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As micro-ondas e a velocidade da luz

The microwaves and the speed of light

∗1
Fábio Jardim de Almeida
1
Escola Logus, Curitiba, PR, Brasil.
†2
Rudimar Luiz Nós
2
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

Resumo: Apresentamos neste trabalho as etapas de execução de uma atividade prática


para comprovar a velocidade da luz empregando um forno de micro-ondas. Adaptamos
o experimento do roteiro proposto por Stauffer em 1997 na revista The Physics Teacher.
Concluímos que a atividade possibilita estimar a velocidade da luz com um erro inferior
a 0, 3% e contempla o que propõe a Base Nacional Comum Curricular para o ensino de
Ciências da Natureza e suas Tecnologias.
Palavras-chave: ondulatória; teoria da relatividade; ensino de física.

Abstract: We present in this work the steps of performing a practical activity to prove the
speed of light using a microwave oven. We adapted the experiment from the script proposed
by Stauffer in 1997 in The Physics Teacher magazine. We conclude that the activity makes
it possible to estimate the speed of light with an error of less than 0.3% and contemplates
what the National Common Curricular Base proposes for the teaching of Natural Sciences
and its Technologies.
Keywords: waves; theory of relativity; physics teaching.

1 Introdução
Em física, ondas eletromagnéticas são ondas resultantes da vibração entre campos elétricos e magnéticos.
A radiação eletromagnética é um campo eletromagnético que se propaga pelo espaço carregando energia
eletromagnética radiante. São exemplos de radiação eletromagnética as ondas de rádio, as micro-ondas, a
luz visível, a luz infravermelha, a luz ultravioleta, os raios X e os raios gama. Todas essas ondas compõem
o espectro eletromagnético e se propagam à velocidade c = 299.792.458 m/s [1].
Micro-ondas são ondas eletromagnéticas com comprimento de onda na faixa de 0, 001 a 0, 3 m.
Esses comprimentos de onda são menores do que a de uma onda de rádio normal, porém maiores do
que a da radiação infravermelha. As micro-ondas são empregadas em radares, em comunicações, no
aquecimento em fornos de micro-ondas e em vários processos industriais.
No interior de um forno de micro-ondas, estas ondas são produzidas por um tubo de elétrons e
refletidas pelo revestimento metálico, sendo absorvidas pelos alimentos. As micro-ondas fazem com que
as moléculas de água presentes nos alimentos vibrem. Essa vibração gera o calor que cozinha os alimentos.
O primeiro forno de micro-ondas comercial, o Radarange, ilustrado na Figura 1, surgiu em 1947, tinha
1, 8 m de altura, pesava 340 kg e custava U $ 5, 000 [2].
∗ Endereço de correspondência: doisbara@hotmail.com
† Endereço de correspondência: rudimarnos@utfpr.edu.br
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Figura 1: Radarange [3].

Como as micro-ondas se propagam à velocidade da luz, uma das constantes fundamentais da


