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Marx e a Mensagem de 1850 –

Revolução Permanente sob a égide


de um Programa de Transição

A "Mensagem do Comitê Central a Liga dos Comunistas"(1),


escrita por Karl Marx em março de 1850, é mais um exemplo de
textos fundamentais do pensador alemão que continua até os
nossos dias pouco conhecido. As organizações ditas "marxistas" o
escondem dado que seu conteúdo seria demasiadamente
comprometedor, uma vez que colocam em cheque as diversas
"novas velhas" vias ao socialismo que hoje imperam. As
polêmicas encerradas no texto também se afastam daquelas
travadas no interior da academia.

Após a experiencia das revoluções europeias de 1848 e em


particular na Alemanha, onde Marx participara cotidianamente
editando o jornal Nova Gazeta Renana, este concluíra que a
concepção esboçada no Manifesto Comunista revelou-se “a única
acertada”. Neste sentido, elabora o texto que ora comentamos
vislumbrando a possibilidade de uma revolução iminente na
França. Parece revelador que embora o país usado como pano de
fundo para a analise encetada na Mensagem de 1950 seja a
Alemanha, o alvo imediato do mesmo é a França. Ou seja, não se
trata unicamente de uma análise específica de um caso
específico, mas de reflexões cujos pressupostos são as categorias
do próprio capital, fazendo-se valer ao conjunto dos países
dominados pelo modo de produção capitalista. Neste mesmo
sentido, cabe ainda mencionar que a Mensagem foi direcionada
ao Comitê Central da Liga dos Comunistas, a mesma organização
para qual ele escrevera o Manifesto Comunista dois anos antes,
que já era um embrião de uma organização internacional, não
obstante suas debilidades.
Seja como for, esta Mensagem dissolve vários mitos; o partido, a
centralidade do proletariado, o papel da pequena-burguesia, a
democracia pequeno-burguesa, as palavras de ordem, as
alianças, as eleições, a dualidade de poderes, o governo dos
trabalhadores, ou ainda, a revolução permanente, são tratadas
por Marx ao longo de todo o texto. Não como definições
estanques e acabadas, mas como noções que se articulam e se
reforçam mutuamente, conforme pretendemos mostrar.

Nos parágrafos que se seguem, procuraremos sempre que


possível, seguir a letra de Marx, segundo o texto da Mensagem.
Para fins didáticos, nem sempre seguiremos estritamente a
ordem do texto, optamos por uma abordagem temática. Todavia,
estamos convictos de que esta opção expositiva em nada altera o
conteúdo original do texto.

É comum escutarmos que Marx não possuía uma reflexão sobre a


questão do partido do proletariado e que esta só foi trazida à
tona no inicio do século XX. Muito embora estejamos de acordo
que não existe no autor d`O Capital uma teoria do partido, existe
sim uma reflexão sobre o tema e este, de maneira inequívoca,
remete aos elementos mais gerais apontados por Lenin décadas
mais tarde. Um partido legal e secreto e que tenha como
princípio irrevogável a independência de classe. Neste sentido diz
Marx: “Em vez de descer mais uma vez ao papel de coro
laudatório dos democratas burgueses, os operários e, sobretudo,
a Liga devem procurar estabelecer, junto aos democratas
oficiais, uma organização independente do partido
operário, ao mesmo tempo legal e secreta, e fazer de cada
comunidade o centro e núcleo de sociedades operárias, nas quais
a atitude e os interesses do proletariado possam ser discutidos
independentemente das influências burguesas”(grifo nosso).
Refletindo sobre as lições dos recentes processos revolucionários,
Marx ressalta que “o partido operário deve agir de modo mais
organizado, mais unânime e mais independente, se não quer de
novo ser explorado pela burguesia e marchar a reboque desta,
como em 1848”. A independência do proletariado enquanto
partido é ressaltada e determinada ao longo de todo o texto.

