Você está na página 1de 6

DECLARAÇÃO DOS DISCENTES DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

CIÊNCIAS DA RELIGIÃO DA UMESP - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Aos membros da comunidade acadêmica e a todo os seus representantes legais

Expressamos, inicialmente, nosso profundo respeito e gratidão por fazer parte da


comunidade acadêmica da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), uma
instituição que tem desempenhado ao longo de sua história um papel fundamental na
formação acadêmica de milhares de profissionais e pesquisadoras(es). Daqui saíram
alguns dos principais nomes da intelectualidade brasileira e acreditamos que a tradição
metodista de valores éticos, fraternidade e busca incessante pelo conhecimento devem
ser defendidos num esforço mútuo e contínuo entre os membros desta comunidade
UMESP os quais sempre foram evidentes em nossa jornada nesta instituição.

Contudo, tal orgulho não nos livra de nos encontrarmos em um estado de profunda
consternação e indignação ao recebermos a notícia da demissão de oito docentes –
muitas e muitos, os principais nomes na pesquisa em suas áreas e com uma longa
trajetória de dedicação à construção do nome desta universidade – comprometendo
gravemente a continuidade e qualidade do nosso PPG. Além de perdermos professores
experientes e qualificados, também podemos ter dificuldades para concluir nossos
cursos, haja vista que o programa não está com o número mínimo de docentes exigido
pela CAPES para um programa de Mestrado (10) e de Doutorado (12).

Diante desse cenário, é inevitável que nos preocupemos com um eventual


rebaixamento da nota do PPG, que pode gerar dano irreversível prejudicando o
posicionamento dos discentes no mercado de trabalho – já tão escasso em nossa área
– e na participação em concursos públicos.

Assim, as e os discentes (mestrandos e doutorandos), vêm por meio desta carta


expressar suas preocupações e, acima de tudo, exigir que nossos direitos sejam
respeitados conforme as leis e normas que regem a educação superior no Brasil.

Em consulta ao Corpo Discente, da qual participaram 36 discentes (22


doutorandas/os e 14 mestrandas/os), 66% afirmam sentir-se ansiosas/os com a
ausência de informações precisas da UMESP; 47,2% afirmam ter tido dificuldades para
se dedicar à pesquisa desde que a crise no PPG foi instaurada; 36,1% afirmaram que
nenhum docente remanescente tem alinhamento com o tema de sua pesquisa; 27,8%
afirmam que disciplinas essenciais à sua pesquisa não serão ofertadas; 11,1% tiveram
seus orientadores contratados por outra instituição, mas não podem pedir transferência
e 19,4% tinha problemas com suas pesquisas que foram agravados pela atual situação
do PPG.

Perguntadas/os sobre quais medidas poderiam mitigar os inequívocos prejuízos


pelos quais passamos, 55,6% demandam mais transparência nas informações vindas
da UMESP; 41,7% demandam prorrogação do prazo de defesa sem quaisquer ônus
financeiros; 36,1% exigem a contratação de docentes alinhados com os temas das
pesquisas em curso; 30% demandam transferência para outros PPG; e 11,1%
demandam a possibilidade de cumprimento de créditos em outras instituições.
Assim, considerando que o vínculo estabelecido entre a Instituição de Ensino e
alunas/os decorre da competência delegada pelo Ministério da Educação às instituições
privadas, que assumem, quando do credenciamento de seus cursos, o compromisso de
zelar pela qualidade do ensino prestado e que estão sujeitas à fiscalização dos órgãos
do governo federal, reafirmamos nossas exigências com respeito:

a) Ao comprometimento da qualidade do curso contratado quando da


matrícula no PPG. Nossa condição de contratantes denota a vulnerabilidade fática
regulamentada, inclusive, pelo Código de Defesa do Consumidor, que estabelece
claramente o dever de informação e clareza dos prestadores de serviços. Além disso, a
mudança na qualidade do ensino, que muito nos preocupa em razão das possibilidades
de afetação de nossos currículos diante da pontuação junto à CAPES, além de número
de bolsas, possibilidades de intercâmbio e afins, para nós e para as gerações futuras,
está em clara violação à proposta dos serviços de ensino e da justa expectativa do
consumidor. Por outro lado, a instituição vem tomando uma série de atitudes unilaterais
e arbitrárias que violam os direitos dos alunos numa série de práticas abusivas.

