu. — Sério, aquela mulher é diabólica
quando quer.
— Vocês sabiam, seus putos? — reclamei.
— Mas é muito otário mesmo! Eu tive medo, sabe? Isabella sempre foi
apaixonada por você. Mas Valentina garantiu que você também era, só
precisava de um empurrãozinho.
— Não sei se fico puto ou agradeço — lhe dei um sorriso fraco.
— É... está me devendo mais essa — me puxou para seus braços. — Precisa
estar bem quando a vir na próxima semana. Não pode chegar com essa cara
de cu. Isa precisa que estejamos com a energia lá em cima.
— Pode estar certo. Parece que você não é tão idiota como imaginei.
Ele revirou os olhos e sorri, lembrando da Isabella. A convivência nos traz
sempre hábitos parecidos sem que seja percebido. Quando vê, já estamos
copiando.
— Bora, levanta essa bunda branca e peluda, que ainda me dá pesadelos
toda vez que lembro.
— Estou lisonjeado por saber que sonha com minha bunda, irmão — dessa
vez riu alto e o acompanhei.
Uma hora depois, entrávamos em uma das coberturas mais exuberantes que
já havia visto. Chegava a me causar receio tocar em alguma coisa e quebrar.
Um vaso no chão zeraria nossa recente conta bancária fácil.
Dourado, mármore e vidros pareciam a base da decoração. A música
eletrônica estava alta e animada, e Pedro se sentia em casa. Me arrastou
para o bar, onde pediu uma garrafa cara para que pudéssemos esquecer os
problemas.
Havia muitas mulheres bonitas, e meu amigo parecia um pinto no lixo.
Ainda assim, não me apresentou a nenhuma delas. Respeitei isso, não é
como se eu quisesse contato com alguma delas de qualquer forma.
Em algum momento, entre conversas de negócios e pessoas desconhecidas,
a festa ficou entediante demais. A música incomodava, sobretudo o excesso
de pessoas. Quando dei por mim, estava dentro de um dos quartos da
mansão suspensa, bebendo sozinho o líquido âmbar, que descia rasgando a
garganta.
— Estava procurando por você.
Paula, filha do homem responsável por me trazer ao país, era muito bonita.
A morena possuía olhos azuis esverdeados, uma boca carnuda tingida de
vermelho e um corpo que todo homem desejaria ter ao seu lado para
aquecer sua cama.
O vestido vermelho decotado e o cheiro doce, ainda assim, me
incomodavam de alguma forma, mas era a filha do meu sócio, e eu seria
simpático mais uma vez.
— É... parece que não estou no clima para me divertir — expliquei,
erguendo meu copo.
— Te farei companhia, acho essas festas sempre muito maçantes. Não viria,
se meu pai não insistisse — confidenciou ao se sentar ao meu lado.
Dei de ombros e aceitei sua companhia. Conversamos e foi bom. Ela era
uma mulher sagaz, que sabe bem o que quer. Para desestimular qualquer
mal-entendido, contei sobre Isabella, entre um copo e outro. E a morena me
garantiu que também tinha alguém especial, me trazendo um alívio
imediato.
Entretanto, o cansaço da semana e o desgaste mental cobraram seu preço.
Senti a cabeça pesar no terceiro ou quinto copo, e me recostei no sofá
creme, macio e convidativo demais para me acolher naquele momento.
Em algum momento senti um peso nas minhas pernas e um perfume doce
próximo demais. Abri os olhos e Paula estava em meu colo.
— A vida não tem sido fácil para nenhum dos dois, não é? — sorriu,
maliciosa. — Que tal nos consolarmos por uma noite?
Quis lhe responder, mas minha cabeça rodou e a tombei novamente no sofá.
Senti quando se aproximou e sugou meu lábio inferior. Fechei os olhos e
sabia que estava fodido.

A porta se abriu em um rompante e me assustei com o barulho.


— Que porra você fez? — Pedro esbravejou, e olhei em volta me situando
de onde estava.
As coisas aconteciam rápido e lento demais. Encarei a janela e o sol
brilhava lá fora, conferi que não estava em minha cama e me deparei com
uma Paula nua ao meu lado, ainda sonolenta.
— Conseguem parar de gritar, por favor? — sussurrou, não se importando
com o fato de estar completamente pelada com dois homens no cômodo.
— Caralho — disse, assim que me dei conta que também estava no mesmo
estado.
Meu amigo me fulminou com os olhos, como se fosse possível fazer todo o
trabalho somente com o olhar. Me levantei rápido demais para alguém que
ainda sentia o efeito do álcool na corrente sanguínea, e logo me pus a me
arrumar.
Que porra eu fiz?
Ele permaneceu calado até entrarmos em casa. E a cada minuto que se
passava, eu processava o que havia acontecido, trazendo um desespero
diferente.
— Tenho que conversar com a Is.
— Você tem que entrar no seu quarto, pegar uma muda de roupa e um terno
preto — encarei seu rosto sério. — Olha seu telefone, seu idiota.
Peguei o aparelho e meu coração acelerou. Doze ligações da Isabella.
— Preciso contar pra ela.
— VOCÊ VAI FICAR CALADO. NÃO VAI CONTAR PORRA
NENHUMA AGORA.
— O que aconteceu? — minha cabeça parecia que iria explodir a qualquer
momento.
Apertei a fonte com as pontas dos dedos, torcendo para que parasse de
latejar.
— Dona Ana se foi. Nossa amiga precisa que estejamos ao seu lado.
Encarei seus olhos castanhos, sérios e sem qualquer humor. E foi só isso,
saiu do quarto sem uma nova palavra a dizer, me deixando com o coração
destruído.
Encarava o caixão simples de madeira clara sem reação. Minha amada mãe
parecia frágil demais dentro dele. Quarenta e sete dias definhando,
morrendo em vida.
Sua partida foi dolorosa e um alívio ao mesmo tempo. E me senti uma
pessoa horrível por não aguentar mais assistir seu sofrimento e rezar noite
após noite para que partisse.
Dona Ana seria lembrada como a pessoa forte que sempre foi. Eu faria
qualquer coisa para apagar as últimas lembranças.
Todas as lágrimas haviam se esgotado nesses últimos dias. Boa parte deles,
chorei escondida, trancada no banheiro entre orações. Estava exausta.
Minha mãe partiu e nenhuma lágrima a mais foi derramada.
— Isa, senta aqui comigo — Valentina segurou minha mão e encarei seu
rosto triste. — Trouxe uma vitamina. Precisa se alimentar, querida.
Não queria comer, não queria que sentissem pena de mim. Eu não merecia.
A segui até o banco mais próximo e me deixei ser sentada, mesmo assim. O
copo gelado veio parar em minha mão e docilmente me ajudou a levá-lo até
a boca. Dei o primeiro gole, sentindo enjoo com o cheiro forte das rosas
mortas do lugar. Não gostava delas, também não gostava do preto em meu
vestido.
Definitivamente odiava ser o centro das atenções. Recebia consolo e
pêsames, um após o outro, sem qualquer reação. Apenas um assentir de
cabeça, era tudo o que poderia dar agora.
— Chegamos, anjo — meu moreno me viu e me puxou para seus braços,
me apertando como podia.
Sempre me senti segura em seu abraço. Me deixei ser amada e beijada, e as
palavras “estou aqui com você, e não está sozinha” aqueceram meu
coração.
Ao seu lado, Lucas assistia calado. Nossos olhares se cruzaram e observei
os seus marejarem, assim como começava a sentir os meus. Era
especialmente doloroso para ele esse momento.
O amor da minha vida estendeu os braços e buscou minha mão. Logo
estava sendo sentada em seu colo, acolhida em seu abraço. E foi ali,
somente naquele momento, que me deixei ser consolada, onde deixei
escapar um som de dor provindo da minha garganta junto a todas as
lágrimas que acreditei terem esgotado.
— Pode chorar, meu amor. Estou aqui com você — recitava manso me
ninando, como faria a uma criança.
E por uma hora eu chorei. Chorei até sentir a cabeça pesar, a garganta secar
e a voz sumir.
Quando a terra cobriu o caixão, senti um vazio na alma. Minha única
família encerrava ali. Não existiria mais ninguém que me receberia com um
sorriso ou um curativo quando me machucasse. Ninguém jamais me amaria
incondicionalmente como minha mãe o fez por toda sua vida. Ninguém
jamais abriria mão de sua liberdade para trabalhar e colocar a comida na
mesa.
Minha mãe havia partido, minha única família sendo enterrada debaixo
daquele chão frio, onde tantos outros foram primeiro, e seria só mais uma.
Um ano depois e apenas seus ossos restariam.
Ergui minha cabeça para o céu, sentindo como se alguém esmagasse meu
coração com os dedos, mas sorri em meio às lágrimas.
— Obrigada mãe, por todos os dias que tive o prazer de ter você ao meu
lado.

As coisas aconteciam e eu não processava muito bem como estavam sendo


feitas. Sei que alguém me deu banho, e outro alguém me deitou.
Uma cama foi improvisada na sala da minha mãe, e meus amigos deitaram
todos ao meu lado. Dormi no abraço deles pelos próximos dias que se
seguiram, e foi a única coisa que me fez descansar.
Três dias depois e a vida precisava seguir. Eles precisavam retornar aos seus
empregos e eu precisava vender a casa, organizar toda a documentação e,
somente após a venda, me encontraria com os garotos em Portugal.
— Me liga todos os dias, Is. Se a casa não for vendida ainda esse mês, só
ajeita os documentos necessários e vai — Luc disse, enquanto me prendia
em um abraço forte, estalando um beijo em meus lábios.
Agiu como o bom amigo que era. Naquele momento, sabia que eu precisava
exatamente disso e não do namorado, ou seja lá o que éramos um para o
outro agora.
— Semana que vem eu volto, Isa — Pedro prometeu. Agradeci por seu alto
astral.
[...]
Vinte dias depois as coisas haviam se ajeitado. Pedro não conseguiu vir na
semana seguinte como havia combinado, mas Valentina me fez companhia.
Na outra, meu grandão ocupou meus dias, me fazendo rir com seu eterno
bom humor.
Agora as malas estavam prontas. Eu iria ao encontro deles e finalmente
mataria a saudade do Lucas, o único que não havia conseguido vir. As
coisas estavam complicadas por lá. Nada estava como antes, mas a vida
seguia. Precisava seguir.
Assim que posicionei as malas em frente à porta, a campainha tocou. Não
esperava por ninguém. A casa havia sido vendida e o novo morador
chegaria somente nos próximos dias. Amanhã embarcaria para a Europa em
uma nova etapa da minha vida.
Abri a porta com o sorriso no rosto ao identificar que Lucas aguardava do
outro lado.
— Estava com medo de que eu desistisse e resolveu vir me buscar? — me
joguei em seus braços, sorrindo e sentindo um peso no peito, tamanha a
saudade que nutria.
Sei que estava ansioso, ainda assim me surpreendeu o fato de querer me
fazer companhia.
Ele não respondeu, apenas segurou minha nuca e matou um pouco daquela
dor, me beijando como não fazíamos há tempo demais. Carinho, desespero
e desejo. Um mix de tantos sentimentos que acreditei não suportar sentir.
Luc estava agitado, me levou até o sofá desbotado, se sentando ao meu
lado.
— Precisamos conversar, Is.
Estava sério demais e meu sorriso esmoreceu aos poucos ao ouvir as
palavras proferidas de forma tão cabal.
— Aconteceu alguma coisa, amor? — tentei buscar algo em seus olhos,
mesmo que não soubesse ainda muito bem o que era.
— Aconteceu, e preciso conversar com você — seus olhos marejaram e eu
tremi inteira. — Isabella, não sei como te contar isso — se levantou e
começou a andar de um lado para o outro do cômodo. — Não tem uma
forma fácil de falar.
— Lucas, senta. E me conta de uma vez.
Não seria algo simples a ser dito. Quer dizer, ninguém nunca começa uma
boa notícia com um “Não tem uma forma fácil de falar”.
Mais uma vez me encarou e senti frio, como se toda a temperatura da sala
se fosse rápido demais.
Ele buscou a cadeira da escrivaninha, se sentando à minha frente.
— Tudo bem — declarou. Contudo, sua postura demonstrava que não
estava nada bem. — Eu dormi com outra pessoa, Isabella.
Encarei seus olhos e senti a primeira lágrima escorrer dos meus.
— E... ela está grávida — a notícia foi recebida como um tapa, e tapei o
grito que sairia dos meus lábios. — E você, mais do que qualquer outra
pessoa no mundo, sabe exatamente o que isso significa para mim. Eu...
E se calou. Me mantive calada também, chorando em silêncio, processando
a informação, apenas por não saber o que falar.
Lucas não queria ter filhos, nunca. Porém, jamais deixaria uma criança
inocente crescer sem uma família, e não infringiria a outro ser humano o
que foi obrigado a viver. Uma criança não ficaria sem pai.
Ele estava sentado à minha frente, me contando em poucas palavras que, o
que quer que tivéssemos, acabou. E eu tentava me agarrar na frágil
esperança de que nada disso fosse real de fato, que daqui a alguns minutos
acordaria em minha cama e me daria conta que foi apenas um pesadelo.
Contudo, o que quer que eu pedisse, ainda em silêncio, não funcionou.
O que me destruía de dentro para fora não era apenas o fato de ter sido
traída e que ele estivesse esperando por um perdão que não saberia se viria.
Ele estava nos dando um ponto final definitivo.
Diante do meu silêncio, suas lágrimas ganharam vida, seguindo as minhas.
Em um outro momento, eu estaria lhe consolando. Seu maior medo estava
ali, exposto, mas eu havia passado por coisas demais para processar mais
essa.
Corri até o banheiro segurando o vômito com a mão, e me ajoelhei em
frente à privada a tempo de despejar o almoço. Lucas correu ao meu
socorro, segurando os fios do meu cabelo para não os sujar. Me levantei
com calma, lavei o rosto e a boca, me recuperando. Observando seu reflexo,
me observando em silêncio, pelo espelho.
— Não posso ir com você — declarei, encarando a pia. — Não posso
perdoar sua traição agora e definitivamente não tenho forças para vê-lo se
casar com outra. Eu não consigo.
— Eu sei — chorou. — Não queria ser pai, não queria estar com outra, Is.
Não queria nada disso. Eu te amo tanto que agora eu não sei o que fazer —
seus olhos expressavam exatamente isso. — E eu sou um grande filho da
puta por ter estragado tudo, por estar te perdendo e não poder fazer nada a
respeito.
— Você me perdeu no momento que se deitou com outra, Lucas — observei
com calma seus olhos verdes, os quais aprenderia a deixar de amar. — Se
sentisse um terço do que sinto por você, jamais conseguiria me magoar
assim.
— Me desculpa, Is — segurou meu rosto. — Me desculpa por te machucar
assim.
Beijou meu rosto e o afastei.
Eu sabia que em algum momento Lucas partiria meu coração. Mas não
agora, não quando havia perdido tudo. Naquele momento ele estava tirando
de mim todas as outras coisas que me restaram.
Eu não ficaria em seu caminho, não o deixaria sofrer, tampouco não se
dedicar por inteiro à família que construiria. Não seria esse peso, jamais
seria essa pessoa em sua vida.
Ainda queria que fosse feliz, queria que aquela criança, que nada tinha a
ver, fosse feliz. Só não queria assistir. Não dava.
Me afastei, busquei minha mala e parti. Sem rumo, sem planos, sem nada...
Somente não conseguiria discutir mais, sofrer mais. Precisava de espaço, eu
precisava ser forte como nunca precisei ser antes. Precisava me recuperar e
descobrir um jeito de seguir.
Não olhei para trás quando saí.
Save Me - Hanson

Voltar para casa foi difícil. Encarar Pedro foi difícil. Saber que seria pai e
me casaria com uma pessoa que não amava e mal conhecia seria difícil.
Magoar minha pessoa favorita foi impossível.
Eu entendia que ela queria se afastar, mas vê-la partir com tanta dor me
destruiu. E saber que não teria ninguém para lhe consolar foi foda.
Uma semana sem notícias. Valentina não sabia nada sobre ela e Pedro
estava desesperado, na mesma situação.
Seu telefone tocava até cair, nenhuma mensagem visualizada ou resposta de
seu paradeiro. Nada de nada.
Minha culpa, e não havia nada que pudesse fazer.
Paula anunciou a gravidez e pensei que fosse enlouquecer naquele
momento. Nem ela mesma acreditou que fôssemos nos casar. Ainda parece
surreal.
Entretanto, não mudava o fato de termos comprado uma casa grande e
luxuosa demais, ou de estar vestindo agora um terno caro e sob medida. E,
nesse momento, estar me preparando para a cerimônia simples em nosso
quintal. Nosso. Surreal.
Queria que a Is viesse para cá, nem precisava me ver por agora. Ainda
assim seria nossa sócia e ganharia o suficiente para não depender de
nenhum filho de uma puta como eu. Poderia morar com Pedro no
apartamento que compramos e não ficaria sozinha, sofrendo em algum
lugar que nem sabíamos onde.
Um dia ainda seria feliz. Encontraria um cara legal, que lhe daria a família
que merece. Is merece ser feliz. E eu? Apenas assistiria de longe,
conformado.
Eu sentia minha vida desgovernada como um trem descarrilhado,
destruindo tudo. Um medo filho da puta de ser pai e falhar, morrer e deixar
um inocente sofrer por mim. Ainda assim, isso tudo não diminuía a
amargura que sentia no peito por estar abrindo mão de coisas demais.
Minha culpa, única e exclusivamente; arcaria com todas as consequências.

Antes da Is, nunca me imaginei casando. Mas se fosse fazer isso, seria com
ela.
Agora estaríamos dançando nossa dança, a beijaria com calma e lhe falaria,
olhando naqueles olhos verde mar, o quanto a amava.
Nossos amigos e minha mãe estariam aqui, bebendo e comemorando nosso
dia.
Entretanto, nada disso acontecia. Minha esposa estava entre os seus amigos,
sorrindo contida, enquanto minha Is gargalharia entre os nossos. Seria o dia
mais feliz de nossas vidas.
O cara que considero como um irmão não estaria agora enchendo a cara, e
nem teria me dito que isso tudo era uma grande besteira. Que dá para criar
um filho sem estar casado e ser um bom pai ainda assim. Não teria me dito
que eu estava cometendo o maior erro da minha vida.
Pedro estaria feliz, dançando com nossa amiga e prometendo quebrar a
minha cara se eu a magoasse. Estava até um pouco decepcionado por não
ter feito exatamente isso.
Valentina faria um brinde a nós, jogando na minha cara o quanto era uma ex
maravilhosa e que foi a responsável por nos unir. Esfregaria o fato de que é
muito mais esperta do que eu jamais seria, e eu concordaria em gênero,
número e grau. E seria eternamente grato por isso.
Contudo, ainda assim, dadas as circunstâncias, por um momento desejei
jamais ter tido esse plano. Minha garota estava sozinha em algum lugar e
seria por minha culpa. Talvez eu ainda fizesse merda engravidando uma
mulher qualquer, mas Isabella estaria por perto segurando minha mão.
Não! Não mudaria o fato de ter beijado sua boca ou tomado seu corpo.
Jamais seria um arrependimento, mesmo que ocorresse uma única vez. Sou
egoísta demais para abrir mão disso. Porque nos dias que se seguirão, serão
essas lembranças que me manterão são.
[...]

Uma semana viraram duas e duas chegaram a três. Estava casado, e já havia
participado de alguns exames de imagem de meu filho. Sim, era um
menino.
Sentia falta do Pedro. Minha nova companheira de quarto era bem diferente
do meu amigo brincalhão, bem mais controladora e maçante.
Nos dávamos bem, nos respeitávamos, mas ainda não conseguia nos ver
como marido e mulher. Entretanto, estaria ao seu lado, tentaria e criaríamos
juntos aquela criança. Tudo estava sendo preparado para a chegada de
Tomás.
Encarava o grande jardim quando o telefone de casa tocou. Sei que não era
ninguém importante, poucas pessoas sabiam de sua existência.
— Quem era? — perguntei para minha esposa alguns minutos depois, assim
que me trouxe um copo de suco, se juntando a mim na grande varanda.
Um domingo agradável se seguia, sua família e Pedro haviam vindo
almoçar conosco. Conheceram o quarto do bebê e pudemos revelar o sexo e
seu nome.
— Engano — me abraçou, se recostando em meu ombro.
Busquei o aroma de uva, não encontrei. Suspirei e mantive meus olhos no
horizonte, assistindo ao pôr do sol, pensando nela.
Aonde você está, Is?
Encarava aquele pedaço de papel sem acreditar. E agora parecia uma puta
ironia tudo isso.
Lucas me contou que seria pai e fugi.
Uma vez, quando criança, passei em frente a uma agência de viagens. Não
tínhamos dinheiro para viajar na época, a grana era contada para comida e
nada mais, mas ainda assim minha mãe se sentou comigo no banco da praça
e observamos uma foto de uma cidade bonita do interior. Nunca tivemos a
oportunidade de visitar o lugar.
Blumenau era linda, como havia visto no panfleto. Já não era tão pequena,
mas ainda contava com vizinhos que se conheciam e pessoas simpáticas,
contradizendo os boatos que por aqui eram todos mais frios.
A cidade, com raízes alemãs, era encantadora. O centro tinha aquelas
construções que seguiam a arquitetura do lugar que deu origem ao seu
nome, e praças lindas com muitos patinhos no lago. Parecia um bom lugar
para recomeçar.
Vim conhecer, matar a curiosidade e acabei ficando. Afinal, por que não?
Precisava me afastar, por enquanto, de tudo e de todos, até que o aperto no
meu peito fosse tolerável. Ainda não era, e temia que nunca fosse um dia.
Aluguei um espaço quase na fronteira da cidade, longe de todo o centro
comercial. Queria paz. A casa não era muito grande. A construção de sua
fachada foi inspirada na arquitetura enxaimel alemã, com telhados em
formatos engraçados e vigas aparentes de madeira branca em forma de xis.
E foi exatamente o que me encantou logo de cara.
Por dentro tudo era em madeira mais escura. Um sobrado que se parecia
muito com uma casa de bonecas. Tinha uma varanda e um pequeno espaço
no quintal com algumas plantas e uma parreira de uvas. Um sonho. Me
senti confortável assim que conheci seu interior, uma sensação de lar. Era
simples, mas trazia a paz que tanto busquei nesses últimos dias.
A ideia inicial era ficar ali por algum tempo. Contudo, na primeira noite
sonhei com minha mãe. Ela preparava uma cuca naquela cozinha, e o cheiro
de baunilha e canela empesteou todo o lugar. Minha mãe sorria e me
contava que havia amado o lugar.
Então, utilizei seu dinheiro para comprar o imóvel e comecei a mobiliá-lo
como gostaria. E tudo agora já estava do meu jeitinho: móveis em madeira
rústica com estampas românticas florais, tapetes felpudos, cortinas simples
que deixavam a luz transpassar, muitas plantas e fotografias minhas e de
minha mãe. Meu lar.
Contudo, foram muitos dias difíceis até aqui e três semanas não foram
suficientes para ajustar meu sistema imunológico, que continuava ruim.
Não conseguia comer nada, a comida simplesmente não parava no
estômago. Estava fraca e abatida. Já não aguentava mais os efeitos daquela
tristeza que era sentida a cada minuto do dia.
Fui ao hospital mais próximo para uma consulta, em busca de um remédio
que ajudasse a melhorar os sintomas. Alguns exames depois e eu segurava o
resultado entre as mãos. Não acreditando que a vida poderia me pregar mais
essa peça.
Como a informação escrita em negrito me faria me distanciar e esquecer o
Lucas? Isso nos uniria pela vida toda.
Lucas não queria ser pai. Poderia sorrir com sua falta de sorte, mas o
assunto era bem sério.
Pois bem, que tal mais um? É isso, eu estava grávida e chegando ao quinto
mês.
Encarei minha barriga plana e era inacreditável saber que havia uma vida
ali, em uma gravidez já avançada.
Entretanto, o coraçãozinho do meu filho batia tão rápido e forte que seria
impossível duvidar.
— Garoto, é você que está deixando a mamãe doente assim e já está me
dando trabalho como seu pai? — perguntei, alisando onde deveria estar.
Um menino perfeitinho pelas imagens.
E eu teria que contar ao Lucas.
Suspirei forte enquanto aguardava meu amigo atender.
— Alô? — disse com sua voz rouca de sono. E sorri, porque sentia muito
sua falta.
— Oi, grandão! — ouvi um barulho de algo caindo e ampliei o sorriso. —
Como você está?
— Cacete! Puta merda, Isabella. Quer me matar do coração? — bufou. —
Onde você está?
— Estou em uma cidade no sul do país. Estou bem, ou quase.
— Isabella, me fala onde você está. Quero te ver — disse com uma
seriedade que não combinava com sua personalidade, e que poucas vezes
presenciei em todos esses anos.
— Ainda não estou pronta, Pedro. Preciso de espaço dessa loucura toda —
suspirei. — Mas fique tranquilo, estou viva. Salva meu número, mas não
passe para ninguém sem minha autorização.
— Você tem ideia do quanto estávamos preocupados? Por que não procurou
a Tina?
— Não consigo por agora, mas sei que isso tudo vai passar. Talvez nunca
volte a ser como antes. Mas espero que realmente fique mais fácil —
expliquei, sentindo a voz embargar.
— Lamento tanto, Isa — pelo timbre, podia jurar que estava chorando do
outro lado. Pedro era grande, mas passional como nenhum outro que
conheci.
— Vai dar tudo certo, Pedro. Agora seja um bom amigo para o Lucas e o
ajude nessa fase. Ele não pode entrar em depressão novamente.
— Eu sei. E quanto a você?
— Vou ficar bem — prometi, alisando mais uma vez minha barriga. Agora,
mais do que nunca, precisaria ser forte. — Passe o telefone para o Lucas,
preciso conversar com ele.
— Cacete! — reclamou. — Ele não está mais morando aqui, Isa —
explicou com pesar. — Mas você pode ligar para o celular dele.
Ouvir isso causou uma dor diferente.
— Não quero que tenha meu número novo por agora.
— Vou te passar o telefone da casa dele, então. Está sem bina. Ligue
tranquilamente. E por favor — suspirou —, não some, Isa.
— Não vou — prometi, antes que me passasse o novo número.
E como poderia não cumprir com essa promessa agora?
— Resolve o que tem que resolver, mais tarde ligo para saber como está —
concordei com um hum-rum. — E… Isa?
— Fala, grandão.
— Eu te amo demais, não esqueça disso.
— Eu também amo você, Pedro. Muito.
Encerrei a ligação antes que perdesse a coragem do que tinha que fazer.

Eu andava de um lado a outro da sala enquanto aguardava ser atendida. Por


via das dúvidas comprei um novo chip, que seria descartado assim que
encerrasse a ligação.
— Pronto — uma voz feminina com um sotaque português carregado
atendeu.
— Olá, me chamo Isabella. Gostaria de falar com o Lucas, ele está?
Um minuto inteiro se passou até ouvir sua resposta.
— Isabella. É a Is? — disse simpática.
— Acho que sim, gostaria de conversar um pouco com ele. É possível?
— Prazer, Is. Sou a Paula, esposa do Lucas. Ele não está no momento, mas
posso pedir que retorne — seu sotaque se perdeu um pouco quando
começou a falar em um português daqui.
— Posso retornar em outro horário.
— Ah não, por favor. Nós esperamos sua presença, Isabella. Faço questão
de organizar um almoço para nós. Sei que é muito recente, querida. Mas, se
é importante para o Lucas, é para mim também.
Ele havia falado de mim?
— Não pretendo ir para Portugal em um futuro próximo, lamento.
— Era mais sério para você do que imaginei, não é? — se eu não estivesse
sentada, talvez caísse. — Lucas me contou sobre a história de vocês, como
sugeriu aquele plano idiota de forjar um namoro e que acabaram fazendo
sexo. Homens.
— Ele... — suspirei, sentindo a primeira lágrima descer. — Então, ele te
contou?
— Tudo — sorriu. — Sinto muito que ele não tenha retribuído seus
sentimentos. Homens são diferentes de nós, mulheres. Nem se dão conta.
Não podia acreditar que Lucas havia contado nossa história.
— Eu... realmente preciso conversar com ele.
— Entendo, Is. Mas, falando de uma mulher para outra, dê tempo ao tempo.
Um dia ele também irá querer conversar contigo e quem sabe voltem a ser
amigos, hãm? Eu sinto tanto que tenha acabado da forma que acabou.
— Não sei o que dizer.
— Sei como dói não ser vista como uma mulher por quem amamos, querida
— suspirou com pesar. — Sei como é ser usada apenas para o sexo e ser
descartada, e lamento por isso. Nós, mulheres, temos que nos apoiar. Sei
que o ama, mesmo que não seja recíproco. Mas te prometo que seremos
felizes, nós três. Cuidarei dele daqui.
— Paula, obrigada pela atenção, mas preciso desligar.
Não esperei resposta, encerrei a ligação antes que ouvisse o soluço alto que
irrompeu em meu peito.
Encarei o teto, não sabendo o que faria da minha vida daqui para frente.
— Luc, telefone para você.
Estava distraído, consumido pelo trabalho, quando Pedro chegou ao meu
lado, estendendo seu celular.
Observei o meu próprio na mesa, desligado, e não entendi. Novamente fez
um gesto impaciente para que eu segurasse seu aparelho e atendi.
— Lucas.
— Oi Lucas. Como está? — cumprimentou, e essa era uma conversa que
não poderia ter aqui na frente de todo o escritório.
— Is? — meu coração bateu tão forte no peito, causando uma dor física.
Passei a mão no local como se fosse possível atenuá-la. — Preocupado —
garanti, fechando a porta de vidro da sacada atrás de mim. — Como você
está? Onde está?
Mantinha o tom de voz baixo e calmo, mesmo que não espelhasse em nada
meu estado de espírito. Não queria assustá-la.
— Um dia por vez.
— Me fala onde está, Isabella.
— Ainda não.
— Is... — supliquei.
— Não se preocupe comigo agora. Temos que conversar — retrucou,
notoriamente agitada. — Não queria ter essa conversa por telefone.
— Então não tenha! Is, vem para cá. A proposta de sócia continua de pé.
Pode morar com o Pedro se quiser, o apartamento é lindo, vai gostar —
estava nervoso e tenho certeza que identificou isso na urgência das minhas
palavras. — Se quiser faço horários diferentes, nem precisamos nos cruzar
até você querer.
— Não, Lucas. Preciso te contar algo importante — ouvi sua voz embargar,
e meu coração se pudesse se estilhaçaria. — Amar você é a coisa mais
difícil da minha vida. Dói demais, Luc.
Não chora, meu amor.
Desculpa, Is.
— Não faz isso, Isabella.
— Não consigo, eu... — foi possível ouvir seu choro desesperado do outro
lado, e encarei minha mão trêmula, agarrada no corrimão de vidro da
sacada.
Respirei fundo...
— Desculpa Isabella, não deveria ter te envolvido naquele plano idiota. Não
deveria ter feito sexo com você, sabia que iria foder com tudo. Não queria
te confundir e sabia que era possível. Sexo bom e amizade podem
complicar as coisas.
— Sexo bom?
— É, você é meio que emocionada, não é? Sempre foi — ri, ainda que não
achasse nenhuma graça. — Foi só sexo, Is.
— Lucas, só sexo? — falou em um tom tão fraco que quase pensei em
voltar atrás. Quase.
— Sim, não estou dizendo que foi ruim. Mas estou casado agora, Isabella.
Eu amo a Paula e teremos um filho. Minha cabeça está a mil.
— A sua? — soou sarcástica.
— É Is, outras pessoas também possuem problemas. O mundo não gira em
torno de você, sabia? — aumentei o tom de voz. — Não pode sumir e não
esperar que fiquemos preocupados. Pedro me pentelhou por dias.
— Pedro?
Sinto muito, Is.
— Mas, se me perguntar, estou bem. Vou ter um filho, Isabella, e estou
bem. Quer dizer, como a Paula saberia que esse é meu maior medo? Mas
você sabe, não é? O lado bom de tudo isso é que, pelo menos, não é com
você.
Seu choro irrompeu forte, interrompendo o fluxo de palavras que ainda
estavam para serem ditas.
Minutos se passaram, onde era possível ouvir somente sua tristeza do outro
lado.
— Adeus, Lucas — desligou por fim.
Esfreguei os olhos, os sentindo arder.
— O que você fez, Lucas? — meu amigo me puxou para seus braços, me
prendendo em um abraço apertado.
— Eu a libertei, Pedro. Eu a libertei.

Às vezes acordamos em dias tão tristes que é impossível não


questionarmos quando tudo começou a dar errado; o ponto de virada,
a mudança brusca do status quo.
Eu vinha pensando sobre isso dia após dia e, nesses momentos, não havia
como não transformar a vida dos outros à minha volta em tristeza, uma tão
grande quanto a que eu sentia.
Sabe aqueles dias em que você está animado com alguma coisa que deu
certo para você? Daí, você entra em uma sala de reunião e encontra aquela
pessoa chata que reclama de exatamente tudo, e não importa
necessariamente do que seja.
Todos em algum momento cruzam com pessoas assim, que reclamam
exatamente de qualquer coisa: que tem contas a pagar mesmo com dinheiro
na conta; ou que pegou um trânsito pesado, ainda que estivesse em um
carro luxuoso no conforto de seu ar-condicionado. Aquela pessoa pesada de
se estar perto, porque não importa o quão feliz você possa aparentar, ela irá
drenar seu estado de espírito de alguma forma.
Eu temia estar me transformando nessa pessoa.
Três meses haviam se passado e as coisas pareciam não ter o mesmo gosto,
a mesma graça. E não era uma tristeza por alguma coisa que tivesse dando
errado, nem mesmo a frustração de não conseguir algo. Era daquelas que te
rasgam por dentro em silêncio, transformando suas dores em algo
insuportável.
Questionei um milhão de vezes quanto tempo mais aguentaria viver assim,
sentindo essa tristeza consumindo tudo ao meu redor. Me colocando em um
buraco tão fundo, que temia nunca mais me encontrar quando me olhasse
no espelho.
Porque muito pior que a ausência é a saudade. A saudade é uma dor no
peito tão forte que às vezes tenho vontade de fugir de mim mesmo, fugir
das minhas escolhas.
Por conta disso, não sorria mais, não conseguia sair, não conseguia voltar
para casa e encarar a vida que havia escolhido, porque era o certo a ser
feito. Não conseguia encarar minha esposa e não enxergar a pessoa que
nunca, nem por um momento, me magoou.
É como se, depois da Isabella, faltasse uma parte importante de mim. Era
foda lembrar do seu sorriso e saber que seria necessário esquecê-lo. Em dias
assim, me restava somente me agarrar às lembranças, qualquer uma delas,
porque todas foram boas.
Nossas conversas leves, nossas noites de filmes, seus sorrisos, até seus
surtos eu sentia falta. Aqueles dias em que inventava miojos especiais. Seu
cheiro, seu toque, seu sabor. Não daria para voltar no tempo e jamais deixar
de acordar ao seu lado.
Seria muito egoísmo da minha parte querer que se lembrasse de mim? De
nós? Porque eu sei que nem por um só momento poderia esquecê-la.
Desculpe, amor. Desculpe por ferrar com tudo, desculpe por não estar ao
seu lado, desculpe por não ter forças o suficiente para me manter forte
como achei que poderia, desculpe por saber que errei de novo. Mas tenho
tanto medo de fazer o que é certo para gente agora que temo não conseguir
fazê-lo nunca mais. E, realmente, me desculpe por estar me transformando
em um cara que não te merece.
Mil perdões, Is.
— Henrique, quanto te pagamos aqui?
— Seis mil e quatrocentos euros, senhor — o moleque gaguejou, e era
possível notar o quanto sua camisa social começava a se colar ao seu corpo,
devido a quantidade excessiva de suor. Estava nervoso. Em seu lugar,
também ficaria.
— E por que acho que estou jogando meu dinheiro pela janela? — encarei
sério, refletindo o quanto estava puto.
— Lamento, senhor. Prometo que da próxima vez... — fiz um gesto com a
mão para que se calasse.
— Próxima vez? — sorri. — Da próxima vez você pensará bem antes de
cometer um erro que condicione alguém a perder milhões em apenas
algumas horas. Está dispensado.
O moleque suspirou aliviado pensando que havia se livrado. Não havia.
— Pegue suas coisas e passe no RH — finalizei.
Odiava momentos assim, odiava ter que lidar com isso. Apenas voltei
minha atenção à tela e me pus a trabalhar novamente.
Era um dia particularmente difícil. Precisava descansar, foder e beber
alguma coisa.
— Quantas vezes já conversamos que antes de demitir alguém você precisa
conversar comigo, Lucas? — Pedro entrou em minha sala, exalando raiva.
Ótimo! — Parece que se esquece que somos sócios dessa merda.
— O garoto é incompetente, Pedro. Não me faça perder mais tempo com
esse assunto — nem me dei ao trabalho de encará-lo, e continuei com a
atenção voltada aos dados no monitor.
— Se não serve, trocamos. Mas que tal, por um só momento, contratar
alguém antes? — se sentou na cadeira que até pouco tempo… qual era
mesmo o nome dele? Tanto faz, saiu.
— Ele nos faria perder mais alguns milhões e não temos tempo para isso.
— Dava para ouvir seus gritos lá fora, Lucas. Não é conveniente sermos,
mais uma vez, processados por assédio.
Encarei seus olhos castanhos, sem qualquer paciência para esse assunto.
— Avisa à responsável pelo RH que, se mais uma contratação me der esse
tipo de problema, será ela quem estará na rua.
— Não é possível que tenha se tornado um cara tão babaca assim — eu
sorri. — Por que não vai atrás dela logo?
Essa era uma das perguntas que sabia que jamais teria resposta, mas ele
insistia em repeti-la, todos os dias, mesmo assim.
Quando se deu por vencido sabendo que não ouviria resposta, finalmente se
levantou, me deixando sozinho.
Tente passar pelo que passei, Pedro, e talvez possa me julgar.
— Você se tornou um homem amargurado que somente pensa em dinheiro,
Lucas. Não aguento mais isso — minha não tão adorada esposa reclamou,
após alguns poucos minutos de silêncio, ao sentarmos à mesa para
tomarmos o café da manhã.
Uma mesa extravagante, cheia de coisas que sequer iríamos tocar, em uma
casa ornamentada com esmero, opulenta. Tudo aqui foi escolha dela; desde
os móveis de madeira sofisticada e cortinas de veludo, até os tapetes
persas. Qualquer coisa para ostentar o melhor que o dinheiro poderia
pagar. Paula gostava de aparências e não fazia ideia de como me irritava
essa postura superior e sua arrogância.
Perder algum tempo com ela agora me consumia até o ar. Era sufocante.
— Paula, não aguento mais suas reclamações. Você fala que somente penso
em trabalho, mas se não fosse assim, como pagaria por seus luxos? —
indiquei com o dedo tudo ao nosso redor. — E as festas que promove sem
qualquer propósito, a não ser o de demonstrar o quão feliz e rica é, já que
não quer trabalhar?
O olhar de raiva que dirigiu a mim foi quase gratificante.
— Desde que perdemos nosso filho, você se prendeu nessa bolha. Não
reconheço mais você — e, como sempre, começou a chorar fazendo seus
dramas.
— Não tenho paciência para isso — a encarei, lhe dando, por fim, a
atenção que pedia. — Você não me conhece e jamais quis conhecer, Paula.
Você está comigo apenas e exclusivamente pela vida que lhe dou.
— PENSA QUE NÃO SEI DE SUAS AMANTES? — se descontrolou.
— Não há inocentes aqui, Paula — disse em um tom gelado, de quem sabia
todos os seus podres.
— É UMA VERGONHA. TODOS COMENTAM A RESPEITO. PELO
MENOS FICASSE COM ALGUÉM DE FORA DO NOSSO CÍRCULO
SOCIAL.
— Vou te explicar como funciona nossas vidas — falei manso. — Você me
trai, eu transo com quem quiser, você gasta o meu dinheiro e me deixa em
paz. Parece bem simples para mim.
Deveria ter acabado com esse casamento há um ano atrás. Aliás, deveria
ter feito três meses após nos casarmos. Contudo, não queria ser o cara
escroto que termina um casamento após um aborto. E esse fato me traz
arrependimento todos os dias.
— Sente falta dela, não é? — sorriu, mas era como apenas um mostrar de
dentes.
— Não ouse abrir sua boca para falar sobre ela.
— Você me trai, me trata como porra nenhuma. Se acha o maioral e se
sente bem toda vez que pisa em mim.
— Não se superestime, querida. Não se dê tanto crédito — riu com desdém
de minhas palavras.
— Lucas, Lucas... se acha tão inteligente, dono do mundo — encarei seus
olhos que pareciam crispar de raiva. — Acho que nosso casamento acabou,
querido. Já tenho dinheiro suficiente para não precisar mais de você.
— Você jura? — sorri pela primeira vez, aliviado.
— Te traí tantas vezes, meu amor. Só faltou o Pedro nessa lista.
— Paula, você nem transa bem para se vangloriar disso, e sabe
perfeitamente que entre nós não houve qualquer sentimento. Por favor, se
poupe do ridículo.
— Tomás não era seu filho — a encarei sério. — Não imaginava que fosse
casar comigo, mas aqui estamos. Foi horrível, mas te custará alguma
coisa.
— Você é uma mulherzinha desprezível, Paula. Como ousa ir tão baixo?
— Consegui te atingir, meu amor? A capa do homem frio e arrogante
finalmente caiu? — segurei o tampo de madeira tão forte que senti meus
dedos doerem. E tenho certeza que se não fosse grosso o suficiente teria
cedido. — Acha que estou mentindo? — se aproximou devagar, se
abaixando para falar ao pé do meu ouvido. — Sequer havíamos transado,
seu idiota. Você a deixou por nada.
Me levantei tão bruscamente que a cadeira foi ao chão, fazendo um grande
estrondo e pela primeira vez cogitei avançar em uma mulher.
Saí de perto, antes que uma besteira fosse cometida.
— Saia da minha casa, Paula — sorri sem humor. — Não esteja aqui
quando eu voltar. Caso contrário, meus advogados irão te procurar e posso
te garantir que estará presa até o final da semana.
Apontei para câmera que filmava toda nossa interação e lhe dei um sorriso
de escárnio.
Eu tentei contato com Isabella por muito tempo, e ela jamais retornou
minhas ligações ou quis saber algo sobre mim. É como se, para ela, eu
tivesse morrido. Não a culpava por isso.
Toda essa experiência afetou a todos nós de alguma forma.
— Bom dia, minha menina. Acabou de sair uma fornada de cacetinhos com
queijo — Sr. Joaquim avisou e o cheiro realmente estava ótimo. — Vou
separar alguns para você.
— Obrigada, Sr. Joaquim. Sabe que sou apaixonada pelos seus cacetinhos
— pisquei e rimos de nossa piada interna. — O livro da contabilidade está
separado?
— Está sim, minha querida. Pegue-o com minha digníssima esposa. Sabe o
caminho.
Assenti, me dirigindo ao escritório, enquanto o senhor se ocupava em
atender os outros clientes.
Quatro anos haviam se passado e, com uma criança para cuidar, meu tempo
era digamos que limitado.
Meus conhecimentos financeiros me ajudavam a ter horários flexíveis e a
trabalhar por conta própria. E, em uma cidade onde todos se conhecem,
depois que se conseguia o primeiro cliente, era natural que outros viessem.
Eu fazia a contabilidade dos pequenos comércios mais próximos. Não
ganhava tanto, mas o dinheiro cobria as contas. Podia trabalhar de casa e
ainda acompanhar o crescimento do meu filho.
Também recebia muitos mimos dos meus clientes, e essa era a parte boa. E
claro, já os enxergava como bons amigos.
Algumas horas e cinco estabelecimentos depois, finalmente, chegava em
casa. Ainda era apaixonada pelo lugar e agora ainda mais.
— Cadê meu filhotinho? — dona Izabel sorriu, me estendendo aquela
fofura toda.
Gabriel era uma criança absolutamente sorridente, e ninguém era imune ao
seu charme ou suas pernas gorduchas. Havia puxado os olhos do pai, um
verde cor de folha. E, para meu desespero futuro, suas covinhas também.
Porém, todo o resto era meu ou uma mistura muito harmônica de ambos.
Contudo, sempre que sorria lembrava muito o Lucas. Era impossível não
olhar seus cabelos clarinhos e não os associar.
— Mamãe... — se animou, se jogando nos meus braços.
— Mas é apaixonado nessa mãe, meu bom Deus — a senhorinha, que
lembrava muito a dona Benta do Sítio do Picapau Amarelo, repetia isso
todas as vezes.
— E como não seria? — enchi de beijos seu rostinho assim que o peguei.
— Ele se comportou, dona Izabel?
— Esse menino é um anjo — garantiu, com um sorriso de quem também
era completamente apaixonada por ele. — A senhora demorou, já estava
levando-o para cama. Esse guri já jantou, tomou banho e escovou seus
dentinhos — explicou, beijando sua testa.
— Deixa que o coloco para dormir. Vá descansar.
Me despedi da senhora mais doce do mundo e subi as escadas com meu
menino, nos deitando em sua cama.
— Hola da estoinha, mamãe? — perguntou animado demais para quem já
deveria estar dormindo.
— É sim, meu amor. Vem mais para perto da mamãe — obediente, se
aninhou em meus braços.
Quarenta minutos foram necessários para que finalmente apagasse. E, como
todas as noites, fiquei observando em silêncio suas pálpebras tremularem e
sua boquinha rosinha formar um pequeno “o”. Eu o amava demais.
O dia estava quase findando. Faltava só mais uma tarefa para que
finalmente pudesse descansar.
— Oi grandão. Já está se arrumando? — perguntei assim que atendeu.
— Ah, anjo. Sabe que hoje é dia de farra. Me respeita — era quase possível
ouvir seu sorriso através de sua voz. — Como está?
5 anos antes...

