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Quando você pensa na palavra “Constituição”, o que lhe vem à mente? Talvez você
pense em constituir, criar, delimitar... Todos esses termos realmente se associam à
palavra que estamos analisando. Muitas vezes, aliás, a palavra “Constituição” é
apresentada em frases comuns do nosso dia- a-dia com a intenção de indicar uma
criação ou organização de entidades ou seres. Por exemplo: você já pode ter dito em
algum momento que iria constituir uma sociedade ou um grupo no WhatsApp.
A partir dessas ideias iniciais, sugiro que você comece a pensar na nossa
Constituição como um conjunto de normas que vão criar, estruturar e organizar o nosso
país, o nosso Estado Nacional.
Veja, então, que as Constituições são documentos muitos importantes. Mais que
isso: são essenciais! Todo Estado Nacional (todo país) deve possuir a sua. Afinal de
contas, em todos os países teremos que organizar as regras que vão orientar o
funcionamento do Estado. E serão as Constituições que vão dizer de que forma o Estado
vai funcionar (quais Poderes cumprirão quais funções, quais serão os direitos e as
garantias asseguradas aos indivíduos, etc).
Seguindo em nossa conversa, quero lhe lembrar que como a Constituição trata dos
assuntos mais importantes do Estado, ela ocupa no ordenamento jurídico uma posição
diferenciada. “Como assim?”, você me pergunta. Ora, meu caro aluno, quando você
imaginar o conjunto de normas (leis, medidas provisórias, decretos...) que temos em
nosso país, não as visualize de forma espalhada e bagunçada!
Uma pergunta para você: de outubro de 1988 até o presente momento, nossa
Constituição manteve exatamente a mesma redação? Não. Ela foi objeto de diversas
emendas constitucionais, que alteraram vários dos seus artigos. Por que isso ocorre?
Ora, as Constituições não podem ser imutáveis (ou imodificáveis), pois elas precisam se
adaptar às mudanças sociais e à evolução histórica, senão seus textos perdem a sintonia
com a realidade. Assim, vez ou outra, nossa Constituição passa por modificações, que
nada mais são do que pequenos ajustes que pretendem rejuvenescer seu texto e melhor
adequá-lo ao momento histórico. Estudaremos, futuramente, o modo como essas
emendas constitucionais são feitas (como elas são apresentadas, discutidas, votadas,
etc), mas, nesse momento do curso, eu preciso que você saiba que elas são elaboradas
pelo chamado Poder Constituinte Derivado (representado pelo Congresso Nacional) e,
por essa razão, também podem ser chamadas de normas constitucionais derivadas.
Pois bem. A explicação acima lhe permite notar que em nossa Constituição existem
normas constitucionais que são originárias (pois estão no texto constitucional desde
5/10/1988) e normas constitucionais que são derivadas, que foram sendo inseridas ao
longo das últimas três décadas. Mas repare: pouco importa se a norma constitucional é
originária ou derivada, ela é constitucional e, por isso, situa-se no topo da pirâmide de
Kelsen, no ponto mais alto do ordenamento jurídico. Isso significa que não há hierarquia
entre normas constitucionais originárias e normas constitucionais derivadas, já que,
rigorosamente, todas as normas constitucionais estão no mesmo plano, se situam no
mesmo patamar.
Mas muito cuidado com um detalhe: apesar de não haver hierarquia entre normas
constitucionais originárias e derivadas, há uma importante diferença entre elas. As normas
constitucionais originárias não podem ser declaradas inconstitucionais, sendo sempre
constitucionais (afinal, elas representam a própria Constituição). Já as normas
constitucionais derivadas (as emendas constitucionais) devem ser produzidas em
obediência as regras que o Poder Originário inseriu na Constituição quando a elaborou.
Isso significa que uma emenda constitucional que desobedeça às normas que
regulamentam a sua feitura poderá ser declarada inconstitucional. Em outras palavras: as
normas constitucionais originárias não podem ser objeto do controle de
constitucionalidade; já as normas constitucionais derivadas podem.
