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aline dias, ana lucia vilela, augusto benetti, bil lühmann,

carlos asp, diego rayck, fernando lindote, josé antonio lacerda,


julia amaral, maíra dietrich, raquel stolf, yiftah peled
cadernos de desenho

org. aline dias


para irene
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1. Escrever um desenho (com ou sem palavras
).

2. Inventar uma palavra de corpo mole (preciso


ou impreciso) e seus respectivos sentidos.

3. Escrever um texto muito rápido, sem olhar


para a folha de papel.

4. Escrever um texto muito lentamente, olhando


para a superfície da folha.

5. Escrever um texto longo ou curto. Rasurar


milimetricamente algumas palavras e/ou letras,
durante quinze dias consecutivos.

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cadernos de desenho
aline dias

os cadernos de desenho não são vistos por quase ninguém. os


artistas não costumam mostrar. os cadernos são blocos de fo-
lhas reiladas e agrupadas seqüencialmente. e, paradoxalmente,
espaços de uma complexa e desordenada multiplicidade. neles
se estabelecem práticas pessoais e artísticas que escapam, bur-
lam e confundem os modelos mais comuns de escrever, dese-
nhar, mostrar e guardar. são espaços que fogem do que parece
homogêneo e padronizado na nossa experiência. de forma que
também este texto não tem um lugar dado, deinido, já que
ainda não existe ainda um jeito de olhar, nomear, classiicar ou
enquadrar a experiência dos cadernos. e porque é um pouco a
própria vocação da linguagem, a tentativa de falar do que não
se deixa pegar.

para começar o texto, eu preciso dizer que eu não ia pedir


para ver os cadernos. muito menos para que os artistas me
emprestassem. sei que o caderno é um espaço muito singular
e muito privado. eu tenho muitos cadernos e sei que é difícil
mostrá-los. porque esses cadernos não têm só desenhos. tem
anotações pessoais, desenhos muito mal feitos. o caderno de
desenho é um espaço problemático de exposição, pensando
que o termo está relacionado tanto às formas de apresentação
da arte, quanto às formas de exposição de si mesmo.

no verão de 2010, em função deste projeto, vi os cadernos do


zé. uma caixa cheia. muitos cadernos. conversamos, olhamos
os cadernos juntos. e, no inal, ele disse que se eu quisesse po-
dia icar com eles emprestados na minha casa. foi só no inver-
no que eu comecei a olhar os seus cadernos. sozinha, enquanto
a irene deixava. e eu iquei muito impressionada. um universo
imenso, rico, fragmentado. cheio de desenhos, de idéias. cheio

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de pistas para pensar os seus trabalhos, as suas experiências e
outras tantas coisas. depois disso, contei pra julia como estava
sendo intenso esse processo. e pedi para ver os cadernos dela
também. ela aceitou. acho que não aceitaria se eu não fosse sua
amiga. fui escrevendo emails e conversando com os outros ar-
tistas. eles aceitaram. no inal do ano passado, quando o livro já
estava em processo, apareceram os cadernos do bil, mostrados
para o diego. eu perguntei se eu podia ver também. ele disse
que sim.

nas primeiras conversas do projeto, quando os artistas mos-


traram seus desenhos e pensando também no que eu mesma
fazia nos meus cadernos, comecei a prestar atenção em algumas
características dos cadernos para tentar balizar o que eu estava
entendendo como um caderno de desenho. como deinir o que
é e o que não é um caderno de desenho? não me interessava
estabelecer um conceito rígido, mas apenas entender e me situ-
ar diante de tudo o que eu estava vendo. perceber o que estes
cadernos traziam de tão singular em relação a outras formas de
agrupar, organizar e/ou arquivar desenhos.

os cadernos de desenho não são de estudos. não são de pro-


jetos. não são diários. não são agendas. não são cadernos de
esboços. não apenas. e não exclusivamente.

o yiftah arquiva seus desenhos em uma prancheta. são dese-


nhos e anotações para possíveis trabalhos, idéias que podem
ser desenvolvidas, frases ou imagens que ele não quer esque-
cer, descrições de materiais, medidas, disposição dos trabalhos
para a montagem de uma exposição ou dos elementos de uma
performance, uma roupa, um objeto. os desenhos icam todos
juntos. as folhas têm o mesmo tamanho. desenhos de projetos.
às vezes, inevitavelmente, aparece outra coisa.

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o lindote faz muitos desenhos. joga fora muitos desenhos. dese-
nha inúmeras vezes a mesma forma. usa cadernos comuns e blo-
cos promocionais. projeta a proporção das formas no espaço de
uma instalação. repete a mesma forma com pequenas variações,
obsessivamente. desenhos de estudos. às vezes, inevitavelmen-
te, aparece outra coisa.

os desenhos servem para projetar e estudar. os cadernos ser-


vem para outras coisas também. a raquel coleciona cadernos
em branco. presta atenção nas capas, no miolo, na espessura
do papel. a julia chama os cadernos de caderninhos. ela escre-
veu que ninguém pode ler o caderninho. a raquel e a julia, às
vezes, encapam os cadernos com adesivos, postais e fotos. a
maíra cola igurinhas em vários dos seus cadernos. igurinhas de
lores, frutas, até de jogador de futebol. o bil guarda bilhetes,
fotos, matinhos, rótulos de cervejas e uma ininidade de peque-
nas coisas dentro dos seus cadernos. a maíra acaba sendo muito
irônica. ela escreveu cruel, em letras grandes, preenchidas com
canetas cor-de-rosa, de quatro diferentes tonalidades. escreveu
que sempre se sentiu uma pessoa de natureza extremamente
violenta. os cadernos do asp possuem muitas folhas em branco.
muitas mesmo. ele ganha a maioria dos seus cadernos e quase
não os usa. são cadernos diferentes, alguns de capa dura. outros
de espiral metálica, pautados, com estampa xadrez na capa. eu
intuo que os verdadeiros cadernos de desenho do asp são as
folhas pequenas e avulsas agrupadas com grampos de roupa e
guardadas em sacos plásticos. rótulos e embalagens dentro de
outras embalagens. bulas e caixinhas desmontadas. papéis que
envolvem os sachês de chás. envelopes de banco, desses de fa-
zer depósitos. as coisas que ele carrega na bolsa. os cadernos
do zé são sempre iguais. ele reúne folhas e leva numa copiadora
para cortar ao meio, reilar e encadernar com espiral. os ca-
dernos têm sempre o mesmo tamanho, a5, formato paisagem.
papel sulite, na maioria das vezes. o caderno mais antigo que o

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zé me emprestou é de 1993. muitos cadernos ele perdeu ou não
sabe onde estão. ele fotografou e enviou por email algumas pági-
nas, de portugal. o augusto faz os cadernos da mesma forma. a5,
sem pauta. mas tem também cadernos grandes, que parecem
de colégio, pautados. os cadernos da raquel costumam ser pau-
tados, bem pequenos. os meus cadernos diicilmente possuem
pautas. às vezes são quadriculados.

nos cadernos do asp, em meio a várias folhas em branco, apa-


rece um desenho. nos cadernos do bil também tem desenhos
e textos escondidos ou perdidos entre folhas em branco. de
vez em quando acho uma frase que eu ainda não tinha lido. e
depois custo muito a encontrar outra. um dos cadernos, com a
capa de paris, foi um presente do irmão dele. era para ter sido
um moleskine, mas não foi. os meus cadernos são pequenos. a
raquel tem muitas cadernetas parecidas, com capa dura, cinza. a
julia tem um caderno que não abre direito. tem também coisas
avulsas reunidas. o bil tem muitos bloquinhos bem pequenos, da
cooperbatata. a raquel tem um caderno com pauta de partitura.

a maíra escreve num email que é estranho icar sem os cader-


nos. a raquel precisa deles para escrever a tese. os cadernos da
julia servem para pensar. e escrever quando faltam outras coisas,
como sexo. estava escrito num dos cadernos. eu gostei de ter
lido isso. lembrei da adília lopes que diz que, quando tem von-
tade de chorar, precisa de um abraço. um livro não chega. nos
cadernos tem desenhos, referências de ilmes, artistas, livros,
pedaços de letras de músicas, resumos, lembretes de coisas para
fazer, como fazer a unha ou um relatório. é curioso que, invaria-
velmente, crio extensas listas ao tentar descrever os cadernos.
inventários que indicam a impossibilidade de resumir, abreviar
ou sistematizar os desenhos e anotações que encontro nos ca-
dernos sem que esmague sua espessura e singularidade.

