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1ª edição: 2022

O texto desse livreto foi a transcrição e adaptação do BTCast 253 e do


BTCast M 018 publicado em bibotalk.com. Por isso, o texto está em forma
de conversa.

Edição: Rodrigo Bibo


Transcrição: Thaís Rocha
Revisão: Vanessa Rodrigues
Capa e Diagramação: Caio Duarte

Proibida a reprodução por quaisquer meios (mecânicos, eletrônicos, xe-


rográficos, fotográficos, gravação, estocagem em banco de dados etc.), a
não ser em citações breves com indicação de fonte.
“Nosso desafio não é ter Cristo na mente, mas ter a
mente de Cristo.”

RICARDO BITUN
SUMÁRIO

7
ESPIRITUALIDADES

11
DEFINIÇÕES DE ESPIRITUALIDADE CRISTÃ

14

JESUS: O HOMEM ESPIRITUAL

16

NOVA MENTALIDADE

19

ESPIRITUALIDADE PROTESTANTE

22

NÍVEIS DE ESPIRITUALIDADE

24

O CAMINHO DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ


26

ORAÇÃO E INTENÇÃO POR RODRIGO BIBO

28

APÊNDICE – A ORAÇÃO

30

NÃO SABEMOS COMO ORAR

34

O OBJETIVO DA ORAÇÃO

39

ORAÇÃO E AMIZADE

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Depois deste ebook você estará apto a responder
perguntas como: O que é espiritualidade? Qual o dife-
rencial da espiritualidade cristã? Quais são os parâme-
tros da espiritualidade protestante? O que são discipli-
nas espirituais? Existem níveis de espiritualidade?

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ESPIRITUALIDADES

Cacau Marques: Espiritualidade é um termo que vai para além da mera


cristandade, gosto de lembrar de uma ilustração, porque foi a que me
chamou atenção para essa questão lá nos idos de dois mil e pouco, quan-
do eu ainda era um jovem mancebo usuário do Orkut.
E o Orkut tinha uma parte onde você colocava características suas, inclu-
sive sua inclinação política. Era muito louco, um exercício de autorrefle-
xão interessante. Coisas sobre as quais você nunca pensou, o Orkut te
obrigava a pensar. E tinha uma sobre religião, mas não eram esses for-
mulários que você escreve o que você quiser, ele tinha as opções prontas
e, nas opções prontas, tinha todo o tipo de opção de religião que você
conhece. Tinha a parte “outros”, que não cabia em nenhuma daquelas, e
tinha uma parte que era “eu tenho um lado espiritual, independente de
religiões”.

Rogério Moreira Junior: Ele tinha isso, “Spiritual, but not religious” - “Es-
pirituais, mas não religiosos’’.

CM: Tem um vídeo de humor de 2016 chamado “A Igreja dos espiritu-


ais, mas não religiosos”, é muito bom esse vídeo1 do College Humor. Ele
também mostra que espiritualidade já era vista como uma característica
que as pessoas não precisam vincular com a religião e, de fato, espiritu-
alidade é uma característica - ou uma questão - que as pessoas buscam

1The Church For People Who Are “Spiritual, But Not Religious” Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=Z78_rA-
g4Ldg> Acesso em 04 de Junho de 2022.

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até como uma alternativa à palavra religiosidade, que é uma palavra um
pouco inconveniente hoje, porque ela já leva um pensamento de uma
religião institucionalizada e, devido a todas as questões de problemas re-
ligiosos que temos no mundo, as pessoas preferem abordar os aspectos
mais “transcendentes” da vida de uma maneira mais subjetiva, menos
vinculada a uma tradição de fé.
Então, quando falamos de espiritualidade cristã, fazemos um recorte
dentro de toda a esfera da espiritualidade - das experiências e das re-
flexões de espiritualidade que as pessoas têm. E até mesmo ateus estão
abordando o tema da espiritualidade. Você tem o Alain de Botton, por
exemplo, com o “Religião Para Ateus”, Sam Harris, com aquele livro “Des-
pertar: Um guia para a espiritualidade sem religião”. Hoje, você tem uma
espiritualidade laica. Tem crescido a prática de meditação nas empresas,
práticas de mindfulness, que são espiritualidades laicas de certa forma.
É uma maneira de você lidar com aspectos “não objetivos” da vida, com
alguma transcendentalidade, mas sem permear isso para uma fé em al-
guma existência real de um mundo espiritual. Então, a espiritualidade é
um tema muito amplo.

