Você está na página 1de 17

PS

Declaração de Princípios

(Aprovados no VI Congresso Nacional, Lisboa 1986)

1. Princípios fundamentais

1.1 — O PS é a organização política dos portugueses que procuram no


socialismo democrático a solução dos problemas nacionais e a resposta as
exigências sociopolíticas do nosso tempo.

O socialismo democrático é no plano moral a mais nobre causa política do nosso


tempo e o herdeiro por excelência de todas as tradições humanistas acumuladas,
consciência universal ao longo dos séculos.

1.2 — O PS empenha-se em que a sociedade portuguesa seja organizada na base


dos valores da liberdade, da igualdade e da solidariedade.

Esses são valores de sentido moral, que a experiência, a sensibilidade e a razão


vêm construindo ao longo da história. O respectivo conteúdo e concretização é
tão indefinidamente perfectível como o próprio homem. São valores que sempre
têm modelado o movimento socialista. As lutas contra a exploração, contra a
opressão, contra os privilégios no acesso aos bens de cultura e do espírito, contra
todas as formas, antigas e modernas, de injustiças e discriminações sociais,
contra o modo como a sociedade se organiza e se apresenta como um dado ou
uma fatalidade inelutável e contra todas as formas de submissão que retiram ao
Homem o seu papel de sujeito dominante, constituem afirmação de valores que
se mantêm actuais. Aos socialistas de hoje e de amanhã cabe defendê-los,
prossegui-los e renová-los em cada momento histórico.

1.3 — O PS considera primacial a defesa da democracia política na organização


da sociedade e dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.

Os socialistas adoptam, como sua linha de acção essencial, garantir o máximo


respeito pelas formas de democracia pluralista como meio de evitar toda e
qualquer forma autoritária de poder. Democracia e socialismo são
indissociáveis. Não há justiça sem liberdade e sem democracia. Não pode haver
igualdade de oportunidades ou solidariedade entre os homens onde e quando
estes pratiquem ou pactuem com a organização de uma sociedade política
assente na desigualdade de direitos políticos. Tal ilusão de justiça é sempre e
necessariamente um instrumento de prepotência, de submissão ou de violência.

1.4 — O PS considera que a democratização deve ser realizada nos seus


múltiplos aspectos políticos, económicos e culturais.

O aprofundamento da participação dos cidadãos nas decisões económicas, a


nível de empresa ou da economia no seu conjunto, bem como o acesso aos bens
de cultura, são formas de dar conteúdo real à democracia política. O esforço de
democratização económica e cultural constitui também condição importante para
o bom exercício dos direitos políticos.

1.5 — O PS luta pela instauração de uma sociedade mais igualitária, em que a


diferenciação de situações sociais seja a necessária à iniciativa económica e
cultural e corresponda ao mérito das pessoas.

A ordem social baseada nas classes, enquanto grupos fechados de desiguais


privilégios, deve ser substituída por forma a que todos disponham de iguais
oportunidades e os laços de solidariedade humana sejam maximamente
desenvolvidos. O PS luta por uma sociedade mais justa e pelo estabelecimento
progressivo da efectiva igualdade de todos os portugueses no acesso ao trabalho
e à cultura, combatendo neste domínio as diferenças baseadas na fortuna, no
estrato social e no monopólio do saber.

1.6— O PS defende uma economia aberta a uma pluralidade de iniciativas e em


que coexistem vários sectores de propriedade: o privado, o público e o social.

A defesa da pluralidade de centros de iniciativa e decisão assenta na saudável


diversidade das aspirações humanas e nas exigências do progresso tecnológico
que hoje simultaneamente requer e torna possível um modelo mais
descentralizado de funcionamento com estruturas produtivas flexíveis e
próximas do mercado e dos consumidores. Neste contexto ganha significado a
actividade dos agentes económicos privados que importa reconhecer e apoiar. A
criatividade e a iniciativa privada não são, porém, prerrogativas do Estado ou
dos particulares, abrindo-se a todo um conjunto de entidades intermédias,
municípios, regiões, grupos sociais, a possibilidade de desenvolverem novas
formas de actividade. Relevo particular deve ser dado ao desenvolvimento da
propriedade cooperativa. Reconhece-se que o Estado, tendo embora funções
mais importantes que as de empresário, pode recorrer à apropriação social da
propriedade — nacionalização ou participação majoritária — e criar empresas
públicas quando for necessário para evitar abusos do poder económico, para o
investimento em sectores de elevado risco, para a garantia da utilidade pública
ou para que a modernização e a restruturação de sectores se possa fazer sem
gravosas consequências de natureza social.

1.7— O PS entende que a regulação da economia deve ser assegurada pelos


mecanismos do mercado e de planeamento estratégico, descentralizado e
participado.

O planeamento hoje possível não pode corresponder a uma direcção de rígida


autoridade estatal, embora imperativo para o sector público da economia é
naturalmente indicativo para o sector privado e social, procura assegurar uma
regulação flexível, recorrendo a processos negociados e contratuais. O plano
pode assim operar como um instrumento de concertação social e do tripartismo
social. O plano funciona como atenuador de conflitos e lugar de definição de
opções de fundo que a sociedade conscientemente assume. A complexidade das
sociedades modernas e a circunstância de existirem múltiplos agentes
económicos autónomos confere ao mercado papel fundamental enquanto local
revelador das necessidades individuais, de formação dos elementos essenciais
dos preços e dos custos de oportunidade do uso dos recursos, de apuramento dos
resultados das empresas.

1.8— O PS rejeita as formas liberal e colectivista de organização económica e


social.

As ideologias liberais e conservadoras consagram ou protegem privilégios de


classe e não asseguram a justiça social. A sombra da sociedade capitalista
conservadora tem dominado e submetido economicamente os trabalhadores,
pouco mais reconhecendo neles do que uma simples força produtiva. As
ideologias comunistas e colectivistas consagram ou protegem outros privilégios
de classe à sombra da lógica dos aparelhos de Partido ou de Estado. A sociedade
monopolista de Estado, a que deram origem, invariavelmente estrangula a
liberdade e serviliza os cidadãos em relações de trabalho das mais implacáveis e
exploradoras que se conhecem no mundo actual.