No inicio do texto ele destaca que a Liga dos Comunistas nas


revoluções de 1848 “estiveram na vanguarda(2) da única classe
verdadeiramente revolucionária - o proletariado”. Mas a
centralidade do proletariado e a sua independência não podem
ser confundidas com seu isolamento. Pensando até que ponto o
proletariado e em particular o seu partido, podem se aliar a
organizações que expressam a perspectivas de outras classes, o
pensador alemão caracteriza de maneira meticulosa o caráter da
pequena-burguesia, a qual, segundo ele “longe de desejar a
transformação revolucionária de toda a sociedade em benefício
dos proletários revolucionários, a pequena-burguesia democrata
tende a uma mudança da ordem social que possa tornar a sua
vida, na sociedade atual, mais cômoda e confortável. Por isso,
reclama em primeiro lugar uma redução dos gastos do Estado
por meio de uma limitação da burocracia...”, e esta ainda, pede
“a criação de instituições de crédito do Estado e leis contra a
usura, com o que ela e os camponeses teriam a possibilidade de
obter, em condições favoráveis, créditos do Estado, em lugar de
serem obrigados a pedi-los aos capitalistas. [...]No que toca aos
operários, é indubitável que devem continuar sendo operários
assalariados; os pequeno-burgueses democratas apenas desejam
que eles tenham salários mais altos e uma existência mais
garantida e esperam alcançar isso facilitando, por um lado,
trabalho aos operários, através do Estado, e, por outro, com
medidas de beneficência. Numa palavra, confiam em corromper
os operários com esmolas mais ou menos veladas e debilitar sua
força revolucionária por meio da melhoria temporária de sua
situação. ”. Neste sentido, “a atitude do partido operário
revolucionário em face da democracia pequeno-burguesa é a
seguinte: marchar com ela na luta pela derrubada daquela
fração cuja derrota é desejada pelo partido operário;
marchar contra ela em todos os casos em que a
democracia pequeno-burguesa queira consolidar a sua
posição em proveito próprio”(grifo nosso).
O longo trecho anteriormente citado não podia se assemelhar
mais as situações que atualmente se colocam diante de nossos
olhos. Ao que parece, para Marx, a maioria dos partidos
“socialistas” de hoje nada mais seriam do que democratas
pequeno-burgueses. Ironicamente, nada temos de novo neste
fato. O filósofo alemão destaca que os pequeno-burgueses
republicanos na França à época, já se chamavam socialistas e
destaca que “a mudança de nome deste partido não modifica de
modo algum sua atitude para com os operários”. Como vimos, a
aliança com a democracia pequeno-burguesa só se aplica com a
finalidade de derrubar esta ou aquela fração nos interesses do
proletariado, sem abrir mão um só momento de sua
independência e de seus interesses. É fácil notar que a quase
totalidade das organizações de esquerda, postergam os
interesses dos trabalhadores para um futuro indefinido,
justificando alianças com programas pautados nos limites dos
interesses dos chamados setores médios, que nada mais querem
do que “tornar a vida na sociedade atual, mas cômoda e
confortável”. Marx não nega a necessidade de alianças, desde
que estas façam o proletariado avançar e a todo momento
dificulte “aos democratas burgueses a possibilidade de se
imporem ao proletariado pela força das armas”, o que deve-se
fazer, ao contrário é “ditar-lhes condições sob as quais o domínio
burguês leve desde o princípio o germe de sua queda”.

No final do texto, Marx determina ainda mais o sentido das


reivindicações a serem postas pelo partido do proletariado em
luta, ou seja, as condições a serem colocadas que conteriam em
seu interior os germens para a queda do domínio burguês. Estas,
ao mesmo tempo, devem impulsionar permanentemente o
conjunto do proletariado e desmascarar o reformismo dos
“aliados” temporários. Assim, é necessário “levar ao extremo as
propostas dos democratas, que não se comportarão em todo o
caso como revolucionários mas como simples reformistas, e
transformá-las em ataques diretos contra a propriedade privada”.
Neste sentido, não se trata aqui de propor desde o começo
medidas “comunistas”, mas de levar as revindicações e
aspirações imediatas do proletariado até as últimas
consequências. Portanto, aqui não se trata o comunismo como
um mero projeto de futuro, mas como resultado imanente da luta
do próprio proletariado. De maneira cada vez mais determinada,
Marx segue dando exemplos destas revindicações ou palavras de
ordem transitórias: “se os pequeno-burgueses propuserem
comprar as estradas de ferro e as fábricas, os operários têm de
exigir que essas estradas de ferro e fábricas, como propriedade
dos reacionários, sejam confiscadas simplesmente e sem
indenização pelo Estado”, “se os democratas propuserem o
imposto proporcional, os operários exigirão o progressivo; se os
próprios democratas avançarem a proposta de um imposto
progressivo moderado, os operários insistirão num imposto cujas
taxas subam tão depressa que o grande capital seja com isso
arruinado”, e ainda, “se os democratas exigirem a regularização
da dívida pública, os operários exigirão a bancarrota do Estado”.