Rodrigo Bibo: Segundo informações que eu tive de alguém, até mesmo


na Europa secularizada eles estão voltando a tratar do tema espirituali-
dade, porque reconhecem sua importância para o paciente clínico e tal.
O pessoal está reconhecendo a importância da espiritualidade, desse
ser humano interno. Legal, isso é um bom caminho - claro que acredita-
mos em um caminho que seja mais adequado. Eu até fiquei curioso de
ler esses livros sobre espiritualidade dos ateus, cara, porque não sei se
eles propõem algum caminho ou se eles fazem uma mera observação da
sociedade religiosa. Tu chegaste a ler, Cacau?

CM: Não, eu não li o “Despertar”, do Harris, mas eu fui atrás de entrevis-


tas dele e a ideia dele é mais um senso de plenitude, de integralidade, de
você se situar - “Quem você é?”, “De onde você é?” - e ter controle sobre
as suas decisões.

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B: Entendi. É uma espiritualidade focada em si mesmo.

CM: Exatamente! É uma espécie de uma divindade interior, mas não nes-
se aspecto espiritual em si. Só que ele vai falar bastante de práticas de
espiritualidade, é quase que disciplinas espirituais. Ele fala de meditação,
até de elementos que te levam para estados alterados de consciência.
Ele não é o primeiro a falar isso, o Aldous Huxley já tinha o “As Portas da
Percepção - Céu e Inferno”. Tem essas questões que eles vão abordar por
esse caminho.

RJ: Mas é curioso, porque é uma espiritualidade que, de certo modo, não
é transcendental. Ela acaba sendo uma espiritualidade que não precisa
de nada externo para poder existir, ou pelo menos de nenhum contato
com esse externo pessoal principalmente. É aquela coisa de você se sen-
tir bem consigo mesmo, ou de meditar sobre alguma coisa.

CM: Talvez não seja nem uma questão de transcendência, porque há


um aspecto transcendental nessa espiritualidade mais fluida, que é o de
transcender a si. Então, apesar desse olhar para si estar presente nessas
questões, também há a constituição de si através das relações com o
outro. Portanto, vamos falar bastante sobre a percepção de si - ou co-
nhecimento da realidade - nos vínculos das relações uns com os outros.

B: Alteridade...

CM: É uma maneira de transcender-se também, só que não há um as-


pecto metafísico. Há um aspecto transcendental, mas não é um aspecto
metafísico. É uma discussão interessante, mas que me parece lidar com o
dado sem uma certa seriedade com ele. Lida com o dado da consciência,

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por exemplo, que é um dado, você não tem como negar a consciência.
Alguns tentam fazer um caminho de negar a consciência, mas é difícil. En-
tão, encaram o dado da consciência, encaram o dado da autopercepção,
porém não lidam com isso em profundidade. Quer dizer, bom, cada um
tem uma percepção de si. Podemos constituir mais ou menos, aqui, uma
espiritualidade a partir desse dado, mas de onde que veio essa consciên-
cia? Não, isso é uma conversa que não teremos agora. É um caminho que
me parece não ser uma busca muito honesta consigo - o que acaba sen-
do muito irônico, em uma espiritualidade. Tenta ser honesto consigo e
acaba não sendo tão honesto, negando a possibilidade dessa metafísica.
Uma das palestras do TED que eu mais gosto é de um cara que fala sobre
a consciência como limite da ciência. E ele diz que a ciência até agora não
foi atrás de compreender a consciência.

B: A questão da neurociência está avançando bastante. Eu lembro que,


de 5 anos para cá, tem lançado muita coisa sobre isso.