1.9— O PS defende a intervenção do Estado na economia, como forma de


influenciar a gestão macroeconomica, corrigir abusos de poder, incentivar a
criatividade, o risco e o esforço, promover consensos, arbitrar conflitos e definir
orientações estratégicas.

Mesmo reconhecendo as limitações de actuação dos Estados-nacionais no


contexto de economias abertas à concorrência internacional, não é possível
dispensar a intervenção de um Estado moderno, prestigiado e desburocratizado e
expressão de um poder político rigorosamente independente do poder
económico. Intervenção que deve ser correctora, supletiva, incentivadora e
catalisadora. O Estado não pode ser todo-poderoso nem omnipresente, mas
também não pode ficar indiferente à garantia dos direitos individuais e à
organização da vontade colectiva de um povo. Um Estado descentralizado, e
transformado pela extensão da democracia e pela distribuição do poder, é um
elemento essencial do projecto do socialismo democrático.

1.10— O PS reconhece que a vida e a dignidade do indivíduo se sobrepõem ao


Estado e se reflectem no seu direito à individualidade e à diferença, à expressão
social da criatividade e a inserção em movimentos sociais que integrem a
sociedade política.

o moderno e a crise das sociedades contemporâneas, com as suas exigências de


desregulação social por forma a aproveitar os recursos da criatividade pessoal e
de grupo, vieram determinar a valorização do indivíduo e dos valores de esforço,
mérito, iniciativa e risco. Para além dos efeitos que esta tendência tem no plano
da organização económica, ela opera também no plano social e cultural.
Incentivar a originalidade, a qualidade e a riqueza da contribuição individual,
lutar contra a massificação e a padronização, dar voz mesmo na esfera política às
expressões de novos movimentos sociais, são dimensões de um modelo de
sociedade em gestão a que a juventude é particularmente sensível e que é
necessário apoiar.
1.11— O PS apoia o desenvolvimento de acções que levem a intervenção
democrática dos trabalhadores na vida económica e social, na luta por uma vida
mais digna.

O socialismo democrático assume-se como o representante, não exclusivo, dos


interesses do mundo do trabalho manual e intelectual. Defende por isso a
necessidade de uma maior intervenção dos que trabalham no processo de
decisão económica, quer a nível das empresas quer a nível da economia no seu
conjunto. Apoia assim o tripartismo como mecanismo de concertação social, a
negociação colectiva como forma de resolver conflitos sociais e defende
consequentemente o direito dos trabalhadores se organizarem em sindicatos
democráticos e independentes de forças políticas.

1.12 — O PS defende um conceito de progresso e de desenvolvimento que não


se confunde com o mero crescimento de bens e serviços, mas em que o
quantitativo se alia ao qualitativo e este assume dimensões sociais e culturais.

Não se pode confundir a satisfação das necessidades materiais essenciais com a


exclusiva prioridade ao crescimento e ao consumismo. A sociedade produtivista
e quantitativa do passado encontra hoje limites à sua expansão na crescente
consciência quer da impossibilidade de reprodução de recursos naturais
fundamentais quer das exigências morais e sociais que a superação do
subdesenvolvimento implica. No projecto do socialismo democrático o
desenvolvimento atende à educação permanente, à defesa do meio ambiente, à
reconstrução do urbanismo, à cultura geral; enfim, a um outro modo de viver e
comunicar em que entra uma componente moral e cultural que lhe confere
verdadeira justificação. O progresso resulta de um constante fluxo de novas
ideias e invenções, susceptíveis de contribuir para a satisfação das necessidades
humanas. A ciência e a tecnologia afirmam-se como factores relevantes para o
desenvolvimento. Os socialistas assumem a necessária vontade política para
impulsionar as actividades científicas e tecnológicas e a definição social das
respectivas prioridades, defendendo o direito cultural à criatividade.

1.13 — O PS aspira à plena realização da justiça social, defendendo um


conjunto de reformas que ampliem e melhorem a organização dos serviços
públicos destinados a satisfação de necessidades sociais.

A realização de uma maior equidade social exige uma melhor redistribuição do


rendimento, a satisfação de necessidades que o mercado não proporciona por
ausência de uma procura solvente e a garantia de cobertura de riscos individuais
(doença, desemprego, etc.) que não podem ser superados individualmente.
Todos estes objectivos conduzem à necessidade de intervenção dos poderes
públicos e à existência do chamado Estado-Providência. Os socialistas estão
conscientes da crise a que este está hoje sujeito, essencialmente por razões
financeiras decorrentes da desaceleração do crescimento. No entanto, para os
socialistas, que representam todos os que não detêm o grande poder económico,
não é possível prescindir do uso do poder político, e portanto do Estado, para a
realização de transformações económico-sociais que visem maior equidade. Ao
contrário dos liberais, os socialistas não querem destruir o Estado-Providência,
mas apenas introduzir-lhe as indispensáveis reformas e geri-lo de maneira
diferente.

1.14 — O PS, criado na luta contra o fascismo e membro da Internacional


Socialista, concebe a política externa como defesa do interesse e da
independência nacional e como instrumento da construção de uma nova ordem
internacional baseada na paz e nos direitos do Homem.

Perfilhar uma política de independência nacional significa, para um pequeno


país como Portugal, que o grau de afirmação nacional possível passa pela
adequada gestão de dependências inevitáveis no mundo actual A participação de
Portugal na CEE como membro de pleno direito vem provocar uma recentragem
fundamental da política externa portuguesa e constitui o vector mais importante
daquela política. O empenhamento e a lealdade com que Portugal
estrategicamente se integra na Aliança Atlântica não podem fazer esquecer que
os socialistas se batem pela construção da paz mundial e consequentemente pelo
desarmamento progressivo, mútuo e verificável dos grandes blocos. O
socialismo é indissociável de uma política externa de apoio à liberdade dos
povos, de defesa do direito à autodeterminação, de combate ao racismo e ao
colonialismo e de reconhecimento da necessidade de uma política de efectiva
cooperação para o desenvolvimento, que contribua para a diminuição das
gritantes desigualdades a nível internacional.