natureza, podemos empregar um forno de micro-ondas para estimar essa velocidade nas aulas de ciências
e física no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, respectivamente.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) [4] estabelece como habilidades para o ensino de
ciências no 9o ano do Ensino Fundamental:
(EF09CI06) Classificar as radiações eletromagnéticas por suas frequências, fontes e aplicações,
discutindo e avaliando as implicações de seu uso em controle remoto, telefone celular, raio X,
forno de micro-ondas, fotocélulas etc. ( [4], p. 351)
Por sua vez, as Diretrizes Curriculares da Educação Básica da Secretaria de Estado da Educação
do Paraná para o ensino de física no Ensino Médio [5] destacam que:
Os resultados de muitas pesquisas em ensino de física são unânimes em considerar a importân-
cia das atividades experimentais para uma melhor compreensão acerca dos fenômenos físicos.
Essas pesquisas sugerem que as atividades experimentais podem suscitar a compreensão de
conceitos ou a percepção da relação de um conceito com alguma ideia anteriormente discutida.
No segundo caso, a atividade precisa contribuir para que o estudante perceba, além da teoria,
as limitações que esta pode ter. Mesmo as dificuldades e os erros decorrentes das experiên-
cias de laboratório devem contribuir para uma reflexão dos estudantes em torno do estudo
da ciência. Assim, é fundamental que o professor compreenda o papel dos experimentos na
ciência, no processo de construção do conhecimento científico. Essa compreensão determina
a necessidade (ou não) das atividades experimentais nas aulas de física. ( [5], p. 71)
Ao realizar atividades experimentais nas aulas de física, podemos empregar recursos tecnológicos,
tais como celulares, tablets, internet móvel, laboratórios virtuais e até mesmo um forno de micro-ondas
portátil. Quanto aos laboratórios virtuais, estes utilizam softwares gratuitos para utilização em com-
putadores, como é o caso do PhETColorado [6], ou fazem uso de realidade aumentada, com óculos de
realidade virtual, como nos laboratórios online VRLabsAcademy [7].
Sendo os experimentos reais ou virtuais, o importante é a essência dos mesmos: promover a
imersão dos estudantes na ciência, instigando-os à observação e estimulando a curiosidade. Desta forma,
apresentamos neste trabalho um experimento “caseiro”, do tipo faça você mesmo, para comprovar a
velocidade da luz usando um forno de micro-ondas [8]. Esse experimento prático foi adaptado do proposto
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por [9], sendo citado também por [10, 11], e pode ser reproduzido nas aulas de ciências no Ensino
Fundamental e nas aulas de física no Ensino Médio.

2 Metodologia
Apresentamos nesta seção a descrição e a execução da atividade experimental, diferentemente do que
fazem [10, 11], que apenas relatam brevemente a ideia central do experimento.
Em sala de aula, o(a) professor(a) de ciências ou física pode organizar a atividade em uma sequência
didática que abrange três etapas:
1. retomada/introdução de conceitos de ondulatória [12, 13] e da teoria da relatividade [8, 1], como a
invariância da velocidade da luz;
2. descrição da atividade experimental segundo esses conceitos;
3. execução da atividade experimental com os(as) estudantes divididos(as) em pelo menos dois grupos,
e promoção da aferição/discussão dos resultados verificados.
A atividade experimental pode ser aplicada nas aulas de ciências no 9o ano do Ensino Fundamental,
ou nas aulas de física no 1o e/ou 2o anos do Ensino Médio.

2.1 A atividade experimental: descrição


a) Objetivo: estimar o valor da velocidade da luz.
b) Pré-requisitos: conceitos básicos de ondulatória, tais como comprimento de onda, frequência e
velocidade de onda.
c) Materiais necessários: aparelho de micro-ondas; prato fundo e liso; refratário liso; trena; barra de
chocolate com no mínimo 15cm de comprimento – Figura 2.

Figura 2: Comprimento da barra de chocolate utilizada no experimento.

O aparelho de micro-ondas empregado tem uma frequência na emissão de ondas de 2450 M Hz –


Figura 3, que equivale a 2, 45 GHz = 2, 45 x 109 Hz.
d) Roteiro descritivo: o experimento consiste em se aquecer uma barra de chocolate em um aparelho
de micro-ondas, cujo prato giratório é substituído por um prato fundo e liso ou um refratário liso.
A distância entre os pontos de derretimento no chocolate e a frequência das ondas do aparelho de
micro-ondas permitem estimar a velocidade da luz [11].
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Figura 3: Informações sobre o aparelho de micro-ondas usado no experimento.

O experimento é dividido em duas etapas distintas: na primeira, investiga-se a influência da altura


em que uma barra de chocolate mais espessa fica dentro do aparelho de micro-ondas na distância en-
tre os pontos de derretimento; na segunda, determina-se a distância entre os pontos de derretimento
em uma barra de chocolate mais delgada.
No interior do aparelho de micro-ondas são geradas ondas como a ilustrada na Figura 4 [14], sendo
que o encontro dessas ondas tridimensionais ocorre nos nós. Na primeira parte da experiência, a
barra mais espessa ficará derretida nas extremidades do comprimento de onda λ; já na segunda
parte, a barra delgada derreterá também no nó que divide o comprimento de onda exatamente ao
meio.

Figura 4: Onda: comprimento de onda e nós.