— Tá bonitão — falei assim que entrou na sala.


Está vestindo uma calça jeans que se agarra nos lugares certos, uma
camiseta branca simples e por cima a jaqueta de couro que ama. Inclusive,
juntou boa parte de seus salários para comprá-la. Meu amigo é bem
vaidoso e fica bem gato quando sai.
— Cadê o Lucas? — olhou em volta, como se fosse possível achá-lo atrás
de uma poltrona. A sala é bem pequena, acredite, e Lucas não conseguiria
se esconder aqui nem que tentasse.
— Apareceu uma garota bonita que já estava de olho há tempos —
parafraseei. — Liberei ele.
Pedro fez uma careta de desagrado e retirou a jaqueta. Observei em
silêncio sua caminhada até onde eu estava e, por fim, se jogou ao meu lado
no sofá azul brilhante que eu odiava, mas ele havia escolhido como se fosse
algo muito chique e único.
— Quer ver um filme ou sair comigo?
— O que está fazendo? – semicerrei os olhos em sua direção. — Não, não.
Levante sua bunda bonita daqui e vai se divertir.
— Isa, nós podemos discutir por horas, ou você escolhe o filme e eu peço
uma pizza, hãn? — arqueou sua sobrancelha grossa e cedi, buscando no
catálogo algo que nos agradasse. — Foi o que imaginei. Vou pedir a pizza.
Discutir com o grandão seria a maior perda de tempo.
Assistimos a uma série de suspense, seu gênero favorito, porque queria
agradá-lo. Comemos a pizza no meu sabor favorito, porque ele queria me
agradar, e curtimos a companhia um do outro como em todas as vezes até
aqui.
Pedro sempre me arrancava boas risadas com nossas provocações. Ele
gosta de ser elogiado e eu gosto de dar corda até puxar seu tapetinho
vermelho. É nossa dinâmica e adoro isso.
Sua companhia tem um preço, claro. Tenho que lhe fazer cafuné e carinhos
para compensar as bocetas perdidas da noite. Palavras dele. Se eu não
soubesse como tratava as mulheres, daria um belo sermão. Mas não é o
caso. Meu moreno é gentil e honesto com quem se relaciona, mesmo em
seus sexos “casuais”, como chama.

— Estou bem. Pare de perguntar isso. Nos falamos todos os dias.


— Não seria assim se também não tivesse me colocado de castigo e não
quisesse me ver.
— Qualquer dia faço uma videochamada — também sentia sua falta, mas
agora havia um excelente motivo para evitar sua visita. — Como foi sua
festa?
— Trinta e um anos e minha amiga sequer veio me ver. Já foi melhor, Isa.
— Não lembro de você resmungar tanto — pontuei sorrindo.
— Talvez seja a convivência com o Lucas.
— Pedro... — apertei o aparelho entre os dedos, como se quem tivesse que
ser punido fosse ele.
— Esqueci. Desculpa, não falo mais sobre quem não mencionamos —
concluiu, e tenho certeza absoluta que não se arrependia em exatamente
nada.
Pedro vivia deixando escapar “sem querer” coisas sobre o Lucas.
Internamente agradecia, ainda me preocupava com ele. Mas me esforçaria o
quanto pudesse para jamais demonstrar. Lucas ficaria no passado.
— Na próxima semana estarei no Rio, irei visitar alguns amigos e passarei
também para ver a Tina. Queria tanto poder te ver dessa vez.
Essa conversa se repetia com mais afinco sempre nessa mesma época do
ano.
— Me fala a data. Estou pensando em fazer uma surpresa indo até o Rio.
Uma hora ou outra isso aconteceria de qualquer forma. Era melhor ir atrás
dele, antes que fosse ele a fazer isso.
Dona Izabel poderia ficar por um ou dois dias com Gabriel, tenho certeza
que não ligaria. Agora já era seguro deixá-lo. Meu filho estava crescendo.
— Sério, Isa? — quase gritou, entusiasmado. — Nem acredito. Chego ao
Rio na próxima quinta.
— Vamos combinar. Agora, vai se divertir que tenho que dormir.
— Tudo bem. Boa noite, anjo. E não esqueça que te amo.
— Também te amo, grandão. Boa noite.
Pedro foi o único com quem mantive contato. Valentina jamais respeitaria
minha vontade, assim como ele fazia. Se eu mantivesse contato, ela me
caçaria até o fim do mundo para não me deixar sozinha.
Me sentia péssima por tê-los afastado, mas tinha um excelente motivo para
não me arrepender. E, ao encarar novamente seu rostinho inocente, alheio a
tudo, garanti a mim mesma que foi a melhor escolha, afinal.
Nunca havia parado para pensar sobre o fato de gente rica permanecer rica,
até ser uma delas. Não estava reclamando, dou muito valor ao dinheiro para
gastá-lo sem responsabilidade.
Entretanto, aqui estava. Em uma das boates mais luxuosas e exclusivas do
país.
Apesar do lugar ser confortável e privativo, já não via com tanto
deslumbramento nossas noites de sexta. Essa em especial era cortesia de um
dos amigos de Pedro.
O camarote, ou área vip como era chamado, contava com um espaço grande
demais para ser utilizado apenas pelas onze pessoas presentes. Bancos em
couro preto e um ambiente completamente negro do chão ao teto
compunham a decoração. A magia se dava por conta das cores provindas
dos jogos de luzes hi-tech. Até o cheiro do lugar exalava riqueza.
As bebidas, que pessoas comuns jamais conseguiriam consumir, estavam
todas dispostas na mesa, acompanhadas de copos de cristal. Uma grande
palhaçada, mas iria me fartar de todas elas para mais uma vez tentar
esquecer o dia difícil.
Me lembro do tempo quando era necessário que eu me esforçasse para
conquistar uma mulher. Veja bem, não sou um homem feio. Nenhum dos
cinco caras presentes são, mas só de sentar aqui sabia que iria me dar bem.
Um bom exemplo disso é a ruiva com cara de safada se esfregando no meu
colo.
Fazia tempo que não dançava, mas isso, com certeza, não impedia a mulher
de vestido curto e brilhante de fazer o mesmo nas minhas pernas. E já
combinamos que eu precisava transar.
Busquei sua boca, enquanto apalpava seu seio com a mão livre. Nossas
carícias não poderiam ser chamadas de discretas nem de longe. Contudo,
todos os presentes estavam acostumados com cenas do tipo. Quando o
pouco pudor que ainda tínhamos cessou, me levantei a convidando para um
dos banheiros; o lugar possuía três. Mais uma das muitas coisas
completamente desnecessárias. Contudo, não iria protestar sobre o fato
nesse momento.
No espaço privado, a jovem mulher sorriu maliciosa e poucos segundos
foram necessários para que se ajoelhasse à minha frente, deixando clara sua
intenção. E jamais recusaria o favor que a bela moça estava ofertando de
tão bom grado.
Parecia bem jovem, talvez cerca de vinte poucos anos, mas a habilidade
com que botou meu pau na boca e o sugou com perfeição demonstrou como
era experiente, apesar de tudo. A ruiva queria impressionar, como todas as
outras antes dela.
O boquete estava interessante, mas queria foder rápido e forte. Era o que
precisava. Por isso, a trouxe novamente aos meus braços, arriando seu
vestido tomara que caia, para minha sorte. E logo estava experimentando
seus seios fartos com atenção e esmero. Não eram naturais, mas quem liga?
A mulher era escandalosa e cogitei tapar sua boca uma ou duas vezes, mas
o som lá fora estava bem alto e estaríamos bem. Isso, claro, se fôssemos
rápidos o bastante.
A posicionei de forma que se segurasse na bancada, encapei meu pau com
habilidade e me afundei nela o mais rápido que pude.
Ela já estava pronta e, por isso, aprovou as investidas mais duras. Agarrei
seu quadril e a fodi com força, como ansiava fazer durante todo o dia.
Contudo, se tem algo que não podem me acusar é de não satisfazer uma
mulher. Aprisionei seu clitóris com os dedos, fazendo uma fricção dura.
Uma punição gostosa que lhe arrancava gritos mais entusiasmados.
Ela gozou primeiro, demorei um pouco mais.
— Vamos estender a noite, bonitão? — convidou, com um sorriso sacana de
quem prometia muitos outros orgasmos.
— Fica para próxima, Patrícia — não gostava de compartilhar minha cama.
— É Andressa — explicou.
Não ligava. Terminei de me vestir e abri a porta do banheiro, esperando que
passasse à frente.
A noite seria genérica, como todas as outras. Bebidas e pessoas, as quais me
esqueceria em breve, exceto o moreno que dançava com as duas loiras.

— Você vai para o Rio hoje? — perguntei assim que o vi arrumando as


malas.
— Vou sim. Tem certeza que não quer vir dessa vez? — convidou mais uma
vez.
— Sabe que não podemos nos ausentar os dois.
— E você está cansado de saber que essa é uma desculpa de merda —
reclamou, colocando sua mala já pronta no chão. — Já tem alguns anos que
estamos mais para coadjuvantes do que atuando na linha de frente. Sabe
que, se quiser, pode vir comigo.
— Se essa desculpa te faz dormir à noite — provoquei, me jogando na
cama.
— Sua mãe sente sua falta e seria legal ir visitá-la, para variar. E podemos
sair nós três — encarei seu rosto com atenção. — Valentina sente sua falta
também.
Não percebi que havia prendido a respiração até então.
Fazia anos que não nos víamos. Eu me afastei de tudo, porque não faria
qualquer sentido sem ela.
— Vou ver se consigo chegar na próxima semana e marcamos alguma coisa
— prometi mais uma vez, não tendo certeza se cumpriria.
Entretanto, quatro anos haviam se passado. Já era hora de deixar o passado
no passado e seguir. Isabella o fez. Talvez fosse a hora de eu fazer também.

— Fala, Pedro. Isso são horas de ligar? — encarei o relógio, identificando


que era madrugada ainda. — Aconteceu alguma coisa?
— Aconteceu sim — seu timbre sério fez meu sangue gelar imediatamente.
— Vou te passar uma localização, preciso que venha pra cá o mais rápido
possível.
— O que aconteceu, Pedro? — acessei o endereço, não reconhecendo o
lugar. Pela imagem, parecia uma residência.
— Essa não é uma conversa para se ter por telefone.
— Alguém está ferido? Doente?
Meu coração martelava no peito e a adrenalina corria em doses cavalares no
sangue, fazendo com que minha cama não fosse mais tão atrativa. Me
levantei, já partindo em direção ao closet. A urgência de sua ligação jamais
seria ignorada.
— Não é nada disso, mas preciso que venha pra cá.
— Isabella? — questionei, sentindo um medo filho da puta de estar certo.
Ele soltou um suspiro pesado do outro lado da linha, confirmando a
resposta.
— Estou te esperando aqui. Tenho que desligar agora.
Não houve despedida, apenas encerrou a chamada. E eu ainda permaneci
parado, encarando a tela do telefone desligada.
Se o intuito do filho da puta era me poupar, falhou miseravelmente.
— Oi, Isa. Como você está? — Antônio perguntou, assim que me viu sair
da farmácia.
— Estou bem, Antônio. E você, como anda? — o moreno, sempre
simpático, sorriu.
— Também — me encarou daquele jeito que sabemos que há mais coisas a
serem ditas. — Não marcamos nada depois daquele dia.
Fiquei encarando seu rosto bonito.
Antônio era o filho da dona Lourdes, dona da farmácia e uma de minhas
clientes mais queridas. Era sempre muito simpático e não era um homem
fácil de se ignorar. Atraía sempre olhares interessados das mulheres da
cidade, e também tinha uma boa lábia. Por isso, não consegui recusar seu
convite para sairmos.
Fazia bastante tempo que eu era somente a mãe do Gabriel, e não tinha
tempo para me relacionar com ninguém. E o corpo tem suas necessidades.
Eu disse sim. Saímos, transamos, e agora vivo recusando um novo
encontro. Não é que tenha sido ruim, mas também não foi nada demais.
Contudo, o melhor partido do bairro não compreendia meus motivos de não
seguir adiante.
— Pois é. Mas como te expliquei, sou mãe, Antônio. Não quero um
relacionamento agora.
Sorriu, como se já esperasse por essa resposta. E nem precisava ser um
gênio; lhe disse isso algumas vezes.
— É só não termos um relacionamento, Isa — e por essa eu não esperava.
— Claro — o encarei séria. — Como se eu fosse ficar por aí transando com
você. Me poupe, Antônio.
Não esperei resposta e lhe dei as costas. A Isabella que se calava havia
morrido há algum tempo. Se eu não cuidasse de mim agora, quem faria?
Cheguei em casa ainda resmungando da audácia do homem.
Isso, claro, até ver meu menino brincando na terra. Aquele sorriso seria o
suficiente para deixar meu dia feliz, independentemente de quaisquer
circunstâncias.
Já falei que tenho o filho mais simpático do mundo? É, eu tenho!
— A mamãe não ganha um beijo? — perguntei, me agachando para ficar na
sua altura e recebê-lo em meus braços.
Ele correu até mim gargalhando.
Eu ficaria suja de suas mãozinhas cheias de lama, mas o beijo babado
compensava o trabalho que teria tentando remover as manchas da blusa
branca mais tarde.
Muitos carinhos e gritinhos depois, me dirigi até a cozinha para adiantar o
almoço.
Amava cozinhar nesse espaço, e agora era quase terapêutico. Assim que
arrumei o cômodo e finalmente me dirigi para tomar banho, Gabriel chegou
correndo na sala.
— Mamãeee... — sorri ouvindo sua voz falhar no final. Aquele timbre
gostoso de quem começa a perder um pouco da voz, após tantas
gargalhadas.
— Oi meu amor. Cadê dona Izabel?
— Tá convesando com um homi bem gandão. E ele tá peguntando pô você,
mamãe...
Não deu tempo nem de processar a informação. Olhei em direção à porta e
vi meu amigo parado na minha frente.
— Senhora Isabella, esse é o .... — dona Izabel começou e parecia
assustada. Coitada.
— Pedro. Eu conheço ele, dona Izabel. Fique tranquila — garanti ainda
encarando o seu rosto — leve o Gabriel para tomar um banho, por favor.
Era possível sentir a tensão na sala a quilômetros. A senhora sequer
retrucou ou brincou como costumava fazer, apenas pegou meu filho no colo
e praticamente correu dali. Os acompanhei pela visão periférica, mas
mantive o foco na postura séria do moreno, que parecia grande demais para
o espaço aqui.
— Acho que precisamos conversar — quebrou o silêncio.
Meu coração errou outra batida, trazendo algumas lágrimas aos meus olhos,
sentindo que o medo pudesse me paralisar.
Um minuto foi necessário até que eu finalmente corresse em sua direção,
me jogando em seus braços. Fui içada com facilidade e agarrada daquela
maneira que me fazia tanta falta. A saudade que sentia do Pedro era maior
do que tudo.
— Que saudade que estava de você, grandão — garanti, entre lágrimas.
— Também, anjo — encaixou seu rosto entre o vão do meu pescoço e senti
quão emocionado estava também.
Não sei quanto tempo ficamos assim, mas foi por um bom tempo. Ainda
assim, não parecia ser o suficiente quando me colocou no chão, separando
nosso abraço.
— Vem — estendi minha mão. — Vamos ao quintal ter essa longa
conversa.
Durante quase duas horas, contei tudo o que havia acontecido, e Pedro
permaneceu em silêncio, prestando atenção em cada detalhe. Seu olhar não
tinha qualquer ar de julgamento, somente um pesar de quem sabia demais e
precisava processar todas as informações que recebia.
Quando finalmente terminei, notei seus olhos marejarem mais uma vez.
Não foi uma vida fácil. Sozinha, grávida e com um coração partido. Criar
Gabriel não era uma tarefa qualquer. Trabalhar e ser mãe é um desafio
diário. Foi difícil, e ainda é, mas meu filho me dava forças para ser a
melhor que posso ser. Por ele. Sempre ele.
— Sinto tanto, Isa.
— Eu sei, Pedro — encostei minha cabeça em seus ombros. — Está tudo
bem, sei que a culpa foi minha, poderia ter lhe contado.
— É... nos pouparia de termos essa conversa bem difícil agora. Tem partes
dessa história que precisa saber.
E foi sua vez de me explicar o porquê de ter finalmente decidido me ver e
contar tudo o que havia acontecido. A mentira da Paula, a gravidez que
sequer era de Lucas, e eu ouvi pacientemente. Mas, qualquer desculpa que
dava, ainda pareceria isso, exatamente desculpas.
— Lucas pode ter me amado como amiga, mas jamais como mulher, Pedro.
Ele deixou isso bem claro.
— Isabella, você tem que entender que sua ausência tornou o Lucas outra
pessoa. Alguém mais duro, mais triste. Acho que nem o reconheceria agora.
— Meu amigo, se o amor que sentisse por mim fosse verdadeiro, ele não se
casaria ou, se ainda assim fizesse essa merda, pelo menos teria vindo atrás
de mim depois.
— Já sabemos que ele não é o biscoito mais inteligente do pacote. É o
Lucas, afinal — sorri com a constatação. — Mas Isa, o que fez é muito
sério. O cara largou tudo para ser pai e casar com uma completa
desconhecida. O que te faz pensar que ele não assumiria o Gabriel?
— O que teria feito no lugar dele? — o cortei.
— Esse não é ponto, e você sabe — me encarou sério.
— O que teria feito, Pedro? — insisti.
— Eu jamais escolheria outra pessoa, Isabella. Seria sempre você —
garantiu sóbrio.
— Ele me disse com todas as letras que não queria um filho
especificamente comigo, Pedro. E eu estava muito magoada para processar
a informação. Fui uma idiota, porque aquela versão minha o amava tanto,
que faria qualquer coisa para evitar seu sofrimento. Eu o poupei de se
prender a mim, já que não queria. E Lucas tinha razão. Eu, mais do que
ninguém, sabia exatamente o que um filho significava para ele. E não
queria ser a pessoa que lhe infligiria mais essa dor.
— Ele disse que não te queria e foi a coisa mais difícil que fez. Eu sei,
estava lá amparando seu choro — retirou uma mecha de meu cabelo do
rosto, deixando um afago carinhoso — mas ainda que fosse uma verdade
absoluta, foda-se o que você sente, Isa. Foda-se o que ele sente ou o fato de
não querer ser pai. Tudo isso só é importante quando não se tem uma outra
vida envolvida. A responsabilidade é dos dois, e o Gabriel jamais poderia
ter sido penalizado por isso. Tem noção do que fez com a vida do Lucas?
Ou quantas coisas privou seu filho de ter?
Eu pensei sobre isso um milhão de vezes. Entretanto, me lamentar agora
não ajudaria em nada.
— Eu sei o que tenho que fazer — declarei, encarando o chão.
— É... sempre foi a mais inteligente de nós três — me puxou novamente
para seus braços. — Não vai estar sozinha, estarei aqui ao seu lado.
Chorei grata e fui consolada por meu amigo como há muito tempo não era
por ninguém.
— Pode me dar alguns dias para me preparar?
— Quantos quiser — garantiu.
Encarava aquele homem enorme sentado no chão da sala brincando de
carrinho com meu filho e foi impossível não sorrir com a cena.
Quantas vezes desejei que isso acontecesse? Agora, nem lembrava o motivo
do meu medo sobre Pedro conhecer Gabriel.
— Tudo bem... Está na hora de colocar essa criança na cama.
Ouvir o som de “ah” dos dois me fez rir.
— Tudo bem, amigão. Vamos obedecer a mamãe — meu amigo se
levantou, pegando meu pequeno para si. — Sabemos o quanto ela pode ser
mandona quando quer.
— Deixa eu colocar esse garoto na cama — o peguei de seu colo e apontei
para o corredor. — E você vai tomar banho para dormir.
— Viu? — sorriu para meu filho. — Posso ir para um hotel, Isa.
— Mamãee! O tio Pêdu podi ficá com a gente? — fez uma carinha tão fofa
que ninguém recusaria seu pedido.
— Claro, meu amor.
— Posso dormir no sofá — me encarou como se pedisse desculpa pelo
pedido do Gabriel, mas não havia o porquê.
— Pode nada, você é enorme e meu sofá não é tão grande assim. Vai dormir
comigo. Toma logo seu banho e vem para o quarto — falei em um tom
mandamental, já da escada.
[...]
Quando cheguei ao quarto, depois de deixar um Gabriel inconsciente em
sua cama, Pedro já estava deitado. Sempre foi o mais cara de pau. E era tão
bom ver meu amigo aqui no meu espaço.
Meu quarto era simples, com móveis brancos adornados no estilo francês,
uma cama confortável que até pouco tempo atrás achei ter um tamanho
suficiente, mas Pedro está nela e vejo que não é tão grande assim. Tudo
aqui segue a linha romântica, com estampas de flores com um colorido
suave e cortinas translúcidas, que adoro.
— É bom que se sinta em casa — cantarolei, observando seu sorriso de
sarcasmo que me fez imitar o gesto.
— É uma boa mãe, Isa. E Gabriel é muito especial — garantiu, enquanto
me aninhava em seus braços.
— Ele é.
— Não acredito que me fará dormir a essa hora — reclamou. — Não são
nem dez horas. O que se faz nessa cidade?
— A gente descansa — expliquei e ele bufou, me arrancando outro sorriso.
— Nossa grandão, você está enorme.
— Gostoso, Isabella. Por que não fala logo? — se indignou falsamente. —
Eu sou gostoso. Mudar o adjetivo não muda os fatos.
— Você é impossível.
— Estou decepcionado por não estar usando um daqueles conjuntinhos
sexys para dormir comigo — semicerrou os olhos na minha direção. — Não
tô valendo o esforço?
— Não sei se reparou, meu amigo. Agora sou mãe e estou bem exausta para
ainda querer que eu seduza alguém a essa hora — dei um tapa em seu
peitoral.
— Se for me bater, vou querer revidar — arqueou a sobrancelha de modo
sugestivo. — E será como umas boas palmadas na bunda.
— Olha que aceito, não transo há o maior tempão.
A gargalhada que deu soou alta e tapei sua boca, o mais rápido que
consegui, para que não acordasse o Gabriel.
— São tantas perguntas agora. Posso te comer se você insistir com carinho
— debochou.
— Ah, seria maravilhoso. Mas todos nós sabemos que com certeza
brocharia comigo. Zero química, lembra?
A cara que fez, me fez rir e tapei a boca para não sair um som alto. Senti
meu corpo estremecer com sua risada.
— Sério, Isabella? — indignado. — Brochar? Tô até tentado a te dar uma
lição.
— Hum-rum... enche essa bunda de anabolizantes — provoquei.
— Cala a porra dessa boca e vamos dormir — apagou o abajur e logo fechei
meus olhos, me aninhando ainda mais no seu corpo.
Senti seu beijo em minha testa e tenho certeza que adormeci ainda sorrindo.

Adorava a padaria do Sr. Joaquim, tinha os melhores cacetinhos de toda a


cidade. Sempre que podia, parava para tomar um café da tarde tranquilo no
lugar acolhedor e com cheiro bom de café passado na hora.
— Isa? — Antônio me cumprimentou assim que me viu no lugar.
— Boa tarde, Antônio. Como vai? — retribui friamente.
— Está ocupada? Posso falar um minutinho com você?
Encarei seus olhos castanhos e fiquei tentada a recusar o convite. Porém, é
contra minha natureza ser mal-educada.
— Podem ir jovens, sirvo vocês na mesa — Sr. Joaquim garantiu, e eu sorri
em agradecimento.
Ao invés de me dirigir até uma das mesas com cadeiras, optei por ocupar
uma daquelas em que é possível permanecer de pé. Era um aviso claro de
que a conversa deveria ser breve.
— Me desculpa, Isa. Não quis ser rude. Você sabe, mais do que qualquer
um aqui nessa cidade, que sou louco por você — sorriu sem graça. —
Apenas gostaria de continuar saindo com você, e se sua condição agora for
não ter um relacionamento, por mim tudo bem. Eu aceito, mesmo querendo
mais. Mas soou de uma forma tão rude o que te disse no outro dia que
gostaria de me desculpar.
Discursou aparentando realmente estar arrependido.
— Tudo bem, Antônio. Vamos deixar esse mal-entendido de lado, mas
tenho tentado ser franca contigo. Agora não estou disponível para ninguém
— expliquei, e vi seus ombros caírem.
Senti braços fortes envolverem minha cintura, e um fungar no meu pescoço
me arrancou um sorriso.
— Vamos, anjo? — meu amigo perguntou.
Vi a expressão do rosto do Antônio mudar de surpresa para completamente
sem graça e, segundos depois, para algo parecido com raiva ou indignação.
— Quem é esse cara, Isabella? — falou, enquanto mantinha seu olhar
atento ao homem atrás de mim, ainda agarrado à minha cintura. — É por
isso que está indisponível?
Veja bem, não tínhamos nada um com o outro. Eu não lhe devia qualquer
explicação, e era interessante notar a forma como, de simpático e
arrependido, tinha se transformado rapidamente em um controlador. Quase
bufei com o tom rude que usou e senti o corpo do Pedro enrijecer atrás de
mim.
— Sou o Pedro. Desculpe não estender a mão para te cumprimentar agora,
mas é que o corpo da minha garota parece ser mais interessante do que você
nesse momento.
Eu quase ri, mas me mantive firme, encarando a reação do homem à minha
frente.
— Quer dizer que você não quer dar para mim, mas para um qualquer
desconhecido tudo bem?
Olhei ao redor para ver se mais alguém prestava atenção em nossa
interação. Era uma cidade pequena e, por Deus, lógico que todos estavam
prestando atenção.
Meu amigo corrigiu sua postura e tomou a minha frente em um movimento
lento de dar medo.
Antônio é um homem alto, deve ter cerca de um e oitenta e poucos de
altura, mas Pedro tem quase dois metros. Junte isso ao fato de ser um
homem bem forte e temos aí a fórmula de alguém que intimida fácil
qualquer outro ser humano.
— Camarada, não te conheço e espero nem chegar a isso, mas se falar
novamente assim com a Isabella, vai ter que catar seus dentes no chão.
O termo “perder a cor do rosto” nunca foi tão literal. Ele não respondeu,
apenas se dirigiu ao caixa e depois saiu. Permanecemos os dois quietos,
acompanhando sua retirada.
— Está bem, Isa? — perguntou já me abraçando.
— Estou, grandão.
— Então vamos para casa.
Não tinha dormido porra nenhuma, nem em casa e nem no avião no
percurso até aqui. Estava cansado, precisando de um banho e de pelo menos
quatro horas de sono. Entretanto, a mente não desligava.
Se não haveria descanso, então que houvesse café.
O interior do estabelecimento era convidativo, o cheiro bom de café chegou
até minhas narinas antes de qualquer coisa.
Parecia uma padaria, meio restaurante. Me sentei em uma das mesas de
madeira do lugar, aprovando a decoração simples. Com vista para a praça
bonita cheia de crianças brincando, as janelas enfeitadas com cortinas em
xadrez me trouxeram de imediato uma nostalgia gostosa. Havia também
muitos vasos de flores e foi impossível não imaginar que ela adoraria o
lugar.
Uma das garçonetes não demorou a me atender. Pedi um café reforçado e
um sanduíche de sua escolha. Achei interessante que usassem vestidos
temáticos. Aliás, todos pareciam se importar muito com a cultura da cidade,
que dava origem ao seu nome.
O café estava delicioso, mas morder aquele pão artesanal com queijo
derretido por cima quase me fez gemer. Gostei do fato de todos serem
simpáticos ali, e fiz questão de deixar uma bela gorjeta como
agradecimento.
Após um pequeno asseio no banheiro do lugar, estava pronto para me dirigir
até o endereço que meu amigo havia passado.
Enquanto traçava a rota no GPS do celular, ampliando a imagem para me
situar em qual direção seguir, ouvi uma risada que fez meu coração acelerar.
Não importava quanto tempo tivesse passado, eu sempre reconheceria
aquele timbre.
Ela conversava distraída com um senhor no balcão, rindo de alguma coisa
que era dita por ele.
O tempo era ingrato para muitas pessoas, mas ela certamente era alguém
especial para o Senhor da Vida.
Isabella trajava um vestido florido, justo em cima que se abria em uma saia
rodada, exatamente como aquelas donzelas de filmes antigos que gostava de
assistir. Seus cabelos não estavam mais platinados ou curtos. Agora
chegavam quase até sua fina cintura, no tom natural de seu loiro. Lisos em
cima e com largos cachos nas pontas. Não me recordo de tê-los visto deste
tamanho algum dia. Entretanto, seu sorriso… esse era o mesmo, iluminando
tudo. Como poderia ser diferente?
O senhor, dono de sua atenção, sorria como se Is fosse a pessoa mais
querida que conhecesse, era notório. E a conhecendo, sei que era mesmo o
caso.
Não me dei conta para onde minhas pernas estavam me levando, até estar a
alguns passos de distância de onde estava.
Senti a garganta arranhar e a língua pesar na boca, como se as palavras não
pudessem sair. Meu coração batia tão frenético em meu peito que tive medo
de enfartar aos trinta anos. Li em algum lugar que poderia ser fulminante na
minha idade.
E eu certamente não queria morrer, não agora, tão perto dela.
— Mamain...
A palavra fez com que minha atenção fosse dirigida à criança que segurava
a barra de seu vestido. E o meu mundo parou...
— Oi, meu amor — ela se abaixou para pegá-lo no colo. Os dois sorriam,
um para o outro. — Cadê seu padrinho?
— Meu Deus, Isa. Esse garoto vai me deixar de cabelos brancos e rugas
antes da hora — o moreno parecia assustado, antes de semicerrar os olhos
na direção do moleque. — Não pode fugir assim, Gabriel. Você vai acabar
me matando.
Isabella encarou o homem, grande demais, como se fosse possível
repreendê-lo apenas com olhar, e o vi se encolher sob seu escrutínio[11].
— Não é muito bom em tomar conta de crianças, não é grandão?
A conversa seguia, mas não consegui prestar mais atenção em nada do que
era dito. Parecia que todo meu corpo estava dormente e que minhas pernas
poderiam falhar a qualquer momento.
— Mamãe, quenhé ele? — o loirinho perguntou, apontando em minha
direção, me tirando finalmente do transe.
Os dois traidores olharam para mim e eu não soube o que fazer.
— Por que não vai com sua mamãe para casa agora, amigão? — Pedro
finalmente disse. — Chego lá logo, logo.
Isabella o encarou e assentiu. Não voltou a me olhar; sua atenção se voltou
à criança e, com um sorriso tranquilo, conversava baixinho alguma coisa
que não consegui ouvir.
Permaneci encarando o cara que dividia o apartamento comigo.
— Bem... temos que conversar.
Foi tudo o que disse antes de virar de costas e deixar o lugar. O segui,
porque muitas explicações realmente precisariam ser dadas.