b) À efetiva participação do corpo discente nas decisões que afetam sua


pesquisa e expectativas em relação ao PPG. A negativa desta demanda viola o princípio
da gestão democrática contido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Vale lembrar
que a preservação deste princípio é fundamental para garantir a igualdade, a liberdade,
a participação, a transparência, a divisão de responsabilidades e a descentralização das
decisões.

c) À reparação dos danos sofridos por orientandos/as, nos termos acima


apontados, que tiveram suas pesquisas interrompidas, atrasadas e prejudicadas em
diversos âmbitos pela demissão massiva de docentes com reconhecida autoridade
intelectual na área. Tais professores/as foram previamente escolhidos para orientação
acadêmica em razão de seu conhecimento e de sua reputação nas mais variadas linhas
de pesquisa escolhidas pelos alunos ingressantes no PPG. Seria desnecessário em
outros tempos lembrar que, nos termos do Código Civil Brasileiro, aquele que comete
ato ilícito e causa danos a outrem é obrigado a repará-lo.

d) Às garantias de que a UMESP tome urgentemente medidas que mitiguem


o iminente risco de conclusão do mestrado/doutorado num PPG com nota abaixo da
expectativa divulgada pelo PPG quando da matrícula dos discentes – em especial,
aquelas elencadas na consulta discente – assegurando a continuidade do Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Religião com o mesmo nível de excelência que o
colocou entre os melhores do país. A isso, incorpore-se a retomada do processo
seletivo, suspenso no final de 2023.

e) À garantia da preservação dos direitos dos docentes, mediante a


proteção do vínculo contratual estabelecido entre as partes, sob pena de reclamação
junto ao Ministério da Educação e representação coletiva perante o Ministério Público,
não apenas em nível sindical, mas também do Corpo Discente, posto o risco iminente
de dano material decorrente das mudanças unilaterais realizadas pela IES no PPG de
Ciências da Religião.
f) À sobrecarga dos docentes que permaneceram no programa.
Ressaltamos, portanto, a importância de haver um número de discentes adequado para
cada orientador(a), de tal modo que haja disponibilidade e atenção para cada um dos
projetos, evitando assim a sobrecarga dos docentes que permaneceram no programa,
e não comprometer sua qualidade de vida e dedicação ao ensino.
g) À contratação de docentes qualificada/dos para a área - de tal maneira a
completar os doze docentes necessários para o Doutorado e dez, para o Mestrado,
conforme o documento da Área 44 da CAPES -, cujos currículos cubram
adequadamente as áreas e linhas de pesquisa do programa.

h) Ao compromisso com uma política afirmativa que combata a assimetria


de gênero e a assimetria étnico-racial na composição do corpo docente do programa,
bem como uma primazia pela diversidade religiosa, uma vez que a área de Ciências da
Religião e Teologia deve promover o respeito à diversidade cultural e religiosa, bem
como a livre manifestação da crença e da não crença, conforme previsto pelo mesmo
documento. Isso de tal maneira que tenhamos orientadores bem capacitados, com
pesquisas atuais e com linhas de pesquisa consonantes com o objeto de estudo de cada
um dos discentes.

Por fim, muito temos escutado a respeito da Recuperação Judicial do grupo


econômico constituído pelas suas várias instituições de ensino em diversos estados do
Brasil. Tendo em vista que a situação jurídica recuperacional da empresa tem sido
frequentemente utilizada como pretexto para que suportemos reiterados, custosos e
angustiantes prejuízos. Diante da disparidade de várias das informações que nos foram
prestadas, profundo é nosso abalo de confiança diante da UMESP e de seus
representantes de cúpula. Dessa forma, decidimos tomar ciência e confrontar em
primeira mão as informações contidas nos autos do processo nº 5035686-
71.2021.8.21.0001, em trâmite perante a Vara Regional Empresarial de Porto Alegre,
no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Após anos de luta, é possível ver que a grande vitória consistente na aprovação
do plano de recuperação judicial (evento 5.644) naqueles autos foi oriunda de grande
luta, união de setores, e da expressiva representação de diversos sindicatos de
professores e outros trabalhadores, num esforço conjunto pela derrubada dos
interesses financeiros representados pelo voto majoritário do Banco do Brasil,
responsável pela quase inviabilidade da aprovação do plano.

