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CDU 364.044.24
Terapia
Familiar
CONCEITOS E MÉTODOS
Richard C. Schwartz
Director, The Center for Self Leadership, Oak Park, IL
7a Edição
Tradução:
Maria Adriana Veríssimo Veronese
Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição:
Helena Centeno Hintz
Psicóloga Clínica, Psicoterapeuta de Casal e Família
Membro Fundador, Docente e Supervisora do DOMUS –
Centro de Terapia de Casal e Família
Versão impressa
desta obra: 2007
2007
Obra originalmente publicada sob o título Family Therapy: Concepts & Methods, 7th
Edition ISBN 0205478093
Authorized translation from the English language edition, entitled FAMILY THERAPY:
CONCEPTS & METHODS, 7th Edition by NICHOLS, MICHAEL P; SCHWARTZ, RICHARD C,
published Pearson Education,Inc., publishing as Allyn & Bacon, © 2006. All rights reserved. No
part of this book may
be reproduced or transmitted in any form or by any means, electronic or mechanical,
including photocopying, recording or by any information storage retrieval system, without
permission from Pearson Education,Inc.
Portuguese language edition published by Artmed Editora SA, © 2007
Tradução autorizada a partir do original em língua inglesa da obra intitulada FAMILY THERAPY:
CONCEPTS & METHODS, 7ª Edição, autoria de NICHOLS, MICHAEL P; SCHWARTZ,
RICHARD C, publicado por Pearson Education, Inc., sob o selo Allyn & Bacon, © 2006. Todos
os direitos reservados. Este livro não poderá ser reproduzido nem em parte nem na íntegra,
nem ter partes ou sua íntegra armazenado em qualquer meio, seja mecânico ou eletrônico,
inclusive fotorreprografação, sem permissão da Pearson Education,Inc.
A edição em língua portuguesa desta obra é publicada por Artmed Editora SA, © 2007
Capa
Mário Röhnelt
Preparação do original
Kátia Michelle Lopes Aires
Leitura final
Aline Pereira de Barros
Supervisão editorial
Mônica Ballejo Canto
Projeto gráfico e editoração eletrônica
Armazém Digital Editoração Eletrônica – Roberto Vieira
SÃO PAULO
Av. Angélica, 1091 - Higienópolis
01227-100 São Paulo SP
Fone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Neste livro, Mike Nichols e Dick Schwartz con estrutural, boweniana, experiencial –,
tam a história da terapia familiar – e o fazem também havia uma notável solidariedade nas
muito bem. É difícil imaginar um guia de lei crenças compartilhadas que definiam o cam
tura mais agradável e mais informativo nessa po. Os pioneiros estavam unidos em sua rejei
área. ção à psicanálise e abraçavam o pensamento
Nascida na década de 1950, a terapia fa sistêmico, por maiores que fossem suas dife
miliar parece ter surgido, já inteiramente for renças nas técnicas terapêuticas.
mada, das mentes de um grupo seminal de
pensadores e terapeutas. Cerca de quatro dé
cadas mais tarde, tanto a teoria quanto a prá
Prefácio
tica mostram as incertezas e dúvidas que defi Salvador Minuchin
nem a maturidade. Todavia, no início – como
dizem os contadores de histórias – era uma
vez Gregory Bateson na Costa Oeste dos
EUA, um intelectual alto, magro e bem
barbeado, que via as famílias como sistemas,
portadores de idéias. Na Costa Leste, havia
Nathan Ackerman, baixinho, barbudo,
corpulento, a quintessên cia do curandeiro A partir de meados da década de 1970,
carismático, que via as famí lias como um conforme a terapia familiar prosperava e se
grupo de indivíduos lutando para equilibrar ex pandia, ela passou a abranger diferentes
sentimentos, irracionalidades e dese jos. po pulações de clientes, com intervenções
Bateson, o homem das idéias, e Ackerman, o especí ficas para vários grupos especiais –
homem da paixão, complementavam-se per clientes vi ciados em drogas, pacientes
feitamente. Eram o Dom Quixote e o Sancho psiquiátricos hos pitalizados, a população
Pança da revolução do sistema familiar. dependente da ajuda da previdência social,
Mesmo com toda a diversidade das famílias violentas, etc. Cada uma dessas
déca das de 1960 e 1970, que situações trazia desafios di ferentes. Os
testemunharam a nova prática clínica terapeutas responderam a essa terapia
chamada terapia familiar assu mir uma familiar ampliada com uma série de novas
variedade de nomes – sistêmica, estra tégica, abordagens, algumas das quais inclusi ve
desafiavam a lealdade fundamental ao pen preo cupação da Escola de Milão com a
samento sistêmico. neutralidade, esta postura reapareceu
O desafio à teoria dos sistemas (a recentemente nos cons trutivistas, que
ciência oficial da época) assumiu duas propõem que a terapia seja apenas um
formas. Uma era puramente teórica: um diálogo entre dois co-construtores de uma
desafio à suposi ção de que o pensamento história que não está enraizada em qualquer
sistêmico constituía se em uma estrutura realidade testável. (Sendo o estilo acadêmico
universal, aplicável à or ganização e ao como é, a história da terapia fami liar às
funcionamento de todos os co letivos vezes é contada de tal maneira que as
humanos. Um ataque importante veio das contribuições de Ackerman, Bowen, Boszor
feministas, que questionaram a ausência de menyi-Nagy, Fleck, Haley, Lidz, Minuchin,
conceitos de gênero e poder no pensamen to Satir, Whitaker e Wynne, entre outros,
sistêmico e apontaram as conseqüências per desaparecem em favor de uma linha estreita
versas de uma teoria que não leva o gênero e direta que parte de Bateson, passa pelo
em consideração quando se trata da violência grupo de Milão e vai até os construtivistas da
familiar. O outro envolvia a conexão entre teo narrativa.) A ênfa se contemporânea dos
ria e prática: um desafio à imposição da construtivistas na lin guagem e no significado,
teoria sistêmica como a base da prática bem como seu cuida do em reduzir o poder
terapêutica. As próprias técnicas que antes do terapeuta, foi apre sentada como algo
definiam o cam po foram questionadas. radicalmente novo. No en tanto, de certa
Inevitavelmente, o campo começou a maneira, esse cuidado para que o terapeuta
recuperar especificidade e a se reabrir para o não se imponha ao paciente é uma reversão
exame de seus antigos tabus: o indivíduo, a do conceito freudiano do terapeuta como uma
vida intrapsíquica, as emoções, a biologia, o tela em branco na qual o paciente projetava
passado e o lugar particular da família na fantasias transferenciais.
cultura e na sociedade.
vi PREFÁCIO
Espreitando por entre as linhas de mui
Como sempre acontece em uma ciência tos artigos e livros recentes sobre terapia
oficial, o campo tentou preservar conceitos es fami liar, está um testa-de-ferro, um terapeuta
tabelecidos, enquanto uma atenção pragmáti se dento de poder, que mede seus pacientes
ca a casos específicos exigia respostas dei tando-os no divã procustiano dos próprios
novas e específicas. Como resultado, hoje pre conceitos e então os estica ou diminui
temos uma terapia familiar oficial que para que se ajustem ao tamanho. É para
defende sua des cendência direta de Bateson salvar as famí lias da intrusão mal-orientada
e um grande nú mero de excelentes deste tipo de pe rícia que muitas das novas
profissionais realizando um trabalho sensível modalidades de te rapia foram construídas.
e efetivo, com freqüência bem diferente Equiparar perícia à dominação é uma falsa
daquilo que a teoria sistêmica pres creve. O matemática. Além dis so, o controle não
resultado, muitas vezes, tem criado conflitos desaparece da terapia fami liar apenas com a
e controvérsias. Nessas controvérsias centra- mudança de linguagem, de “intervir” para “co-
se o poder do terapeuta. criar”. Acontece é que a in fluência do
Sob a perspectiva atual, com seus terapeuta permanece oculta. Tor nada
tantos desafios à autoridade e à invisível, ela não é examinada.
responsabilidade do terapeuta, os primeiros O construtivismo narrativo é uma manei
terapeutas familiares eram todos ra interessante de se examinar a experiência
“condutores” – defensores enérgi cos da humana por enfatizar, como o faz, um
mudança, com posições definidas sobre aspecto importante do ser que pensa, sente e
como essa mudança deveria ocorrer. A age que todos nós somos. Todavia, importar
terapia era sempre um empreendimento tal ponto de vista filosófico, sem nenhuma
conjunto, mas a responsabilidade por modificação, para um empreendimento
conduzir o caminho era do terapeuta. intervencionista como é a terapia familiar
Algumas escolas de terapia familiar ago (que tem a ver, no final das contas, com a
ra tentam proteger a família da intrusão do redução do sofrimento), cria um ogro dos
terapeuta. Elas temem que as intervenções contos de fadas: um terapeuta que não
enérgicas do terapeuta possam dominar e percebe o efeito de suas intervenções, que
tirar o poder das famílias. Começando com a opera de uma base de poder invisível para
ele. A única maneira de evitar empunhar esse lugar entre esses dois pólos de neutralidade
martelo esmagador, muitos acreditam agora, e determinação.
é intervir apenas como um co-construtor de A escolha entre ação e
histórias – como se as pessoas não apenas intervencionismo, por um lado, e significado e
fos sem influenciadas pelas histórias que conversação, por outro, é apenas uma entre
contam sobre si mesmas, mas também não as questões com as quais o campo luta
fossem nada além dessas histórias. atualmente; existem mui tas outras. Será que
Entretanto, existe outra maneira de pen há modelos úteis da natu reza humana e de
sar sobre famílias e seus problemas, adotada famílias funcionais ou cada situação deve ser
por um grupo que acredita que a terapia é um tratada como algo novo? As normas do
campo de transações humanas e que é comportamento humano e do fun cionamento
impos sível para o terapeuta não influenciar familiar são universais ou produ
esse cam po. Os terapeutas desse grupo PREFÁCIO vii
tendem a ser próximos, inventivos,
compometidos, interven tivos e otimistas,
acreditando que seu envolvi mento com as tos culturalmente construídos de sujeições po
famílias ajudará seus membros a resolverem líticas e ideológicas? Como nos tornamos es
seus problemas. Posicionado neste grupo, pecialistas? Como sabemos o que sabemos?
penso que somente um claro reconhe Se nos tornamos especialistas, estaremos
cimento das idiossincrasias do terapeuta e criando o campo que então descobrimos?
das parcialidades de cada abordagem Podemos in fluenciar as pessoas? Podemos
terapêutica possibilita um respeito genuíno não as influen ciar? Como saber se não
pelo caráter único e individual de cada somos apenas agen tes do controle social?
família. Vejo o pro Como saber se estamos realmente
realizando algo? Que direito temos de limitar
a diversidade, impondo aos outros maneiras
de ser? Perguntas são melhores do que
cesso terapêutico como um encontro entre afirmações?