Encarava o volante do carro alugado sem saber o que fazer. Estávamos em


uma rua de paralelepípedos isolada, sem nada próximo.
Não sei quanto tempo fiquei aqui ouvindo a história que Pedro me contava.
Eu queria respostas e, agora que as tinha, não sabia o que fazer com elas.
— PORRA... — gritei, socando o volante. — PORRA... PORRA...
PORRA... PORRA.
Cada palavra era proferida com um novo soco, que fazia com que as juntas
dos meus dedos latejassem com o impacto.
— LUCAS... CHEGA! — segurou minha mão, evitando que desferisse um
novo golpe.
Encarei seu rosto, sentindo a visão embaçada.
Eu... eu não sabia o que fazer.
Meu amigo me puxou para um abraço e, por mais de uma hora, choramos
os dois.
O choro cessou aos poucos, trazendo aquela sensação de que, ao final,
sempre ficamos meio letárgicos com o esforço.
— Precisa conversar com ela.
— Ela não tinha esse direito, Pedro... Não tinha — esmaguei o volante entre
os dedos, como se precisasse punir algo para me manter são.
— Eu sei.
Encarei seus olhos, agora vermelhos como imagino que estariam os meus, e
suspirei.
— Vamos.
Não adiantava embair[12] mais. Dei partida no carro e segui as orientações
do meu amigo, até chegar em uma pequena residência.
Talvez eu devesse ter prestado mais atenção aonde meu filho havia sido
criado, mas sua mãe parada na frente do portão roubou toda ela para si.
Havia pedido dona Izabel para levar meu filho à sua casa, não era muito
longe daqui. Gabriel sempre seria minha prioridade e faria o possível para
que não precisasse sofrer ou presenciar algo que jamais fosse esquecer.
Não sei como ainda me mantinha em pé, mas sei exatamente da onde tirava
forças. Me mantive firme, racional e forte.
Pedro me perguntou anteontem se poderia chamar o Lucas, e disse que sim.
Entretanto, ainda sentia que não estava preparada para vê-lo. Mas a verdade
é que nunca estaria. Então, para que adiar mais?
Encarei novamente o homem que sempre mexeria comigo, e observei seus
olhos vermelhos. Estudei sua postura calma, enquanto descia do carro e
caminhava em minha direção.
É engraçado como nos comportamos frente a momentos difíceis. Por um
bom tempo cultivei uma mágoa imensa por Lucas. Um tempo depois, refleti
sobre o quanto a vida estava sendo dura com ele, e quis lhe poupar de outro
sofrimento. E, por fim, tive medo de que meu filho sofresse com sua
rejeição. Raiva, medo… agora nada mais fazia tanto sentido assim.
Havia arrancado parte de sua vida, parte de sua história. Eu tinha tirado dele
a oportunidade de ter tido dias incríveis. Gabriel sempre seria a coisa mais
preciosa que havia acontecido na minha vida, nada nunca teria comparação.
E eu havia tirado isso dele.
Entre o que senti e o que fiz, foi desproporcional. E no final, nenhum
motivo seria válido suficiente para magoar assim as pessoas que amava.
Respirei fundo antes de recebê-lo em minha casa para a conversa mais
difícil que teria até então.
— Vou deixar que conversem sozinhos no banco das histórias difíceis —
Pedro apontou para o mesmo lugar no quintal que conversamos há quase
uma semana atrás, e me encarou. Havia chorado, e odiei o fato de magoá-lo
mais uma vez. — Estarei lá dentro se precisar.
Assenti e caminhamos em silêncio até o banco.
Me sentei primeiro no balanço. Sempre gostei dessa parte do quintal. O
banco é lindo, todo em metal fundido e adornado, e fica embaixo da
parreira de uvas que adoro. Aqui é meu lugar de sossego, mas não funciona
da mesma forma para Lucas, que parece inquieto demais para se juntar a
mim a princípio. Demorou quase dois minutos inteiros, até finalmente
ceder.
— Por quê? — foi a primeira coisa que disse, assim que se sentou, com
uma voz rouca e sem me encarar.
Meu corpo tremeu. Quatro anos sem ouvi-lo e ainda era o mesmo efeito.
Quando não teve sua resposta de imediato, finalmente se virou para me
encarar. As lágrimas em seus olhos quase me fizeram agarrá-lo com força,
segurar sua mão e dizer que tudo ficaria bem.
Contudo, não poderia prometer algo que não sabia, e aquela Isabella não
existia mais.
— Não há desculpas para isso, Lucas. Agora vejo claramente, mas nem
sempre foi assim.
— O que fiz para você que justificasse o que fez, Isabella?
— Te amar, Lucas — seu olhar demonstrava o quanto pouco crível minhas
palavras significaram. — Eu te amei por muito tempo. E no momento mais
difícil da minha vida não pude contar com você. Lucas, você não somente
saiu da minha vida, mas arrastou todos que amava dela.
— Não me culpe por suas escolhas — era possível sentir a raiva em cada
palavra proferida, ainda que as tivesse pronunciado calmamente.
— Eu estava grávida, Lucas. Havia acabado de perder a última pessoa da
minha família e ouvi de você que ter um filho era demais. E não foi a
primeira vez que ouvi isso, foi? — suspirei exausta. — E ouvi
especificamente que não queria ter um filho comigo. Foi algo que me
magoou por muito tempo.
— Não tem justificativa, não distorça os fatos.
— Não estou — firmei o olhar no seu. — Eu te amei o suficiente para te
soltar, para enfrentar isso tudo sem você. Não queria te prender a nada, e
quando refleti sobre o que estava fazendo, meu medo cresceu. Já não era
apenas medo de te assustar, mas sim de que você decepcionasse o meu
filho.
— Seu, Isabella? — sorriu com sarcasmo. — Pode imaginar pelo que
passei?
— E você pode imaginar pelo que eu passei, Lucas? — falei calma. —
Perdi minha mãe e sofri uma desilusão amorosa com o meu melhor amigo,
a pessoa que jamais esperei que me traísse — apontei o dedo em sua
direção. — Você foi traído, Lucas? Em sua dor, Pedro estava ao seu lado.
Sorri sem humor.
“Tive uma gravidez complicada por conta da minha doença, e o parto foi
bem difícil. Doze horas de dor e não havia ninguém para segurar minha
mão. Voltei para casa de resguardo, com dor e uma criança, sem ter
ninguém com quem contar. E eu não sabia nada a respeito de como cuidar
de uma criança, Lucas. Você não estava lá quando, a cada mamada, eu
chorava em silêncio, sentindo meus mamilos sangrarem. Não estava lá para
me dizer que estaria tudo bem no primeiro banho nem nas muitas noites que
se seguiram, e muito menos quando meu filho adoeceu. Você estava em sua
empresa trabalhando em busca do seu sonho, enquanto eu me sacrificava
mais uma vez por você, acreditando que estava fazendo a coisa certa. A
mais altruísta”.
Ele riu.
— E olha onde seu altruísmo todo me trouxe? Não sei se consigo te
perdoar, Isabella.
Sustentou seu olhar e vi que estava sendo sincero.
— E eu nem espero que faça isso, Lucas. Também não sei se estou pronta
para fazer o mesmo.
— E onde isso tudo nos leva agora?
— Lucas, a Isabella que conheceu morreu há muitos anos. Agora quem está
aqui conversando com você é a mãe do Gabriel. E somente por ele é que
estamos tendo essa conversa. Pouco me importa se irá me perdoar ou se eu
irei. Você tem que entender que a nossa história acabou, agora é a minha
com meu filho e, se você quiser, a sua com ele.
— O filho que escondeu de mim? Que nunca permitiu qualquer vínculo?
— Lucas, você é a pessoa mais egoísta que já conheci — me encarou
ofendido. — Sempre preso às suas vontades e seus traumas, mas não cabe a
mim falar sobre isso agora. Eu só quero saber se pode ser um bom pai para
o Gabriel. Porque, se por um momento sua resposta não for imediatamente
um sim, pode virar as costas agora mesmo e partir pelo mesmo portão que
entrou. Não preciso de seu dinheiro para criá-lo, não precisamos de seu
amor e já consegui demonstrar que sua presença não é necessária.
— Você é a filha da puta mais egoísta e cruel que conheci, Isabella. Como
pode dizer isso para mim?
— Lucas, eu vou proteger meu filho de quem quer que seja. Vou enfrentar o
mundo por ele. Sua opinião sobre mim vale de porra nenhuma. Não me
respondeu se é um sim ou um não.
— Eu casei com a Paula por conta de uma criança que achei que fosse
minha. Como acha que teria virado as costas para vocês? — acusou,
alterando a voz. — Eu poderia ouvir esse discursinho infeliz de qualquer
uma, talvez até acreditasse. Mas não de você, Isabella. Você é a pessoa que
mais me conhece e sabe exatamente que meu medo de ter um filho era
exatamente de não poder criá-lo. E foi especificamente o que você fez. Você
não permitiu que criasse meu filho. E isso não tem perdão.
— Não sei qual é a melhor maneira de falar isso para você, Lucas. Você
pode se lamentar pelo passado, pode sentir raiva do que fiz, pode ficar
amargurado por sua história e de todas as traições que escolheu ou não
passar. Não me importa e não deveria importar para você também. Não
estamos aqui para falar de nós dois. Quer ser pai, Lucas? Então, se
concentre no seu filho.
— Quer que me concentre em meu filho? Então, ok — se levantou agitado.
— Eu assumirei e serei o pai do Gabriel, Isabella. Estou te dando vinte e
quatro horas para arrumar suas coisas e ir para Portugal, ou se prepare para
uma briga na justiça cansativa. Vou pedir a guarda do Gabriel,
compartilhada ou unilateral. Se não faço falta na sua vida, tenha a certeza
que retribuirei de muito bom grado o favor que me fez. E não vejo —
apontou para minha casa — como poderá competir comigo em algum
momento.
Sorri triste.
— O que me dói, Lucas, é saber que sempre estive certa sobre você. Eu
estou aqui lhe dando a chance de se aproximar da pessoa mais incrível que
irá conhecer, e você pensando em si novamente. Passando por cima de
quem quer que seja. Sai da minha casa! – apontei para o portão.
— ESTÁ ME MANDANDO EMBORA?
— Eu estou pedindo que se retire. Vá buscar seus advogados e faça o que
bem entender da sua vida.
Me virei para entrar, mas ele segurou meu braço.
— NÃO VAI VIRAR AS COSTAS PARA MIM, ISABELLA. NÃO
TERMINAMOS.
— O que está acontecendo aqui? — Pedro interveio.
— NÃO SE METE, PORRA!
— Fica calmo ou terei que te arrastar daqui.
Vi os dois amigos se encararem, prontos para um embate físico, e isso
apertou meu coração de uma forma impossível.
— Lucas... — chamei baixo, e ele ainda mantinha o contato visual com
Pedro. — Lucas olha para mim — segurei seu braço, trazendo sua atenção
até mim.
E, por um breve momento, seu olhar desnorteado à minha procura deixou
claro o quanto estava vulnerável. Ele estava com medo.
— Me diz que não irá fazer nosso filho sofrer? — senti a visão ficar turva
com as lágrimas que me esforcei tanto para que não caíssem. — Me diz que
pode amá-lo e será um prazer trazer Gabriel para sua vida.
Ele assentiu em silêncio e respirei aliviada.
Sei que faria o possível para ser o melhor que pudesse. Bastava saber agora
se isso seria o suficiente.
Nunca, em meus trinta anos, senti tanto medo ou fiquei tão ansioso quanto
estava agora, sentado no sofá florido da pequena casa da Isabella.
Nossa conversa seguiu por mais uma hora, e ela me contou que conversava
com Gabriel sobre seu pai e seu tio, que moravam bem longe, em outro
país. E foi um alívio saber que de certa forma não havia me apagado
completamente de sua vida. Mas isso não tornava as coisas mais fáceis em
exatamente nada.
A mãe do meu filho havia ido buscá-lo, ao que parece, na casa da sua babá.
E isso já fazia cerca de trinta minutos.
Eu queria estar andando de um lado a outro da pequena sala, mas Pedro me
garantiu que não seria bom para o garoto me ver tão nervoso assim.
Encarei o rosto do meu amigo mais uma vez, buscando conforto ou
qualquer dica de como deveria agir nesse momento. E antes que batesse
mais uma vez meu pé no chão de tábua corrida, ouvi um barulho na entrada
da casa.
Ela se aproximou com Gabriel, segurando sua mão. Mantinha um sorriso
tranquilo no rosto, e tenho certeza que era somente por ele.
Quando chegaram perto o suficiente, a vi se agachar para ficar na mesma
altura da criança.
— Meu amor, esse é o Lucas — apontou para minha direção. — Como a
mamãe te contou, é aquele amigo dela. O seu papai — ele escutava com
atenção e parecia um pouco ansioso.
— Posso convesar com ele, mamãe? — perguntou e ela assentiu, se virando
em minha direção.
— Oi, amiguinho — intervim.
— Oi, eu sô o Gabiel.
— Estou feliz em te conhecer, Gabriel.
Ele se sentou ao meu lado no sofá e se virou em minha direção.
Reparei com cuidado em cada traço de seu pequeno rosto.
Meus olhos, o mesmo sorriso. Tinham muitas coisas minhas e também da
Isabella. Gabriel é uma criança linda, daquelas que se daria muito bem em
comerciais de tevê. Seus olhos astutos e curiosos me encaravam com
expectativa. Um exato reflexo de como me encontrava.
Ficamos quietos por um tempo, apenas nos encarando. Conhecendo cada
detalhe um do outro.
— O senhô tá tiste?
— Não estou — garanti, com lágrimas nos olhos. Ainda chorava, mas agora
não era somente de tristeza.
Gabriel se aproximou e fez a coisa mais improvável, a qual jamais esperaria
que fizesse. Buscou minha mão com uma de suas mãozinhas quentinhas e a
segurou com força, entrelaçando nossos dedos exatamente como sua mãe
fez comigo muitas vezes.
— Tudo bem, papai. Também tô feliz de conhecê você.
Meu coração errou a batida e passou a bater de um jeito novo.
Precisava saber o que fazer agora. Busquei na sala por Isabella, para que me
orientasse. Só então notei que estávamos sozinhos no cômodo.
Olhei novamente para seu rostinho angelical que sorria calmo, me
tranquilizando, invertendo nossos papéis, e o puxei para meus braços.
Abracei pela primeira vez meu filho, o mais forte que conseguia sem
machucá-lo. Inspirei sua cabecinha de fios macios e claros como os meus,
sentindo o cheiro familiar de uva.
Sorri entre lágrimas. Gabriel seria agora o meu lar.
Não foi uma decisão difícil tirar um mês de férias para conhecer mais o
meu filho. Pedro já havia retornado a Portugal, e eu passava meus dias
praticamente inteiros na casa da Isabella. Somente após meu filho ir para
cama é que partia para a pousada onde estava.
A cada dia conhecia um pouco mais do Gabriel. Seus gostos, seus trejeitos,
suas manias, o que mais gostava, sua cor favorita, sua comida favorita, qual
era o programa de tevê que mais gostava, qual a sua brincadeira favorita.
Tudo que pudesse saber. Eu perguntava e, para minha sorte, o garoto
gostava de conversar.
Não sei se crianças de três anos são assim, mas me parecia que Gabriel era
muito inteligente para sua idade.
Meus dias começavam tomando café da manhã com meu filho e sua mãe.
Depois, o levava na escolinha e buscava-o na hora do almoço.
Enquanto Isabella trabalhava, eu fazia companhia à dona Izabel durante os
banhos de banheira do Gabriel.
A senhorinha era a coisa mais fofa que já havia visto, lembrava muito a
vovó do desenho do Piu-Piu, e era notório o quanto amava meu filho.
Também cozinhava divinamente bem, e todos os dias eu me sentava na
pequena mesa de granito da cozinha de Isabella e a observava cozinhar.
Nesses momentos, era quase como vivenciar um filme. A cozinha era toda
em móveis brancos, lembrava aquelas casas de boneca que sempre sonhou
ter. Eu almoçava com eles e, logo após, acompanhava seu soninho da tarde.
Deveria ocupar meu tempo trabalhando nessas poucas horas, mas não
conseguia desgrudar de seu corpinho e acabava sempre adormecendo ao seu
lado.
À tarde, brincávamos do que ele pedisse. Sua brincadeira favorita era se
sujar no quintal cheio de flores coloridas e um gramado verde bonito. E
depois de uma tarde de farra ao seu lado, tomávamos banho e jantávamos,
encerrando nosso dia com uma historinha, exatamente às oito e meia da
noite. E, somente aí, eu voltava para o quarto de hotel, onde trabalhava até
meia noite e apagava exausto do dia.
E não trocaria ou mudaria exatamente nada. Duas semanas haviam se
passado e eu estava completamente apaixonado pelo meu garoto. Isabella
não exagerou em nada quando disse que nosso filho era especial.
Gabriel gostava muito de socializar, e toda a cidade parecia conhecê-lo
bem. Gabriel era uma espécie de mini prefeito, e cumprimentava a todos
que passavam por nós. Alguns já me conheciam, outros ainda olhavam
curiosos. Cidade pequena não tem muitos assuntos, então seríamos um por
algum tempo.
Entretanto, o curioso é que Isabella era tão querida que não houve
julgamentos, como sabemos que às vezes costumam acontecer. Somente
algumas pessoas mais indiscretas me paravam e pediam para que eu não
magoasse seu coração ou do menino.
Isabella e eu não conversávamos muito, minha interação era basicamente
entre meu filho e dona Iza. Eu havia caído nas graças da senhorinha e ela,
por sua vez, me tratava como uma mãe faria, me mimando a todo momento.
O fato de não conversarmos não significava que não prestasse atenção nela.
A mulher trabalhava demais, horas do dia, e ainda arranjava tempo para
cozinhar e brincar com nosso filho. Todos os dias se sentava no chão ao seu
lado e brincava de jogos educativos, enquanto lhe perguntava como havia
sido seu dia. Nesses momentos, eu me sentava em uma das poltronas e
ficava observando-os em silêncio.
Isabella foi por muito tempo a pessoa mais especial que conheci, mas não
era nada comparado ao fato de como era uma mãe perfeita. Is nasceu para
esse papel.
Secretamente, gostava quando os dois iam para cozinha fazer bolos. Juro
por Deus que ficavam deliciosos. Era uma sujeira danada. Gabriel não é
exatamente uma criança comportada. Ele gostava de bagunças e ninguém
resistia a não aprontar ao seu lado. Presenciei os dois se sujarem,
bagunçarem toda a cozinha e dançarem em meio ao caos. Parecia algo que
faziam sempre.
Ela nunca perde a calma ou demonstra o quanto está exausta. Seu semblante
de cansaço aparece somente quando o coloca na cama e vai para seu quarto.
Só então é possível saber o quanto tudo isso a está afetando.
Ainda sinto raiva, e ainda não consigo perdoá-la. Contudo, nem por um
segundo duvido do quanto se doou e do quanto ama nosso garoto. Isabella,
como prometeu, é a melhor que pode ser para ele e, por isso, não posso
deixar de admirá-la.
Estou bem cansada. Toda essa história é bastante estressante, e tenho até
medo de adoecer em algum momento.
É super comum em picos de estresse a imunidade baixar, e eu não preciso
ter que lidar com mais isso por agora. Por isso, fazia o possível para me
manter firme.
Desafiando minhas expectativas, Lucas é um bom pai e está completamente
apaixonado pelo Gabriel. Não que fosse exatamente uma surpresa. Meu
menino é a criança mais simpática do mundo, já falei sobre isso.
Faz questão de participar do maior número de atividades possíveis com ele,
mas sei que está preocupado com o fato de que seu tempo irá terminar.
Também estou.
Não conversamos muito, talvez mais por minha culpa. Entretanto, sei que
este momento inevitavelmente vai chegar e teremos que sentar, como os
pais que somos, e tomar decisões importantes.
O problema é que, por mais que meu discurso permaneça sendo focado no
Gabriel, eu e Lucas temos histórias demais. O que mais queria nesse
momento era não sentir nada por ele. Contudo, por tê-lo perto de mim e por
estar sendo tão fantástico com Gabriel, continuar nutrindo alguma mágoa se
torna impossível.
O acusei de ser egoísta. Veja bem, ele é. Porém, com o Gabriel, Lucas está
descobrindo ser outra pessoa, alguém que se doa para o outro. E estou
orgulhosa deste processo.
Combinamos de amanhã irmos à outra cidade, a cerca de duas horas daqui.
Mudaremos o registro do Gabriel. Meu filho terá o nome do pai na certidão
de nascimento. Dá até um frio na barriga só de imaginar.
Permaneço com o mesmo medo de que, em algum momento, Lucas possa
foder com tudo. Mas talvez o fato de morar em outro país acabe sendo algo
bom.
A merda? A merda é que me acostumei a tê-lo por perto.
Ele se ocupa, sabe? No período em que Gabriel está na escola, faz compras
e pequenos consertos na casa. Eu noto. Gosto particularmente de ouvir sua
voz, sentir seu cheiro nos ambientes ou apenas observar seu sorriso toda vez
que nos vê interagir. Ele não fala, mas sei que se sente especialmente bem
aqui.
Toda vez que chega pela manhã, na hora do café, ele suspira e sorri assim
que passa pela porta. Brinca com Gabriel, fala alguma coisa engraçada para
dona Izabel e, sem se dar conta, me encara e sorri. E sei que está grato.
Nossa interação ocorre apenas em forma de pequenos agradecimentos, ou
quando cozinho. Gosta de elogiar a comida e sei que é verdade, porque
costuma repetir nesses dias. E quando o assunto é Gabriel, sempre
apoiamos um ao outro em qualquer regra ou pedido que façamos.
Funcionamos bem.
Vou sentir sua falta quando se for, mas até aí tudo bem. Já estou acostumada
a perdê-lo. Só espero que meu filho não precise se acostumar a isso
também.
Não é mais sobre nós, não é mais nossa história. É sobre Gabriel e sua
família.
Como dizia a canção, “tem amores da vida que não são pra vida…”.
Não tenho dúvidas que o grande amor da minha vida tenha sido o Lucas,
mas seu amor muitas vezes me machucou.
Tem horas que a gente cansa. Tem horas que apenas precisamos seguir. Eu
o amei, talvez eu sempre irei amá-lo de alguma forma. Entretanto, isso não
significa que passarei a vida toda sangrando por alguém.

Acho que foi um progresso a viagem até Santa Catarina. Quer dizer, Lucas
e eu conversamos durante o percurso. Nada profundo, somente sobre nosso
dia a dia em uma rotina normal. Na verdade, a conversa era mais para
entendermos o que faríamos no final dessa semana e como serão nossas
vidas daqui em diante.
O que contamos um para o outro certamente nos deu material para
pensarmos a respeito.
Tentei manter o foco em assuntos seguros. Porém, histórias demais nos
fazem esquecer de onde estamos agora. Daí, ele fala algo engraçado e me
pego rindo.
Às vezes lembramos de algumas histórias e, bem...
Acho que não dá para chamar alguém de ex amigo. Você pode ter um ex
amor, mas um ex amigo, jamais. Você percebe que não importa o tempo que
ficaram separados ou tanto faz que tenham mudado e agora sejam pessoas
diferentes. Em algum momento da conversa você percebe exatamente o que
te faz gostar daquela pessoa. Aquele laço que te liga ao outro. E foi aí que
percebi que jamais poderia odiá-lo. Antes de qualquer coisa, Lucas e eu
fomos amigos e eu sempre torceria por ele. Sempre.
Ainda assim, me pegava observando-o enquanto estava distraído e me
xingava mentalmente por ainda me sentir fraca.
Tudo havia ocorrido bem na cidade. Resolvemos o que tínhamos para
resolver. Entretanto, assuntos burocráticos sempre ocupavam tempo demais.
Levou o dia todo para resolver tudo que era necessário, mas na pasta azul
sobre o banco de trás estava a certidão do meu filho atualizada, assim como
a liberação para viagens e passaportes. Foi impressionante saber que o
dinheiro era capaz de agilizar qualquer coisa. Não estava acostumada com
essa vida, Lucas sim. Ele parecia outra pessoa quando se fazia valer de seu
status.
Paramos para jantar em uma pequena lanchonete. Pedimos hambúrgueres
enormes e rimos um do outro sobre a forma com que devorávamos nossos
sanduíches.
Um dia foi o suficiente para nos aproximar. De alguma forma me senti bem,
porque finalmente poderíamos seguir em frente.
Em um papo bem mais leve combinamos de, inicialmente, Lucas vir
semana sim e semana não ao Brasil. E, durante as férias, iríamos ao seu
encontro, visitá-lo em Portugal. A decisão tinha validade até o final do ano,
quando sentaríamos novamente para definir como seriam as coisas dali em
diante. Tudo parecia, de certa forma, estar voltando ao seu curso.
A parte difícil vinha sempre quando voltávamos para o carro e tínhamos
que ocupar um espaço bem limitado. Depois que a velha intimidade parecia
querer retornar à superfície, ficava cada vez mais difícil ignorar seu cheiro
ou a forma com que seus braços tencionavam quando virava o volante. E
sabia que estava ferrada quando reparei que sua camisa social verde se
agarrava aos seus braços de maneira criminosa.
Vamos combinar que Lucas está bem mais gostoso, como diz Pedro, agora
em seus trinta anos. Feições mais sóbrias e uma barba que me fazia querer
descobrir sua textura. Entre minhas pernas, claro.
Daí, percebi que tinha que arranjar algum tempo para sair com alguém. Não
Antônio, mas alguém, urgentemente.
— A chuva apertou, não é melhor darmos uma parada? — perguntei,
ouvindo os pingos baterem alto no teto do carro.
— Vamos ligar o rádio e ouvir se falam alguma coisa, mas ficar aqui na
estrada é perigoso.
E era mesmo. Já estávamos em um trecho bem avançado, mal iluminado, e
em breve a pista começaria a ser de barro por conta das obras na rodovia.
Não demorou muito para que ouvíssemos que bem perto dali havia ocorrido
um deslizamento de terra.
— Acho melhor tentarmos achar um lugar para passar a noite. No GPS tá
mostrando que à frente tem um motel. Cerca de oitocentos metros. É
melhor do que voltarmos e corrermos mais riscos.
— Tudo bem. Vou ligar para dona Izabel e pedir para que durma com
Gabriel hoje.
Me ocupei em fazer a ligação, encerrando no exato momento em que
estacionávamos no lugar. E parecia que muitas pessoas tiveram o mesmo
plano, porque o estacionamento estava lotado.
Seguimos para a recepção e, assim que passamos pelas portas de vidro,
notei que o lugar parecia um motel bem caro. Se não me contassem,
acreditaria se tratar de um hotel.
O chão e os balcões eram de um tipo de pedra que nunca havia visto, e nem
tentaria descobrir o nome. Era toda rajada, com detalhes em branco, cinza e
dourado.
Me sentei em uma das poltronas de couro vermelho, enquanto Lucas se
encarregava de pedir os quartos.
Quando acreditei que havia demorado demais, fui conferir o que estava
acontecendo.
— Senhor, como já disse, não temos quartos. O último disponível é este que
lhe falei — o homem careca, de aproximadamente quarenta e poucos anos,
parecia cansado. Certamente precisando de um banho quente e uma cama.
Éramos dois.
— O que está acontecendo? — perguntei assim que cheguei.
Lucas tamborilava[13] os dedos no balcão, e fazia uma cara de quem tinha
pouca paciência para ter que lidar com o pobre recepcionista.
— Só tem um quarto simples, o último — encarei seu rosto —, com apenas
uma cama e um pequeno sofá que não caberia nem nossas bolsas.
Eles começaram a discutir novamente sobre valores ou uma forma de
remanejar alguém, e eu só queria um banho.
— Vamos ficar com esse, senhor — dei meu cartão para que pagasse a
estadia.
Cinco minutos depois, subíamos para o quarto. Não havia o que fazer, de
qualquer modo.
Entrei na suíte e era bem pequena mesmo. Um carpete caramelo, típico de
lugares assim, e paredes brancas ornadas com dois quadros com pinturas
eróticas feitas de sombras. Até aí, tudo bem, afinal era um motel.
Observei o pequeno sofá na antessala, e nem se ficássemos sentados
conseguiríamos utilizá-lo para dormir. Nem eu e muito menos Lucas
éramos considerados pessoas baixas.
Deixei minha bolsa no sofá e me encaminhei para dentro do quarto.
Uma cama com lençóis brancos simples, uma tevê presa à parede, duas
mesas de cabeceiras em madeira clara e mais nada.
Não quis encará-lo.
— Vou tomar um banho — avisei, me dirigindo para a única porta
sobressalente do lugar.
Seria uma noite bem longa.
Isabella deixou seu sobretudo em cima da cama e entrou no banheiro.
Ela havia mudado radicalmente seu estilo de se vestir. Agora, era bem mais
comum vê-la usando vestidos. O escolhido da vez era um verde musgo, no
mesmo estilo dos demais; alças com um decote modesto, que começava
justo em cima e se abria em seu quadril. Não gostaria, mas notei que seus
seios haviam ficado maiores após a gravidez. Já seu quadril, notei uma vez
ou outra, quando o vento fez com que o tecido se agarrasse em sua pele.
Uma porta me separava agora da loira completamente nua em um quarto de
motel, com M, e pensar no corpo dela não ajudava em nada.
Me ocupei em trabalhar um pouco pelo celular até que chegasse minha vez
de tomar banho.
A mulher saiu do banheiro com parte dos cabelos presos e a outra solta, sem
quaisquer indícios de maquiagem. E por incrível que pareça, aparentava ser
ainda mais nova do que verdadeiramente era.
Já tentou vestir uma camisa social no banheiro após um banho quente? É
horrível! Aquela porra se agarra na pele, te desafiando a caber na peça, e sei
que dormir de calça jeans será um incômodo, tenho certeza.
Me juntei a ela na cama, porque a outra opção era a mesa de cabeceira, mas
mantive o maior espaço possível entre nossos corpos.
— Se incomoda se eu ligar a tevê por um momento? — questionei.
— Não.
E regredimos para nãos e sins.
Não é interessante que uma pequena ação possa desencadear uma grande
catástrofe? É como aquelas bolinhas que, quando jogadas do topo de uma
montanha, causam um grande estrago ao chegarem lá embaixo.
Veja bem, tenho um currículo invejável, e mais diplomas nas paredes que
boa parte dos seres humanos. Ainda assim, nada disso fez qualquer
diferença quando, sem pensar no básico, apertei aquele botão.
E logo tive ao meu lado uma Isabella de olhos arregalados, enquanto eu
inclinava a cabeça para tentar entender a posição dos corpos exibidos na
tela.
Sei que eram profissionais, não creio que daquele ângulo uma pessoa
comum possa replicar a cena. A mulher gemeu bem alto, e agora dava até
saudade do gemidão do aplicativo em uma sala de reunião cheia de gente
importante.
— É melhor... — apontei o controle em direção ao aparelho, indicando que
desligaria a televisão, e a vi me encarar desorientada. — Bar? — convidei.
Após o episódio que certamente ficaria gravado na minha cabeça, e tendo
em vista que ainda era muito cedo para dormir, o melhor a ser feito seria
ficar na companhia de outras pessoas em um território neutro.
Nos levantamos ao mesmo tempo, saindo em lados opostos da cama, e nos
encaminhamos para o corredor do prédio o mais rápido que conseguimos.
Não demorou muito até localizarmos o andar onde era possível beber
alguma coisa e permanecer em um local público.
Claro que o espaço seguro em questão era uma espécie de pequena boate.
Não estava no clima para isso, mas umas bebidas e pessoas estranhas
seriam melhor do que ficar em um quarto sozinho com a Isabella após uma
cena de sexo explícito.
A boate estava consideravelmente vazia. Talvez devido ao horário ou
simplesmente pelo fato do lugar ser um motel e as pessoas estarem
ocupadas com outras atividades.
Pedimos nossas bebidas, ocupando as banquetas em couro vermelho brega
que ficavam em frente ao balcão. Optamos por escolhas seguras. Nada
forte, para que não ficássemos bêbados no motel e... bem, você sabe.
Não conversávamos muito, o som não permitia de qualquer forma.
Entretanto, não demorou muito para que um casal se aproximasse e puxasse
assunto. O que, se me perguntassem, acharia uma estupidez, já que não
dava para ouvir porra nenhuma do que falavam.
Eu estava naquele modus operandi de apenas assentir sem entender
qualquer palavra dita.
— O que acham de irmos para um lugar mais calmo? — a morena
convidou, e Isabella me encarou para ver se eu concordava.
Assenti e logo entramos em um espaço privado, com um sofá e uma mesa
em pedra, ambos na cor negra. O lugar parecia ter também um isolamento
acústico, pois o som agora quase não incomodava mais.
O casal parecia ter mais ou menos nossa idade. Ambos eram morenos de
pele branca. A mulher usava um vestido provocante, mas estávamos em
uma boate dentro do motel. Então, considerei normal.
Ela e Isabella passaram a se ocupar em manter a conversa entre elas, o que
me deixou como opção interagir com o completo estranho. Estava pronto
para perguntar sobre futebol, assunto de zona neutra entre homens.
— Elas são bem bonitas juntas, não é? — o homem falou.
Juro por Deus, estava prestes a dizer o quão inapropriado seu comentário
havia sido. Afinal, como poderia saber que nós não estávamos juntos? Quer
dizer, estávamos em um motel, não é?
Contudo, ao final da frase, minha curiosidade foi aguçada e logo minha
atenção estava nas duas mulheres. Elas pareciam entrosadas, e a morena
tocava em Isabella enquanto conversava. Não dava para ouvir exatamente o
que falavam, pois todo o diálogo ocorria em um tom um pouco mais alto do
que sussurros. Sua mão passeou pelas coxas de Isabella, revelando um
pouco mais de pele, e me concentrei ali.
— Amei seu vestido, os botões são de verdade? — era uma pergunta
simples, absolutamente comum, mas algo na forma em que foi feita pareceu
se referir a outra coisa.
Eu e o homem ao meu lado permanecíamos calados, observando a interação
das duas.
— São sim — a outra respondeu, alheia à malícia da morena.
Contudo, era um cara experiente e algo na cena começou a me incomodar.
E esse algo foi a estranha abrir dois botões da parte de cima do vestido da
Is, revelando boa parte de seu decote.
Isabella sorriu sem graça e encarei o homem ao meu lado, que faltava babar.
— Como quer fazer primeiro? — o cara sussurrou para mim, e encarei seu
rosto.
— Isabella, acho que está na hora de irmos, não é?
Ela me olhou confusa. Entretanto, me conhecia bem o suficiente para não
questionar a urgência na minha voz.
— Sim, sim. Obrigada pela conversa.
Se despediu e logo se levantou. Saímos por uma das portas e não demos
maiores explicações. Mas a essa altura, foda-se, né?
O que não podia imaginar é que a porta dos desesperados escolhida por nós,
na pressa, dava acesso a algo bem pior do que a experiência anterior.
Parecia que estávamos jogando videogame, e a nova fase me fodeu de um
jeito...
Acessamos um corredor escuro, onde apenas uma luz negra iluminava
parcamente o caminho.
Ainda estava refletindo sobre o que exatamente havia acontecido, quando
um gemido me fez estacar no lugar, fazendo com que o corpo do homem
atrás de mim se chocasse ao meu, quase nos levando ao chão.
Outro gemido foi ouvido e me virei para encarar seu rosto, buscando
qualquer orientação sobre o que fazer. Já não sabia se era seguro continuar.
Talvez o melhor a ser feito, naquele momento, fosse voltar por onde
viemos.
— Acho que estamos em um labirinto de swing — pronunciou baixo em
meu ouvido, e me arrepiei por inteira.
A palavra swing e sua voz rouca, assim juntinhos, formavam uma péssima
combinação.
Outras pessoas estavam atrás de nós, nos incentivando a continuar pelo
caminho, e eu não sabia o que fazer.
— É melhor seguir, aqui é zona neutra para investidas— Lucas disse, e quis
lhe pedir, por favor, que parasse de sussurrar assim.
Assenti e, um pé após o outro, segui pelo corredor.
O caminho dava acesso a pequenas salas na penumbra, onde era possível
ver algumas cenas, e eu jamais estaria preparada de alguma maneira para
elas.
Para meu total desespero, todas de sexo explícito. O pior é que era real. Não
havia aqueles gemidos falsos que ouvimos em filmes pornô. Não... não,
pareciam bem sinceros. Eram daqueles que te fazem pingar entre as pernas
só de ouvir.
Pela minha vida, tentava não focar nas imagens, mas aparentemente minhas
implicações morais não tinham o mesmo problema. E se pararmos para
refletir a respeito, devo ter observado uma cena ou duas com mais
consideração do que pretendia.
Demorou um pouco até que eu resolvesse manter a cabeça baixa e seguir o
percurso, mas os sons... Esses eram impossíveis de ignorar.
Agarrei a coxa do Lucas como se fosse um bote salva-vidas. Acho que
deveria estar machucando-o, mas como não reclamou, apenas continuei. Me
concentrei no ato para de alguma forma saber que, o que quer que estivesse
acontecendo ao nosso redor, era real.
Fiz o percurso o mais rápido que consegui e achei seguro focar no objetivo.
No caso, as portas duplas no final do corredor, com a certeza de que nos
levariam ao fim do martírio.
As portas, como secretamente implorava, não davam acesso à saída. Ao
invés disso, davam acesso a uma sala enorme, com alguns sofás e uma
cama imensa no centro.
Não seria nada demais, se não houvesse cerca de vinte casais ali dentro.
Sim, estava contando. Ainda assim, se estivessem conversando, tudo bem.
Não era o caso.
A primeira coisa que senti foi o cheiro de sexo no ar. Forte. A segunda era
que estava bem quente ali. Mais ou menos uma sensação de estar entrando
em uma sauna. Era quase possível sentir a neblina quente na pele.
Havia uma música sensual tocando em uma batida baixa que não se
sobrepunha, de jeito algum, aos sons no cômodo.
Eram vinte casais fazendo sexo entre si e entre todos. Um prisma pornô
difícil de ser ignorado.
Lucas xingou baixinho, como se de alguma forma pudesse atrapalhar a
concentração dos demais, ou apenas não queria trazer mais devassidão ao
mundo, vai saber. Mas dadas as circunstâncias, não faria diferença alguma;
os corpos estavam concentrados demais uns nos outros para sequer notarem
nossa presença.
Outras pessoas continuavam entrando na sala, e parecia ficar cada vez mais
apertado. Contudo, esse fato aparentemente era um incômodo somente para
mim. Não parecia de modo algum que os outros presentes se afetariam com
mais atritos.
Entretanto, minhas opções se encontravam bem limitadas. Ou ficaríamos
pressionados um ao outro, ou logo estaríamos dentro da orgia.
Eu havia lido um bocado de livros sobre o tema mas, diante dos fatos,
suspeito que meu conhecimento sobre o assunto tenha sido subestimado.
Senti sua ereção por trás, e quem seria eu para julgar? Aliás, se ele estava
excitado, também poderia ficar. A regra é clara, não é? Me agarraria a esse
salvo-conduto.
Fugimos do nosso quarto por conta de um pequeno frame de pornô, e agora
a coisa toda estava em 3D bem na nossa cara. Um passo a mais e, de
coadjuvantes, seríamos protagonistas.
E eu queria, sabe? Ser uma daquelas pessoas que frente ao improvável tem
outra reação. Algum mecanismo de defesa ou de autopreservação que me
fizesse conseguir finalmente tomar uma atitude e sair do lugar.
Contudo, o canto da sereia havia sido forte demais para qualquer um dos
dois. E ficamos ali, parados, observando partes e o todo.
Me virei para sua direção para privar um pouco minha visão.
— Lucas?
— Hum? — questionou com uma voz bonita. Uma bem boa, de quem está
cheio de tesão.
Permanecia vidrado no que acontecia atrás de mim. Ainda assim, segurou
minha cintura, me prendendo dentro de seus braços.
— Precisamos sair daqui!
— O quê? — me olhou, confuso.
Puxei seu pescoço e falei ao seu ouvido.
— Nos tire daqui — declarei, e o senti estremecer.
Contudo, se há algo que sempre admirei é que Lucas é um cara de atitude.
Assim que proferi as palavras já estava me puxando pela mão e nos
conduzindo a outras partes do labirinto, até finalmente encontrar a saída e
nos livrar do que sempre seria a experiência mais insana da minha vida.
A parte difícil agora seria ocupar um pequeno espaço com ele após toda a
loucura da noite. Quer dizer, eu devia ter envelhecido doze anos só pelo
estresse na última hora.
Entramos no quarto o mais rápido possível. Tentei tomar sua frente para
acessar o banheiro primeiro, mas a intenção dele era claramente outra.
Lucas me impediu de continuar e me virou para que pudesse encará-lo.
Não parei para refletir muito bem sobre ações, acho que ele também não.
Quer dizer, dificilmente dois segundos serviriam como análise.
Dois segundos foram o suficiente para que tomássemos a boca um do
outro.
Assim que nos beijamos, gememos um na boca do outro. Salivei ainda mais
quando senti seu gosto. O peito apertou daquela forma gostosa que somente
senti com ela, e odiei o fato de me sentir assim.
Quando Isabella e eu acessamos aquele corredor, fiquei duro
imediatamente. i.m.e.d.i.a.t.a.m.e.n.t.e.
Juro que tentei me concentrar em outras coisas, mas o fato do corpo dela
estar a centímetros do meu e o cheiro de uva invadir minhas narinas não
ajudou em nada. Pelo contrário, a cada passo e a cada nova imagem, eu me
pegava pensando em curvá-la e a comer aonde estivéssemos. E foi um
esforço filho da puta não fazer exatamente isso.
Falhei miseravelmente assim que atravessamos a porta do quarto, e era de
se esperar que estivesse no mesmo estado afetado tanto quanto eu.
Abandonei sua boca querendo provar mais de sua pele, arrastei minha
língua da clavícula à sua orelha, notando seu arrepio com o contato.
— Isso não muda nada — sussurrei em seu ouvido.
— Às vezes me pergunto como pude ser apaixonada...
Não esperei que terminasse a frase. Puxei seu vestido com força,
observando os botões pularem da peça, expondo seus seios. Quase gemi
com a cena.
Contudo, me ocupei em apalpá-los, testando seu peso, e não demorei muito
a pô-los na boca, provando de sua pele quente e exposta mais uma vez. Só
mais uma.
Isabella não concluiu o pensamento, o mesmo foi interrompido por um
gemido gostoso, e odiei o fato de ficar ainda mais excitado com ele.
A senti amolecer em meus braços e me aproveitei do fato para suspendê-la
e levá-la até a cama. Assim que a tombei em cima da superfície macia, seu
vestido se acumulou na cintura e agradeci pela visão. Definitivamente
aprovava suas novas vestes.
Entretanto, não demorou muito para que a livrasse de sua calcinha.
Trabalhamos em conjunto para nos livrarmos da peça. Aparentemente
também tinha pressa.
A experiência anterior a havia afetado e era bem possível notar que não
estava incólume. Na verdade, era o oposto. Isabella estava molhadinha e
convidativa de um jeito que fez com que minhas bolas latejassem com a
visão.
Me ajoelhei entre suas pernas e sei que iria falar alguma coisa engraçada,
mas estava excitado demais para conversar agora. Aliás, se parasse para
pensar, seria um erro que meu pau não estava ansioso em cometer.
Suspendi suas pernas, a trazendo até minha boca e abocanhei-a de uma vez,
por completo. Ela se debateu, fechou os olhos e gemeu deliciosamente.
Aquela porra de som que se agarrava à cabeça e tirava a sanidade.
A posição era privilegiada. Era possível assistir todas as suas reações. Sua
feição safada, em busca de toques e ansiando por mais, ocuparia boa parte
dos meus sonhos eróticos.
A penetrei com os dedos, localizando um ponto específico atrás de sua
pelve, e a vi puxar os próprios cabelos tomada pelo êxtase que era
acometida.
Entre a investida no ponto certo, a sugada macia em seu clitóris e a
experiência vivenciada minutos atrás, foi demais para a Is. E odiei o fato de
adorar assistir que seu corpo ainda se entrega tão fácil a mim.
Ela gozou forte, me fazendo sentir as contrações de sua boceta, com aquela
carinha que quase me fez esporrar nas calças.
Uma pessoa podia morrer de tesão? Bem... eu não sei, mas agora poderia
jurar que era bem possível.
A deixei lânguida na cama e me ocupei de provar seu gosto nos meus dedos
e lábios, sugando qualquer resquício seu. Não haveria desperdícios.
— Puta que pariu — exclamou.
Me pus a tirar a roupa e a observei fazer o mesmo. Era foda o contato
visual, isso sempre me colocava em uma rua escura, sem perspectiva de
fuga.
Me sentei ao seu lado na cama e, com calma, a vi tomar a iniciativa, se
acomodando em cima de mim e unindo nossos sexos.
Quando meu pau a penetrou em uma lentidão dolorosa, senti todo meu
corpo se arrepiar. A velha corrente elétrica perpassava por mim outra vez.
Essa experiência que não se repetiu com mais ninguém, somente com ela.
Odiei o fato de amar me afundar na Isabella outra vez.
Sempre fui um cara experiente, na maioria das vezes consigo me controlar
até que a mulher goze primeiro. Contudo, Is rebolou e gemeu, e comecei a
listar os códigos do novo programa que estava desenvolvendo. Ela agarrou
meus cabelos e reivindicou minha boca na sua. E foda-se.
Nossos corpos se reconheciam, sabiam o ritmo, a forma, o encaixe, tinham
memória e era difícil não gemer para caralho, assim como fazia.
Isabella gozou e me arrastou junto, como sempre. Senti a visão escurecer, a
boca secar e os membros ficarem moles e cederem. E odiei o fato de me
sentir tocar o paraíso mais uma vez.
— Como isso é possível? — questionou, me encarando.
— Eu não sei.
E não sabia mesmo.