1.15 — O PS não privilegia qualquer doutrina filosófica ou religiosa,


reconhecendo inteira liberdade de opção doutrinária aos seus militantes.

O PS é um partido de pessoas livres que ao partido aceitam oferecer,


circunstancialmente e segundo exigências de uma ética de responsabilidade, o
seu empenhamento político. Em contrapartida, o partido obriga-se a respeitar a
personalidade de todos os seus membros e a não lhes pedir que se contradigam
ou actuem contra as suas intimas convicções.

1.16 — O PS concebe a acção política como tarefa colectiva de mobilização de


um bioco social de apoio ao projecto do socialismo democrático que não se
alcançará em resultado de qualquer determinismo histórico, mas através da
acção organizadora dos socialistas.

A acção política dos socialistas opõe-se à fatalidade das situações herdadas do


passado, heranças a cada momento postas em causa e jamais aceites como
expressão de uma ordem natural das coisas. A política só pode fazer-se a partir
do que é injusto e condenável. A transformação das relações sociais no sentido
de mais liberdade, mais solidariedade e mais igualdade, depende de alterações
qualitativas no plano das mentalidades e das aspirações, no plano do saber e da
tecnologia, no plano da motivação das pessoas para a vida associativa e a
intervenção cívica, no plano da correlação entre arcaísmo e modernidade. O PS
atribui particular importância à acção das forças sociais e procura fazer
convergir o conjunto de movimentos sociais objectivamente interessados no
projecto do socialismo democrático. No exercício do poder, o PS, como partido
interclassista, abstém-se de exacerbar os antagonismos de classe ou quaisquer
outros antagonismos de grupo. O PS luta por efectuar a transferência do poder
social para os agentes da modernização efectiva da sociedade portuguesa em
conformidade com os valores por que se orienta. É esse o entendimento último
da exigência, sempre irrenunciável, de garantir a independência do poder
político em relação ao poder económico.

1.17 — O PS é o partido de militantes que vivem a política também como uma


prática de inserção social e procuram construir um partido plural, mais coeso e
fraterno.

A eficácia da intervenção do PS na vida política, social e cultural, inclusive no


debate ideológico, supõe a participação activa dos militantes e das organizações
de base na construção e actualização do projecto do socialismo democrático.
Sem essa participação activa, compromete-se a solidez do exercício do poder
político pelos socialistas, reduz-se a influência do partido na sociedade
portuguesa, cria-se um fosso entre os detentores do poder político e o mundo da
cultura. O PS considera vital não ceder à tentação inerente a todas as
organizações políticas, para se fechar sobre si próprio. Lutando contra a
tendência para a esclerose, o PS considera seu imperativo moral, cívico e
democrático assegurar um adequado quadro de organização interna e promover
um efectivo clima de respeito e diálogo entre os militantes. Sem democracia
interna, os valores socialistas tornam-se belas palavras sem credibilidade
ideológica ou utilidade para a modernização da sociedade portuguesa. Um PS
forte, coeso, plural, dotado de uma perspectiva política realista e assumida com
clareza perante o povo, constitui instrumento fundamental do projecto socialista.
O PS deve manter permanentemente vivo o propósito de se afirmar como o
principal centro do debate político e de síntese critica das experiências de todos
os movimentos sociais, no campo sindical, no da afirmação da igualdade da
condição feminina ou no da representação juvenil.

2. Democracia política

Não há socialismo sem liberdade. A democracia política é o único sistema de


governo compatível com a liberdade e a dignidade do Homem. As liberdades
individuais não são formais nem instrumentais. O socialismo não é a negação ou
a suspensão da democracia, é sim o aprofundamento da própria democracia
política visando alargá-la ao conjunto da sociedade. A democracia económica, a
democracia social e a democracia cultural aperfeiçoam e completam a
democracia política. A democracia política implica obrigatoriamente:

 o primado dos direitos pessoais, civis e políticos dos cidadãos. Onde e


quando se não respeitam as liberdades fundamentais dos cidadãos, não
há segurança das pessoas nem possibilidade de conhecer a vontade
majoritária. Em democracia, a vida e a dignidade do Homem sobrepõem-
se ao Estado.
 a prática da soberania popular interpretada como expressão da vontade
da maioria no respeito dos direitos fundamentais das minorias, incluindo
o direito de oposição por meios pacíficos. A alternância política, fundada
no exercício pleno do direito de oposição, é elemento essencial de
caracterização do sistema democrático e pluralista.
 um modelo de organização do Estado que respeita o principio da
separação dos órgãos de soberania, designadamente a independência dos
tribunais e a exigência de equilíbrio entre os órgãos políticos de
soberania.
 a autonomia das autarquias regionais e locais.
 o estímulo à máxima participação efectiva possível dos cidadãos na
gestão dos interesses públicos.

Considerando a utilidade pedagógica de reafirmar os princípios do Estado de


Direito, por que sempre se bateu, e a urgência política de reformar a estrutura do
Estado no sentido de racionalizar o sistema político e favorecer a estabilidade e a
cooperação institucionais, o PS defende com as seguintes soluções:

2.1. No plano dos direitos fundamentais das pessoas

2.1.1 — Os direitos pessoais e civis — designadamente o direito à vida, à


integridade física, à liberdade de consciência, à cidadania, à capacidade civil, à
identidade, ao bom nome, à intimidade, à liberdade de religião e de culto, a
família, ao casamento e à filiação, à justiça penal e às garantias processuais
penais, ao domicílio e à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, ao
trabalho e à liberdade de profissão, ao ensino, à cultura e à criação cultural, à
deslocação e à emigração, à liberdade de expressão, reunião, manifestação e
associação — constituem valores morais irrenunciáveis e intangíveis, superiores
a opções de ordem estritamente política.

