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Susana Jorge-Ferreira
Universidade de Évora
10.37885/201202670
RESUMO
INTRODUÇÃO
Cada vez mais a educação é encarada como sendo a base da sociedade, pois é através
dela que todos nós atuamos no meio onde estamos inseridos.
O direito à educação está consagrado na Declaração dos Direitos da Criança (1959),
onde se pode ler que deve ser ministrada às crianças “uma educação que promova a sua
cultura e lhe permita, em condições de igualdade de oportunidades, desenvolver as suas
aptidões mentais, o seu sentido de responsabilidade moral e social e tornar-se um membro útil
à sociedade” (1959, princípio 7). No entanto, infelizmente, nem todas as sociedades praticam
este princípio básico que deveria ser tido sempre em conta, pois todas as crianças deveriam
ter a oportunidade de verem os seus direitos fundamentais respeitados. A propósito disto, a
Declaração dos Direitos da Criança, refere que a criança não deverá sofrer “discriminação
alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, idioma, religião,
opinião política ou outra da criança, ou da sua família, da sua origem nacional ou social,
fortuna, nascimento ou de qualquer outra situação” (1959, princípio 1).
A educação é um mundo vasto e complexo, com uma enormidade de caminhos que
se cruzam e entrecruzam e cujo foco se centra na criança. No entanto, esta educação tem
variadíssimas formas de ser aplicada e analisada, e esta é tão determinante que tem o po-
der de mudar o sentido de uma vida. Para além disso, a educação pode ser analisada sob
diferentes perspetivas: social, política, religiosa, moral, artística ou estética, por exemplo, não
significando estas variações que estejamos a falar de algo diferente, nem tão pouco de algo
que objetivamente tem de ser igual. Esta multiplicidade de olhares sobre o termo educação,
enriquece e enaltece o papel determinante que esta tem na vida de todos nós, sendo que
a educação artística e a criatividade terão de ser encaradas como um só corpo que jamais
poderá ser dissociado do próprio termo educação. Vygotsky, a este respeito dizia que “todo
o futuro da humanidade depende da imaginação criativa” (2004, p.88), ou seja, tudo o que
façamos e contribua para a nossa permanência nesta vida, tem de estar intrinsecamente
ligado à criatividade.
Koichivo Matsuura refere que “a criatividade, a imaginação e a capacidade de adapta-
ção, competências que se desenvolvem através da Educação Artística, são tão importantes
como as competências tecnológicas e científicas necessárias para a resolução desses pro-
blemas” (Mbuyamba, 2006, p.2), corroborando o pensamento e ação que há muito temos na
nossa prática pedagógica. Cada vez mais se valorizam competências científicas desde que
as crianças nascem. Há já um sem fim de cursos para bebés, mas quando pensam na livre
expressão e exploração, os adultos consideram que estas crianças apenas se irão sujar ou
até, hipoteticamente, magoar.
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O ser humano nasce e vive num constante processo onde ocorrem mudanças signi-
ficativas e constantes tendo em conta o seu desenvolvimento. Este processo de constante
mudança no qual todos vivemos intitula-se por desenvolvimento humano, sabendo desde logo
que este é influenciado pelas características biológicas que cada indivíduo tem e pelos fatores
contextuais/ambientais no qual está inserido (Matta, 2001; Papalia et al., 2001; Tavares et al.,
2997). Por isso mesmo, o conceito de desenvolvimento é polissémico e pode ser analisado
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Para este autor, em todos os momentos a criança está ávida e apta a receber novos
ensinamentos, mas não será menos importante a estimulação na fase bebé, pois naquela
etapa da vida o crescimento e absorção do mundo é enorme (Gordon, 2008).
Para Rosseti-Ferreira (2008), por exemplo, o conceito de desenvolvimento está inti-
mamente ligado à multiplicidade de indivíduos que interagem dentro de um mesmo contex-
to. No entanto, se tivermos em conta o pensamento de Sharpley & Telfer (2002), verificamos
que o conceito de desenvolvimento é, por si só, complexo e possui várias dimensões onde
cabem as dimensões principais de qualquer sociedade: educação, saúde, habitação, política
e sua liberdade de expressão, entre outras. As várias mudanças significativas que ocorrem
com o ser humano durante o seu desenvolvimento, acabam por influenciá-lo no seu todo, na
forma como ele agirá perante a vida. Papalia e Feldman (2013) aludem ainda para o facto
do desenvolvimento humano se debruçar sobre as diversas variações e particularidades
permanentes que cada pessoa tem. Segundo estes vários teóricos, existe ainda uma outra
divisão no próprio conceito de desenvolvimento, referindo os cientistas que esta pode incidir
sobre três domínios do ser humano: físico, cognitivo e psicossocial.