Marx relaciona os diversos elementos abordados à dinâmica da


revolução mundial, assim uma revolução nacional aparece como
um elo desta revolução. Sem este impulso permanente, qualquer
revolução local seria reabsorvida pelo mercado mundial, somente
quando a “competição entre os proletários” dos diversos países
cessar, estarão dados os pressupostos históricos para
desenvolvimento de uma nova sociedade, uma sociedade
emancipada, ou em uma palavra, do comunismo. Citemos o
trecho integralmente:

Enquanto os pequeno-burgueses democratas querem concluir a


revolução o mais rapidamente possível, depois de terem obtido,
no máximo, os reclamos supramencionados, os nossos interesses
e as nossas tarefas consistem em tornar a revolução
permanente até que seja eliminada a dominação das classes
mais ou menos possuidoras, até que o proletariado conquiste o
poder do Estado, até que a associação dos proletários se
desenvolva, não só num país, mas em todos os países
predominantes do mundo, em proporções tais que cesse a
competição entre os proletários desses países, e até que pelo
menos as forças produtivas decisivas estejam concentradas nas
mãos do proletariado. Para nós, não se trata de reformar a
propriedade privada, mas de aboli-la; não se trata de atenuar os
antagonismos de classe, mas de abolir as classes; não se trata
de melhorar a sociedade existente, mas de estabelecer uma
nova. (grifo nosso)

Mas neste momento poderíamos nos perguntar: como as


reivindicações transitórias poderiam conduzir o proletariado a
tomada do poder? Ou ainda, como tais reivindicações poderiam
levar o proletariado a sua auto emancipação e não apenas a uma
mera substituição do governo? Seria esta nova forma de
sociabilidade (o comunismo) um projeto de futuro a ser
integralmente implantado, por medidas administrativas, após a
tomada do poder por um novo governo?

Certamente, este não é o caminho apontado por Marx


na Mensagem. Em certo sentido, o desenvolvimento do
comunismo já estaria contido no interior da longa marcha a ser
percorrida pelo proletariado no interior do próprio capitalismo,
das reivindicações mais imediatas até tomada do poder. Não
como um projeto acabado e ideal a ser realizado
messianicamente pelo conjunto da classe trabalhadora, mas
como desenvolvimento imanente de sua própria luta, de suas
próprias reivindicações, levadas de maneira independente ao
limite, desvencilhadas das influencias pequeno-burguesas. Este
desenvolvimento começaria a se manifestar com a dualidade de
poder no interior das unidades de trabalho e do conjunto dos
trabalhadores com relação ao Estado. Esta dualidade de poder
não seria uma medida meramente política, mas, ao mesmo
tempo, uma nova forma de organização social gestada no interior
do mundo do trabalho. Neste sentido, diz Marx: “Logo que os
novos governos se tenham consolidado um pouco iniciarão suas
lutas contra os operários. A fim de estarem em condições de
oporem-se energicamente aos democratas pequeno-burgueses, é
preciso, sobretudo, que os operários estejam organizados de
modo independente e centralizados através dos seus clubes (...)
A rápida organização de agrupamentos - pelo menos provinciais-
dos clubes operários é uma das medidas mais importantes para
revigorar e desenvolver o partido operário.” E apontando para a
generalização da dualidade de poder, afirma que “ao lado dos
novos governos oficiais, os operários deverão constituir
imediatamente governos operários revolucionários, seja na forma
de comitês ou conselhos municipais, seja na forma de clubes
operários ou de comitês operários, de tal modo que os governos
democrático burgueses não só percam imediatamente o apoio
dos operários, mas também se vejam desde o primeiro momento
fiscalizados e ameaçados por autoridades atrás das quais se
encontre a massa inteira dos operários”.