CM: Isso, mas não toma consciência como um fenômeno, toma como um
pressuposto, e ele vai falar: “Bom, se você vai tomar consciência como um
fenômeno, você vai ter que tentar compreender o que é essa consciên-
cia.” E ele dá uma proposta - ele não é cristão, é um ateu - em que fala
da consciência como um dado, assim como o tempo e o espaço. Então,
assim como o tempo e o espaço são realidades, a consciência é uma rea-
lidade. Como é que esse cara não chega em Deus? Acho que, se você for
profundamente nessas questões, vai acabar chegando no limite - eu acho
que é o caminho que o Schaeffer fazia - de ter que assumir Deus como a
melhor resposta.

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DEFINIÇÕES DE ESPIRITUALIDADE CRISTÃ

B: Vamos, então, tentar definir o que seria a espiritualidade cristã? Tem


um livro muito bom, que é “O Melhor da Espiritualidade Brasileira”, or-
ganizado pelo Nelson Bomilcar e lançado pela Mundo Cristão em 2005,
com ensinamentos de diversos autores sobre espiritualidade em várias
perspectivas. Eu peguei uma definição aqui - claro, aqui estamos tentan-
do definir o que é espiritualidade cristã. Quando eu começo a tentar de-
finir o que é espiritualidade, eu vou a partir de Filipenses 2:12: “Ponham
em ação a salvação de vocês com temor e tremor”. É essa ideia de que a
espiritualidade cristã é uma ação no desenvolvimento daquilo que Deus
fez no nosso interior. O Russel Shedd disse o seguinte naquele livro: “a
busca e a própria experiência da comunhão com Deus inclui a expressão
dessa convivência a partir de práticas que agradam ao criador”, ou seja,
a espiritualidade cristã é uma busca por um viver diferente. É uma busca
por ser diferente de quem eu sou de alguma forma. É uma prática de
relacionamento com Deus. Como é que vocês definiriam? Gente, não é
fácil, toda a definição vai ser limitada, mas como é que vocês definiriam a
espiritualidade cristã?

CM: Quando falamos de espiritualidade cristã no nosso mundo hoje, não


tem como não dialogarmos com o que essa palavra significa no âmbito
geral. A espiritualidade cristã acaba sendo, para a visão de quem não
convive nessa comunhão com Deus, como um tipo dentro de tantas es-
piritualidades. Para os que vêm de fora, ela é uma espiritualidade dentro
do mercado de espiritualidades. Para nós, ela é a única espiritualidade
verdadeira e possível. Em um termo bem lato, espiritualidade pode ter
três explicações, ou três definições.
No primeiro sentido, é a característica do que é espiritual - sentido bem
de dicionário mesmo. “O que é a espiritualidade? É a característica do
que é espiritual.” No âmbito da vivência humana, a espiritualidade pode

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ser uma espécie de um senso de transcendência, e também pode ser
esses aspectos de transcendência que guiam a vida da pessoa. Um ou-
tro sentido pode ser das práticas de religião, que são práticas espirituais
vinculadas com uma religião, indo do mais amplo para o mais restrito. E,
nesse sentido, a espiritualidade cristã seria tanto o aspecto espiritual da
cristandade quanto a maneira como a fé cristã molda e encaminha a vida
das pessoas, como, também, as próprias práticas cristãs que as colocam
em um estado de observar a fé na sua vida - aplicar a fé na vida e de per-
cebê-la na vida, nessa experiência de comunhão com Deus.
Alister McGrath tem uma definição que acho muito legal que é: “espiri-
tualidade cristã refere-se à busca por uma existência cristã autêntica e
satisfatória, envolvendo a união das ideias fundamentais do cristianismo
com toda a experiência de vida baseada em e dentro do âmbito da fé
cristã”, resume super bem!
E tem uma característica importante e distintiva da espiritualidade cristã
que é o fato de que, para nós, o Espírito é uma pessoa, diferente das
outras espiritualidades. Nessas espiritualidades mais fluidas, nessas re-
ligiões menos definidas ou menos regulamentadas, há uma visão de es-
piritualidade como um certo acesso a um mundo transcendental, geral-
mente, pela ascese ou por ritos.
No nosso caso, esse mundo transcendental é Deus mesmo. Nós não es-
tamos vislumbrando um oculto que é a realidade real e vivendo na ilusão.
Na verdade, nós estamos olhando para Deus como alguém que quer ter
comunhão conosco nessa realidade na qual vivemos. Então, a espirituali-
dade não é uma negação da nossa realidade, não é uma negação do que
é físico, não é nada disso. Ela é uma comunhão com uma pessoa e, por
isso, o termo “espiritualidade cristã” podia ser plenamente substituído
pela expressão “vida cristã”. Se você falar “a vida cristã”, é espiritualidade
cristã.