Acordei com Isabella e eu emaranhados no corpo um do outro. Depois da


primeira, se seguiram mais duas. A desculpa dita em voz alta é que
estávamos muito excitados com toda a noite, mas eu sabia a verdade e ainda
odiava sentir tanta saudade de seu corpo.
Se eu não tomasse cuidado, facilmente a coisa se repetiria. E não estava
disposto a passar por tudo novamente.
Me desvencilhei dela, que ainda estava adormecida, e odiei o fato de
observá-la um pouco mais, gravando sua imagem relaxada para que pudesse
acessar a memória mais tarde.
Fui ao banheiro tomar banho e, quando saí, foi sua vez de ocupá-lo, dizendo
apenas um bom dia.
O dia amanheceu e com ele retornaram as responsabilidades. Achei bom
que tivesse discernimento.
Isabella saiu do banheiro com seu sobretudo fechado, linda.
— Está tomando remédio ou precisarei me preocupar daqui a quatro anos?
— me sentia vulnerável ao seu lado, e meu cérebro fez as contas e achou
válido atacá-la.
Certamente ela não esperava por isso. Seus olhos se encheram de lágrimas
imediatamente. Sei que queria mais do que tudo fugir, mas apenas me
encarou.
— Não se preocupe, não irei mais engravidar — disse, mas eu queria
magoá-la mais.
— Não sabe a satisfação que tenho em ouvir isso. Está tomando remédio
dessa vez? — ela esfregou o peito como se a pergunta a machucasse
fisicamente.
Uma lágrima escapou de seus olhos e me arrependi pela provocação. Odiei
o fato de ainda me incomodar com o fato de vê-la chorar.
— Não — foi tudo o que disse, antes de correr em direção ao banheiro.
Meu gesto foi involuntário. Mantive o pé na porta para impedir que a
fechasse. Is me encarou aos prantos e eu soube que havia mais alguma
coisa. Não poderia ser somente a minha provocação. Não agora, não essa
Isabella, mais forte do que antes.
— O que aconteceu, Isabella?
Como resposta, apenas fez um gesto de negação com a cabeça, se
recusando a falar, como se o assunto fosse demais para si, e novas lágrimas
brotaram.
Que merda fui fazer?
— Is? — implorei.
Ela me encarou novamente e fez com me sentisse a pior pessoa que existia.
— Não posso mais ter filhos, Lucas. Meu útero foi retirado junto com
Gabriel. Fique tranquilo, nunca mais terá outra surpresa da minha parte —
falou com mágoa.
E odiei o fato de não poder abraçá-la.
Quando tinha oito anos de idade meu sonho era ser mãe de três crianças.
Era um sonho bem bobo, e se pudesse escolher, teria um casalzinho e mais
um. E também uma casa bacana e um cachorro, independente da raça. Amo
animais.
Minha família era bem pequena, resumida apenas a uma mãe, e não queria
repetir esse fato por toda uma vida.
Nunca conheci meu pai ou sua família, e minha mãe era a única viva da sua
família. E isso deixava minhas opções de apoio bem limitadas.
Daí, me tornei adolescente e me apaixonei pelo meu melhor amigo que,
para meu azar, não queria filhos de modo algum. Meu sonho mudou
novamente, e eu abriria mão de qualquer coisa para ser feliz ao seu lado.
Aí engravidei e foi bem difícil. Uma endometriose profunda, como foi
diagnosticada, me causava dores constantes e sangramentos diários, que me
faziam chorar a noite inteira com receio de um aborto a qualquer momento.
Foi uma gravidez de risco, tive um descolamento de placenta severo que me
levou a ficar internada no hospital por meses. Essa parte não contei a
ninguém, não havia mesmo com quem pudesse contar na época, e depois
não fazia mais sentido falar a respeito.
O parto foi prematuro, algo havia dado muito errado. E esse algo era uma
inflamação, que das trompas migrou para o útero, tendo que ser removido
às pressas assim que Gabriel nasceu.
Poderia ter sido o dia mais feliz da minha vida pelo nascimento do meu
filho, mas foi um dos mais difíceis. Gabriel foi internado na neonatal, na ala
mais grave, e tive muito medo de perdê-lo.
Hoje o medo é outro. Não lhe dar uma família grande é apavorante. Sei qual
é a sensação de estar sozinha e amo demais meu menino para querer que
passe pelo mesmo, mas algumas decisões não cabem a nós.
Então, meu sonho passou a ser ver o Gabriel feliz. Faço exames
regularmente e me cuido o máximo que posso para ter uma vida bem longa.
Não que a morte possa ser evitada, mas no que depender de mim, ele terá
uma família antes da minha partida. Por isso, nunca escondi dele o fato de
ter toda uma rede de apoio além de mim, e sei que em algum momento os
conheceria.
Não gosto de pensar sobre isso, não gosto de me sentir assim, vulnerável.
Lucas me colocou novamente nesse lugar e parecia que não havia limites
para seu rancor. Meu indulto[14] talvez nunca viesse, e tinha que aprender a
conviver com isso e com a mágoa que causei. Continuaria seguindo.
O caminho até em casa foi silencioso. Mantive meus olhos na paisagem e,
assim que estacionamos, desci do carro e corri para agarrar meu menino,
me sentindo grata mais uma vez por sua vida.

— Dona Isabella Cristina, trate de arranjar um tempo e me visitar! — Tia


Vilma, mãe do Lucas, me repreendeu. Mas sei que suas palavras eram
dotadas de carinho. — Estou apaixonada pelo meu neto e tenho quase
quatro anos de ausência para matar a saudade.
Continuou agarrando, de forma impossível, o pequeno corpinho do meu
filho que ria em seus braços.
Foi uma surpresa boa retornarmos da pequena viagem e a encontrarmos em
minha cozinha, conversando com dona Izabel e brincando com Gabriel. E,
mais uma vez, me senti culpada por escondê-lo da mulher que amava como
uma mãe.
— Eu sinto tanto, tia — disse novamente.
— Minha filha, te conheço a vida toda. Sei exatamente o que te levou a
tomar essa decisão e o que se passou nessa sua cabeça. Sei como ama meu
filho — me encarou com aqueles olhos gentis. — E também sei como ser
mãe sozinha é difícil, Isa. Fez um excelente trabalho até aqui.
Estava prestes a dizer que meu filho conhecia toda sua família, mesmo que
ainda não presencialmente.
— Mamãe me conta da senhora sempe, vovó — Gabriel explicou, e rimos
cúmplices.
— Eu sei, meu amor — garantiu a ele com um sorriso e mais um beijo.
O menino saiu de seus braços para receber o pai que, pelo barulho do carro,
acabava de chegar.
— Isabella, preste atenção — chamou. — Sei que é uma menina
maravilhosa e não há o que ser perdoado. Sei o quanto nos ama e meu filho
também sabe. Dê tempo ao tempo, minha querida — pediu, acompanhando
sua entrada na sala.
— Bom dia, dona Vilma — cumprimentou a mãe. — Isabella.
— Dona Vilma é o escambau... Mãe, Lucas. Sou sua mãe — repreendeu. —
E que tal, bom dia, Isabella? Ela é sua melhor amiga e a mãe do seu filho.
Não posso ter criado alguém tão idiota assim.
Ralhou, e ele semicerrou os olhos em sua direção, mas desistiu de retrucar a
mãe. Sabia que era uma batalha perdida.
— Nunca foi o biscoito mais inteligente. Pedro sempre teve razão —
reclamou, e eu ri. — Como pode não enxergar o que está na cara dele a vida
toda? Essa mágoa vai levar a nada. Já perderam muito tempo. Está mais do
que na hora de aceitar que nasceram um para o outro e viverem felizes para
sempre.
— Não sei se tem razão dessa vez, tia Vilma. Acho que eu e Lucas não
estamos predestinados a ficarmos juntos.
— Não fala bobagem, garota. Nunca foi a burra do grupo — me abraçou,
afagando minha cabeça, como fazia sempre. — Todos nós sabemos disso.
Valentina sabia e Pedro também — suspirou. — Gosto tanto daquele
menino. Espero que encontre uma pessoa tão maravilhosa como você. Amo
meu filho, mas às vezes é tão cabeça dura. Pedro te merecia, ele merece um
amor tão grande quanto o que sente por Lucas.
Encarei confusa a loira com traços tão parecidos aos do filho, exceto seus
olhos, que eram de um castanho bem claro.
— Pedro ama ser solteiro, tia. Ele corre de compromissos.
— Você e Lucas se merecem. Nunca vi combinar tanto. Como podem não
enxergar nada à sua frente?
Neguei. Não sei se sabia que Pedro e eu já tentamos ficar juntos uma vez.
Não deu em nada, não tínhamos nada a ver. Contudo, se tem uma coisa que
aprendi é jamais discordar de dona Vilma.

Meu coração acelerou mais uma vez assim que toquei a campainha de seu
quarto. Lucas sabia da minha chegada, não era exatamente uma surpresa. A
recepção havia informado e ele tinha autorizado minha subida, mas duvido
muito que soubesse a intenção.
Eu acreditava que o motel em que estivemos era chique, mas o hotel
escolhido por ele me mostrava o quanto estava enganada. Meu caminho até
aqui foi ornado com mármore caro, vidros e lustres de cristais tão imensos
que era quase como se olhasse para as estrelas.
— Vai minha filha, vá encontrá-lo. Não aguento mais sua crise de
consciência, se segue ou não seu coração. Fico com Gabriel — Tia Vilma
praticamente me expulsou de casa.
E aqui estava eu, apoiada no batente branco da porta, encarando o chão
lustroso e esperando que atendesse, sentindo o coração bater na garganta.
— Oi — disse assim que abriu.
Bastou um olhar e ele soube o que eu havia ido fazer ali. Não foram
necessárias respostas verbalizadas.
Agarrou minha nuca da forma que sabia que gostava e encontrou minha
boca no meio do caminho.
Estava prestes a encerrar meu dia quando a recepção me ligou, avisando
que havia alguém que gostaria de falar comigo. Quando descobri que esse
alguém na verdade era Isabella, meu coração disparou no peito. O medo de
que alguma coisa pudesse ter acontecido com meu filho fez gelar os ossos.
Entretanto, se fosse de fato uma emergência ela teria me ligado, não era? E
não estaria aqui pessoalmente.
Estava aflito, andando de um lado a outro do cômodo, cogitando seriamente
em descer ao seu encontro. A campainha tocou e sequer hesitei em atender.
Abri a porta e o peito doeu de saudade. Era um caminho perigoso, mas
reconheci de imediato a mesma necessidade em seus olhos.
E por mais que meu orgulho não permitisse verbalizar em voz alta, eu sentia
falta. Sentia falta do seu bom dia e do seu boa noite. Sentia falta de me
deitar ao seu lado e contar como foi o dia. Sentia falta de apenas ficarmos
em silêncio e ser compreendido sem qualquer som. Sentia falta do seu
cheiro, seu carinho, seu sorriso. Eu sentia falta de tudo além do óbvio. Além
da mágoa.
Foi imperativo puxar e colar nossas bocas, dando início a um beijo
desesperado de quem não vai perder tempo algum além do propósito de
sentir o outro. E bastava nossas salivas se encontrarem para que
despertasse um frenesi de necessidades das quais me impelia a buscar
um pouco mais dela em mim.
Não me recordo de ter fechado a porta, espero que pelo menos tenha batido.
Contudo, não é um ponto realmente relevante agora que vá fazer com que
me importe ou interrompa o que estamos fazendo.
Agora meu foco é despi-la, e Isabella tem o mesmo objetivo, já que, de
forma ansiosa, faz o mesmo comigo.
Em pouco tempo, estamos na grande cama com dossel dramático, enquanto
sobe em cima de mim de forma demasiadamente calma, em contraponto à
euforia anterior.
Isabella se encaixa em mim e fecho meus olhos só por alguns segundos,
somente para apreciar a sensação. Ela se movimenta de forma lenta,
gostosa, redescobrindo nosso ritmo. Seu rosto expressa tanto desejo, tanta
necessidade, que é impossível não me perder assistindo-a.
Seus cabelos compridos despencam nas laterais de seu corpo, brincando de
esconder seus seios. Ora revelando e ora os escondendo, em cada
movimento delicioso que faz.
Coloco suas mechas atrás das orelhas somente para admirar um pouco mais
a vista, e preencho minhas mãos com eles, gravando cada parte de sua pele
macia.
Ela morde os lábios e logo descubro que quero fazer isso também. Por isso,
a puxo em minha direção para prová-los mais uma vez.
Inverto nossas posições para poder ouvi-la gritar de prazer, acertando
aquele ponto que sei que a deixa fraca. Os sons que ocupam todo cômodo é
a canção mais bela composta. A de entrega, a das sensações.
Nada nunca foi igual, nada nunca se comparou. E com essa constatação, me
perco na consciência, dentro de mim mesmo, dentro do prazer que ninguém
além dela conseguiu proporcionar.
Minha raiva ontem era de amar o que não deveria nela. Hoje, era não
conseguir perdoá-la ainda assim.
Acordei sozinho na cama, ficou para trás somente o aroma de uva, o qual
era a única prova de que Is havia realmente estado por aqui.
Travei uma briga interna admirando seu senso e incomodado ao mesmo
tempo. Porque não importava o quanto eu tivesse dela, ainda não seria o
suficiente.
Eu quis ceder, quis desistir da mágoa, do orgulho, mas sabia que uma hora
ou outra a conta chegaria. Uma hora a falta de confiança me afetaria, e nos
magoaríamos uma vez mais.
Estava cansado desse ciclo interminável em que buscamos um ao outro e
acabamos fazendo mais mal do que bem.
Busquei meu filho na escola, me despedindo dele na porta de sua casa.
Estava retornando à Portugal com o coração apertado e com a consciência
de quem não dedicou tempo suficiente para nada.
Seriam sete dias de ausência, e se pararmos para pensar não era nem muito
tempo. Mas parecia, mesmo assim.
Não entrei para me despedir dela. Tive um medo filho da puta de fraquejar,
e embarquei naquele avião sendo um homem muito diferente do que aquele
que havia chegado aqui há um mês atrás.

— Está indo para Blumenau hoje? — perguntei ao Pedro, como em um


déjà-vu.
Sua mala já estava pronta na cama, por isso apenas aguardei a confirmação
do óbvio.
Foquei mais uma vez a atenção nos detalhes de seu quarto; um completo
oposto ao meu. Enquanto o meu era branco, o dele era negro. Desde os
móveis até a escolha do lençol egípcio em sua cama. Tudo aqui era um
pouco dramático, assim como sua personalidade. A cabeceira da cama com
um enorme dossel, móveis com linhas mais modernas e elegantes, e
persianas que se fechavam automaticamente e impediam o sol de adentrar o
cômodo. Pedro, mais do que qualquer um que eu conhecesse, gostava de
ostentar seu privilégio.
— Sim, conversei com a Isa. Vamos revezar por enquanto, para que ela não
fique sozinha com Gabriel.
Assenti, porque de fato era uma boa ideia.
— Me avisa como estão as coisas por lá.
Meu amigo me encarou, dando mais atenção para a frase do que deveria.
— Não entendi. Achei que estivesse com a Isabella — semicerrou os olhos
em minha direção.
— Te contei que havia feito sexo com ela. Não que se repetiria ou
ficaríamos juntos.
— Lucas, o que há com você? — indignado.
— Quatro anos de mentiras, é isso o que há comigo.
— Se não pode perdoá-la, não fode com tudo e não transa com ela toda vez
que seu pau quiser — apontou para meu peito. — Porque você sabe bem
que isso vai foder ainda mais as coisas. Não ouse afastá-la novamente.
— Não é isso que está acontecendo — garanti.
— Não? — arqueou sua sobrancelha, desacreditando.
— Ainda gosto dela, ainda a desejo, mas sei bem que na primeira
oportunidade vou jogar em sua cara o que me fez. Não a perdoei ainda e
não sei se consigo — suspirei cansado. — Juro que tentei, juro que tento
enxergar a Is, mas é difícil encarar o rosto do meu filho e não lembrar o que
me fez.
Assentiu como se compreendesse.
— Pense bem e pense rápido a respeito. Não a magoe, não faça ela passar
pelo inferno que sei que viveu – se sentou ao meu lado e encarou meus
olhos. — Me sinto um merda por ter demorado tanto tempo para procurá-la,
por não ter estado ao seu lado antes. Não vou me afastar, Lucas. Também
não vou deixar que a machuque mais. Ela é e sempre será a nossa Isa.
— Eu sei.
— Então, se sabe, não fode com tudo, Lucas!
Finalizou e saiu em direção ao seu banheiro, sem qualquer vestígio de
paciência para continuar o assunto, me deixando sozinho para refletir mais
um pouco sobre os fatos.
A questão é que nem precisava desse discurso. Esse era um assunto que não
conseguia tirar da minha cabeça nem que tentasse. Nem mesmo em sonho,
onde tudo era perfeito, onde estávamos em nossa casa assistindo a um filme
infantil com nosso garoto no colo, comendo pipoca e sorrindo felizes.
Iris – Goo Goo Dolls
16 anos antes...

Tia Vilma havia dito que hoje era um dos dias difíceis; ultimamente
estavam cada vez mais frequentes.
Abri as portas de vidro que davam acesso ao pequeno quintal da casa do
Lucas, o avistando sentado na grama sozinho, todo de preto. Eu odiava
essa cor e toda sua simbologia.
Caminhei devagar para não revelar de imediato minha presença, gostava
de observá-lo em silêncio.
Sabia de alguma forma que o dia seria triste; as nuvens cinzas e o vento
cortante que balançava as copas das árvores anunciavam isso
perfeitamente.
— Oi — disse, assim que o alcancei.
— Oi — respondeu, sem nem mesmo me olhar.
Me sentei ao seu lado na grama verde, prestando atenção no seu olhar
perdido no horizonte.
Não gostava de vê-lo assim. Eu tomaria todas as suas dores sem hesitar,
somente para que nunca mais precisasse sofrer.
Recostei em seu ombro e apenas me mantive quieta, sentindo sua
respiração oscilante. Para quem o observasse de longe ele estava sereno,
mas de perto era possível notar o tamanho da sua tristeza.
Os segundos viraram minutos e os minutos avançavam sem palavras. Lucas
estava perdido dentro de si mais uma vez.
— Luc, conversa comigo?
O garoto olhou para mim, franzindo o cenho[15] em uma careta de dor.
— Eu não sei o porquê, Is, só sei que fico assim. Às vezes, não sei como
parar — sua voz embargou e um nó se formou em minha garganta
imediatamente. — Eu me sinto em um lago escuro, à noite. Eu tento nadar
mas não sei pra onde ir, estou sozinho e cansado. Não sei se consigo
permanecer nadando, não sei se quero.
Uma lágrima escorreu no exato momento em que a chuva começou a cair.
O céu também começava a chorar com o garoto triste.
Segurei sua mão, entrelaçando nossos dedos, e olhei bem no fundo dos seus
olhos verdes.
— Não está perdido, Lucas. Estou aqui segurando sua mão. Não vou soltar,
não vou parar de nadar com você. E quando você cansar, vou nadar por
nós dois. Eu vou te arrastar até a margem à força, se necessário, mas não
vou desistir de você e nem vou deixar que desista.
Sei que chorava, mesmo não conseguindo distinguir lágrimas e chuva, mas
seus olhos vermelhos e tristes contavam sua história.
— Às vezes fico bem, na maior parte do tempo, eu juro. Até me perder
dentro de mim, da minha tristeza. Sem fundamento ou propósito, ela apenas
está lá. Me puxando para baixo, me afogando.
Levei minha mão à sua face, fazendo um carinho de leve como se pudesse
secar suas lágrimas, mesmo debaixo de tanta água.
— Eu te amo — confessei. — Eu sei quem você é, Lucas. Eu enxergo você.
Ele segurou a mão que estava em seu rosto, levou aos lábios e beijou com
carinho. Meu pobre coração deu um salto e bateu tão forte que chegou a
aquecer o corpo. Contrariando o dia frio de junho.
— E eu amo você, Is. Não vou desistir.
Beijou minha testa e se deitou no chão, encarando o céu. Me juntei a ele,
porque onde quer que fosse ou o que quer que fizesse, eu estaria ao seu
lado.
— Acho que vou chamar a menina nova para sair. O que acha dela? — me
encarou, em uma tentativa de mudar o humor.
— Valentina parece ser uma pessoa legal.
— É... acho que vou convidá-la — concluiu com um sorriso fraco, e imitei
seu gesto.
Mantive o sorriso no rosto, agradecendo em silêncio a chuva por esconder
agora minhas próprias lágrimas.
Meu coração sangrava mais uma vez por ele, mas tudo bem. Se era isso
que precisava para sair desse luto, o apoiaria quantas vezes fossem
necessárias. Apertei sua mão e voltei a encarar o céu, me partindo só para
juntá-lo.
Dizem que amores adolescentes passam. Que nessa fase sentimos muito e
tudo é mais intenso, mas irá passar quando amadurecermos.
Então, vou mentir um pouco mais para mim hoje. Vou me enganar mais
uma vez que um dia vai passar. Vou ficar na torcida para que me enxergue
ou vou rezar para deixar de amá-lo, mas até lá vou sangrar. Por ele e por
mim. Talvez só por hoje, talvez só mais uma vez, quem sabe só por essa
noite? Isso! Só mais um pouco.
Pedro chegou e se deitou ao lado de Lucas, segurou sua mão, buscando a
minha para também segurá-la.
Não sei quanto tempo ficamos nessa posição. Chorando e encarando o céu,
era sempre assim.
Ali naquele quintal, em um dia triste, três adolescentes seguravam a mão
um do outro. Três garotos sem pai e com histórias tristes para contar.
Lucas sofria pelo que não tinha, eu sofria pela vida dura que levava, mas
Pedro... Pedro vivia um inferno.
Segurávamos as mãos como um aviso claro de que não nos soltaríamos,
que estaríamos lá um pelo outro. Nada seria mais forte do que nossa
amizade, do que o amor que sentíamos um pelo outro.
Dizem que amores adolescentes passam, mas eu sabia no fundo da alma
que jamais deixaria de amá-los. Esse sentimento, esse laço, não se
apagaria com o tempo, nem mesmo com a eternidade.
Arcade – Duncan Laurence

O tempo estava correndo. Jamais poderia imaginar isso há pouco mais de


dois meses atrás.
Lucas e Pedro passaram a se revezar para ocupar nossas vidas. Semana sim,
semana não, vinham para ficar conosco.
Pedro trazia presentes e alegria. Lucas trazia saudade.
Contudo, estava se saindo um pai incrível, daqueles que participavam
ativamente da vida do filho. Sei que o amava como nunca poderia ter
previsto, mas Gabriel ajudava, não é?
Nosso filho é um ser tão iluminado que aquecia qualquer um à sua volta. E
todos que entravam em sua vida, logo ficavam completamente apaixonados
por ele. O garoto estava sendo mimado e eu não tinha convicção nenhuma
para contrariar anos de ausência.
Quanto a Lucas, não consegui me afastar. Por mais que tentasse, não
conseguia.
Sempre que o via cruzar a porta, meu coração doía de saudade. E nessas
horas, tinha que ser resiliente para não correr em sua direção e me jogar em
seus braços.
Os dias eram ocupados com Gabriel; às noites, eu o encontrava em seu
quarto de hotel luxuoso para matar as vontades do corpo e da alma.
Tentava me convencer que era somente sexo, e que por ser muito bom valia
a pena. Porém, meu coração teimoso me contava que não era do sexo que
sentia falta, mas todo ele.
Passávamos horas nos amando. Sim, porque o que fazíamos não era carnal,
e jamais seria uma transa casual. Lucas me amava naquelas poucas horas, e
eu sentia isso em cada toque, em cada beijo e a cada olhar profundo que
trocávamos.
O problema sempre vinha no depois. Assim que ficávamos exauridos, ele se
levantava, seguia para o banheiro e permanecia lá, até eu partir. Uma vez
chegou a sair do seu próprio quarto, me deixando sozinha na cama.
Os dias permaneciam normais. Isabella e Lucas, apenas pais do Gabriel. As
noites eram nossas. Três horas, mas quem estava contando?
Eu sabia que havia criado uma ferida imensa em seu peito. Juro que
entendia. Mas era inevitável não pensar que ele desistia tão fácil de
mim, que me fazia questionar onde estava errando.
Porque jamais fui sua primeira escolha, mas sempre o mantive como
prioridade.
No fundo eu sabia que me queria e conhecia bem o tamanho do seu ego,
mas descobri que somente o querer, às vezes, não é o bastante...
Uma hora ou outra a conta chega. A verdade é uma só, não dá para
construir resultados diferentes se fizermos sempre as mesmas escolhas.
Eu fiz por ele o que ninguém mais fez por mim. Contudo, em alguns
momentos, temos que aprender que somos prioridade.
Anos e anos o amando... Talvez agora eu o fizesse somente por costume ou
simplesmente por teimosia. Talvez fosse a hora de deixar ir. Às vezes,
segurar a corda por muito tempo dói mais do que apenas soltá-la.
Talvez sempre tivéssemos fadados ao fracasso... Um jogo perdido.
— O que foi, anjo? — Pedro perguntou assim que entrou no quarto.
Me entregou um copo de água e bebeu o seu. Sorri, porque sempre fazia
isso. Pequenos gestos, sem que precisássemos de fato pedi-lo.
— Nada. Só estou pensando na vida.
Ele levantou uma sobrancelha, duvidando de minhas palavras, e dei um
gole no líquido gelado, o sentindo descer macio pela garganta.
— Sabe que não gosto quando faz isso, não é?
— Sei... — disse simplesmente.
— Chega de segredos. Chegamos muito longe para ainda termos esses
melindres um com o outro. Conhecemos a parte feia da história de cada um
para que você acredite que não te conheço.
Suspirei cansada.
— Estava pensando no que há de errado comigo — me encarou como se
não entendesse o contexto. — Por que nunca sou o suficiente? Por que meu
amor não basta para o Lucas?
Nem terminei a frase e Pedro já havia me posto em seus braços, me
apertando em um abraço acolhedor, envolvendo todo o meu corpo.
— Não faz isso, Isabella... Não ouse falar assim.
— Eu não quero mais amá-lo assim, Pedro... Não quero mais...
Minhas palavras saíam emboladas à medida que o choro rompia por minha
garganta, arranhando e machucando.
Estava tão cansada...
— Você é a mulher mais fantástica que já conheci — declarou, segurando
meu rosto com as palmas das suas mãos grandes, me fazendo encará-lo. —
É altruísta, boa, a melhor amiga — sorriu. — A melhor mãe que conheci. E
Lucas é um homem teimoso, apenas.
— Acho que a teimosa sou eu — contestei, e ele negou com a cabeça.
— Quando amamos outra pessoa, não é culpa nossa não ser correspondido.
E não há nada que possa fazer para obrigar seu coração a fazer algo a
respeito, você apenas ama — sorriu triste. — Acho que seria mais fácil se o
outro fosse um completo idiota, não é? Mas quando a pessoa é especial,
esse amor não morre.
Suas palavras vieram dotadas de um sentimento tão forte que me perguntei
se meu amigo ainda pensava na Amanda, a única namorada que teve.
Me recostei em seu peito e senti seu beijo em minha cabeça.
— Não vou deixar que fique assim. Se arruma que vamos sair para dançar.
Vou avisar dona Iza para vir e ficar com o Biel.
— Não precisa.
— Ah, mas precisa sim — me soltou e apontou para sua mala. — Trouxe
um presente para você.
— Pedro... — ralhei, enquanto assistia sua caminhada até a mala para pegar
o embrulho.
— Estava passando na rua na hora do almoço, vi o vestido e comprei.
Meu amigo comprava muitas coisas para mim e meu filho, nunca chegava
de mãos vazias.
Rasguei a embalagem e...
— Não acredito que gastou dinheiro com um vestido desse.
— Pode me agradecer simplesmente...
— É um Dior, Pedro! — contestei.
— E eu sou rico — apontou para o próprio peito.
— Não quero que gaste seu dinheiro assim comigo.
— Se não for para gastar com quem amamos, com quem mais seria?
Isabella, você, Lucas e Gabriel são toda a família que tenho.
Meu grandão era forte. Na maior parte do tempo mantinha um humor leve e
divertido, era difícil algo o afetar. Mas em alguns momentos, nesses poucos,
deixava transparecer o quanto sua história foi difícil e como isso sempre
mexeria com ele.
— Ok, você venceu. Vou me arrumar — sacudi o vestido no ar. — Eu amei,
obrigada. Agora vá ligar para a senhorinha que mima vocês como se
pagassem seu salário.
Ele riu e se pôs a sair do quarto para fazer o que era necessário.
O vestido era furta-cor, entre roxo e azul marinho brilhante, com um decote
ousado. Sei que pelo cumprimento ficaria curto, mas acertou perfeitamente
na escolha. Alças grossas e rodado. Pedro sempre prestava atenção aos
detalhes.
Restava apenas me arrumar para ter uma noite divertida ao seu lado, e tenho
certeza que seria.
— Nossa, Isa. Está linda — disse, assim que me observou descer as
escadas.
Dei uma volta para que analisasse como ficou seu presente, assim que parei
à sua frente.
Ele levou a mão ao peito teatralmente para demonstrar o quanto estava
afetado com a visão. Sempre repetia o gesto, e lógico que isso sempre me
arrancava sorrisos. Amava sua leveza.
— Já estão indo, crianças? — Dona Izabel perguntou, assim que nos viu na
sala.
— Estamos sim, dona Iza. E não espere por nós.
— Voltamos antes das duas, dona Izabel. Não se preocupe — garanti,
semicerrando os olhos para Pedro.
— Tudo bem — ela riu, já acostumada com nossa interação. — Se divirtam.
— Nós vamos sim — Pedro piscou galanteador para a senhorinha.
Alcancei a porta de casa e olhei sobre o ombro, quando percebi que não me
acompanhava.
— Bora? Se demorar, volto pra cama — ameacei.
Ele correu e me suspendeu por trás, nos conduzindo até o carro ainda me
mantendo em seu colo. E eu me acabava de rir em seus braços.
A balada era mais um bar do que propriamente uma boate. Pedro solicitou
um camarote, com o argumento de que havíamos passado dos trinta anos e
não tínhamos mais pique para ficar em pé na pista sem nos sentar a noite
toda. Eu concordei de imediato, e agradeci a gentileza. Obrigada.
O camarote não passava de uma mesa simples em madeira preta, com um
cercado de metal à nossa volta que impedia que outros se aproximassem de
nós. Estávamos no segundo andar do lugar, e o bar era quase todo aberto. A
parte da frente era completamente exposta para a rua, e suas laterais
possuíam paredes altas pretas, enfeitadas com muitas placas em neon. Lá
embaixo, o lugar já estava cheio de jovens e tocava um sertanejo
universitário, como quase todas as baladas populares por aqui.
Pedi uma caipirinha de morango com espumante no lugar da tradicional
cachaça ou vodka. Eu sei, um sacrilégio, mas depois de ser mãe tinha que
pegar leve. Na verdade, nem mesmo sabia se a bebida pedida existia no
cardápio, mas o garçom não se opôs, e contei como uma pequena vitória
para a noite. Pedro pediu especificamente uma garrafa de Macallan. Assim
que notei o valor e recebemos a notificação de que era a única do lugar,
fiquei bem ciente do quanto meu amigo não ligava para preservar a grana
que tinha.
Nossas bebidas não demoraram, e quase gemi apreciando o gosto do meu
drink.
— Você não vai beber uma garrafa toda dessas, vai? — reprovei Pedro, que
já enchia seu terceiro copo.
— Deixa de ser chata, Isa. Estou acostumado com bem mais.
Concordei, mas já me preparando psicologicamente para uma noite de
cuidados com o grandão. Daria um trabalho dos infernos, porque
certamente agora estava pesando mais de cem quilos de puro músculo.
Contudo, amigos são para isso. Não seria a primeira vez, de qualquer
maneira.
Bebemos e levantei para dançar sozinha, claro. Meu moreno não curtia
sertanejo, e fazia sempre uma cara contrariada a cada nova canção tocada.
— Só toca música de corno nessa porra.
— Está desacostumado com as baladas brasileiras, meu amigo? — estendi
minha mão, o convidando para que se levantasse e dançasse comigo.
Se quer hesitou, logo me puxou pela cintura, colando nossos corpos e nos
pondo para dançar no ritmo da música. Fosse a bebida ou sua presença, com
certeza já me sentia melhor.
— Não vou te contrariar, mas só toca música de fossa e eu quero te colocar
pra cima, mas consigo como?
Eu ri mais uma vez de sua cara indignada e me pus a cantar a letra da
canção, observando sua careta a cada estrofe.
— Presta atenção na letra! — ordenei.
“Em quem daria o último beijo? (...o último beijo)
Em quem seria o último olhar?
Se esse mundo acabar
E for inevitável o nosso fim
Só quero que lembre de mim
E quando a luz apagar
Eu fecho os meus olhos e vivo em ti
Só quero que lembre de mim, uô, ô, uô, ô
Só quero que lembre de mim, uô, ô, uô, ô”
Eu mantinha o sorriso, pois de fato estava prestando atenção.
— Fala, meu amigo... Se o mundo acabasse hoje, em quem daria o último
beijo?
— E eu lá tenho opção, Isabella? Só tá você aqui — eu ri bem alto, jogando
minha cabeça para trás com o movimento.
Algumas pessoas têm o dom de te colocar para cima, e ele sempre seria
uma delas.
— Quer procurar um rabo-de-saia, Pedro? Vai lá... — provoquei.
— Claro que não, anjo. Essa noite sou todo seu.
Lembrei de algo...
— Tina me contou que vocês transaram... — encarei seus olhos, prestando
atenção em sua reação.
— Valentina fala demais — fez uma cara de desagrado.
— Lucas, sabe?
— Lógico que não, Isabella. Não fico por aí espalhando minhas fodas.
— E se vocês ficassem juntos? — questionei, descrente.
— Foi só sexo, Isa — o encarei indignada. — Tínhamos que ocupar nosso
tempo, enquanto vocês ficavam fazendo cu doce para se pegarem — piscou.
— Mas é muito cara de pau, mesmo. Ela era sua amiga — acusei, e ele riu
com gosto. — Quer saber? Acho que eu é que sou emocionada mesmo.
Lucas tinha razão.
— Não foi a mesma coisa.
— Não? Pra quem? — ele me encarou sério. — Eu transei com quatro
pessoas na minha vida toda, Pedro. Só quatro — levantei os dedos para
enfatizar o discurso. — Lucas pegou quantas, mais de trinta? Por isso que é
bom de cama — suspirei.
— É... mais ou menos isso... — pela feição que fez, comecei a duvidar que
de fato fosse um número verdadeiro.
— E você? — ele riu muito alto e me encarou com um olhar de diversão. —
Puta merda, eu sou a puritana do grupo. Dá licença que vou dar para
alguém hoje.
Me soltei de seus braços e lhe dei as costas, decidida a fazer uma cena.
— Ah, mas você está bem certa disso — puxou minha mão, me prendendo
novamente em seus braços, nos conduzindo mais uma vez à dança. — Mas
eu não conto, né anjo?
— Mas é muito cara de pau mesmo.
— Isa, quatro eu pego em uma noite — deu de ombros, e meu queixo caiu.
— Puta merda, deve ser por isso que a Tina falou que foi muito bom.
Ele riu e me deu um beijo na bochecha para encerrar o assunto.

— Você está bêbado? Preciso te carregar para o banheiro? — falei assim


que entrei no quarto, já de banho tomado e prontinha para uma noite de
sono relaxante.
— Você me subestima demais, Isabella — se indignou, se levantando da
cama e seguindo em direção ao banheiro.
[...]
— Já está dormindo? — questionou quando se jogou ao meu lado.
— Não... Estava pensando em algo — ele me encarou aguardando a
conclusão. — E se... a gente transasse?
Eu ri alto da cara indignada que fez.
— Acho que isso não vai dar muito certo. E olha que é contra minha
religião recusar bocetas, mas... — e eu não conseguia parar de rir.
Subi em sua cintura, montando em cima de seu abdômen.
— Quer dizer que não sente tesão por mim, Pedro? — provoquei. — Tô
ofendida, você transou com a Valentina. Achei que fizesse esse favor para
todas as suas amigas.
— Isabella, para de fogo no cu e sai daí — segurou minha cintura fazendo
menção em me derrubar. — A gente já tentou se pegar, lembra?
Fiz um hum-rum sem convicção e me aproximei de seu rosto para ver qual
seria sua reação. Ele permaneceu bem parado, com aquele olhar sacana de
quem não acreditaria nem por um segundo em meu blefe.
Me aproximei mais e passei a língua bem devagar, traçando o caminho
entre seu queixo até o canto de sua boca. Não era um beijo, mas ainda assim
uma provocação.
— Isabella, chega! — disse sério, e imediatamente me arrependi da
brincadeira, sentindo as bochechas esquentarem.
Que porra eu estava fazendo provocando o homem? Pior, meu amigo.
— Me desculpe, grandão. Eu... — tapei meu rosto como se fosse possível
me esconder atrás das palmas.
Ele retirou minhas mãos do meu rosto e travou o maxilar em uma feição tão
sóbria que jamais havia presenciado.
Pedro me virou tão rápido que quando dei por mim estava de quatro na
cama, com suas pernas pesadas prendendo as minhas e seu punho com uma
boa parte de meus cabelos enrolados. Arfei de surpresa.
— Quer brincar, Isabella? Quer pedir mais uma vez para eu te foder?
Juro que eu iria rir. Eu sabia, com alguma certeza, que estava tirando um
sarro com a minha cara, apenas me provocando como fiz. Mas ele me
ergueu pelos cabelos, colando meu tronco ao seu.
— Perdeu a coragem? — lambeu meu ouvido esquerdo, respirando pesado.
— Está me chamando de covarde, grandão? — duvidava sinceramente que
prosseguisse, mas até que ponto ele iria?
Soltou meus cabelos e suas mãos foram parar em meus quadris, agarrando
minha pele e me colando ainda mais ao seu corpo. Se esfregou uma, duas
vezes. Não estava duro, mas o movimento foi bem recebido pelo meu corpo
e expirei, mordendo o lábio com força para me controlar.
Senti sua risada quente e suas mãos começaram a subir pelas laterais do
meu corpo, como garras se prendendo em minha carne.
E se?
Não tocou em nenhuma parte íntima, mas quando alcançou a altura dos
meus seios, levou ambas as mãos ao meu decote e segurou firme ali.
— Fala só mais uma vez... — sua voz era quase um rosnado, e me fez sentir
mais uma vez seu corpo. — Mais uma e eu rasgo essa porra de camisola e
te fodo até ficar crua nessa cama ou até que desmaie de tantos orgasmos.
Em gemi, porque era muita provocação e aquele movimento estava
começando a ficar bem bom.
— Cacete, Isabella — apesar das provocações, estava se mantendo centrado
até então.
Entretanto, acredito que meu gemido foi bastante para ele também, porque
comecei a sentir sua ereção.
E se?
Virei meu rosto para o seu. Pedro mantinha uma constância gostosa no
movimento, incentivado pelo meu som e a brincadeira já não era tão mais
inocente assim.
Segurei seus cabelos macios entre os dedos, puxando-os de leve... Eu queria
afastá-lo, mas ele respirou próximo à minha boca e minhas pálpebras
pesaram. Pesou também minha convicção, que ao invés de afastá-lo, passou
a trazê-lo cada vez mais para próximo de meus lábios.
Sua respiração estava tão próxima que era possível sentir o gosto de seu
hálito.
— Isa?
Abri meus olhos encarando os seus, reticentes, mas cheios de lascívia[16]
ainda assim, aguardando somente um comando, só mais um, antes de
mandar tudo para o inferno.
— Mamãeee — Gabriel falou do corredor, me tirando do torpor de tesão
que estávamos.
— Vai lá, Isabella.
Me soltou e apenas assenti.
Here Without You - 3 Doors Down

14 anos antes...

O dia havia amanhecido debaixo de chuva, e fazia um frio de doer os ossos.