Considero igualmente importante destacar que não há hierarquia entre as normas
constitucionais em razão do conteúdo. Em outras palavras: não seria correto dizer que o
art. 5° da Constituição, que consagra direitos e garantias individuais e coletivos é, do
ponto de vista hierárquico, superior a um outro artigo constitucional que trate de um tema
de menor relevância, como, por exemplo, o art. 242 que, em seu § 2°, determina que “O
Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal”.
Independentemente do assunto tratado, se a norma é constitucional ela é superior e está
no topo do ordenamento jurídico.
No mesmo sentido, e ao contrário do que muitos podem imaginar, também não há
hierarquia entre leis federais, estaduais e municipais: todas são leis, são normas
infraconstitucionais. Não pense que a lei editada pela União, por ter abrangência nacional,
é superior a uma lei editada por um Estado ou por um Município. Por isso, se houver um
conflito entre essas leis, a solução não será dada por critério hierárquico, claro que não.
Teremos que verificar qual ente da federação (União, Estados-membros ou Municípios)
possui a competência para legislar sobre o tema. Se, por exemplo, a competência para
legislar é dos Estados, a lei estadual vai prevalecer; se é dos Municípios, a lei municipal
prevalecerá.
Agora que você já sabe que todos os Estados Nacionais possuem uma
Constituição e que ela representa o documento jurídico mais importante do país,
ocupando o topo do ordenamento normativo, quero iniciar a apresentação do nosso
documento constitucional vigente: a Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. Vamos conhece-la melhor a cada aula! E começaremos com a estrutura.
Saiba que, estruturalmente, nossa Constituição pode ser dividida em três partes:
1) preâmbulo;
Como nossa Corte Suprema (o STF) já definiu que o preâmbulo não é norma
constitucional, como responder as seguintes perguntas que podem ser feitas pelo
examinador?
Uma lei que violar o preâmbulo da Constituição Federal pode ser considerada
inconstitucional?
- Não. Afinal, se o preâmbulo não é uma norma jurídica, ele não pode ser considerado
uma norma constitucional. Logo, ele não serve de parâmetro (de paradigma) para a
declaração de inconstitucionalidade de uma lei. Pensemos em uma situação que pode ser
criada pelo examinador em prova: uma Lei Estadual X determina que está proibida a
utilização de símbolos religiosos em repartições públicas; o Governador do Estado ajuíza
uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no STF, argumentando que a Lei X
desobedece o preâmbulo da Constituição Federal, pois o Preâmbulo da CF diz que o
texto constitucional foi promulgado “sob a proteção de Deus”. Claro que o STF não vai
considerar transitória pode ser modificada por reforma constitucional. Além disso, também
pode servir como paradigma para o controle de constitucionalidade das leis.
Eis um tema absolutamente doutrinário que o seu edital trouxe! Como temos uma
Constituição muito ampla e prolixa (com muitos artigos, pois ela trata de variados temas),
os autores se ocuparam de organizar as normas constitucionais de acordo com suas
finalidades. Para tanto, foram estruturados cinco grupos, que refletem as cinco principais
categorias de normas que podemos encontrar na Constituição Federal de 1988. Essa
divisão, sem dúvida, facilita a visualização da nossa Constituição enquanto um conjunto
harmônico de normas com diferentes propósitos.
Entendo que a mais completa organização desses cinco elementos que nossa
Constituição possui é aquela clássica feita pelo Professor José Afonso da Silva, que vou
lhe apresentar:
1. elementos orgânicos: são representados pelas normas que regulam a estrutura do
Estado e dos Poderes. Estão concentrados, predominantemente, nos Títulos III (Da
Organização do Estado), IV (Da Organização dos Poderes e do Sistema de Governo),
Capítulos II e III do Título V (Das Forças Armadas e da Segurança Pública) e Título VI (Da
Tributação e do Orçamento);
2. elementos limitativos: estão presentes nas normas que compõem o rol de direitos e
garantias fundamentais, constantes do Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais,
excetuando-se os Direitos Sociais, que fazem parte da próxima categoria);
Mais um tema trazido pelo seu edital exclusivamente doutrinário. Isso significa que
não teremos nenhum artigo da Constituição Federal para lermos, tampouco alguma
decisão do STF a ser comentada. Vamos nos concentrar naquilo que a doutrina diz sobre
o assunto.