Estamos cientes da previsão de reestruturação operacional, concedida pela lei


e inevitável em momentos de crise. Por outro lado, os compromissos firmados com a
Educação, e com a manutenção dos empregos de diversos funcionários e professores
foi premissa fundante do plano de recuperação judicial apresentado (evento 5.529,
segundo anexo, p. 23), como se pode extrair do documento apresentado, (e de sua
aprovação judicial):

As formas de pagamento que serão apresentadas foram desenvolvidas


levando-se em consideração:
(...)
(iii) manutenção das atividades de ensino, e por consequência,
garantia dos postos de trabalho.
A par da dívida milionária da Rede Metodista de Educação, sabemos que foi o
interesse geral de alunos, professores, funcionários, e o valor intrínseco, a dignidade
ímpar da Educação, os fatores determinantes para o respiro concedido com a aprovação
do plano de recuperação judicial nesta fase crucial da instituição.

Se fosse o interesse financeiro o preponderante nas escolhas e benefícios


concedidos ao grupo, como é o caso das decisões que vêm sendo tomadas em desfavor
dos alunos neste momento, é inquestionável e irrefutável que todo o grupo, decerto,
haveria que declarar falência. Aliás, as nossas instituições de ensino da Rede Metodista
não devem nunca ser tomadas como empresas, mas, até mesmo por sua natureza
constitutiva, não devem ser guiadas pelo princípio da máxima eficiência na obtenção de
lucros. Vale ressaltar que somente pela relevância social da atividade de ensino hoje as
operações do Grupo encontram-se ativas, conforme se extrai da própria decisão
proferida nos autos do processo mencionado.
Desenvolvi a fundamentação com base na exigência de uma tutela
adequada, ou seja, uma tutela estruturante, coletiva que permitisse a
adequada proteção para possibilitar o acertamento de dívidas, compromissos
e de organização da atividade, manutenção de emprego e serviços, em
situações de crise grave para sociedades não empresárias, consoante o
conceito mais estrito que é utilizado na doutrina.
(...)
Então, como vimos o ordenamento jurídico, destaque para o Pacto de São
José da Costa Rica, permite e estimula que as associações realizem
atividades de educação e cultura.
O direito à educação é um direito social (art. 6o da CF), também tem sede
constitucional e se encontra em vários artigos constitucionais (especialmente
no art. 205 da CF).
(...)
Como já́ assinalei, há a interpretação tradicional de que isso não seria
possível para uma associação – que realiza atividade econômica sem
buscar o lucro. A insolvência civil não lhe alcança tal finalidade, porque
não preserva um dos princípios basilares que é a manutenção da
atividade.
De fato, da análise do art. 47 da lei 11.101/2005, depreende-se nitidamente
seus objetivos: “viabilizar a superação da situação de crise econômico-
financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do
emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo,
assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade
econômica”. (grifei).
Na ordem econômica há uma complementação dos direitos fundamentais,
que são da Ordem Econômica, mas ao mesmo tempo conformam os próprios
direitos fundamentais, da CF:
Neste caso refiro-me aos princípios da ordem econômica esculpidos no art.
170
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social.
Ao que se observa, neste caso, há uma atividade relevante – ensino e
educação – que como atividade estruturada, exige continuidade para a sua
preservação, para que se possa evitar simplesmente que anos de prática e
de conhecimento acumulado possam se perder sem uma compreensão
adequada da regra processual e também de vetores adequados no direito
civil.
Portanto, estes vetores, “especialmente uma política de “pleno emprego”,
devem ter uma compreensão da função social dos estabelecimentos, que
serão melhor atingidos com os estabelecimentos abertos.
(...)
O grupo Metodista é composto de instituições de ensino com mais de 2.300
funcionários e aproximadamente 13.000 alunos matriculados atualmente, em
fase de encerramento de semestre e de ano letivo.
Não é preciso mencionar o inequívoco prejuízo que será causado em caso
de decretação da falência, ainda mais apenas em razão do voto contrário do
credor dominante da classe quirografária (e mesmo a eventual demora na
sentença, que por esta razão está sendo proferida em dia não útil).
(...)
Aliás, é importante dar voz nesta sentença para aqueles que representam o
trabalho (ao trabalhador). O ordenamento jurídico está fundado na
valorização do trabalho humano (art. 170) e por isto a voz dos seus
representantes é fundamental nos conflitos estruturais como o presente.
Primeiro, reproduzo a manifestação da Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino – CONTEE e os Sindicatos a
ela filiados, integrantes de sua base territorial, em especial o Sindicato dos
Professores de Santo André, São Caetano e São Bernardo do Campo, o
Sindicato dos Professores de Campinas, o Sindicato dos Professores de Juiz
de Fora/MG, o Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais, o
Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região, o
Sindicato dos Professores de Santos e Região e o Sindicato dos Auxiliares
de Administração Escolar de Santo André, São Bernardo do Campo, São
Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pire e Rio Grande da Serra –
SAAE-ABC: (...)
Importante a voz do sempre reconhecido, combativo e responsável sindicato
local, Sindicato dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul –
SINPRO/RS, para quem a rejeição do PRJ, na forma em que ocorreu,
acarretará em incalculáveis prejuízos a toda comunidade educacional,
podendo resultar na inviabilidade da operação da Instituição de Ensino, o que
traria consequências gravíssimas a todo corpo de professores e de
funcionários técnicos e administrativos, bem como aos milhares de
estudantes matriculados - e em vias de se matricular - nas Instituições
mantidas pela Recuperanda: (...)
Aliás, interessante ouvir na voz dos advogados dos representantes em
Assembleia, como está gravado, a indignação dos trabalhadores quanto aos
aspectos políticos (ver a partir dos 3:22:00) e que reportaria justamente a
importância em uma ética de responsabilidade.
O Judiciário não pode ignorar em sua decisão essas vozes fazendo uma
crítica jurídica e política à postura do Banco do Brasil, expressando temores,
mas também a confiança no sistema de justiça e nas negociações levadas a
efeito:
https://www.youtube.com/watch?v=r5UTRcosn68
(...)
Neste caso, volto a baliza dos valores constitucionais e convencionais que já
citei devem levar a aprovação do plano.

