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CASOS PRÁTICOS
Responda a ambas as questões seguintes, iniciando a resposta a cada questão em folha separada:
QUESTÃO 1 | Considere a seguinte informação, relativa a três obrigações, todas de um mesmo emitente empresarial
com sede num país da Área do Euro. Preços e yields estão reportados à data de hoje.
a) [1,25 valores] Calcule: (i) a taxa de juro de cupão da obrigação A; (ii) o preço unitário da obrigação B; e (iii) o
yield to maturity da obrigação C. Justifique, apresentando todos os cálculos.
Resolução
i.
A obrigação A tem valor nominal unitário de € 200 e prazo remanescente de 1 ano; por outro lado, à presente data (i.e., em
18-Jan-2023) a obrigação cota no mercado ‘ao par’, i.e. por € 200,00. No pressuposto de se tratar de uma obrigação
clássica, com cupão de periodicidade anual, a circunstância de a obrigação cotar ‘ao par’ determina que a taxa de juro de
cupão anual (𝑖𝑐 ) seja idêntica ao yield to maturity (YTM) anual. Como o YTM é igual a 4,00%, a taxa de juro de cupão
deverá ser também igual a 4,00% ao ano.
Fazendo uso da notação habitual, é:
𝐴
𝑖𝑐 × 200 200
𝐵0,1 = 200 = + [1]
(1 + 4,0%)1 (1 + 4,0%)1
em que a primeira parcela do somatório do 2.º membro identifica o valor (atualizado) do único cupão de juros remanes-
cente, a ser liquidado de hoje a 1 ano.
Resolvendo [1] em ordem a 𝑖𝑐 :
Anote-se que, embora pague um cupão de frequência anual, à data ‘0’ de referência (i.e., em 18-Jan-2023) a obrigação A
configura um genuíno cupão-zero, com valor de reembolso igual a € 208,00, uma vez que, até à maturidade, será liquidado
um único fluxo de caixa – dito de outro modo, a obrigação não gerará qualquer fluxo de caixa intercalar entre a data de
referência do cálculo (18-Jan-2023) e a data de vencimento (18-Jan-2024).
ii.
A obrigação B tem a configuração de um cupão-zero com valor nominal unitário de € 250 e prazo remanescente de 2 anos.
Para um YTM anual de 4,5%, o preço de mercado de B virá:
𝐵
250
𝐵0,2 = = 228,9325 ≈ € 228,93 [3]
(1 + 4,5%)2
iii.
A obrigação C também tem a configuração de um cupão-zero, com valor nominal unitário de € 500 e prazo remanescente
𝐶
de 3 anos. Para um preço de mercado de € 431,92, o YTM implícito nesse preço (𝑦0,3 ) decorre da expressão:
500
431,92 = 3 [4]
𝐶
(1 + 𝑦0,3 )
𝐶
Resolvendo [4] em ordem a 𝑦0,3 :
⁄3
𝐶
500 1
𝑦0,3 = ( ) − 1 = 0,049999 ≈ 5,00% [5]
431,92
Em conclusão, o mercado avalia a obrigação C impondo ao emitente um YTM anual de 5,0 por cento.
b) [1,25 valores] Considere que, na Área do Euro, o yield to maturity do benchmark de referência mais utilizado
para avaliar obrigações isentas de risco de crédito com maturidade de 1 ano é, na presente data, igual a 1,30%,
em base anual. Calcule a probabilidade de default implícita no preço de mercado da obrigação A. Justifique,
apresentando todos os cálculos.
Resolução
Assumamos que o YTM do emitente benchmark é igualmente derivado com base num cupão-zero com prazo de 1 ano.
Este yield, igual a 1,3% ao ano, servirá então para determinar o prémio de risco de crédito e a ‘probabilidade de
incumprimento’ (Probability of Default, PD) de obrigações, com prazo idêntico, que ofereçam exposição a risco de crédito.
A obrigação A cota a um YTM de 4,0%, o que equivale um preço ‘ao par’, i.e. € 200,00. Para todos os efeitos, e uma vez
que paga um único fluxo de caixa na maturidade (a 1 ano), podemos tratar A como um cupão-zero com prazo de 1 ano e
valor de reembolso igual a € 208,00 – o que determina aquele preço de € 200,00.