O conceito sociológico foi pensado pelo autor alemão Ferdinand Lassalle que,
em sua obra “A essência da Constituição” (das primeiras décadas do século XIX),
sustentou que a Constituição seria o produto da soma dos fatores reais de poder que
regem a sociedade.
Oposta a essa “Constituição real”, temos a “Constituição escrita” (ou jurídica) que,
ao incorporar num texto escrito esses fatores reais de poder, os converte em instituições
jurídicas. Todavia, essa Constituição escrita não passa de um mero “pedaço de papel”,
sem força diante da “Constituição real”, que seria a soma dos fatores reais de poder, isto
é, das forças que atuam para conservar as instituições jurídicas vigentes.
Como num eventual embate entre o texto escrito e os fatores reais de poder estes
últimos sempre prevalecerão, deverá a “Constituição escrita” sempre se manter
compatível com a realidade, pois, do contrário, ela será esmagada (como uma simples
“folha de papel") pela sua desarmonia com o que de fato acontece na sociedade.
Podem os meus ouvintes plantar no seu quintal uma macieira e segurar no seu
tronco um papel que diga: “Esta árvore é uma figueira”. Bastará esse papel para
transformar em figueira o que é macieira? Não, naturalmente. E embora conseguissem
que seus criados, vizinhos e conhecidos, por uma razão de solidariedade, confirmassem a
inscrição existente na árvore de que o pé plantado era uma figueira, a planta continuaria
sendo o que realmente era e, quando desse frutos, destruiriam estes a fábula, produzindo
maçãs e não figos.
Por outro lado, quando há uma correspondência entre a Constituição real e a
escrita, estaremos diante de uma situação ideal, em que a Constituição é compatível
com a realidade que ela pretende normatizar. Deste modo, para Ferdinand Lassale, só é
eficaz aquela Constituição que corresponda aos valores presentes na sociedade.
Essa concepção de Lassale nos permite dizer que todas as comunidades, mesmo
aquelas mais arcaicas e rudimentares, já tinham uma ‘Constituição real’, pois já possuíam
um modo específico de se organizarem (ainda que essas ‘regras’ de organização não
estivessem inseridas em um texto escrito). Portanto, não se esqueça que as Constituições
escritas são um fenômeno moderno (surgiram no final do século XVIII, com a Constituição
dos EUA de 1787 e a da França de 1791). No entanto, ter um modo ‘real’ de estruturar as
relações, de organizar a comunidade, é algo bem mais antigo. Por isso, podemos dizer
que a noção de ‘Constituição real’ existe desde sempre (porque em todos os lugares, em
todos os momentos, sempre houve a necessidade de organizar a comunidade, de impor
regras de funcionamento; só depois essas ideias foram colocadas em um documento
escrito, fazendo surgir as Constituições escritas que a modernidade conhece).
Essa leitura que o autor faz cria uma divisão das normas da Constituição em
“constitucionais” (aquelas normas vinculadas à decisão política fundamental) e em “leis
constitucionais” (aquelas que muito embora integrem o texto da Constituição, sejam
absolutamente dispensáveis por não fazerem parte da decisão política fundamental
daquele Estado).
Esta concepção foi construída a partir das teses do mestre austríaco Hans Kelsen,
que se tornou mundialmente conhecido como o autor da Teoria Pura do Direito.
Observe-se, porém, que a teoria pura não é somente o título de uma obra e sim de um
projeto que tencionava livrar o Direito de elementos estranhos à uma leitura jurídica de
seu objeto – isto é, visava desconsiderar a influência de outros campos do conhecimento
como o político, o social, o econômico, o ético e o psicológico, uma vez que estes em
nada contribuíam para a descrição das normas jurídicas – possibilitando que o Direito se
elevasse à posição de uma verdadeira ciência jurídica.