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os cadernos têm muitas listas: coisas para fazer, para pensar,
para levar, para trazer, para não esquecer. levar dinheiro de ver-
dade, o piu-piu e o roberto carlos. a raquel escreve anotações
para possíveis trabalhos. orçamentos de equipamentos de som.
o augusto tem a receita de um quentão. como aiar uma ferra-
menta. o zé descreve os gastos mensais no que parece ser um
projeto de gastar só $3,90 por dia. roupas que precisa com-
prar ou lavar ou tingir ou reformar. nos cadernos tem telefones,
datas, compromissos, preços, horários. nas bordas, nos cantos,
no verso e no meio mesmo. nos cadernos não tem um espaço
organizado, hierarquizado ou privilegiado. está tudo misturado.
tem contas, dados de um vôo. uma conissão. o nome de uma
pessoa riscado. a descrição de um sonho, de vários sonhos. no
caderno do augusto tinha uma árvore no alto de uma montanha.
e ele me disse que tem vergonha de desenhar paisagens. é uma
aquarela marrom lindíssima. eu desenhei um precipício e anotei
que a adélia prado acredita que tem rede embaixo.

no caderno não importa o que é importante. é importante lem-


brar que uma planta era a verdinha. organizar o que precisa fa-
zer, quanto gastou, o que lembrar. inclui o telefone da faxineira,
como usar um programa. onde tem goteiras ou onde estão os
canos e ios da casa.

são muitos os desenhos dos cadernos. variados os recursos


gráicos. variadas as inabilidades, os fracassos. repetidas vezes
aparecem estudos de formas e projetos. o zé faz muitos estudos
e projetos mas diz que não costuma recorrer aos cadernos na
hora de fazer os trabalhos.

talvez seja a porosidade dos textos e imagens o que faz um


caderno ser um caderno de desenho. os cadernos não têm uma
unidade. uma multiplicidade de coisas diferentes coexistem num
mesmo espaço. mesmo quando um artista se esforça para desti-

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nar um tema ao caderno, sempre há vazamentos, perfurações e
toda sorte de interferências e invasões. uma frase ouvida numa
palestra, uma notícia na tv, um recorte, uma foto, uma seta. nada
parece querer ser unido com coesão. tudo se fragmenta e dis-
persa. as coisas aparecem e poderiam desaparecer. os cader-
nos não têm capítulos, não têm seções, não têm divisórias. os
lembretes urgentes da vida prática estão ao lado de cuidadosos
desenhos de observação. no mesmo caderno, na mesma página.
e icam ali, existindo. sem demarcações. o caderno é bagunçado.
tem páginas marcadas com post-its, tem começos, pedaços de
trabalhos que serão feitos depois. tem coisas que se repetem.
tem obsessões. o caderno não é planejado. não é organizado.
não tem uma hierarquia dos bons e dos maus desenhos. no
caderno tem muita rasura. muito comentário. o zé escreve: não
posso esconder nada. posso sim, escreve depois, na mesma pá-
gina, com outra caneta. e tem uma frase riscada junto. não dá
pra ler. posso sim, ele diz. o caderno pode. ele não é destinado
a ninguém. corresponde a pouca ou nenhuma expectativa. pode
anotar rápido. no escuro, no ônibus, na cama, no colo, na rua.
pode riscar porque não era assim. ou não é mais. o desenho
pode não render, pode não icar bom. pode arrancar a folha.
pode aparecer uma observação muito íntima. um comentário
irônico, a voz de outra pessoa. às vezes, as coisas se perdem nos
cadernos. às vezes, icam mesmo perdidas.

nos cadernos alguns artistas desenham o trabalho de outros


artistas. para lembrar depois. listas, preços, contas, tarefas, horá-
rios. lembrar, levar, trazer, comprar, fazer. urgente, agora é sério,
sem falta, hoje, depois. tudo registrado, agrupado e ordenado
apenas pela vinculação à circunstância temporal e de uso da-
quele caderno. coisas que poderia não ter anotado. que poderia
ter anotado em outro papel. coisas que tinham sentido apenas
naquele contexto. o caderno guarda esses resíduos. rastros dos
dias, dos lugares, das atividades. as mais banais. as mais impor-

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tantes. comer menos sal. emagrecer. o diego fazia desenhos de
observação de esculturas feitas de guardanapo em mesas de
bar. eu reconhecia nos cadernos do zé algumas frases dos pro-
fessores do mestrado. o augusto e a julia estavam numa mesma
palestra e desenharam o mesmo trabalho do waltércio caldas. o
diego viu um desenho do zé e lembrou do hamster que morreu.
o caderno se faz como uma espécie de pensamento em pro-
cesso. são as sobras que icam ali. não uma relexão posterior.
o caderno não é uma obra de arte, a julia escreveu. a obra é
resíduo, o acabamento é a embalagem, o zé escreveu. e é chato
ser artista porque estamos condicionados a certas embalagens.

o asp desenha no ônibus, o augusto também. ele desenhou uma


janela num terreno baldio. eu deduzi que fosse para pegá-la de-
pois. o bil reclama que andar tanto de ônibus impede de dese-
nhar. ele fez um desenho de observação de uma sujeira no ôni-
bus que parecia um centauro com o braço levantado. ele achou
um guarda-chuva no ônibus no mesmo dia. ele fez também um
dado com miolo de pão. eu iquei impressionada. eu tentei fazer
um cubo com farelo de pão e ele se desintegrou. virou um pó
iníssimo e sujo. o zé pergunta: o mundo é sujo? os cadernos da
raquel cabem na bolsa. os meus icam amassados de tanto andar
na bolsa. o caderno é portátil. é permeável. não dá pra separar
o caderno da vida e do trabalho de cada artista. mesmo quando
ica vazio. o zé usa um lado do caderno até o im, só as páginas
ímpares. depois volta nas costas das folhas, usando as páginas
pares, da última até o começo de novo. a segunda é a última.

hoje vi um arco-íris. hoje não quero que chova. hoje vi partirem


um cérebro ao meio na tv. hoje sonhei com você. gosto es-
pecialmente dessas anotações. curtíssimas. que começam com
o hoje. o presente. antes, nada. depois, nada. os cadernos se
aproximam dos diários, mas não são diários. como um diário, o
caderno é um espaço privado, de experiência pessoal. como um

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diário, o caderno não é um espaço de exposição. talvez por não
ser pensado para ser publicado num livro nem exibido numa
exposição, é no caderno que o artista se expõe.

diferente dos diários, os cadernos não articulam uma enuncia-


ção clara, não contam, posteriormente, o que aconteceu. os
cadernos olham para si mesmos, se pensam. comentam seus
desenhos. bosta de desenho. gabriel e sua proporção maravi-
lhosa. é só um desenho que foi riscado. migalhas do desenho.
nos cadernos os artistas pensam, e o que me chama atenção é
que os cadernos carregam resíduos desses pensamentos. os ca-
dernos são usados. se gastam por isso. como os dentes, que na
boca estragam, diz hilda hilst. não são memórias escolhidas. são
sobras, são restos. diicilmente se escreveria num diário: hoje
comprei um hd. ou quanto custou um hd. no caderno isso foi
anotado porque precisava comparar os preços. e icou ali. uma
sobra, um resto. desnecessário agora. outras sobras contam de
um trabalho recente da raquel, que começava a ser pensado em
1999. imagens informes, que começavam a aparecer, a insistir. o
caderno se faz por contato, justaposição de desejos e de desor-
dem. não é um texto sobre. não aparece, por exemplo, apenas
e exclusivamente: hoje iz compras. aparecem anotações soltas
do que supomos ser uma lista de compras, com um comentário:
não esquecer de. o bil procura nos bilhetes que encontra re-
constituir o que seria o jantar de alguém pela lista de compras.
no caderno dele, às vezes, é possível fazer isso.

os cadernos da maíra são muito próximos de diários. ela me


disse isso num email e num bilhete também. ela fala de uma
baleia, a carta mais alta do baralho. tem também o lyer de uma
festa dentro de um caderno, a festa da baleia. tem o desenho de
um mapa com o endereço. no caderno do zé tem um desenho
de uma baleia e no interior dela um homem: jonas e a baleia.
a digestão no escuro, ele escreveu. no caderno da julia tem um

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sonho com uma grande baleia. o bil me contou de um sonho
com uma grande girafa. no meu caderno tem um desenho de
uma baleia com uma linha bem ininha e uma anotação dizendo
que as baleias podem morrer fora da água com o peso dos pró-
prios órgãos internos. o diego me disse isso. o bil escreve vários
sonhos. alguns bem assustadores. num deles, ele desenhou uma
boca sem alguns dos dentes, a gengiva vazia. noutro, a posição
de uma janela, como era no sonho e como é realmente. esse
detalhe não me pareceu muito importante no contexto do so-
nho. mas ele desenhou. a palavra como apoio para aquilo que
não se consegue desenhar. o desenho como apoio para aquilo
que não se consegue escrever. a maíra sonhou que do seu cuspe
saíam lacraias. outro dia tinha uma lacraia na banheira da irene
e eu lembrei dela.

