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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS
MESTRADO EM ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS DA UFRN
Disciplina de Abordagens sobre Cidades e Dinâmica Urbana

ENSAIO SOBRE A PRODUÇÃO DO ESPAÇO DE LEFEBVRE EM


DIÁLOGO COM OUTRAS TEORIAS DA OBSERVAÇÃO ESPACIAL:
enfoques sobre a dimensão de percepção ambiental.

Professor Dr. Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva


Docente do Programa de Pós-Graduação em Estudos
Urbanos e Regionais – PPEUR, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Francisco Caio Bezerra de Queiroz


Mestrando do Programa de Pós-Graduação em
Estudos Urbanos e Regionais – PPEUR, da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

RESUMO
A contribuição de Lefebvre para o entendimento dos desdobramentos das relações sociais no
espaço foi um divisor de águas no pensamento desse tema. Até 1970, os métodos e
objetivações teóricas se debruçavam sobre um modelo de espaço enrijecido e estático. O
autor rompe esse pragmatismo imposto e nos apresenta uma dialética do espaço, entendendo
agora este como um produto das ações sociais. Diante do exposto, o presente trabalho tem
por objetivo realizar um recorte teórico sobre a produção do espaço, focando nas delimitações
propostas por Lefebvre (2000), bem como agregando outras teorias de análise espacial que
complementem as observações possíveis a partir deste modelo teórico. É importante
dimensionar a pretensão do presente texto, cujo intento não é elucidar todos os pontos da
referida observação, mas, em certo limiar, entender quais contornos se sobrepõem a outros
conhecimentos postulados que possam, de forma preliminar – e por que não, superficial – nos
fornecer caminhos para o aprofundamento do debate. Este está desenvolvido sobre uma
metodologia de análise narrativa. Com o trabalho foi possível realizar uma compreensão
preliminar sobre a referida teoria, aprofundando-se em conceitos, bem como evidenciando
algumas teorias de contato, como a teoria do desenho urbano de Del Rio (1990), da análise
visual de Cullen (1983) e da imagem da cidade de Lynch (1982).
INTRODUÇÃO
O debate sobre a produção do espaço e suas nuances é recente. Teóricos como Henri
Lefebvre, em seu livro A Produção do Espaço, se esforçaram para construir modelos teóricos
que norteassem as discussões sobre tal tema. O fato é que as ciências sociais se
apresentaram como modelo científico e metodológico – diga-se com bastante desprezo pelas
ciências naturais – ainda recente.
As considerações a respeito da produção do espaço iniciaram quando ocorreu a
mudança no entendimento sobre o espaço social e o tempo social – esse não mais um
resultado da natureza, de sua modificação ou associada como um simples fato da cultura,
mas um produto de relações. Schmid (2012) explica que até 1970 as questões relacionadas
às interpretações do espaço não atingiam o campo central do debate. A “virada espacial”
estaria ligada
aos processos combinados de urbanização e globalização: novas geografias
se desenvolveram em todas as escalas. Essas novas configurações espaço-
temporais que determinam o nosso mundo clamam por novos conceitos de
espaço correspondentes às condições sociais contemporâneas (SCHMID,
2012, p. 89-90).