2.1.2 — Os direitos políticos — designadamente, o direito de participar na vida


pública, de votar e ser candidato, de fundar, inscrever-se e desvincular-se de
associações e partidos políticos, de apresentar petições, representações,
reclamações ou queixas — são indissociáveis do conceito de democracia e
logicamente anteriores ao princípio da soberania popular.

2.1.3 — A liberdade de associação em partidos políticos constituídos ou


constituendos é condição necessária do funcionamento democrático.

2.1.4 — A inscrição em partido não deve constituir motivo de discriminação


positiva ou negativa na indicação para o exercício de cargos públicos não
políticos.

2.1.5 — Concorrendo, embora não de modo exclusivo, para a organização e para


a expressão da vontade popular, os partidos são entidades sujeitas a especial
regime de controlo, por entidade independente, das respectivas receitas e
despesas.

2.1.6 — A liberdade de associação em sindicatos constituídos ou constituendos é


condição necessária do funcionamento da democracia. Aos sindicatos é
reconhecido o direito de apelar à greve.

2.1.7 — A Imprensa, a Rádio e a Televisão cumprem funções de interesse


público. O pluralismo, a independência e a objectividade dos órgãos de
Comunicação Social são imprescindíveis à informação e à formação da opinião
pública e ao bom funcionamento do regime democrático.

2.2. No plano da organização dos poderes públicos

2.2.1 — As eleições do Presidente da República e a dos deputados à Assembleia


da República são por sufrágio universal, directo e secreto, regendo-se a dos
deputados pelo princípio da representação proporcional total ou parcialmente
personalizada, com o objectivo de garantir a genuinidade da expressão da
vontade política do povo e de favorecer a qualificação dos deputados.

2.2.2 — A Assembleia da República pode tomar a iniciativa de proceder a


referendos consultivos.

2.2.3 — A administração conforma-se à lei.

2.2.4 — Os Tribunais são independentes do poder político e estão subordinados


ao Conselho Superior de Magistratura.

2.2.5 — O Tribunal Constitucional aprecia a constitucionalidade das normas


jurídicas e dos actos administrativos.

2.2.6 — As freguesias, os municípios e as regiões administrativas, bem como as


Regiões Autónomas, constituem elementos essenciais da descentralização do
Estado, a qual deve ser progressivamente ampliada como forma de garantir ao
cidadão uma maior responsabilização pelos assuntos da colectividade em que se
insere e uma acrescida intervenção nos processos de tomada de decisão. Os
órgãos de poder das autarquias e das Regiões Autónomas são formados na base
da eleição periódica por sufrágio universal, directo e secreto, segundo o
princípio da representação proporcional.

2.2.7 — As Forças Armadas asseguram a defesa do País, de acordo com as


directrizes do Governo, do qual dependem, e estão submetidas ao controlo do
Parlamento e dos tribunais. O serviço militar é obrigatório, sendo reconhecido o
direito à objecção de consciência.

A democracia é um sistema político em contínuo aperfeiçoamento. Não é um


regime petrificado. A defesa da democracia passa pela transformação da
realidade portuguesa, democratizando-a a todos os níveis: político, económico,
social e cultural.

3. Democracia económica e social

3.1 — Os valores e objectivos do socialismo na esfera económica foram


forjados, essencialmente, na luta contra o capitalismo enquanto forma de
organização da produção nas sociedades industriais do século XIX. A separação
dos trabalhadores dos meios de produção e a formação de uma oligarquia
exclusivamente responsável pelas decisões económicas conduziram a condições
do trabalho opressivas, a desigualdades sociais gritantes, a crises profundas
geradoras de desemprego e insegurança. As lutas levadas a cabo por sindicatos e
partidos representativos dos trabalhadores transformaram profundamente a
realidade inicial do capitalismo através da conquista de direitos político-sociais,
da alteração da legislação laboral, da criação dos mecanismos de segurança
social, do desenvolvimento da intervenção do Estado para garantir o pleno
emprego e a melhoria das condições de vida. Se em Portugal nos falta ainda
progredir muito nestes domínios, nos países mais avançados novas dimensões
despontaram como objectivos da transformação social desejável: a defesa da
qualidade de vida e do meio ambiente, a renovação dos esquemas urbanos, a
descentralização regional e a reorganização das comunidades de base, a
protecção dos consumidores, a intervenção de novos movimentos sociais, a
participação acrescida dos trabalhadores nas decisões económicas concretas ao
nível da empresa e da economia no seu conjunto. O projecto do socialismo
democrático está assim aberto a novas definições do conceito de necessidades
sociais e assume um modelo inovador do desenvolvimento capaz de fazer face à
crise das sociedades contemporâneas. Subjacentes a todas essas preocupações e
objectivos encontram-se sempre, no entanto, os valores fundamentais que
determinam a perspectiva de socialismo democrático sobre a organização
económica e social: a libertação dos homens perante servidões e discriminações
sociais através de um estatuto de maior igualdade e da garantia de intervenção
sobre a orientação e distribuição da produção e sobre as condições de trabalho.
O que está em causa é a necessidade de extensão da ideia democrática ao
domínio económico, conferindo também aqui a todos os homens os direitos de
uma verdadeira cidadania. A democracia económica tem, pois, por objectivo a
participação do Homem, enquanto cidadão trabalhador e consumidor, nas
decisões que modelam o desenvolvimento económico e social.

O objectivo da democracia económica implica, consequentemente, ideias de


igualdade e de planeamento da gestão dos recursos que, em definitivo, o tornam
incompatível com o liberalismo. Por outro lado, ao valorizar a livre expressão do
Homem, enquanto forma de afirmação e desenvolvimento da sua personalidade,
a democracia económica defendida pelos socialistas recusa o modelo colectivista
de organização económica. A liberdade de escolha no consumo de bens e
serviços, a liberdade para criar empreendimentos produtivos, a liberdade para
escolher a profissão e o local de trabalho fazem parte integrante do conceito de
democracia económica. A tarefa difícil para o socialismo democrático, mas que
é também aquela que o transforma em fonte de esperança, está na conciliação
entre as necessidades de igualdade e controlo democrático da economia com as
aspirações individuais. Estas despontam hoje com uma força que acompanha a
crise do Estado e há que recuperar e adaptar os aspectos do projecto do
socialismo democrático que acentuam a valorização do indivíduo face à
sociedade e reconhecem a importância dos valores pessoais de esforço, mérito,
iniciativa e risco. Isto aponta necessariamente para uma visão menos estatista e
centralizadora do funcionamento desejável da economia. A resposta à crise
contemporânea exige, aliás, o desenvolvimento de um novo sector produtivo,
descentralizado, flexível e com uma grande capacidade de adaptação a novos
processos tecnológicos e a novos produtos, o que só é possível através da
libertação da criatividade individual e regional.