cul turas interpessoais distintas. Um respeito Todas essas questões e a rica história e
real pelos clientes e por sua integridade prática contemporânea da terapia familiar são
permite que o terapeuta vá além de uma examinadas, de modo magnífico, em Terapia
cautela temerosa, encoraja-o a ser direto e familiar: conceitos e métodos. Este é um guia
autêntico – respeito so e compassivo –, mas, completo e ponderado, imparcial e equilibra
às vezes, também ho nesto e desafiador. Tal do, sobre as idéias e técnicas que tornam a te
terapeuta aceita que os membros da família rapia familiar um empreendimento tão emocio
tenham suas próprias ex periências e nante. Nichols e Schwartz conseguem ser
integridade, e também que proje tem seus deta lhistas e abrangentes sem se tornarem
desejos e suas fantasias na área tera pêutica, tediosos. Talvez o segredo esteja no estilo
que então se torna um campo de for ças no envolvente de redação ou talvez seja a sua
qual todos os participantes puxam uns aos capacidade de não se perder em abstrações
outros em diferentes direções. e de manter um foco muito claro na prática
A vantagem dessa posição é que o tera clínica. De qualquer maneira, este livro
peuta, como depositário de múltiplas “transfe extraordinário há muito tempo já estabeleceu
rências”, experiencia influências variadas em o padrão de excelência como melhor
seu comportamento. Conforme o terapeuta, introdução e guia para a prática da terapia
como um self separado, uma pessoa distinta, familiar.
experiencia essas influências, ele responde Muita coisa mudou no campo e esta
criando contextos em que os membros da fa nova edição atualiza inteiramente o leitor,
mília se descobrirão em novas posições, posi descre vendo as últimas abordagens e
ções que estimularão a exploração do novo e continuando a oferecer comentários
de escolhas alternativas. perspicazes e equilibra dos. Sem dúvida o
Este conceito do terapeuta como um co manual definitivo sobre te rapia familiar, este
nhecedor ativo – de si mesmo e dos livro traz grande riqueza de informações,
diferentes membros da família – é muito apresentadas com revigorante clareza e uma
diferente do conceito do terapeuta neutro dos total ausência de jargões. Tudo isso o torna
construti vistas. Está claro que esses dois um livro estimulante, de leitura muito
protótipos são uma grande simplificação. A agradável. Prepare-se para uma jorna da
maioria dos pro fissionais situa-se em algum fascinante. Bom proveito!
Algo que tende a se perder nas discussões Quando lemos a respeito de terapia, às vezes
aca dêmicas sobre terapia familiar é o fica difícil enxergar através do jargão e da
sentimento de realização decorrente de embalagem política as idéias e as práticas
sentarmos com uma família infeliz e sermos essenciais. Então, ao preparar esta edição,
capazes de ajudá la. Os terapeutas via jamos muito para observar, em outros
iniciantes, compreensivelmen te, ficam lugares, sessões reais dos melhores
ansiosos em relação à maneira de pro ceder profissionais. O re sultado é um foco mais
e com medo de não saber como ajudar pragmático, mais clíni co. Esperamos que
(“Como conseguir que todos eles venham?”). você goste disso. Tantas pessoas
Os veteranos costumam falar de maneira abs contribuíram para o meu desenvolvimento
trata. Têm opiniões e discutem grandes ques como terapeuta familiar e para que este livro
tões – pós-modernismo, gerenciamento de fosse escrito que é impossí vel agradecer a
saú de, cibernética de segunda ordem. todas, mas eu gostaria de desta car algumas.
Embora seja tentador usar este espaço para Às pessoas que me ensinaram te rapia
dizer Coisas Im portantes, prefiro ser um familiar – Lyman Wynne, Murray Bowen e
pouco mais pessoal. Tratar famílias Salvador Minuchin –, muito obrigado!
perturbadas trouxe-me a satis fação mais Algumas das pessoas que nos ajudaram
profunda que se possa imaginar, e espero muito na preparação desta sétima edição
que o mesmo esteja acontecendo, ou foram Frank Dattilio, David Greenan, Andrew
aconteça futuramente, a você. Jacobs, Melody Nichols, Bill Pinsof, Alan
Nesta sétima edição de Terapia familiar: Gurman, Vicki Dickerson, Jeff Zimmerman,
conceitos e métodos tentamos descrever o Cloé Madanes, Jay Haley e Salvador
am plo escopo da terapia familiar – sua rica Minuchin. Parafraseando John, Paul, George
histó ria, as escolas clássicas, os últimos e Ringo, conseguimos com muita ajuda dos
desenvolvi mentos –, mas com crescente amigos – e agradecemos a todos. So mos
ênfase em ques tões práticas. Há muitas especialmente gratos à Pat Quinlin por fa
mudanças nesta edi ção: mais estudos de cilitar um trabalho difícil.
caso; sugestões práticas para o tratamento Eu gostaria de expressar a minha
de famílias de mães sozinhas, famílias afro- gratidão aos revisores deste texto, cujos
americanas e famílias de gays e lésbicas; comentários en riqueceram imensamente o
novas seções sobre terapia domiciliar; nosso trabalho: Stephen J. Brannen
questões éticas ao tratar famílias; trabalho (Southwest Missouri State University),
com casais violentos; terapia familiar da Clarence Hibbs (Pepperdine Univer sity) e
comuni dade; espiritualidade; descrições Maria Napoli (Arizona State University).
mais atualiza das dos modelos mais Por fim, gostaria de agradecer aos meus
recentes; tratamento ampliado da abordagem professores de pós-graduação em vida
cognitivo-comporta mental; descrição mais familiar: minha mulher, Melody, e meus filhos,
rica da literatura sobre as pesquisas; um Sandy e
capítulo melhorado sobre o que fazer e o que x APRESENTAÇÃO
não fazer quando buscamos
Apresentação me
Paul. No breve espaço de 38 anos, Melody
viu passar de um tímido jovem,
Michael P. Nichols totalmente ig norante de como ser marido e
pai, para um tímido homem de meia-idade,
ainda confuso e ainda tentando. Meus filhos
jamais deixam de
Sumário
Prefácio .............................................................................................................................................................
............ v Salvador Minuchin
Apresentação ..................................................................................................................................................
............ ix Michael P. Nichols
Principais eventos na história da terapia familiar
................................................................................................... 15
PARTE 1
O contexto da terapia familiar
1. Os fundamentos da terapia familiar
.................................................................................................................. 21
O mito do
herói ..................................................................................................................................................... 23
Santuário
psicoterapêutico .................................................................................................................................... 24
Terapia familiar versus terapia
individual .............................................................................................................. 25 Psicologia e contexto
social ................................................................................................................................... 26 O poder da
terapia familiar ................................................................................................................................... 27
Pensando em linhas, pensando em
círculos ........................................................................................................... 27
PARTE 2
As escolas clássicas de terapia familiar
6. Terapia familiar
estratégica.............................................................................................................................. 157
Esboço de figuras
orientadoras ........................................................................................................................... 157
Formulações
teóricas ........................................................................................................................................... 159
Desenvolvimento familiar
normal ....................................................................................................................... 161 Desenvolvimento
de transtornos de comportamento .......................................................................................... 162
Objetivos da
terapia ............................................................................................................................................ 164
Condições para a mudança de
comportamento ................................................................................................... 165
Terapia ..........................................................................................................................................................
...... 166 Avaliando a teoria e os resultados da
terapia ...................................................................................................... 175
PARTE 3
Desenvolvimentos recentes em terapia familiar
PARTE 4
A avaliação da terapia familiar
Principais eventos na
história da terapia familiar
Contexto social e político Desenvolvimento da terapia familiar
1945 F.D.R. morre, Truman se torna presidente Bertalanffy apresenta a teoria geral dos sistemas A
Segunda Guerra Mundial acaba na Europa
(8 de maio) e no Pacífico (14 de agosto)
1948 Truman é reeleito presidente dos EUA Whitaker inicia conferências sobre a esquizofrenia É
estabelecido o Estado de Israel
1949 É estabelecida a República Popular da China Bowlby publica: The study and reduction of group
tensions in the family
1950 A Coréia do Norte invade a Coréia do Sul Bateson começa seu trabalho em Palo Alto, V.A.
1951 Julius e Ethel Rosenberg são condenados à Ruesch e Bateson publicam: Communication: morte
por espionagem the social matrix of society
Sen. Estes Kefauver faz o Senado investigar o Tratamento domiciliar de Bowen para mães e filhos
crime organizado Lidz em Yale
1952 Eisenhower é eleito presidente dos EUA Bateson é subvencionado por Rockfeller para estudar a
comunicação em Palo Alto
Wynne no NIMH
1954 A Suprema Corte decreta que a segregação escolar Projeto de pesquisa de Bateson sobre a
comunicação é inconstitucional esquizofrênica
Bowen no NIMH
1955 Rosa Parks se recusa a ir para o fundo do ônibus: Whitaker em consultório particular, Atlanta, Ga.
Martin Luther King Jr. conduz o boicote em
Montgomery, Alabama
1956 Nasser é eleito presidente do Egito Bateson, Jackson, Haley e Weakland publicam: Toward Tropas
soviéticas esmagam rebelião anticomunista a theory of schizophrenia
na Hungria
(Continua)
16 MICHAEL P. NICHOLS
(Continuação)
1958 É estabelecido o Mercado Comum Europeu Ackerman publica: The psychodynamics of family life
Charles De Gaulle se torna o primeiro-ministro
da França
1959 Fidel Castro se torna primeiro-ministro de Cuba Don Jackson funda o MRI (Mental Research Institute)
1960 Kennedy é eleito presidente dos EUA Nathan Ackerman funda o Family Institute (renomeado como
Instituto Ackerman em 1971)
Minuchin e colegas começam a fazer terapia familiar
em Wiltwyck
1961 É erguido o Muro de Berlim Bell publica: Family group therapy Ackerman e Jackson fundam
Family Process
1962 Crise dos Mísseis Cubanos Termina o projeto de Bateson em Palo Alto Haley ingressa no MRI
1964 Johnson é eleito presidente dos EUA Satir publica: Conjoint family therapy Martin Luther
King Jr. recebe o Prêmio Nobel da Paz Morre Norbert Wiener (nascido em 1894)
1965 Aprovado o Medicare Minuchin torna-se diretor da Philadelphia Child Malcolm X é assassinado
Guidance Clinic
Whitaker na Universidade de Wisconsin
1966 A Guarda Vermelha faz uma demonstração na China É criado o Brief Therapy Center no MRI, sob a
direção Indira Gandhi torna-se primeira-ministra da Índia de Richard Fisch
Ackerman publica: Treating the troubled family
1967 Guerra dos Seis Dias entre Israel e os estados árabes Watzlawick, Beavin e Jackson publicam:
Pragmatics of Tumultos urbanos em Cleveland, Newark e Detroit human communication
Dicks publica: Marital tensions
1968 Nixon é eleito presidente dos EUA Morre Don Jackson (nascido em 1920) Robert
Kennedy e Martin Luther King Jr. são
assassinados
1969 Por toda a parte, há demonstrações contra a Guerra Bandura publica: Principles of behavior
modification do Vietnã Wolpe publica: The practice of behavior therapy
1970 Protestos estudantis contra a Guerra do Vietnã Masters e Johnson publicam: Human sexual inadequacy
resultam na morte de quatro estudantes em Kent State Laing e Esterson publicam: Sanity, madness
and the family
1971 A 26a emenda concede o direito de voto Morre Nathan Ackerman (nascido em 1908) aos 18
anos
1972 Nixon é reeleito presidente dos EUA Bateson publica: Steps to an ecology of mind Wynne na
Universidade de Rochester
1973 A Suprema Corte decide que os estados não podem Phil Guerin cria o Center for Family
Learning proibir o aborto
Há crise de energia provocada por escassez de petróleo Boszormenyi-Nagy e Spark publicam:
Invisible
loyalties
(Continu
a)
1974 Nixon renuncia Minuchin publica: Families and family therapy Watzlawick, Weakland e Fisch
publicam: Change
1975 Termina a Guerra do Vietnã Mahler, Pine e Bergman publicam: The psychological birth of the human
infant
Stuart publica: Behavioral remedies for marital ills
1976 Carter é eleito presidente dos EUA Haley publica: Problem-solving therapy Haley vai para
Washington, D.C.