Caso a obrigação A fosse emitida pelo emitente benchmark, o justo valor de A viria:
𝑏𝑒𝑛𝑐ℎ𝑚𝑎𝑟𝑘
208,00
𝐵0,1 = = 205,3307 ≈ € 205,33 [6]
(1 + 1,3%)1
Assumindo que o emitente benchmark beneficia de uma PD nula e dado que A cota a € 200,00, a PD intrinsecamente
associada a este preço, com referência ao prazo remanescente de 1 ano, será dada pela expressão:
200,00
𝑃𝐷 𝐴 = 1 − = 1 − 0,9740 = 0,026 = 2,6% [7]
205,33
Em conclusão, à presente data (18-Jan-2023) o mercado atribui à obrigação A uma PD anual de 2,6% – à qual corresponde
uma ‘probabilidade de solvência’ de 97,4%.
c) [1,25 valores] Hoje, um investidor compra 10 unidades de A e 10 unidades de B. O mesmo investidor pretende
vir a reinvestir o capital acumulado na maturidade de cada obrigação, até 18 de Janeiro de 2026, para esse efeito
de novo comprando cupões-zero do mesmo emitente (ou de outros emitentes com idêntico grau de risco de cré-
dito). Caso o investidor formule expectativas perfeitamente alinhadas com o consenso de mercado derivável à
luz da ‘Teoria das Expectativas Puras’, qual o valor futuro do capital esperado com referência a 18 de Janeiro de
2026? Passo a passo, explicite os pressupostos assumidos e, no final, comente os resultados.
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O investidor adquire, em 18-Jan-2023, 10 unidades de A e 10 unidades de B. Conhecidos os preços de mercado das duas
obrigações, o capital investido na presente data (𝐾0 ) é igual a:
𝐴 𝐵
𝐾0 = 𝑄 𝐴 × 𝐵0,1 + 𝑄 𝐵 × 𝐵0,2 = 10 × 200,00 + 10 × 228,93 = € 4 289,30 [8]
Note-se, contudo, que esta estratégia envolve exposição a risco de reinvestimento, dado que o horizonte temporal de
cálculo do valor futuro esperado do capital acumulado tem como término a data de 18-Jan-2026 – i.e, 2 anos após a
maturidade de A e 1 ano após a maturidade de B.
De modo a completar o horizonte temporal desejado de 3 anos, o investidor:
(i) em 18-Jan-2024, após receber o valor de reembolso final de A (igual a € 208,00 por obrigação), reinvestirá tal montante
na aquisição de um cupão-zero com maturidade a 2 anos – do mesmo emitente ou de outros emitentes com idêntico grau de
risco de crédito, i.e. por hipótese com rating ‘BBB’ –, que manterá em carteira até 18-Jan-2026;
(ii) em 18-Jan-2025, após receber o valor de reembolso final de B (igual a € 250,00), reinvestirá esse mesmo montante na
aquisição de um cupão-zero com prazo de 1 ano – do mesmo emitente ou de outro com rating ‘BBB’ –, que manterá em
carteira até 18-Jan-2026.
Caso formule expectativas perfeitamente alinhadas com o consenso de mercado derivável à luz da ‘Teoria das Expectativas
Puras’(TEP), o investidor (hoje) esperará poder reinvestir (no futuro) os valores de reembolso referidos supra em (i) e (ii)
às taxas de juro futuras relevantes que sejam deriváveis com base na presente spot yield curve (SYC) de mercado.