É importante citar que, como coloca Lefebvre (2000), as considerações sobre a


produção do conhecimento já estavam em evidência, sobretudo as questões urbanas – e as
quais essa área se estende, também – mas que enfrentavam uma “cegueira” para muitos que
optavam por olhares alhures. O espaço, conceito amplo, foi por muito tempo limitado às
questões geométricas e às delimitações das ciências naturais, e que apresentavam apenas
uma descrição dele.
Lefebvre (2000) nos apresenta uma definição de espaço que rompe com as
delimitações teóricas anteriores e é capaz de reunir as dimensões culturais, mentais
(psíquicas), sociais e históricas, constituídas e reconstituídas em um processo interativo e
complexo por meio da descoberta (seja por intermédio de novos espaços, do desconhecido,
por outras noções ou conhecimentos), produção (resultado pela própria conformação de cada
sociedade) e criação (pelas obras, as paisagens, dentre outros aspectos visuais).
O autor agrega, como próprio cenário da produção do conhecimento que se insere, a
dimensão temporal ao tema, ou seja, há uma influência do tempo em sua conformação,
demonstrando a existência de uma história do espaço. Diante dessa conceituação, é possível
observar que os espaços são individuais à sua sociedade e, no entanto, possuem certa
uniformidade entre si, a qual ele denominou da forma geral da simultaneidade, evidenciando
a justaposição entre os elementos materiais e sua interação com as relações mentais. Em
aprofundamento, o conceito de espaço social é fatiado do conceito amplo de espaço, sendo
colocado pelo autor como um produto social (LEFEBVRE, 2000).
O espaço social abarca “as relações sociais de reprodução, a saber, as relações
biofisiológicas entre os sexos, as idades, com a organização específica da família – e as
relações de produção, a saber, a divisão do trabalho e sua organização” (LEFEBVRE, 2000,
p.57). Tal observação nos permite compreender que, se as ações de produção se desenrolam
no espaço social, esse também contém as relações de hierarquização, que afeta sua própria
produção no espaço. Então, há aqui a ideia de produção e reprodução, ou seja, a indissociável
relação entre esses encadeamentos. Tomemos o exemplo posto pelo autor para melhor
compreensão: “a divisão do trabalho repercute na família e aí se sustenta; inversamente, a
organização familiar interfere na divisão do trabalho” (LEFEBVRE, 2000, p.57).
A partir dessas delimitações, Lefebvre (2000) avança na consolidação de sua teoria
espacial e nos apresenta a sua tríade de produção do espaço. Nesta formulação, o autor
divide a produção do espaço em três formas: o espaço concebido, ou seja, o que é
normatizado, aquele que segue o planejamento; o espaço vivido, aquele que é dominado e
experimentado pelos usuários, é dotado de símbolos e signos; e o espaço percebido, aquele
que é relacionado às ações sociais, à realidade urbana (seus desdobramentos no tempo) e à
noção cotidiana das atividades. Esses conceitos serão melhor definidos em seu
desenvolvimento. É importante mencionar, antecipadamente, que tais categorias são
indissociáveis e se igualam em nível de relevância, visto que, a partir de nosso comportamento
no mundo, a tríade se apresenta em sua completude.
Lefebvre (2000) nos fornece um aparato de observação importante para a análise das
políticas e seus desdobramentos no espaço considerando a dimensão física, social e psíquica
dos usuários, se levarmos em conta seus devidos aprofundamentos e desdobramentos. Logo,
compreender as delimitações propostas pelas contribuições do autor, buscando associá-las a
outras teorias, nos permite a construção de modelos metodológicos e de análise relevantes
para a compreensão de certos elementos e situações sociais.
Diante do exposto, o presente trabalho tem por objetivo realizar um recorte teórico
sobre a produção do espaço, focando nas delimitações propostas por Lefebvre, bem como
agregando outras teorias de analise espacial que complementem as observações possíveis
a partir deste modelo teórico. É importante dimensionar a pretensão do presente texto, não
tendo como intenção elucidar todos os pontos da referida observação, mas sim, em certo
limiar, entender quais contornos se sobrepõem a outros conhecimentos postulados que
possam, de forma preliminar – e por que não, superficial – nos fornecer caminhos para o
aprofundamento do debate. Ainda, se faz necessário indicar que o ensaio aqui proposto faz
parte do trabalho final da disciplina de Abordagens sobre Cidades e Dinâmica Urbana, do
Programa de Pós-graduação em Estudos Urbanos e Regionais – PPEUR, da UFRN,
ministrada sob orientação do Professor Dr. Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva.
Para além desta introdução, este trabalho está estruturado em um método, o seu
desenvolvimento, trazendo inicialmente um resgate sobre o autor, e posteriormente, as
definições a respeito da tríade espacial, focando na dimensão do espaço percebido e de
ferramentas de observação e comportamento ambiental. Ao final se apresentam as
considerações finais.