O caráter dual do poder aparece de maneira mais patente quando


Marx versa sobre a necessidade do proletariado organizar-se em
armas, para “pôr-se às ordens, não do governo, mas dos
conselhos municipais revolucionários criados pelos próprios
operários”. E ainda destaca que “sob nenhum pretexto
entregarão suas armas e munições; toda tentativa de
desarmamento será rejeitada, caso necessário, pela força das
armas”. Como vimos, apesar de Marx realçar a possibilidade do
uso da força contra os oponentes do partido revolucionário,
ressalta a necessidade da mais ampla democracia interna no
interior da organização proletária, a qual se desenvolve em meio
a dualidade de poder, salientando que “nenhum núcleo operário
seja privado do direito de voto, a pretexto algum, nem por
qualquer estratagema das autoridades locais ou dos comissários
do governo”.

Cabe aqui algumas palavras no que concerne a dualidade de


poder em particular e a política no geral. Para tal, recorreremos a
outros momentos da obra do autor. Desde a sua juventude, Marx
reflete sobre a separação entre esfera pública e privada, estado e
sociedade civil, ou melhor, o Estado político teria se transformado
em uma esfera abstrata e formal em contraposição a sociedade
civil a qual perdera “o conteúdo imediatamente político” . Não
existiria assim, uma unidade entre uma e outra esfera, mas uma
separação. Esta contraposição entre Estado e sociedade civil foi
possível graças ao desenvolvimento da propriedade privada e a
circulação de mercadorias que propiciaria a existência de uma
“vida privada livre” por um lado e uma esfera pública e abstrata
por outro, contraponto interesses públicos e privados. Neste
sentido, o interesse público aparece como uma formalidade,
representado abstratamente no Estado moderno, o qual não
contempla a vida material do povo; ou seja, o interesse universal
não abrange efetivamente o interesse particular, mostrando-se
assim como uma ilusão ou uma alienação política. Esta separação
faz com que a política não seja imediatamente social, mas
necessita de mediações para se realizar, na figura do Estado. Ora,
este programa de transição contido na Mensagem de 1850, o
político não é uma manifestação autônoma e separada da vida
material do “povo”, não é sujeito mais predicado da sociedade
civil, sua manifestação imanente.

Ora, poderíamos nos perguntar: o que permitiria esta separação


entre Estado e sociedade civil? Como seria possível um Estado
expressar formalmente conceitos mistificadores de liberdade e
igualdade assentado sobre uma sociabilidade nada igual e nada
livre? Esta esfera estatal seria produto de uma conspiração de
capitalistas que dominam o conjunto da sociedade através de
“ideologias” e manobras meramente políticas? Este Estado seria
capaz de fundar toda uma uma forma de sociabilidade?
Evidentemente não. Em O Capital, Marx mostrará que a
igualdade e liberdade jurídicas presentes no Estado Moderno, só
são possíveis porque os fundamentos para sua efetivação estão
postos na maneira como se desenvolve a produção e a
reprodução do capital sob o modo de produção capitalista. Neste
processo de reprodução, a liberdade e a igualdade aparecem
como inerentes às relações entre os agentes da esfera de
circulação de mercadorias e neste sentido a “esfera da circulação
ou do intercâmbio de mercadorias, dentro de cujos limites se
movimentam compra e venda de força de trabalho, era de fato
um verdadeiro éden dos direitos naturais do homem. O que aqui
reina é unicamente Liberdade, Igualdade, Propriedade e
Bentham” (3). Todavia, ao adentrar no mundo oculto da produção
será desvelada o segredo da produção de mais-valia, a
apropriação do trabalho excedente, o salário do trabalhador é
inferior ao valor por ele produzido, a troca de equivalentes será
transmutada em troca de não-equivalentes, cujo conteúdo é a
exploração e a apropriação de trabalho não pago.