Conforme resulta dos dados facultados e da resposta iii. ao pedido a), a SYC é formada pelos spot yields implícitos nas 3
obrigações, com risco de crédito homogéneo (rating ‘BBB’):
𝑆0,1 = 4,0%
𝑆0,3 = 5,0%
Nestes termos, o investidor esperará poder, de hoje a 1 ano – i.e., em 18-Jan-2024 –, reinvestir o valor de reembolso do lote
de obrigações A (igual a € 2 080,00 = 10 × € 208,00) pelo prazo remanescente de 2 anos, à taxa de juro futura esperada
𝐹1,3 , implícita na SYC especificada em [9]. Computando 𝐹1,3 à luz da TEP:
3 1⁄2 1⁄2
(1 + 𝑆0,3 ) (1 + 5%)3
𝐹1,3 = [ 1] −1 = [ ] − 1 = 5,5036% [10]
(1 + 𝑆0,1 ) (1 + 4%)1
Admitindo o reinvestimento do montante de € 2 080,00 entre 18-Jan-2024 e 18-Jan-2026 (i.e., pelo prazo de 2 anos) à taxa
de juro futura 𝐹1,3 , o respetivo valor futuro associado (𝐾3𝐴 ) será dado por:
No tocante ao reinvestimento do valor de reembolso do lote de obrigações B, o mesmo terá lugar em 18-Jan-2025, pelo
prazo de 1 ano. Para o efeito, é necessário computar a taxa de juro futura esperada 𝐹2,3 , implícita na SYC:
3
(1 + 𝑆0,3 ) (1 + 5,0%)3
𝐹2,3 = [ 2] −1 = [ ] − 1 = 0,0600719 ≈ 6,0072% [12]
(1 + 𝑆0,2 ) (1 + 4,5%)2
Então, reinvestindo o valor de reembolso das 10 obrigações B, no montante total de € 2 500,00 (= 10 × € 250,00) entre as
datas de 18-Jan-2025 e 18-Jan-2026 (i.e., pelo prazo de 1 ano) à taxa de juro futura 𝐹2,3 , obtém-se o valor futuro (𝐾3𝐵 ):
Somando os resultados obtidos para 𝐾3𝐴 e 𝐾3𝐵 , disponíveis em [11] e [13], tem-se:
Sob os pressupostos assumidos, o investimento inicial de € 4 289,30 (realizado em 18-Jan-2023) dará origem, decorridos
exatamente 3 anos, a um valor futuro igual a € 4 965,43 (em 18-Jan-2026).
O holding period return esperado no mesmo horizonte temporal de 3 anos virá, em base anualizada:
⁄3
4 965,43 1
ℎ𝑝𝑟0,3 = ( ) − 1 = 0,050002 ≈ 5,0% [15]
4 289,30
O resultado obtido em [15] é plenamente consistente com a SYC derivada à luz da TEP. Assim, o investidor esperará que o
investimento num portfolio composto por 10 unidades de A e 10 unidades de B seja remunerado ao spot yield to maturity
que o mercado presentemente (i.e., em 18-Jan-2023) estabelece para o prazo de 3 anos (𝑆0,3 ), igual a 5% ao ano. Em rigor,
o investidor está a substituir um (hipotético) investimento único na obrigação C (com prazo de 3 anos), por uma combi-
nação entre A e B – com prazos de 1 e 2 anos, posteriormente complementados por reinvestimentos que permitam perfazer
um horizonte total de 3 anos. Nesta medida, o resultado [15] confirma que, para investidores que revelem neutralidade face
a riscos de mercado, obrigações de cupão-zero com prazos distintos são perfeitamente substituíveis entre si.
d) [1,25 valores] Comente a seguinte afirmação: «No caso da obrigação A, a partir de 19 de Janeiro de 2023 e até à
maturidade, o clean price divergirá do dirty price. Todavia, tal não ocorrerá com as obrigações B e C.»
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Para a obrigação A, tem sentido a distinção entre clean price e dirty price, este dado pela soma do clean price com o ‘juro
de cupão corrido’ (accrued coupon interest) acumulado desde a mais recente data de reinicialização do cupão. À data de
18-Jan-2023, clean price e dirty price coincidem entre si, dado que na mesma data terá sido liquidado o mais recente (e
penúltimo) cupão de juros. Todavia, 1 dia depois – i.e., em 19-Jan-2023 – e fazendo uso, por simplicidade, da day count
convention ‘30/360’, será contado um dia de ‘juro corrido’ por obrigação, no valor de € 0,02(2) (= 200 × 4% × 1/360); 2
dias depois, o ‘juro corrido acumulado será igual a € 0,04(4) (= 200 × 4% × 2/360); meio ano depois (i.e., em 18-Jul-2023),
o ‘juro corrido’ acumulado totalizará € 4,00 (= 200 × 4% × 180/360); por fim, na maturidade e imediatamente antes do
pagamento do último cupão (i.e., em 18-Jan-2024), o ‘juro corrido’ igualará o valor integral do cupão anual (i.e.,
€ 8,00 = € 200 × 4% × 360/360). Consequentemente, qualquer que seja o clean price – este dependente, a cada momento,
do yield que o mercado estabeleça para avaliar a obrigação – à medida que o prazo entre 19-Jan-2023 e 18-Jan-2024
decorra, o hiato entre o dirty price e o clean price irá aumentando, cada dia que passe, à luz da convenção ‘30/360’. Tal
divergência ocorrerá, qualquer que seja a day count convention aplicável.