Apesar disso, agradeci. Pelo menos hoje o casaco e o capuz não seriam
questionados por ninguém.
Me sentei no fundo da sala, buscando um pouco mais da minha própria
solidão. Meus amigos ocupavam as cadeiras da frente, prestando atenção
na aula que tanto me esforçava para ignorar.
Encarei mais uma vez o relógio preso na parede descascada, e os minutos
hoje pareciam não correr em tempo suficiente.
A merda é saber que eles são tão quebrados quanto eu. Observei o
semblante do Lucas, e Isabella segurou sua mão.
Me concentrei na grande janela que dava acesso ao pátio porque,
especialmente hoje, não seria possível suportar a dor de mais ninguém.
O sinal finalmente tocou, Lucas se adiantou e ela se virou para mim
sorrindo, me esperando. Sempre fazia isso. Isabella se doava para os
outros.
Andei devagar, porque não conseguiria, nem se me esforçasse, seguir outro
ritmo.
— Posso saber por que o senhor não se sentou comigo hoje? — manteve o
sorriso brincalhão, enquanto passava seu braço pelo meu.
Sua mão resvalou na minha costela sem querer, e me controlei para não
fazer uma careta de dor, mas a respiração travada na garganta fez com que
sua atenção fosse direcionada ao local imediatamente.
Seus olhos verdes se expandiram um pouco e ela notou. O foda é que
Isabella prestava atenção demais nos outros.
— Lucas não parece bem hoje — tentei tirar o foco de mim.
— Lucas tem Valentina — me olhou séria. — Vamos pra minha casa.
Dei um sorriso de incredulidade, mas não discuti. Não adiantaria, de
qualquer forma.
— Vai tomar um banho, vou preparar nosso almoço. E volte sem a camisa
— ordenou assim que entramos.
Sustentei seu olhar e apenas segui suas ordens. Já havíamos passado por
coisas demais para esconder segredos desse tipo. Aliás, já mentia para
todo mundo, não precisava mentir para meus amigos também.
Fiz o que pediu, e quando voltei fui em direção à pequena cozinha para
ajudá-la.
A loira encarava os dois únicos ovos em sua geladeira com uma feição
pensativa, mas quando se virou em minha direção, sorriu.
— Vai ser sanduíche de ovo, um clássico — riu.
Minha vontade, apesar da barriga doendo há mais de vinte horas em jejum,
foi recusar. Seria só mais uma dor de qualquer forma, e Isabella não
precisaria passar fome à noite por minha causa.
Contudo, isso faria com que ela se irritasse comigo, e eu não estava no
clima de discutir com mais ninguém. Eu aproveitaria as únicas horas de
paz dos meus dias com meus amigos.
Ela preparou os ovos e tirou dois pães adormecidos de dentro do pequeno
armário bege. Eu sabia, com certeza, que sua próxima refeição seria
somente na manhã do outro dia, quando dona Ana voltasse do trabalho, e
era uma porra saber que sua vida era tão fodida quanto a minha.
Se dependesse de mim, Isabella teria o melhor do mundo. Não conhecia
alguém tão altruísta como minha amiga.
Assim que terminou de preparar os sanduíches, se virou e foi quando
realmente prestou atenção no meu corpo. Isso fez com que seu sorriso se
transformasse em uma feição de choro imediatamente.
Odiava quando fazia isso, odiava sentir raiva o tempo todo, e era Isabella
quem sempre me fazia sorrir, mesmo que somente na superfície. Então, suas
lágrimas sempre mexiam comigo.
Entretanto, ali em sua pequena cozinha, com o chão ainda em cimento e
paredes de tijolos aparentes, senti que poderia chorar com ela. Não com
meus problemas, mas por vê-la triste e saber que hoje eu seria o seu
motivo.
Quando somos crianças a gente chora alto para chamar atenção, mas
quando crescemos, passamos a chorar baixo para não explicar os
motivos.
— Não chora, anjo.
Ela colocou nossos pratos na pequena mesa de ferro e veio em minha
direção. Sei que queria me abraçar, mas com cuidado me conduziu até a
cadeira mais próxima e se virou para pegar a caixa de curativos, me
deixando sozinho por alguns instantes.
Isa passava a pomada em silêncio, e eu prestava atenção em suas lágrimas,
sentindo o peito doer por saber que sofria.
Levei meus dedos ao seu rosto, enxugando-as e mantendo a concentração
em seu semblante. Quando terminou, a trouxe para meus braços e ela me
abraçou com suavidade para evitar que eu sentisse dor com seu toque.
— Não consigo entender como uma mãe permite isso — me encarou triste.
— Não é possível.
Me mantive calado porque ela sabia os motivos e também sabia das
implicações, caso denunciássemos. Agora faltava pouco, de qualquer
forma.
Comemos em silêncio no seu sofá rasgado, cuja a estampa não era nem
mais possível ser definida, enquanto ela me fazia carinho com uma das
mãos.
Isabella era a garota mais bonita que eu havia visto. E isso não tinha nada
a ver com a beleza de seu rosto com traços finos ou em seu corpo esguio. A
garota seria facilmente uma modelo se quisesse. Porém, sua beleza maior
ficava no interior. Sua empatia não permitia qualquer competição com
qualquer outra que tivesse conhecido.
Lucas era um idiota por não perceber isso. Eu, em seu lugar, jamais
perderia tempo.
— O que foi, Pedro? — questionou com um sorriso assim que percebeu que
minha atenção estava nela e não no programa que se passava na tevê.
Amava seu sorriso, mesmo em dias tristes.
— Você é muito linda, sabia? — confessei, enquanto enrolava uma mecha
de seu cabelo macio em meus dedos.
— O que deu em você? — riu baixinho.
— Já beijou alguém, Isa?
— Claro que já. Que porra de pergunta é essa, Pedro? — mantinha um
sorriso suave, e me levantei de seu colo para aproximar nossos rostos.
— Acho que preciso de um beijo para melhorar esse dia de merda —
provoquei, mas era verdade. Eu queria realmente beijá-la.
— Ah é? — riu. — Mas é muito cara de pau.
— Deixa, Isa?
Encarei sua boca em formato perfeito de coração, rosinha e delicada. Para
minha surpresa a garota assentiu, me dando a permissão que precisava.
Confesso que não esperava por isso, e meu coração disparou no peito só
pela expectativa.
Não falamos mais nada, apenas me aproximei de seus lábios e fui. Senti
que ainda estava incerta se deveria corresponder, mas sua hesitação durou
pouco. Logo seguíamos um ritmo calmo e doce. Porque apesar da minha
pressa e do desejo que sentia por Isabella, se pudesse congelaria esse
momento para sempre.
Seu gosto era doce, assim como seus toques, tão suaves em um carinho
necessário que aquecia meu corpo e meu coração. Isabella passava tanto
amor e cuidado em seu beijo, como em qualquer outra coisa que fizesse.
Prolonguei o momento, retribuindo o amor que recebia.
Meu amigo era um idiota por não aproveitar isso. Se eu fosse o cara que
ela decidisse amar, me esforçaria todos os dias para fazê-la feliz. Porque
seus sorrisos sempre seriam a melhor parte dos meus dias.
Pedro havia retornado um dia antes do Brasil, e estava calado demais para
quem o conhecia.
Eu fingia assistir o programa que passava na tevê sem dar qualquer atenção
de fato ao aparelho, enquanto acompanhava seus movimentos irrequietos
pela sala.
Ele buscou um copo de seu whisky preferido e se sentou na grande poltrona
de couro caramelo à minha frente.
— Tá pronto para falar? — questionei, quando notei que sua atenção estava
voltada para mim.
— Precisamos conversar — quase sorri.
— Sou todo ouvidos — desci meus pés da mesa baixa à frente, imitando
sua postura.
— Preciso saber se sua intenção é ficar com a Isabella — arqueei a
sobrancelha em sua direção.
— Vai bancar o pai dela? — sorri.
— Não, só estou te avisando que vou interferir. Ela chorou por você de
novo e nossa vida foi merda demais para que, ainda agora, estejamos
sofrendo por coisas bobas.
— Coisas bobas? — sarcástico.
— É... Isabella te ama, você ama ela... os dois têm um filho... Por que não
esquece qualquer merda e ficam juntos de uma vez? Quatro anos se
passaram e você parecia andar com um pau no cu pra cima e pra baixo.
Agora tem a oportunidade de ajeitar as coisas e faz merda de novo.
Suspirei cansado. Saber que Isabella estava sofrendo me machucava de
maneiras que nem poderia mensurar. E imagino a semana que meu amigo
teve ao seu lado, assistindo sua dor.
— Pedro, não quero magoar a Is...
— É o seguinte... Nem precisava te fazer essa pergunta, mas vou fazer
mesmo assim. Você consegue viver sem ela? — me encarou. — Consegue
vê-la com outra pessoa?
Imaginar Isabella com outro seria impossível.
— Estou te avisando que vou interferir. Se nos próximos dias você não
conseguir se convencer que não pode viver com ela, eu vou interferir. Vou
sair de trás da cortina, e lutar por ela.
Levantei meu rosto e o encarei sério.
— Não entendi.
— Claro que entendeu — mantinha o tom baixo, mas a seriedade das
palavras e de sua postura não deixavam margem para dúvidas. — Eu deixei
o caminho livre por você, porque ela sempre te amou e sei que sabe disso.
Sei também que você é um cara foda e que poderia fazê-la feliz. Então, saí
de cena, mas acabou acontecendo um bocado de merdas, e você fica nesse
ciclo de egoísmo, remoendo o passado e magoando quem te ama.
— Por que não me contou? — não conseguia ficar mais sentado.
Pedro era meu melhor amigo. Aliás, Pedro era o filho preferido da minha
mãe. Esse é o tipo de amizade que temos. Saber agora que sempre foi
apaixonado pela Is é como arrancar meu chão.
— Senta esse caralho dessa bunda aqui. Para de andar de um lado pro outro.
— Eu não teria ficado com ela se soubesse.
— Quando vai perceber que não dá para escolher de quem gostamos,
Lucas? Quando vai perceber que não havia competição entre a gente,
porque ela te escolheu? — disse calmo. — Então, me fala que vai amá-la
como ela merece, porque se você não for, eu vou. E eu te juro que vou fazer
ela esquecer de você e não terá uma porra de um dia que eu vá fazê-la
chorar. Te prometo que todos os dias ela terá motivos para sorrir. Se você
não pode se comprometer com uma promessa como essa, é a sua vez de sair
de cena.
Se Pedro tivesse me falado isso há anos atrás, jamais teria me envolvido.
Contudo, agora não dava mais... Apesar da mágoa, eu amava a Is. E agora
não consigo mais abrir mão dela nem mesmo por ele. Que porra!
— Eu sinto muito, irmão. Mas não posso abrir mão dela.
Seus olhos se encheram de lágrimas e tenho certeza que os meus estavam
exatamente iguais.
— Então, faz ela feliz. Faz a mulher que cuidou de nós a vida toda feliz,
Lucas. Porque eu não suporto mais sofrer por nada.
Seus lábios tremeram e eu puxei seu corpo para mim, abraçando meu amigo
com toda a força que eu tinha.
Ninguém merecia mais amor do que ele, nem mesmo eu.

4 anos antes...

Observei com atenção seu sorriso calmo, enquanto ainda permanecíamos


deitados na minha cama. Já não sabia dizer quanto tempo estávamos
assim, aconchegados um no outro, entre carinhos e carícias sem propósito,
nada além de apenas nos sentir.
Minha vida estava mudando e a única parte descomplicada era ela.
— Acho melhor levantarmos dessa cama e prepararmos alguma coisa para
jantar — propôs.
Beijei seu ombro exposto.
Era isso, não era?
Eu a amava há tanto tempo, que agora nem conseguia distinguir sequer
quando começou. Talvez sempre estivesse lá e apenas não queria mudar o
que, para mim, era perfeito. E eu estava absurdamente, paradoxalmente
errado. Nada além disso seria perfeito.
Continuei a linha de beijos por seu pescoço, a sentindo estremecer com o
contato. Alcancei seu ouvido e o mordisquei de leve.
— Te amo — declarei, e seus olhos se iluminaram, quase transbordando as
lágrimas que se encheram neles.
Ela me amava...
Sua boca imitou minha declaração sem emitir qualquer som e a beijei com
calma, porque Is exigia serenidade. Não importa o tesão que estivesse,
Isabella sempre pediria sensações.
Continuei meu percurso pelo seu corpo, até alcançar seus seios.
Será que me cansaria disso?
— Lucas... — riu. — Não vamos transar novamente, não é? Temos que
fazer o jantar...
Gemeu a última nota assim que alcancei seu bico, intumescido[17] de
desejo, e lambi com suavidade.
Amo seus sons, por isso continuo meu percurso pelo seu ventre, púbis, até
alcançar sua boceta, já preparada, abocanhando com vontade. Ouvindo
meu nome sair de seus lábios como um pedido. Um que vou atender com
toda a certeza.
Me dedico a toques suaves até sentir que se desfaz em minha boca,
enquanto agarra meus cabelos como se fosse necessário me prender ali
para não fugir.
Não vou parar, meu amor.
Quando minha Is goza é digno de apreciação, e eu tomo um tempo a
assistindo se perder em sua própria consciência.
Me perco nela assim que invado seu corpo em um deslizar gostoso,
sentindo ainda suas contrações. Sem pressa, sem tempo, apenas sentindo
seu corpo, seu beijo, sua entrega. Ela.
O orgasmo virá, sempre vem... Mas até lá… até lá vou amá-la com calma.
Acessei o hall de entrada do apartamento dos garotos, e me dei conta do
quanto realmente eram ricos agora. E eu já deveria ter desconfiado quando
um motorista nos buscou no aeroporto, mas sou muito desligada. O carro
era bonito e parecia caro, mas assim que as portas do elevador se abriram
revelando o espaço, quase deixei minha boca abrir.
A imagem à frente era intimidadora. Um bom exemplo disso foi a mãozinha
do meu filho apertando a minha, assustado, como se a mera cena o afetasse.
Sabia seguramente que o prédio tinha cerca de um apartamento por andar,
não estávamos na cobertura, mas ainda assim o cômodo era privativo e
imenso. Havia uma mesa em pedra no centro com uma escultura quase do
meu tamanho de algo que nem saberia dizer do que se tratava. Muitos
aparadores, algumas poltronas e portas, que creio que sejam um tipo de
armário para casacos e sapatos. No centro, estava uma porta dupla adornada
gigantesca, e é a única que apostaria ser a que dava acesso ao apartamento.
— Senhora, me acompanhe por favor.
O motorista nos conduziu por um corredor, que jamais poderia ser descrito
como nada além de suntuoso. O chão era de uma pedra rajada, que me
lembrava café e muito leite cremoso. As luzes faziam com que brilhasse
tanto que, por curiosidade, queria tocá-lo.
Gabriel caminhava em silêncio ao meu lado, prestando atenção na galeria
de arte pendurada nas paredes. Nada aqui parecia remotamente ter sido
escolhido por eles.
Acessamos a sala e, em uma avaliação bem rápida, caberia minha casa
inteira ali, os dois andares. E eu não fazia ideia do porquê duas pessoas
precisariam de três jogos inteiros de sofás e uma mesa em madeira com
doze lugares. Era demais, e tinha tantas coisas, plantas, esculturas,
aparadores, mesas, tanto de tanto, e ainda assim parecia de extremo bom
gosto.
— Finalmente chegaram — Lucas apareceu com uma senhora que
aparentava ter cerca de cinquenta e poucos anos, vestida como uma
empregada do núcleo rico da novela das oito deveria andar. — Como foi de
viagem, filhão?
Pegou Gabriel no colo, que sorriu pela primeira vez desde que chegamos,
assim que foi beijado pelo pai.
— Não tive medo, papai — falou orgulhoso, e sorri com a carinha que fez.
Lucas olhou para mim.
— Ocorreu tudo bem — garanti.
— Senhor, senhora, irei buscar as malas e colocá-las nos quartos — o
motorista avisou, e era tudo tão formal.
— Isabella, essa é a Maria, nos ajudará com Gabriel — a senhora tinha
cabelos pretos bem amarrados em um coque apertado e olhos castanhos
gentis.
— Oi amiguinho, vamos conhecer seu quarto? — convidou, e claro que a
criança curiosa quis descer do colo do pai imediatamente para acompanhá-
la.
Os dois foram se conhecendo em uma conversa animada, enquanto Lucas e
eu seguíamos em silêncio atrás, pelo imenso corredor que dava acesso à
parte interna do lugar.
Assim que a porta do quarto do meu filho foi aberta, meus olhos se
inundaram de lágrimas.
Lucas mandou fazer um quarto perfeito para uma criança. Passava a
sensação de estarmos entrando em um jardim. Replicou o céu, e a cama era
como se fosse uma espécie de casa na árvore. Haviam muitos brinquedos e,
no canto próximo ao que imagino ser um banheiro, havia uma caixa de
areia colorida. Ele pensou em cada detalhe que uma criança pudesse gostar.
Parede de escalada, pontes, era enorme. E eu havia privado nosso filho de
ter tudo aquilo.
Gabriel abriu tanto os olhos, assim como sua pequena boquinha, fazendo
um ozinho, que meu coração doeu.
— Mamãe...
— É tudo seu, amigão — seu pai incentivou, e meu menino olhou para mim
buscando a confirmação de que aquilo era real.
Assenti para lhe dar a autorização que precisava, e o assisti correr de um
lado para outro, conhecendo cada cantinho, sendo seguido por Maria.
— Quer conhecer o restante? — me convidou, depois de um tempo em que
nos mantivemos apenas observando. — Tem muita coisa para ver e eu
duvido sinceramente que ele vá notar nossa ausência agora — concluiu com
um sorriso.
Estendeu a mão e lhe dei a minha, deixando que me guiasse para fora do
cômodo.
— Esse é o quarto do Pedro — explicou assim que abriu o primeiro quarto.
Eu sorri, porque se não me contassem a quem pertencia, eu saberia
exatamente de quem se tratava. Tudo aqui era perfeitamente a cara do meu
menino obscuro.
O chão, os móveis e até os lençóis da cama eram pretos, e só não pesava o
ambiente porque todas as paredes eram brancas. Os móveis eram modernos,
arrojados, e a cama tinha dosséis imensos, bem românticos.
— Se fosse vermelho, falaria que nosso amigo é o Sr. Grey — falei
divertida, e Lucas concordou.
— Ah, ele é. Tá vendo aquela porta ali? — apontou. — Esse é o acesso das
mulheres que vêm dormir aqui, e ele não deixa que circulem pelo
apartamento.
Dessa vez deixei o queixo cair, mas quem seria eu para julgar? Não morava
mais com eles. Eram ambos solteiros e faziam o que bem entendessem de
suas vidas.
— Vem.
Bem, se o quarto do Pedro era exatamente a sua cara, o do Lucas era
exatamente a minha, por falta de palavra melhor.
Tudo era claro, branco e caramelo bem clarinho, que harmonizavam
perfeitamente. A cama ficava virada para uma parede toda de vidro, e o
motivo estava bem ali, exibindo o pôr do sol esplêndido daquela tarde.
Haviam plantas e flores em vasos, todas reais e plantadas.
A cama era imensa, e parecia muito macia daqui de longe. Tudo era grande,
espaçoso e muito bem decorado. E, inocentemente, acreditava que o quarto
“luxuoso” do hotel em que ficava era pomposo.
Absorvia com cuidado cada detalhe, e quando me virei para a esquerda vi a
única parte da casa que provavelmente foi escolhida por eles. Uma parede
repleta de fotos, em molduras de tamanhos diferentes, e todas nossas. Nossa
infância, adolescência e juventude contadas aqui. Me emocionei na hora.
Me aproximei com cautela, tocando de leve para saber se eram de fato reais.
Haviam também novas fotos, muitas do nosso filho. Fotos que sequer
saberia dizer quando foram tiradas. Minhas com ele brincando, minhas
sozinha fazendo algo ou observando alguma coisa que não foi enquadrada
na imagem.
— Vem? — me puxou mais uma vez para uma das portas que davam acesso
a um closet gigantesco. — Essa parte aqui jamais foi ocupada, sempre foi
sua.
Me virei em sua direção e ele me puxou com suavidade para dentro de seus
braços.
— Pode me perdoar, Is?
Observei seu rosto vulnerável e lamentei por ter sido idiota todo esse
tempo.
— Me perdoa, Is? Me perdoa por ser um cara que se apega a rotinas e que
tem medo do novo, e por isso não enxerguei o quanto sempre fui
completamente apaixonado por você. Porque é isso, você sempre foi e
sempre será a minha pessoa favorita. Mas fui idiota demais em pensar que
éramos tão perfeitos juntos, que um envolvimento assim acabaria com a
única coisa especial que tinha. E eu estava tão enganado — seus olhos se
encheram de lágrimas, e sorri emocionado. — Eu estava profundamente
enganado, porque te ter é a melhor coisa que já me aconteceu. Me perdoa,
Is? Porque se não conseguir, eu sinceramente não sei o que fazer com
minha própria vida. Não quero passar mais um minuto sequer sem estar ao
seu lado. Já está mais do que provado que sem você sou apenas um
moleque perdido.
Busquei a caixinha que estava no bolso de trás da calça, sentindo a voz
começar a falhar. E em um movimento tão velho quanto o mundo, me
ajoelhei à sua frente, exibindo a joia que carregava comigo. Isabella levou a
mão ao peito e sorriu.
— Me deixa ser seu primeiro bom dia e o seu último boa noite? Quero
poder adormecer sentindo seu cheiro e me sentir em casa, porque ninguém
além de você e meu filho me trazem essa sensação. Casa comigo, Is?
Estava tão nervoso que sentia meu coração bater na garganta, mas valia a
pena. Isabella sempre valeria a pena.
— Lucas... — disse por fim. — Tem certeza disso?
Eu sorri.
— Eu não tenho certeza se amanhã conseguirei fechar mais uma parceria e
expandir os negócios, mesmo sabendo de todo seu potencial. Não tenho
certeza se hoje não irá chover no final do dia, mesmo que a meteorologia
tenha afirmado que o dia será quente e livre de chuvas. Não tenho certeza
de muitas coisas Isabella, mas nunca de você. Você sempre será minha
certeza absoluta. Eu errei tanto, te fiz chorar tantas vezes... Me deixa te
fazer feliz? Porque não posso te prometer que daqui pra frente não irei te
magoar mais uma vez, mas te prometo que minha prioridade sempre será
você e nosso filho.
— Eu te amo há tanto tempo, Lucas — se ajoelhou à minha frente. — Nada
me faria mais feliz do que estar ao seu lado e construir a família que já
temos. E por mais racional que eu seja, você sempre será meu eterno sim.
Ela disse que aceita? NÃO BRINCA COMIGO, IS...
— Me fala com todas as palavras que quer tomar o que já é seu, Isabella.
— Sim, Lucas — sorriu, e era um sorriso lindo. — Eu aceito ser sua esposa.
Pulei a parte em que colocava o anel de brilhante em seu dedo e apenas a
puxei para colar nossas bocas, a beijando com euforia e desejo. Nenhum
momento até hoje se compararia a isso.
Nosso beijo aos poucos foi perdendo velocidade, porque sabíamos que para
nós a velocidade jamais seria importante. Era preciso congelar o tempo e o
momento, aproveitar cada segundo... Porque nenhum espaço e tempo
seriam suficientes para amá-la como merecia. Isabella exigia amor e quem
era eu para discordar, se meu coração sempre foi seu.
Antes dela acreditei ter amado Valentina. Jamais haveria comparação.
[...]
A observava deitada de bruços no lado oposto da cama, completamente nua,
embolada nos lençóis de seda brancos, contemplando a paisagem que se
estendia à frente.
O pôr do sol tingia as paredes do quarto com uma tonalidade alaranjada
suave, trazendo uma cor dourada aos lençóis. Precisava de um minuto
inteiro somente para absorver com calma a cena disposta.
Linda, com seu olhar distante, um sorriso suave e seus longos cabelos
caindo em cascata por seu ombro direito. E essa era uma imagem que me
recordaria por toda minha vida e se possível pela eternidade, porque esse
era o tanto de amor que sentia por ela.
Com o tempo aprendemos que momentos assim são importantes. Por mais
que se repitam, jamais serão remotamente iguais. Não há como replicar
sentimentos ou sensações. O agora não será igual. Por isso, vou aproveitar.
Me junto a ela, deitando do lado errado da cama, mas que nesse momento é
o certo, e encaro seu olhar vítreo, de um verde tão claro provocado pelo sol
que parece irreal.
— O que está fazendo? — pergunta, se deitando de frente para mim,
buscando no meu olhar um sentido.
— Eu te amo — ela sorri.
— O que deu em você? — passo meus dedos na pele macia de seu rosto.
— Não te falei que te amo o suficiente, e sei que não falarei o bastante. Eu
te amo, Is.
— Eu te amo também, Luc — a beijo com calma.
— Eu sei.
— Sabe? — confirmo com a cabeça, a trazendo para montar em meu colo.
— Pedro tinha razão... Você deve ser um anjo mesmo — encaixei nosso
corpo e gememos juntos com o contato. — Porque nesses momentos, sinto
como se fosse possível tocar o céu.

— Fala, Pedrão... Está por onde? — Perguntei assim que me atendeu.


Estávamos em uma batida frenética, fechando parcerias por toda a Europa.
Aproveitamos o período em que a Is chegou em Portugal para expandir os
negócios, já que não era necessário ir ao Brasil de quinze em quinze dias,
como estávamos fazendo.
— Fala aí, irmão? Estou me preparando para o jantar com os
dinamarqueses.
— Faça direito.
— Sempre faço — falou, e sorri. Seria um sucesso, tenho certeza. Sempre
levou mais jeito do que eu para fechar acordos. Esse era seu dom.
— Preciso te contar uma coisa — fiz uma pausa, porque sei como se
sentiria. — Eu fiz o pedido, e ela aceitou.
Seguiu um silêncio. Está processando a informação.
— Que boa notícia, Luc. É bom saber que tomou vergonha na cara e será
feliz — suspirou. — Faz ela feliz, Lucas — pediu.
— Te prometo.
Era o mínimo que poderia garantir a ele.
Trocamos mais alguns assuntos, até finalmente desligarmos a ligação.
Pedro iria sofrer, não tenho dúvidas. E eu somente torcia que fosse por
pouco tempo. Que ele achasse uma Is somente para ele. Porque sempre
seria o cara mais foda que já conheci.
— Papaiii — o pensamento foi interrompido pelo meu moleque.
— Oi, meu amor.
— Brinca comigo.
— Sempre, filho.
E minha atenção seria o bem mais precioso que poderia ter. E por horas eu
me dediquei ao meu menino, que era tão especial quanto sua mãe. Nesses
momentos, eu sentia uma falta filha da puta do meu pai.
Passeamos no parque e tomamos sorvete. Eu curti cada momento com ele.
Porque sabia, mais do que qualquer um, que a vida muda muito rápido, e
que cada momento é precioso demais.
I can't make you love me - George Michael

Acabei de vestir minha jaqueta de couro preferida, quando ouvi dois toques
na porta.
— Entra.
— Oi, grandão — Isabella entrou no quarto, e sua postura deixava claro o
quanto estava receosa. — Vim te ver, porque aparentemente está me
evitando.
Estava mesmo. Entretanto, não pelo motivo que acreditava. Cheguei de
viagem e levei o Gabriel para um passeio pela cidade por todo o dia. Adoro
aquele garoto, por isso não percebi o tempo passar, e agradeci imensamente
por isso.
— Não estou. Por que acha isso? — ela se sentou na minha cama.
— Acho que por conta da última vez que nos vimos.
— Já estamos grandinhos para não saber que estávamos zoando com a cara
um do outro, Isa. Relaxa.
Me lançou um olhar de quem dava pouco crédito e me juntei a ela na cama.
— Não quero que as coisas fiquem estranhas entre nós, Pedro. Não vou
perder mais nenhum amigo.
— Não vai mesmo. Não sairei de sua vida — garanti, com um beijo em sua
bochecha.
— Está se arrumando para sair? — se deitou na cama, e absorvi o impacto
da imagem.
— Bem... estava, mas está com a carinha de quem não quer ficar sozinha —
sorriu. — Então, estou pensando em mudar os planos e sairmos pra jantar, o
que acha?
— Não te mereço.
— Anda — dei um tapa na sua perna, já me levantando. — Vai se arrumar e
coloca aquele vestido preto que te dei.
— Não quero que fique me dando presentes, Pedro — ralhou, e sorri.
Apontei para a porta.
— Discussão sem futuro. Eu vou te dar o que me der na telha. Eu vou fazer
da sua vida um inferno de roupas novas e joias, vou te levar para os
restaurantes mais chiques e caros. Nossa juventude ficou para trás, anjo.
Não precisava mais de explicações. Nossa infância e adolescência foram
um pesadelo, e no que dependesse de mim, Isabella teria somente o melhor.
Ela se levantou, me deu um beijo no rosto cheio de significado e saiu para
se arrumar.
[...]
O restaurante era bem requintado. Uma banda tocava músicas românticas e
todo o lugar estava em uma penumbra agradável.
Os lustres de cristais, as mesas ornadas com linho branco e arranjos de
flores a deixariam desconfortável. A quantidade de talheres e taças na mesa
também reforçaria o fato de que não está acostumada a frequentar lugares
como esse. E no que dependesse de mim, mudaria isso bem rápido.
O maître[18] nos conduzia aos nossos lugares, e Isabella olhava assustada
para cada canto do restaurante. Certamente com receio de esbarrar em algo
ou fazer alguma grande besteira, ainda me lembro dessa sensação. O que
precisava entender é que merece tudo de melhor que a vida pode
proporcionar. Não há motivos para se sentir deslocada.
— Meu Deus, por que me trouxe aqui? — expandiu os olhos, assim que
fomos deixados a sós. — Nem sei que talher usar. Vou fazer besteira.
— Já está fazendo — a encarei divertido. — Se você quiser comer com a
mão, é só me dizer que também faço — pisquei.
— Você não existe.
Aos poucos foi se soltando e relaxei. O vinho ajudou, e depois da segunda
garrafa nem reclamava mais do preço das coisas. Eu amava sua companhia,
a forma especial que deixava tudo leve. Conversamos sobre os negócios, os
novos contratos, sobre seu noivado e, por fim, como ela e Gabriel estavam
se adaptando a cidade.
— A comida é boa, o lugar é lindo, mas gente rica é estranha — olhou em
volta. — O cantor se matando ali e ninguém dá atenção.
— Tem razão — me levantei e estendi a mão. — Vamos dançar, porque sei,
que é isso o que quer.
Isabella adorava dançar, isso sempre a fazia rir. E, particularmente, gosto de
assisti-la feliz.
— Tá maluco? — disse nervosa. — Senta agora.
— Não, não... Vem logo.
— Não sei o porquê de ainda perder meu tempo com você e com o Lucas,
nunca me ouvem... — reclamou, mas se levantou mesmo assim, me
acompanhando até a pista.
— Vamos mostrar a essas pessoas como apreciamos cada coisa que
recebemos, porque fomos fodidos demais para não dar valor a tudo —
busquei sua cintura e comecei a nos embalar no ritmo da canção suave.
Ela apenas se calou, recostando sua cabeça em mim, e começou a seguir
meus passos.
Não conhecia a letra mas, à medida que a canção avançava, me dava conta
que não poderia escolher uma trilha sonora melhor para o momento.
'Cause I can't make you love me if you don't
I'll close my eyes then I won't see
The love you don't feel when you're holding me
Morning will come and I'll do what's right
Just give me till then to give up this fight
And I will give up this fight
Encarei seu rosto bonito. Ela mantinha os olhos fechados, apenas curtindo a
melodia. E vê-la assim em meus braços, tão entregue, fez com que minha
garganta travasse.
Isabella jamais seria minha. Eu queria que fosse feliz, mas por algum
motivo agora parecia bem difícil. Parecia definitivo demais.
Talvez fosse mais fácil me afastar. Contudo, essa era uma batalha perdida
há muito tempo. A mim restava somente garantir que ficasse bem. Se ela
me pedisse para ficar, eu ficaria.
Eu continuaria a fingir e tentaria convencer a mim mesmo de que seria
possível suportar. Por ela.
Nunca tive inveja do Lucas por ter o seu corpo, mas isso não se aplicava ao
seu coração.
Perder Isabella seria a coisa mais difícil, mesmo diante da história que tive.
Tudo isso era nada, se comparado.
Vai ficar tudo bem. Por ela.
Me apegaria a momentos assim. Quando seu abraço ainda me conforta,
quando seu sorriso me deixa feliz e atenua somente um pouco a dor.
Quando sei que sou amado, mesmo que não seja da forma que gostaria.
Se fosse outro dia, a rodaria somente para vê-la sorrir. Entretanto, hoje não.
Hoje a prendo em meus braços, com medo de soltá-la de vez. Me agarro a
esse breve instante efêmero, antes que vire fumaça entre meus braços e não
consiga mais alcançá-la.
Seja feliz, meu Anjo.
— Cunhadinho... — a voz da mulher que particularmente odiava nos
arrancou de nossa bolha. — Não sabia que tinha alguém especial.
— Oi, meu nome é Isabella — Isa se apresentou, alheia de quem se tratava.
Paula, e sua total falta de limites.
— Ah meu Deus... Is? — cantarolou animada. — Mas essa história está
cada vez melhor. O que não daria agora para ver a cara do Lucas e saber
que estão apaixonados — gargalhou.
— Paula... — a alertei.
Isabella me olhou confusa e assustada.
Encontrar essa mulher sempre seria um pesadelo.
— E não é uma ironia do destino? — os olhos azuis da morena chegavam a
crispar de interesse.
E ela mais parecia uma daquelas vilãs ricas e belíssimas de um filme clichê
ruim. Sempre soube que o Lucas não possuía qualquer senso de julgamento
de caráter alheio. Vivia salvando a pele daquele imbecil.
— Vamos, grandão? — Pedro, que até então estava com uma cara
amarrada, pronto para um embate, me olhou confuso com um breve
lampejo de diversão nos olhos e sorriu. — Uma preguiça de gente chata.
Me virei e puxei sua mão para que me acompanhasse. Minha vida já
possuía dramas demais para escolher passar por mais esse.
Paula que lidasse com seus próprios problemas.
Eu hein, preguiça. Vou bater boca nada.
— Não acredito que fez isso — se virou para ver a mulher que deixamos
para trás. — Ela está furiosa — riu.
— E eu satisfeita com o jantar. Vamos?
— E sou eu que não existo — me puxou para seus braços, sacudindo a
cabeça como se ainda não acreditasse na cena que protagonizamos.

Observei o rostinho do Gabriel completamente sujo de farinha e sorri. Ele


adorava esses momentos de bagunça, o bolo era somente um pretexto. Nós
dançávamos enquanto colocávamos os ingredientes, item por item, para a
mistura de chocolate.
A vida não poderia estar melhor. Como poderia?
— Mamãe? O telefone... — avisou, e encarei o aparelho que tocava em
cima da bancada.
Assim que o peguei na mão, a ligação encerrou. Três chamadas perdidas.
Observei o nome do Lucas e retornei, somente para ouvir a gravação
informando que o aparelho estava fora da área de cobertura.
Era impossível não sentir saudade, meu peito sempre doía. Já fazia dois dias
que não nos víamos, e as conversas por telefone jamais seriam suficientes.
Talvez fosse apenas por causa dos anos em que não estivemos juntos, mas
cada tempo contava por agora. Contudo, sobre essas viagens, nada de fato
poderia ser feito a respeito. Novas parcerias se seguiram com êxito e cabia a
mim apenas aceitar que uma hora ficaria sem Lucas, outra sem Pedro. Eu
contava cada minuto para que esse período tivesse fim.
Novamente a chamada iniciou e finalizou antes mesmo que eu pudesse
atender.
Assim que decolamos eu sabia que seria uma viagem difícil. Alguma coisa
no meu peito estalava com uma sensação, uma daquelas que não sabemos
dizer bem o que é, mas incomoda mesmo assim.
Falta posição, falta paciência, falta ar, sobra dor no peito e uma dor de
cabeça filha da puta que não cessa.
Um voo difícil. Uma tempestade seguia lá fora e era impossível ter qualquer
visibilidade ou noção de onde estávamos. O pouso estava atrasado, deveria
ter ocorrido há mais ou menos trinta minutos atrás, mas não saberia precisar
exatamente. E agora, o tempo parecia ser importante. A turbulência deixava
todos apreensivos. Poderia fazer uma piada ruim, enquanto observava uma
freira duas fileiras à frente rezando, mas a verdade é que nunca estive com
tanto medo como agora.
— Senhoras e senhores passageiros, é o comandante quem vos fala.
Tivemos uma pane de desorientação nos nossos sistemas de bússola.
Estamos com nosso combustível já no final, com autonomia de quinze
minutos aproximadamente. É importante que mantenham a calma, porque
uma situação como essa realmente é muito difícil de acontecer. Deixamos a
todos a esperança de que isso não passe apenas de um susto para todos nós.
Muito obrigado pela atenção, e tenham todos um bom final.
O comandante anunciou e alguns segundos se seguiram em completo
silêncio. Senti um zumbido agudo no ouvido. Era difícil compreender as
palavras, ou sequer compreender se foi possível entender direito todo o seu
conteúdo, mas assim que o peso do que foi dito foi absorvido por todos,
seguiu-se um completo caos.
Fechei meus olhos. Não tinha mais tempo...
— Quer ser meu amigo? — a menina loira perguntou com um sorriso no
rosto tranquilo.
[...]
— Eu te amo... — disse a ela, enquanto estávamos deitados na cama, entre
os lençóis macios.
Não tinha mais tempo...
Peguei o telefone, sentindo as mãos trêmulas. Respirei fundo.
Ela não estava perto do aparelho. Chama, chama e não consigo ouvir sua
voz.
Deixo uma mensagem antes do sinal finalmente cair, talvez seja melhor
assim.
Te amo, Is.
— Atenção tripulação, preparar para o pouso forçado.
Encarava o telefone, sentindo a adrenalina correr por todo o meu corpo.
Ainda assim, não conseguia sequer me movimentar.
Parecia surreal demais, parecia que meu peito iria explodir e que não
aguentaria a dor dessa vez...
Me obriguei a respirar devagar, secando as lágrimas que se seguiram em
silêncio.
Não é real, não é real, não pode ser real.
A respiração travou na garganta, causando tontura e trazendo a bile à boca,
e obriguei o ar a sair aos poucos.
Isa...
Preciso manter a calma, preciso manter o foco, por ela e por Biel. Segurei a
chave do carro entre os dedos, já discando...
— Maria, preciso que tire o Gabriel de casa agora. Não fale nada com a
Isabella. Pega ele e passem a noite em um hotel. Não o deixe ver televisão
ou ouvir o rádio. Sai daí agora — falei rápido assim que atendeu.
Pisei no acelerador.
Precisava correr contra o tempo.
— Deixa comigo, senhor Pedro — respondeu, e agradeci por sequer
questionar a urgência do pedido.
[...]
Cruzei a porta da cozinha sentindo meus músculos rijos.
Isabella encarava a televisão em silêncio. Não precisava observar a tela para
saber seu conteúdo.
Sem sobreviventes... É o que dizia a faixa vermelha com letras brancas.
Sua atenção foi para a tela do aparelho do celular em sua mão e em seguida
retornou para a televisão.
Me aproximei com calma, a puxando para meus braços.
— Ele acabou de me ligar — seus olhos buscaram os meus. Frágeis. — Me
fala que ele não embarcou, me fala que ele não estava lá.
— Sinto muito, Anjo — ouvi seu choro romper a garganta. — Eu sinto
muito.
Let It All Go - Birdy, Rhodes