Mas, conforme mostrará Marx nesta obra, em paralelo com a


extensão da miséria e da exploração reproduzida pelo capital com
a finalidade de ampliar a taxa de exploração do trabalho e assim
a mais-valia dele extorquida, também aumenta “a revolta da
classe trabalhadora, sempre mais numerosa, educada, unida e
organizada, pelo próprio mecanismo de produção
capitalista”(grifo nosso) (4). E conclui, “Lá tratou-se da
expropriação da massa do povo por poucos usurpadores, aqui
trata-se da expropriação de poucos usurpadores pela massa do
povo”(5). Desenvolve-se, assim, a dualidade de poder: por um
lado temos aquele poder oriundo do Estado e legitimado pela
esfera aparente da circulação de mercadorias, e por outro temos
aqueles novos organismos produto da organização e educação da
classe trabalhadora, os quais são engendrados pelo “próprio
mecanismo de produção capitalista”. Neste sentido, a dualidade
de poder não é um “tipo ideal”, nem tampouco uma construção
conceitual a priori a ser aplicada por um universo político
autônomo segundo uma receita pré-definida, mas ao contrário, é
o movimento imanente da classe operária, desenvolvimento
possível, cuja potencialidade já se encontra presente nas próprias
categorias do capital. Neste caso, a política e o poder são
predicados do proletariado em luta, o único sujeito capaz de
abalar os fundamentos da sociabilidade burguesa, a única classe
cujos interesses coincidem com o fim da propriedade privada dos
meios de produção e com a emancipação do homem no geral e
por isto, dirá Marx que “de todas as classes que hoje se
defrontam com a burguesia, apenas o proletariado é uma classe
revolucionária”. Este trecho do Manifesto será citado no desfecho
do Livro I d´O Capital, no exato momento da exposição em que é
anunciada a hora final do capitalismo, a “expropriação dos
expropriadores”, a revolução socialista, a “dissolução de toda esta
merda”.

Reforçando a nossa tese a respeito da reflexão de Marx sobre a


questão do partido, ele reflete sobre a participação do mesmo
nas eleições. Suas conclusões como sempre são claras e diretas,
ele diz que “ao lado dos candidatos burgueses democráticos
figurem em toda parte candidatos operários (…) mesmo que não
exista esperança alguma de triunfo, os operários devem
apresentar candidatos próprios para conservar a independência,
fazer uma avaliação de forças e demonstrar abertamente a todo
mundo sua posição revolucionária e os pontos de vista do
partido”. Tendo em vista tais indicações e a sua coerência com o
conjunto dos outros elementos até aqui analisados, questionamos
sobre a atuação daqueles partidos ditos “socialistas”, os quais, se
misturam e se confundem com os partidos tradicionais. Alianças e
mais alianças são realizadas mundo a fora, com as eternas
justificativas de luta contra o imperialismo e luta pela libertação
nacional, ou ainda, como uma etapa necessária para a revolução.
Marx vai além e diz que: “Ao mesmo tempo, os operários não
devem deixar-se enganar pelas alegações dos democratas de
que, por exemplo, tal atitude divide o partido democrático e
facilita o triunfo da reação. Todas essas alegações tem o objetivo
de iludir o proletariado. Os êxitos que o partido operário alcançar
com semelhante atitude independente pesam muito mais do que
os danos que possa ocasionar a presença de uns quantos
reacionários na assembleia representativa”.

O papel dos trabalhadores e pequenos proprietários vinculados a


terra não é negligenciado pelo autor d´O Capital no texto que ora
comentamos. Conforme indica lucidamente, o caráter
revolucionário dos camponeses em geral, não podem ir além da
propriedade privada. A reforma agrária, como ilustra Marx com o
caso da Revolução Francesa, conserva o proletariado agrícola e
cria “uma classe camponesa pequeno-burguesa, que passará pelo
mesmo ciclo de empobrecimento e endividamento progressivo”.
Segundo ele “tal como os democratas com os camponeses, os
operários têm de unir-se com o proletariado rural”. Refletindo
sobre a realidade brasileira, perguntamo-nos sobre os limites da
luta pela terra e em particular do MST.