Podemos ainda referir que o desenvolvimento humano e o desenvolvimento social
fazem parte do mundo da educação, assim como a educação faz parte destes dois concei-
tos. O próprio desenvolvimento humano e a forma como este ocorre, varia de criança para
criança. Nos três primeiros anos de vida a criança vê as suas capacidades cognitivas em
verdadeira expansão, fruto do próprio interesse que esta sente face ao mundo à sua volta.
Esta avidez face ao que a rodeia fá-la desenvolver a sua cognição (Tavares et al., 2007).
Cole (1985) referiu que Vygostky considerava que o desenvolvimento da criança, no-
meadamente o desenvolvimento cognitivo, deveria ser encarado como um meio através
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do qual o indivíduo se apodera dos mecanismos culturais existentes, dizendo ainda que o
individual e o social nunca poderão ser dissociados, deverão antes ser pensados como ele-
mentos mutuamente constituintes de um único sistema no qual o ser humano está inserido.
Vygostsky (1978) é também o autor da noção Zona de Desenvolvimento Proximal, ou
ZDP, como comumente é intitulada, significando esta que o desenvolvimento que a criança
possui nunca pode ser deixado ao acaso, tem que ser tido em conta sempre que se propõe
algo para a criança fazer, para que o interesse se mantenha sempre em níveis elevados,
evitando assim que a criança entre em conflito com a atividade proposta e não se sinta capaz
perante o que lhe foi proposto. Segundo Wertsch e Stone (1985), Vygotsky terá introduzido
tal termo para conseguir conjugar dois pólos distintos mas indissociáveis: a avaliação das
habilidades de cognição de cada criança, que permite avaliar o nível de desempenho de cada
uma delas face a essa proposta antes da apresentação de determinada atividade (nível em
que se encontra), e a avaliação das próprias práticas de instrução, avaliando esta o nível
potencial a que cada criança conseguirá chegar. Este contrabalanço tem sempre de ser
feito em todas as atividades propostas pelos educadores na creche e no jardim de infância.
Se para bebés estas atividades passam por coisas mais simples, com o desenvolvi-
mento natural das crianças, as atividades e os desafios podem e devem aumentar o seu
grau de complexidade, aumentando também o grau de interesse destas. Ao longo da nossa
experiência com crianças, percebemos que os percursos visuais propostos por nós lhes criam
desafios que as deixam verdadeiramente envolvidas com as atividades. Claro que estes têm
de ter em conta, como já referimos anteriormente, a já intitulada Zona de Desenvolvimento
Proximal de Vygotsky (1978).
É essencial, também, educar para a liberdade estética e livre fruição, para a empatia que
muitas vezes não existe quando dentro de uma sala, na opinião do educador, a criança que-
brou uma qualquer regra, ainda que esta fosse uma pequena forma de manifestação criativa.
Cada vez mais se recomenda que a educação deve ser o mais holística e integrada
possível, e por isso apresentaremos neste estudo sobre arte e criatividade, quatro formas
de expressão que indubitavelmente devem estar presentes na vida das crianças: artes
visuais, jogo dramático/teatro, musica e dança. As Expressões assumem, por si só, um
papel fundamental na vida das crianças, ainda que estas se possam manifestar sobre va-
riadíssimas formas. No entanto, muitas são as vozes contraditórias sobre a abordagem da
arte na idade de creche, encarando esta etapa do desenvolvimento infantil apenas como
uma etapa assistencial. Contudo a creche é muito mais do que um espaço onde apenas
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(Leite & Malpique, 1986) e este entrosamento com as artes facilitará as aprendizagens que
faça durante o período do seu crescimento. Também Rodrigues (2002) reforça esta opinião
quando menciona que a educação artística no pré-escolar conduz a criança a agir “livremente,
de forma a exteriorizar os seus sentimentos, ideias e emoções” (p. 14). O mesmo acontece
na valência de creche, mas aqui tem que se ter uma especial atenção pelo desenvolvimento
dos bebés, dando-lhes oportunidades de pintar com tintas que possam comer. Uma criança
com 1 ou 2 anos terá alguma dificuldade em não “provar” o que está a fazer, pois a primeira
forma de absorverem e conhecerem o mundo é através da boca. Ainda assim conseguem-se
atividades muito interessantes com as crianças de baixa idade, tendo sempre em conta,
claro está, as “suas necessidades, características e interesses” (Carvalho, 2005, p.43),
referindo ainda esta mesma autora que, a maneira como respondemos às solicitações das
crianças e às especificidades que cada uma delas tem, contribuirá definitivamente para o
seu desenvolvimento.