— Oi, amor. O que vou te pedir agora não será fácil — ouvi seu suspiro,
com uma breve risada no final. — Me perdoa, porque te farei chorar mais
uma vez. E eu não queria, amor. Me perdoa, Is? — sua voz embargou. —
Não tenho tempo... Preciso que fale para minha mãe que a amo. Preciso
que fale para meu filho todos os dias que ele foi meu melhor presente e que
o amo demais. Me promete, Is? Merda! Sei que o Pedro tomará conta de
vocês dois e que jamais ficarão sozinhos, mas aquele cabeça dura também
precisará de você. Ele finge que é forte, mas sabemos que, de nós, é o mais
sentimental. Fala pra ele que o amo, diga a ele que foi um privilégio tê-lo
em minha vida. Is, precisa repetir as palavras exatas: que ele precisa ser
feliz, precisa correr atrás do que ama, porque a vida é muito curta. E eu
não tenho mais tempo...
Pude ouvir o seu choro, enquanto tentava se acalmar para prosseguir.
— Você é meu último pensamento, amor. Eu te amo demais e isso não
acaba...
E o nada... o completo silêncio que gritaria a sua ausência para sempre.
Perdi as contas de quantas vezes ouvi esse áudio, somente para matar a
saudade. Somente para tê-lo um pouco mais.
Dezoito meses. Quinhentos e quarenta dias. Doze mil novecentas e sessenta
horas. Quarenta e seis milhões seiscentos e cinquenta e seis mil segundos.
Às vezes parece muito, mas a dor não atenua em nada.
Uma coisa engraçada é o tempo. As pessoas cismam em dizer que ele cura
tudo, até as mais duras perdas se amenizam com o seu passar. O que não
percebem, no entanto, é que quando menos esperamos, estamos sem ele.
Deixamos de ter aquele último adeus, a chance de dizer o que realmente
sentimos e coisas realmente importantes. Ocupamos nossas cabeças com
coisas inúteis: se realmente trancamos a porta do carro, se deixamos a
janela aberta... e, de repente, nada disso faz mais sentido.
Meu tempo agora é marcado por pequenas coisas. Quando me obrigo a
fingir que sou forte... quando preciso levantar da cama e continuar pelo meu
filho. Quando continuo seguindo por ele e por Pedro. Quando vou à terapia,
quando malho com Pedro todos os dias em que está em casa, quando me
obrigo a comer, ou até quando sorrio mesmo sem vontade, quando
continuamos saindo e fingindo seguir em frente.
Você pensa que com sua dor o mundo vai parar para te esperar; não vai...
ele continua normal e você continua acontecendo para o mundo, na mesma
engrenagem que antes, porém diferente.
Não é fácil, talvez nunca seja.
Eu amo meu filho. Gabriel é inquestionável e até isso me enche de culpa.
Porque no final, Lucas tinha razão... Nenhuma criança merece passar por
essa dor. Nenhuma!
Ele não precisava se sentir culpado por isso e tenho certeza absoluta que era
exatamente o que aconteceria. Lucas viveu seu maior medo, a sua ausência
na vida do seu filho. Talvez ele sempre soubesse.
Não era culpa de ninguém, mas ainda sentia que era minha. Não importa
quantas vezes a terapeuta insistisse em negar.
Eu quis voltar para Blumenau, Pedro não deixou. Ele perguntou se gostaria
de mudar de casa, respondi que não faria diferença.
Não fazia diferença alguma, nada que eu tentasse, nada que eu fizesse.
Nada!
[...]
Despertei sentindo a cama afundar com seu peso.
— Fugiu de seu quarto novamente? — questionou, assim que me aninhei ao
seu corpo.
Depois do Lucas, era difícil não me preocupar com suas viagens de
negócios. Pedro e eu nos aproximamos de uma forma impossível, como se
isso fosse possível. Ele não falava, mas sabia com alguma certeza que,
assim como eu, tinha medo de me perder, de ficar longe da gente por muito
tempo. Nos tornamos aquelas pessoas carentes, que precisam uns dos
outros. Que se despedem direito todas as vezes, porque bem sabemos que
pode ser a última. Falamos que nos amamos, nos abraçamos e curtimos
ficar juntos. Gabriel, Pedro e eu... somos tudo o que restou de nossa família.
Tia Vilma aparece nas férias, é sempre difícil para ela também,
principalmente para ela.
— Gosto mais de sua cama do que da minha. Especialmente quando está
fora. Gosto de sentir seu cheiro nos lençóis. Durmo melhor — garanti, me
aproximando de seu pescoço, sentindo o cheiro gostoso de sua loção pós-
barba. Agora me apegava a tudo, a cada pequeno detalhe.
Ele apenas me abraçou forte e me deu um beijo no rosto. Não precisava
dizer mais nada. Pedro sabia.
Você pode imaginar como é o luto, pode pensar a respeito, pode sentir
empatia e até se compadecer pelo outro. Mas eu te garanto, você não sabe
absolutamente nada. Isso se não tiver vivenciado.
Os profissionais dizem que são cinco estágios principais:
O primeiro é a negação e isolamento. Passei por isso assim que recebi a
notícia, a dor é como tivessem me rasgado a sangue-frio, de dentro para
fora. Aliás, qualquer dor física seria recebida de bom grado.
Depois, tudo o que é possível sentir é raiva, pela vida, por Deus. Até
mesmo por Lucas ter me deixado aqui, precisando seguir sem ele.
Aí vem a barganha. Quando acreditamos que qualquer coisa seja possível, e
nos agarramos à crença. Fiz muitas orações pedindo para despertar do
pesadelo que se tornou a minha vida.
Devo estar agora no quarto estágio, o da depressão. Porque quando aquele
avião caiu, quem morreu fui eu.
E parece que o quinto e último estágio, o da aceitação, não vai chegar
nunca. Me tornei aquela pessoa egoísta, que quer desistir de tudo, mesmo
sabendo que não é possível.
No dia treze de agosto minha vida mudou. Uma parte importante minha foi
arrancada de mim e fiquei incompleta, insuficiente.
Não acredito em alma gêmea, não acredito na vida após a morte, não mais...
Mas se essas coisas realmente existissem, acho que seria assim o
sentimento da perda.
A dor te cega.
Não é estranho o fato de uma pessoa não existir mais?
Passei semanas encarando a porta, esperando que ele cruzasse por ela. Nos
filmes, os mocinhos voltavam. Por que minha história deveria ser diferente?
Entretanto, não tive a sorte de que tudo não passasse de um susto. No lugar,
eu velei uma foto com o caixão vazio, exatamente como me sentia.
Dói demais... e sempre.
Descobri que o pior dia do luto não é exatamente quando somos avisados
sobre a morte, não é nem mesmo a missa de sétimo dia, ou o primeiro ano...
Entenda bem, todos esses momentos são difíceis. Contudo, os piores dias
são aqueles comuns, quando acontece algo corriqueiro e ele não está lá para
compartilhar. Nesses… nesses somos inevitavelmente quebrados
novamente.
— Oi, amor. Me desculpa por estar chorando novamente por você. É que
você me deixou sozinha aqui, tendo que ser forte por nosso filho, e eu ainda
não sei viver sem você — encarei o céu estrelado, balançando meus pés na
sacada e sentindo a brisa fria da noite, enquanto rodava o anel dado por ele
em meu dedo.
Os braços do meu amigo me envolveram, me segurando forte. Pedro
sempre sabia quando eu estava me quebrando. Foram tantas vezes que já
não sabia se era possível me refazer.
— Estou aqui, anjo. Estou aqui por você. Você precisa enxergar que não
está só.
Encarei seus olhos, castanhos e gentis, e assenti.
Repousei meu rosto em seu peito, esperando que seu carinho me salvasse de
mim mesma, mais uma vez.
— Mamãe... O zoológico foi bem divertido — meu filho falou animado, se
jogando em cima de mim no sofá.
Encarei meu amigo, o agradecendo com o olhar. Como retorno, sequer
precisou verbalizar, estava ali o aviso claro que, da próxima vez, teria que
estar com eles.
A essa altura é bem seguro afirmar que não me considero uma pessoa forte.
Apenas me apegava ao fato de precisar levantar da cama e continuar por
eles.
Dois anos se passaram. Havia dias melhores e outros como esse que, se
pudesse, dormiria ao longo de toda sua extensão. Somente para passar por
mais um, mais vinte e quatro horas.
Ainda assim, ouvi Gabriel com atenção, enquanto me contava as aventuras
do dia e todos os animais que pôde conhecer de perto. Eu ainda tentava ser
uma boa mãe, mesmo em momentos assim.
— Vamos sair para jantar? — Pedro questionou, se jogando ao nosso lado
no sofá. — Esse garoto me faz questionar se estou fora de forma ou se é
apenas o fato de estar ficando velho demais — declarou, bagunçando o
cabelo de Gabriel.
— Para de bobeira. Não está velho coisa nenhuma — beijei seu rosto.
— Pode ser pizza, tio Pedro?
— Pode sim, meu amor — garanti, o agarrando e fazendo pequenas
cosquinhas. Seus risos sempre me arrancavam sorrisos sinceros.
Uma hora depois, entrávamos no restaurante com roupas da mesma cor.
Sempre que Pedro comprava uma nova peça — e isso acontecia com certa
frequência —, trazia roupas parecidas para nós.
Meu amigo é vaidoso e gasta uma pequena fortuna em seu guarda-roupa.
Não ligo para essas coisas mas, se o faz feliz, vestimos o que nos der.
Sempre saímos assim, combinandinhos. As pessoas sempre sorriem quando
nos veem. Aos de fora, realmente deve parecer algo fofo, e Gabriel adora de
qualquer maneira. E no que diz respeito a mim, o que puder fazer para que
suas vidas tenham momentos leves, farei.
[...]
— Sabe que uma hora ou outra tem que retomar sua vida, não é? —
questionei Pedro, assim que entrei em seu quarto para dormir. — Precisa
viver, Pedro. Sair... Ficar com mulheres.
— Preciso que vocês fiquem bem. Não se preocupe com minhas
necessidades — sorriu, quando me juntei a ele em sua cama. — Aliás, você
sabe que adoro fazer esses programas com vocês, não sabe?
Senti sua pele fresca de banho e me aninhei ao seu corpo.
— Eu te amo tanto — garanti, lhe dando um beijo na bochecha.
Ele me rodou, ficando parcialmente em cima de mim.
— Não é nenhum esforço ficar com vocês — disse, me encarando. — Amo
vocês. E já te falei uma porção de vezes que não precisa agradecer por eu
querer passar mais tempo com vocês — segurou meu rosto para que o
encarasse. — São tudo o que há de mais importante na minha vida.
Beijou meu rosto e retribui. Pedro sorriu e fez novamente. Brincávamos
assim, sobre despedidas, quantas fossem necessárias.
[...]
— Acorda dorminhoca — senti seus lábios em meu rosto. — Nada de
preguiça. Levanta antes que eu te arraste para o banheiro — murmurei uma
reclamação. Mas sabia que sua ameaça era real. Por isso, tratei logo de me
levantar.
Quando se tratava de recomendações médicas, ele sempre seguia à risca. A
junta orientou exercícios todas as manhãs. Serotonina e dopamina. Nossa
alimentação e exercícios eram como leis inquestionáveis, e eu me esforçaria
sempre para estar bem.
Uma hora de exercícios depois — com meu personal particular —,
continuava a discutir com ele.
— Não quero ir nessa convenção. Precisa arrumar um rabo de saia e me
deixar em paz, Pedro.
Viajaríamos em breve para o sul da França, um final de semana de contatos
e eventos. Agora também era sócia, e minha presença se fazia obrigatória.
Mas a verdade é que a viagem era nada comparada ao que aconteceria em
alguns dias, e eu somente queria reclamar de qualquer outra coisa que me
tirasse o foco do real motivo.
— Você sabe que mesmo que eu tivesse alguém, teria que ir — afirmo,
enquanto preparava nossas anilhas. — Quer conversar sobre o que
realmente está te incomodando? — falou preocupado.
Ninguém me conhecia tão bem quanto Pedro, ele prestava muita atenção
em tudo, especialmente em mim, e inegavelmente estava certo.
O problema jazia no fato de Gabriel embarcar para o Rio em breve; ele e
Maria. E isso não me tranquilizava em nada. Não queria que meu filho
pegasse avião nenhum, nunca! Mesmo sabendo que não estava sendo
racional.
Era um grande passo em minha terapia. Dois anos...
Meu filho queria assim, tia Vilma chorou emocionada por uma hora inteira,
e eu só queria fugir com meu filho e jamais deixá-lo longe de mim. Quinze
dias era demais, onze horas em um avião era muito. Não iria conseguir!
— Não quero ficar remoendo isso agora — peguei meu peso e comecei a
imitar seus movimentos. — E você é um saco às vezes, sabia?
Me lançou um sorriso e se manteve concentrado, respeitando meu silêncio.
Quando finalmente concluí minha série, sentia que minhas pernas, se
pudessem, me abandonariam. Cada músculo do meu corpo doía de um jeito
novo. Um bem especial, no melhor modus operandi Pedro de ser.
Nessas horas era difícil não acreditar que contratar um profissional seria
melhor. Para meu ego, claro!
— Você tem que saber que não sou você — reclamei, colocando as mãos na
lombar, me alongando. — Tudo em mim dói. Até o fiozinho do meu cabelo.
— Se treinasse todos os dias não sentiria mais dor — repreendeu, deixando
seus halteres no chão. — Mas nada que dez minutinhos na plataforma
vibratória não resolva. Ela vai dar um jeito nesses músculos moles.
Nem contestei. Ele certamente sabia o que estava fazendo, muito melhor
que eu.
Pedro programou o aparelho e apenas obedeci seu comando, subindo na
plataforma. A vibração causava uma sensação intensa e constante, fazendo
com que as extremidades do meu corpo começassem a ficar dormentes. E
estava funcionando maravilhosamente bem, a dor se atenuava, cedendo aos
poucos.
Me ocupei em observar meu amigo malhando pesado. Concentrado no
esforço que lhe era exigido, fazendo com que sua transpiração se tornasse
cada vez mais aparente. Sua feição era bonita, daquelas que homens fazem
quando sentem prazer com alguma coisa.
Certamente há algo erótico em homens malhando. As veias dilatadas, os
músculos ressaltados e, com certeza, os maxilares cerrados. Sim... era isso.
Pedro tinha um maxilar bem bom.
Talvez fosse o aparelho, talvez fosse a visão, ou apenas fosse a
circunstância do meu corpo ter adormecido por tempo demais. O fato é que
começava a despertar aos poucos. Fazia tanto tempo que não sentia nada
remotamente parecido, que meu cérebro achou interessante que eu não
interrompesse de vez as ondas que subiam por minhas pernas, se
concentrando em tudo, ao invés de fugir dali. E eu deveria mesmo fazer isso
agora.
— Pedro... — chamei, mas minha voz saiu tão fraca que temi não ser
ouvida. — Desliga pra mim, por favor.
Abaixei a cabeça, a apoiando entre meus braços, temendo soltar um gemido
no processo.
— Está se sentindo bem, Isa? — instantaneamente levantou meu rosto para
observar minha feição. E eu somente precisava que desligasse aquela coisa.
Seu rosto estava carregado de preocupação, examinando minhas pupilas
com atenção.
Por que não desligava logo essa merda?
— Pedro... — chamei mais uma vez. Entretanto, seu nome veio
acompanhado de um arfar que não deixaria dúvidas, de forma alguma,
sobre o que estava sentindo. E nessa altura, já não queria mais que
desligasse o aparelho. Que se foda, não queria parar... — Merda! Sai daqui
agora.
— Caralho, Isabella!? — me encarou mais uma vez, se dando conta da
situação, e finalmente se virou, me deixando sozinha na sala.
E foi o suficiente... Por Deus... Eu gozei forte, como há dois anos não fazia.
O alívio trouxe imediatamente lágrimas aos meus olhos, por tantos motivos
diferentes que nem saberia explicar agora.
Someone To Stay - Vancouver Sleep Clinic

Eu encarava a lareira crepitar, ouvindo os estalos baixos que a lenha


reproduzia. A parte ruim em viver fora do meu país era odiar os invernos
frios daqui. O fogo tremulava suave, enquanto eu escutava uma melodia
baixa ao fundo e vertia[19] mais um gole do vinho caro, que antes não teria
condições de comprar.
A casa estava mergulhada em um silêncio desconfortável. Agora, ficar
sozinha parecia sempre algo ruim.
Gabriel havia ido a uma festa do pijama, e eu tentava ser a mãe que fingia
normalidade em aceitar que ele estava crescendo.
Pedro, por sua vez, estava em mais uma de suas breves viagens, e deveria
retornar somente na manhã do dia seguinte. E eu permaneceria em muitos
metros quadrados em completa escuridão, somente com meus pensamentos,
e ultimamente eles não eram minha melhor companhia.
Por isso, escolhi um bom vinho, sentindo falta do açúcar adicional das
bebidas baratas as quais estava acostumada por toda uma vida, e resolvi que
o melhor seria permanecer ébria, buscando depois uma boa noite de sono.
A porta se abriu e a encarei com surpresa, tentando identificar quem havia
chegado. Seria constrangedor ser flagrada assim por algum funcionário.
Contudo, foi Pedro quem cruzou por ela, franzindo o cenho assim que
notou a escuridão e a música.
— Uau! Temos uma noite romântica? — brincou.
Meu peito apertou de saudade da sua voz, e logo me levantei para recebê-lo
com um abraço forte, observando cada parte de seu rosto para garantir que
realmente estava bem. Ficar longe de Gabriel e dele me causava dor física.
— Resolveu voltar mais cedo? — encarei seus olhos, que sorriam mesmo
sem que a boca acompanhasse, acariciando seus cabelos.
— Parece que cheguei em boa hora — olhou ao redor. — Onde está o
Gabriel?
— Em uma festa do pijama de um coleguinha da escola — deixei pesar
meu desagrado. — Maria está com ele, mas estou me controlando para não
ligar de meia em meia hora.
— Ele ficará bem — garantiu e eu assenti, porque sabia que tinha razão, e
isso era algo que precisava trabalhar. — Bom, já que seremos somente nós
dois, vou tomar um banho e te acompanhar na bebida.
— Não demore, senão me encontrará desmaiada por aqui. Eu tinha um
plano que envolvia vinho e um bom sono depois.
Ele sorriu antes de me dar um beijo no rosto e partir em direção ao seu
quarto. E eu sempre seria grata por sua necessidade de retornar para casa
assim que possível.
[...]
— De todas as poltronas que temos nessa sala, tinha que escolher logo a
que eu estava sentada? — questionei, lhe entregando a sua taça com o
líquido fresco.
— É a que estava quentinha. E não finja que não prefere se sentar entre
minhas pernas nesse dia frio — provocou, abrindo as pernas para que eu me
acomodasse.
Foi exatamente o que fiz, levando a taça à boca assim que me juntei a ele. E
por uns bons minutos ficamos em completo silêncio, ao som apenas de
nossas respirações e do fogo estalando à frente.
— Me diga como foi com Antônio.
— Você insiste em falar sobre trabalho quando volto — seus dedos
afagavam meu couro cabeludo em um toque gostoso. — Sinto falta de
quando nossos assuntos eram leves. Nem me provoca mais quando abuso
de seu corpo.
Suspirei pesado.
— Sinto falta da vida que tínhamos o tempo todo — me virei para observá-
lo. — Sinto falta de chegarmos em casa cheios de sacolas e sentarmos à
mesa para comer hambúrgueres simples. Sinto falta das risadas que
daríamos sobre nossos dias.
Pedro me abraçou forte.
— Lembra das nossas brincadeiras para passar o tempo? — riu. — Os dias
de jogos... — falamos juntos. — Você era péssima no Banco Imobiliário.
— E vai entender, sou eu a cabeça para os negócios... Em compensação
ninguém nunca conseguiu me ganhar no Stop.
Ele me encarou indignado.
— Algodão-doce não é uma cor, Isabella — voltou a reclamar, como se
estivéssemos jogando naquele momento.
— Não vou ter essa discussão, provei que se tratava de uma cor de esmalte
— bebi casualmente meu vinho.
— E unicórnio não existe! — eu ri. — Assim, qualquer um ganharia.
— Falou o cara que colocava dragão.
— Dragão-de-Komodo — arqueou sua sobrancelha, provando seu ponto. E
tenho certeza que, em algum momento, deve ter repassado a discussão a
respeito desse argumento ao longo dos anos.
— Não quero saber, você colocou apenas dragão. Supera, grandão.
Dei uma risada honesta com sua feição, até sentir que me espremia entre
seus braços, me fazendo cócegas.
— Sai! Isso não é justo.
Tentava me livrar de seu agarre até desistir, rindo muito.
— Sinto falta dessa Isa.
Me apertou entre seus braços, dando fim à tortura, e me aninhei em seu
peito. Também sentia falta de momentos assim.
Pedro acariciava meu rosto, atento à forma como suas palavras eram
absorvidas por mim. Sua mão traçava desenhos suaves em minha pele, e
apenas me recostei em sua palma, sentindo o quanto estava quente e
aconchegante.
Segurei seu rosto bonito entre as mãos, encarando a profundidade de seus
olhos castanhos. Eu reconhecia aquele olhar, já passamos por isso antes. E
era uma merda saber que meu amigo me atraía.
Juro que eu lutei, mas as quatro taças de vinho tinham que fazer efeito em
algum momento. E esse efeito foi tomar a coragem necessária para sentir a
maciez de seus lábios com os meus, claro. Me aproximei com calma, lhe
dando tempo para uma recusa. Senti o coração acelerar, o meu e o dele, pois
sua pulsação era sentida através dos meus dedos encostados em seu peito.
— Isa?! — tentou. Não era bem um aviso, soou mais como um ansiar pelo
que viria.
— Shiii...
Senti a textura de seus lábios com os meus, em um roçar suave, enquanto
observava seus olhos cederem e se fecharem no processo. O gesto, apesar
de inicialmente ter outra intenção, era uma extensão do carinho que sentia.
Sempre me pareceu natural ter intimidade com ele, uma consequência
apenas.
O engraçado é que acho Pedro lindo, mas o que sempre me atraiu nele era
sua aura, como se fosse necessário gravitar ao seu redor o tempo todo, e se
sentir confortável dentro do seu abraço.
Meu amigo é o tipo de pessoa que transforma sua energia, seja sentado em
uma calçada após a aula, no sofá em um dia de filme, ou aqui, enquanto
estou entre suas pernas, prestes a lhe roubar um beijo.
Ele acaricia suavemente meus cabelos e rosto. E é muito mais que sexual,
é... cuidado. Não importa o quê, ele sempre faz com que me sinta assim...
especial. É o cara que escolho passar a noite em claro escutando suas
histórias, porque na manhã seguinte, mesmo cansada, terá valido a pena.
Pedro é meu azul. É quem sempre me traz tranquilidade, segurança e paz.
Me obrigo a não beijá-lo, não por falta de desejo, mas sim porque complicar
as coisas não é algo que anseie. Viver sem ele, jamais será uma opção.
— Estou fazendo os ovos como gosta, senhor Pedro — ouvi Ofélia dizer
animada.
Todos nessa casa gostavam de mimar o grandão. Não porque era a pessoa
que pagava por seus salários, mas por ser tão querido que faziam apenas
pelo prazer em deixá-lo feliz.
— Deixe passar um pouco mais, Ofe. Isa gosta deles um pouco mais bem
passados — disse, depositando um beijo em sua bochecha.
A senhorinha rechonchuda sorriu com carinho evidente.
— Posso fazer o dela separado.
— Não precisa — garantiu, se sentando na cadeira de madeira.
— Nunca vi um amor tão bonito quanto o de vocês — afirmou, no exato
momento em que adentrei o cômodo.
— Bom dia, Ofélia — sorri para a senhora simpática e me dirigi ao meu
amigo. — Bom dia, grandão.
Depositei um beijo em seu nariz e, como em todos os dias, ajeitei seus
cabelos com os dedos. Ele fechou os olhos e se recostou ao meu toque,
aproveitando o contato. Mais parecia aquelas crianças carentes do que o
adulto que realmente era. Pedro sempre adorou carinho.
— Bom dia, anjo — me puxou para seu colo, beijando minha bochecha. —
Biel ainda não acordou?
— Não. E hoje é domingo. É bom deixar que descanse até a hora que
quiser.
— Aquele baixinho tem tanta energia que é melhor que descanse mesmo.
Estava te esperando para tomarmos o café.
Dona Ofélia nos serviu os ovos macios com um cheiro incrível de bacon
que tomava conta de todo o ambiente. Sempre impecável, por mais que
insitíssimos em não fazer formalidades. Mas a morena sempre arranjava um
jeito de burlar ao nosso pedido.
— Por que não toma café conosco, Ofélia? — convidei.
— Hoje é dia de feira, e vocês sabem como gosto das frutas frescas... —
completamos juntos, porque sempre repetia a mesma frase aos domingos.
Ela sorriu com nossa interação. — Vou deixá-los em paz. Logo, logo, volto
para o almoço.
— Um dia ainda te amarro nessa cadeira, mulher — Pedro brincou, e a
senhorinha lhe mandou um beijo no ar, antes de se retirar do cômodo. —
Por que as pessoas insistem em nos chamar de casal?
— É complicado mesmo. Nós três sempre nos tratamos assim. E suspeito
— arregalei os olhos em sua direção com o sarcasmo que se seguiria —,
que para os demais, os toques devem ser exclusividade entre casais.
— Dona Isa e seus dois maridos — brincou.
— Pois é — revirei os olhos. — E isso certamente afugentou muitos
garotos na nossa juventude. O que, parando para pensar, era bem injusto, já
que eu não ficava no pé de vocês.
— Isso é bom, não é? — sorriu. — Você e Lucas sempre tiveram um dedo
podre para escolherem pessoas — riu, enquanto se servia com uma fatia
generosa de pão com mais ovos do que um ser humano conseguiria comer,
imagino.
— Olha quem fala...
— Nem se compara. Sou do sexo casual, lembra? — mordeu um bom
pedaço de seu pão e arquei a sobrancelha em sua direção.
— E já, já, vamos falar sobre isso — foi sua vez de revirar os olhos, porque
sabia o discurso que se seguiria. — Quero saber quando me tornei a esposa
tóxica da relação. Por que não come os ovos como gosta, Pedro? —
repreendi.
— Eu não ligo — deu de ombros. — E fala como se não fizesse o mesmo.
— Hoje é aniversário da Fernanda. Acho que é uma boa oportunidade de
rever seus demais amigos — mudei de assunto como se fosse qualquer
outra coisa a ser dita, mordiscando meu pão casualmente.
— Não tenho outros amigos, no máximo conhecidos — deu um gole em
seu café. — E estou cansado da semana puxada...
Não estava coisa nenhuma. Meu amigo não queria me deixar sozinha em
casa, mas Pedro tinha que começar a viver novamente, em algum momento.
Sei que sentia falta de sua vida antes disso tudo. E uma hora ou outra as
coisas precisavam voltar ao normal. Para ele, claro.
— Você vai — decidi.
— Só se você for comigo — retrucou, com um sorriso convencido.
Essa era a única coisa que nos fazia discutir. E discutir com o moreno era
como dar murro em ponta de faca. Jamais conheci alguém tão teimoso
quanto ele. Talvez Gabriel, que tem uma personalidade tão parecida com
meu amigo que chega a assustar. Gabriel era uma cópia exata do Lucas, mas
sua personalidade era totalmente a de Pedro.
Me levantei, me dirigindo até a grande janela que dava acesso à avenida lá
embaixo, não querendo discutir.
Observei o trânsito em silêncio, remoendo o fato de que ele havia ganhado
mais uma vez. No que dependesse de mim, não deixaria que perdesse mais
um evento. Meu amigo abria mão de coisas demais.
Senti seus braços me agarrarem por trás, e seu corpo aquecer o meu
imediatamente. Sempre me senti segura em seu abraço.
— Queria saber o porquê de todas as pessoas decidirem sair aos domingos?
Olha o caos de carros na rua.
— É só uma questão de óptica, anjo — suspendeu meu rosto com os dedos
para que eu encarasse o céu. — O domingo está lindo para um passeio.
O sol aqui, nas manhãs e nos entardeceres, era realmente divino. Suspirei.
— Vou com você — senti seus lábios quentes no meu rosto.
— Eu sei — sorriu. — E essa é você abrindo mão de seu ovo.
— Odeio o fato de ter se tornado good vibes. Ninguém merece essa porra
pela manhã.
— Um anjo me ensinou, há muito tempo atrás, a ver a vida de outra forma
— não precisava encarar seu rosto para saber que estava sorrindo.
Bufei uma risada, lhe dando o cafuné que tanto gostava.
[...]
Rodei meu filho no colo, enquanto dançava com ele no meio da sala.
Se havia algo meu em Gabriel, é que adorava dançar. Isso sempre lhe
arrancava risadas gostosas, que transbordavam no ambiente e traziam
propósito à minha vida.
O luto me tirou muita coisa, não isso. Meu filho sempre seria minha
prioridade.
O som vibrava alto nos alto-falantes e cantávamos a canção animada. A
letra era em inglês, mas como dizia meu cantor favorito, “eu canto em
português errado”...
Agora imagine em outra língua?
Vi quando meu amigo entrou no cômodo, sorrindo. Não demorou até que se
juntasse a nós, fazendo um sanduíche com pequeno corpinho da criança em
meus braços.
Eu continuava contando com pequenos momentos assim, onde a alegria
pedia espaço, onde o tempo não precisaria ser preenchido com palavras,
apenas sentido.
A drop in the ocean - Ron Pope

16 anos antes...

Era um dia de merda. Minha paciência se encontrava no limite, mas isso


também não era nenhuma novidade. Ultimamente eu só sentia raiva, o
tempo todo.
— Olha por onde anda, otário! — Ricardo reclamou, assim que trombei em
seu corpo.
Não foi intencional, mas bem que poderia ter sido. Não ia com a cara do
idiota de qualquer jeito.
— Do que me chamou? — encarei seus olhos, dissimulando o fato da
decisão já ter sido tomada.
Eu precisava extravasar e ele certamente era a desculpa perfeita. O moreno
ameaçou um novo insulto e eu já estava em cima dele, desferindo socos
com toda a força dos meus punhos.
O garoto não era pequeno, mas caiu no chão com facilidade ainda assim.
Me concentrei em seu rosto, enquanto ouvia a gritaria ao nosso redor. A
escola era cercada de abutres em busca de qualquer entretenimento.
— Pedro... — reconheci a voz ainda distante. — PEDRO... — Isabella
chamou mais uma vez, e tentei buscá-la na multidão.
Claro que Ricardo se aproveitaria da situação, e logo senti algo estalar no
meu rosto.
— Ninguém faz merda nenhuma? Parem de brigar agora! — a loira se
exaltou, se jogando entre nós.
O garoto recuou, e eu também. Machucá-la não era uma opção, e ele sabia
que se fizesse, mesmo que sem querer, seria um homem morto. Nada me
pararia.
As pessoas continuavam agitadas, gritando incentivos para que
prosseguíssemos e entoando provocações. Contudo, Isa não era qualquer
pessoa.
— Olha para mim, Pedro — segurou meu rosto, me avaliando. — Droga,
está com um corte.
— Sai da minha frente, Isabella.
O sangue ainda pulsava forte por meu corpo, e eu mantinha meus punhos
cerrados para retornar ao que estava fazendo minutos antes de ser
interrompido.
— Pedro, olha para mim... — disse com calma. — Esquece os outros e se
concentra em mim. Somos somente eu e você aqui.
Fiz o que me pediu, encarando seu rosto bonito, e aos poucos deixei que me
acalmasse.
— Desculpa, anjo — a puxei para meus braços. — Vamos sair daqui.
Não queria preocupá-la. A loira apenas concordou, e me obriguei a nos
tirar dali.
Contudo, seria pedir demais que nos mantivéssemos calados? Mas Isabella
não era esse tipo de pessoa.
— O que se passa na cabeça de vocês, homens? — ralhou. — Por que não
pode sossegar, como o Lucas? — sorri e preferi me manter calado. — Você
também precisa arranjar alguém.
A encarei.
— O que acalmou o Lucas foi uma boceta, Isabella. E isso não é algo que
me falte.
Ela bufou e revirou os olhos.
— Parece que não está tendo o suficiente, então. Ultimamente tem
arranjado mais confusão do que qualquer um — chutou uma pedrinha e a
observei rolar para longe, enquanto caminhávamos na rua quase deserta.
— Não tenho tido dias bons... — seus olhos me avaliaram, tristes, e não
precisei de mais explicações.
Isa sabia tudo sobre minha vida, e toda ela era uma merda. Agora nem
meus momentos de escape eram suficientes para amansar a raiva que
parecia pulsar constantemente dentro de mim.
— Se continuar brigando assim, vai perder sua bolsa.
— E essa é a última coisa com que me importo.
— Mas deveria. Vem! — puxou minha mão, nos conduzindo para uma nova
direção.
— O que está fazendo? — indaguei confuso.
— Mudando sua perspectiva...
Me soltou assim que paramos em frente a um grande muro de tijolos
vermelhos. Nem precisava ver a fachada da casa para saber que as pessoas
que deveriam morar ali tinham muito dinheiro.
Isabella deu um impulso e montou sob o muro.
— Anda... sobe!
— Sabe que isso é invasão, não é? — estreitei meus olhos em sua direção.
— Agora você liga? — retrucou com um sorriso, e retribuí.
[...]
— Relaxa que os donos estão viajando — garantiu, enquanto
caminhávamos em direção a uma grande piscina.
A casa era, para todos os efeitos, uma mansão. Sua fachada era uma
extensão de seus muros, toda em tijolos, com portas e janelas em madeira.
Havia dois andares e, inevitavelmente, imaginei como deveria ser bom
viver assim. Certamente as pessoas que moravam ali não passavam fome.
Talvez fossem extremamente felizes.
Quem não seria, com uma vida assim?
O quintal era enorme e com muitas árvores. Isa se abaixou e colheu
algumas maçãs que estavam embaixo do pomar. Jogou uma na minha
direção e a agarrei no ar, dando uma grande mordida na fruta de cheiro
gostoso, assim que a segurei entre os dedos.
— Como descobriu esse lugar? — indaguei entre uma mordida, aprovando
como estava doce. — E como sabe que os donos não estão em casa?
— Esse é meu refúgio. Venho aqui quando preciso lembrar que a vida é
mais do que a tristeza em que vivo.
— Por que nunca falou nada sobre isso? — apenas deu de ombros, se
sentando embaixo da árvore, e me juntei a ela.
— Vocês têm andado muito ocupados, e eu precisei fazer algo para ocupar
o tempo.
— Como invadir residências? — ela riu da incredulidade de minhas
palavras.
— Pareceu um bom lugar para esquecer por alguns instantes que boa parte
dos meus dias são sozinhos. É bom focar em algo além do fato da minha
mãe precisar se ausentar quase todos os dias para trabalhar naquele hotel
limpando quartos, ficando exausta o tempo inteiro, e ainda assim não ser o
suficiente para termos uma boa refeição.
— É... às vezes me esqueço que sua vida é tão merda quanto a minha.
— E reclamar nos ajuda em quê? — se deitou, encarando o céu. — Olha
que dia lindo.
Imitei seu gesto.
— Você pode focar em seus problemas, ou pode entender que não somos
nada agora. Pode simplesmente agradecer o fato de estarmos comendo
algo e que estamos na companhia um do outro — me encarou com um
sorriso sereno nos lábios bonitos. — E você é minha dupla, não é?
— Tem razão — observei se levantar e começar a abrir sua camiseta,
refreando as palavras que se seguiriam. — O que está fazendo?
— Não vou desperdiçar essa piscina.
Se despiu até que ficasse somente de calcinha e sutiã. E eu permaneci
imóvel, ainda chocado com a cena.
Isabella não costuma usar roupas de seu tamanho, não há mesmo como ter
esse luxo quando se é pobre e tem que usar as roupas dos outros. E por
mais que eu tenha certeza que por baixo de todos os panos é de fato bonita,
nada me preparou para esse momento.
Ela apenas sorri e corre em direção à piscina, saltando e mergulhando no
processo. Alguns segundos depois, emerge, flutuando sob a água azul.
Seus cabelos se espalharam pela superfície e eu continuo calado,
admirando a vista.
Isabella é linda, e a visão é como uma miragem do meu paraíso preferido.
Me obrigo a fazer o que havia feito segundos atrás, a puxando para meus
braços assim que me junto a ela.
— Pedro, Isabella... vocês vieram — uma Fernanda animada nos recebeu
assim que acessamos o espaço privativo da boate em que decidiu realizar
sua festa.
— Parabéns, Fernanda — a abracei, e o homem ao meu lado imitou o
cumprimento.
A loira era muito bonita, alguns anos mais nova que eu e com uma
personalidade completamente oposta à minha. Certamente única, e
combinava muito com meu amigo.
— Isa, amei a bolsa — disse, e encarei Pedro, que piscou cúmplice atrás
dela. — Que bom gosto para moda você tem!
Sorri, mas era para Pedro. Não conhecia seu gosto e, se me perguntassem,
nem pensei de fato em fazer uma surpresa. Ultimamente não posso me
gabar por me lembrar de muitas coisas. Entretanto, ele sim. O grandão
sempre pensava em tudo.
— Tive ajuda — pisquei. — Sabe que o especialista em moda aqui é ele.
A mulher encarou meu amigo como se, de repente, ele tivesse se
transformado magicamente em um unicórnio e estivesse vomitando
diamantes à sua frente.
— Se importa? — perguntou muito mais por educação, já que puxava o
homem ao seu lado para a pista de dança.
— Claro que não.
Não esperei realmente resposta, apenas me virei e busquei o sofá mais
próximo de onde estava.
A verdade é que, atualmente, havia perdido o traquejo[20] social, ou talvez
nunca o tivesse tido de fato. Estava aqui unicamente por ele. Que logo
embalava a aniversariante em seus braços, no ritmo frenético da música.
Ela, por sua vez, aproveitava para se esfregar no belo espécime masculino
que tinha à disposição. E quem iria julgá-la? Pedro é lindo.
Minha atenção se voltou ao lugar onde eu estava. Tudo aqui era preto, do
sofá de veludo às paredes e móveis. E se essa não fosse a cor constante da
minha vida, estaria deprê agora. Somente as luzes coloridas poderiam ser
consideradas um diferencial. Ah, e o bar, uma mistura de neon e branco. O
único toque de cor que contrastava com o ambiente.
Há muito havia me tornado uma anciã, presa em um corpo de uma mulher
de trinta e poucos anos. Agradeci mais uma vez por ter onde me sentar,
sorrindo para mim mesma com o pensamento.
— Isa? — Fernando, que como podem imaginar é irmão da aniversariante,
me cumprimentou com um beijo no rosto. — Posso saber por que não está
na pista dançando com o restante das garotas?
O ouvi com dificuldade. Era complicado competir com a música alta.
— Depois que nos tornamos mães e temos algumas responsabilidades, fica
difícil realmente curtir eventos como esse — sorri. — Ou, só estou velha
demais para uma balada.
— Bobagem — o loiro, sempre galanteador, me encarou, se sentando ao
meu lado. — Assim até me ofende. Eu sou um homem de mais de trinta e
também mais velho que você.
Mantinha seu olhar típico. Uma nuance entre provocação e flerte.
Fernando, assim como a irmã, era muito bonito. Compartilhavam os
mesmos traços delicados, os mesmos fios loiros e o mesmo tom de azul nos
olhos. Sempre chamavam atenção. Aliás, todas as companhias de Pedro
eram bem-apessoadas, para dizer o mínimo.
Assim que conheci seus amigos, não demorou muito para que me tornasse
um interesse incomum entre eles. Eu era a novidade. Contudo, com o
tempo, isso se atenuou; menos com ele. Fernando sempre está disponível e
a um passo de tentar algo a mais. E confesso que, no mínimo, é resiliente, já
que nunca demonstrei qualquer indício de interesse mútuo.
— Idade é uma questão de cabeça, e eu já nasci com trinta. Pode imaginar
em qual me encontro agora? — brinquei.
— Sua beleza remonta a bem menos — deu um gole em sua bebida, com
um sorriso nos lábios que demonstrava bem sua intenção. — Não deixarei
que fique sentada a noite toda, vamos dançar um pouco?
Finalizou a bebida, dispensando o copo na mesa à frente, se levantando e
estendendo a mão em um convite que estava prestes a declinar.
— Vamos, Isa. Não me deixe esperando. Sei que adora dançar.
E algumas coisas nunca mudam. Logo me deixei ser levada à pista. Tentei
acompanhar seus passos, mantendo uma distância respeitável entre nossos
corpos, porque ele não precisava de mais incentivos.
Em algum momento, suas mãos me levaram a me aproximar um pouco
mais.
— É a mulher mais bonita daqui. Obrigado por ser meu par — sorri em
agradecimento, mais pelo fato de não ter uma boa resposta para isso.
Fernando me virou em direção ao Pedro, que dançava animado com sua
irmã.
— Faz tempo que não o vejo assim, feliz — disse, e tinha razão.
A dança entre eles estava bem mais quente, por falta de palavra melhor.
Talvez eu tivesse que voltar sozinha hoje.
— Talvez eu precise ser sua companhia — beijou meu rosto, e quis me
afastar dali.
Não sei como me sentia a respeito. Eu queria que meu amigo se desse bem,
que finalmente tivesse um pouco do que estava acostumado, mas o
pensamento também me gerava uma certa nostalgia. Há muito havia feito as
pazes com minha hipocrisia, e tinha me tornado uma pessoa bem diferente
do que costumava ser.
— Acho que vou tomar uma bebida agora — falei, o dispensando.
— Espera a música pelo menos acabar, Isa? — pediu ao pé do meu ouvido,
e tentei nos dar um pouco mais de distância.
Os olhos de Pedro me encontraram e, lógico, ele sacou em um segundo
como estava me sentindo. Assisti quando se despediu da loira, que logo
deixou claro sua cara de frustração, enquanto observava seu acompanhante
vir em minha direção. Amaldiçoei o fato de não conseguir manter uma
feição blasé.
— Posso dançar um pouco com a Isabella? — perguntou ao loiro ao meu
lado.
— Estava até demorando — Fernando respondeu, mas não se opôs, me
entregando em seguida ao moreno forte à minha frente.
Já estavam acostumados com nossa interação, de qualquer maneira.
— Vim te salvar — declarou, assim que me puxou para seus braços. —
Estava pensando quanto mais aguentaria.
— Talvez até a hora em que você levasse a loira para o banheiro —
provoquei. — Sempre posso ir embora sozinha de qualquer maneira.
— Já, já vamos — apertou seu abraço assim que o ritmo da música mudou
para algo mais sensual. — Não podemos ir antes de eu tirá-la para dançar.
Sei como adora e não vou perder a oportunidade de te ver sorrir.
— Vou dançar, depois vou embora e você fica — garanti, séria.
— Hum-hum... — e nos pôs em movimento. — Essa música é brasileira,
então mostra como se faz para esse povo gringo.
Me virou para que ficasse de costas para ele, me colando ao seu corpo.
— Sabe que está há tanto tempo aqui que nem faz sentido esse discurso,
não é? — sorri. — E não sei dançar isso — reclamei.
— Solta o quadril e segue meu ritmo. Fecha os olhos e só sente a música,
Isa — pediu, e obedeci.
Logo, uma de suas mãos se prendeu contra meu ventre e a outra se colou ao
meu quadril, me conduzindo aos seus próprios movimentos, e me deixei
levar pela batida lenta e instigante.
Já dançamos juntos assim algumas vezes, e nunca foi nada demais, até
agora. Nossos quadris estavam sincronizados em um rebolado lento e, por
Deus, como era gostoso. Deixei minha cabeça pender em seu ombro,
aproveitando nossos movimentos de olhos fechados.
Senti meu corpo inteiro se arrepiar quando sua respiração se fez presente
em minha nuca. A mão que estava em minha cintura iniciou uma carícia
gostosa e... eu estava excitada. Muito e muito rápido.
Precisávamos parar... porque assim como eu, meu amigo estava afetado
atrás de mim. Nem sei se seria possível alguém, nessas circunstâncias, ficar
indiferente. Não quando se trata de toques e aproximação.
Travei uma briga interna, que durou bem pouco. Pois, além dos nossos
movimentos sincronizados, passei a me esfregar descaradamente mais.
Suas mãos agarraram meu quadril, me prendendo ali, enquanto uma
descarga de adrenalina percorria todo meu sistema.
Prendi meu lábio entre os dentes, em uma oração silenciosa para que a dor
fosse o suficiente para trazer de volta minha sanidade.
E, de repente, estávamos novamente em meu quarto em Blumenau,
trazendo as possibilidades de todos os meus se’s. Mas desta vez sem
interrupções, nem sequer perguntas.
— Porra, Isabella... — murmurou em meu ouvido, e estremeci.
Seu nariz se arrastou por meu maxilar e eu salivei em expectativa.
Qual seria seu gosto agora?
Centímetros me separavam para descobrir.
A música acabou, e não queria que me soltasse. Ainda não. Não enquanto
ouvia sua respiração pesada e tentadora demais. E ficamos ali desnorteados
por um tempo. Buscando alguma explicação, ou apenas coragem...
A parte ruim é voltar para casa sem a neblina de tesão de uma hora atrás, e
encarar a realidade.
Quando digo isso, me refiro ao fato de, após nos esfregarmos um no outro,
retomar a rotina da amizade que temos.
Pedro veio bem mais calado durante todo o trajeto de retorno. Juro que
tentei interagir algumas vezes, mas dado momento acabei desistindo
também.
A culpa mesmo bateu minutos após deitar em sua cama, após um banho
mais demorado do que o normal. Eu deveria ter ido dormir sozinha essa
noite, mas iria ficar muito mais estranho.
Me revirei algumas vezes e o sono não chegava. Não vinha porque eu era
do Lucas, fui por uma vida inteira. E agora, em sua ausência, queria
transar?
Não transar com qualquer um. Queria transar especificamente com Pedro.
Meu amigo, o nosso amigo. Pedro era quase um irmão. E eu o amava tanto
que perdê-lo por qualquer motivo destruiria o restante do que me sobrou, e
não sobrou muita coisa agora.
Insisti um pouco, mas nem a cama macia seria o suficiente para me fazer
relaxar. Não iria rolar um bom sono de jeito algum. Então, desisti e me pus
a levantar.
Talvez uma corrida exaurisse meus pensamentos e cansasse meu corpo.
— Está indo aonde? — me questionou assim que desci da cama.
— Muita coisa na cabeça — não fazia sentido desconversar. — Vou dar
uma corrida no parque.
Ele me olhou com um sorriso divertido nos lábios.
— Tá louca? São três da manhã. Sabe que essa é a hora do capeta —
zombou.
Pedro sabe que morro de medo de filmes de terror. E por uma vida inteira
meus dois melhores amigos me atormentaram com essa merda.
— Desde que não apareçam dois caras em uma moto está tudo bem. Aliás,
não estamos no Brasil.
Essa era uma parte que não sentia falta do meu país. Aqui, a segurança era
bem diferente.
Ele começou a se levantar da cama também.
— O que está fazendo?
— Não vou deixar que vá sozinha — estava visivelmente cansado.
Pedro trabalhava muito, e por muitas horas. Seu final de semana, os poucos
dias, eram para descanso. Hoje seria um dia em que dormiria até mais tarde,
e agora estava se levantando para me fazer companhia.
— Deita nessa cama, Pedro — apontei para o móvel, ralhando, assim como
fazia com meu filho. — Não vou deixar que perca seu sono para correr
comigo agora.
Ele revirou os olhos e partiu em direção ao seu closet.
— Após tantos anos ainda perde seu tempo, anjo?
Bufei em protesto, partindo em direção ao meu quarto para me trocar.
[...]
Por uma hora inteira corremos em silêncio, em um ritmo rápido. A merda é
que o silêncio é sempre exaustivo quando se tem muita coisa na cabeça. E
essa coisa, nesse caso, se chama culpa.
Às vezes, o que pesa é o que está em sua mão, e insistimos que é apenas
uma escolha.
E não posso escolher se serei ferida mais uma vez ou não, mas
definitivamente posso escolher jamais machucá-lo.
— Mamãe? — meu filho chamou.
Era possível, de onde estava, visualizar seu rostinho com um sorrisinho
divertido nos lábios. Ele adorava isso.
Brincávamos de pique-esconde com suas arminhas de água. A regra era
simples: quem fosse localizado tomaria um banho.
A criança estava encharcada. Pedro era competitivo, e não amolecia
simplesmente pelo fato de Gabriel ser apenas uma criança. Eu, no entanto,
conhecia bem demais os dois, e sabia onde se escondiam sempre. Não eram
muito criativos nesse quesito, e eu apenas sabia aproveitar as oportunidades
quando apresentadas.
— Isa, não adianta se esconder. Nós vamos te achar — Pedro garantiu, e
Gabriel riu de sua ameaça.
Por motivos óbvios, os dois se juntaram em uma jornada de caça à Isabella.
E eu não tinha culpa alguma de que suas imaginações não fossem tão
criativas quanto as minhas.
Por isso, preparei estrategicamente algumas armadilhas pela casa. E isso
quer dizer que haviam balões de água nas soleiras entre os cômodos, e eu
tenho uma boa pontaria para acertá-los à distância. O resultado estava claro,
em seus cabelos pingando e em suas roupas coladas ao corpo.
Não posso dizer que me sentia culpada e que não ria alto sempre que
reclamavam quando eram surpreendidos. Os dois eram idênticos nesse
aspecto.
Eu tentava rir silenciosamente agora, enquanto observava que estavam cada
vez mais próximos de onde eu estava.
A hora de dormir se aproximava, e eu ainda precisava ser responsável por
uma criança que tinha horários a serem cumpridos. Cogitei me entregar,
mas braços fortes me prenderam onde estava antes disso.
— Te peguei — falou com uma voz divertida.
Tentei me soltar e correr, mas fui jogada no chão, sendo imobilizada pelo
homem forte, que me prendia junto ao seu corpo.
— Vai Gabriel! É com você, garoto.
Meu filho sorriu e me alvejou com jatos de água fresca, enquanto eu tentava
empenhadamente me desprender de Pedro.
— Isso não vale! São dois contra um — esganicei, rindo muito.
Era bom saber que, de certa forma, meu filho ainda tinha uma vida normal.
Gabriel descarregou toda a bomba de água em mim, rindo e comemorando
sua vitória.
— Vamos, Biel. Está na hora de dormir — Maria chamou.
Meu filho, apesar da pouca idade, não dava trabalho algum. Jamais
contestava uma ordem.
Pedro me soltou para que nos despedíssemos do meu anjinho.
— Boa noite, meu amor — abracei seu corpinho. — Durma com os
anjinhos — beijei sua cabecinha cheirosa.
— Te amo, mamãe — garantiu com um beijinho na bochecha que eu
adorava receber. — Boa noite, tio Pedro. Obrigado por me ajudar.
— Somos um time, amigão. Vem aqui — puxou meu filho para si. —
Durma bem, porque meninos fortes precisam descansar para crescer.
Meu menino assentiu, deixando ser beijado por ele e retribuindo o carinho.
— Vem — Pedro estendeu sua mão para me ajudar a levantar do chão,
assim que fomos deixados sozinhos.
Ele estava para dizer mais uma de suas provocações, quando ficou sério e
engoliu em seco.
— O que foi? — questionei, deixando meu sorriso se esvair também.
Seu olhar estava fixo em algum ponto na minha blusa e segui a dica. Estava
encarando a regata molhada, completamente transparente. Eu usava sutiã,
mas talvez a renda não tivesse sido uma boa opção para hoje. Como eu iria
saber?
Estremeci com seu escrutínio. Era um olhar faminto de homem, que me fez
salivar também.
— Vou tomar banho — declarei.
— É... é melhor...
Saí primeiro, em direção ao meu quarto, deixando-o para trás.
— Não fica nervosa, mamãe — meu filho de apenas cinco anos me
tranquilizou, enquanto segurava minha mão. — Vou ficar bem, papai vai
tomar conta de mim.
Meus olhos se encheram de lágrimas, e o coração batia tão rápido que temia
ficar sem ar em algum momento.
O tão temido dia chegou, e eu não iria conseguir...
Estava sentada, mas a sensação era como se estivesse correndo uma
maratona. Meus pés batiam acelerados no chão, até sentir a perna de Pedro
encostar na minha, fazendo com que, instintivamente, reduzisse meu ritmo.
Pedro havia aprendido bem demais a cuidar de mim.
Contudo, quando a moça fez a última chamada para o embarque, segurei
Gabriel bem apertado no meu colo.
Não vou conseguir...
Pedro nos abraçou, tranquilizando meu menino, dizendo que tudo ficaria
bem.
Foi um imenso esforço soltá-lo e acenar em despedida. Gabriel se virou e
não conseguia mais respirar.
Senti meu corpo todo convulsionar à medida que meu peito doía e o ar era
drenado rápido demais dos meus pulmões.
— Senta comigo, Isa... — sua voz estava distante e já não era possível
enxergar nada à minha frente. Obedeci, porque me faltavam forças. —
Preciso que segure isso pra mim, anjo. E respire comigo: um... dois... três...
solta.
Não sei quantos minutos foram dessa vez, não sei se fiz o que me pediu.
Devo ter feito, porque sua imagem entrou em foco novamente. O gelo já
havia derretido em minha mão, mas a sua jamais soltou a minha.
Continuava com a respiração que eu deveria manter, em completo silêncio,
esperando por mim, sentados no chão do aeroporto.
— Você conseguiu, Isa — assenti. — Quando estiver pronta vamos para
casa.
Um banho rápido, uma pílula e uma camiseta foram necessários para me
fazer sentar no grande sofá.
Pedro se sentou em silêncio ao meu lado e entrelaçou nossos dedos. Sempre
disponível. Seu corpo quente e um abraço apertado me mantiveram sã. Ele
pensou em exatamente tudo.
Na manhã seguinte, após alguns minutos de conversa com Gabriel,
finalmente adormeci. Mais uma etapa vencida.