Marx termina este importante e esquecido texto reafirmando uma


vez mais a revolução permanente. Destaca que a revolução
alemã deverá ser levada a cabo pelo próprio proletariado alemão,
e ainda que apareça como algo distante, seria certamente
acelerada por uma revolução iminente na França, e conclui:

“Mas têm de ser eles [alemães] próprios a fazer o máximo pela


sua vitória final, esclarecendo-se sobre os seus interesses de
classe, tomando o quanto antes a sua posição de partido
autônomo, não se deixando um só instante induzir em erro pelas
frases hipócritas dos pequeno-burgueses democratas quanto à
organização independente do partido do proletariado. Seu grito
de batalha tem de ser: a revolução permanente.”(grifo nosso)

Certamente muitos poderão questionar se o programa acima


comentado não dizia respeito a uma especificidade alemã ou
francesa, válida para um momento da história e inaplicável para
os períodos que se sucederam. Não negamos a necessidade de se
analisar as particularidades de cada momento e local e tampouco
negamos a necessidade de incorpora-las nos programas de cada
organização do proletariado. Todavia, é inegável que
independente destas, certos elemento são constituintes do
próprio capital enquanto tal. Nesse sentido, não é a situação
nacional ou local que define o caráter e o papel das classes
sociais, mas antes, a posição que elas ocupam no interior da
apropriação privada das forças produtivas. O caráter
permanentista da revolução socialista não é uma elaboração
tirada da cabeça de um filósofo, mas uma necessidade posta
objetivamente pelo caráter global do próprio capital. Neste
sentido, o caminho abstrato, mas real, apontado por Marx no
texto da Mensagem não é uma formula geral da revolução,
certamente pode ser adaptado, e o será, segundo as
circunstâncias impostas em cada momento histórico, mas isto
não elimina, sob nenhuma hipótese, os lineamentos gerais acima
expostos. Ainda vale mencionar que tais lineamentos não estão
presentes unicamente neste texto, mas no conjunto da obra do
pensador alemão. Os diversos elementos da teoria da revolução
permanente já aparecem na Ideologia Alemã, passando pela
célebre crítica a economia nacional de List em 1845, pelo
Manifesto Comunista, nos Grundrisse, nas atas e estatutos da
Associação Internacional dos Trabalhadores e, no interior de sua
grande obra, O Capital. Qual o caminho deste programa desde
Marx até os dias de hoje?

Como sabemos, na Revolução Russa de 1917 sob direção do


partido Bolchevique este programa, a luz das especificidades da
época, foi levado a cabo. Mantendo sua independência frente aos
partidos democráticos pequeno-burgueses mencheviques e
socialista revolucionário, e apoiado sobre o desenvolvimento
espontâneo da dualidade de poder através dos comitês de fábrica
e dos sovietes, o partido bolchevique conduziu a classe
trabalhadora ao poder. A luz desta experiência, os quatro
primeiros congressos da internacional comunista e
posteriormente Trotsky, no Programa de Transição,
desenvolveram de maneira cada vez mais determinada este
mesmo programa elaborado por Marx na Mensagem de 1850.
Como podemos ver, estes programas, não foram fruto de uma
mente brilhante, mas a sistematização teórica da experiência de
luta, dos caminhos e descaminhos do próprio proletariado. Na
esteira da revolução russa, os levantes da classe trabalhadora
varreram a Europa. Todavia, sob controle dos reformistas sociais-
democratas e com muita repressão, estes levantes foram
contidos. A revolução russa, isolada, em um país atrasado e
dilacerada pela guerra civil sofreu um profundo processo de
burocratização. A partir de então, em conformidade com os
interesses desta burocracia soviética novas teorias foram
elaboradas. A revolução permanente foi negada e em seu lugar
surgiu a revolução por etapas concomitante a teoria do
socialismo em um só país. As alianças ora eram negadas
unilateralmente, ora alimentadas ao extremo, sem qualquer
diferenciação com os partidos pequeno-burgueses. A dualidade
de poder passou a ser combatida e, em troca, os partidos
comunistas ora se aliavam aos burgueses e pequeno-burgueses
em frentes populares que buscavam conter a radicalização dos
trabalhadores, ora tentavam assaltar ao poder em meros golpes
descolados das massas trabalhadoras, como fora a título de
exemplo a “quartelada” brasileira em 1935.