Assentada nestas fundações, com o compromisso firmado ante aquele juízo, a


Rede Metodista está sendo capaz, mesmo que com imensas dificuldades, perdurar no
adimplemento dos pagamentos ao seu quadro de credores, inclusive com a venda
efetiva de diversos imóveis de valores consideráveis, e com tratativas em curso para a
concretização de negócios com diversos outros.

Dessa forma, não podemos deixar que a Educação, cujo valor inestimável em
moeda corrente está proporcionando sobrevida de todo um grupo que, apenas à
fazenda nacional possuía débito de 800 milhões de reais (evento 925), seja a mais
duramente sacrificada no processo de manutenção dessa nossa histórica Instituição. Se
a viabilidade comercial da empresa é tudo o que nos importa neste momento, então a
isso deveríamos renunciar de imediato, diante do cenário de desesperança que os
números nos mostram.

Por isso, ao final deste documento, que fique sua essência – pensemos na
educação, pensemos nos nossos professores, e pensemos nos nossos alunos.
Exigimos que diante de uma situação extraordinária não nos sejam oferecidas respostas
ordinárias. Sabemos que algumas das demandas acima apresentadas são impossíveis
de serem atendidas num cenário normal. Mas o cenário não é normal. Se no processo
de Recuperação Judicial da Rede Metodista de Educação a excepcionalidade é a regra
para o atendimento dos interesses de seus credores, nós discentes exigimos no mínimo
a mesma excepcionalidade no tratamento de nossos interesses. Se há impedimentos
formais para atendimento de demandas que a UMESP se coloque ao lado dos
interesses do seu corpo discente e faça as justas disputas.

Venceremos.

Comissão Discente
Amparada pelo Corpo Discente do Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo

07 de fevereiro de 2024

Você também pode gostar