— Parece exausto — declarei, enquanto observava Pedro ler concentrado,


em silêncio.
Estávamos a caminho da convenção, a bordo de um dos trens mais luxuosos
que já havia visto.
Nossa suíte, se não fosse o constante balançar dos vagões, jamais te faria
remeter a algo que não fosse um luxuoso quarto de hotel.
Toda ela era em madeira lustrosa e detalhes dourados. Com uma cama
confortável de casal e uma antessala, que garantia uma vista linda da
paisagem lá fora, através das imensas janelas de vidro. Deslumbrante.
— Não dormi muito noite passada — declarou o óbvio, com um sorriso de
quem pede desculpas.
— Sinto muito por isso — seu rosto se contorceu em culpa. Não era esse o
meu objetivo. — Deita na cama, vou te fazer uma massagem.
Seja lá o que ele pretendia dizer, foi sumariamente ignorado frente à
promessa de uma massagem. Nossa moeda de troca desde sempre.
— E tira a camisa, pois eu trouxe óleo — ele arqueou uma sobrancelha
questionativa, e eu sorri. Mas fez o que pedi, sem discussões.
Se deitou na cama e busquei o óleo corporal na suíte. Não preenchi o
silêncio, ele precisava descansar, e a massagem somente aceleraria o
processo.
Subi na cama, me ajoelhei entre suas pernas e iniciei a massagem, ao som
de seus murmúrios de aprovação. O cheiro floral rapidamente se espalhou
pelo ambiente, trazendo mais uma sensação de conforto.
Trabalhei com cuidado as pontas dos dedos em seus músculos, aplicando
uma força moderada para que todos os nós se dissipassem. Após um bom
tempo, questionei se ainda estava acordado.
— Estou.
— Se vira, pois farei nos músculos da frente também — pulei sua perna
para que conseguisse mudar a posição. — Aproveita que hoje o trabalho é
completo, não faço isso sempre.
— Vou ter o mesmo direito? — falou sacana. — Se eu pedir por favor,
como presente de aniversário, você me dá?
— Deixa de ser cara de pau, Pedro — ele sorriu, e mudou de posição.
Me posicionei novamente entre suas pernas e comecei a trabalhar em
silêncio, enquanto ele apenas mantinha os olhos concentrados em mim.
— Sua vez — declarou, após um tempo que considerou ser suficiente,
segurando minhas mãos.
— Não precisa. Vamos dormir, porque amanhã o dia será cheio de tarefas
das quais eu preferiria fugir.
— A regra é clara. Se eu tenho direito a uma massagem boa como essa,
você também tem — se levantou, mudando as posições. — Faz parte do
manual dos amigos retribuir na mesma medida. Deita.
E eu o fiz. Me deitei de bruços e retirei a blusa, e logo senti o líquido
agradável escorrer por minha pele, sendo aquecido por suas mãos
habilidosas, que subiam e desciam por minhas costas.
— Tudo bem — decidi. — Vou me virar agora.
Imediatamente o senti refrear, e ouvi seu suspiro pesado. Me virei, passando
as pernas por seu corpo ainda imóvel.
Pedro não disse nada, sua expressão também não deixava transparecer o
que se passava em sua cabeça naquele momento. Apenas se mantinha sério,
observando com escrutínio a imagem à sua frente.
— Quer que eu coloque a blusa ou vai querer receber seu presente? —
provoquei.
— Você é perfeita, Isabella — encarou meus olhos. — Perfeita.
Meu coração disparou com a declaração. Nem foram as palavras, mas como
foram ditas. Busquei suas mãos, trazendo para meus ombros. E, com
cuidado, ele retomou a massagem. Quando seus polegares atingiram o cerne
de meus seios, fechei meus olhos tentando não fazer disso algo sexual,
somente para falhar miseravelmente.
Entretanto, algo em minha expressão deve ter deixado claro as sensações
que me causava. Seu toque passou a ser mais duro, daqueles que deixam
claro as intenções, e inevitavelmente gemi quando puxou suavemente meus
mamilos.
— Porra, Isabela — suspirou pesado.
Abri meus olhos e me deparei com seu olhar faminto de desejo, que
estremeceu todo o meu corpo.
— No que está pensando? — não foi intencional a pergunta, mas aí estava.
Ele sorriu. Não era um de seus comuns, divertidos. Era um repuxar de
lábios perigoso.
Fui erguida rápido demais, e em um segundo estava montada em suas
pernas encarando seu rosto bem de perto.
— Estou procurando um motivo convincente para não fazer acordar todo
esse maldito trem, e sinceramente não estou conseguindo — falou, e parecia
uma boa ideia fazer exatamente isso. — Não diga que não quer, porque
reconheço uma mulher excitada.
— Eu quero, Pedro. Quero muito — garanti. — Eu estou com um puta
tesão agora.
Seu rosto se aproximou e eu o refreei com as mãos. Era o Pedro...
— Mas não sou madura como a Valentina — segurei seu rosto entre minhas
mãos, encarando seus olhos confusos. — Não sei fazer isso com você —
nossas bocas estavam tão próximas que era tentador demais ceder. — E eu
não tenho a mínima chance quanto a isso aqui. Você é meu par, lembra? —
sorri. — O cara que sempre me prioriza, o cara gentil e paciente, que me
protege com um abraço, que me entende no silêncio. Não posso repetir
tudo, porque você é o cara da transa casual — acariciei seu rosto,
tranquilizando-o. — E tudo bem, mas eu não sou. E sei que não me
machucaria e, por isso, mais uma vez perderia sua identidade por mim. E
não quero isso.
Ele fechou os olhos para sentir o carinho que lhe era dado.
— Merece alguém que te faça ser prioridade absoluta. Você merece filhos,
porque o mundo não pode perder esse seu DNA. Você merece ser feliz,
Pedro — beijei seu rosto. — Você merece arrepios em primeiros beijos.
Seus olhos buscaram os meus. Não que eu duvidasse que não havia
entendido. Pedro sempre entendia as entrelinhas, mesmo as que não
precisassem ser verbalizadas.
— O que te faz pensar que não teria isso com você? — buscou explicação
no meu olhar.
— Eu estava lá, Pedro. Eu ouvi o que disse ao Lucas após nosso beijo.
Foram necessários alguns segundos para se dar conta do momento em
questão.
— Eu não...
—Está tudo bem.
17 anos antes...

— Oi, tia Vilma. Como está a senhora? — lhe dei um beijo assim que me
recebeu.
— Estou bem, minha filha. Como tem andado? — sorriu gentil, me
abraçando. — Já faz um tempo que não vejo você por aqui.
— Lucas tem andado ocupado.
A loira sorriu, mas era mais como se estivesse cansada de alguma coisa.
— Isso não é desculpa. Sinto falta de nossas conversas de garotas.
Assenti, enquanto caminhávamos para dentro de sua casa.
— Prometo vir mais vezes, mesmo sem o Lucas — a abracei com carinho.
— Os meninos estão no quarto?
— A casa é sua, e pode vir mesmo quando Lucas estiver com Valentina —
seu olhar dizia muito mais do que suas palavras, e apenas abaixei minha
cabeça concordando. — Estão no quarto.
Apontou a direção como se realmente fosse necessário, mas era apenas sua
maneira de me liberar de uma conversa difícil.
A porta estava aberta e era possível ver os dois deitados, como de costume.
Lucas em sua cama e Pedro na bicama. O moreno passava tanto tempo
aqui que tinha uma só para ele.
Estava prestes a entrar reclamando por não me chamarem, quando ouvi
Pedro dizer:
— Isabella é linda, Lucas — e isso me fez parar imediatamente, sentindo
meu coração pulsar forte e descompassado.
Eu era apaixonada pelo Luc, mas beijar Pedro ontem não foi qualquer
coisa. Havia sido diferente de tudo que já havia sentido em um beijo.
Pareceu... certo. Eu pensei muito a respeito e não sei como ficariam as
coisas, mas não iria reclamar se ele quisesse repetir. Quantas vezes mais
acreditasse ser necessário.
— Ela é, mas é como uma irmã — o loiro deferiu.
Havia ouvido essa frase algumas vezes, e todas machucavam da mesma
forma.
— Nos beijamos ontem — Pedro contou rápido, como se precisasse
confessar de uma só vez.
Lucas o encarou imediatamente e seu rosto estava sério.
— Fica tranquilo, cara. Não rolou química — fez pouco caso, e me senti
estranha.
Claro que ele não era obrigado a sentir nada com nosso beijo, e tinha o
total direito de acreditar não ter sido nada demais. Meu amigo ficava com
muitas garotas o tempo todo, mas eu não. Talvez, por isso, possa ter tido
um significado diferente para mim.
— Mas isso é óbvio, você que é muito idiota para ainda tentar.
Pensei em ir embora, chegando a me virar de volta para o corredor.
Ok. Não seria a primeira ou a última vez que ouviria palavras difíceis. E
não seria um beijo que macularia o amor que sentia por eles. Respirei
fundo e entrei no cômodo.
— Quer dizer que agora nem sou chamada mais?

Se há alguma coisa incontestável é a arquitetura francesa. O resort cinco


estrelas com destaque na Forbes é luxuoso, ostensivo e magnífico, nada
menos do que isso. Por dentro e por fora.
À noite, sua fachada iluminada beija o mar azul à frente e, por dentro, suas
paredes brancas ornadas de ouro e os entalhes perfeitos dos móveis da
mesma cor destacam que tudo aqui é mais caro do que qualquer outro lugar
que vá conhecer algum dia. Tudo tem propósito, e o principal é fazer com
que cada dez passos dados sejam acompanhados de nada menos do que um
“uau”.
— Até que enfim o casal mais bonito chegou — Horácio, um senhor
agradável, carismático e caricato, com sua barriga proeminente e cabelos
tão compridos quanto sua barba, ambos amarelados pelo tempo, imagino,
cumprimentou.
— Horácio, que bom revê-lo. Já está instalado? — Pedro retribuiu a
saudação, ainda segurando minha mão.
— Já sim, acredito que ficaremos no mesmo andar — garantiu, simpático.
— Isabella, minha cara. Está linda como sempre — se dirigiu a mim com
um beijo em cumprimento.
Já havíamos lhe dito mil vezes que éramos apenas bons amigos, mas em
dado momento apenas desistimos de convencer as pessoas do contrário.
Era mesmo complicado entender nossa dinâmica. Moramos juntos,
dormimos quase todas as noites na mesma cama, não que lhe interessasse o
fato, mas como sempre dividíamos os mesmos quartos de hotel, a conta era
feita rapidamente. Além do fato de sairmos quase sempre juntos e Pedro
insistir em não sair com ninguém desde a morte do Lucas. E eu... bem...
nem me imagino com outra pessoa.
— Vou para o quarto me arrumar para o jantar — avisei a Pedro, que estava
entretido com negócios. Era assustador vê-lo como empresário. Ele é
incontestavelmente bom.
— Já, já chego lá — me beijou no rosto.
— Boa noite, Sr. Horácio.
— Até logo, minha jovem.
Me despedi de ambos e segui para o quarto.
O nosso cômodo era primoroso, seguia a mesma linha de tudo aqui. A
sensação é que estava presa no século anterior, em um quarto digno de um
rei, com sancas ornamentadas e lustres de cristais, até nos aposentos
internos. A estampa floral da grande cama era exclusiva e linda. Seus fios
eram tão macios que a sensação era como se estivesse deitada em nuvens. E
tenho certeza que se você decidisse se atirar com muita força ao chão, não
sentiria o impacto, tamanha a maciez do carpete.
Aproveitei o fato de estar sozinha para ouvir a voz do meu filho e conversar
com sua avó, enquanto me arrumava com calma para o jantar.
Optei por um vestido preto de camurça, com um decote modesto na frente,
mas provocante atrás. Escolhido por Pedro, claro.
Seria uma noite de gala, mas apenas sequei os cabelos e optei por uma
maquiagem leve.
Me sentei na varanda para observar com calma o mar, apreciando o cheiro
de maresia e o ar frio da noite. Fazia tanto tempo que não via um assim de
perto que me perdi em sua imensidão. O barulho das ondas e a brisa fresca
sempre me faziam acalmar.
Minha reflexão encerrou quando senti o perfume másculo do meu amigo.
Sorri antes mesmo de encará-lo, porque sei como deveria estar lindo de
fraque.
Senti seus braços rodearem minha cintura e o segurei com minhas mãos.
— Está linda, Isa. Como o anjo que é.
Recostei minha cabeça em seu peito e ficamos assim mais um tempo.
Observando o mar em silêncio. Se pudesse, ficaria no quarto somente com
sua companhia.
— Quando estiver pronta — disse, após um tempo. — Está quase na hora.
Me livrei de seu agarre e o encarei. Como imaginei, estava perfeito.
Arrancaria suspiros das mulheres hoje à noite.
— Então, vamos, porque não podemos chegar atrasados — falei por fim.
— Quase. Trouxe algo para você — buscou uma caixa em cima da mesa de
ferro fundido e a abriu, revelando seu conteúdo: um colar riviera de
diamantes.
— Ah, não Pedro. Não quero! — ralhei. — Não pode gastar dinheiro assim
comigo. Meu Deus.
Ele apenas me respondeu com um hum-rum, me virando para colocá-lo em
meu pescoço. Seu polegar se arrastou por minha clavícula, me arrepiando
no processo.
— Agora sim, está deslumbrante — estendeu o braço. — Vamos?
E adiantava discutir?
Os homens mantinham o assunto nos negócios, ideias de expansão e o
quanto estavam dispostos a investir. Tudo já estava mais do que planejado,
com prazos e datas. Na verdade, essa convenção era mais um agrado aos
investidores. Desculpas que homens ricos precisam dar de vez em quando,
para darem uma pequena pausa, já que insistiam em dizer que não tiravam
férias.
Isabella e eu estávamos aqui somente figurativamente. Me obrigava a trazê-
la apenas para cumprir com as recomendações de sua psicanalista. Por mim,
Isa poderia não sair nunca mais de casa. Eu faria qualquer coisa que me
pedisse somente para deixá-la feliz, mesmo que isso fosse se esconder do
mundo. Tirá-la de sua zona de conforto era sempre difícil, mesmo
entendendo o quanto era necessário.
Meus olhos a buscaram novamente. Ela sorria um dos seus sorrisos vazios,
fingindo prestar atenção ao que lhe era dito. E o que eu não daria para ouvir
sua risada alta mais uma vez.
Abriria mão de toda a minha fortuna para voltar ao nosso pequeno
apartamento no Brasil, em uma daquelas muitas noites em que assistíamos a
um filme e fazíamos guerra de pipoca. Lucas não pararia de falar por um
minuto, com seus sarcasmos, e Isa fingiria repreendê-lo, somente para
gargalhar de sua cara.
Ela não merecia sofrer assim, jamais.
Desejei muitas vezes que tivesse sido eu naquele avião. Sentia uma falta
filha da puta daquele idiota, e me destruía a alma ver agora minha garota
triste. Seus olhos vazios buscaram os meus e me levantei para buscá-la, me
despedindo dos demais sentados à mesa.
— Senhoras, vou roubar essa dama para dançar um pouco — algumas
sorriram empolgadas, mas não prestei exatamente muita atenção. Meu foco
era nela e em seu sorriso tímido de agradecimento.
Alcançamos a pista e a rodei até que se encaixasse em meus braços. A virei
com calma para mim, e nos embalei com a melodia suave tocada no piano.
Ainda gostava de dançar, ainda fechava os olhos todas as vezes quando se
recostava em meu peito. Segurei seu rosto suavemente e esperei até que me
encarasse de volta com seus olhos tristes, de um verde tão intenso que
parecia surreal.
— Pronta para encerrar a noite? — perguntei, e seus olhos se encheram de
lágrimas.
Poderia uma pessoa se apaixonar cada dia mais por alguém? Como isso
era possível?
— O jantar ainda não acabou — sussurrou.
A ergui em meus braços e ela lançou um sorriso, o primeiro verdadeiro da
noite.
— Pra nós, sim — sua cabeça tombou novamente em meu peito e nos
coloquei a sair dali.
Nenhuma palavra no mundo conseguiria expressar a gratidão que sentia por
ele. O observei retirar a parte de cima de seu terno, colocando-o em seguida
no cabide, e se pôs a desabotoar sua camisa.
Pedro é inegavelmente lindo, e saber que está abrindo mão de passar mais
uma noite com qualquer outra mulher que desejasse me deixava triste.
Eu quero que seja feliz, quero que se case com alguém que o ame como
merece, que tenha muitos filhos, que sorria todos os dias. O quero por
inteiro e não esse pedaço, agora dedicado a alguém que talvez não tenha
mais conserto.
Drenei dois anos de sua vida; quantos mais meu egoísmo permitiria?
— Pode me fazer um favor? — pedi e ele se virou, sempre solícito.
— Claro, Isa. O que precisa?
— Quero que desça agora mesmo, vá ao bar e peça uma dose do Macallan
que gosta. Quero que escolha a mulher mais bela do hotel e transe com ela
até perder a consciência — sua feição ficou sóbria, mas se manteve em
silêncio.
Ótimo, era somente o que eu precisava para prosseguir.
— Quero que, por essa noite, esqueça todos os problemas. Quero que tenha
quantos orgasmos forem necessários para que seus pensamentos não sejam
essa merda toda de agora. Me promete isso?
— Quer que eu te prometa? — a frase saiu cortante, e o observei se
aproximar, sustentando meu olhar com o seu. Está chateado. Maravilha! —
Quer que eu escolha a mulher mais bela que conheço?
Por algum motivo, a forma como foi dita a frase fez com que disparasse
algo em meu peito.
— Sim — respondi, incerta.
— Se eu te pedisse para fazer o mesmo? Se te pedisse para descer agora e
escolher um completo estranho e se esquecer de tudo, o que faria? —
encarei o chão e ele sustentou meu rosto para que eu pudesse encontrar seus
olhos, que estavam agora em uma mistura de raiva e decepção.
— Sabe o que eu faria... — respondi.
— É, eu sei... mas aparentemente você não sabe o que eu faria. Ou sabe,
Isa? — meu coração batia tão forte que era possível ouvir meus próprios
batimentos.
E não conseguia compreender o porquê de repente imaginá-lo com outro
alguém me machucaria tanto.
— Me fala o que você quer, Isabella — sua respiração era o exato espelho
da minha, agitada.
Mantinha seus olhos nos meus, esperando apenas verbalizar o que já havia
entendido.
— Eu quero.... — a respiração saiu fragmentada por minha garganta.
— Me pede, Isabella...
— Eu quero esquecer, Pedro. Eu quero esquecer essa dor por hoje...
E não precisei terminar a frase, suas mãos encontraram meu rosto, tão
suave. Como se à sua frente tivesse algo frágil demais que, ao mínimo
toque, se partiria. Seus dedos experimentaram meus lábios em um carinho
tão necessário que apenas fechei meus olhos, cedendo para senti-lo.
Se me perguntassem qual é a melhor sensação a ser sentida, eu sempre diria
que é o frio na barriga que precede os beijos.
Fui conduzida a me sentar em seu colo, ouvindo sua respiração irregular.
Acariciei seu rosto, sentindo a textura macia da barba bem aparada, levando
meu indicador à covinha em seu queixo, observando com atenção cada
detalhe de seu rosto bonito. Suas mãos começavam agora a explorar meu
corpo.
Levei minha boca para perto da sua, mordendo de leve seu queixo, só para
provar a textura de sua pele com a língua. Nos encaramos mais uma vez,
antes que nossos lábios finalmente se encontrassem.
Arfei quando sua língua finalmente encontrou a minha, provando de seu
gosto, sentindo o coração disparar no peito. Seu toque continha tanto
carinho que uma lagrima escorreu de meus olhos de surpresa. Seus dedos
encontraram minha nuca, me trazendo um arrepio gostoso.
Sua boca iniciou uma exploração por meu corpo em uma calma
premeditada, enquanto era despida aos poucos e tremi, completamente
entregue as sensações. Drenada por uma espiral de desejo que me lançava
tão longe que não conseguiria ser coerente nem se tentasse.
— Tão linda... — falou, segundos antes de abocanhar meu seio. Tudo com
uma ternura boa, que acreditei que jamais sentiria novamente.
Nos encaixamos sem pressa e foi tão bom. Eu e ele, e nada mais importava.
Cada arremetida seguia com um toque suave em qualquer parte e em todas
elas. Somente seu corpo ou, talvez, experimentamos verdadeiramente
nossas almas pela primeira vez.
Permanecemos quietos, ouvindo somente os sons de nossas respirações e
ondulações sem pressa, que preenchiam todo o quarto. Apenas sentindo um
ao outro, como jamais feito antes até aqui. E a cada segundo, o orgasmo ia
se avolumando em meu ventre, antes de tudo finalmente explodir em um
prazer que, somente agora, descobri o quanto sentia falta.
Seu orgasmo chegou em seguida, enquanto ainda me beijava suave, terno.
Nos encaramos mais uma vez, de uma forma tão intensa que meu coração
doeu.
Queria agradecê-lo por isso, mas as lágrimas presas na garganta ganharam
vida além do seu gosto.
— O que foi, Isa? — seu semblante preocupado fez doer meu peito um
pouco mais.
— Nós não... — seus olhos confusos buscavam alguma coerência. E ele não
merecia as palavras que estavam presas. — Eu não poderia...
A compreensão cruzou seus olhos antes mesmo de sentir seus braços me
apertarem, como se fosse necessário me aninhar em seu corpo.
Eu não o merecia...
Chorei... sentindo remorso por ele e por Lucas. Transformando os segundos
perfeitos em mais uma culpa a ser contabilizada por mim.
Ele não me soltou, sequer me julgou. Apenas fez o que sempre fazia:
me catar cada vez que me quebrava à sua frente.
Adormeci em seus braços com seu carinho e, sem qualquer sombra de
dúvidas, sentindo o seu amor por mim.

Resolvi seguir o cronograma do evento, apesar de não sentir qualquer ânsia


de estar aqui.
Um coquetel na grande piscina temática de borda infinita do hotel, em um
tom de azul impressionantemente idêntico ao do mar à frente, acontecia.
Meu corpo estava presente; minha mente, por outro lado, se encontrava
distante, concentrada no mar infinito aos olhos e no calor sentido na pele. E
toda a conversa das mulheres à minha volta era sumariamente ignorada.
— Me diz, Isabella. Como fazer um homem se apaixonar por você dessa
forma? — minha atenção foi dada à ruiva, que sorria simpática com um
toque de admiração em suas palavras.
Alicia era esposa de um dos investidores, e sempre foi muito simpática.
Gostava de sua companhia, principalmente diante das minhas poucas
opções.
— É, Is... Nos conte qual é seu segredo na cama para que um homem chore
por sua boceta por quatro anos — Paula. Odiava o fato de sermos gratos
por seu pai ter aberto as portas para os meninos. — E agora — sorriu,
apontando com suas garras vermelhas em minha direção e a de Pedro, que
estava sentado no bar atrás de nós —, o outro está aos seus pés. Talvez
estivesse sempre, não é? Nem precisaram deixar o corpo do amigo esfriar.
Jamais vou entender a crueldade de algumas pessoas.
Minha visão ficou turva e busquei por ele.
Talvez a errada fosse eu, e ela estivesse certa em, mais uma vez, proferir
palavras afiadas sem nenhum propósito e cravá-las em mim. Uma a uma.
— Isa? — Pedro segurou meu rosto e pisquei para me livrar das lágrimas
— olha pra mim, anjo.
Busquei seu rosto aflito.
— Me tira daqui — disse por fim.
Estava tão cansada de sentir dor.
Pedro me ergueu em seu colo, mantendo sua atenção completa em mim.
— Somos você e eu aqui, anjo — recostou sua testa na minha e fechei meus
olhos, agradecendo seu toque. — Nada mais tem importância. Nada.
— Me faz esquecer, Pedro — solucei. — Me faz esquecer, amor.
Apenas assentiu e nos tirou dali.
You and Me – Lifehouse

— Se concentra em mim, anjo. Eu e você, os outros não possuem qualquer


relevância agora.
— Puta dramática — Paula deferiu mais uma de suas palavras amargas,
mas meu foco sempre seria ela. Presa em meus braços, com uma expressão
tão triste que sempre me faria desejar morrer primeiro antes de assisti-la
assim.
Suas mãos se prenderam em meu rosto, buscando conforto em meu olhar,
que não expressaria nada além de amor. Hoje e sempre, enquanto viver iria
amá-la, única e irrevogavelmente ela.
Mantinha a atenção parcialmente no caminho à nossa volta, até ouvir o
baque da porta se fechando atrás de nós, garantindo que estaria a salvo de
tudo lá fora.
Soltei o laço da parte de cima de seu biquíni, livrando seus seios do agarre
da peça.
Sua boca encontrou a minha em um beijo cheio de necessidade. E descobri
que beijá-la era um prazer que jamais me cansaria de sentir.
Inspirei seu cheiro diretamente de sua nuca, sentindo sua pele se arrepiar
com o contato, me fazendo estremecer ao som que saiu por seus lábios. E
jamais deixaria de admirar sua beleza.
Nos encaixamos, gemendo juntos com o contato tão necessário quanto o ar.
E em mil vidas, nenhuma delas escolheria viver sem ela.
— Não posso te perder, Pedro — declarou, e o medo estava ali, pungente
em seu rosto bonito.
— Há coisas que nem mesmo a morte pode tocar, anjo — garanti,
enxergando sua alma através dos seus olhos, sempre verdadeiros demais. —
Eu te amarei pela eternidade, Isa.
— Estou quebrada, e você é o cara que merece muito mais do que somente
o meu amor agora. — disse segurando meu rosto entre suas mãos, buscando
em meus olhos a verdade.
— Eu amo todas as suas versões. Amar você nunca foi uma escolha, amor.
Eu já te amo em cada detalhe — garanti.
Seus olhos transbordaram cada lágrima de receio que sentia. Porém, seu
sorriso de gratidão inundou seus lábios e iluminou tudo, como sempre,
trazendo à superfície um pouco daquela velha Isabella, perdida dentro de si
há tempo demais.
Eu lutaria por ela, falaria todos os dias o quanto a amava e que jamais
haveria outra pessoa que merecesse minha dedicação se não ela. E
quando sua dor lhe parecesse ainda maior do que acreditaria suportar,
eu a amaria ainda mais. Porque não era uma escolha; eu a amava e
pronto. E por ela, esperaria uma vida toda. Por ela, eu abriria mão da
minha própria felicidade, pois meu amor é incondicional. Isso revela o
quanto gosto dela.
— Eu te amo — lhe disse, enquanto sentia seu corpo. — Eu te amo,
Isabella... — e beijei suas lágrimas. — Eu te amo...
Repeti, até que se desfizesse de prazer abaixo de mim, me carregando junto
com ela para o paraíso.
Eu estava certo o tempo todo, somente seria possível alcançar o céu ao seu
lado.

— Oi, tio Pedro — Gabriel falou animado do outro lado da câmera.


Amava demais esse garoto, e era impressionante o fato de que nada jamais
ofuscava seu brilho e sua alegria.
— Fala, amigão. Como estão as coisas. Está se comportando? — perguntei,
retribuindo o sorriso.
— Tô sim, eu sou um menino muito bonzinho. Vovó Vilma disse —
observei a imagem da tia Vilma ao fundo e lhe mandei um beijo, que foi
prontamente retribuído. — Eu fiz um novo amigo, o Miguel.
— Fico feliz, amigão — é bom saber que, apesar da dor da perda à sua
volta, ainda era uma criança normal, cheia de energia.
— O papai do Miguel também está no céu — não havia tristeza em suas
palavras, mas apertou meu peito do mesmo jeito. — Mas o Miguel tem
agora um novo papai. Ele explicou que esse agora é seu papai do coração, e
eles brincam como a gente, tio Pedro.
Puta merda...
— E eu queria saber se você não quer ser meu papai do coração. Você quer,
tio?
A mulher ao seu lado estava aos prantos em silêncio, e eu não estava em
uma situação diferente agora.
Havia deixado Isa dormindo na cama e fui atender a ligação na varanda,
para que pudesse descansar. Porém, meus olhos a buscaram novamente,
somente para constatar que me encarava em silêncio.
Ela assentiu, e me virei para o rostinho do garoto, ansioso por uma resposta
do outro lado.
— Nada me faria mais feliz, Biel — garanti, sentindo a voz falhar. Não
disse mais nada, simplesmente porque não conseguiria.
O sorriso de recompensa jamais seria esquecido.
— Tá bom, papai Pedro. Tô com saudade — acariciei a tela como se fosse
possível senti-lo ali. Também estava com uma saudade imensa desse
garoto.
— Quer voltar? — brinquei, já sabendo qual seria sua resposta.
— Nãooo. Quero ficar com a vovó e brincar mais um pouco com meu novo
amigo. Queria que conhecesse ele.
— Vamos conhecer, vou te buscar quando quiser voltar. Estou com saudade,
meu filho. — a voz falhou no final.
— Também, papai. Fala pra mamãe que também tô com saudade dela e que
amo muiiiito vocês.
— Também amamos você, mais do que tudo, Biel.
A morte de Lucas nos trouxe isso, despedidas com sentimento. Nunca
deixamos de falar o quanto o outro é especial, nunca.
16 anos antes...