3.2 — No entanto, o poder das grandes empresas e dos grupos económicos que
movimentam vastos recursos financeiros e humanos facilmente transcende a
esfera do económico para se exercer em múltiplos aspectos da vida em
sociedade, ganhando muitas vezes uma influência no domínio político que corre
o risco de usurpar a autoridade do Estado e deformar, assim, o funcionamento da
Democracia. Quando for necessário para prevenir tais situações o Estado deve
intervir com regulamentações adequadas, com o estimulo da concorrência, com
o reforço das pequenas e médias empresas. A existência de empresas públicas,
seja pela via de nacionalizações com indemnizações adequadas, seja por criação
estatal, justifica-se também como forma de responder a esta problemática, bem
como no caso em que condições naturais ou técnicas aconselham a que uma
actividade importante para a comunidade não seja exercida em regime de
concorrência.

O PS não considera o socialismo democrático como mera apropriação estatal


dos meios de produção, mas como uma titularidade diversificada, na qual se
podem contar, a par da individual, o cooperativismo, as diversas modalidades de
propriedade social, a co-gestão, a autogestão e a moderna empresa pública, bem
como a cooperação entre todas elas.

3.3 — A aceleração das transformações estruturais que urge promover deve ser
acompanhada pela participação dos trabalhadores na análise das escolhas e
consequências que essas transformações suscitam. Os trabalhadores organizados
ao nível das empresas ou associados sindicalmente a nível superior devem ter
direitos de participação na formulação das decisões que centralmente lhes digam
respeito como agentes económicos e sociais empenhados na modernização e
desenvolvimento do País. Esses direitos estender-se-ão desde o direito de
informação e consulta sobre a organização do trabalho e a introdução de novas
tecnologias até ao direito de negociação colectiva das condições que melhor
enquadrem socialmente as opções necessárias ao esforço de reestruturação das
capacidades produtivas nacionais. A democracia económica assenta na
negociação participada e responsável do desenvolvimento económico e social.
Impõem igualmente a eliminação de barreiras ideológicas, burocráticas e
técnicas, a expansão de novas formas de trabalho associado, designadamente no
campo das experiências cooperativas ou de inspiração autogestionária e das
iniciativas locais de emprego. A valorização de novas formas de organização do
trabalho como factor de enriquecimento e coesão do tecido social, bem como da
revitalização das economias regionais é, hoje em dia, uma dimensão essencial do
aprofundamento da democracia económica. As iniciativas que se inscrevem
nesse domínio e detêm potencialidades de mérito social e económico devem ser
reconhecidas e apoiadas por todos os que se inspiram no socialismo
democrático. É assim natural que um Estado catalisador e descentralizado se
preocupe também com a criação de condições necessárias ao seu lançamento e
desenvolvimento.

3.4 — O PS deverá liderar com segurança o processo de transformação


estrutural da economia portuguesa, sempre com a procura do diálogo e a
promoção de consensos sociais, recusando os extremismos da bipolarização. É
por isso que nos separa da opção liberal-conservadora, de deixar a solução dos
problemas exclusivamente aos mecanismos automáticos do mercado, onde
impere apenas a lei do mais forte; da de reduzir e desmantelar o sector público
negando o apoio e o efeito moderador que este pode ter no processo económico,
da de ignorar os efeitos sociais nefastos, em termos de desemprego e de
negociação dos direitos dos que trabalham, da selecção destruidora a que a
concorrência desregrada dá origem.

A organização social que o PS defende, sem descurar a eficiência económica,


tem preocupações de equidade e promoção da dignidade do Homem que
implicam que as escolhas económicas fundamentais possam ser mais
conscientemente assumidas pela colectividade e não resultarem apenas de
escolhas individuais expressas no mercado a partir de rendimentos pessoais
desiguais. A intervenção supletiva, moderadora e catalisadora do Estado ganha,
assim, o seu sentido, através designadamente da implementação de um
planeamento democrático de orientação estratégica e que encontre o seu
principal papel como revelador de necessidades, atenuador de conflitos e lugar
de definição de algumas grandes opções que a sociedade conscientemente
assume.

A diversidade de sectores com características próprias de funcionamento e, no


nosso caso, a pequena dimensão de economia que implica grande abertura ao
exterior são factores que claramente exigem a aplicação de mecanismos de
planeamento e a lógica de mercado como instrumentos da regulação da
economia. O plano democrático é a forma privilegiada da sociedade assumir as
grandes escolhas colectivas a dar conscientemente uma orientação ao
desenvolvimento económico. A participação que nele devem ter os
representantes dos diversos grupos de interesses sectoriais, regionais e locais e,
em particular, os trabalhadores, confere ao Plano e sua dimensão profundamente
democrática: trata-se de fazer participar o cidadão comum, através dos
representantes dos seus interesses económicos e sociais concretos, na modulação
do processo económico. De facto, não se mobiliza a economia sem se mobilizar
a esperança dos homens que lhe dão vida. O Plano é, além disso, a forma de
equacionar as grandes decisões estruturadoras do desenvolvimento e que têm por
isso um carácter estratégico, em especial as que se concretizam em grandes
projectos de investimento. Só através de elaboração de planos a médio e longo
prazos é possível considerar as novas preocupações da qualidade de vida, da
defesa do meio ambiente, da preservação dos recursos não renovados do
controlo do desenvolvimento tecnológico e da descentralização do processo de
decisão económica para a instância regional.