a julia faz listas de presentes de natal. a maíra também. eu estou


na lista da julia, de alguns anos atrás. eu não estou na lista dos
presentes de natal da maíra de 2009. ela escreveu que não gosta
do blanchot. eu gosto. e eu sei que a raquel também gosta.

dos diários, ico sempre com uma sensação difusa. perco os de-
talhes. talvez pelo acúmulo deles. os desejos, as fragilidades, o
cansaço. ico tocada pelos cadernos. a maíra escreveu que quer
ser artista. o zé escreveu que ser artista é uma merda. e que
ser artista é bastante divertido. às vezes, tenho vontade de icar
mais tempo com os cadernos. mas eu preciso devolver. sei que
os cadernos servem para ser usados. a maioria dos artistas revê
os cadernos, várias vezes, com intervalos irregulares. precisam
deles. às vezes tento pensar num arquivo de cadernos, num mu-
seu dedicado a arquivos, cadernos, estudos, projetos. não só
registros de obras feitas, mas dos desejos de fazê-las. mesmo as
que não foram feitas. às vezes penso num arquivo de cadernos
dos artistas que já morreram. pedir que eles deixem os cader-
nos de herança, nos seus inventários. para eu só morrer depois

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deles. às vezes penso em uma outra forma de editar este livro,
sem nenhum processo de digitalização. fazer um caderno dos
cadernos dos outros artistas só com desenhos meus, anotando
e copiando. às vezes eu queria olhar devagar e não posso. às
vezes eu fotografo para olhar depois. às vezes ico com medo
de expor demais os artistas. penso na agnes varda que diz que é
preciso se expor quando se expõe o outro. ela fala de existir nos
outros. assumir a fala do outro. faço desenhos das coisas que
vejo nos outros cadernos. nos outros, lembro de coisas que já
desenhei. penso nos outros nos meus cadernos. lembro de mim
nos outros cadernos. e tem rasuras nesse processo.

o bil escreve frases que escuta no ônibus. eu, nas novelas, nos
vizinhos. o augusto ri de si mesmo, das palestras. os objetos dele
falam. o bil escreve: deus me ajuda a achar uma casa. deus me
dê paciência, deus me dê dinheiro, deus me dê humor, deus me
dê sossego. eu escrevo: deus me ajuda a icar mais leve, mais
serena, depois escrevo que parece propaganda de absorvente
íntimo. o zé instituiu o dia do queijo, da formiga, do pobre. o bil,
o dia mais improdutivo. o zé gosta de umas formas escultóricas
que desenha incontáveis vezes, quando está pensando em outra
coisa. ele escreve em outro caderno: vontade de arrancar essa
folha. a maíra conta do mergulho com o leão-marinho, iguanas,
tubarões que tinham o tamanho dela. o caderno esteve com ela
em galápagos. me encanta ler a palavra galápagos. escrevo que
o diego se surpreende que eu goste de animais gordos, lustro-
sos e que vivem na água. no caderno do zé tinha o telefone do
diego quando ele morava no bom abrigo. e também o da raquel,
do asp e o endereço do lindote nos ingleses. o zé fala do meu
trabalho: lembrar do balão da aline.

quando não olho é porque acho que já sei, o zé escreveu. quem


pensa que já sabe, deixa de olhar. coisas riscadas. seis horas tris-
tes. a raquel desenha muitas setas. nos seus cadernos tem pe-

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daços de narrativas, de poemas. no da julia uma lista de datas,
entre elas, o dia em que ela se separou. no do zé o dia que a
graziele nasceu. que morreu o juca.

páginas cheias. os desenhos nos cantos, espremidos entre ano-


tações de aula. uma reclamação. um sonho. 10/9/98 em letras
grandes, ocupando toda a página. ser otimista. precisando ser
otimista. uma frase pequeninha no vazio da página. alguns cader-
nos têm poucos desenhos. alguns cadernos não têm textos. os
textos do diego são escritos em uma caligraia muito pequena,
é difícil de ler. fui dormir às 01h26 no dia 26/01. muitos dese-
nhos e textos são estudos para trabalhos. outros não vão a lugar
nenhum. instrumento da vontade. não sei quando uma frase é
uma citação, quando é só resto de um pensamento. não posso
reconstituir quase nada. são sempre pedaços. às vezes não faço
a menor idéia do que se trata. muitas coisas se perdem. tenho
medo de perder. outros não têm. gosto de domingos, me sinto
igual a todos, anotado em 1996. preciso de tempo para o que
eu leio decantar em mim, para perceber as repetições. fazer um
relato, um trabalho diicílimo, estava escrito. tenho medo. estou
confuso. estou coitada. estou cansado. me perdi na loresta. fo-
mos na loresta. cheguei na hora certa hoje.

nos cadernos tem desenhos rápidos, desenhos lentos, desenhos


pretos, desenhos coloridos. pequenos. ocupando toda a página.
repetidos. formas singulares de ocupar a página, mais ou menos
planejadas. uma concentração desordenada. nos cadernos do zé
aparecem muitos esquemas gráicos, mostrando encadeamen-
tos, luxos e circuitos. eu confesso que não sei qual é o lugar dos
cadernos. válvula de escape, confessionário. estava sentado no
ponto de ônibus e não esperava nada nem ninguém. desculpa
fazer pizza só pra mim. a pizza dos sonhos, com alho no molho
de tomate. uma máquina fotográica de cerâmica. uma piscina
com ph que muda de cor com a urina. muitas pessoas mijando

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dentro. fazendo desenhos coloridos na água. a vida é um io ino.
a prima que no sonho estava bonita de vestido branco. desenhar
iguras, desenhar legendas, desenhar superfícies. hoje uma traça
minúscula na minha calça. ter um ilho é como estar apaixonado
sempre. não ver o abismo. o abissal no i ching. o bil sente sau-
dade das vitaminas de maçã com neston. nos desenhos só tem
besteira, disse o zé, achei que ia encontrar coisas mais legais,
ele disse também. queria riscar esse desenho mas não quero
arruinar a caneta. como a raquel, começo a riscar os dias que
passam. nos cadernos do bil, como nos da bisavó, a data e uma
frase sobre o dia. sei o nome dos médicos mas não sei quem ela
foi ver em itu. o zé faz pequenos quadrados em volta de algumas
frases. acho que era a letra da maíra em um caderno do bil. uma
legenda indica em um quadrado a cor azul. muitas coisas anota-
das no cadernos do diego eu sei quando aconteceram, algumas
eu estava junto. tem a minha letra às vezes. eu escrevo que
ele coloca os mosquitos na teia da aranha na janela do quarto
da irene. ainda vivo, tem que ser, ele disse. meu nome aparece
no caderno dele. livro primo, livro quente. o vazio é a vida do
amigo r.. o asp tem um caderno quase todo em branco mas
todas as páginas estão numeradas na margem inferior esquerda.
cuaderno del viaje. poltrona com braços, lençol azul estampado.
nature peace no dormitório. fragmentos de cada um. me esca-
pam coisas sempre. cielo nublado / mar gris / espuma blanco /
rocas negras / arena oscura / vegetacion verde o/y amarilla. uma
linha sobre a outra: uma paisagem do asp. frases empilhadas.
pilhas de please. pilhas de roupas para passar num poema antigo
da raquel. pilhas de nuvens, era o trabalho que a maíra queria.
pilha de pedras. pedras que voam. pedras que esmagam. pilhas
de lajotas. lajotas e balões. pessoas balões. criança com balão
de cara de pessoa. pessoa com máscara dela mesma. fantasmas.

em 2004 eu conheci o poçível. estava na bolsa do asp. nesse


mesmo caderno a gente ilmou ele desenhar o nome numa pá-

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gina. a folha acabou e as últimas letras icaram apertadas. a gente
viu o que ia acontecer. que não ia caber. adoro as legendas. as
setas que apontam para fora do caderno. um desenho de muito
tempo madrugada a dentro. coração peludo não é uma coisa
boa para o bil. uma lembrança boa me visitou hoje. os cadernos
do diego têm muitos desenhos. desenhos de criaturas bizarras.
e textos ilegíveis e intermináveis. coisas que eu não faço a menor
idéia do que se tratam. a letra da raquel é bonita. nos cadernos
da maíra muitas tarefas. nos da julia muitos desenhos. preciso
me bagunçar. não quero perder o siso. dizer que, como e quan-
to amo. planos de viagens, resoluções, medidas, desabafos. as
horas. os dias. os números.