B: Eu diria até santidade, Cacau. A vida cristã é um relacionamento com


Deus e com a comunidade.

CM: Perfeito! Santidade é vida cristã, não tem jeito, porque a definição de

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Gálatas é: “vivo não mais eu, mas Cristo vive em mim”. Essa é a santidade,
é a vida de Cristo em nós, perfeito isso!

B: Deixa-me ler uma definição do Shedd aqui, que está bem dentro do
que estamos falando agora. Ele diz o seguinte: “A espiritualidade deve
unir o coração, a mente e a mão, uma ideia amplamente encorajada na
palavra e mantida desde os tempos da igreja primitiva. As três dimensões
da vida - o afeto, o pensamento e a ação - se mantidas em equilíbrio, con-
duzem a igreja no caminho seguro do Senhor. O entusiasmo do amor, a
disciplina da mente e a ministração das mãos produzem harmonia entre
os membros da igreja dotados dos dons que condizem com essas cate-
gorias”.

RJ: E é curioso, porque talvez a diferença da espiritualidade cristã para


outras não seja só ver Deus como pessoa, pois provavelmente os muçul-
manos, por exemplo, vão ver em Alá uma pessoa - e eu não sei como é
que os nórdicos agiam na religião deles e nem o quanto de espiritualida-
de que tinha nisso. Mas é essa pessoa que quer se aproximar e essa pes-
soa que encarna em Jesus, o que condiz muito, Cacau, com o que você
falou nessa visão positiva do material que a espiritualidade cristã tem, de
que não é simplesmente algo de que se deve afastar - como na crítica em
Colossenses, do pessoal que queria se afastar do material, ou os gnósti-
cos, que achavam que a matéria era má. Mas é, ao mesmo tempo, essa
união com essa pessoa que estava fora, mas que entrou aqui na Terra e
que, por causa dela, tudo que fazemos aqui pode ser iluminado por essa
espiritualidade. Ir para o trabalho, cuidar da família, comer… não são coi-
sas pesadas e fora do espiritual, estão completamente dentro.

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JESUS: O HOMEM ESPIRITUAL

CM: E se você pensar lá no Éden, vamos pensar em Adão e Eva - como


seres que tinham essa experiência autêntica do espiritual, que estavam
plenos da comunhão com Deus. Sua queda trouxe essa ruptura espiritual
para com Deus, trouxe consequências físicas no mundo, mas a sua morte
imediata foi uma morte espiritual, não foi uma morte física. No momento
em que eles tomam do fruto, eles não morrem, não caem duros ali.
Eles vão viver ainda muito tempo, mas têm a morte espiritual naquele
momento. A nossa vida aqui tem sido voltada plenamente para essas
coisas do mundo, que são coisas ao redor das quais conseguimos dar
um sentido para a nossa vida e viver. As pessoas que vivem sem Deus
encontram o sentido em várias coisas e pronto, elas conseguem viver.
Agora, quando olhamos para esse homem autêntico e pleno, que é Jesus
Cristo, no qual não há divisão entre espírito e carne, mas as duas coisas
são o corpo, fazem parte do corpo, fazem parte do ser, encontramos o
objetivo dessa nossa espiritualidade. Por isso que a espiritualidade acaba
sendo uma volta para os aspectos espirituais. E falamos de espiritualida-
de, e não de integralidade, porque os aspectos físicos estamos vivendo
na nossa vida, mas falta encher esses aspectos físicos com o sentido do
que é espiritual. Então, aquilo que Paulo fala aos Gálatas 5.25, eu acredito
que é um tema sobre a espiritualidade: “Se vivemos no Espírito, ande-
mos também no Espírito”. Temos o Espírito em nós, mas, muitas vezes, a
nossa prática diária é uma prática que continua colocando o sentido nas
coisas deste mundo e isso é experimentar pouco a comunhão com Deus.
Somos chamados a voltar para o Espírito e andar no Espírito no qual já vi-
vemos. O objetivo da espiritualidade é encontrar essa plenitude de Jesus
Cristo em nós.