A relação clara entra a arte e a educação está cada vez mais enraizada nas escolas
portuguesas, independentemente da valência a que estas dão resposta. O mesmo acontece
nas restantes sociedades ocidentais, facto este que vem de encontro ao nosso pensamento
e ao que aqui estamos a plasmar.
No entanto, Lowenfeld e Brittain (1970) dizem lamentar que o “sistema educacional
esteja organizado de tal maneira que a maioria dos estudantes se vê gradualmente privado
da oportunidade de pintar, desenhar ou construir, à medida que avança em sua escolarida-
de. A necessidade da arte não se dissipa com o crescimento do individuo” (p.401), nomea-
damente porque o objetivo da expressão que dá origem a uma qualquer atividade dentro
do mundo das artes, é o de exprimir algo que não pode ser dito oralmente. Pode parecer
pretensioso mas, de facto, a expressão da criança materializa-se em símbolos e, através
destes, ela revela o que verbalmente não consegue dizer. Para além da arte poder ser uma
forma de descobrir o mundo e aprender de forma mais simples e estimulante, quer estejamos
a falar de artes visuais, jogo dramático/teatro, musica, dança, ou outra, a arte é, também,
catártica. Isto significa que a arte deve “dar às crianças ampla oportunidade de expressar,
no papel, seus sentimentos e emoções. Alguns desses sentimentos serão evidentes para
qualquer adulto” (ibidem, 1970 p.171). Com a educação artística as crianças aprendem
conteúdos que lhes possibilitam alcançar uma maior fluidez oral quando confrontados com
algumas questões estéticas, reconhecendo termos que de outra forma não reconheceriam.
Desde cedo sabem o que é uma pintura, a linha, a sombra, o retrato ou, ainda, perfil, es-
cultura e a diferença entre claro/escuro. Para além desta fluidez oral, as crianças passam
a pensar e pesquisar soluções para o que lhes é proposto, mesmo que estas não sejam
assim tão óbvias.
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Idealmente, enquanto desenha, canta, dança ou representa alguém que não é de ver-
dade, a criança deveria poder encarnar o personagem que pretende e que o encaminhará
a entrar em estado de fluxo, deveria sentir-se à vontade e nunca sobre pressão. Numa fase
mais embrionária, como a creche, jamais lhe deveria ser proposto imitar um determinado
desenho ou técnica ou, ainda, darem desenhos já fotocopiados para as crianças apenas os
pintarem. O adulto que rodeia e medeia as aprendizagens das crianças, deve antes encorajar
a livre expressão, para que estas se sintam capazes de fazer a sua atividade de forma solta
e sem ter receio das críticas que, invariavelmente, lhes fazem.
Podemos seguramente afirmar que toda “a educação que se faça através do enorme
mundo das artes, será certamente uma educação virada para as emoções e onde as apren-
dizagens se fazem através dos sentidos, valorizando o próprio facto da arte ser uma forma
de linguagem onde os sentidos dão sentido ao próprio mundo” (Jorge-Ferreira, 2019, s/p).
De seguida apresentaremos uma explicação breve de cada um dos 4 subdomínios da
Educação artística. Em cada subdomínio, apresentaremos alguns exemplos de atividades
passíveis de serem trabalhadas na valência de creche e de jardim de infância. Algumas
das atividades apresentadas foram realizadas em contexto educacional, no colégio onde
desempenhamos a nossa atividade profissional, e outras foram realizadas em casa, pois
qualquer pai e mãe as poderá fazer com os seus filhos. As crianças cujo rosto está desco-
berto e visível, são aquelas cujos pais autorizaram o uso da imagem.
a. Artes Visuais
As artes visuais, tal como as expressões anteriormente referidas, assumem também
um papel preponderante na vida das crianças.