a maíra escreve de um amor que vai e vem. a julia se ressente de


saudade do félix. o zé fala de um desenho de criança que reapa-
receu. a raquel tira o i ching. a maíra escreve os nomes, não usa
as iniciais. o augusto escreve que haha isso tem que estar numa
pornochanchada. a julia tira o i ching. a raquel escreve apenas
as iniciais de alguns nomes próprios. quando é h eu imagino
que seja o helder. o bil escreve o primeiro item de uma lista de
declarações não feitas. eu não sei quando as frases anotadas
foram ouvidas, quando são trechos de livros ou quando são de-
les de verdade. não sei a quem certas frases são endereçadas.
o sentido é sempre precário. garça=vacuna, sonhei com este
signiicado. as frases se repetem. os pronomes, as citações, a
justaposição de referenciais vindos de todos os lugares fazem do
caderno um lugar instável, de indeterminações.

me disseram que algumas pessoas icaram frustradas porque


esperavam encontrar cadernos de desenho na exposição cader-
nos de desenho.

o caderno serve para ser usado. para acabar. às vezes um dese-


nho sai de um caderno e vira um trabalho. vira desenho grande,

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na parede. vira panleto, múltiplo. vira uma experiência com fu-
maça verde na cidade. e o caderno ica sendo o lugar de onde
o desenho veio. e foi para outro lugar. porque o desenho não
precisa morar só no caderno. ele se desprende dele. o caderno
também serve para pensar como isso vai acontecer.

cada desenho existe num caderno. cada caderno tem um deter-


minado tamanho, um formato de capa, um número de páginas.
um tipo de papel que pode ser pautado ou não, branco ou não,
com ou sem margens, a folha ininha ou mais encorpada. cada
desenho existe em uma página. que pode ser espaçosa ou aper-
tada, quase vazia ou densamente ocupada. em cada página, uma
outra folha que veio antes. com imagens, desenhos, textos. ou
mesmo um número determinado de folhas em branco. e outras
folhas vêm depois. cada caderno tem um dentro e um fora, um
antes e um depois. cada desenho estava num caderno. desenha-
do com uma caneta ou lápis ou canetinha hidrocor. cada caneta
com uma determinada cor e espessura. cada desenho num de-
terminado espaço da página. o livro cadernos de desenho não é
um fac símile dos cadernos de desenho dos artistas.

no começo eu tinha alguns temas: notas sobre desenho, sobre


ser artista, projetos não executados, projetos de trabalhos exe-
cutados, legendas e notas sobe a relação entre palavra e ima-
gem, astros e paisagens, anotações que começam com a palavra
‘hoje,’ desenhos de objetos, listas, bichos, referências inusitadas,
desenhos de trabalhos de outros artistas, textos riscados, bura-
cos, relatos de sonhos.

eu ia agrupando o que ia lembrando. é muito difícil fugir da caixa.


a caixa é a vontade de organizar, escreveu o zé. comecei pensan-
do por recorrências e aproximações. um desenho que lembrava
outro. depois comecei a sabotar minha própria organização. um
desenho do zé que parecia da julia. outro que parecia do asp.

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uma tiragem do i ching de um artista, de outro. sem dizer de
quem. uma frase do zé: lembrar de godard. depois uma citação
de godard, escrita pela raquel. gostei de confundir os cader-
nos, os donos dos cadernos. comecei a afastar o que se parecia.
tentar estabelecer proximidades entre coisas que estavam em
cadernos diferentes, de artistas diferentes. e que se juntavam no
livro. em quem lesse o livro. o desejo de criar narrativas, de dizer
a verdade e de iccionalizar as autorias. não usar caixas é difícil.
eu estabeleci novas regras: não separar os desenhos segundo as
categorias convencionais de projeto, obra, anotação, como se
fossem formas de desenhar diferentes. não pensar em seqüên-
cia. não ser didática. assumir o deslocamento dos desenhos dos
cadernos para o livro e estabelecer novas relações de cor, escala
e contexto, sem me prender muito aos originais. não dizer de
forma ostensivamente clara de quem é cada desenho.

dos cadernos, tem coisas que eu não quis mostrar. que eu es-
queci. coisas que os donos dos cadernos já não lembram. coisas
que eles talvez não gostem de ver que eu vi ou que vieram parar
aqui. a julia se desenha nos cadernos, mas não tem auto-retrato
nenhum. eu disse: nos cadernos que eu vi, tinha desenhos à toa,
desenhos lindos, desenhos ruins, trabalhos, relexões sobre arte,
projetos, idéias tomando forma, coisas do cotidiano, listas, notas,
essas coisas todas. e ele me perguntou: tinha coisas realmente
íntimas?

eu também me desenho. os meus cadernos se parecem com os


da julia. às vezes com os da maíra. às vezes com nenhum deles.
eu preciso ter um tempo com o caderno para desenhar e não
me ocupar do trabalho, nem dos outros nem de mim e nem
do mundo. achar que eu tenho uma sensibilidade, mesmo que
seja fuleirinha. os meus cadernos, olhando com o olho semi-
serrado, são muito feios, com uns desenhos muito magrinhos e
outras páginas cheias de texto amontoado, com uma letra muito

195
ruim de quem não quer perder o luxo de um pensamento que
é mais rápido que a mão. eu achei os cadernos todos muito
bonitos, com desenhos e textos, os textos pensando-se como
imagem. num desenho gostoso a maíra diz: eu realmente não sei
o que acontece aqui. e eu queria desenhar bonito.

o asp deixa muitas folhas em branco. eu não sei se ele os esque-


ce, perde ou abandona mesmo. ele parece gostar de reencon-
trar os cadernos. eu gostei de reencontrar um desenho dele, de
2004, escrito notebook. foi quando eu me dei conta do que era
um caderno de desenho, eu suponho agora. eu não gosto da
idéia de catálogo de arte. quando comecei esse projeto eu só
não queria fazer um catálogo. imaginava que o que serve para
os anúncios de um folheto de supermercado não poderia ser-
vir para os cadernos. uma vez o asp esqueceu uma embalagem
de cueca com uma lista das pessoas a quem ele devia dinheiro
e quanto na minha mesa de trabalho. talvez o celular do asp
também seja um caderno de desenho. ele me envia mensagens.
bonitas. às vezes, tristes. às vezes, vem um po-de. ele disse que
é uma versão para celular do trabalho dele. a raquel anota e
esmiúça silêncios. tenta não perder nada do rumor incessante
de uma tarde. o silêncio depois do almoço de domingo. uma
criança chama pai, ela anota. a maíra fala dos silêncios no telefo-
ne com uma outra pessoa.

muitas coisas que eu vi, eu não posso entender. ico em dúvida


se devo correr o risco de ser indiscreta e perguntar ou se é
melhor permanecer convivendo com a indeterminação. por um
tempo também indeterminado. às vezes, sem esperar ou pre-
ver, alguma coisa passa a ter sentido. ou deixa de ter. e é assim
mesmo. eu gosto de ver as pessoas nos cadernos. mais que os
trabalhos, o processo como cada um vê o mundo, experimenta
as coisas. gosto de saber qual foi a cumplicidade banal mais legal
da vida do bil. gosto de ver a teimosia, o entusiasmo. é frágil

196
e tensa a cordinha que nos mantém de pé. não tem cordinha
nenhuma, eu anotei. nós é que fazemos muita força para icar
de pé. vila-matas diz que quem escreve com o sentido do risco
anda sobre um io e, além de andar sobre ele, tem de tecer um
io próprio embaixo de seus pés.

nos cadernos de desenho tem iapos, pó, migalhas, desenhos


de farelos de bolacha. e também o dia que o coração disparou.
eu agora sei que em itu era o internato e que ela casou com 14
anos. ele disse que vai me mostrar uma foto. mas eu ainda não
conheço o seu rosto. ela não vai conhecer o meu.