1977 O presidente Carter perdoa a maioria daqueles que Betty Carter funda o Family Institute of
Westchester tentaram fugir ao recrutamento e serviço militar na
Guerra do Vietnã
1978 Tratado de Camp David entre Egito e Israel Hare-Mustin publica: A feminist approach to family
therapy
Selvini Palazzoli e colaboradores publicam: Paradox
and counterparadox
1979 Margaret Thatcher, da Inglaterra, é a primeira Criação do Brief Therapy Center em Milwaukee
mulher a se tornar primeira-ministra Bateson publica: Mind and nature
Militantes iranianos invadem a embaixada dos
Estados Unidos em Teerã e fazem reféns
1980 Reagan é eleito presidente dos EUA Haley publica: Leaving home EUA boicotam a Olimpíada
de verão em Moscou Morre Milton Erickson (nascido em 1901) Morre Gregory Bateson (nascido
em 1904)
1981 Sandra Day O’Connor torna-se a primeira juíza mulher Hoffman publica: The foundations of family
therapy da Suprema Corte Madanes publica: Strategic family therapy Minuchin e Fishman publicam: Family
therapy
techniques
1982 Fracassa a ratificação da Emenda dos Direitos Iguais Gilligan publica: In a different voice Guerra das
Malvinas Fisch, Weakland e Segal publicam: Tactics of change Richard Simon funda The family therapy
networker
1983 EUA invadem Granada Doherty e Baird publicam: Family therapy and family Terroristas bombardeiam o
quartel general da medicine
Marinha em Beirute Keeney publica: Aesthetics of change
1984 Reagan é reeleito presidente dos EUA Watzlawick publica: The invented reality URSS boicota a
Olimpíada de verão em Los Angeles Madanes publica: Behind the one-way mirror
1985 Gorbachev torna-se líder da URSS De Shazer publica: Keys to solution in brief therapy Gergen publica:
The social constructionist movement
in modern psychology
1986 Explode a nave espacial Challenger Anderson et al. publicam: Schizophrenia and the family Selvini
Palazzoli publica: Towards a general model of
psychotic family games
1987 O Congresso investiga o caso Irã-Contras Tom Andersen publica: The reflecting team Guerin e
colaboradores publicam: the evaluation and
treatment of marital conflict
Scharff e Scharff publicam: Object relations
family therapy
(Continua)
18 MICHAEL P. NICHOLS
(Continuação)
1990 O Iraque invade o Kuwait Morre Murray Bowen (nascido em 1913) White e Epston publicam:
Narrative means to
therapeutic ends
1991 Guerra do Golfo Pérsico contra o Iraque Morre Harold Goolishian (nascido em 1924)
1992 Clinton é eleito presidente dos EUA Monica McGoldrick funda o Family Institute of New Jersey
1993 Eliminação étnica na Bósnia Morre Israel Zwerling (nascido em 1917) Policiais de Los Angeles
são condenados pelo ataque Minuchin e Nichols publicam: Family healing a Rodney King
1994 Republicanos conseguem a maioria no Congresso David e Jill Scharf deixam Washington School of
Nelson Mandela é eleito presidente da África do Sul Psychiatry e dão início ao International Institute of
Object Relations Therapy
1995 O prédio federal de Oklahoma é bombardeado Morre Carl Whitaker (nascido em 1912)
Morre John Weakland (nascido em
1919)
Salvador Minuchin se aposenta
Family Studies Inc. é renomeado como The Minuchin
Center
1996 Clinton é reeleito presidente dos EUA Morre Edwin Friedman (nascido em 1932) Eron e Lund
publicam: Narrative solutions in brief
therapy
Freedman e Combs publicam: Narrative therapy
1997 A Princesa Diana morre em um acidente de carro Morre Michael Goldstein (nascido em 1930)
Hong Kong volta a pertencer à China
1998 Impeachment do presidente Clinton pela Câmara Minuchin, Colapinto e Minuchin publicam: Working
de Deputados with families of the poor
1999 O presidente Clinton é absolvido no julgamento Morre Neil Jacobson (nascido em 1949) de
impeachment Morre John Elderkin Bell (nascido em 1913) Morre Mara Selvini Palazzoli (nascido em
1916)
2000 George W. Bush é eleito presidente dos EUA Acontece a Millennium Conference, Toronto, Canadá
2002 Escândalo de abuso sexual na Igreja Católica Lipchik publica: Beyond techniques in solution-focused
Corrupção corporativa em Enron therapy
2003 Os EUA invadem o Iraque Greenan e Tunnell publicam: Couple therapy with gay men
2004 George W. Bush é reeleito presidente dos EUA Morre Gianfranco Cecchin (nascido em 1932)
TERAPIA FAMILIAR 19
PARTE 1
O contexto da terapia
familiar
poderia ajudar. Eu me sentia à vontade com
Saindo de casa pessoas deprimidas. Desde meu último ano de
Os fundamentos da
terapia familiar
Não havia muitas informações na folha sugeria que a vida continua. O pastor da
de entrada: apenas um nome, Holly Roberts, Igreja de Alex dis se que sua morte na
o fato de que ela era uma estudante verdade não era uma tra gédia, porque agora
universitá ria prestes a concluir o curso e a “Alex estava com Deus no céu”. Tinha
queixa apre sentada: “dificuldade para tomar vontade de gritar; em vez disso, eu me
decisões”. anestesiei. No outono, fui para a uni
A primeira coisa que Holly disse quando versidade, e, mesmo que parecesse um
se sentou foi: “Eu não tenho certeza se preci pouco desleal para com Alex, a vida
sava estar aqui. Você provavelmente tem mui realmente conti nuou. Eu ainda chorava de
tas pessoas que precisam mais de ajuda do vez em quando, mas as lágrimas vieram
que eu”. Depois, ela começou a chorar. acompanhadas por uma descoberta dolorosa.
Era primavera. As tulipas estavam em A minha tristeza não era apenas por causa
flor, as árvores copadas de folhas verdes, e de Alex. Sim, eu o amava. Sim, eu sentia
moitas de lilases roxos perfumavam o ar. A falta dele. Mas a sua morte tam bém me dava
vida e todas as suas possibilidades se abriam a justificativa para chorar pelos sofrimentos
diante dela, mas Holly estava importuna e do dia-a-dia na minha própria vida. Talvez a
inexplicavelmente de primida. tristeza seja sempre assim. O tempo todo
A decisão que Holly estava com dificul aquilo me parecia uma traição. Estava
dade de tomar era o que fazer após a usando a morte de Alex para sentir pena de
formatura. Quanto mais ela tentava imaginar, mim mesmo.
menos capaz se sentia de se concentrar.
Começara a dormir tarde, a perder aulas.
Finalmente, sua colega de quarto a
convencera a procurar o serviço de saúde. O que, eu me perguntei, deixava Holly
“Eu não teria vindo”, disse Holly. “Eu consigo tão triste? De fato, ela não tinha uma história
cuidar dos meus próprios problemas.” dramática. Seus sentimentos não tinham
No momento, eu fazia uma terapia catár foco. Depois daqueles primeiros momentos
tica. A maioria das pessoas tem histórias em meu consultório, raramente chorou.
para contar e lágrimas a derramar. Algumas Quando cho rava, era mais uma lágrima
das histó rias, eu desconfiava, eram involuntária do que um soluçar libertador. Ela
dramatizadas para provocar simpatia e falava sobre o futu ro e sobre não saber o
atenção. Parece que nós só nos damos que queria fazer com
permissão para chorar quando temos alguma 22 MICHAEL P. NICHOLS
desculpa aceitável. De todas as emoções
humanas das quais nos envergonhamos, sua vida. Falava sobre não ter namorado –
sentir pena de nós mesmos está no topo da de fato, ela raramente saía com alguém. Ela
lista. nun ca falava muito sobre sua família. Para
Eu não sabia o que estava por trás da dizer a verdade, eu não estava muito
de pressão de Holly, mas tinha certeza de interessado. Na época, eu achava que o lar
que era o lugar que você tinha de deixar para
ra, eu mesmo vinha me sentindo um pouco conseguir crescer.
deprimido. Holly era vulnerável e precisava de
alguém em quem se apoiar, mas algo a
continha, como se ela não se sentisse
Depois da morte de Alex, o restante do segura, não confiasse muito em mim. Era
verão foi um borrão escuro. Eu chorava frustrante. Eu queria ajudá-la.
muito. Ficava furioso sempre que alguém Um mês se passou e a depressão de
Holly piorou. Comecei a atendê-la três vezes A história relatada foi uma daquelas his
por se mana, mas não estávamos chegando tórias tristes de ciúme e ressentimento que
a lugar nenhum. Em uma tarde de sexta-feira, trans formam o amor comum em sentimentos
Holly estava se sentindo tão desesperançada amar gos, feridos, que, com excessiva
que achei que ela não deveria voltar sozinha freqüência, se param famílias. Lena Roberts
para o dormitório da faculdade. Então lhe tinha 34 anos quando conheceu Tom
pedi para deitar no divã do consultório e, com Morgan. Ele era um ho mem robusto de 56
sua per missão, liguei para os pais. anos. A segunda diferença óbvia entre eles
A Sra. Roberts atendeu o telefone. Eu era o dinheiro. Ele era um cor retor bem-
lhe disse que achava que ela e o marido sucedido que se aposentara para cui dar de
deveriam vir a Rochester e encontrar-se uma fazenda de cavalos. Ela trabalhava
comigo e com Holly para discutir a como garçonete para sustentar a si mesma e
possibilidade de Holly con seguir uma licença à filha. Era o segundo casamento de ambos.
de saúde e ir para casa. In seguro na época Lena esperava que Tom fosse a figura
quanto à minha autoridade, eu me preparei pa terna ausente na vida de Holly.
para uma controvérsia. A Sra. Roberts me Infelizmente, Lena não conseguiu aceitar
surpreendeu concordando em vir todas as regras que Tom se sentia convidado
imediatamente. a estabelecer. Assim, ele se tornou o
A primeira coisa que me chamou a padrasto malvado. Tom come teu o erro de
atenção em relação aos pais de Holly foi a tentar assumir o controle, e, quan do
disparidade de suas idades. Lena Roberts começaram as brigas previsíveis, Lena to
parecia uma ver são um pouco mais velha de mou o partido da filha. Havia lágrimas e dis
Holly – ela não podia ter muito mais de 35 putas aos berros à meia-noite. Duas vezes,
anos. O marido parecia ter 60. Fiquei Holly fugiu para a casa de uma amiga por al
sabendo que ele era o padrasto de Holly, não guns dias. Esse triângulo quase arruinou a re
o pai. Eles tinham casa do quando Holly lação de Lena e Tom, mas as coisas se
estava com 16 anos. acalma ram quando Holly partiu para a
Pensando no que aconteceu na época, universidade.
não me lembro de muita coisa ser dita Holly esperava sair de casa e não olhar
naquele pri meiro encontro. Ambos os pais para trás. Faria novos amigos. Estudaria
estavam muito preocupados com Holly. muito e escolheria uma carreira. Jamais
“Faremos o que você achar melhor”, disse a dependeria de um homem para sustentá-la.