A criança deve ter a oportunidade de contactar com uma multiplicidade de materiais
pedagógicos que lhe possibilitem, não só o seu livre manuseamento, como o poderem des-
cobrir novas maneiras de pintar, colar ou construir a partir destes. Estes materiais diversos
“facultam à criança a oportunidade de explorar e manipular o seu meio e propiciam o desen-
volvimento flexível de seus conceitos (Lowenfeld e Brittain, 1970, p. 174).
Os materiais servem para que a criança alcance determinada competência explorando
algo inusitado, que, aparentemente, não lhe pareceria um material de uma aula de educação
pela arte. O valor que esse material tem ou não, está intrinsecamente relacionado com a
aquisição de competências que faça através deste, para além de não podermos descurar o
valor que a própria experiência estética assume. Esta experiência entre tintas, colas, brilhan-
tes, papéis de variadas cores e texturas, fios e outros materiais das artes visuais, guiam a
criança numa imersão total até alcançarem um estado de fluxo emocional de total entrega.
As áreas das expressões, nomeadamente a que se relaciona com as artes plásticas,
podem servir também para despoletar uma determinada competência na criança que nem
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sequer está relacionada diretamente com a execução ou modo como esta faz a ativida-
de. A intenção não é, de todo, torná-los artistas plásticos, queremos antes permitir-lhes um
veículo condutor para canalizarem as suas emoções, pois o desenvolvimento de compe-
tências não é prioritário se houver um desenvolvimento social ou emocional, por exemplo,
que precisa de ser agudizado.
Para além disto, ao expormos “as crianças a diferentes meios e ao se tornarem sensível
aos aspectos que distinguem os trabalhos artísticos de seus alunos, o professor terá um
quadro mais completo de cada criança” (Krechevsky, 2001, p.146), passando a conhecer
melhor as particularidades que cada aluno seu tem. O mesmo acontece caso as propostas
surjam por parte dos pais. O essencial é a criança reinventar-se, brincar com as artes plás-
ticas e deixar-se envolver nas atividades que lhe são propostas.
Sabemos, também, que muitas das garatujas que as crianças inicialmente fazem, não
só são vistas como rabiscos que os pais teimam em não valorizar e mandar fora, como não
encontram qualquer relação de causalidade entre estes e os futuros desenhos que os seus
filhos virão a fazer. Ainda assim, estes são fruto do desenvolvimento motor que as crian-
ças conseguem ter e que os conduz, invariavelmente, a rabiscar uma folha até ultrapassar
os seus limites. Pouco a pouco a criança começará a pegar cada vez melhor nos lápis e
aprenderá, também, a controlar os limites onde deve desenhar, onde deve expressar a sua
atividade plástica. João dos Santos diz ainda que “a criança descobre, inventa e constrói
brincando, ela tem, necessariamente, a faculdade de realizar trabalho útil ou de criar obra
artisticamente válida” (apud Carvalho e Branco, 2000, p.155), e por isso se deveria sempre
valorizar a criança quando se percebe que esta fez o melhor que conseguiu.
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- Colagens variadas: areia, papéis, folhas de árvores, lãs, feltro, - Colagens variadas: areia, papéis, folhas de árvores, lãs,
algodão feltro, algodão, cascas de frutos secos, madeiras, cartão
maquete, entre outros materiais.
Colagem livre de papéis:
Colagem de elementos da natureza:
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- Pinturas com vários materiais: o próprio corpo, penas, pincéis, tintas - Pinturas com vários materiais: penas, pincéis, aguarelas/tintas e
comestíveis e finger paint, bolas, legos, balões, batedor de claras de ovos, guaches, bolas, legos, rolhas de cortiça, rolos de cartão e rolos de
rolos de cartão e rolos de pintura, stencil, digitinta, entre outros materiais pintura, lãs, óleo e purpurinas, espátulas, balões, balões de água,
e técnicas. estudos de cor, pintura com celofane, stencil, entre outros materiais.
(bebé de 9 meses)
(criança de 2 anos)
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Digitinta:
Stencil:
Pintura do corpo:
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- Exploração de materiais sensitivos: massa mágica, massa de modelar, areias, Pintura com rolos:
entre outros materiais
Massa mágica
(bebé de 10 meses)
(crianças de 2 e 3 anos)
b. Jogo Dramático/Teatro
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2 O Jogo Simbólico é uma atividade espontânea que permite que a criança recrie atividades e comportamentos que observa no seu dia
a dia ou que imaginou, utilizando para esse efeito objetos que explora livremente e que em muitos casos passam a ter uma funciona-
lidade diferente daquela para o qual foram criados. Assim, uma criança muito pequenina pode imitar a sua mãe ao telemóvel e fazer
de um pincel o seu telemóvel.