o que perguntar na hora de comprar um carro. o relatório da


movimentação das saúvas na rua dr. eloy chaves. da pressão nas
artérias do zé. o diego comeu sonho em 1997. o augusto chocou
uma lagartixa. mas não escreveu isso. o zé escreveu: dar mais
uma volta na corda do varal. eu escrevi que me sentia orgulho-
sa por ter estendido minha toalha de banho no sol como uma
personagem da adélia prado. a maíra sente saudade das gatas.
eu escrevi que caixas e cadernos velhos me deixaram deprimida.
eu não olhei direito os meus cadernos. as mesmas reclamações,
as mesmas repetidas covardias. o zé escreveu: dia um covardia.
o diego não tem nenhum caderno com pauta. nem o zé. a adília
lopes escreveu que o escritor tem que lidar com o medo do ri-
dículo. a julia desenhou o poço do ridículo. o xanxa lava sempre
toda a louça mas isso não tem nada a ver com o texto nem
com os cadernos. ele gosta de literatura russa, eu escrevi em
um caderno.

um dos meus cadernos tinha um desenho do terreno com o


nome das árvores plantadas e das que eu gostaria de plantar.
nos cadernos do asp: sair de si, respirar. nos da maíra, também:
respirar bastante. ser artista é árduo, numa anotação perdida.
sombras e pedaços de mim. o zé escreveu que gosta das obras

197
chatas. gosto de fazer trabalhos monótonos, sem graça, depois
me ressinto da mais absoluta falta de sucesso. não estou gostan-
do dessa letra legível, não parece meu caderno. trabalho para
estar à toa / sem culpa / um trabalho emocional. a culpa que
nos arranca da cama. sempre tive o zé como um exemplo. mas
nunca contei pra ele.

os cadernos de desenhos não foram vistos por quase ninguém.


tento ser cuidadosa. com o que vejo. com o que escolho mos-
trar. porque estou expondo coisas que, de uma forma geral,
não são acessíveis. a indeterminação e a sombra persistente da
icção protegem o que não é para ser exposto.

os cadernos são espaços de experiências. shoshana felman diz


que o testemunho se conigura como uma prática discursiva di-
ferenciada, que compreende realizar um ato de fala ao invés
de, simplesmente, formular um enunciado. aquele que fala, tes-
temunha algo que continua a lhe escapar. o testemunho não é
uma ‘modalidade de enunciado’ sobre algo, concebido a priori,
anterior ao processo de expressão, mas uma ‘modalidade de
acesso à experiência’.

como lidar com a experiência dos cadernos? eu não sei qual


é o lugar dos cadernos. são ricos e complexos esses espaços.
o bil teve uma conversa com uma colega em um caderno. eu
sempre penso no caderno como um lugar. não um objeto, não
um suporte, não um bloco de papel. como um lugar ou um livro,
o caderno pode ser visitado. suponho, um pouco poliana que
sou, que a insuiciência das formas pré-estabelecidas possibilite
ampliar e reinventar os modos de contato com a arte. sei que os
cadernos não cabem nos modelos que eu conheço de exibição
e circulação. os cadernos estão nas bordas do trabalho, nas bor-
das da experiência diária. como um exercício individual e silen-
cioso que estabelece um lugar para uma outra prática. que não

198
é a do diário. que não é a do projeto. que não é a da exposição.

a ana me enviou um texto em que foucault fala dos cadernos


de anotações utilizados correntemente na grécia de platão.
hypommemata. neles apareciam citações, fragmentos de traba-
lhos, ações testemunhadas, descrições, relexões. uma memória
material das coisas lidas, ouvidas ou pensadas - um tesouro acu-
mulado para ser relido e para meditação posterior. também for-
mava uma matéria-prima sobre a qual tratados mais sistemáticos
podiam ser escritos, onde eram apresentados os argumentos e
as formas de lutar contra algum defeito (como a raiva, a inveja,
a maledicência, a bajulação) ou de ultrapassar alguma situação
difícil (um luto, um exílio, uma depressão, uma desgraça). em-
bora pessoais, foucault diz que estes cadernos não devem ser
considerados diários íntimos, descrevendo movimentos interio-
res relacionados às práticas cristãs que visam decifrar, puriicar
e renunciar a si. ao contrário: os cadernos não perseguem nem
revelam o oculto, mas agrupam aquilo que foi pensado, lido e
ouvido, numa escuta sensível, cuja escrita torna-se um exercício
permanente. exercício que tem como objetivo a construção de
si.

o caderno como um trabalho diário. como um trabalho da vida


inteira. inacabado, indeinível, imprevisível, incontrolável.

199
Desenho como bruxaria
Diego Rayck

O rabino modelou no barro um corpo humanóide. Animou-o escre-


vendo na fronte Emeth, verdade, e a criatura, um Golem, passou a
servir e proteger a comunidade de acordo com as instruções que
recebia. Para que não trabalhasse no Sabbath, toda sexta-feira à
noite era apagada de seu corpo a letra Aleph, deixando apenas a
palavra Meth, morte, e o Golem icava inerte. Em uma noite, este
procedimento foi esquecido e, no dia seguinte, a criatura desgover-
nada liberou sua força de maneira destrutiva. Ela só foi impedida
quando o rabino apagou as letras, devolvendo-a ao estado de um
monte de terra.

Desenhar é como atiçar brasas.

Evocar pode signiicar trazer à memória e também a tentativa


de atrair entidades sobrenaturais. Todos os sentidos relaciona-
dos, chamar, nomear, intimar, desejar, pedir, convidar ou chamar
em auxílio, implicam voz e palavra (e-voc-ar). Desenhar é evocar,
reunir outras imagens, lembrar, fazer vir o que não se foi com-
pletamente, o que não existe, o que existe contiguamente ao
nosso tempo e espaço. Por seu parentesco com a escrita, pela
sua capacidade de jogo com as formas e aparências, desenhar é
chamar e nomear as coisas. Em uma abordagem de referência
mítica, no nome reside uma espécie de verdade sobre as coisas,
algo como uma essência. Escrever e apagar, marcar e rasurar.
‫ תֶמֱא‬e ‫תֶמ‬.

Ainda que funcionando apenas como uma imagem, esta verdade


mítica mobiliza a busca de um sentido. O desenho, enquanto
prática investigativa, ligado ao nome, aparência e estrutura das

200
coisas, pode igualmente ser visto como imagem desta busca.
Assumindo o desenho como um projeto positivo ou, de forma
oposta, uma ambulação aventurosa, permanece em ambos os
casos o desejo de saber, de descobrir ou conirmar, ainda que
seja casualmente, ainda que seja disfarçado de humildade. Desta
maneira, desenhar, este ato cujas qualidades são tão destacadas
nos discursos atuais, contém uma parcela de vaidade, de entrega
a uma sedução.

Desenhar como bruxaria demanda uma espécie de pretensão,


mesmo inconfessa, mesmo inconsciente. Mas esta pretensão
não diz respeito aos domínios da técnica e da representação,
não possui como meta o desenho virtuoso ou qualquer me-
dida de excelência de suas aplicações. Ela se refere a uma in-
tencionalidade não claramente direcionada, a uma ambição que
existe desde o primeiro momento em que alguém se dispõe a
desenhar, desde a aceitação de uma capacidade mínima para
tentar. Freqüentemente se destaca o elemento volitivo do de-
senho, mas não se comenta muito sobre o descomedimento
desta vontade, e sobre o quanto ela faz presente o fracasso e
a decepção. Uma vez que pretensão essencialmente quer dizer
desejo, ambição e presunção, o termo instaura no desenho a
possibilidade da ruína.

Desenhar é quase sempre naufragar.

Sobre a palavra pretensão podemos pensar ainda no sentido de


estender para diante, alongar. A ação mais elementar do dese-
nho: estender a linha adiante. Avançar, abrir ou dividir um espa-
ço ao se traçar uma linha. O termo traçar traz muitos sentidos
pertinentes para pensar a ação de desenhar: o traço é linha,
vestígio e semelhança. Diz-se traço da porta para designar seu
limiar, como se o traço deinisse uma divisão entre duas realida-
des diferentes, a de dentro e a de fora. Para este tipo de traço,

201
diferente da linha descrita em uma trajetória, o espaço traçado
passa a ser dois, e entre eles a linha se torna um abismo ou a
passagem sombria de um não-espaço. Desenhar como bruxaria
permite evocar estes não-espaços, partir mundos ao meio, fazer
saltos entre realidades pelo traço de uma porta.

Pretender, como traçar uma linha adiante, é uma forma de ocu-


pação do espaço. Sendo ocupar uma maneira de preencher um
espaço, de alastrar-se nele, podemos pensar também em uma
errância. E errar é outro verbo importante ao se desenhar como
bruxaria. Movido pela pretensão, este tipo de desenho conduz
ao erro, seja como método e processo, seja como paradeiro.
Um desenho propenso ao desencontro, ao desvio, à deriva, à
vadiagem, ao engano e à ruína. Às vezes uma forte indolência
aparece justiicando esta errância e o ato de desenhar parece
realmente deixar o barco seguir a corrente. Mas ela ocasional-
mente também é uma compensação de humor: resultado de um
esgotamento ou de uma dissimulada frustração, ambos propor-
cionais à pretensão e à paixão por desenhar. Desenhar errante
é algo urgente, que despreza a excessiva relevância que o senso
comum atribui ao “desenhar bem”, ao “desenhar certo” - juízos
que só consideram possível desenhar com resolução e esclareci-
mento. E a idéia de desenhar construtivamente com otimismo e
nobreza já soa como um erro.