Sra. Roberts. O Sr. Morgan (o padrasto) Infelizmente, Holly saiu de casa com
disse que poderiam conseguir um bom assuntos não-resolvidos. Ela odiava Tom por
psiquiatra “para ajudar Holly nessa crise”, ele implicar com ela e pela maneira como
mas Holly disse que não queria ir para casa, tratava sua mãe. Tom sempre exigia saber
e afirmou isto com muito mais energia do que aonde a mãe ia, com quem sairia e quando
eu escutara dela nos últimos tempos. Era um estaria de volta. Se a mãe se atrasas se,
sába do. Sugeri que não havia necessidade mesmo que apenas alguns minutos, havia
de uma decisão apressada, então uma cena. Por que a mãe agüentava aquilo?
combinamos nos en contrar novamente na Culpar Tom era simples e satisfatório.
segunda-feira. Além disso, outra série de sentimentos, mais
Quando Holly e seus pais sentaram em difíceis de enfrentar, estava corroendo Holly.
meu consultório na segunda-feira, estava ób Ela odiava a mãe por ter casado com Tom e
vio que algo havia acontecido. Os olhos da por deixar que ele fosse tão mesquinho com
Sra. ela. O que sua mãe vira nele, para começar?
Será que ela se vendera por uma bela casa e
um carro do último modelo? Holly não tinha
Roberts estavam vermelhos de chorar. Holly
lançou-lhe um olhar carrancudo e ameaçador
e virou o rosto, os lábios cerrados e comprimi as respostas para essas perguntas, não
dos. O Sr. Morgan voltou-se para mim: “Briga ousava sequer ter plena consciência delas.
mos durante todo o fim de semana. Holly me Lamenta velmente, a repressão não funciona
insultava, e, quando eu tentava responder, assim: tran camos alguma coisa em um
Lena ficava do lado dela. É assim que tem armário e esque cemos dela. É necessária
sido des de o primeiro dia deste casamento”. muita energia para manter à distância
emoções indesejadas.
Holly encontrava desculpas para não ir O MITO DO HERÓI
muito em casa durante a faculdade. Não pare
cia mais a sua casa. Ela mergulhou nos estu A nossa cultura celebra a singularidade
dos. Todavia, a raiva e a amargura a roíam do indivíduo e a busca de um self autônomo.
por dentro até que, em seu último ano da A história de Holly poderia ser contada como
universi dade, deparando-se com um futuro um drama do tornar-se adulto: um jovem luta
incerto, sabendo apenas que não poderia para libertar-se da infância e da estreiteza de
voltar para casa, entregou-se à espí rito, para assumir a idade adulta, a
desesperança. Não é de surpreender que promessa e o futuro. Se falhar, é tentado a
estivesse deprimida. olhar para den tro do jovem adulto, o herói
Achei toda a história muito triste. Sem fracassado.
conhecer a dinâmica familiar e nunca tendo Embora o ilimitado individualismo do “he
vivido em uma família com um segundo casa rói” possa ser incentivado mais para os
mento, eu me perguntei por que eles não po homens do que para as mulheres, como um
diam simplesmente tentar se dar bem. Eles ideal cultu ral ele lança sua sombra sobre
sen tiam tão pouca simpatia uns pelos outros. todos nós. Mes mo que Holly se importe com
Por que Holly não conseguia aceitar o direito relacionamentos tanto quanto com
da mãe de encontrar o amor uma segunda autonomia, ela talvez seja julgada pela
vez? Por que Tom não conseguia respeitar a imagem dominante da realização.
prioridade do relacionamento da esposa com Fomos criados com o mito do herói: o
a filha? Por que Lena não conseguia escutar Vin gador Solitário, o Robin Hood, a Mulher
a raiva adolescen te da filha sem ficar tão Mara vilha. Quando crescemos, buscamos
defensiva? heróis na vida real: Eleanor Roosevelt, Martin
A sessão com Holly e seus pais foi a mi Luther King Jr., Nelson Mandela. Esses
nha primeira lição de terapia familiar. Os homens e essas mu lheres representam
mem bros da família em terapia não falam alguma coisa. Se ao menos pudéssemos ser
sobre experiências reais, e sim sobre um pouco como essas pessoas maiores-que-
memórias re construídas que se assemelham a-vida, que parecem se erguer aci ma de
às experiências originais apenas de certa suas circunstâncias...
maneira. As lembran ças de Holly eram muito Só mais tarde percebemos que as
pouco parecidas com as lembranças de sua “circuns tâncias” acima das quais queremos
mãe e bem diferentes das lembranças do nos erguer são parte da condição humana –
padrasto. Nas lacunas entre as suas nossa inesca pável conexão com nossas
verdades, havia pouco espaço para a ra zão famílias. A imagem romântica do herói
e nenhum desejo de buscá-la. baseia-se na ilusão de que podemos atingir a
Embora a sessão não tivesse sido muito autêntica individualidade se nos tornarmos
produtiva, certamente colocou a infelicidade indivíduos autônomos. Fazemos muitas
de Holly em perspectiva. Eu já não pensava coisas sozinhos, inclusive alguns de nos sos
nela como uma jovem trágica, sozinha no atos mais heróicos, mas somos definidos e
mun do. Ela era isso, evidentemente, mas sustentados por uma rede de
também uma filha dividida entre fugir de um relacionamentos humanos. A nossa
lar do qual não se sentia mais parte e o medo necessidade de idolatrar heróis é, em parte,
de deixar a mãe sozinha com um homem em uma necessidade de nos er guermos acima
quem ela não confiava. Acho que foi aí que da pequenez e da dúvida em relação a nós
me tornei um terapeuta de família. mesmos, mas talvez igualmente um produto
Dizer que eu não sabia muito sobre de imaginarmos uma vida livre desses
famílias e menos ainda sobre técnicas para incômodos relacionamentos que, por al guma
ajudá-las a pensar coletivamente seria uma razão, nunca são como gostaríamos.
ex posição muito atenuada dos fatos. A Quando pensamos sobre famílias, geral
terapia mente é em termos negativos – como forças
TERAPIA FAMILIAR 23 de
24 MICHAEL P. NICHOLS
familiar não é apenas um novo conjunto de
técnicas; é uma abordagem inteiramente dependência que nos aprisionam ou como
nova ao entendimento do comportamento ele mentos destrutivos na vida de nossos
humano – que é em essência moldado por pacien tes. O que chama a nossa atenção
seu contexto social. nas famílias são as diferenças e a discórdia.
A harmonia da vida familiar – lealdade, rio, um refúgio de um mundo perturbado e
tolerância, ajuda e apoio mútuos – muitas perturbador.
vezes deixa de ser per cebida, sendo parte Debatendo-se com o amor e com o
daquele pano de fundo da vida que tomamos traba lho, incapazes de encontrar consolo e
como algo natural. Se qui sermos ser heróis, alívio em algum lugar, os adultos buscavam
então precisamos ter vilões. terapia para encontrar satisfação e
Hoje em dia, fala-se muito sobre significado. Os pais, preocupados com o mau
“famílias disfuncionais”. Lamentavelmente, comportamento, com a timidez ou com falta
isso se centra muito nos golpes infligidos de realização dos fi lhos, os enviavam para
pelos pais. Sofremos por causa do que eles que recebessem orien tação e direção. De
fizeram: o al coolismo da mãe, as muitas maneiras, a psico terapia deslocava o
expectativas irracionais do pai – essas são as papel da família na solu ção dos problemas
causas da nossa infelici dade. Talvez isso da vida cotidiana.
seja um avanço em relação a chafurdarmos É tentador olhar para trás, para os dias
na culpa e na vergonha, mas está muito que antecederam a terapia familiar, e ver
longe de um entendimento do que real mente aque les que insistiam em segregar os
acontece nas famílias. pacientes de suas famílias como expoentes
Uma razão para pôr a culpa dos ingênuos de uma visão fossilizada dos
sofrimen tos familiares nas falhas pessoais transtornos mentais, de acordo com a qual as
dos pais é a dificuldade de uma pessoa doenças psiquiátricas es tavam firmemente
comum enxergar, através das personalidades inseridas na cabeça das pes soas.
individuais, os pa drões estruturais que as Considerando que os terapeutas só co
tornam uma família – um sistema de vidas meçaram a tratar a família inteira por volta de
interligadas governado por regras estritas, 1950, é tentador perguntar: “Por que eles le
mas não-verbalizadas. varam tanto tempo para fazer isso?” De fato,
As pessoas sentem-se controladas e havia boas razões para a terapia ser
desam paradas não porque são vítimas das conduzida de forma privada.
loucuras e das trapaças parentais, mas As duas abordagens de psicoterapia
porque não compre endem as forças que mais influentes no século XX, a psicanálise
agem em maridos e mulhe res, pais e filhos de Freud e a terapia centrada no cliente de
juntos. Assoladas pela ansieda de e Rogers, ba seavam-se na suposição de que
depressão ou meramente perturbadas e os problemas psicológicos surgiam de
inseguras, algumas pessoas recorrem à interações não-sadias com os outros e que a
psicote rapia em busca de ajuda e de melhor maneira de minorá-los era um
consolo. No pro cesso, afastam-se dos relacionamento privado entre terapeuta e
irritantes que as impeli ram à terapia. Entre paciente.
esses se destacam os rela cionamentos As descobertas de Freud culpavam a
infelizes – com amigos, amantes e a família. famí lia, primeiro como um espaço criador de
Nossos transtornos são sofrimentos privados. sedu ção infantil e depois como o agente de
Quando recuamos para a segurança de um repres são cultural. Se as pessoas cresciam
relacionamento sintético, a última coisa que um pouco neuróticas – com medo de seus
queremos é levar junto a nossa família. Será instintos natu rais –, quem deveriam culpar a
que deve nos surpreender, então, que, não ser os pais? Dado que os conflitos
quando Freud aventurou-se a explorar as neuróticos seriam gera dos na família,
forças som brias da mente, ele tenha deixado parecia muito natural supor que a melhor
a família trancada do lado de fora do maneira de desfazer a influência da família
consultório? era isolar os parentes do tratamento, impedir
que sua influência contaminadora che gasse
à sala de operações psicanalíticas.
SANTUÁRIO PSICOTERAPÊUTICO Freud descobriu que, quanto menos re
velava sobre si mesmo, mais seus pacientes
A psicoterapia, outrora, era um empreen rea giam a ele como se fosse uma figura
dimento privado. O consultório era um lugar significa tiva de sua família. A princípio, essas
de cura, sim, mas era igualmente um santuá reações de transferência pareciam um
obstáculo, mas Freud logo percebeu que elas
forneciam um vislumbre inestimável do
passado. A partir de
nossa vida sob uma montanha de
Freud excluiu a família expectativas.
da
psicanálise a fim de ajudar A terapia desenvolvida por Rogers tinha
os por objetivo ajudar os pacientes a
pacientes a se sentirem descobrirem seus reais sentimentos. Sua
seguros imagem do tera peuta era a de uma parteira –
para explorar o alcance passiva, mas apoiadora. O terapeuta
total rogeriano não fazia nada pelo paciente, mas
de seus pensamentos
oferecia apoio para ajudá-lo a descobrir o que
e
sentimentos.
precisava ser feito, principalmente ao dar a
ele uma consideração positiva incondicional.