No caso das obrigações B e C, não se aplica a distinção entre clean price e dirty price, dado que ambas têm a natureza de
cupões-zero; não existindo cupão periódico de juros, não ocorrerá qualquer contagem de ‘juro corrido’, pelo que o respeti-
vo preço deve ser sempre entendido na aceção de clean price.
QUESTÃO 2 | Os bancos ‘ABC’ e ‘XYZ’ têm sede em Portugal. A tabela infra contém informação recolhida das
respetivas demonstrações financeiras, com referência ao exercício anual findo em 31 de Dezembro de 2022.
a) [1,25 valores] Com recurso a indicadores de base contabilística, compare os dois bancos em termos de (i) estru-
tura patrimonial e (ii) rendibilidade. Apresente todos os cálculos e comente os resultados. [NOTA | Calcule
tantos indicadores quantos os que entender necessários.]
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Os dados disponibilizados são consentâneos com o cômputo de uma multiplicidade de indicadores suscetíveis de permitir a
comparação entre os dois bancos em matéria de (i) estrutura patrimonial e (ii) rendibilidade.
Uma primeira observação dos dados disponíveis permite concluir que os dois bancos têm dimensões diferentes e mantêm
estratégias de negócio distintas. De modo a permitir uma comparação direta entre ambas as instituições, o recurso a rácios
prefigura-se adequado.
A tabela infra inventaria uma bateria (não exaustiva) de rácios, cujo cômputo e análise serão suscetíveis de permitir
formular uma resposta ao pedido.
6 6 6 6
EUR 10 EUR 10 % do EUR 10 EUR 10 % do
denominador denominador
i. estrutura patrimonial
Equity-to-Assets (ETA) 9 284 90 977 10,2 10 609 82 953 12,8
Liquidity-to-Assets (LTA) 7 796 90 977 8,6 7 492 82 953 9,0
Banking-Book-to-Assets (BBTA) 53 044 90 977 58,3 66 900 82 953 80,6
Banking-Book-to-Deposits (BBTD) 53 044 69 560 76,3 66 900 57 744 115,9
Trading-Book-to-Assets (TBTA) 30 137 90 977 33,1 8 561 82 953 10,3
ii. rendibilidade
Return on Equity (ROE) 305 9 284 3,3 613 10 609 5,8
Return on Assets (ROA) 305 90 977 0,3 613 82 953 0,7
Net Operating Income to Assets (NOITA) 1 975 90 977 2,2 1 675 82 953 2,0
b) [1,25 valores] Para cada banco, calcule o ‘rácio de adequação global de fundos próprios’ (RAGFP) e avalie o
excesso (ou défice) de ‘Fundos Próprios Totais’, assumindo que o quadro regulatório em vigor estabelece um
mínimo de 13,5 por cento para o RAGFP. Apresente todos os cálculos e comente os resultados.
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Por definição, o RAGFP define-se como o rácio entre ‘Fundos Próprios Totais’ e o valor do agregado ‘Ativos Ponderados
pelo Risco’ (Risk-Weighetd Assets, RWA), este por sua vez envolvendo três fontes de risco: (i) risco de crédito, (ii) risco de
mercado e (iii) risco operacional. Isto é, para um dado banco i:
𝑇𝑖𝑒𝑟 1𝑖 + 𝑇𝑖𝑒𝑟 2𝑖
𝑅𝐴𝐺𝐹𝑃𝑖 = [1]
𝑅𝑊𝐴 𝑇𝑜𝑡𝑎𝑙𝑖
em que:
em que as siglas RWARC, RWARM e RWARO identificam, para um dado banco i e pela mesma ordem, os agregados
‘Risk-Weighted Assets’ associados a exposições a (i) risco de crédito, (ii) risco de mercado e (iii) risco operacional.
Os dados disponibilizados permitem, por consulta direta, obter, para os bancos ‘ABC’ e ‘XYZ’, os valores respeitantes ao
capital primário (Tier 1) e ao capital secundário (Tier 2), bem como os montantes RWA imputáveis a risco de mercado e a
risco operacional.