Os mecanismos de mercado antecipam mal o longo prazo visto que respondem


apenas, para orientar a produção, às previsões da evolução da procura solvável.
Na definição das escolhas estratégicas e no estudo dos grandes projectos, o
Plano é, pois, indispensável. Não se pretende, assim, um plano rígido, com
metas sectoriais quantitativas como era usual nos anos sessenta. O Plano deve
ter natureza essencialmente estratégica, constituindo o quadro catalisador e
incentivador dos numerosos processos do planeamento a cargo de cada um dos
agentes económicos autónomos, a fim de lhes dar harmonia e sentido actuante
de mútuo reforço face às grandes tarefas nacionais da modernização e do
desenvolvimento.

O mercado é, por sua vez, uma instituição social gerada pelo desenvolvimento
histórico das relações de troca e cooperação inerentes ao processo de divisão
social do trabalho. A concepção democrática do planeamento não pode opor-se
ao mercado como rede privilegiada para o processamento da informação
indispensável à tomada de decisões descentralizadas. Pelo contrário, a
concepção democrática de planeamento deve incorporar o bom uso do mercado
tão extensamente quanto possível, com planos que são meramente indicativos
para o sector privado e servem de elemento enquadrador da utilização dos
instrumentos tradicionais da política económica. O mercado mantém-se como
instrumento indispensável de regulação da economia, enquanto local revelador
de necessidades individuais, de formação de preços e de sanção dos resultados
alcançados pelas unidades produtivas.

3.5 — Os objectivos da igualdade e da solidariedade social assumem particular


relevância na realização da democracia económica. Não pode haver efectiva
participação na orientação do processo económico sem maior igualdade de
condições materiais do que aquela que se verifica presentemente em Portugal. O
socialismo não pode aceitar profundas desigualdades de rendimento e de riqueza
que resultem de privilégios económicos. O socialismo democrático não fala em
igualdade de oportunidade no sentido restrito que lhe dão os liberais. Não é
suficiente a igualdade perante a lei ou no acesso ao sistema de ensino para
garantir a eliminação das desigualdades inaceitáveis. As condições de vida
condicionam as condições culturais do meio social em que as crianças se
formam na mais tenra idade, mostrando a experiência que se desenvolvem
diferenças que o sistema de ensino já não pode corrigir: Uma maior igualdade de
condições é necessária a uma verdadeira igualdade de oportunidades. Por isso,
os socialistas apoiam os esforços dos sindicatos na defesa dos salários dos
trabalhadores e do objectivo do pleno emprego e defendem um sistema fiscal
progressivo a par de uma política de despesas sociais, tendo em vista uma maior
justiça social. Têm que se reconhecer lucidamente as limitações actuais do
Estado-Providência, por razões da crise financeira decorrentes da desaceleração
do crescimento e da crítica aos excessos de tributação, de uniformização e de
padronização social a que se chegou nalguns países.

Os socialistas, ao contrário dos liberais, não querem destruir o Estado-


Providência, mas sim reformá-lo, no sentido nomeadamente de introduzir maior
diversidade no tratamento das situações pessoais, exigindo maior
responsabilização e participação dos estratos sociais mais favorecidos. Como
concepção geral, a política social tem de ser a expressão e a consequência dos
Direitos do Homem nos domínios da educação, da saúde, da protecção contra a
insegurança no emprego, na velhice ou na invalidez. Em grande parte, estas
necessidades sociais não podem ser satisfeitas pela economia de mercado e
devem ser objecto de oferta pelo sector público. A política social não pode ser
apenas um complemento para amortecer os conflitos económicos, mas antes a
realização de um dos objectivos mais importantes da vida em sociedade.

3.6 — O Partido Socialista tem consciência de que os jovens, embora não


constituindo um bloco estritamente homogéneo, são mais duramente atingidos
que as outras camadas da população pelos condicionalismos socio-económicos e
socioculturais. Têm problemas comuns e, sobretudo, podem e devem
desempenhar um papel capital na transformação da sociedade portuguesa. O
Estado deve promover acções concertadas, ainda que englobadas numa visão
socialmente aberta, tendentes à resolução dos problemas da juventude, à
promoção do seu papel transformador e preparatório dos desafios do futuro,
atendendo à sua autonomia e iniciativa.

4. Democracia cultural

4.1 — A cultura é elemento constitutivo de todas as práticas sociais. Não se


reduz a quaisquer manifestações ou expressões sectoriais. Enquanto proposta de
valores e elaboradora de imaginários sociais, a cultura é, intrinsecamente, uma
componente determinante de todos os aspectos da vida social. A cultura é não só
o meio pelo qual um povo se autodetermina, mas também um processo
incessante de auto-libertação progressiva do homem.

Os nossos gestos, os nossos valores, as nossas normas de convivência, a política


e a própria história são a cultura. Por isso a criação de uma nova ordem social
está associada à emergência de novos valores e à democratização, à
descentralização e a individualização da cultura.

4.2 — A democracia cultural, entendida como expressão do pluralismo, não


pode desligar-se da democracia política, económica e social. Existe entre elas
uma relação de interdependência profunda, na medida em que a igualdade de
oportunidades na esfera política, económica e/ou social condiciona o exercício
efectivo dos direitos culturais. O exercício desses direitos é por sua vez condição
fundamental para que se verifique um aprofundamento democrático da vida
política, social e económica.

4.3 — A afirmação do socialismo democrático passa pelo estímulo da actividade


criadora de todos os cidadãos, tendo em conta que a cultura não pode ser
privilégio de qualquer grupo social ou monopólio do Estado.

É uma criação permanente e dialógica de todos os cidadãos, através de uma


multiplicidade de formas de expressão que traduzem a forma de ser e de viver
dos indivíduos e dos vários grupos sociais e regionais.

Há que permitir que floresça a expressão criadora de todas as potencialidades


que cada pessoa traz em si e aspira a ver realizadas.