O terapeuta ouvia com simpatia, era
compreensivo, cordial e respei toso. Na
então, analisar a transferência se tornou a pe presença desse ouvinte acolhedor, o paciente
dra fundamental do tratamento psicanalítico. gradualmente entrava em contato com seus
Isso significava que, como o analista estava sentimentos e desejos interiores.
interessado nas memórias e fantasias do pa Como o psicanalista, o terapeuta
ciente, a presença da família só obscureceria centrado no cliente mantinha uma privacidade
a verdade subjetiva do passado. Freud não absolu ta no relacionamento terapêutico, para
esta va interessado na família viva, mas sim evitar qualquer possibilidade de que os
na fa mília das lembranças. sentimentos do paciente fossem subvertidos
Ao conduzir o tratamento privadamente, pela necessi dade de aprovação. Só uma
Freud salvaguardava a confiança dos pacien pessoa desconhe cida e objetiva seria capaz
tes na santidade do relacionamento de oferecer a acei tação incondicional para
terapêutico e, assim, maximizava a ajudar o paciente a redescobrir seu self real.
probabilidade de repe tirem, em relação ao É por isso que os mem bros da família não
analista, os entendimen tos e tinham lugar no trabalho da terapia centrada
desentendimentos da infância. no cliente.
A evolução da rados no
Correspondentemente,
sótão da
exceto
casa.
para
propósitos de pagar a conta, os hospitais
terapia familiar psiquiátricos por muito tempo man tiveram as
famílias afastadas. Entretanto, na década de
1950, dois desenvolvimentos sur preendentes
forçaram os terapeutas a reconhe cer o poder
de influência da família no curso do
tratamento.
Os terapeutas começaram a notar que,
com muita freqüência, quando um paciente
melhorava, alguém na família piorava, quase
como se a família precisasse de um membro
sintomático. Como no jogo de esconde-escon
de, parecia não importar muito quem procu
rava, desde que alguém desempenhasse
esse papel. Em um caso, Don Jackson
(1945) trata va de uma mulher com
depressão. Quando ela começou a melhorar,
o marido queixou-se de que a condição dele
estava piorando. Quando ela continuou
melhorando, o marido perdeu o emprego. Por
A GUERRA SILENCIOSA fim, quando a mulher ficou ple namente bem,
Embora tenhamos passado a ver os hos o marido se suicidou. Aparen temente, a
pícios como lugares de crueldade e detenção, estabilidade desse homem depen dia de ter
eles foram originalmente construídos para sal uma mulher doente.
var os insanos da perseguição de seus paren Em outro caso de Jackson, um marido
insistiu com a mulher para que buscasse trata
Neste capítulo, examinamos os mento para “frigidez”. Quando, após vários
anteceden tes e os anos iniciais da terapia me ses de terapia, ela passou a ser
familiar. Aqui existem duas histórias sexualmente responsiva, ele se tornou
fascinantes: uma de per sonalidades, outra impotente.
de idéias. Você lerá sobre os pioneiros –
iconoclastas e originais que, de al guma 30 MICHAEL P. NICHOLS
forma, quebraram o molde pelo qual se
enxergava a vida e seus problemas como
uma função de indivíduos e sua psicologia. Estudo de caso
Não se engane: a passagem de uma
perspectiva indivi dual para uma sistêmica foi Outra estranha história de mudança na perturbação era
uma mudança re volucionária, que forneceu os pacientes com freqüência melhorarem no hospital
apenas para piorarem quando voltavam para casa. Em
àqueles que a com preenderam uma
um caso bi zarro de Édipo revisitado, Salvador Minuchin
poderosa ferramenta para en tender e tratou um jo vem homem hospitalizado múltiplas vezes
resolver problemas humanos. por tentar arran car os próprios olhos. O homem se
A segunda história na evolução da tera portava normalmente no hospital Bellevue, mas
pia familiar é uma história de idéias. A inquie retornava à automutilação sem pre que voltava para
ta curiosidade dos primeiros terapeutas fami casa. Ele só podia ser são, parecia, em um mundo
liares levou-os a uma variedade de maneiras insano.
novas e perspicazes de conceitualizar as ale Acontece que o jovem era muito ligado à mãe, um
vínculo que se estreitou ainda mais durante os sete anos os pacientes e suas famílias têm uns sobre
de uma misteriosa ausência do pai. O pai era um jogador os outros é be nigna ou maligna. O ponto
com pulsivo que desapareceu logo depois de ser essencial é que a mudança em uma pessoa
declarado legal mente incapaz. Havia rumores de que a
muda o sistema.
máfia o raptara. Quan do, tão misteriosamente como
desaparecera, o pai voltou, o filho deu início às suas
tentativas bizarras de automutilação. Talvez ele quisesse
se cegar para não enxergar sua obsessão pela mãe e DINÂMICA DE PEQUENOS GRUPOS
seu ódio pelo pai.
Essa família não era nem da antigüidade nem Aqueles que começaram a tentar
grega, e Minuchin foi mais pragmático que o poeta. compre ender e tratar as famílias
Então, ele desa fiou o pai a proteger o filho – o pai descobriram pronta mente um paralelo com
precisava lidar diretamen te com a mulher. Depois,
pequenos grupos. As dinâmicas grupais são
desafiou sua atitude de desprezo em relação a ela, que
aumentava a necessidade da mãe de buscar
relevantes para a tera pia familiar porque a
proximidade e proteção no filho. A terapia era um desafio vida em grupo é uma mistura complexa de
para a estrutura familiar, e, em Bellevue, a equipe personalidades indivi duais e propriedades
psiquiátrica trabalhava para facilitar o retorno do jovem à grupais supra-ordenadas.
fa mília, em segurança. Durante a década de 1920, os cientistas
Minuchin confrontou o pai, dizendo: “Como pai de sociais começaram a estudar grupos naturais
um filho que corre perigo, o que você está fazendo não é na sociedade, na esperança de aprender a re
suficien te”. “O que eu devo fazer?”, perguntou o homem. solver problemas políticos pelo entendimento
“Eu não sei”, replicou Minuchin. “Pergunte ao seu filho.”
da interação social em grupos organizados.
Então, pela primeira vez em anos, pai e filho começaram
a falar um com o outro. Quando estavam chegando a um
Em 1920, o psicólogo social pioneiro William
ponto em que não tinham mais muito que falar, o Dr. McDougall publicou The group mind, em que
Minuchin comentou com ambos os pais: “De uma descrevia como a continuidade de um grupo
estranha maneira, ele está dizendo a vocês que prefere depende de o mesmo ser uma idéia importan
ser tratado como uma criança pequena. Quando estava te na mente de seus membros, da
no hospital, ele tinha 23 anos. Agora que vol tou para necessidade de fronteiras e estruturas que
casa, ele tem 6.” permitam a di ferenciação de funções e da
O que esse caso dramatiza é como os pais às importância dos costumes e hábitos, para
vezes usam os filhos – como um pára-choque para que os relacionamen tos possam ser fixos e
protegê-los de uma intimidade com a qual não
definidos. Uma aborda gem mais científica à
conseguem lidar – e como alguns filhos aceitam esse
papel. Para o pretenso Édipo, Minuchin disse: “Você está
dinâmica de grupo foi introduzida nos anos
arrancando seus olhos pela sua mãe, para que ela tenha de 1940 por Kurt Lewin, cuja teoria de campo
alguma coisa com a qual se preocu par. Você é um bom (Lewin, 1951) orientou uma geração de
rapaz. Bons filhos se sacrificam pelos pais”. pesquisadores, psicólogos do trabalho,
terapeutas de grupo e agentes de mu dança
social.
Valendo-se da escola gestáltica de psico
O que este e outros casos semelhantes logia perceptual, Lewin desenvolveu a noção
demonstram é que as famílias são de que o grupo é mais do que a soma de
constituídas por uma estranha cola – esticam, suas partes. Essa propriedade transcendente
mas nunca se soltam. Poucos culparam a dos grupos tem uma relevância óbvia para os
família de pura terapeutas familiares, que precisam trabalhar
duas pessoas que têm suas carreiras e tou o procedimento de Erickson de avisar os
dividem as tarefas domésticas é simétrico. pacientes de que, na primeira entrevista,
A maior parte dos conceitos de Jackson haverá coisas que eles estarão inclinados a
(complementar/simétrico, duplo vínculo) falar e ou tras coisas que vão querer manter
descre ve relacionamentos entre duas para si mes mos e que estas, é claro,
pessoas. Embo ra a sua intenção fosse deverão ser mantidas com eles. Aqui,
desenvolver uma lin guagem descritiva das evidentemente, o terapeuta está dirigindo os
interações familiares, o maior sucesso de pacientes a fazerem exatamente o que eles
Jackson eram as descrições dos fariam de qualquer modo e assim, su
relacionamentos entre marido e mulher. Este tilmente, ficando no controle. A técnica decisi
estreito foco na díade conjugal sempre foi um va na terapia breve sempre foi o uso de
dos limites do grupo de Palo Alto. Seu in diretivas. Conforme Haley salientou, não é su
teresse na comunicação levou-os a um viés ficiente explicar os problemas para os pacien
cen trado no adulto, e eles tendiam a tes: o que conta é conseguir que façam
negligenciar os filhos e as várias tríades que alguma coisa a respeito de seus problemas.
constituem as famílias. Um dos pacientes de Haley era um fotó
grafo freelance que, compulsivamente, come
tia erros bobos que estragavam todas as
fotos. Por fim, o paciente estava tão
A grande descoberta do grupo de preocupado em evitar erros que ficava
Bateson foi que a comunicação simples é nervoso demais para ti rar fotos. Haley o
algo inexis tente: toda mensagem é instruiu a sair e tirar três fotos, fazendo um
qualificada por outra mensagem em um nível erro deliberado em cada uma. O paradoxo
superior. Em Strategies of psychotherapy, aqui é que você não pode cometer um erro
Jay Haley (1963) examinou como mensagens acidental se estiver fazendo isso
encobertas são usadas na luta pelo controle deliberadamente.
que caracteriza tantos relaciona mentos. Os Em outro caso famoso, Haley disse a
sintomas, argumentou ele, repre sentam uma um homem com insônia que, se ele
incongruência entre níveis de co municação. acordasse no meio da noite, deveria sair da
A pessoa sintomática faz algo, como tocar o cama e encerar o chão da cozinha. Cura
trinco da porta seis vezes antes de abri-lo e instantânea! O princí pio cibernético ilustrado
ao mesmo tempo nega que está realmente aqui é: as pessoas fa rão qualquer coisa para
fazendo isso. Ela não consegue evi tar: essa fugir do trabalho do méstico.
