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Cuidado Paliativo é uma área que atrai cada vez mais atenção. Esse fato tem várias expli-
cações, mas uma delas é a quantidade crescente de evidências científicas apontando sua
eficácia. Muitos estudos e artigos científicos, alguns em revistas de alto impacto, como
New England Journal of Medicine, Lancet e BMJ, têm sido publicados nos últimos anos.
Sintetizando esses achados, a meta-análise Association Between Palliative Care and Pa-
tient and Caregiver outcomes – A Systematic Review and Meta-analysis, publicada pela
JAMA em 2016, analisou 43 estudos randomizados, mostrando que, comparado ao grupo
Controle, o grupo que recebeu uma intervenção específica de Cuidado Paliativo teve, de
forma significativa:
Imagem esquemática da síntese de estudos sobre a intervenção dos Cuidados Paliativos.
Fonte: Organizado pelo autor.
Em economia isso tem nome: valor. Nesse sentido, Cuidado Paliativo agrega valor a um
sistema de saúde que infelizmente está se tornando insustentável e muitas vezes não ofe-
rece o que precisamos.
Com frequência, profissionais de saúde no Brasil se assustam com a dimensão das evidên-
cias sobre Cuidados Paliativos, que contrasta com uma pergunta frequente: mas então por
que eu nunca tinha ouvido falar disso antes? A resposta para essa pergunta se relaciona
à raridade do Cuidado Paliativo feito com técnica específica no país, infelizmente tornando
essa competência pouco acessível e pouco disponível no nosso sistema de saúde.
Isso reflete o achado da própria Organização Mundial de Saúde, que publicou em 2014
uma avaliação sobre como está a acessibilidade e a disponibilidade do Cuidado Paliativo
ofertado ao redor do mundo. O que a OMS identificou é que no Brasil a disponibilidade do
Cuidado Paliativo foi classificada no nível 3a. No nosso país, o Cuidado Paliativo é feito em
ilhas, algumas de excelência, mas que são poucas em relação ao tamanho da população, e
não são conectadas umas com as outras. Segundo a OMS, estamos atrás, por exemplo, da
Argentina, onde já existe um número muito maior de serviços de acordo com a população
(nível 3b). Estamos muito atrás do Chile, Uruguai e alguns países da África, como Zâmbia e
Zimbábue, onde o Cuidado Paliativo já é uma política de saúde pública, e assim conecta as
ilhas – que, por sinal, também são em número maior em relação à população.
Infelizmente ainda estamos atrás, mas um dos grandes objetivos deste curso é disseminar
esse conhecimento, essa cultura, para mudarmos isso. Estamos abordando esses exem-
plos para não cairmos no lugar comum de falar que estamos atrás de EUA, Europa ou Aus-
trália, onde Cuidados Paliativos já são uma política de saúde com investimento há quase
duas décadas.
Para compreender o ranqueamento da OMS, analise os dados a seguir:
Legenda: Nos EUA se consome em torno de 55 mil mg de equivalente de morfina por milhão de habitantes, enquanto
no Brasil se consome 342 mg de morfina por milhão de habitantes, e no Reino Unido 5.227. Não precisa ser um exage-
ro brutal, como nos EUA, nem uma falta generalizada como no Brasil.
Podemos buscar o equilíbrio, como o reino Unido tem conseguido.
Fonte: Berterame et al. Lancet 2016; 387: 1644.
Consumimos no país menos de metade de opioide por milhão de habitantes do que se con-
some na Argentina ou no Chile, que é em torno de 700 mg, quase 1/3 do que a OMS reco-
menda. A grande quantidade de pessoas com dor subtratada decorrente de doenças avan-
çadas em nosso país representa uma grande oportunidade de melhoria e desenvolvimento
do cuidado paliativo no Brasil.
Na tabela a seguir você confere na íntegra o consumo de opioides na América do Sul.
A própria OMS recomendou por unanimidade, em sua 67ª Assembleia Mundial em 2014,
que o Cuidado Paliativo é uma urgência de política pública para os países do mundo.
Nesse sentido, nosso país está dando passos significativos para mudar essa realidade. No
final do ano de 2018, foi publicado no Diário Oficial da União a Resolução Nº 41 da Comis-
são Intergestores Tripartite, estabelecendo as diretrizes para a organização dos Cuidados
Paliativos no Sistema Único de Saúde.
Essa importante diretriz do Sistema Único de Saúde colocou o Brasil alinhado com reco-
mendações da Organização Mundial da Saúde e com as melhores evidências científicas dis-
poníveis, que mostram que técnicas de Cuidado Paliativo integradas aos tratamentos que
buscam a cura ou o controle de doenças são capazes de melhorar a qualidade de vida e o
controle de sintomas e reduzir o uso de recursos de saúde, levando a uma assistência de
maior qualidade e menor custo.
O que são Cuidados Paliativos?
O cuidado paliativo moderno começa com Cicely Saunders na década de 50 do século XX.