Muitos revolucionários, decepcionados, partiram para a


elaboração de novos programas. Um exemplo notório neste
caminho é Antônio Gramsci. Negando os mecanismos de duplo
poder, os quais denominou guerra de movimento, elaborou uma
teoria baseada na tomada de posições no interior das instituições
da sociedade civil, uma conquista de hegemonia. Neste sentido,
Gramsci desconsiderou o problema da autodeterminação da
classe trabalhadora no interior do sistema produtivo,
transformando a luta pelo socialismo numa mera questão de
tomada do poder, realizada através da conquista de hegemonia
nas diversas instituições da sociedade civil (parlamento, escolas,
sindicatos etc...). Autonomizando a esfera política e fazendo crer
que o socialismo se constituiria através de medidas únicamente
institucionais e legais, tais concepções levaram muitas
organizações a se institucionalizarem, dentre as quais, podemos
citar, significativos setores do PT os quais desde a sua origem
foram profundamente influenciados por Gramsci. Outros,
refletindo sobre as experiências revolucionárias do século XX nos
limites e no interior da possibilidade do socialismo em um só
país, começaram a elaborar programas socialistas para o futuro,
medidas administrativas que permitiriam uma revolução nacional
“socialista” transitar para além do capital, como fez István
Mészáros.

Hoje, ironicamente, e tragicamente, no exato momento em que o


mercado se torna efetivamente global, quando o capital abrange
o conjunto dos países do mundo, quando o proletariado
concentra-se em proporções anteriormente inimagináveis na
China, vários declaram a falência do marxismo, ou a necessidade
de se construir um neosocialismo, ou ainda, o socialismo do
século XXI, que não se sabe por quem, nem como, será
efetivado.

Pensamos que, após a “feliz” queda da URSS e no bojo dos


acontecimentos que hoje, uma vez mais, mostram a
impossibilidade da humanidade continuar se desenvolvendo sob o
domínio do capital, é chegado a hora de rememorarmos o
“antigo” programa contido nesta Mensagem de Marx. Ao que nos
parece, ele nunca foi tão atual.

. (1850). Disponível
em: http://orientacaomarxista.blogspot.com/2008/09/mensagem-do-
comit-central-liga-dos.html

(2) A tradução do Editoral Boitempo deste mesmo texto, utiliza no


lugar de “vanguarda” o termo “a frente”. Pensamos que não existe
diferenças substanciais entre as duas traduções. Muito embora a
tradição burocrática vulgar tenha essencializado o significado de
vanguarda como um grupo estático, predestinado e que além de
direcionar a classe trabalhadora, quer substituí-la, para nós
vanguarda nada mais é do que a classe, o grupo, o partido, as
pessoas que estão à frente das lutas em um determinado momento.
Neste mesmo sentido, aponta Nahuel Moreno: “vanguarda é um
fenômeno, não um existente (um ser); quer dizer, diferente das
classes e superestruturas, a vanguarda não tem uma existência
permanente durante toda uma época. Na luta, os setores que estão á
frente são vanguarda. É um termo relativo. Seu próprio nome indica
que existe uma retaguarda. Nesse sentido geral, o partido é
vanguarda da classe operária; a classe operária é vanguarda de toda
a sociedade. Vamos à exemplos concretos: na França de 1936, o
movimento operário foi a vanguarda; porém em 1968, foi o
movimento estudantil. Na Argentina, de 1955 até 1966, foram os
operários metalúrgicos; em 1968, os estudantes. No Peru, sob a
ditadura de Hugo Blanco, os camponeses foram a vanguarda;
durante a presidência de Velasco Alvarado, foram os professores.”
(grifo nosso)

(3) O Capital. Livro I. Tomo I. São Paulo: Nova Cultural. Tradução de


Regis Barbosa e Flávio R. Kothe, 1985. p.145

(4) ibidem Tomo II p.294

(5) ibidem

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