RJ: Antes do Bibo pegar Romanos 8, a palavra que você usou é muito boa,
Cacau! O material “encher de significado”, porque às vezes parece que

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espiritualidade é uma concorrência ao material, então você tem sua vida
material e a vida espiritual - que você usa para compensar a vida material
que tem. E pode cair em diversas ideias religiosas: “eu tenho que ir à
igreja, de tanto em tanto tempo, para compensar, porque eu tenho que
trabalhar, tenho que fazer outras coisas”, mas não é nada disso, não é um
outro mundo à parte, é essa união. É essa luz sobre aquilo que já vivemos
- e vivemos de outra forma.

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NOVA MENTALIDADE

B: A ideia é ter a mente de Cristo. A espiritualidade cristã desenvolve em


nós a mente de Cristo e Paulo luta com isso, em Romanos 8, a partir do
versículo 5: “Quem vive segundo a carne tem a mente voltada para o que
a carne deseja, mas quem vive de acordo com o espírito tem a mente
voltada para o que o espírito deseja”. Nós sabemos que o desejo move a
nossa vida. Como já nos lembra James K. A. Smith, no livro “Você é aquilo
que ama”.
Versículo 6: “A mentalidade da carne é morte, mas a mentalidade do Espí-
rito…” - e aqui poderíamos pedir a licença para Paulo e colocar “a espiritu-
alidade cristã” - “...é vida e paz. A mentalidade da carne é inimiga de Deus,
porque não se submete à lei de Deus, nem pode fazê-lo.” - e aqui, dando
uma de Eugene Peterson, fazendo a minha própria “A Mensagem”, a espi-
ritualidade não cristã é inimiga de Deus, porque não se submete, não re-
conhece as leis de Deus. Versículo 8: “Quem é dominado pela carne não
pode fazê-lo.” Ou seja, quem é dominado pela carne não pode agradar a
Deus. E Paulo continua a desenvolver o pensamento. Eu acho que esse
texto bíblico aqui exemplifica bastante o que temos falado.

CM: Excelente! Essa transformação da mente é que vai levar à renovação


plena, tanto que, lá no capítulo 12, ele vai falar: “transformai-vos pela re-
novação do vosso entendimento”, renove o entendimento e transforme-
-se. Lá em Efésios, capítulo 4, ele diz: “renovem-se no espírito do vosso
entendimento”. Eu sempre gosto de colocar esses versículos um do lado
do outro, porque, os romanos, Paulo não conhecia, e os efésios ele co-
nhecia - sejam os efésios laodicenses, ou qualquer um que lesse aquela
carta. Ele está dizendo para quem ele não conhece: transforme a maneira
de pensar e transforme a forma de agir. Mas, para quem ele conhece, ele
fala: transforme a forma de agir no Espírito do que você já pensa. Porque
ele sabe que eles já têm uma nova maneira de pensar.

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É essa transformação, da mente de Cristo, que vai tomar toda a nossa
vida. É nesse sentido que, em Colossenses, Paulo fala: “pensai nas coisas
do alto onde sua vida está escondida com Cristo”. Já vivemos uma vida,
que é essa vida de Cristo, pensando a partir dela, porque, quando Cristo
se manifestar, nós seremos manifestados com ele. Quando a nossa vida,
que é Cristo, se manifestar. Então, essa é a nossa vida, é a vida de Cristo
em nós.

B: Pegando Colossenses 3:10 e Efésios 4: 24, é interessante que Paulo


fala para nos revestirmos do novo homem, entramos bem nessa questão.
Nós já somos, a partir da regeneração, aquilo que nos é concedido por
Cristo. Mas, ao mesmo tempo em que nós já somos, somos convidados a
nos tornar ser, ou seja: “vos revestirdes do novo homem, criado para ser
semelhante a Deus em justiça e em santidade provenientes da Verdade”.
Eu acho muito legal essa questão de que Deus já fez por nós, nós já so-
mos, mas somos convidados a nos tornar ser também, a participar ativa-
mente desse processo de nos revestir do novo homem. Paulo fala isso
em Colossenses 3:10 também, isso é espiritualidade cristã.