As associações culturais e todas as formas de cooperação que contribuam


através de uma pedagogia libertadora para a criação de novos valores e novas
formas de convivência tem um papel insubstituível a desempenhar nessa procura
constante.

É à sociedade civil e não ao Estado que compete fazer traduzir em liberdade


novos valores e novas formas de cultura. O Estado deve apenas favorecer a
expressão da criatividade individual, social e regional e isso implica uma
concepção incentivadora e não dirigista da política cultural, que deste modo
deve ser: pluriforme — favorecendo a multiplicidade das expressões e das
práticas culturais, de acordo com o modo de ser e de viver dos vários grupos
culturais; participativa — estimulando a consciência de que todos os cidadãos
são sujeitos e não meros objectos da acção cultural e apoiando o associativismo
cultural de base; activa — condenando a passividade e o consumismo
alimentados pelas grandes indústrias culturais e encorajando a experimentação e
a inovação; integrada — evitando a compartimentação entre os diferentes
aspectos do viver quotidiano, nomeadamente no que se refere ao fosso
actualmente existente entre o mundo do «trabalho» e o mundo dos chamados
«tempos livres».

4.4 — Sem menosprezar o papel das vanguardas criadoras na nossa vida


cultural, o socialismo democrático procurará anular a clivagem entre cultura
«erudita» e cultura de massa, entre cultura humanística e cultura científica e
tecnológica, favorecendo o diálogo e a interpenetração entre estas diferentes
áreas de realização humana.

A democratização dos meios e instrumentos da acção cultural, indispensável a


qualquer projecto democrático, orientar-se-á, preferencialmente, para as
camadas sociais menos sensibilizadas a dimensão cultural. Entre essas contam-
se não só as economicamente menos favorecidas, como, igualmente, as massas
urbanas das zonas industriais, marcadas por formas de alienação cultural
profundas e específicas.

4.5 — O socialismo democrático sublinha a importância da passagem do


centralismo ao policentrismo cultural. Favorecendo a criação de pólos culturais
geograficamente diversificados e assumindo a relação centro/margem na
dinâmica cultural. Nesta perspectiva, a descentralização dos meios institucionais
e financeiros da acção cultural e vista não como uma transferência de modelos
culturais do centro para a periferia, mas como um instrumento ao serviço da
eclosão e do fortalecimento dos dinamismos culturais locais, através dos órgãos
de coordenação apropriados. No processo de descentralização cultural, assume
papel determinante a interacção a estabelecer entre as associações de base, as
autarquias locais e os órgãos governamentais da administração cultural.

4.6 — Um projecto cultural próprio do socialismo democrático supõe como


dimensão intrínseca e permanente, uma acção pedagógica e uma promoção de
valores culturais realizada através de práticas de «animação cultural». A
animação cultural visa estimular os indivíduos e as colectividades a tornar-se
agentes activos do seu próprio desenvolvimento e do desenvolvimento
qualitativo das comunidades em que estão inseridos, utilizando para tal uma
metodologia de acção/reflexão baseada sobre a experiência directa dos
participantes.

A animação cultural é um elemento incentivador de todas as formas de


participação social, cabendo-lhe um papel determinante na mobilização dos
dinamismos potenciais da sociedade para objectivos comuns.

5. Portugal no mundo

5.1 — O socialismo democrático é indissociável de uma política externa


norteada pela defesa da liberdade dos povos e pelo reforço da paz à escala
mundial. Uma afirmação realista de independência nacional e o empenhamento
na construção europeia, o respeito pela autodeterminação dos povos, a
cooperação para o desenvolvimento, a contribuição activa para o desarmamento
e a consolidação de uma ordem internacional de paz constituem imperativos de
uma política de relações exteriores inspirada pelo socialismo democrático.

5.2 — Afirmar de forma equilibrada a independência nacional é ponto de honra


dos que se reclamam do socialismo democrático. O mundo actual não permite
que um país encontre, no quadro limitado das suas fronteiras a totalidade dos
pressupostos para a resolução dos seus próprios problemas. Por outro lado, em
muitos aspectos do relacionamento internacional entre os grandes e pequenos
países irrompem modalidades de dominação económica, militar, técnica,
cultural, informativa ou diplomática. A correcta gestão da independência
nacional, sem qualquer espécie de cedência nem ao internacionalismo
descaracterizador nem ao nacionalismo estreito, inscreve-se na valorização
positiva que o socialismo democrático faz em relação à continuidade histórica
do País. Portugal é o Estado-Nação mais antigo da Europa. A defesa da sua
liberdade de acção perante o Mundo aconselha a diversificação criadora das suas
relações diplomáticas, na linha da abertura humanista ao contacto com todos os
povos do planeta. O estabelecimento de relações normais aos planos
diplomático, comercial e cultural, será efectuado independentemente dos
sistemas políticos e das estruturas económicas e sociais vigentes no interior de
cada Estado, na base do princípio da não ingerência nos assuntos internos dos
outros povos. Apesar das suas dimensões e da escassez dos meios disponíveis,
Portugal tem um património histórico, linguístico e cultural que lhe permite
desempenhar um papel activo e singular no plano internacional. O PS defende
uma política externa ao serviço de Portugal que simultaneamente tenha por
objectivos o reforço da nossa identidade nacional, a defesa dos nossos interesses
como povo, a protecção dos portugueses espalhados pelo mundo e a afirmação
da independência nacional como autêntica política de Estado.

5.3 — Afirmar o empenhamento na construção europeia significa que a adesão


de Portugal às Comunidades Europeias como membro de pleno direito veio
definir mais explicitamente o eixo decisivo da nossa política externa, sem fazer
esquecer naturalmente as vertentes extra-europeias do nosso envolvimento
internacional.

Este processo deve ser acompanhado pela intensificação das nossas relações
com o Brasil e os países africanos de língua oficial portuguesa, com os quais
criámos laços profundos de amizade e de interesse mútuo e com os quais
devemos empreender solidariamente a afirmação do português como língua de
cultura na comunidade internacional.