Assim, previamente ao cômputo do RAGFP, há que determinar o montante RWARC respeitante a cada banco.
Atendendo à informação constante da tabela de dados, para o banco ‘ABC’ temos:
Tendo em consideração que o quadro regulatório vigente impõe um nível mínimo de 13,5% para o RAGFP (RAGFPmin), os
resultados [5] e [6] confirmam que os dois bancos cumprem aquele requisito, registando um exesso de fundos próprios face
ao valor mínimo estabelecido no quadro regulatório.
Tal excesso de fundos próprios face aos requisitos mínimos (𝑅𝑀𝐹𝑃𝑖 ) pode ser apurado através da seguinte formulação:
em que:
𝐸𝑥𝑐𝑒𝑠𝑠𝑜/𝐷é𝑓𝑖𝑐𝑒 𝐹𝑃𝐴𝐵𝐶 = 7 222 − (39 353,9 × 13,5%) = 7 220 − 5 312,8 = 1 909,2 [9]
𝐸𝑥𝑐𝑒𝑠𝑠𝑜/𝐷é𝑓𝑖𝑐𝑒 𝐹𝑃𝑋𝑌𝑍 = 6 350 − (38 445,0 × 13,5%) = 6 350 − 5 190,1 = 1 159,9 [10]
Em conclusão, os resultados obtidos em [9] e [10] revelam que ambos os bancos mantêm fundos próprios excedentários
face ao mínimo regulatório exigido.
NOTA | Em complemento à resposta ao pedido a), confirma-se que o rácio ‘Equity-to-Assets’ (ETA) não é, no caso em
análise, um indicador inteiramente fidedigno do nível de solvência de um banco. Com efeito, embora o rácio ETA sugira
que o banco ‘XYZ’ está superiormente capitalizado, o respetivo RAGFP é inferior ao do banco ‘ABC’. Este é um dos
handicaps inerentes à utilização de indicadores de base estritamente contabilística, que tendem a não captar adequadamente
os riscos de negócio a que um banco se expõe na sua atividade.
c) [1,25 valores] O ‘ABC’ acaba de contratar a alienação ao ‘XYZ’ de parte da carteira de ‘crédito à habitação a
particulares’. A transação será realizada pelo valor inscrito no Balanço do ‘ABC’, no montante de EUR 5 000
milhões (valor líquido de provisões e imparidades). O pagamento será ainda hoje efetuado, por transferência de
fundos do ‘XYZ’ a favor do ‘ABC’, via contas de depósito que ambos mantêm junto do Banco Central.
Para cada banco: (i) identifique as categorias do Balanço impactadas pela transação e quantifique o seu novo
valor; (ii) calcule o RAGFP após a transação; e (iii) reavalie a adequação dos ‘Fundos Próprios Totais’. Passo a
passo, explicite os pressupostos assumidos e, no final, comente os resultados.
Resolução
i.
A transação em análise corresponde a um mero contrato de compra e venda, com pagamento ‘a pronto’, cujo objeto é a
cedência de uma carteira de empréstimos pelo banco ‘ABC’(vendedor) ao banco ‘XYZ’ (comprador). Na medida em que o
pagamento consiste na transferência de meios de pagamento, por ‘XYZ’, a favor de ‘ABC’, a transação implicará, tão só,
uma alteração qualitativa na composição do Balanço de cada um dos bancos, em perfeita simetria. A tabela seguinte dá
conta do impacto da mesma transação nas grandezas do Ativo afetadas.
Impacto no Balanço | Transferência parcial da carteira de crédito à habitação do banco ‘ABC’ para o banco ‘XYZ’
EUR 106 EUR 106 EUR 106 EUR 106 EUR 106 EUR 106
Ativo
Liquidez (depósitos à ordem no Banco Central) 7 796 + 5 000 12 796 7 492 – 5 000 2 492
Banking Book
do qual: Crédito à habitação a particulares 23 614 – 5 000 18 614 40 935 + 5 000 45 935
…
Ativo total, líquido 90 977 0 90 977 82 953 0 82 953
Em termos instantâneos, a transação não terá impacto na ‘Demonstração de Resultados’ (DR) de ambos os bancos.