O desenho como bruxaria concentra os sentidos de evocação,


pretensão e erro. É uma expressão de injúria, um insulto delibe-
rado aos valores positivos. Mesmo o projeto mais iluminista de
desenho é conduzido por desenhistas que, em alguma camada
reprimida de seus processos, desenham cheios de erro, de pre-
tensão e através de evocações.

Podemos facilmente identiicar desenhos que são exorcismos,


conjurações, imprecações, portais, pequenos encantamentos,

202
metamorfoses, profecias. Mas desenhar como bruxaria não
acontece simplesmente para que o desenho obtenha algo, para
que realize milagres: o próprio desenho é a bruxaria e seu re-
sultado. Quem desenha como bruxaria não o faz para que o
desenho realize algo senão ele mesmo, uma evocação feita às
escuras para se descobrir a quem está evocando e na qual o
evocado e evocação se confundem.

Desenhar como se cada desenho fosse uma fogueira acesa so-


bre os restos de outra. Fazer arder de novo o resto do que se
queimou, há pouco largado como destroços de um naufrágio.

203
plágio
havia um homem que considerava plágio tudo que fazia. se es-
crevia um conto, outro izera, ele apenas havia copiado; se fez
um ilho, era de outro, se traía a esposa, outro o fazia. comia
miolos frescos nas refeições

autoria: sempre um outro e um pouco do mesmo

desenho: uma ponta mais ou menos aguda e uma superfície:


campo de confronto ou conforto

cildo meireles queria criar um país de dimensões tão estreitas


que nenhum cidadão nele coubesse inteiramente. todos os na-
cionais seriam, irremediavelmente, estrangeiros; cada um é um
outro

campo
extensão a ser ocupada. ocupação pode ou não gerar demarca-
ção, cerca, fronteira. estender o campo é operação litigiosa ou
amorosa. depende

dobra
caixa: dá corpo ao vazio; abrir a caixa: tirar a pele do vazio; es-
tender a caixa, torná-la plana: adquirir uma pele. superfícies das
peles variam: rugas, texturas, asperezas e lisuras; cada inscrição
e cada ferida registram-se de modo diferente

avareza
o desejo: registrar tudo, conter o tempo num pedaço de papel
num caderno numa caixa numa casa. recolher o assovio do pás-
saro e o passo de gato, um suspiro e um silêncio

contabilidade do incontável, do incontrolável, do intangível. o


desenho não se contém. o desenho contém o que não pode
ser contido
migalha na vida, rombo no coração
o coração tem pêlo

215
mentira
conter três quatro cinco dimensões a consciência o inconsciente
e o terror em duas dimensões apenas. o papel aceita quase tudo
e o nada.

litoral
o desenho faz maré cheia e maré baixa = uma linha litorânea
ixa no mapa
rabisca e rasura: outro país. só me interessa o que não é meu
o apagado da borracha deixa rastro. de toda contenda resta
sangue

tempo
o desenho é a desonra do tempo. não tem agenda nem relógio.
retoca a linha de vinte anos antes. rabisca a frase de amor de
ontem. o lápis corrige o que a vida não pode

sobreposição
todos deveriam ter uma falsa identidade. apenas por precaução

diário
o diário não é todo dia. é no dia que precisa

lista
a lista é ilha do dever. quem deve, teme e quem não deve teme
também
na lista cabe tudo: israelitas, palestinos e ingredientes de quen-
tão

utopia
o coelho põe medo na raposa
o cordeiro veste pele de raposa
o rato come o cordeiro
e o passarinho morreu
rir
desenho gargalha de si mesmo. e dos outros. adora segredos de
liquidiicador

216
poison
desenho envenena. não tem antídoto

projeto
there is always a machine project
press the button
put yourself on your feet
don’t scare
and go
amar-go

Post Scriptum:
Plagiar, passar-se por outro, ocupar o lugar alheio, falsiicar uma identidade.
A cópia – exercício freqüente imposto aos matriculados nas escolas de
belas artes a im de apreenderem o ofício dos mestres – foi ampla e in-
sistentemente criticada pelos modernistas como algo destituído de valor
na medida em que submetia a criação a modelos de representação es-
tabelecidos e tradicionais. A antinomia se constituiu então entre cópia e
expressão; onde há cópia somente se produz repetição de um mesmo
contaminado pelos poderes opressores do estado e da religião (ainda
que os modernistas vissem no Barroco produzido no Brasil um alto valor
plástico, consideravam-no originário justamente da forma não acadêmica
de aprendizagem).
Entretanto, experimento pensar a cópia como crítica de arte, tanto como
aproximação artiiciosa, empatia com o processo alheio (como penso que
deveria acontecer com os pintores acadêmicos ao copiarem as obras pri-
mas de seus mestres), quanto uma distância, um espaçamento, uma dife-
rença que se produz justamente na impossibilidade de assumir integral-
mente essa alteridade.
Desde que a crítica de arte se abstém, como penso que deve e necessita,
dos julgamentos valorativos de bom e ruim que deságuam sempre nos
valorativos monetários, outra forma de relação entre crítica e arte urge
ser pensada.
Copiar uma obra a qual se adiciona comentários escritos; planejar a
execução de um trabalho; fazer uma anotação rápida de um pensamen-
to, de uma imagem, rasurar e refazer, fracassar, rir de si, contar-se suas
próprias histórias, fazer-se (em linhas e contornos e rabiscos e rasuras, em
desenho). Nos cadernos de desenho os artistas pensam a arte no próprio
ato de desenhar. Copiar passa por tentativas – sempre fracassadas – de
reproduzir um processo que se presume ser aquele do autor. A alternância
entre contato e espaçamento produz faísca, pensamento, crítica; essa é a
esperança e o gozo e o goro.
Ana Lucia Vilela

217
créditos, icha técnica e agradecimentos

o projeto cadernos de desenho foi realizado entre 2009-2011, através do


edital elisabete anderle de estímulo à cultura. as atividades de pesquisa
e produção foram realizadas por mim - aline dias, ana lucia vilela e julia
amaral. a concepção do projeto partiu do desejo de investigar a prática do
desenho, privilegiando desenhos que normalmente não são expostos, mas
integram o repertório do artista e assumem um papel importante em seu
processo. um desenho de rascunho ou de anotação. um desenho dinâmico
e provisório, que se apaga, que erra, risca, repete e insiste.

conversas, o espaço da casa onde os artistas trabalham e a


forma como mostraram seus cadernos
as páginas 05-31 mostram um pouco do que foram as conversas com os
artistas raquel stolf, yiftah peled, fernando lindote, josé antonio lacerda,
carlos asp e julia amaral. agradeço a todos eles pela participação no pro-
jeto, desde a sua inscrição no edital, pela abertura de seus espaços de
trabalho, disponibilidade para conversar, mostrar seus desenhos, ceder as
obras para as exposições e as imagens para este livro.
a exposição esteve intensamente relacionada a esses encontros, o que
justiica a tentativa de, no espaço deste livro, dar visibilidade também para
o lugar onde os artistas trabalham, a forma como nos mostraram seus
cadernos e as ressonâncias desses diálogos no projeto.
cada encontro assumiu características diferentes. foram diferentes lugares,
durações e temas de conversas. mas, de uma forma geral, algumas questões
nortearam nossas conversas: o lugar de trabalho, os usos e tipologias dos
desenhos, a relação dos desenhos de processo com o trabalho ‘inal’, com
outras linguagens e as formas de apresentar e/ou arquivar estes desenhos.
as conversas-entrevistas foram feitas por mim, ana e julia. diego rayck par-
ticipou também da conversa com a julia e o zé. quase todas as conversas
foram realizadas no espaço de trabalho de cada artista ou, o que seria mais
preciso, no espaço da casa onde cada artista trabalha. apenas a conversa
com o zé, que hoje mora em portugal, foi realizada na minha casa. essa
conversa contou com a presença da elisa noronha. todas as fotograias
desses encontros foram feitas pela julia, exceto as imagens da conversa
com ela mesma (essas foram feitas pelo diego). a gravação e transcrição
dos registros de áudio foram feitas pela ana.