MÉTODO

O método empregado no desenvolvimento do trabalho é qualitativo e trata-se de uma


revisão narrativa que, segundo Botelho, Cunha e Macedo (2011), pode ser usada para a
descrição de elementos em um ponto de vista teórico ou inseridos em seu contexto. Rother
(2007) complementa que esse tipo de metodologia não possui um critério claro para a seleção
das fontes de informação, sendo estruturada do estado da arte de um dado ponto teórico.
Constitui-se da análise da literatura, interpretação e crítica do pesquisador (BERNARDO;
NOBRE; JANETE, 2004). O trabalho em questão, em seu método, avança aos limiares de
uma revisão integrativa. Foram definidos níveis de consultas e de fontes de informação, sendo
o livro A Produção do Espaço, de Lefebvre (2000), como o dorso teórico, e outras fontes como
secundárias, a partir da pesquisa em periódicos e repositórios.
As produções de Matias (2016) foram importantes para a contextualização da vida do
autor, reforçando e justificando as delimitações teóricas postuladas pelo mesmo; as
contribuições de Schmid (2012), foram importantes para a compreensão do cenário de
produção do conhecimento sobre o espaço (social) à época dos estudos do autor; já Del Rio
(1990) foi importante para contribuições a respeito da observação técnica do espaço,
enquanto Halbwachs (2006), nos esclarece a relação entre os espaços e a construção da
memória coletiva (social). Por fim, Cullen (1983) e Lynch (1982) foram relevantes para a
associação da observação da dimensão imaginável do espaço, oferecendo conceitos e
indicações metodológicas.

HENRI LEFEBVRE

Henri Lefebvre nasceu na comuna francesa de Hagetmau, França, em 1901. Formado


em filosofia pela Universidade de Paris, se dedicou ao estudo de diversas áreas, entre elas
as da sociologia. Com mais de setenta livros publicados e vários artigos sobre diversos temas,
se tornou um dos filósofos marxistas mais conceituados de sua época. Suas produções,
segundo comenta Matias (2016), são inseparáveis do contexto social que as norteia. É
inegável a contribuição do seu pensamento para a consolidação do campo do estudo espacial
– especialmente o urbano. A ideia de que os habitantes e a suas interações com o meio
(espaço social) são mutuamente produtivas nos parece óbvia quando apresentada a nós, no
entanto, à época de sua concepção, não era. Ainda hoje suas produções permitem uma vasta
interpretação e podem-se identificar conceitos ainda não concebidos, ou concebidos de forma
inconsciente, o que revela o grande valor de suas contribuições.

Suas postulações apresentam-se como uma continuidade do pensamento marxista,


inserindo outros elementos em papel central, sobretudo a dimensão urbana. Pautado numa
dialética, nos apresenta com base em Hegel, Marx e Nietzscher, a ideia de espaço (social)
como um produto (social). Essa observação norteia boa parte de suas produções e nos
permite observações interessantes sobre seu pensamento, que desloca a auto existência do
espaço para o campo da realidade social, nos demonstrando que o espaço não existe em si
mesmo, mas é resultado da sua produção e reprodução. Essa ideia permite uma observação
mais ampla: a de que o espaço não existe sem os indivíduos e vice-versa.
Influenciado também pela fenomenologia francesa, o conceito espacial de Lefebvre
rompe com as delimitações postas até então, quebrando certas limitações postas pelo
pensamento marxista e transbordando as questões materiais e econômicas (MATIAS, 2016).
Tal pensamento também diverge das definições euclidianas sobre o espaço por considerar
sua dimensão social, impactando também no pensamento cartesiano sobre um espaço rígido
e estático.

DESENVOLVIMENTO
A dialética da tríade espacial de Lefebvre não se apresenta como uma separação
espacial. Apesar de sua divisão (percebido, concebido e vivido), tais partes se entrelaçam
sem uma ordem rígida e podem apresentadas de quantas maneiras forem possíveis. Se o
espaço (social) é um produto social, podemos dizer que ele é um produto do homem, sendo
o homem também produto do espaço. Com essa indicação, tal lógica pode ser aplicada a
todas as sociedades, que obviamente serão apresentadas com casos diferentes, mas com
unidade.
Lefebvre nos apresenta sua tríade como um contraponto à dualidade das demais
teorias, definida por ele como redução da ideia “a uma oposição, a um contraste, a uma
contrariedade; ela se define por um efeito significante: efeito de eco, de repercussão, de
espelho” (LEFEBVRE, 2000, p.67). Na definição, o espaço percebido corresponde ao espaço
da prática social de uma sociedade e é constituído da relação dialética entre dominação e
apropriação. Por intermédio de sua análise é possível entender a prática social da dada
sociedade, associando-se diretamente à realidade urbana e cotidiana por meio dos lugares
sociais de lazer, emprego, da vida privada e dos prazeres, e