é a sua condição. Enquanto isso, os sintomas A maior parte das idéias do grupo de
da pessoa – sobre os quais ela não tem Palo Alto – duplo vínculo, complementaridade
nenhum controle – têm conseqüências. Di – focava as díades, mas Haley também se
ficilmente poderíamos esperar que uma pes inte ressava por tríades ou, como as
soa que “tem uma compulsão” de tais propor chamava, coa lizões. Coalizões são
ções possa abrir a porta para sair de casa de diferentes de alianças – arranjos cooperativos
manhã, não é? Uma vez que o entre duas partes, não formados à custa de
comportamento sintomático não era uma terceira. Nas famí lias sintomáticas,
“razoável”, Haley não con fiava no observou Haley, a maioria das coalizões era
argumentar e raciocinar com os pa cientes “geracional cruzada”, um dos pais unindo-se
para ajudá-los. Em vez disso, a terapia a um filho contra o outro pai. Por exemplo, a
tornou-se um jogo estratégico de gato e rato. mãe pode defender um filho de uma maneira
Haley (1963) definiu sua terapia como que desmerece o pai. Em outros ca sos, um
uma forma diretiva de tratamento e reconhe filho pode se insinuar entre pais que brigam
ceu seu débito com Milton Erickson, com sendo “útil” ou ficando “doente”.
quem estudou hipnose de 1954 a 1960. No Em Toward a theory of pathological sys
que cha mou de “terapia breve”, Haley tems, Haley descreveu o que chamou de
concentrava a atenção no contexto e na “triân gulos perversos”, que podem levar à
possível função dos sintomas do paciente. violência, psicopatologia ou rompimento de
Seus primeiros movimen tos costumavam ter um sistema. Um triângulo perverso é uma
como objetivo obter o con trole do coalizão oculta que solapa hierarquias
geracionais. Exemplos em positivos. O que torna esta uma
TERAPIA FAMILIAR 47 habilidade tão importante para um terapeuta
familiar é que a
incluem a criança que corre para a avó em 48 MICHAEL P. NICHOLS
bus ca de consolo sempre que a mãe tenta
castigá la ou o progenitor que se queixa do maioria das famílias tem pelo menos um
cônjuge para os filhos. Triângulos perversos mem bro cujas falhas e fracassos o
também ocorrem em organizações quando, colocaram no papel de excluído. A menos
por exem plo, um supervisor se une a um que esses mem bros menos favorecidos
subordinado contra outro ou quando um possam ser trazidos para o círculo familiar,
professor se quei xa do chefe do nem a cura nem a coo peração são muito
departamento para os alunos. Ao olhar além prováveis.
da cibernética e das díades para as tríades e Em um caso, citado por Lynn Hoffman
as hierarquias, Haley tornou-se uma ponte (1981), Satir entrevistou a família de um ado
importante entre as abordagens estraté gica lescente, filho do pastor da cidade, que engra
e estrutural de terapia familiar. vidara duas colegas de aula. Em um dos
Outro membro do grupo de Palo Alto lados da sala sentavam os pais e irmãos do
que desempenhou um papel condutor na menino. Ele sentou no canto oposto, com a
primeira década da terapia familiar foi Virginia cabeça bai xa. Satir apresentou-se e disse ao
Satir, uma entre os grandes originais menino: “Bem, o seu pai me disse muitas
carismáticos. Mais conhecida por seu talento coisas sobre a situação por telefone, e eu só
clínico que por suas contribuições teóricas, gostaria de di zer, antes de começarmos, que
seu impacto foi mais vívido sobre aqueles uma única coi sa podemos afirmar com
que tiveram a sorte de vê-la em ação. Como certeza: sabemos que você tem uma boa
seus colegas, Satir es tava interessada na semente”. O garoto levan tou a cabeça,
comunicação, mas acres centou uma pasmo, enquanto Satir voltava se para a mãe
dimensão de sentimento que aju dou a e perguntava, alegremente: “Você poderia
equilibrar o que, de outra forma, era uma começar nos dizendo qual é a sua per
abordagem relativamente fria e cerebral. cepção?”
Satir via os membros das famílias pertur A publicação do livro de Satir, Conjoint
badas como aprisionados em papéis family therapy, em 1964, ajudou muito a po
familiares limitados, como vítima, conciliador, pularizar o movimento da terapia familiar.
desafiador ou salvador, que coagiam os Esse livro, juntamente com o Pragmatics of
relacionamentos e enfraqueciam a auto- human communication (Watzlawick, Beavin e
estima. Sua preocupa ção em identificar Jackson, 1967), ajudou a tornar o
esses papéis limitadores da vida e liberar os pensamento sistêmico do grupo de Palo Alto
membros da família de suas garras era o modelo orientador da década de 1960.
consistente com seu principal foco, que
sempre foi o indivíduo. Assim, Satir foi uma
força humanizadora nos primeiros dias da te Murray Bowen
rapia familiar, quando muitos estavam tão
ena morados da metáfora sistêmica que Como muitos dos fundadores da terapia
negligen ciavam a vida emocional das familiar, Murray Bowen era um psiquiatra que
famílias. se especializou em esquizofrenia. Entretanto,
Satir concentrou-se em esclarecer a co diferentemente de outros, ele enfatizava a
municação, expressar sentimentos e teo ria em seu trabalho – e, até os dias de
estimular um clima de mútua aceitação e hoje, a teoria de Bowen é o sistema de idéias
afeição. Sua grande força foi se conectar com mais fér til que a terapia familiar já produziu.
as famílias não em termos de raiva e Bowen começou seu trabalho clínico na
ressentimento, mas em termos de Menninger Clinic, em 1946, e lá estudou as
esperanças e medos, anseios e mães e seus filhos esquizofrênicos. Seu
desapontamentos. Um terapeuta capaz de re maior interesse na época era a simbiose
velar a solidão e os anseios por trás de uma mãe-crian ça, que levou ao seu conceito de
explosão de raiva é um terapeuta capaz de diferencia ção do self (autonomia em relação
aproximar as pessoas. aos outros e separação do pensamento em
Satir foi igualmente famosa por sua ca relação ao sen timento). Da Menninger,
pacidade de transformar aspectos negativos Bowen foi para o National Institute of Mental
Health (NIMH), onde desenvolveu um projeto maioria dos novos terapeutas familiares faz:
para hospitali zar famílias inteiras com reunia os membros da família e apenas
membros esquizo tentava fazer com
frênicos. Esse projeto expandiu o conceito de que falassem. Bowen imaginava que a família
simbiose mãe-criança, incluindo nele o papel melhoraria apenas por se reunir e discutir
do pai, e levou ao conceito de triângulos (des preo cupações mútuas, mas logo rejeitou
viar o conflito entre duas pessoas ao envolver essa idéia. Conversas não-estruturadas em
uma terceira). Em 1959, Bowen deixou o família são tão produtivas para a terapia
NIMH pela Georgetown Medical School, onde como uma luta de boxe sem juiz entre vários
foi pro fessor de psiquiatria e diretor de seu combatentes de ta manhos diversos.
próprio programa de formação até a sua Quando Bowen reunia os membros da
morte, em 1990. família para discutirem seus problemas, fica
Nos primeiros anos do projeto do NIMH va impressionado com sua reatividade emo
(1954), Bowen indicava terapeutas diferentes cional. Os sentimentos dominavam o pensa
para cada membro da família. Ele descobriu, mento e afogavam a individualidade no caos
todavia, que esses esforços tendiam a do grupo. Bowen sentia a tendência da famí
fracionar as famílias. Em vez de tentar lia a puxá-lo para o centro dessa massa de
resolver juntos seus problemas mútuos, seus ego familiar indiferenciada e tinha de fazer
membros ten diam a pensar: “Eu tratarei um grande esforço para continuar objetivo
meus problemas com o meu terapeuta” (Bowen, 1961). A capacidade de permanecer
(Bowen, 1976). (Claro que isso nunca neutro e atento ao processo em vez de ao
acontece quando pessoas legais como você con teúdo das discussões familiares é o que
e eu vamos aos nossos terapeutas distin gue o terapeuta de um participante no
individuais.) Após um ano, concluindo que a drama da família.
família era a unidade de transtorno, Bowen Para controlar o nível de emoção,
co meçou a tratá-la em conjunto. Assim, em Bowen incentivava os membros da família a
1955, Bowen tornou-se o primeiro a inventar falarem para ele, não uns com os outros. Ele
a tera pia familiar. descobriu que era mais fácil para as pessoas
Desde 1955, Bowen realizava sessões escutarem sem reagir quando seus parceiros
de terapia em grandes grupos com toda a falavam para o terapeuta, e não diretamente
equipe do projeto e com todas as famílias. para eles.
Nessa forma precoce de terapia em rede, Bowen também descobriu que os
Bowen supunha que o estar junto e ter uma terapeu tas não eram imunes à força
comunicação aber ta são terapêuticos – para centrípeta dos conflitos familiares. Esta
os problemas den tro das famílias e entre as percepção levou-o ao seu maior insight:
famílias e a equipe. sempre que duas pessoas estão lutando com
A princípio, Bowen empregou quatro um conflito que não conse guem resolver, há
terapeutas para manejar esses encontros uma tendência automática a trazer para
multi familiares, mas ficou insatisfeito quando dentro uma terceira pessoa. De fato, como
per cebeu que os terapeutas tendiam a puxar Bowen passou a acreditar, o triângulo é a
em diferentes direções. Então, colocou um menor unidade estável do relacionamento.
tera peuta no comando e deu aos outros um O marido que não suporta os atrasos ha
papel de apoio. Entretanto, assim como bituais da mulher, mas também não
múltiplos terapeutas tendiam a orientar em consegue lhe dizer isso, pode começar a se
diferentes direções, o mesmo faziam as queixar dela para um dos filhos. Suas
múltiplas famí lias. Tão logo um tópico queixas podem ali viar um pouco sua tensão,
inflamado era levan tado em uma família, um mas o próprio pro cesso de se queixar para
membro de outra fa mília ficava ansioso e uma terceira pessoa torna menos provável
mudava de assunto. Fi nalmente, Bowen que enfrente o proble ma original em sua
decidiu que as famílias ti nham de se revezar fonte. Todos nos queixa mos de alguém de
– cada família era o foco de uma sessão, e vez em quando, porém Bowen percebeu que
as outras ficavam como ou vintes silenciosos. esse processo de “triangu lação” é destrutivo
A princípio, a abordagem de Bowen a quando se torna uma ca racterística regular
cada família era a mesma que ele utilizava de um sistema. Outra coisa que Bowen
nos grandes encontros. Ele fazia o que a descobriu sobre triângulos é que eles se
espalham. No caso seguinte, temos uma maioria de nós fica lisonjeada ao receber tais
família que se enredara em um verdadeiro la confidên cias, mas Bowen acabou se dando
birinto de triângulos. conta dessa triangulação e do que isso
TERAPIA FAMILIAR 49 significava. Quando
50 MICHAEL P. NICHOLS
Em uma manhã de domingo, a Sra.
McNeil, que estava ansiosa para chegar pon sua mãe se queixou do pai, ele disse ao pai o
tualmente à igreja com a família, gritou com seguinte: “Sua mulher me contou uma histó
seu filho de 9 anos para que ele se ria sobre você; fico me perguntando por que
apressasse. Quando ele disse a ela que ela contou para mim e não para você”. Natu
“parasse de encher o saco”, ela lhe deu um ralmente, o pai contou isso para a mãe e,
tapa. Nesse momento, a filha de 14 anos, como era de se esperar, ela ficou chateada.