CM: Mas tem uma questão que às vezes as pessoas ficam assim: “Tá bom,
por que isso é importante? Não é só me aprofundar na teologia sistemáti-
ca ou me aprofundar na teologia bíblica…”, mas é justamente essa trans-
formação do entendimento que permite a transformação das práticas,
é um ciclo. A pessoa transforma a maneira de pensar, transforma suas
práticas e, nas práticas transformadas, ela conhece mais a Deus e vai
transformando a maneira de pensar também, por esse conhecimento de
Deus. Porque esse texto que fala para se despir do velho homem e “se re-
vestir do novo homem” diz que esses o fazem para pleno conhecimento.
Então, você se reveste dessas práticas, pois você se encontra com Deus
nelas e você tem pleno conhecimento nessa prática de santidade. Não é
só nessa visão enciclopédica da teologia, mas é na teologia na vida, que
se torna um encontro com uma pessoa.
É como se eu falasse, aqui, que eu conheço tudo sobre o Ayrton Senna,
a única coisa que eu não conheço é o Ayrton Senna mesmo, porque eu
nunca me encontrei com ele. Eu já li tudo sobre ele, mas não o conheço,

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nunca me encontrei com ele. Com Deus acontece a mesma coisa. As
pessoas sabem tudo sobre Deus, mas não o conhecem. E onde Deus está?
Ele está no caminho da justiça. Deus está no seu ambiente de santidade,
ou seja, você encontra Deus com Deus na sua vida, ele vai estar na sua
vida conforme, de fato, ele está na sua vida.
Então, quanto mais da fé é aplicado na vida, quanto mais essa fé é uma fé
operosa, mais se compreende de Deus na realidade, não só na escritura.
Se encontrar com Deus está em encontrar Deus vivendo com Deus. En-
contrá-lo na prática, nesse revestir de obras do homem que se refaz para
o pleno conhecimento.

B: Cacau, no versículo 12 de Colossenses 3 podemos ler: “Portanto, como


o povo escolhido de Deus, Santo e amado, revistam-se de profunda com-
paixão, bondade, humildade, mansidão e paciência.”

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ESPIRITUALIDADE PROTESTANTE

CM: Tem um aspecto importante nesse nosso caminho que é encontrar,


dentro da espiritualidade cristã, qual é a espiritualidade típica protestante
evangélica. Porque há a espiritualidade cristã católica, a espiritualidade
cristã ortodoxa, e acho que há uma maneira de ser espiritual dentro do
protestantismo. Eu não vou mergulhar mais profundo que isso, não vou
falar qual a espiritualidade Batista - não vou falar qual a espiritualidade
Batista da Convenção Batista Brasileira, não vou fazer isso. Mas acho que
podemos, para o ouvinte do BTCast, limitar dentro da questão: “Quais
são os parâmetros de uma espiritualidade protestante?”. Eu acredito que
tem dois aspectos do protestantismo que precisam estar presentes na
maneira protestante de olhar a espiritualidade. Primeiro, o paradigma da
depravação total. É importante que entendamos que a espiritualidade
não é nossa busca por Deus, mas ela começa pela busca de Deus por
nós. Nós não estamos correndo atrás de Deus e isso faz toda a diferença,
porque há muitos tipos de espiritualidade que são baseadas em práticas
de ascese, práticas de elevar-se a uma condição de encontrar onde Deus
está, mas a espiritualidade cristã começa com Deus nos encontrando na
nossa total separação com ele. Então, esse é um termo importantíssimo.

B: Deus nos encontrando em Cristo.