engloba produção e reprodução, lugares especificados e conjuntos espaciais


próprios a cada formação social, que assegura a continuidade numa relativa
coesão. Essa coesão implica, no que concerne ao espaço social e à relação
de cada membro de determinada sociedade ao seu espaço, ao mesmo tempo
uma competência certa e uma certa performance (LEFEBVRE, 2000, p.59).
O homem percebe seu espaço e, a partir de suas ações da vida cotidiana, concebe-o.
Por meio dos questionamentos existe uma concretude do espaço materialmente concebida.
Esse espaço também é representado, ou seja, concebido, “aquele dos cientistas, dos
planificadores, dos urbanistas, dos tecnocratas ‘retalhadores’ e ‘agenciadores’, de certos
artistas próximos da cientificidade” (LEFEBVRE, 2000, p.66).
Essa dimensão espacial identifica a dimensão vivida e percebida como instrumentos
para o espaço concebido. O autor disserta que essa é a dimensão espacial que exerce com
maior poder a dominação nas sociedades e em seus modos de produção do espaço social:
“as concepções do espaço tenderiam (com algumas reservas sobre as quais será preciso
retornar) para um sistema de signos verbais, portanto, elaborados intelectualmente”
(LEFEBVRE, 2000, p.66). Em resumo, esta dimensão está relacionada “às relações de
produção, à “ordem” que elas impõem e, desse modo, ligadas aos conhecimentos, aos signos,
aos códigos, às relações “frontais” (LEFEBVRE, 2000, p.59). É um ato do pensamento e por
isso se desdobra nas realidades concretas e nas manifestações imateriais.
Tal forma produtiva do espaço exerce sistematicamente força sobre a dimensão dos
espaços da prática social e da representação. É um produto dos especialistas que
“desmembram o espaço e sobre ele agem parcelando-o, colocando barreiras mentais e
cercas prático-sociais” (LEFEBVRE, 2000, p.134). O espaço é entendido aqui enquanto uma
abordagem técnico-científica.
Del Rio (1990) nos apresenta o desenho urbano que complementa tais colocações e
fornece aparato técnico. Para o autor, a cidade deve ser observada a partir de um olhar
científico em perspectiva de um dimensão físico-ambiental, tentando entender o conjunto de
atividades que nela são efetuadas e sua inter-relações com o espaço, visando unicamente
um aprimoramento para a consecução de estratégias e recomendações específicas muitas
vezes geradas por essa preocupação com a qualidade dessas relações. Por sua vez, essas
atividades investigativas, tentam coletar dados e percepções afim de nortear ações das
políticas públicas de intervenção e que, como uma via de mão dupla, também deve ser
produto dessas mesmas ações.
O espaço de representação corresponde ao espaço vivido, aquele da realidade
cotidiana apreendida por meio das imagens e símbolos. Estes, “apresentam (com ou sem
código) simbolismos complexos, ligados ao lado clandestino e subterrâneo da vida social”
(LEFEBVRE, 2000, p.59). É também relacionado a arte e suas manifestações e pode ser
entendido aqui como um código do espaço, mas não consegue transmitir todas as suas
dimensões – eventualmente pode ser entendido como um código do espaço de
representação. O espaço de representação é ainda fruto da incorporação dos atos sociais,
dos sujeitos, que ao mesmo tempo são moldados pelas dimensões individuais e coletivas.
Esse espaço possui estreita relação com a construção da memória coletiva, posto por
Halbwachs (2006) como a ação coletiva de um dado povo em um dado espaço a partir do
momento em que um grupo é inserido em uma parte do espaço, transformando-o à sua
imagem e, ao mesmo tempo, tendo que adaptar-se a ele. Ela invoca fatos importantes que
estão presentes nas recordações de seus membros. Assim, as imagens materiais e imateriais,
vistas ou evocadas, representam elementos que podem ser associados a outras imagens, a
pensamentos ou sentimentos, formando um panorama onde se reconhece o fato ou época da
história desse grupo (HALBWACHS, 2006). Assim como a memória coletiva está em um
processo de construção, produzir o espaço vivido segue a mesma razão, trata-se então de
um processo (LEFEBVRE, 2000). Essa dimensão espacial é munida de objetos muito
diversos, sejam estes

naturais e sociais, redes e filões, veículos de trocas materiais e de


informação. Ele não se reduz nem aos objetos que ele contém, nem à sua
soma. Esses “objetos” não são apenas coisas, mas relações. Como objetos,
eles possuem particularidades conhecíveis, contornos e formas (LEFEBVRE,
2000, p.118).