Megan, agarrou-a, e as duas entraram em Embora seus esforços tenham gerado o
luta corporal. Então, Megan cor reu para a tipo de tumulto emocional que acontece quan
casa da vizinha, sua amiga. Quando os pais do as regras são quebradas, a manobra de
da amiga perceberam que Megan esta va Bowen foi efetiva no sentido de evitar que os
com um corte no lábio e ela contou o que pais tentassem fazer com que ele tomasse
acontecera, eles chamaram a polícia. Quando par tido – e fez com que ficasse difícil para
a família entrou em terapia, os seguintes tri eles evitar discutir as coisas entre si. Repetir
ângulos estavam formados: a Sra. McNeil, o que alguém lhe diz sobre outra pessoa é
que fora tirada de casa pelo juiz do tribunal uma ma neira de parar a triangulação na
de fa mília, estava aliada ao advogado contra hora.
o juiz; ela também tinha um terapeuta Por seu manejo na própria família,
individual que se associou a ela na idéia de Bowen descobriu que a melhor maneira de
que estava sendo injustamente perseguida atingir a diferenciação do self é desenvolver
pelo pessoal da pro teção à criança. O um relaciona mento individual, pessoa-a-
menino de 9 anos ainda es tava furioso com a pessoa, com cada um dos pais e com tantos
mãe, e o pai o apoiava, cul pando-a por ter membros da família ampliada quanto
perdido o controle. O Sr. McNeil, um possível. Se for difícil visitar, cartas e
alcoolista em recuperação, formou uma telefonemas podem ajudar a restabele cer
aliança com seu padrinho nos AA, que relacionamentos, em especial se forem pes
achava que o Sr. McNeil estava a caminho de soais e íntimos. A diferenciação do self em re
um colapso, a menos que a esposa lação à família se completa quando esses
começasse a apoiá-lo mais. Enquanto isso, rela cionamentos forem mantidos sem se
Megan formara um triângulo com os vizinhos, tornarem emocionalmente reativos ou sem
que achavam que os pais dela não deveriam triangulação.
ter tido filhos. Em resumo, todo o mundo tinha
um advogado – todos, isto é, com exceção da
unidade familiar. Nathan Ackerman
Em 1966, uma crise emocional na
família de Bowen fez com que ele iniciasse Nathan Ackerman foi um psiquiatra in
uma jorna da pessoal de descoberta que fantil cujo trabalho pioneiro com famílias per
acabou sendo tão significativa para a teoria maneceu fiel às suas raízes psicanalíticas.
de Bowen como a auto-análise de Freud foi Em bora seu foco no conflito intrapsíquico
para a psicanálise. possa parecer menos inovador do que a
Já adulto, Bowen, o primogênito de uma atenção do grupo de Palo Alto à comunicação
família de cinco filhos de uma família rural como feed back, ele compreendia bem a
estreitamente unida, mantinha distância dos organização ge ral das famílias. As famílias,
pais e do restante da família. Como muitos de disse Ackerman, podem ter uma aparência de
nós, ele confundiu evitação com unidade, mas, sob essa aparência, estão
emancipação. Contudo, como acabou emocionalmente cindidas em facções
percebendo, as ques tões emocionais não- competidoras. Podemos reconhe cer isso
resolvidas continuam co nosco, tornando-nos como semelhante ao modelo psicana lítico
vulneráveis a repetir con flitos que nunca dos indivíduos, que, apesar da aparente
chegamos a resolver com nos sas famílias. unidade de personalidade, são na verdade
A façanha mais importante de Bowen foi mentes em conflito, impulsionados por dese
destriangular-se dos pais, que tinham o jos e defesas antagônicos.
hábito de se queixar um do outro para ele. A
Ackerman reuniu-se à equipe da Em Treating the troubled family,
Menninger Clinic e, em 1937, tornou-se Ackerman (1966a) ilustrou sua irreverência
psiquiatra-chefe da Child Guidance Clinic. A pela polidez e pelo fingimento com uma
princípio, ele se guiu o modelo da orientação vinheta clínica. Uma família de quatro
infantil em que um psiquiatra tratava a pessoas veio para trata mento quando a briga
criança e um assisten entre a filha de 11 anos e o filho de 16
começou a fugir ao controle. Recentemente,
a menina tinha ameaçado o ir-
te social atendia a mãe. Contudo, em meados
dos anos de 1940, ele quis ver o que
acontece ria se um mesmo terapeuta mão com uma faca de açougueiro. O pai
atendesse ambos. Diferentemente de suspi rou, ao sentar-se. Ackerman perguntou
Bowlby, Ackerman fez mais do que usar a ele por que estava suspirando e recusou a
essas sessões conjuntas como um descul pa do pai de estar cansado, sugerindo
expediente temporário; em vez disso, ele co que tal vez ele tivesse outra razão para
meçou a ver a família como a unidade básica suspirar. En tão a mãe anunciou que
de diagnóstico e tratamento. escrevera um diário no qual colocara as más
Em 1955, Ackerman organizou a primei ações de cada um du rante a semana. Sua
ra sessão sobre diagnóstico familiar em um estridência complemen tava perfeitamente a
en contro da American Orthopsychiatric Asso atitude evasiva e branda do marido. A
ciation. Lá, Jackson, Bowen, Wynne e resposta desorientadora de Ackerman foi:
Ackerman informaram-se sobre o trabalho “Você veio armada com um ca derno. Pode
uns dos outros e uniram-se em um começar!”
sentimento de propósito co mum. Dois anos Quando a mãe começou a ler o
mais tarde, Ackerman abriu a Family Mental documen to de denúncias, Ackerman,
Health Clinic of Jewish Family Services em sentindo que tudo continuaria igual apesar
Nova York e começou a lecionar na Columbia daquilo, comentou o comportamento não-
University. Em 1960, ele fundou o Family verbal do pai: “Você está escarafunchando os
Institute, que passou a se chamar Ackerman dedos”. Isso provocou uma discussão sobre
Institute após a sua morte, em 1971. quem faz o que, discussão que a mãe
Além de suas inovações clínicas, gradualmente dominou e transformou em
Ackerman também publicou vários artigos e uma indiciação dos muitos hábitos nervo sos
livros impor tantes. Em 1938, ele escreveu do pai. Nesse momento, o filho interrom peu
The unity of the family, e alguns consideram o com uma acusação. Apontando para a mãe,
seu artigo Family dianosis: an approach to the ele disse: “Ela arrota!” A mãe reconheceu
preschool child (Ackerman e Sobel, 1950), esse pequeno constrangimento e, então,
como o início do movimento da terapia tentou mu dar de assunto, mas Ackerman
familiar (Kaslow, 1980). Em 1962, Ackerman, não pretendia deixar que ela se safasse.
com Don Jackson, co-fun dou o primeiro Acontece que a eructação da mãe acon
jornal do campo, Family process. tecia principalmente na cama. O pai disse que
Enquanto outros terapeutas familiares ficava chateado por ela arrotar na cara dele,
davam pouca importância à psicologia dos in mas foi interrompido pelos filhos, que come
divíduos, Ackerman sempre se preocupava çaram a fazer troça. Ackerman disse: “Não é
com o que ocorre dentro das pessoas, não só interessante esta interrupção ter acontecido
entre elas. Ele jamais perdia de vista justamente quando vocês dois estão prestes
sentimentos, esperanças e desejos. De fato, a falar sobre sua vida amorosa?” O pai então
o modelo de Ackerman da família era descreveu como se sentia quando ia beijar a
semelhante ao mo delo psicanalítico de um mu lher e ela arrotava na cara dele. “É
indivíduo ampliado: em vez de questões preciso uma mascara de gás”, disse ele. A
conscientes e inconscien tes, Ackerman filha tentou inter romper, mas Ackerman pediu
falava sobre como as famílias enfrentam que ela afastas se sua cadeira para os pais
algumas questões enquanto evitam outras, poderem conversar.
especialmente as que envolvem sexo e Alguns minutos depois, os filhos saíram
agressão. Ele via o seu trabalho enquanto da sessão, e Ackerman reabriu a porta do
terapeuta como o de alguém que provoca e quar to do casal. A princípio, o casal repetiu
traz à baila as questões, revelando os seu padrão familiar: ela se queixava e ele se
segredos fa miliares. re traía. Eles eram um par perfeitamente
ajusta do – ela por cima, ele por baixo –, mas sugeriam que esta postura dire tiva poderia
Ackerman desequilibrou-os, implicando de gerar muita ansiedade, Ackerman respondia
modo bem-humorado com a esposa e provo que as pessoas se sentem mais
cando o marido para que se defendesse. reasseguradas pela honestidade do que por
Embora sempre haja espaço nas descri uma polidez respeitosa.
ções pós-fato para acusar um terapeuta de to Ackerman via os conflitos entre e dentro
mar partido, é preciso dizer que, neste caso, dos membros da família como relacionados
a esposa não pareceu se sentir criticada ou em um sistema de feedback circular: isto é, o
des con flito intrapsíquico promove conflito
TERAPIA FAMILIAR 51 interpes soal e vice-versa (Ackerman, 1961).
Para re-
qualificada por Ackerman. Nem o marido pa 52 MICHAEL P. NICHOLS
receu pensar que Ackerman tentava elevá-lo
acima da esposa. Em vez disso, ao final da verter perturbações sintomáticas, o terapeuta
ses são, esse casal inflexível e zangado precisa trazer os conflitos para fora, para o
estava co meçando a rir e a apreciar-se campo da interação familiar, no qual novas
mutuamente. Eles viram como tinham se soluções poderão ser encontradas.
afastado e permiti do que os filhos os Embora seja impossível resumir concisa
perturbassem. Assim, em bora o trabalho de mente a abordagem livre e improvisada de
Ackerman tenha sido des crito como Ackerman, havia temas consistentes. Um
essencialmente psicanalítico, aqui vemos o deles era a necessidade de um
início de um esforço para reorganizar a comprometimento e envolvimento profundo
estrutura das famílias. por parte do terapeuta. O próprio Ackerman
Ackerman recomendava que todas as envolvia-se emocional mente com as famílias
pes soas que moravam sob o mesmo teto de modo profundo, ao contrário de Murray
estives sem presentes nas entrevistas Bowen, por exemplo, que alertava os
familiares. Se gundo ele, “é muito importante, terapeutas para permanecerem um pouco
desde o iní cio, estabelecer um contato distantes, a fim de não serem triangu lados. A
emocional signifi cativo com todos os profundidade também caracterizava as
membros da família, criar um clima em que questões focalizadas por Ackerman – análo
realmente os tocamos e eles sentem que gos familiares dos tipos de conflito, sentimen
também nos tocam” (Ackerman, 1961, p. tos e fantasias que estão enterrados no
242). Uma fez feito o contato, Ackerman incons ciente do indivíduo. Sua orientação
incentivava a expressão aberta e honesta dos psicanalí tica fazia com que fosse sensível a
sentimentos. Ele era um agente provocador, temas no inconsciente interpessoal da
in citando revelações e confrontações com família, e seu es tilo provocativo permitia que
sua sagacidade e vontade de meter o nariz ajudasse as fa mílias a trazer esses temas à
nas questões pessoais da família. luz do dia.