— Não acredito que realmente tenha vindo — falei animada, assim que abri
a porta.
— Jamais deixaria de ser sua companhia, Isa — sorriu. — Mas isso não
quer dizer que não terá um preço, pois tive que desmarcar com a Tônia. E
você sabe que isso é um grande feito. Para mim, claro!
— Nossa! — levo a mão ao peito, como se estivesse de fato lisonjeada. — E
sabemos que a menina tem uma fama, não é? Mas não vou fazer o mesmo,
Pedro. Sinto muito.
Ele ri alto e me abraça assim que cruza a porta.
— É uma pena — toma a direção da cozinha. — Comprei lasanha pra
gente. Bora comer, porque estou com uma fome de três mendigos tristes —
fez uma feição de completa tristeza, dando ênfase à frase. Contudo, Pedro
realmente odiava sentir fome, e isso o deixava sempre de mau-humor.
— Olha! Se empenhou para o nosso jantar. Por isso que é sempre o meu
par.
Ele piscou e se colocou a aquecer nossos pratos. E eu seria eternamente
grata, pois sabia bem o esforço que fez para que pudesse comprar essa
comida.
— E, no mínimo, deveria me oferecer o que a Tônia — de muito bom grado,
posso dizer — faria.
— Não vou fazer um boquete em você, grandão. Supera.
— Puta injustiça isso.
— Toma vergonha nessa sua cara, Pedro — dei um tapa em seu braço. — E
nem sabemos se seria realmente bom assim.
O sorriso que meu deu contava que sim, ele sabia exatamente como seria.
[...]
— Caraca, tá muito bom isso aqui — falei, assoprando um pouco mais da
comida fumegante, em uma nova garfada.
— Dona Laura sempre arrebenta no rango — deu uma boa garfada. — Tá
muito bom mesmo — falou com a boca cheia.
Concordei com a cabeça, porque realmente estava dos deuses.
— Como está o novo projeto? — perguntei.
— Acho que vou surtar em algum momento — expandiu os olhos. — Aquela
merda tá dando a maior dor de cabeça — apontou o garfo em minha
direção. — Me fala o porquê mesmo de ter escolhido essa profissão, hein?
Às vezes, tenho vontade de dar um tapa no Lucas por ter lhe ouvido.
— Para ficar muito rico e comprar toda a merda que te der na telha —
recitei o que sempre dizia.
— Vamos deixar aquela merda de lado hoje à noite, e você me fala como foi
o seu dia. Conseguiu alguma coisa?
Não era uma cobrança, ele jamais faria. Estava mais para saber qual era
meu estado de espírito, após um dia inteiro panfletando currículos.
Mudar de cidade com eles foi maravilhoso, mas não era nada fácil buscar
um emprego. Seis meses e nada. E eu tinha que arrumar algo rápido, para
ajudar nas contas. Não é como se eles pudessem me bancar por muito mais
tempo.
Algo em minha feição deixou clara a frustração que sentia por não ter tido
retorno algum das entrevistas que fiz, pois logo se pôs a falar.
— Não se preocupa, Isa. Vai conseguir alguma coisa. Vai ver — garantiu.
— Eu sei que vou, mas é cansativo buscar e não receber retorno. Deveria
ser proibido RH’s não darem retorno — falei frustrada, enquanto lavava
nossos pratos.
— É, vamos esquecer essa merda toda por uma noite. Nós dois não
falaremos mais de trabalho. E vamos ver logo esse filme que você escolheu.
Mais uma coisa para te cobrar mais tarde — ele brinca, e reparo na tigela
de chocolate derretido em sua mão, cheia de frutas picadas.
— Custava deixar as frutas separadas?
— Mas vão para o mesmo buraco — contestou. — Não vai fazer diferença
alguma. Você que é fresca demais, Isabella.
Semicerrei os olhos em sua direção, mas me calei. Ele havia trazido a
comida, afinal de contas. Além disso, não se opôs em perder um encontro e
assistir a um filme comigo.
— Vem logo — peguei o doce e dei a primeira garfada. Realmente não faria
diferença, estava bom da mesma forma. — Porra, tá muito bom.
— Te falei — se jogou no sofá e me aninhei em seu corpo, lhe dando um
bocado do doce na boca.
— Isso é o máximo que vou fazer para te compensar — sorriu com minha
declaração. — E sua massagem, claro.
— Massagem e comida boa. Não vai me ver reclamar por isso.
Nos colocamos a assistir o filme em silêncio. Até eu notar que um pouco de
chocolate havia escorrido e sujado seu queixo. O limpei com o dedo,
levando-o à boca em seguida. Era chocolate, afinal. Um luxo que
raramente nos dávamos.
Pedro me encarou surpreso com a ação e eu demorei a entender o porquê,
até ele fazer exatamente igual, ao limpar minha boca. Havia erotismo no
gesto, ainda que tenha sido involuntário e inconsciente.
Meu amigo tem uma boca carnuda, que parecia macia e tentadora demais
enquanto sua língua passava suavemente entre os lábios, limpando os
resquícios do doce.
— Tá me encarando demais, Isa.
— É, acho que estou — devia ser a porra do filme. Não é uma boa
combinação morar com dois homens bonitos, não transar e assistir
romance. — E você também.
— É, acho que estou.
— Acho que preciso de um beijo para melhorar esse dia de merda — repeti
suas palavras de alguns anos atrás. Ele sorriu, e me aproximei.
Seus olhos se fecharam e um suspirar profundo saiu por entre sua boca.
Talvez nunca encontre alguém no mundo que tenha tanto carinho e cuidado
por mim, além de minha mãe e ele. Eu sou a prioridade de Pedro desde
quando erámos crianças, desde um dos seus piores dias. E eu o amei desde
o primeiro momento e continuo certa de que o amarei até meu último dia.
Seria tão mais fácil estar apaixonada por ele, e ele é de fato apaixonante.
Faz tanto tempo que não rememoro essa ideia.
— Não posso dar o que deseja, Isa — sua voz saiu como um sussurro, que
beijava meus lábios mesmo que não os tocassem realmente. — Sabe que
não é de mim que espera esse beijo.
A declaração me fez buscar seus olhos, que agora estavam fixos nos meus.
— Sabe, amigo. Às vezes um beijo é apenas um beijo, assim como foi o meu
para você há alguns anos atrás.
Me levantei com a intenção de ir em direção ao quarto.
— Um beijo nunca será apenas um beijo com você, anjo.
— É, sei bem como pode ser — me retirei. — Boa noite, Pedro.
— Meu Deus, Pedro. Não vou conseguir... — Falei, assustada.
No quarto daquele hotel, fizemos uma promessa de não perder mais tempo.
Aproveitaríamos a ausência do Gabriel e viajaríamos pela Europa para que
eu conhecesse os lugares dos quais havíamos conversado há uma vida atrás.
Tanta coisa havia mudado. Tanta coisa aconteceu.
— Não vou pular sem você. — garantiu.
Juro que esperava passeios calmos. Museus, cafés, talvez até alguns bares
dançantes. Claro que a ideia de turistar minha era bem diferente da dele. E
agora me via com uma corda que passava por meu corpo à beira de um
precipício. E tudo que eu precisava era de coragem, a qual descobri não ter.
— Moça, preciso que pise na linha tracejada. — o instrutor pediu e eu senti
minhas pernas quererem ceder.
— Não vou... — busquei socorro, encarando o Pedro. — você vai me
empurrar.
— Não irei fazer isso... — o homem de cerca de quarenta anos, era
brasileiro, apesar de estarmos na Suíça. E quis me garantir mais uma vez
que estava tudo certo e que eu pularia no meu tempo.
Antes de ser atada, fiquei impressionada com a beleza do lugar. Estávamos
na parte central de uma grande floresta e abaixo de nós, apenas um rio
corria. O verde era deslumbrante e eu amava o cheiro da mata, mas isso
tudo foi ofuscado imediatamente assim que me amarraram a um fio de
barbante e me pediram um pouco de fé. Mas eu tinha um filho pequeno para
cuidar e não iria conseguir pular de jeito nenhum.
— Eu vi o que fizeram com o garotinho, quando disseram: confia...
— Anjo. — Pedro chamou, segurou meu rosto com carinho para que eu
prestasse atenção. — Estou aqui com você, mas se quiser desistir, tudo bem.
Fazemos outra coisa. — disse calmo e eu neguei. — Vamos fazer isso junto,
tudo bem? Sobe no meu colo. — suspirei, assentindo. — Confia em mim?
Dei um passo em sua direção e ele me colocou em seu colo. Cruzei minhas
pernas e braços por seu corpo, acomodando meu rosto em seu ombro, com
receio de encarar o abismo. Ele deu alguns passos para trás, nos
aproximando do fim da plataforma.
— Confia em mim? — perguntou mais uma vez, encarando meus olhos.
Meu coração batia tão rápido que achei que poderia desmaiar a qualquer
momento.
— Com minha vida. — apesar disso, confirmei.
Ele me abraçou forte e sorriu. Um impulso para trás e estávamos em queda
livre, dando piruetas no ar. Sentindo um frio na barriga indescritível.
— Abre os olhos, amor. — pediu enquanto nos balançávamos no grande
vale.
Fiz o que me pedia e sorri. E a vista... a vista era deslumbrante. Nesse breve
momento, no instante em que nossos corpos pendiam em liberdade acima
da natureza tão sublime, me senti livre. O grandão tinha razão, não
poderíamos deixar de fazer isso.
[...]
Pedro me rodava e me trazia para perto de seu corpo, nos balançando em
sincronia ao som que tocava no restaurante ao ar livre, sentindo a brisa da
noite quente em Nápoles. Me puxou para mais um beijo, estremecendo toda
a minha carne com o contato. E já contabilizávamos alguns no dia. É como
se agora não fosse possível ficarmos muito tempo longe um do outro.
— Preciso de você mais uma vez. — suspirou pesado, me arrepiando no
processo. — Acho que estou viciado em você, anjo.
— Não posso dizer que não quero.
— Tá falando sério? — buscou a confirmação em meus olhos. — Se falar
um “a” que seja, te arrasto daqui agora.
Mordi meus lábios, confirmando com a cabeça. E foi o que bastou para que
tomasse minha mão e nos arrancasse praticamente em uma corrida dali
comigo em seu encalço.
Cruzamos um beco escuro que dava acesso à pousada, mas a necessidade e
a sensação do proibido me fizeram frear, interrompendo as passadas,
segurando sua mão. O puxei para a parte mais escura, onde torcia para que
os vasos de plantas fossem suficientes para nos abrigar. Lógico que se
alguém passasse por ali, seríamos pegos. Aliás, até torcia para que esse
fosse o caso.
— Tem certeza?
Como resposta, desci meu vestido lentamente, ficando somente de calcinha
à sua frente.
Se há uma coisa que sempre me fazia estremecer, seria seu olhar de desejo,
quase que carnívoro, sempre quando era acometido pela luxúria. O puxei
para mais perto...
— Espera, não terminei de apreciar... — suspirou com um olhar faminto. —
Porra, Isabella.
Sorri e comecei a abrir sua bermuda, admirando a visão à frente. Pedro era
dotado e todo bonito. Bonito mesmo, do tipo que faria qualquer ator pornô
chorar de inveja e qualquer mulher salivar de desejo.
Sua boca colou à minha, reivindicando cada parte para si. E eu era dele por
inteiro. Rosto, pescoço, e quando alcançou meus seios, gemi entregue à
sensação ampliada pelo proibido. Seus lábios encontraram os meus, porque
deixá-los longe agora jamais seria uma opção. Senti aquela dor gostosa no
peito que passei a ter todas as vezes em que nos beijávamos.
Ele me penetrou em uma única arremetida, deglutindo cada som que saía
entre meus lábios. Em uma urgência de necessidade que não seria
contestada. E se me perguntassem, agradeceria o fato de me tomar por
completo. Cada arremetida entrava suave, me deixando à beira do abismo.
E como era bom.
— Eu te amo. — declarei encarando seus olhos que agora estavam quase
negros. Nublados de tesão.
— Não fala isso agora assim, porra. — suspirou pesado me arrepiando mais
uma vez, acumulando aquela dormência gostosa no ventre. — Você tira
todo meu autocontrole.
Seus dedos alcançaram meu ponto sensível. Veja bem, não foi um esfregar...
bastou um roçar suave de seus dedos para que eu começasse a gozar
imediatamente, deixando escapar um quase grito com o prazer que me dava
de tão bom grado. Não demorou para que acompanhasse, na melhor das
sincronias que poderia existir.
— Porra, sou louco por você. — confidenciou prendendo meus lábios com
sua boca. — Louco, porra.
— Também te amo, grandão. — ele sorriu e o acompanhei.
Já olhou para alguém e pensou... uau?
Observei mais uma vez seu corpo nu na cama. Isabella dormia como há
muito tempo não parecia conseguir. Seu rosto repousava sereno entre os
lençóis que, em conjunto com seus cabelos macios espalhados pelo tecido
claro, traziam um erotismo à cena que se desenrolava na minha frente. Ela
rolou, buscando por mim, revelando seus seios no processo, e eu senti um
espasmo imediato de desejo. Uma certeza que passei a ter era que jamais
me saciaria dela.
Como se fosse possível, meu sentimento por essa mulher se avolumou,
tomando cada parte do meu ser. Isabella tomou tudo para si, e não havia
nada que eu pudesse fazer a respeito.
— Está me procurando? — questionei, em um timbre de voz afetado.
— Hum... Por que se levantou tão cedo? — disse, manhosa.
Não era cedo, mas queria que descansasse o suficiente. Passamos a noite
praticamente em claro, conversando e nos amando. E apesar do cansaço
aparente, não me arrependia de nenhum segundo.
— Pedi nosso café da manhã, mas não precisa se levantar agora.
— Não se preocupe — me encarou com seus olhos claros. — Não pretendo
levantar dessa cama tão cedo. Aliás, todas as refeições serão feitas aqui
hoje.
— Está cansada? — brinquei. — Precisa descansar depois da noite de
ontem?
— Nem perto disso — sorriu. — E me diz o que está fazendo vestido e em
pé, se te quero aqui, de preferência dentro de mim.
Sorri, já me despindo.
— Seu desejo é uma ordem.
Busquei sua boca, me sentindo, mais uma vez, um filho da puta sortudo por
ter agora acesso ao seu corpo. Foi tanto tempo sendo privado, que tudo o
que mais queria era jamais sair de perto dela. E foi uma grata surpresa saber
que seu apetite sexual era exatamente como o meu, e não me veria reclamar
de sempre ouvi-la pedir por mais.
Sei que a lembrança de minha conversa com a Valentina há tantos anos
atrás não veio em boa hora, mas tinha que concordar com a garota. Pedro
era indescritível na cama.
Seu corpo ondulava contra o meu, em um rebolado lento que buscava todas
as partes certas dentro de mim, e restava somente gemer e apreciar a
sensação.
Era sexo, mas era também outra coisa. Enquanto seu corpo buscava prazer
no meu, assim como fazia com o seu, eu sentia que era mais do que amada.
Pedro venerava com atenção tudo em mim. Seus olhos jamais saíam do meu
rosto, e sua boca se desprendia da minha somente para buscar outra parte de
mim que achasse ser importante naquele momento. Mas, para minha sorte,
logo retomava meus lábios, aquecendo meu coração de uma forma que
jamais experimentei.
O engraçado é que sempre imaginei que seu sexo fosse bruto, cheio de
desejo. Entretanto, seu quadril me experimentava com calma, como se cada
momento fosse mais importante do que a busca em si pelo orgasmo. E eu já
sentia aquela dormência gostosa que precede o êxtase se avolumando no
ventre, e tentava respirar como dava, me obrigando a estender um pouco
mais do que fazíamos.
— Eu te amo — declarei, assim que o prazer varreu cada parte de meu
corpo. Parecia tão fácil falar essas palavras agora, tão natural.
— Porra, Isabella — deferiu, se entregando ao seu próprio prazer. — Eu te
amo, anjo.
— Estou apaixonado por você — ela me encarou surpresa. E não imagino o
porquê, pois se havia algo que passamos a fazer constantemente era dizer
“eu te amo”, a todo maldito tempo.
A puxei para meu colo, envolvendo seu corpo em meus braços somente
para senti-la mais próxima a mim.
— Uma vez me perguntou o que eu faria se fosse nosso último dia —
declarei, encarando seu rosto bonito. — E nem de longe pude ser sincero
como gostaria.
Seus olhos buscaram mais uma vez por resposta, em uma conversa
silenciosa que costumávamos travar. Contudo, as palavras precisariam ser
ditas, antes que meu cérebro reclamasse por ter me calado tempo demais.
— Se hoje fosse meu último dia, se dentro de algumas horas tudo se
acabasse, a última coisa que eu gostaria ver são seus olhos, encarando
minha alma. E eu te diria todas as vezes que te amo. E o único
arrependimento que levaria comigo seria não ter tido um pouco mais de
você e acordado todos os dias ao seu lado. E eu me arrependeria de todas as
vezes que meu receio falou tão alto, que as palavras “amo você” se
calaram… porque eu te amo, anjo, sempre é pra sempre.
Seus olhos se encheram de lágrimas.
— Se, naquele primeiro beijo, eu tivesse te dito que te amava e que queria
passar o resto da minha vida ao seu lado, o que teria feito? — busquei a
resposta, mesmo sabendo que, na época, seu amor pertencia a outro.
— Isso teria mudado tudo — respondeu sem precisar refletir muito, me
surpreendendo com suas palavras.
Encarei seus olhos, que sempre seriam sinceros, e eu precisava não perder
mais tempo, foram muitas oportunidades caladas até aqui.
— Quero ser seu primeiro bom dia e o seu último boa noite. Quero poder
adormecer sentindo seu cheiro e me sentir em paz, porque ninguém além de
você e meu filho me trazem essa sensação. Você é sempre a melhor parte
dos meus dias, Isabella. Desde sempre. E eu passei tempo demais tendo
medo de te contar o que sentia para esperar mais um dia que seja sem te
pedir para ser minha. Casa comigo, Isa?
— Pedro... — sorriu. — Eu te amo, mas me fala se não está sendo
precipitado. Você precisa pensar a respeito com calma, e avaliar todas as
suas opções.
— Eu passei uma vida toda avaliando, anjo — garanti, acariciando seu
rosto. — Não preciso de mais tempo. Eu preciso de você caminhando ao
meu encontro em um altar, e garantindo que não perderemos mais tempo
para sermos felizes.
O sorriso que me deu entre lágrimas jamais seria esquecido. Meu amor por
Isabella seria sempre descrito com uma única palavra: inefável[21].
— Nada me faria mais feliz.
Achei bom que não precisasse refletir a respeito e não perderíamos mesmo
mais tempo.
Enquanto a girava na cama, buscando mais uma vez seus lábios, fiz uma
promessa silenciosa. Cumpriria o que prometi ao Lucas naquela sala há
tantos anos atrás: eu tentaria fazê-la feliz a cada dia.
— Você é meu amarelo — Pedro soltou assim do nada, me fazendo sorrir.
Caminhávamos na areia branca, enquanto a praia ainda estava deserta.
Encarei seus olhos, que me observavam, esperando uma pergunta óbvia.
— Tudo bem... me fala o que isso significa — cedi.
— Sempre pensei em você como a pessoa que traz cor e alegria à minha
vida.
— Não estou sabendo lidar com esse Pedro apaixonado — falei, e ele me
puxou para seus braços.
— É? — roubou um beijo, sorrindo entre meus lábios. — E por que não?
— Nunca te vi falando algo remotamente parecido com ninguém.
— Não seria possível mesmo, já que meu coração sempre teve dona.
— Não pode ficar falando essas coisas para mim, Pedro — fingi
indignação. — É impossível não amá-lo ainda mais. Precisa parar de ser
fofo, poxa.
— E eu acho bom mesmo que seja assim, meu anjo. Porque pretendo fazer
você me amar mais a cada dia e, quem sabe, consiga sentir um pouquinho
— fez um gesto com os dedos e sorri com a declaração — do que sinto por
você.
— Engraçado que sempre penso em você como uma cor. Você é meu azul,
grandão.
— É... eu me lembro o que significa.
— Como pode ter uma memória tão boa assim? Isso é bizarro.
— Eu me recordo de todos os momentos que vivemos, Isa. De todas as
conversas, inclusive os testes de revistas que me obrigava a fazer —
repreendeu. —Essa era a única parte que eu poderia ter de você na época.
Então, fazia valer a pena.
Não era verdade... mas não quis pesar nossa conversa descontraída.
— Tá certo.
E, me conhecendo mais do que a mim mesma, me ergueu em seu colo,
arrancando mais um beijo que fazia disparar meu coração, me fazendo
sentir paz. Porque o seu amor por mim trazia sempre calmaria e certezas.
Tattoo - Loreen

20 anos antes...

Minha cabeça parecia que iria estourar em algum momento. Me forcei a


abrir os olhos quando ouvi meu nome soar mais uma vez na voz melodiosa.
— Pedro, preciso que volte para mim.
Meu coração se confrangeu[22] e acelerou. Algo naquele chamado me
puxava novamente, mesmo que tudo o que eu mais quisesse agora era ser
deixado na escuridão e não sentir mais dor. Havia algo bom no torpor que
a ausência da luz trazia. Aqui, eu estava protegido.
Respirei umas três vezes antes de tentar abrir os olhos novamente, e a
claridade quase me cegou instantaneamente, me obrigando a fechar os
olhos. Pisquei para ajustar mais uma vez a visão, encarando o rosto
angelical que aguardava por mim.
Então, enfim eu havia morrido e finalmente não haveria mais sofrimento?
A luz de sua aura deixava a figura à frente como algo ainda mais próximo
do divino e inalcançável. Ajustei a visão, observando com calma os fios
loiros, pendendo soltos em volta de seu rosto, e um olhar bondoso em tom
de verde, que somente estava destacado por conta da luz que emanava da
criatura surreal à frente.
Contudo, algo na cena estava errado, não poderia ser real... Anjos não
deveriam chorar. E o olhar que era destinado a mim era carregado de
tristeza e carinho, na mesma proporção.
— Consegue me escutar? — tentou mais uma vez se comunicar.
E eu queria dizer que sim, que estava tudo bem, mas a voz na garganta
parecia não querer colaborar. Por isso, levei minha mão ao seu rosto,
esperando uma confirmação de que aquilo estava realmente acontecendo.
Seus olhos se fecharam e seu rosto se recostou em minha palma, com uma
feição de agradecimento e alívio.
— Você é um anjo? — perguntei com uma voz esquisita, e a vi finalmente
sorrir.
— Sou eu Pedro, a Isa — aparentou preocupação. — Vou chamar alguém.
Tentei dizer que não era preciso, mas minha amiga já havia partido.

Abracei meu amigo, sentindo o peito queimar com uma saudade que ainda
não sentia. Isa e ele eram tudo o que eu tinha, e minhas opções de socorro
estavam bem limitadas.
Após duas costelas quebradas e uma concussão na cabeça, eu precisava
fugir da família que deveria cuidar de mim, mas que aparentemente era
tudo o que não sabiam fazer.
Precisou de uma semana inteira internado no hospital e muitas mentiras
para que a decisão fosse tomada. Agora estava prestes a entrar no ônibus
que me levaria até a casa da minha avó paterna, a qual jamais conheci.
Parecia uma ideia melhor do que ficar e continuar a apanhar do homem
que minha mãe colocou dentro de casa. A pior parte era saber que, diante
de suas atitudes, ela não possuía um osso no corpo que lutasse por mim.
— Você pode ficar com a gente lá em casa, minha mãe já te garantiu isso.
Até nos formarmos e sairmos daqui — ele falou mais uma vez.
Entretanto, ninguém precisava ter trabalho por minha causa e não é como
se tia Vilma tivesse condições de ter mais um adolescente em sua casa para
cuidar.
Seus olhos seguravam as lágrimas de uma vida inteira. Lucas foi meu
primeiro amigo, o primeiro de verdade que se importou comigo. E eu não
seria o moleque que despejaria um monte de merda na sua vida agora.
As lágrimas que ele segurava não tinham o mesmo propósito nos olhos
dela. Isabella parecia sentir falta de ar quando a puxei para meus braços,
querendo que sua dor atenuasse.
— Vou ficar bem, Isa — tentei tranquilizá-la, mesmo sentindo um bolo na
garganta que começava a fazer com que o ar não entrasse direito. — Vou
voltar para vocês assim que for possível.
— Não — respondeu chorosa, e uni nossas testas respirando com
dificuldade. — Não vou conseguir te perder, fica comigo. Não vai. Pode
dormir lá em casa ou na casa do Lucas. Não se separa de nós, Pedro. Não
me abandona!
Sua mão massageou o próprio peito como se fosse possível atenuar a dor
que sentia.
Meu coração acelerou, e eu queria ceder... nunca quis tanto algo. Isabella
era especial, uma amiga querida, minha família, assim como o Lucas. Mas
quando despertei ouvindo seu chamado, eu entendi que não era somente
amizade o que sentia por ela. E agora, me despedir causava uma dor que
começava no peito e se alastrava por todo o corpo.
— Eu vou ficar bem. Prometo voltar para vocês assim que puder. Isso não
vai nos separar — senti meu amigo se unir ao nosso abraço. — E você
sempre será nosso anjo, Isabella. Obrigado por chegar em nossas vidas.
Lucas riu e concordou. Isa era a pessoa mais meiga que já havia
conhecido. Foi ela que discutiu com meu padrasto, se jogando na frente do
meu corpo para que ele cessasse. E eu nem queria imaginar o quanto me
custaria saber o risco que correu.
Trinta minutos foram necessários para nossa despedida. O motorista deu a
última chamada sem qualquer vestígio de paciência, e eu tive que ceder e
entrar, ocupando meu assento.
Acreditei que os dias anteriores a este tivessem sido difíceis, mas agora,
aqui, parecia um erro gigante pensar assim.
As lágrimas que corajosamente segurei foram derramadas assim que o
motor foi ligado. Perder todos aqueles que amava, assim de uma vez, não
seria algo fácil a ser feito. Olhei pela janela e vi Lucas consolando a loira,
que parecia frágil demais. E eu não queria ser o motivo de sua tristeza,
nunca. E, talvez por isso, não pensei, apenas peguei minha mochila com as
poucas roupas boas que tinha e desci do automóvel, correndo na direção
deles.
Puxei Isabella para meu abraço, querendo consolar sua tristeza, como se
essa fosse minha missão na vida, uma necessidade.
— Não posso ficar longe de vocês. Foda-se se me matarem.
— Nós somos sua família, cara. E estaremos aqui por você, sempre. Minha
mãe vai tomar conta de você.
Isabella apenas sorriu e assentiu concordando, se recostando em meu peito
e respirando aliviada. E eu entendia qual era a sensação porque, pela
primeira vez no dia, o ar entrou do jeito certo.
Não importa o quê, me distanciar não era uma opção, e eu teria que
aprender a lidar com as consequências disso amanhã. Hoje não, hoje eu
confortaria seu coração e mentiria dizendo que tudo ficaria bem.
Say You Won't Let Go - James Arthur

Tudo que pude observar à minha frente era ela caminhando em minha
direção com um sorriso lindo. Daqueles dos quais já não sentia tanta falta,
pois ela havia reaprendido a dá-los novamente. Eu sorri, mesmo com a
visão turva, pensando mais uma vez o quanto eu era sortudo por tê-la em
minha vida.
— A mamãe parece uma princesa — Biel disse, segurando minha mão.
Quis corrigir e falar que ela se parecia mais com um anjo, naquele vestido
branco esvoaçante e com uma tiara dourada em seus belos cabelos. Linda,
incorrigivelmente linda. Contudo, apenas observei seu rostinho ansioso e
sorri, assentindo.
A mulher que sempre considerei uma mãe a acompanhava, de braços
cruzados durante todo o percurso, sobre o tapete de pétalas de rosas
espalhadas pelo chão. E nada, absolutamente nada me fez mais feliz do que
esse momento agora.
Beijei a mão da loira mais velha, e em seguida seu rosto, agradecendo mais
uma vez com o olhar por tê-la aqui, pois palavra nenhuma seria suficiente
para tal.
— Sejam muito felizes, meus filhos — Tia Vilma desejou, vertendo
algumas lágrimas. Ela buscou a mão de nosso filho, partindo em direção ao
assento disponível, pondo seu neto no colo.
— Uau... — foi o que consegui dizer para Isabella. Minha cabeça parecia
ter entrado em pane, e nenhum pensamento era coerente o suficiente além
desse.
Parecia que o sorriso não queria desgrudar da minha boca. Encarei seu rosto
novamente, enxugando parte das lágrimas que vertiam de seus olhos.
— Sempre soube que era o mais emocionado — beijei seu rosto. — Não
precisa chorar, seu bobo. Já sou sua.
— E eu sou o cara mais sortudo que já existiu por isso.
Dois meses foram necessários para organizar nosso casamento. Não era
nada pomposo. Havia somente uma dúzia de pessoas mais próximas, e
nossa pequena família. Escolhemos nos casar no terraço do prédio mesmo,
mas que possuía uma vista espetacular para a cidade, além de sermos
agraciados com um pôr do sol estupendo de presente.
A decoração foi toda feita com rosas brancas e cristais. Alguns tecidos
transparentes balançavam sob o gazebo que, em conjunto com as lanternas,
davam um ar romântico sem igual. Em um sonho, era como me sentia.
Meu filho… correção, nosso filho, usava um terninho cinza claro
exatamente igual ao seu. Gabriel imitava inclusive o seu penteado, e eu
achava lindo o fato dessa criança querer se espelhar no homem mais gentil
que conheci.
Encarei o céu, sorrindo mais uma vez. Agradecendo aos meus anjos em
silêncio por mais esse presente. Parecia que alguém havia derramado um
líquido espesso e morno no meu peito, que agasalhava e acalentava meu
coração por inteiro com uma porção generosa de carinho e aconchego.
O juiz iniciou seu discurso, mas eu sequer conseguia prestar atenção no que
recitava. Toda minha atenção era destinada ao moreno ao meu lado, que
segurava minha mão. E Pedro, quando não se aguentou, me trouxe para um
abraço, permanecendo atrás de mim enquanto ouvíamos a locução do
homem à nossa frente. Era melhor assim, de qualquer forma.
Nos separamos somente no momento em que fizemos nossos votos.
— Eu acho que te amei no momento que te vi pela primeira vez, ainda
quando éramos crianças, e você pediu para ser nossa amiga. Mas a certeza
veio mesmo quando eu, em uma outra vida mais complicada, tive que me
despedir. Naquela tarde, eu descobri que viver longe de você não seria uma
opção — acariciou meu rosto, em um carinho que somente ele sabia me dar.
— Passei uma vida inteira desejando que fosse feliz, em silêncio, perdendo
mil oportunidades de dizer o quanto te amo, assim mesmo, no presente, pois
amar você é um efeito de ação. E não dizer isso a todo o momento é um
erro que nunca mais vou cometer, meu amor. Porque, Isabella, eu te amo.
Amo você e nossa pequena família. Amo dividir os dias e todas as minhas
histórias importantes. Te amei no momento em que me salvou sem mesmo
se dar conta. E amo o seu sorriso, que é sempre a parte mais bonita dos
meus dias. E você bem sabe que minha história poderia ter sido bem
diferente. Eu amo quando me encara com esses olhos espertos e me conta
que faço parte de seu universo inteiro. E eu sou o cara mais feliz por saber
que esse sentimento é recíproco. Eu prometo que vou fazê-la feliz, meu
anjo. Enquanto viver, vocês serão sempre a minha prioridade.
Finalizou, e eu mal podia enxergá-lo, em meio às lágrimas que sentia
escorrerem quentes por meu rosto.
— Eu descobri... — tentei dizer, mas falhei... limpei a garganta e me
obriguei a dizer mais uma vez. — Eu descobri que a vida é aquilo que
acontece entre os nossos planos... é o que vai em desacordo... e você não
tem qualquer controle sobre ela. Algumas coisas podem ser ruins, mas
outras... outras, como essa, são incríveis — encarei seus olhos emocionados
como os meus, sentindo o coração pressionar no peito. Aquela dor gostosa
que Pedro sempre me causava. — E amá-lo foi tão fácil. Ao seu lado
descobri que o amor é muito mais do que uma falta de ar, ou até mesmo um
disparar do coração. Seu amor é o que me centra. Eu amo que sempre me
apoie e me priorize. Você é a minha pessoa, aquela que nunca foi um acaso.
É onde meu abraço casa, meu porto seguro. A nossa história foi de
recomeços. E eu me pego hoje pensando o quanto você não tem ideia de
quantos sorrisos já dei, só de pensar em você. Eu amo nossa vida. Amo
quando chega em casa e me acompanha em uma dança sem propósito, gosto
de olhar para você nos momentos em que é um pai extraordinário para
nosso filho. Gosto de me sentar ao seu lado e poder conversar sobre
qualquer assunto, porque você sempre será o meu par. E eu fui o par
imperfeito por muito tempo, somente para entender que, às vezes,
precisamos mudar a perspectiva. Obrigada por me amar quando ainda
não sabia retribuir como precisava. Obrigada por ser paciente e me esperar.
Você vive dizendo que eu te salvei, mas a verdade é que foi você que fez
isso por mim, por uma vida inteira.
— Eu te amo — foi o que disse em resposta, antes de mais um beijo, onde
era possível sentir o quanto suas palavras eram verdadeiras em ações.
E eu sabia que havia uma promessa ali... seríamos felizes.
— Pai, preciso conversar com você sobre algo importante — meu filho me
disse, assim que coloquei mais um pedaço de carne na grelha.
Encarei seu rosto, que agora era quase uma cópia exata do Lucas, e sorri.
Em seus vinte e quatro anos de vida, tudo o que fez foi nos encher de
orgulho. Havia se formado recentemente em medicina, e jamais nos deu
trabalho, sendo sempre um menino brilhante e essencialmente bom. O
puxei para meus braços, porque amava demais meu garoto, e nunca resistia
poder abraçá-lo todas as vezes possíveis.
— Fala filho, do que precisa?
— Estou pensando em fazer o pedido? — encarei seus olhos verdes. —
Mas queria sua opinião a respeito antes. Acha que é muito cedo? Quer
dizer, acabamos de nos formar.
— O pedido? — tentei parecer menos orgulhoso. — Aquele pedido? O
oficial?
— Sim, Sr. Pedro. Está me ouvindo?
Michele era uma boa moça. Se conheceram no curso de medicina e logo se
apaixonaram, pois tinham muito em comum. E, se esse fosse seu desejo, eu
o apoiaria com toda a certeza.
— O que seu coração está falando, Biel?
— Que ela é a mulher da minha vida — suspirou, me arrancando um
sorriso, porque conhecia muito bem esse olhar. — Mas somos jovens, e
acabamos de nos formar. Não acha que é cedo demais?
— Garoto, presta atenção no que vou te dizer. Se tem certeza sobre isso,
não perca tempo. Eu sou a prova viva de que o tempo passa rápido demais e
é implacável. Então, se agarre a todas as oportunidades que deseja e viva
sempre intensamente. E, se for para se arrepender de algo, que seja por
alguma coisa que fez e nunca pelo que deixou de fazer. Mas... — expandi
os olhos em sua direção — precisa contar para sua mãe.
— Eu vou — me abraçou. — Mas preciso de sua ajuda, pai. Sabe como
dona Isabella pode ser durona quando quer.
Dei um gole em minha cerveja e pisquei para ele.
— Conta comigo para o que precisar, moleque. Mas não esqueça que ela te
ama mais do que qualquer coisa no mundo.
— Eu sei. — garantiu com um beijo, se retirando em seguida para alcançar
sua futura noiva que havia terminado de conversar com Miguel, seu melhor
amigo, e começava a vir em nossa direção.
Era mais uma tarde como tantas outras, cercados de calma e de pessoas que
amamos.
Encarei minha esposa, que brincava com nosso cão. Quer dizer, mais dela
do que meu, pois Max a seguia pra cima e pra baixo. O labrador amarelo
lhe arrancava sempre muitos sorrisos, e era uma parte importante da nossa
família.
Havíamos retornado para o Rio, para vivermos na mesma casa a qual
pulamos o muro diversas vezes para roubar maçãs e nadar escondido. Sua
feição de agradecimento jamais seria esquecida.
Destapei seus olhos, revelando a surpresa.
— O que estamos fazendo aqui? — questionou confusa, com um largo
sorriso nos lábios.
— Te trazendo para conhecer a nossa casa. Surpresa!
— Não acredito — me encarou. — Jura que é nossa?
— Nossa, meu amor. Aqui começa a nova etapa de nossa história.
Ela pulou em meu colo eufórica, como sabia que ficaria, beijando meus
lábios e correndo em seguida para pular na nossa piscina.
Não haveria outra escolha, este sempre seria o nosso lugar. O nosso
cantinho especial.
Encarei minhas meninas brincando na piscina com sua avó, e eu não
poderia estar mais feliz. Ana e Luiza chegaram em nossas vidas de repente.
Era para ser mais uma visita ao orfanato, quando as gêmeas se aproximaram
de nós com uma tristeza que não poderia ser ignorada. Sabemos qual é a
realidade do Brasil. Irmãs, negras, com mais de oito anos, não possuem
muitas chances de adoção. Quer dizer, a exceção fugiu à regra, quando nos
apaixonamos por elas imediatamente. Mais um de nossos reencontros.
Agora já eram adolescentes, com seus dezesseis anos, e me tiravam o juízo
todos os dias. Mas, quer saber se eu trocaria isso? Jamais!
Isabella notou que eu a observava e acenou, partindo em minha direção. No
percurso, encarou a piscina onde estavam todos os nossos filhos e suspirou.
Foi quando uma rajada de vento soprou, bagunçando seus cabelos,
causando uma visão linda de ser apreciada. Ela levantou seu rosto para o
céu, e sorriu. Era um daqueles sorrisos lindos, que eu gostava de colecionar.
Nunca mais a vi chorar, sua saudade agora era demonstrada com sorrisos, e
seus dias sempre foram repletos de alegria. Uma hora os momentos difíceis
tinham que terminar.
— Depois de tantos anos, ainda me olha com esse olhar apaixonado? —
beijou meus lábios. — Quem diria que seria o mais emocionado?
— Por você? Serei sempre, meu anjo. Aliás... — a prendi em meus braços,
sorrindo em sua boca — já falei que te amo hoje?
— Em cada gesto — garantiu.
— É... eu te amo, meu anjo.
— E eu amo você.
PLAYLIST

Save Me - Hanson
Iris – Goo Goo Dolls
Arcade – Duncan Laurence
Here Without You - 3 Doors Down
I can't make you love me - George Michael
Let It All Go - Birdy, Rhodes
Someone To Stay - Vancouver Sleep Clinic
A drop in the ocean - Ron Pope
You and Me – Lifehouse
Tattoo - Loreen
Say You Won't Let Go - James Arthur
Spotify
AGRADECIMENTOS

Eu quero agradecer primeiramente a você leitor que chegou até aqui.


Espero que Isabella e Pedro possam ter encantado seu coração, assim como
o meu. Mas, caso não tenha sido a sua praia, tudo bem. Espero em uma
outra oportunidade poder te conquistar.
E o meu muito obrigada a todos que me incentivaram a continuar e espero
poder contar muitas outras histórias em breve.
Gostou da história?
Então, ajude a autora deixando sua avaliação. É bem rapidinho e faz uma
diferença danada. ;)
Conheça também outras histórias...

Prazer, Babi – Sinopse


Babi gosta de mudanças e não tem medo de se arriscar, como qualquer
mulher independente.

Seus planos são até bem simples: ter um bom emprego, manter bons amigos
e se possível uma boa dose de diversão.

A vida por outro lado parece ignorar toda sua pequena lista e lhe envia
alguns belos problemas ao mudar de cidade para seu novo emprego.

Tudo o que ela não esperava é que seus maiores desafios teriam cerca de
1,90 de altura, terno e gravata e um humor dos infernos.

Quantas mentiras são necessárias para te quebrar? E quantos amores para te


reconstruir?
Descubra tudo nesse romance fogo no parquinho com boas doses de
gargalhadas e uma pitada de drama Queen.
Tentação.: Conto – Sinopse
Há seis anos Victoria foi humilhada, e isso não sairia barato.

Ela estava pronta para dar as cartas, até perceber que nada é exatamente
como pensava. Mas seus planos não previram a atração que sentiria por
Andrew e tão pouco que fosse recíproco. O que não seria um problema, se o
homem em questão não fosse o marido de sua amiga.

Alguns dizem que é possível não ceder à TENTAÇÃO. Outros, no entanto


discordam.
Sua – Sinopse
Bem-vindos a mais um clichê, leve e picante na medida certa, assim como
gostamos.

Ela acredita que é madura demais, mas possui sérios problemas de


confiança.

Ele acredita que é um verdadeiro playboy e não se acha bom o bastante para
ser digno de sua confiança.

Juntos descobrem que o primeiro amor é maravilhoso, mas muito longe de


ser um conto de fadas.

Entre erros e acertos, será que apenas o amor será o suficiente?


Anton e Clare são imperfeitos, reais, mas feitos de amores possíveis.
Frases Marcantes: VOL.1 – Sinopse
Inesperado e surpreendente!

Essas são apenas algumas de várias definições que podemos usar para
descrever a nova antologia da Serpentine Editorial, que comemora em
grande estilo a junção de carisma, diversão, suspense, romance, e outros
diversos gêneros literários tão enraizados no cotidiano literário.

Utilizando como pano de fundo frases tão marcantes de músicas nacionais


profundamente conhecidas pelo gosto popular, nossos queridos autores
tiveram como desafio transmutar o contexto da canção em apenas um
conto, de seu estilo literário preferido, logo a gama vasta de loucuras foi
apenas o estopim para as mentes criativas mais insanas da literatura
nacional.

Venha descobrir as mais variadas histórias derivadas de frases tão


marcantes que ficam na cabeça e no coração de todos os seus ouvintes.

E você, qual a sua frase marcante preferida?


Sumário
1.
2.

3.

4.
5.

[1]
parca:

qualidade de escasso; pouco: parca saúde; pessoa de parcos bens. Econômico na maneira como
decide gastar dinheiro; poupado.
[2]
espécime:

qualquer indivíduo de uma espécie.

[3]
tácito:

que não foi formalmente expresso em palavras; silencioso.

[4]
amálgama:

fusão perfeita entre coisas; mistura. No sentido figurado, uma amálgama é o nome que se dá à
mistura de coisas diversas e heterogêneas.

[5]
mandamental:

que contém ou expressa mandamento.

[6]
mise en place:

termo francês que significa "pôr em ordem, fazer a disposição"; arrumar e preparar a cozinha para
começar a confeccionar os pratos.
[7]
sorve:

do verbo sorver. O mesmo que absorve, aspira, chupa, suga; beber aos poucos.

[8]
esguelha:

diagonal; de modo transversal, de lado.

[9]
crispava:

do verbo crispar; contrair-se, ficar tenso.

[10]
vultoso:

considerável, de tamanho exagerado; que alcança grandes proporções.

[11]
escrutínio:

[figurado] exame extremamente detalhado, inspeção minuciosa.

[12]
embair:

iludir, enganar, ludibriar.

[13]
tamborilar:

imitar um tambor, batucar; bater os dedos ou qualquer objeto sobre uma superfície.

[14]
indulto:

perdão da pena; absolvição, remissão.

[15]
cenho:

fisionomia, semblante; expressão sombria, carregada.


[16]
lascívia:

propensão para a luxúria, sensualidade; emoção de intenso desejo pelo corpo.

[17]
intumescido:

que apresenta inchaço (aumento de volume); dilatado, vultuoso.

[18]
maître:

pessoa responsável pelo gerenciamento e supervisão dos garçons de um hotel ou restaurante.

[19]
vertia:

do verbo verter; entornar, derramar, jorrar, transbordar.

[20]
traquejo:

muita prática ou experiência em qualquer atividade.

[21]
inefável:

que não se pode nomear ou descrever em razão de sua natureza, força e beleza; indescritível,
inebriante, encantador.

[22]
confrangeu:

oprimiu, angustiou, atormentou.

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