Esta mulher brilhante, graduou-se em serviço social, enfermagem e medicina. Com muita
coragem, muita dedicação e muito trabalho em equipe, mudou a história, começando pela
Inglaterra.
Ela percebeu que, na Inglaterra do final da década de 1950 e início da década 1960, as
pessoas estavam morrendo mal. As pessoas que estavam doentes morriam com dor, em
isolamento, sem ter sua dignidade respeitada, seu sofrimento cuidado. A partir desse
problema e da queixa de um paciente que explicitou para ela: “Doutora, tudo em mim está
errado”, ela construiu um conceito extremamente significativo que é o conceito de dor
total.
Analise com atenção a imagem a seguir e conheça mais informações sobre esse conceito.
Oferecer um cuidado total para a dor total de quem estava morrendo era o conceito inicial
do movimento hospice, iniciado por Cicely Saunders. Essa ideia se concretizou na década
de 1960 na Inglaterra e depois ganhou o mundo.
Em 1990, a OMS definiu cuidado paliativo pela primeira vez, ampliando o conceito iniciado
por Cicely Saunders, que focava os seus cuidados aos pacientes que estavam morrendo.
No final do século XX, a OMS ampliou o conceito para os pacientes que não tinham mais
cura. Portanto, definindo cuidado paliativo como um cuidado total e ativo de pacientes e
familiares, cuja doença não é responsiva ao tratamento curativo. Além dos sintomas físi-
cos foi nomeado que o controle de outros sintomas como psíquicos, sociais e espirituais
também são importantes. Essa foi a primeira vez em que a palavra espiritual apareceu em
uma definição da OMS, representando um enorme avanço para humanização das assistên-
cias.
Por outro lado, ao criar um modelo dicotômico, ou seja, sim ou não, curativo ou paliativo,
esse conceito da década de 1990 trouxe um novo e difícil problema:
Link externo
Para ampliar o seu conhecimento, sugerimos a leitura da definição
sobre Cuidados Paliativos no site da OMS.
Link: www.who.int
A linha do tempo a seguir resume como a OMS chegou a essa definição.
Imagem esquemática da linha do tempo para definição do conceito sobre Cuidados Paliativos.
Fonte: Organizado pelo autor.
Conceituado dessa maneira, podemos então entender por que Cuidado Paliativo pode e
deve ser oferecido ao longo de todo o curso de uma doença grave:
E, assim, podemos também entender que a discussão mais importante diante de um pa-
ciente com doença grave, se ele vai ou não receber Cuidado Paliativo. Podemos pensar de
uma maneira mais produtiva:
Mapa mental sobre decisões que devem ser consideradas na discussão diante de um paciente com doença grave.
Fonte: Organizado pelo autor.
Link Externo
Para ampliar o seu conhecimento, sugerimos o acesso ao
site da Academia Nacional de Cuidado Paliativo.
Link: https://paliativo.org.br/
E, além do Cuidado Paliativo geral, existe o nível especializado. Nesse nível o CP é ofere-
cido por profissionais que se dedicam especificamente a essa área. Esses profissionais,
além de prestarem assistência a casos mais complexos, têm a função de matriciar e pro-
mover a educação em CP para todos os profissionais. Somente assim, com o CP feito em
rede e de forma integrada, é que as necessidades de CP de todos os pacientes que preci-
sem poderão ser atendidas de maneira efitiva e oportuna.
Imagem esquemática dos níveis de atenção em Cuidados Paliativos segundo a OMS e a ANCP.
Fonte: Adaptado de Análise situacional e recomendações para estruturação de programas de cuidados paliativos no
Brasil. Academia Nacional de Cuidados Paliativos, 2018.
Considerações Finais
Mais do que uma filosofia de cuidado, Cuidado Paliativo também é uma competência de
cuidado, fortemente baseada em evidência, com impacto em melhorar a qualidade de vida
de pacientes e em alocar melhor o uso de recursos de saúde. É uma recomendação da
própria Organização Mundial de Saúde e, mais recentemente, do próprio Sistema Único
de Saúde. No entanto, nosso país ainda está atrasado na disponibilidade do CP. Por isso é
tão necessário que profissionais com as mais diferentes formações e das mais diferentes
regiões se capacitem para oferecer o essencial de CP para todos aqueles pacientes e fa-
miliares que precisarem. Esse é o objetivo maior deste curso, e por isso consideramos tão
importante falar sobre CP.
Aprender a cuidar do sofrimento de quem tem uma doença grave não é somente algo
intuitivo, que aprendemos por bom senso. Esse cuidado é também uma técnica, que pode
ser estudada, aprendida e aplicada ao cuidado das várias dimensões do sofrimento hu-
mano. Isso é o Cuidado Paliativo no século XXI. E ter essa clareza de que esses cuidados
ao sofrimento podem e devem ser oferecidos ao longo do curso da doença de forma inte-
grada e feita em rede foi a grande mudança conceitual do CP neste século XXI e o objetivo
principal de aprendizado deste módulo.