218
trabalhos que apareceram das conversas ou antes
nesta parte do livro estão os trabalhos que foram referências para a pes-
quisa, que estavam presentes quando pensávamos no desenho desses
artistas, que serviram de propulsores para o projeto ou que foram desen-
volvidos durante o próprio processo de conversa com os artistas.

: gagarin / urss / notebook / on the space / 1969 / a terra / é azul // júpiter ou


vênus / lua cresce / dia ensolarado / noite brisa agradável / na costa de cima /
sul da ilha sc / o esplendor das / coisas vivas. / o halo divino!
o asp abrindo um de seus plásticos, com embalagens e papéis dobrados,
tirados dentro da bolsa. a embalagem de chá: momento de dormir. e den-
tro, está o desenho/texto que apelidamos de gagarin. gostaríamos de ter
incluído esse trabalho na exposição, mas o asp não conseguiu encontrá-lo...
as fotos são da julia. páginas 07-09.

: gosto quando escuto a escrita, 2009-2010.


este trabalho da raquel aparece como uma participação especial no livro.
ele estava muito próximo da forma como estávamos pensando várias
questões dos cadernos, em especial, a relação do caderno com o que
vira ‘o trabalho‘ do artista. e no processo da raquel muitos dos trabalhos
começam ou tomam forma a partir dos cadernos.

: exercícios de escrita, 2010


o que aparece nas páginas 54-56 são textos-proposições da raquel, apro-
priação e alteração de imagens de ”appareils pour la crampe des écrivains”
(”aparelhos para cãibras de escritores”), in: g. gaujot, e. spillman. “arsenal
de la chirurgie contemporaine – description, mode d’emploi et apprécia-
tion des appareils et instruments”. paris, j. b. baillière et ils, 1897.

: desenho desanimado
este trabalho do yiftah apareceu no encontro, na tela do computador,
como uma possibilidade de diálogo com o projeto cadernos de desenho.
é uma fotograia, que tem desenho no título e que pensa o desenho ani-
mado, a repetição e também a apropriação. páginas 32-33.

: instrução ilha
esse trabalho foi uma proposta do yiftah para a publicação. uma forma de
pensar desenho, intervenção e performance. nos dois casos, as imagens
foram fornecidas pelo artista, de seu arquivo. página 35.

219
: artesanato decorativo e o papel das paredes
as imagens das páginas 37-39 registram a exposição do zé, realizada no
museu de arte de santa catarina, em 2002. foi quando eu vi os cadernos
do zé pela primeira vez: fotocópias das páginas coladas nas paredes do
museu. o zé disse que tinha umas nove mil folhas diferentes, mas apenas
uma porcentagem foi utilizada. nestas folhas, uma profusão de anotações e
desenhos, cobrindo quase toda a superfície da parede, do chão até o teto.
as fotos são do zé e agradeço a nilza, mãe do zé, que enviou as fotos de
jundiaí pelo correio.

: durante o desenvolvimento do projeto, a elisa me escreveu dizendo que


tinha localizado no arquivo do mac usp uma carta e alguns desenhos do
asp. iquei curiosa. o asp não sabia, não lembrava. achei que valia a pena
mostrar essas imagens. são desenhos de projeto, exatamente isso. além
de agradecer a elisa, agradeço também silvana karpinscki, especialista em
documentação museológica do museu de arte contemporânea da universi-
dade de são paulo, que foi muitíssimo eiciente e generosa nos contatos e
no envio das imagens.
página 40: projetos de instalação paisagem montada, montes e nuvens e
paisagem da janela, são paulo, 1971, desenhos (graite/guache sobre papel),
anexos da carta enviada por carlos asp aos membros do júri da v jovem
arte contemporânea. fmacusp 0100/002.
página 41: foto p&b da obra projeto paisagem montada, construção: pa-
pelão, madeira, papel, 400x260cm, v jovem arte contemporânea.
fmacusp 026/0674.8.
foto p&b do projeto sem muita análise: ‘do lar’, 1970, guache sobre papelão,
200x32,5x320cm, iv jovem arte contemporanea. fmacusp 026/0666.

: sem título, 1996-2002, nanquim lambido sobre papel


esse trabalho do lindote me impressionou muito quando o vi em 2002 no
museu victor meirelles. além de lembrar muito morandi, o desenho per-
mite estabelecer uma vinculação especial entre desenho, processo e gesto.
as imagens, páginas 42-43, foram fornecidas pelo artista.

livro-cadernos
aqui está o livro-cadernos propriamente dito. fragmentos dos cadernos
dos artistas, misturados, bagunçados, reordenados. a leitura dos cadernos,
edição, projeto gráico, digitalização e tratamento das imagens foram fei-
tos, obsessivamente, por mim - apesar das inúmeras tentativas do diego de
me dissuadir do excesso de meticulosidade na tarefa. os desenhos foram

220
levemente alterados, perderam a cor quando havia, mudaram um pouco a
escala e, sobretudo, a relação com o contexto original.
ica aqui registrado os meus mais honestos agradecimentos aos artistas
que me emprestaram esses pequenos e potentes e lindos cadernos, uni-
versos preciosos.
aproveito para agradecer, também, às pessoas que conversaram comi-
go sobre o livro (ou simplesmente escutaram meu entusiasmo e/ou
hesitação), diego, ana (que me ajudou a pensar a relação do livro com os
diários, como outra forma de contato com a experiência cotidiana, e pela
referência do texto do foucault), julia, fernando garcia, caetano gotardo, bil
lühmann. agradeço a raquel pelas conversas por email e pela oportunidade
de apresentar o projeto e o livro (mesmo ainda em processo) no seminário
“publicações de artista”, em novembro de 2010, no centro de artes da uni-
versidade do estado de santa catarina.

cadernos de raquel stolf nas páginas 47, 48, 52, 54, 55, 56, 59, 72, 75, 76, 78, 82,
86, 91, 92, 97, 100, 104, 108, 111, 117, 118, 121, 122, 123, 127, 141, 142, 153, 159,
160, 162, 164, 169, 170, 175.
cadernos de maíra dietrich nas páginas 52, 53, 73, 77, 83, 87, 94, 99, 119, 122,
124, 125, 154, 155, 171, 172.
cadernos de julia amaral nas páginas 53, 59, 63, 67, 72, 74, 75, 78, 80, 91, 93, 96,
98, 106, 107, 111, 116, 121, 127, 128, 132, 133, 134, 135, 138, 141, 143, 147, 151,
152, 155, 157, 160, 162, 164, 171, 172, 177 e 2a orelha.
cadernos de josé antonio lacerda nas páginas 46, 47, 52, 57, 58, 61, 62, 63, 64,
66, 70, 71, 76, 79, 81, 82, 84, 85, 93, 94, 95, 97, 98, 101, 102, 104, 105, 106, 107,
109, 110, 112, 113, 114, 115, 117, 118, 120, 123, 124, 126, 127, 129, 130, 132, 133,
134, 135, 137, 138, 139, 140, 142, 143, 146, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 156,
157, 159, 161, 163, 166, 167, 168, 169, 174, 175, 176, 177, 178.
cadernos de diego rayck nas páginas 49, 50, 51, 66, 69, 86, 92, 94, 96, 102, 110,
112, 114, 124, 128, 130, 133, 135, 137, 141, 148, 156, 163, 171, 174.
cadernos de carlos asp nas páginas 45, 144, 165, 225, 226.
cadernos de bil lühmann nas páginas 46, 48, 64, 68, 69, 70, 72, 77, 81, 104, 106,
124, 128, 136, 140, 147, 151, 158, 166, 168 e 1a orelha.
cadernos de augusto benetti nas páginas 60, 64, 65, 72, 79, 84, 86, 88, 89, 90,
95, 100, 101, 106, 111, 115, 116, 121, 123, 126, 131, 133, 136, 142, 145, 149, 162,
169, 170, 172, 173, 176, 280 e capa.
cadernos de aline dias nas páginas 67, 68, 69, 70, 80, 91, 94, 103, 105, 106, 107,
108, 116, 121, 124, 126, 129, 130, 135, 140, 148, 152, 155, 157, 158, 159, 160,
166, 174, 177.