Corresponde então as dimensões coletivas, margeados pela concretude diária, é


experimentado de forma passiva, com uma sobreposição aos seus elementos físicos e de
seus objetos, que em certa dimensão, apresentam-se em coerência com símbolos verbais e
não-verbais (LEFEBVRE, 2000). Esses símbolos e objetos podem ser complementados e
identificados pela teoria da análise visual de Gordon Cullen (1983), que está relacionada a
ótica que revela como percebemos visualmente um ambiente através de um percurso
desenvolvido no local.
Cullen (1983), destaca a admiração e contemplação do urbano como mecanismo de
apreensão da realidade urbana, onde “a paisagem urbana surge na maioria das vezes, como
uma sucessão de surpresas ou revelações súbitas” (CULLEN, 1983, p.11). Dessa forma, a
analise visual está pautada de acordo com a visão e interpretação do observador (DEL RIO,
1990), ou seja, do ator social. Assim, o desenvolvimento social que nele é embutido e a
expressividade que o espaço carrega interferem na análise e expressividade do ambiente.
Cullen (1983) ressalta também o fato do ponto de vista influenciar diretamente nas
observações, pois está diretamente relacionado com nossas reações em relação a nossa
posição no espaço; por isso, é conveniente dizer que podemos ter considerações
diferenciadas de acordo com a percepção ótica do observado e seu posicionamento no
espaço.
Assim, analisar um espaço urbano sob o aspecto da ótica revela o que percebemos e
sentimos em relação a um conjunto de elementos estruturados ao nosso espaço imediato,
onde muitas vezes só se é interpretado quando nos deixamos levar pelo tempo de análise, e,
necessariamente, paramos para observar.
Essa análise visual parte de três grandes variáveis: a ótica, que abrange as relações
coletivas a partir das experiências visuais, ou seja por meio da disposição e estética dos
conjuntos, espaços, elementos, detalhes, dentre outros; o lugar, que carrega um sentido
topológico e tem a ver com a relação do nosso corpo com o espaço, ao relacionar-se com o
espaço imediato, como um hábito instintivo do homem, não sendo possível ignorar o sentido
posicional, ou seja, seu lugar no contexto; e o conteúdo, que compreende nossos significados
atribuídos ao lugar sob elementos como, cor, textura, escala, estilo e que possibilita uma
variedade de mensagens sensoriais e insumos visuais ao observador (CULLEN, 1983). O
autor, enfatiza as possibilidades do espaço nessa relação visual do usuário, visto que o próprio
espaço pode influenciar na noção de percepção do mesmo, como noção de privilégios, de
território ocupado, de barreira, dentre muitos outros sentidos, compondo assim uma série de
imagens, a qual Lynch (1982), nomeou de imagem da cidade.
A imagem de uma cidade é um processo formador bilateral, no qual o meio e o próprio
usuário possuem parcelas de relevante influência nessa construção. O espaço urbano fornece
relações e o observador, através da visão, do uso da luz, seleciona e organiza aquilo que vê
(LYNCH, 1982), razão pela qual as imagens variam significativamente entre os observadores.
Apesar dessa individualidade, parece existir sempre um ponto de concordância entre
os indivíduos; a imagem coletiva de uma cidade é de suma importância. Para Lynch (1982) e
Cullen (1983) existem elementos formadores ou que ajudam a compreender essa imagem.
Inicialmente, a legibilidade da imagem é essencial, visto que é crucial a necessidade de todo
ser vivo identificar o seu meio. Não existe aqui um sentido ou sensação mística imbuída aos
conjuntos formados, mas sim um leque organizacional solidificado em estímulos sensoriais,
bem ou mal definidos pelo meio; esse pensamento construído é essencial à vida por criar a
noção de referencial, permitindo a noção de posição e o reconhecimento posicional ao
observador e eliminando a sensação de estar perdido em relação ao todo urbano.
O elo mais fiel da localização é a imagem construída do ambiente: quando mais sólida
a imagem formada mais rápido o indivíduo se comunica e desloca, exprimindo assim uma
segurança emocional que possibilita a construção de relações entre si e o mundo. Lynch
(1982) ainda nos indica que ao observar tais elementos formadores da imagem da cidade,
podemos entender os significados atribuídos ao ambiente e ao meio físico. Aqui reside um
ponto de debate importante, mas não objetivo da presente discussão, que é a relação entre
essas dimensões e o papel do patrimônio histórico, uma vez que existe a correlação entre as
variáveis tempo e representação.
É notável a semelhança conceitual e prática existentes entre as teorias de produção
do espaço, Lefebvre, do desenho urbano, Del Rio, da análise visual, Cullen, e da imagem da
cidade, Lynch, – essas duas se debruçando na análise comportamental e do comportamento
ambiental, discutindo sobre as relações psíquicas da observação espacial. Enquanto a teoria
do desenho urbano corrobora com o espaço concebido, por meio de uma visão
majoritariamente delineado pela ação técnica, as teorias da análise visual e da imagem da
cidade nos permite um aprofundamento prático da compreensão da dimensão vivida (ou
percebida) do espaço.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao destacar o cenário temporal a qual a teoria da produção do espaço foi concebida,