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(criança a cozinhar)
- Imitação de animais e meios de transporte - Aprendizagem de como se devem colocar num palco
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c. Música
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própria língua materna, e, não é algo raro ver os pais cantarem canções de embalar aos
seus filhos desde tenra idade.
De facto, os diferentes sons e ritmos das canções oferecidas aos mais novos propor-
cionam uma aprendizagem mais clara e natural.
As crianças que seguem a área musical no futuro, por norma, para além de terem
uma maior facilidade na aprendizagem de línguas, como atrás já referimos, têm também
uma maior facilidade em matemática, pois a divisão rítmica da música exige contagem do
tempo desta. A concentração também assume nesta área um papel de destaque, pois seja
a cantar ou a tocar um instrumento, a criança tem de «entrar no tempo» exato e para isso
terá de se manter concentrada.
Há até, a título de curiosidade, um método musical intitulado Suzuki, criado pelo profes-
sor Shinichi Suzuki, que conduz a utilização de mais de 700 canções originais, tendo estas
sido compostas de acordo com os propósitos linguísticos e necessidades sentidas pelas
crianças das diferentes faixas etárias. Este método tem como linha central o acreditar que as
crianças devem aprender a sua língua materna com encorajamento e muito amor, quer no
ambiente familiar, quer no seu ambiente social, defendendo ainda que este ensino musical
deverá começar o mais cedo possível. Se inicialmente este método foi desenvolvido para
o ensino de violino, neste momento ele é extensível à guitarra, bateria, baixo, flauta, harpa,
órgão, piano, viola, entre outros. Quando tentámos conhecer um pouco mais deste método,
ficámos a saber que existe uma Associação Suzuki que já está difundida em diversos paí-
ses, nomeadamente em Portugal e no Brasil. No site da Suzuki Association of the Americas3
está claramente referido que os “early years are crucial for developing mental processes
and muscle coordination. Listening to music should begin at birth; formal training may begin
at age three or four”. A associação refere ainda que “Any child who is properly trained can
develop musical ability, just as all children develop the ability to speak their mother tongue.
The potential of every child is unlimited” (ibidem).
3 https://suzukiassociation.org
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- Aprendizagem de ritmos
d. Dança
De facto a área da dança na creche e no pré escolar não tem a intenção de tornar os
alunos em bons dançarinos, mas sim permitir-lhes a livre fruição através de movimentos
guiados por uma qualquer música, permitindo que a sua livre expressão conduza os seus
corpos e imaginação sem qualquer imposição do adulto, sem terem de imitar uma qualquer
coreografia, ainda que, através desta também se obtenham aprendizagens. A dança livre e
4 As sessões musicais têm apenas um registo fotográfico por não se conseguir omitir a identidade das crianças e não termos conse-
guido permissão para a exposição fotográfica das crianças presentes nas fotografias
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lúdica permite que a criança descubra o seu corpo e potencie as suas capacidades de mo-
vimentação variada, cabendo ao educador o papel de mediador. Este é talvez o subdomínio
que mais dúvidas e questões levantam aos educadores, pois estes, na sua grande maioria,
não tiveram qualquer formação em dança. Freire (2001) refere que na formação inicial de
educadores não existe uma aposta nesta área das expressões, sendo que a haver, não se
pretendia “ensinar dança moderna, ballet clássico, entre outros, mas sim, ensinar a dança
como arte criativa e seu papel no desenvolvimento e aprendizagem da criança como um ser
integral” (p. 34). Este autor refere ainda que ao educador competiria o promover na criança
a capacidade de criar, de se reinventar através da dança.
As OCEPE estabelecem 4 pontos essenciais que as crianças de jardim de infân-
cia devem alcançar:
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o que é feito e a forma como se olha para o resultado, sendo por isso algo que deve ser
sempre valorizado e estimulado desde a mais tenra idade.
Criatividade
A Criatividade é, segundo se sabe, um dos conceitos mais polissémicos que existe, não
existindo ainda uma definição consensual que convença a comunidade científica e escolar.
Ainda assim, a definição mais comum aponta a criatividade como sendo a capacidade de
concretizar algo que seja novo e adaptado ao contexto no qual surge (Amabile, 1996; Barron,
1988; Lubart, 2007; Ochse, 1990, entre outros). Barrett, referindo-se à criatividade, diz que
é “extremamente difícil chegar a uma definição aceitável deste termo” (Barrett, 1982, p. 84).