Como utilizamos a trena para medir distâncias, um instrumento pouco preciso, determinamos ao
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término da experiência um valor aproximado para a velocidade da luz. Para determinar um valor
mais preciso, são necessários um laboratório de metrologia1 com instrumentos apropriados para
medir comprimentos.
Na primeira parte do experimento, retira-se do aparelho de micro-ondas o prato giratório e em seu
lugar se coloca um prato liso e fundo, de cabeça para baixo, inutilizando dessa forma o sistema
de rotação. Em seguida, coloca-se sobre o prato invertido uma barra de chocolate mais espessa e
aciona-se o aparelho fechado por cerca de 45 segundos. Ao término do tempo de funcionamento,
retira-se a barra de chocolate e mede-se a distância linear entre os pontos de derretimento. O teste
é realizado para duas alturas distintas entre a barra de chocolate e a base do micro-ondas – Figura
5.

(a) (b)

Figura 5: Distância entre a base do micro-ondas e a barra de chocolate: (a) 1 cm; (b) 8 cm.

Na segunda parte do experimento, coloca-se sobre um refratário liso uma barra de chocolate mais
delgada e aciona-se o aparelho de micro-ondas fechado por cerca de 25 segundos. Ao término,
retira-se a barra de chocolate e mede-se a distância entre os pontos de derretimento.
Para calcular a velocidade da luz, que é uma onda eletromagnética assim como as micro-ondas
emitidas pelo aparelho, empregamos a relação

v = λ f, (1)

onde v é a velocidade da onda em metros por segundo (m/s), λ é o comprimento de onda em metros
(m) e f é a frequência da onda em hertz (Hz).
Em (1), λ corresponde à distância entre os pontos de derretimento da barra de chocolate, enquanto
que f é a frequência com que as micro-ondas se propagam no interior do aparelho. Essa frequência
consta na etiqueta do aparelho, ilustrada na Figura 3.

2.2 A atividade experimental: execução


Na primeira parte do experimento, testamos duas alturas distintas (1 cm e 8 cm) para verificar se a
distância entre os pontos de derretimento é influenciada por essa altura. Constatamos, em ambos os
casos, que a distância foi de aproximadamente 0, 122 m – Figura 6.
1 Ciência que engloba os aspectos teóricos e práticos da medição.
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(a)

(b)

Figura 6: Distância entre os pontos de derretimento: (a) barra de chocolate mais espessa a 1 cm da base;
(b) barra de chocolate mais espessa a 8 cm da base.
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Na segunda parte do experimento, colocamos uma barra de chocolate mais fina – Figura 7, sobre
um refratário liso na base do aparelho de micro-ondas.

(a) (b)

Figura 7: Barra de chocolate utilizada na segunda parte do experimento: (a) comprimento; (b) espessura.

Nesta etapa, testamos três posições distintas para a barra de chocolate dentro do aparelho de
micro-ondas: horizontal, oblíqua e vertical – Figura 8.

(a) (b) (c)

Figura 8: Barra de chocolate mais fina na posição: (a) horizontal; (b) oblíqua; (c) vertical.

Após o funcionamento de aproximadamente 25 segundos do aparelho de micro-ondas, constatamos


que a distância entre os pontos de derretimento foi de cerca de 0, 061 m nas três posições testadas –
Figura 9, Figura 10 e Figura 11.

3 Resultados e considerações finais


Na primeira parte do experimento, observamos que a distância entre os pontos de derretimento do cho-
colate foi de aproximadamente 0, 122 m; já na segunda parte, verificamos que essa distância foi de cerca
de 0, 061 m, o que corresponde a meio comprimento de onda.
Desta forma, empregando λ = 0, 122 m e f = 2, 45 x 109 Hz em (1), concluímos que:

v = 0, 122 m.2, 45 x 109 ciclos/s = 298.900.000 m/s. (2)

O resultado em (2) difere da velocidade da luz, que é c = 299.792.458, em cerca de 0, 3%. Esta
diferença ocorre devido ao uso de instrumentos de medida imprecisos, como a trena, e à localização exata
dos pontos de derretimento.
Na barra de chocolate mais espessa não foi possível observar o nó central do comprimento de onda
porque este ocorreu na parte interna da barra, não sendo visível devido à espessura da mesma. Já na
barra mais delgada, observamos somente a distância entre dois nós consecutivos (metade do comprimento
de onda) devido ao posicionamento da barra de chocolate no interior do aparelho de micro-ondas. Ado-
tando uma posição privilegiada e/ou usando uma barra de maior superfície, observaríamos vários nós
consecutivos distando cerca de 0, 061 m um do outro.
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Figura 9: Distância entre os pontos de derretimento na barra mais fina na posição horizontal.