Todavia, a posteriori, é admissível a ocorrência diferida de impactos diferenciados na DR de cada um dos bancos, tudo
dependendo do desempenho futuro das carteiras de ativos de cada um dos bancos, em função da sua nova composição.
NOTA | O valor líquido de Balanço da carteira de empréstimos inicialmente detida pelo banco ‘ABC’ necessariamente
incluirá o reconhecimento de imparidades (deduzidas ao valor bruto das exposições), nos termos da norma contabilística
IFRS 9. Estando ambos os bancos sujeitos à mesma norma, é razoável pressupor que o banco ‘XYZ’ não proceda, com
referência aos empréstimos transferidos, ao cômputo de imparidades distintas da que se encontrassem ab initio reconhe-
cidas no Balanço do banco ‘ABC’. Caso não seja esse o caso, o impacto no Balanço de ambos os bancos perderia a ‘sime-
tria perfeita’ imanente à tabela supra; p.e, caso o banco ‘XYZ’ decida reforçar o nível de imparidades associadas à carteira
transferida, o impacto na categoria ‘Crédito à habitação a particulares’ no banco ‘XYZ’ seria, em valor absoluto, inferior à
variação (negativa) na categoria homónima do Balanço do banco ‘ABC’; a correspondente diferença teria, então, que ser de
imediato reconhecida na DR do banco ‘XYZ’, dando origem a uma perda (por aumento de imparidades), com impacto
negativo nos resultados líquidos e no valor do ‘Capital próprio’. No mundo real, porém, seria provável que os dois bancos
procedessem ao reconhecimento de imparidades distintas – como bem reza o ditado popular, “a cada cabeça, sua sentença.”
ii.
A transação em análise terá óbvias implicações nos RAGFPs de ambos os bancos. Desde logo, assim será no respeitante ao
agregado RWARC (RWA imputável a exposições a risco de crédito); mas, também, no tocante ao agregado RWARO
(RWA imputável a exposições a risco operacional). Sendo que o agregado RWARM (RWA imputável a exposições a risco
de mercado) não sofrerá sofrerá qualquer impacto resultante da mesma transação.
É razoável pressupor que os dois bancos apliquem idênticos coeficientes RWA às exposições a risco de crédito objeto da
transação. Com efeito, os parâmetros RWA são estabelecidos pelo quadro legal, não dependendo a sua fixação da
discricionariedade de cada instituição. Se assim for, como adiante veremos, a transação implicará variações simétricas (i.e.,
de sinal oposto), todavia de idêntico valor absoluto, no agregado RWARC de cada um dos bancos.
No banco ‘ABC’, previamente à transação de parte da carteira de crédito à habitação a particulares, o RWARC especifica-
𝑐ℎ
mente alocado à carteira global de crédito à habitação (𝑅𝑊𝐴𝑅𝐶𝐴𝐵𝐶 ) totalizava (em milhões de euros):
𝑐ℎ
𝑅𝑊𝐴𝑅𝐶𝐴𝐵𝐶 = 23 614 × 40% = 9 445,60 [11]
Dado que a carteira alienada pelo banco ‘ABC’ ao banco ‘XYZ’ envolve o montante de 5 000 milhões de euros, e admi-
tindo que o ponderador RWA médio da carteira transferida é idêntico ao da carteira global – i.e., igual a 40% –, é possível
𝑐ℎ
estimar que, em relação à carteira de facto transacionada, a variação (negativa) no 𝑅𝑊𝐴𝑅𝐶𝐴𝐵𝐶 seja igual a:
𝑐ℎ
∆ 𝑅𝑊𝐴𝑅𝐶𝐴𝐵𝐶 = −5 000 × 40% = −2 000 [12]
Simetricamente, no banco ‘XYZ’, e admitindo que, por imposição do quadro regulatório, este aplica ponderadores RWA
idênticos aos usados pelo banco ‘ABC’ na aferição do risco de crédito das exposições transferidas, o incremento no respe-
𝑐ℎ
tivo 𝑅𝑊𝐴𝑅𝐶𝑋𝑌𝑍 será igual a:
𝑐ℎ
∆ 𝑅𝑊𝐴𝑅𝐶𝑋𝑌𝑍 = +5 000 × 40% = +2 000 [13]
Passemos agora ao impacto da transação sobre o agregado RWARO de cada um dos bancos.