A estimulação do pensamento criativo deve ser feita desde o nascimento, e não é algo
inalcançável e inatingível. O pensamento criativo das crianças deve ser estimulado, mais
que não seja com propostas simples como a de tentarem descobrir e encontrar soluções
para um qualquer problema com que se deparem (Cropley, 1997).
Para Guilford (1968), a criatividade é a capacidade de produzir algo divergente, sendo
que por volta de 1960 criou 4 dimensões para analisar a criatividade: originalidade, flexibi-
lidade, fluência e elaboração. Mais tarde, Paul Torrance (1966) utilizou estas 4 dimensões
mas concluiu que estas reduziam as «respostas dadas» ao pensamento divergente presente
em cada pessoa (visão de Guilford), não avaliando todos os aspetos que inicialmente havia
planificado. Concluiu depois de se ter debruçado sobre a temática da criatividade que esta
teria de ser sujeita ao indicador emocional e cognitivo que cada indivíduo possui, para que
de uma forma mais holística se compreendesse a manifestação criativa (Torrance, 1966;
Torrance, 1996). Percebe-se então que a criatividade para além de se enquadrar no pen-
samento divergente, não se resume apenas a este. Outros fatores são necessários para a
sua promoção e manutenção.
Para Csikszentmihaly (2002), a criatividade é quase sempre seguida por uma “expe-
riência de fluxo”, ficando o indivíduo que realizou essa experiência inteiramente absorto
por ela. Contudo, a palavra criatividade não se resume a arte nem a trabalhos artísticos,
embora saibamos que ambas andam de «mãos dadas». No entanto, sabemos também que
embora não possam ser totalmente separadas, a criatividade é um termo mais globalizante
e composto do que a arte, e por isso a definição da primeira é bem mais complexa que a
segunda (Jorge-Ferreira, 2019).
No meio de tantas (in)definições e de tantas (in)certezas sobre a pluralidade de as-
petos relacionados com o conceito de criatividade, há ideias que vão sendo análogas aos
mais diversos estudiosos da criatividade. Embora seja um conceito polissémico e polémico
devido a essa multiplicidade de definições, é, por norma, encarado como algo que origina
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um resultado direto adaptado ao contexto em que ocorre. Esta é, por si só, a característica
da criatividade que mais «adeptos» tem, sendo comum a ideia de que para se ser criativo se
tenha de combinar ideias que ao serem misturadas originam algo novo de suma importância.
A criatividade não pode ser ensinada, mas pode e deve ser estimulada e incentivada,
cabendo aos profissionais de educação esta competência de estimulação e promoção do
potencial criativo da criança. Este incentivo pode ser feito através de atividades intrinseca-
mente relacionadas com o domínio da Educação Artística que anteriormente falámos, quer
seja feitos nas ações e práticas pedagógicas diárias mais simples e inóspitas. Jorge-Ferreira
refere que o “potencial criativo que cada um de nós possui à nascença, mais não é do que
uma intuição criativa, que ao ser estimulada pode ser utilizada na vida quotidiana” (2019, s/p).
A aposta da criatividade na creche e jardim de infância é imperativa e urgente, pois ela
cria indivíduos que futuramente se apresentarão com menos preconceitos e e uma maior aber-
tura nos diversos campos da nossa sociedade. Os bebés de hoje são os Homens de amanhã.
CONCLUSÃO
Cada vez mais se fala que as artes e a criatividade não têm, ainda, o papel de desta-
que que deveriam ter no mundo da educação. No entanto, sabemos que esta falha parte do
próprio sistema de ensino e formação de educadores e professores, pois no curso inicial há
uma clara aposta em conteúdos científicos em detrimento das aprendizagens relacionadas
com as áreas das expressões.
Ainda assim, e porque trabalhamos na valência de creche e de jardim de infância há
mais de 20 anos, temos colocado em ação inúmeros projetos de expressão que em muito têm
enriquecido a nossa prática pedagógica e as aprendizagens e desenvolvimento das crianças.
Com este artigo pretendemos elucidar que é possível fazer abordagens pela arte nestas
duas valências, dando a conhecer referenciais teóricos de renome que se têm dedicado a
esta temática há muitos anos. Apresentamos também algumas ideias de atividades dentro
de cada um dos Subdomínios do Domínio da Educação Artística.
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