De acordo com o autor, no mundo das normas jurídicas uma norma só pode
receber validade de outra, de modo que a ordem jurídica sempre se apresente
estruturada em normas superiores fundantes – que regulam a criação das normas
inferiores – e normas inferiores fundadas – aquelas que tiveram a criação regulada por
uma norma superior.
Essa relação de validade culmina em um escalonamento hierárquico do sistema
jurídico, uma vez que as normas nunca estarão lado a lado, ao contrário, apresentarão
posicionamentos diferenciados em graus inferiores e superiores.
Para exemplificar a sua teoria, Kelsen sugere que partamos de uma sentença.
Acaso você se pergunte por que uma sentença de um juiz tem que ser obedecida, o autor
te responde lhe remetendo ao código que autoriza ao juiz decidir o caso através da
prolação da decisão – já que o código funciona como norma superior fundante que
confere validade jurídica à sentença. Mas você pode fazer outra pergunta, querendo
conhecer a razão de obedecermos ao código. Por mais uma vez , Kelsen vai lhe remeter
a norma superior que dá validade ao código: o legislador editou o código pois está
devidamente autorizado pela Constituição a editar as leis; deste modo, ao fazê-lo, está
obedecendo a Constituição. A Constituição também compõe o sistema normativo e, como
todas as outras normas, depende que algo lhe confira validade: se uma norma somente
adquire tal status a partir de uma outra norma, será preciso admitir que existe uma norma
fundamentando a Constituição.
Pode ser que a atual Constituição vigente em determinado Estado tenha sido
criada mediante uma lei autorizada pela Constituição anterior, retirando sua validade
deste documento. Mas este último também pode ter sua validade questionada e assim
sucessivamente, até se chegar à primeira Constituição daquele Estado, provavelmente
criada através da emancipação de um Estado frente a outro – revolução ou declaração de
independência.
Ainda assim, frente a essa primeira Constituição (que não esteja em disputa e seja,
portanto, eficaz), a questão da validade permaneceria imperiosa, principalmente porque
se não for devidamente resolvida, toda a cadeia de fundamentação deixa de fazer
sentido: afinal, acaso se perca o fundamento da Constituição, esta não estará apta a
validar mais nada, os códigos perderiam seu suporte e, por conseguinte, os atos que nele
se fundamentam também. O sistema desmoronaria.
A busca por esse último alicerce da ordem normativa levou Kelsen a construir a
teoria da norma fundamental, que irá justificar a validade objetiva de determinada ordem
jurídica positiva. Chega-se a esta norma básica quando não se admite um único passo
para trás na cadeia de validade jurídica, pois ela será a norma superior por excelência,
única a não depender de outra que lhe dê suporte. E esta independência é característica
que decorre do próprio sentido que ela possui: não é um documento factual, mas sim algo
pressuposto. Kelsen explica muito melhor:
A norma que representa o fundamento de validade de uma outra norma é, em face desta,
uma norma superior. Mas a indagação do fundamento de validade de uma norma não
pode, tal como a investigação da causa de um determinado efeito, perder-se no
interminável. Tem de terminar numa norma que se pressupõe como a última e a mais
elevada. Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser
posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais
elevada. [...] Uma tal norma, pressuposta como a mais elevada, será aqui designada
como norma fundamental. [...] Todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a
uma e mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa.
A norma fundamental é a fonte comum da validade de todas as normas pertencentes a
uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum (grifo nosso).
Ao se valer, pois, dessa pressuposição – de que há uma norma básica, através da
qual todas as outras podem ser identificadas numa sequência de atribuição de validade –,
Kelsen demonstrou se submeter à influência de Kant no que diz respeito a aceitação de
que em todo ramo do conhecimento haverá de se reconhecer alguma pressuposição6.
Seguindo na análise da concepção jurídica, deve-se dizer ainda que foram desenvolvidos
dois sentidos para o vocábulo “Constituição”:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 11a ed. São Paulo: Saraiva,
2018.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 12a ed. São Paulo: Saraiva,
2017.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 41a ed. atual. São
Paulo: Malheiros, 2018.
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 9a ed. São Paulo:
Malheiros, 2014.