O cálculo do RWARO em cada banco é indissociável da estratégia de negócio de cada banco, ainda que o quadro regula-
tório aplicável seja comum a todos os bancos. Por outro lado, é admissível que cada banco calcule o RWARO adstrito à
respetiva carteira de crédito à habitação a particulares de modo distinto – p.e., tendo em consideração a ocorrência, no
passado, de eventos de perda por risco operacional associáveis ao mesmo segmento de negócio.
Segundo os dados disponibilizados, previamente à transação o banco ‘ABC’ computava um valor RWARO alocável à
𝑐ℎ
carteira de crédito à habitação (𝑅𝑊𝐴𝑅𝑂𝐴𝐵𝐶 ) no montante de 2 975 milhões de euros. Em proporção do valor de Balanço da
mesma carteira, teríamos, em termos médios:
𝑐ℎ
𝑅𝑊𝐴𝑅𝑂𝐴𝐵𝐶 = 2 975 = 23 614 × 𝜌𝐴𝐵𝐶 [14]
2 975
𝜌𝐴𝐵𝐶 = = 0,12598 ≈ 12,6% [15]
23 614
𝑐ℎ
Grosso modo, tal significa que, em média, o 𝑅𝑊𝐴𝑅𝑂𝐴𝐵𝐶 alocado à carteira de crédito à habitação (pré-transação) pelo
banco ‘ABC’ representa cerca de 12,6% do valor líquido de Balanço total atribuído à mesma carteira.
Aplicando lógica similar ao banco ‘XYZ’:
𝑐ℎ
𝑅𝑊𝐴𝑅𝑂𝑋𝑌𝑍 = 1 721 = 40 935 × 𝜌𝑋𝑌𝑍 [16]
1 721
𝜌𝑋𝑌𝑍 = = 0,04204 ≈ 4,2% [17]
40 935
𝑐ℎ
O resultado [17] significa que, em média, o 𝑅𝑊𝐴𝑅𝑂𝑋𝑌𝑍 alocado à carteira de crédito à habitação (pré-transação) pelo
banco ‘XYZ’ representa cerca de 4,2% do valor líquido de Balanço atribuído à mesma carteira.
Então, com referência à transação e assumindo que os coeficientes 𝜌𝐴𝐵𝐶 e 𝜌𝑋𝑌𝑍 se mantêm constantes após a consumação
da transação, teríamos:
𝑐ℎ
∆ 𝑅𝑊𝐴𝑅𝑂𝐴𝐵𝐶 = −5 000 × 12,6% = −630 [18]
𝑐ℎ
∆ 𝑅𝑊𝐴𝑅𝑂𝑋𝑌𝑍 = +5 000 × 4,2% = +210 [19]
Os resultados [18] e [19] refletem a incidência distinta de exposição a eventos de risco operacional nos dois bancos, com
referência a um mesmo segmento de negócio – a concessão de crédito a particulares para aquisição de habitação.
Nestes termos, é agora possível avançar para a avaliação do impacto da transação no valor do RWA total em cada banco. A
Tabela seguinte sintetiza os resultados e procede ao recálculo do RAGFP em ambos os bancos.
Impacto no RAGFP | Transferência parcial da carteira de crédito à habitação do banco ‘ABC’ para o banco ‘XYZ’
EUR 106 EUR 106 EUR 106 EUR 106 EUR 106 EUR 106
Fundos próprios
[a] Tier 1 6 457,0 0,0 6 457,0 5 750,0 0,0 5 750,0
[b] Tier 2 765,0 0,0 765,0 600,0 0,0 600,0
[c] Fundos próprios totais | [c] = [a] + [b] 7 222,0 0,0 7 222,0 6 350,0 0,0 6 350,0
Ativos ponderados pelo risco (RWA)
[d] imputável a exposições a risco de crédito 33 283,9 – 2 000,0 35 139,0 +2 000,0 37 139,0
[e] imputável a exposições a risco de mercado 1 947,0 0 1 947,0 494,0 0 494,0
[f] imputável a exposições a risco operacional 4 123,0 – 630,0 3 523,0 2 812,0 + 210,0 3 022,0
[g] RWA Total | [g] = [d] + [e] + [f] 39 353,9 – 2 630,0 36 723,9 38 445,0 + 2 210,0 40 655,0
Rácio de adequação global de fundos próprios
[h] RAGFP | [h] = [c] ÷ [g] 18,35% __ 19,67% 16,52% __ 15,62%
Idem, variação (pontos-percentuais) __ __ + 1,32% __ __ – 0,87%
iii.