é possível compreender, em certos níveis, as delimitações iniciais da própria concepção do
conhecimento. Inicialmente o entendimento sobre o espaço se apresentava em uma visão
rígida e estática, nas quais as visões euclidianas eram sobrepostas em todas as realidades.
Lefebvre, então, nos oferece uma dúvida pertinente sobre a concepção do espaço social,
adentrando a uma compreensão mais abrangente e adicionando novas variáveis ao método
de pensamento a respeito do tema.
Relacionando as dimensões do contexto com a vida do autor, podemos entender as
influências temporais e pessoais na construção dos elementos postos pela teoria, o que nos
permite uma compreensão para além do que está posto, inserindo em um contexto mais
amplo e assim, insinuar novas observações, que, se descartada a devida observação destes
elementos, pode passar despercebida.
A dialética da tríade da produção do espaço de Lefebvre, considerando claramente o
intuito do trabalho, nos apresenta diversos caminhos para seu entendimento, requerendo um
aprofundamento e detalhamento. Apresentando suas três faces da produção do espaço, o
vivido, o percebido e o concebido, o autor nos apresenta observações importantes sobre a
relação do homem com o seu meio e, consequentemente, a relação inversa, do meio com o
agente. Enquanto o vivido nos apresenta a dimensão da observação diária, o concebido nos
é apresentado como a produção técnica do espaço e o percebido, por fim, é entendido como
a apropriação do espaço por meio dos seus símbolos. É importante, ainda, reforçar que não
há uma ordem correta para a apresentação destes conceitos, estando eles entrelaçados e
compondo um produto final: o espaço, que por sua vez retroalimenta esse sistema.
Outras observações podem ser feitas para além do elucidado, sobretudo no que diz
respeito à interação entre as três partes da produção. A primeira e mais clara delas é a de
que o espaço concebido nem sempre está a favor do vivido, sendo o primeiro uma maneira
de coerção de ações no segundo, o que põe em evidência a relação entre os conhecimentos
adquiridos pelos técnicos e impostos no mundo concreto. A segunda, e preliminarmente a
última, dentro da proposta do presente trabalho, a qual nos ajuda Matias (2016), é a de que o
espaço percebido nos encaminha para duas situações: a alienação e a apropriação.
As relações entre a teoria do desenho urbano de Del Rio e a dimensão de produção
do espaço concebido se complementam, enquanto Lefebvre nos apresenta as delimitações
teóricas e abstratas, Del Rio nos fornece as ferramentas da práxis. Já Gordon Cullen e Kevin
Lynch nos ajuda com o mesmo esforço, no entanto com foco na dimensão do espaço
percebido, demonstrando por meio de elementos, a manifestação desta dimensão.
Em suma, o presente trabalho cumpre com seus objetivos e nos apresenta pontos de
contatos iniciais da teoria da produção do espaço com outras teorias relevantes para a análise
espacial. Como apontamentos futuros, o presente texto pode, para além de dar devido
aprofundamento nos conceitos e elementos conectados, elucidar questões que relacionem,
de forma mais direta e com pontos de contato em maior extensão, as relações entre memória
coletiva, produção do espaço, o patrimônio histórico e as questões de apropriação e
alienação, podendo ainda, evidenciar conexões com outras teorias.

REFERÊNCIAS

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