221
textos
os textos foram escritos por mim, ana e diego. agradecemos a leticia bauer,
pela revisão e a william santos pela ajuda com o indesign.

exposições e registros dos trabalhos dos artistas


essa parte do livro é um registro das quatro exposições realizadas em
2010 e, também, de algumas das obras que integraram essas mostras. para
pensar a curadoria desta exposição, desenvolvida por mim, ana e julia,
tentamos perceber as especiicidades e desdobramentos que o desenho
apresentava no processo de cada um dos artistas com quem conversamos.
procuramos criar conexões entre o que tínhamos visto nos desenhos de
processo com uma ampliação do conceito de desenho neste trabalho inal.
a exposição parece uma espécie de provisório e circunstancial inventário
de desenhos, mostrando algumas das diferentes formas que os artistas
utilizam o desenho em sua prática, incluindo o desenho como instalação,
intervenção urbana, desenho sobre parede, sobre papel, desenho como
texto, projeto, legenda, fotograia, gibi, desenho emoldurado, folhinha pau-
tada, embalagem, formas repetidas, formas preenchidas, vazadas, buracos.
a julia foi a curadora de montagem, montadora e produtora das exposições
e também dos trabalhos, quando houve necessidade. a ana foi co-curado-
radora-produtora-montadora e também assessora de imprensa. as fotos
que registram as exposições e os trabalhos foram feitas pela julia, que
também fez o tratamento das fotos para o livro.

: josé antônio lacerda, fábrica de nuvens verdes, 2010, intervenção em es-


paço urbano, registros fotográicos e desenho. páginas 246, 247, 252, 253,
273. o zé fez a proposta de partir de um desenho de projeto para fazer um
trabalho que estava ali, apenas (mas potente, latente) no caderno. a idéia
era ter a experiência de ver o projeto tomar corpo, ver o trabalho afastar-
se e aproximar-se do desenho onde a idéia tinha começado, explorar a
issura e as lacunas entre o desenho e o trabalho.
na primeira experiência, em lorianópolis, ana, julia e diego acenderam
os fogos na base da chaminé (além de terem providenciado a abertura e
limpeza). agradecemos ao felipe vernizzi que nos acompanhou e foi um dos
fotógrafos junto com elisa, zé e aline. agradecemos também a localiza rent
a car por ceder o espaço da chaminé.
as demais intervenções, em criciúma e joinvile foram produzidas e regis-
tradas pela ana e julia. em joinville, agradecemos o envolvimento de nilton
tirotti, que participou e registrou a experiência e a cerâmica do teco que
cedeu a chaminé de seu ateliê. em criciúma, agradecemos a lisiane potrikus,

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diretora de patrimônio da prefeitura pela liberação do uso da chaminé e a
daniele zacarão pela ajuda na produção da intervenção.

julia amaral
: meninas elefante, 2010, desenho. páginas 254, 261, 264, 265, 270, 271.
a menina-elefante esmagada por um menir foi desenhada diretamente so-
bre a parede, ganhando escala a cada nova montagem. a pedra também foi
icando mais pesada.
: sem título, 2010, lambe-lambe. páginas 272, 274, 275.
em lorianópolis, joinville, criciúma e curitiba, a julia também fez uma inter-
venção urbana com lambe-lambe. o trabalho contou com a ajuda da ana e
do cleverson salvaro, em curitiba.

: raquel stolf, migalhas de corpo mole, 1998-2004, desenho. páginas 235-239.


os 90 desenhos da série foram expostos integralmente em curitiba. nas
demais montagens a julia e a ana izeram uma edição de acordo com o
espaço disponível.

fernando lindote
: sem título, 1998, esferográica sobre papel, desenho em pequeno formato
(que apelidamos de monstro). página 229.
: sem título, 2009, graite sobre papel, um grande e minucioso desenho de
observação de pequenas folhas de cajueiro. página 231.
: caminho do bem, 2005-2009, gibi impresso em off set e exposto sobre
uma mesa (em criciúma, o trabalho contou também com um sofá). páginas
232, 233, 245, 255, 259.
na exposição, optamos por criar uma relação entre 3 trabalhos diferentes
do lindote, explorando um pouco dos contrapontos e disparidades entre
os diversos desenhos na produção do artista e de seus vários campos
de referências (ligados ao próprio circuito de arte, hqs, um desenho mais
virtuoso, os projetos de instalações, a repetição e a procura das formas
exploradas em outras linguagens, etc).

carlos asp
: sem título, 2006, lápis dermatográico sobre caixa de papelão. página 240.
: sem título, 2007, lápis dermatográico sobre caixa de papelão. página 241.
: this land is nobody’s land, 2005, lápis e lápis dermatográico sobre caixa de
papelão. página 260.
: sem título, s/data, lápis dermatográico sobre caixa de papelão. página 260.
: canção, 2010, lápis dermatográico sobre caixa de papelão. página 266.

223
: sem título, 2005, lápis dermatográico e carimbo sobre bula. página 267.
: sem título, 2010, lápis dermatográico sobre caixa de papelão. página 268.
: paisagem humana triste, 2010, lápis dermatográico sobre caixa de pa-
pelão. página 269.
: um lugar aqui, 2009, graite e lápis dermatográico sobre caixa de papelão.
página 278.
na exposição, a julia e a ana experimentaram diferentes formas de mon-
tagem: em lorianópolis e criciúma os desenhos estavam dispersos,
espalhados pelo espaço entre os outros artistas, nas demais montagens os
desenhos estavam mais concentrados, em curitiba foram expostos mui-
tos desenhos, agrupados de forma mais ou menos irregular numa mesma
parede.

: yiftah peled, sem título, 2003-2009, instalação com foto e furos na parede.
página 249. na página 277, uma foto mostra o molde fornecido pelo artista
para fazer o registro da posição dos furos nas montagens.

agradecemos as instituições que sediaram as exposições, conversas e oi-


cinas do projeto. memorial meyer ilho, em lorianópolis, onde aconteceu
a abertura do projeto, em maio de 2010. páginas 242-245. a segunda ex-
posição foi realizada na galeria de arte da fundação cultural de criciúma, em
junho de 2010. páginas 250-255. em julho, a exposição foi montada no
museu de arte da universidade federal do paraná, em curitiba. páginas 256-
259. agradecemos ao cleverson e joana corona pela hospedagem e a mila
jung pela ajuda na divulgação. por último, em agosto de 2010, a exposição
encerrou o ciclo de itinerância na galeria municipal de arte victor kursancew
da fundação cultural de joinville. páginas 261-265.
durante as exposições foram realizadas também algumas falas sobre o pro-
jeto, realizadas por mim, julia e ana nessas quatro cidades. ana também
ministrou a oicina “o desenho no limiar da representação: entre moderni-
dade e contemporaneidade”, em joinville. a raquel desenvolveu a oicina
“palavras de corpo mole”, em curitiba. em lorianópolis, o museu victor mei-
relles sediou as oicinas “desenho contemporâneo ou o avesso do projeto”
ministrada pela ana e “esse desenho não é meu”, pelo diego, em dezem-
bro de 2010. agradecemos a kamilla nunes, daniele zacarão, nilton tirotti,
silvânia bento noschang, steffani priscila de souza costa, ronaldo santos,
paulo reis, consuelo schlichta, fernando boppré. e todas as outras pessoas
que, mesmo não citadas diretamente, nos ajudaram neste projeto.

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05-31 conversas, o espaço de trabalho dos artistas
(e/ou o espaço da casa onde os artistas trabalham)
e a forma como mostraram seus cadernos
raquel stolf, yiftah peled, fernando lindote,
josé antonio lacerda, carlos asp e julia amaral

32-43 trabalhos que apareceram das conversas ou antes


yiftah peled, fernando lindote,
josé antonio lacerda e carlos asp

44-180 livro-cadernos
fragmentos dos cadernos de desenho de
raquel stolf, diego rayck, bil lühmann,
josé antonio lacerda, maíra dietrich, aline dias,
augusto benetti, carlos asp, julia amaral

181-217 textos
cadernos de desenho
aline dias
desenho como bruxaria
diego rayck
crítica de arte como falsidade ideológica
ana lucia vilela

218-224 créditos, icha técnica e agradecimentos

228-275 exposições e registros dos trabalhos


raquel stolf, yiftah peled, fernando lindote,
josé antonio lacerda, carlos asp e julia amaral

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D541c Dias, Aline
Cadernos de desenho / textos Aline Dias, Diego Rayck e Ana
Lucia Vilela; org. Aline Dias. – Florianópolis : Corpo Editorial,
2011.
280p. : il.

1. Stolf, Raquel. 2. Peled, Yiftah. 3. Lindote, Fernando. 4. Lacer-


da, José Antônio. 5. Rayck, Diego. 6. Asp, Carlos. 7. Lühmann,
Bil. 8. Benetti, Augusto. 9. Dias, Aline. 10. Dietrich, Maíra. 11.
Amaral, Julia. 12. Arte. 13. Desenho.
I. Rayck, Diego. II. Vilela, Ana Lucia. III. Título.

CDU: 7

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