Os resultados apurados na tabela supra confirmam que, após a transação entre os bancos ‘ABC’ e ‘XYZ’, ambos se
mantêm em situação de cumprimento com o mínimo regulatório de 13,5% para o RAGFP. Todavia, enquanto o banco
‘ABC’ reforça o seu RAGFP em 1,32 pontos percentuais, o oposto ocorre com o banco ‘XYZ’, cujo RAGFP desce de
16,52% para 15,62% (i.e. uma variação de –0,87 pontos percentuais). Estes resultados não devem supreender: a transfe-
rência de parte da carteira de crédito à habitação a particulares alivia as exposições do banco ‘ABC’ a risco de crédito e a
risco operacional, mas induz efeitos em sentido oposto no banco ‘XYZ’. O impacto total não é exatamente simétrico –
aliás, é mais intenso no banco ‘ABC’ do que no banco ‘XYZ’ –, em resultado dos pressupostos assumidos no respeitante
ao cômputo do RWARO afeto à cobertura dos riscos operacionais inerentes aos créditos transferidos entre os dois bancos –
rever, a propósito, as expressões [14] a [19] supra.
d) [1,25 valores] Comente a seguinte afirmação: «A variabilidade ao longo do tempo de certas categorias do Ativo
do Balanço de um banco está associada ao modelo de negócio definido para cada ativo financeiro detido, em
decorrência da norma contabilística ‘IFRS 9’.»
Resolução
O Balanço de um banco é dominantemente constituído por ativos e passivos com a natureza de instrumentos de rendimento
fixo – p.e., depósitos de clientes, depósitos do banco junto de outros bancos ou do Banco Central, obrigações emitidas,
empréstimos concedidos a clientes, obrigações soberanas ou empresariais detidas em carteira, etc. Nos termos da norma
contabilística IFRS 9, tais ativos (passivos) satisfazem, em geral, o denominado ‘critério SPPI’ (acrónimo da expressão
‘Solely Payments of Principal and Interest’). Validado tal critério, um banco dispõe de opções adicionais para a mensu-
ração do valor de Balanço de tais ativos (passivos) financeiros, tudo dependendo do modelo de negócio a priori
estabelecido para cada ‘ativo SPPI’ (ou ‘passivo SPPI’).
Assim, caso um banco decida gerir um ativo (passivo) sob um modelo de negócio do tipo ‘Hold-to-Collect’ (HTC), a
mensuração desse ativo (passivo) deve seguir o critério do ‘custo amortizado’, segundo o qual o respetivo valor de Balanço
depende da taxa de rendibilidade (yield) implícita no preço de aquisição ou de originação associado ao reconhecimento
inicial no Balanço – e não de uma taxa de rendibilidade ou de um preço em cada momento definidos pelo mercado.
Opostamente, caso um ativo (passivo) seja, em alternativa, gerido sob uma lógica de negócio ‘Hold-to-Trade’ (HTT) ou
‘Hold-to-Collect-and-Sell’ (HTCS), a respetiva mensuração processa-se segundo o critério do ‘justo valor’, o qual coin-
cide, em regra, com o preço corrente do ativo (passivo) no respetivo mercado de transação, em cada momento do tempo.
Mais simplesmente, enquanto o valor de Balanço de um ativo (passivo) gerido em base HTC não depende dos preços de
mercado correntes, o valor de Balanço de um ativo (passivo) gerido em base HTT ou em base HTCS depende dos preços
de mercado correntes. Como os mercados são dinâmicos, os preços tendem a oscilar constantemente – i.e., em cada mês,
dia, hora, minuto, segundo ou, até, milisegundo. Por tal razão, ativos (passivos) geridos em base HTC beneficiam, em
regra, de superior estabilidade e previsibilidade do respetivo valor de Balanço ao longo do tempo; opostamente, ativos
(passivos) geridos em base HTT ou em base HTCS tendem a evidenciar valores de Balanço mais instáveis, cuja amplitude
de oscilação depende da volatilidade dos mercados e das caraterísticas contratuais dos instrumentos em causa.