Para promover um intercâmbio emocio As contribuições de Ackerman à terapia
nal honesto, Ackerman “fazia cócegas nas de familiar foram extensivas e importantes: ele
fesas” dos membros da família – sua foi um dos primeiros a visualizar o tratamento
expressão para provocar as pessoas, da família inteira e teve criatividade e energia
levando-as a se abri rem e dizerem o que para executar isso. Ainda na década de 1940,
realmente pensavam. Para encorajar a ele salientou que tratar individualmente os
família a afrouxar sua rigidez emo cional, o mem bros da família sem considerar a
próprio Ackerman era totalmente de configuração familiar muitas vezes era inútil.
sembaraçado. Ele se aliava primeiro a uma O segundo maior impacto de Ackerman
parte da família e depois à outra. Não achava foi como um artista incomparável da técnica
necessário – nem possível – ser sempre terapêutica. Ele foi um dos grandes gênios do
neutro; pelo contrário, acreditava que um movimento. Aqueles que estudaram com ele
equilíbrio imparcial seria atingido, no final das atestam sua magia clínica. Ackerman era um
contas, por essa atitude de mover-se de um catalisador dinâmico – ativo, aberto e direto,
lado para outro, dando apoio agora a um jamais rígido ou tímido. Nem ele se satisfazia
membro da família e, mais tarde, a outro. Às em ficar dentro do consultório, pois recomen
vezes, ele era descaradamente sem dava e fazia freqüentes visitas domiciliares
cerimônia. Se achava que alguém estava (Ackerman, 1966b).
mentindo, ele dizia isso. Para os críticos que Finalmente, as contribuições de
Ackerman como professor talvez sejam o seu Em 1946, Whitaker tornou-se chefe do
legado mais importante. Na Costa Leste, seu Departamento de Psiquiatria da Emory Univer
nome foi sinô nimo de terapia familiar na sity, onde continuou experimentando o trata
década de 1960. Entre os que tiveram a sorte mento familiar, com um interesse especial por
de estudar com ele estava Salvador esquizofrênicos e suas famílias. Durante esse
Minuchin, que reconhece abertamente seu período, Whitaker organizou uma série de
débito para com o gênio de Ackerman. con ferências que acabaram por levar ao pri
Ackerman incitava os terapeutas a se en meiro encontro do movimento de terapia fa
volverem emocionalmente com as famílias e miliar. Desde 1946, Whitaker e seus colegas
a usarem a confrontação para transformar fizeram conferências bienais, durante as
con quais observavam e discutiam os trabalhos
uns dos outros com famílias. O grupo
percebeu que
flitos dormentes em discussões abertas.
Como o terapeuta pode provocar revelações
sinceras? Ackerman fazia isso desafiando a essas sessões eram muito úteis, e a
evitação e a desonestidade emocional observação mútua, com o uso de espelhos
(“fazendo cócegas nas defesas”). Talvez a de observação, passou a ser, desde então,
sua contribuição mais duradoura seja a sua uma das marcas registradas da terapia
ênfase consistente nas pessoas, familiar.
individualmente, e nas famílias, como um Whitaker saiu da Emory em 1955 e co
todo: ele jamais perdia de vista o self no meçou uma prática privada com Warkentin,
sistema. Thomas Malone e Richard Felder. Ele e seus
colegas desenvolveram, na Atlanta
Psychiatric Clinic, uma forma “experiencial”
Carl Whitaker de psicotera pia, utilizando técnicas
provocativas, combina das com a força de
Mesmo entre os fundadores mais deter suas personalidades, no tra tamento de
minados da terapia familiar, Carl Whitaker famílias, indivíduos, grupos e ca sais
destaca-se como um dos mais irreverentes. (Whitaker, 1958).
Sua visão das pessoas psicologicamente Em 1965, Whitaker deixou Atlanta para
perturba das era a de que elas estão se tornar professor de psiquiatria na Universi
alienadas dos senti mentos e congeladas emdade de Wisconsin, onde trabalhou até a sua
rotinas desvitalizadas (Whitaker e Malone,aposentadoria, em 1982. Mais tarde, dedicou
1953). Whitaker fez su bir a temperatura se a tratar famílias e a viajar pelo mundo
emocional. O seu Psychothe rapy of thetodo, realizando oficinas. Durante a década
Absurd (Whitaker, 1975) foi uma mistura de de 1970, Whitaker pareceu suavizar-se e
apoio caloroso e um aguilhão emo cional acrescentou um maior entendimento da
inesperado, com o objetivo de libertar as dinâmica familiar às suas intervenções
pessoas e ajudá-las a entrar em contato comimpulsivas. No processo, o antigo rebelde da
a sua experiência de maneira mais profunda,terapia familiar tornou-se um de seus
mais pessoal. membros seniores mais respeita dos. A morte
Dada sua abordagem inovadora à de Whitaker, em abril de 1995, deixou o
terapia individual, não surpreende que campo com uma parte de seu cora ção
Whitaker tenha se tornado um dos primeiros perdido.
a romper com a tradição psiquiátrica para No início do movimento de terapia fami
experimentar o trata mento familiar. Em 1943, liar, Whitaker era bem menos conhecido que
ele e John Warkentin, trabalhando em Oak muitos dos outros terapeutas familiares da pri
Ridge, Tennessee, começa ram a incluir meira geração. Talvez isso se devesse à sua
cônjuges e filhos no tratamento de seus posição ateórica. Enquanto Jackson, Haley e
pacientes. Whitaker também foi pioneiro no Bowen desenvolveram conceitos teóricos fas
uso da co-terapia, acreditando que um cinantes e fáceis de compreender, Whitaker
parceiro apoiador ajudava a liberar o desprezou a teoria em favor da espontaneida
terapeuta para reagir espontaneamente, sem de criativa. Seu trabalho, portanto, tem sido
medo de uma contratransferência não-per menos acessível aos estudantes do que o de
cebida. seus colegas. No entanto, ele sempre teve o
respeito de seus pares. Aqueles que
realmente compreendiam o que se passava Boszormenyi-Nagy descreve-se como
nas famílias percebiam que sempre havia um terapeuta que começou como analista,
método na lou cura destas. valo rizando o segredo e o sigilo, e tornou-se
Whitaker criava tensão provocando e um terapeuta familiar, lutando contra as
con frontando as famílias porque acreditava forças da patologia em um campo aberto de
que o estresse é necessário para a mudança. batalha. Uma de suas contribuições mais
Ele nunca parecia ter uma estratégia óbvia, importantes foi acrescentar responsabilidade
nem usava técnicas previsíveis, preferindo, ética aos ob jetivos e às técnicas
como dizia, deixar que o seu inconsciente terapêuticas. Segundo Bos zormenyi-Nagy,
dirigisse a tera pia (Whitaker, 1976). Embora nem o princípio do prazer-dor nem a
seu trabalho pa recesse totalmente conveniência transacional são um guia
espontâneo, às vezes até excêntrico, havia suficiente para o comportamento humano. Em
nele um tema consistente. Todas as suas vez disso, ele acredita que os membros da fa
intervenções promoviam flexibi mília têm de basear seus relacionamentos na
TERAPIA FAMILIAR 53 confiança e na lealdade e que devem equili
brar a contabilidade dos direitos e deveres.
lidade. Ele não empurrava as famílias para a 54 MICHAEL P. NICHOLS
mudança em uma determinada direção; o
que ele fazia era desafiá-las e persuadi-las a Salvador Minuchin
se abri rem – a se tornarem mais plenamente
elas mes mas e mais verdadeiramente Quando Minuchin entrou em cena, era o
unidas. drama de suas brilhantes demonstrações clíni
cas que as pessoas achavam tão cativante.
Esse homem irresistível, com seu elegante
Ivan Boszormenyi-Nagy sotaque latino, seduzia, provocava,
atormentava ou atordoava as famílias,
Ivan Boszormenyi-Nagy, que veio da psi fazendo-as mudar – con forme a situação
canálise para a terapia familiar, foi um dos requeria. Contudo, mesmo o talento lendário
pen sadores seminais do movimento desde de Minuchin não teve um im pacto tão
os seus primeiros dias. Em 1957, fundou o galvanizador quanto a elegante sim plicidade
Eastern Pennsylvania Psychiatric Institute de seu modelo estrutural.
(EPPI) na Fi ladélfia, onde conseguiu reunir Minuchin começou sua carreira como
um grande gru po de colegas e alunos. Entre terapeuta familiar na década de 1960,
eles estava James Framo, um dos poucos quando descobriu dois padrões comuns nas
psicólogos nesse perío do inicial do famílias perturbadas: algumas são
movimento de terapia familiar; David emaranhadas – caó ticas e fortemente
Rubenstein, psiquiatra que mais tarde lançou interligadas; outras são des ligadas –
um programa de formação independen te de isoladas e aparentemente não-rela cionadas.
terapia familiar; e Geraldine Spark, as Ambos os tipos carecem de linhas cla ras de
sistente social que trabalhou com autoridade. Pais emaranhados estão tão
Boszormenyi Nagy como co-terapeuta e co- enredados com os filhos que não conseguem
autora de Invisible loyalties (Boszormenyi- exercer liderança e controle; pais desligados
Nagy e Spark, 1973). estão distantes demais para fornecer apoio e
A esse grupo reuniu-se Ross Speck, que orientação efetivos.
desenvolveu, junto com Carolyn Attneave, a Os problemas familiares são tão tenazes
“terapia de rede”, a qual ampliou o contexto e resistentes à mudança por estarem
do tratamento muito além da família nuclear. inseridos em estruturas poderosas, mas
Nesta abordagem, o máximo possível de pes invisíveis. Tome se, por exemplo, uma mãe
soas conectadas com o paciente é convidado tentando, inutilmen te, disciplinar uma criança
a participar das sessões de terapia. Às vezes, teimosa. A mãe pode censurar, punir,
cerca de 50 pessoas, incluindo a família toda, recompensar com estrelas dou radas ou
ami gos, vizinhos e professores, são reunidas experimentar a tolerância, mas, en quanto
por sessões de aproximadamente três horas, estiver emaranhada (excessivamente
condu zidas por um mínimo de três envolvida) com a criança, suas tentativas não
terapeutas, para discutir maneiras de ajudar e terão força, pois ela não tem autoridade.
apoiar a mudan ça do paciente (Speck e Além disso, como o comportamento de um
Attneave, 1973). membro da família sempre está relacionado
ao dos ou tros, a mãe terá dificuldade para nar-se é uma maneira quase garantida de pro
recuar à me dida que o marido continuar vocar resistência. Se, em vez disso, o
desligado. terapeuta começar tentando compreender e
Quando um sistema social como a famí aceitar a fa mília, é mais provável que esta
lia se estrutura, as tentativas de mudar as re aceite o trata mento. (Ninguém fica ansioso
gras constituem o que os terapeutas para aceitar con selhos de uma pessoa que
familiares chamam de mudança de primeira sente que não o com preende de fato.)
ordem – mu dança dentro de um sistema que Depois desse reunir-se inicial, o terapeuta
continua invariante. Uma mudança de familiar estrutural começa a usar técnicas de
primeira ordem seria a mãe do exemplo reestruturação. Técnicas de reestru turação
anterior começar a pra ticar uma disciplina são manobras ativas destinadas a rom per
mais rigorosa. A mãe ema ranhada está estruturas disfuncionais, ao fortalecer as
presa a uma ilusão de alternati vas. Ela pode fronteiras difusas e afrouxar as rígidas
ser rigorosa ou tolerante; o re sultado é o (Minuchin e Fishman, 1981).
mesmo, pois continua aprisionada na Em 1981, Minuchin mudou-se para
armadilha de um triângulo. É necessária uma Nova York e estabeleceu o que atualmente
mudança de segunda ordem – uma mu se conhe ce como o Minuchin Center for the
dança no próprio sistema. Family, onde
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TERAPIA FAMILIAR 65
3
Modelos iniciais e técnicas
básicas Processo de grupo e análise
das comunicações
A primeira entrevista