A opção europeia de Portugal não se reduz, por mais decisiva importância que
essa tenha, à integração das suas estruturas económicas no espaço comunitário.

Os socialistas encaram a adesão de Portugal à CEE como uma viragem histórica


decisiva rumo à modernização da nossa sociedade e à sua transformação numa
sociedade mais justa e solidária.

Num âmbito diferente, os socialistas concebem ainda a integração de Portugal


nas Comunidades como um momento importante numa dinâmica tendente à
unidade europeia, que não pode ser reduzida apenas a um processo mais
adequado e eficaz de regulação, por via institucional, das economias das Nações
Comunitárias.

A unidade europeia deve representar um objectivo mais vasto e profundo não no


sentido de diminuir as soberanias nacionais existentes, mas no propósito de vir a
constituir um novo pólo mundial de poder (político, económico e militar), que
apenas poderá decorrer de uma integração mais ousada e mais profunda das
Nações e dos Estados da Europa Ocidental O grande objectivo da unidade
europeia desdobra-se em objectivos derivados (cooperação tecnológica, relações
com o Sul, defesa europeia, por exemplo), que vem constituir por si só grandes
metas para uma acção comum. Através da prossecução destes objectivos
derivados efectua-se na pratica a convergência em objectivos comuns e a
integração progressiva de meios e de estruturas em função dessas convergências.

A afirmação da Europa passa por uma acrescida cooperação científica e


tecnológica, que lhe permita inverter a presente tendência para a perda de
vantagens comparativas no mercado mundial; passa pelo estabelecimento de
relações privilegiadas com o chamado Sul, que possam conferir ao nosso
continente uma força acrescida no sistema de relações internacionais; passa,
enfim, pela progressiva construção de uma defesa integrada, que permita ao
«pilar europeu» da Aliança Atlântica assumir com mais eficácia a sua plena
igualdade soberana com os nossos aliados norte-americanos. Na verdade, não
concebemos a Aliança em que Portugal lealmente se continuará a inserir, apenas
como uma indispensável e decisiva aliança militar; desejamos que ela também
seja uma vertente e uma plataforma indispensável no diálogo leste-oeste, a partir
da coesão que, respeitado o quadro e o posicionamento que defendemos, aquela
aliança necessariamente ajuda a fortalecer.

5.4 — Respeitar a autodeterminação dos povos é uma regra de conduta que


estará presente em cada momento na condução de uma política externa orientada
pelos socialistas. Cada povo tem direito à sua identidade étnica, linguística,
cultural e religiosa, bem como à sua afirmação numa pátria dotada das
correspondentes instituições políticas e administrativas e, por isso mesmo,
sujeito pleno em matéria de relações internacionais. Os ideais descolonizadores
do pensamento democrático português são assumidos pelo socialismo
democrático, que compreende e estimula o papel dos movimentos nacionais de
libertação no decurso da história contemporânea.

5.5 — A cooperação para o desenvolvimento, na óptica do socialismo


democrático, constitui a única via susceptível de pôr fim as flagrantes injustiças
existentes à escala planetária e que opõe uma escassa minoria de cidadãos da
abundância, do privilégio e do conforto a uma vastíssima maioria de súbditos da
privação, da miséria e da doença. A injustiça que caracteriza as relações entre
recursos e população é a causa da maior parte dos conflitos existentes no mundo.
O socialismo democrático, ao propor-se contribuir para uma igualização
económica e social entre as nações, está convicto de que é essencial a
solidariedade efectiva com os países mais carenciados para conseguir a redução
da dependência das pequenas nações face aos grandes poderes. Portugal, no
contexto da sua própria situação económica e financeira, incrementará a
cooperação pacífica com os países menos desenvolvidos, nomeadamente no
âmbito das relações com os países africanos de expressão oficial portuguesa.
Portugal não enjeita as responsabilidades que os laços históricos criaram com
esses países e deve procurar desenvolver acções de cooperação que
correspondam a interesses mútuos e que respeitem o princípio da não
inoperância nos negócios internos noutros Estados.

5.6 — A opção por uma política construtiva de consolidação de uma ordem


internacional de paz, implica o apoio dos socialistas às iniciativas de
desarmamento. Sem prejuízo dos compromissos de defesa assumidos no plano
internacional e da indiscutível participação de Portugal na NATO, já
referenciada, o PS entende que são tarefas fundamentais de uma política exterior
norteada pelo socialismo democrático a criação de condições para a distensão
nas relações internacionais, a opção pelo não recurso ao uso da força ou da
ameaça, o estímulo à constituição de sistemas regionais de segurança, o
lançamento de uma criteriosa reflexão na opinião pública susceptível de
influenciar as grandes potências no sentido de um desarmamento progressivo,
mutuo e verificável, em suma, o empenhamento construtivo no fim da corrida
aos armamentos e na estruturação de uma segurança internacional autêntica.

5.7 — Todos os homens que querem promover e defender a paz geral entre os
Estados sabem a importância conferida pelo socialismo democrático à
convivência pacífica entre os povos e à colaboração e solidariedade
internacionais nos domínios político, diplomático, económico, social, científico
e cultural. A evolução das civilizações conduziu os países a uma
interdependência tal que hoje se coloca ao próprio género humano a
responsabilidade pela resolução global de vários problemas, sejam eles no
campo das matérias-primas, das fontes de energia, e dos produtos alimentares,
sejam eles respeitantes ao ambiente, ao acesso à informação, à ciência e à
cultura, ou ao direito à identidade étnica, linguística ou religiosa. A procura de
uma nova ordem económica internacional é um dos objectivos fundamentais do
socialismo democrático. A ONU, enquanto fórum adequado para um debate
sobre as formas de colmatar as disparidades entre países, merece apoio e
estimulo para ver as suas resoluções levadas à prática com mais determinação. A
noção de solidariedade assumida pelo socialismo democrático ganha particular
consistência e actualidade quando transferida para o terreno das relações entre os
povos. Os socialistas não esquecem o sonho de que a cooperação internacional
deve ser expressão de solidariedade entre todos os Estados e todas as Nações.

Você também pode gostar