Figura 10: Distância entre os pontos de derretimento na barra mais fina na posição oblíqua.
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Figura 11: Distância entre os pontos de derretimento na barra mais fina na posição vertical.

Uma vez estimada a velocidade da luz, o professor de física pode explorar um dos postulados da
teoria da relatividade especial de Einstein [1]: a invariância da velocidade da luz. Para tanto, sugerimos
o uso de interferômetros virtuais, como os da Universidade do Porto [15] e da Universidade Federal do
Ceará [16], ilustrados na Figura 12.

(a) (b)

Figura 12: Interferômetro virtual: (a) da Universidade do Porto [15]; (b) da Universidade Federal do
Ceará [16].
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Referências
[1] Richard Wolfson. Simplesmente Einstein: a relatividade desmistificada. São Paulo: Globo, 2005.
[2] History_of_Microwave. Facts and history of microwave. 2023. url: http://www.historyofmicrowave.
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[3] Wikipedia. Microwave oven. 2023. url: https://en.wikipedia.org/wiki/Microwave_oven.
[4] Brasil. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. url: http://basenacionalcomum.mec.
gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf.
[5] Paraná. Diretrizes Curriculares da Educação Básica: Física. Curitiba, 2008. url: http : / / www .
educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/diretrizes/dce_fis.pdf.
[6] Phet. Interactive simulations for science and math. Bolder, 2023. url: https://phet.colorado.edu/.
[7] VRLAB. Virtual laboratories. London, 2022. url: https://www.vrlabacademy.com/.
[8] Fábio Jardim de Almeida. “Desmistificando a teoria da relatividade de Einstein”. Dissertação de
Mestrado. Curitiba, Paraná: Universidade Tecnológica Federal do Paraná, 2022, p. 114. url: https:
//riut.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/28957/1/desmistificandoteoriarelatividadeeinstein.pdf.
[9] Robert H. Stauffer Jr. “Finding the speed of light with marshmallows: a take-home lab”. Em: The
Physics Teacher 35 (1997), pp. 231–231. issn: 1943-4928. doi: 10 . 1119 / 1 . 2344657. url: https :
//aapt.scitation.org/doi/pdf/10.1119/1.2344657.
[10] Seara_da_Ciência. Medir a velocidade da luz em um forno micro-ondas. Fortaleza. url: https:
//seara.ufc.br/pt/sugestoes-para-feira-de-ciencias/sugestoes-de-fisica/ondas/medira-a-velocidade-
da-luz-em-um-forno-microondas/.
[11] Mark Steer. Mid morning experiment: speed of light. Bristol, 2007. url: https : / / www . null -
hypothesis.co.uk/science/item/measure_speed_light_microwave_chocolate/.
[12] David Halliday e Robert Resnick. Fundamentos de física 2: gravitação, ondas e termodinâmica. Rio
de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1991.
[13] Francis Weston Sears e Mark W. Zemansky. Física: calor, ondas. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico,
1973.
[14] Lucas Martins. Ondulatória (ondas). Florianópolis. url: https : / / www . infoescola . com / fisica /
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[15] D. D. Teixeira, F. J. L. Pereira e J. F. B. Carvalho. Simulação do interferómetro de Michelson.
Porto, 2009. url: https://fisica.fe.up.pt/michelson/indice.html.
[16] Giselle dos Santos Castro e Nildo Loiola Dias. Interferômetro de Michelson. Fortaleza, 2022. url:
https://www.laboratoriovirtual.fisica.ufc.br/interferometro-de-michelson.

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