CM: Perfeito, exatamente. Toda a espiritualidade cristã não é fruto de


uma obra nossa. Toda a espiritualidade cristã é fruto, primeiro, de um ca-
minho traçado por Deus em Jesus Cristo, encontrando-nos e se revelan-
do a nós. E o segundo ponto, que também é distintivo do protestantismo,
é o sola scriptura, em que afirmamos que a revelação plena de Deus é co-
nhecida na Escritura. Nesse sentido, Deus nos encontra em Jesus Cristo,
mas nos encontra na sua palavra, afinal de contas, Cristo é a sua palavra

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e ela chega a nós na escritura bíblica.
Então, eu acho que esses dois paradigmas protestantes são os que vão
orientar a nossa visão de espiritualidade. E isso falta, viu? Isso falta muito
nas nossas práticas comunitárias de espiritualidade, por exemplo.
Pensamos que podemos ter um conhecimento de Deus à parte da escri-
tura, que podemos ter uma vida mais espiritual por uma obra que cum-
primos. “Eu sou mais espiritual que você, porque jejuo” ou “Eu sou mais
espiritual que o outro, porque eu vou mais à igreja”. Somos cheios dessas
coisas e isso não é realidade, isso não é nem protestante, nem cristão.

RJ: Cacau, falando da parte da depravação, seria, então, ver a espirituali-


dade não como obra. Seria somar à depravação a ideia da graça, de que
você realmente está se aproximando neste caminho indigno. Tem uma
ministração sua, que eu vi um tempo atrás, sobre oração, em que você
fala que nós nos aproximamos de Deus em nome de Jesus. Então, não é
por nosso mérito que a espiritualidade está baseada, mas é por Cristo.
Cristo nos dá esse caminho para chegar ao Pai, não só na salvação, mas
também no dia a dia. Não é só porque “um dia chegamos a Deus, um dia
vamos para o céu”. Dia a dia, só nos aproximamos de Deus, só temos uma
vida espiritual, por causa de Jesus. Seria isso?

CM: Exatamente! Existe uma obra de espiritualidade, que é a obra de


Cristo na cruz, essa é a obra de espiritualidade, que cria o meio pelo qual
nos encontramos com Deus. A obra que celebra, que realiza a comunhão
com Deus, que é a espiritualidade. A única obra é essa. Toda a nossa es-
piritualidade é passada pela cruz, ela está através da cruz. A nossa oração
é uma oração em nome de Jesus, porque ela é uma oração pelos méritos
de Cristo. A nossa adoração é um gloriar em Cristo ou é dar glória em
Cristo.
As nossas boas obras são boas obras de adoração a Deus, mas quem
as entrega ao Pai é Cristo, como extensão da cruz, porque não haveria
nenhuma obra de adoração se não houvesse cruz. Então, quando nós
glorificamos a Deus na nossa vida, é Cristo que pega aquilo e fala: “É pre-
sente meu para ti, Pai”. E isso é uma coisa importante também, a Bíblia
não fecha o mundo espiritual, o mundo metafísico, em Deus. Ela vai falar
de possibilidades de contatos com realidades transcendentais e metafí-

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sicas que não são contatos com Deus, por exemplo: culto a anjos, culto
aos demônios, milagres ou obras feitas ou realizadas no poder que não é
um poder divino, como os magos lá do Egito. A Bíblia fala que tem outras
coisas no mundo espiritual, mas essas coisas estão vetadas a vocês. A es-
piritualidade real, com encontro real com aquele que vai nos levar ao ca-
minho de existência autêntica, como nós devemos ser, é essa que Deus
promove por um único caminho, que é Jesus Cristo. Afinal de contas, ele
é o único caminho.

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NÍVEIS DE ESPIRITUALIDADE

B: Tentando resgatar um pouco do que você falou ali, eu quero trazer


uma pergunta para a mesa, até para caminharmos para o final do episó-
dio. É a questão de níveis de espiritualidade. Entendemos que tudo parte
do Cristo, somos alcançados pelo Cristo e a verdadeira espiritualidade
está no encontro que temos com Deus em Cristo no poder do Espírito
Santo. A verdadeira espiritualidade está em encontrar a Deus na face de
Cristo. Ou seja, tudo parte de Deus, tudo é possibilitado por Deus, em
Jesus Cristo, por meio do Espírito Santo, mas podemos falar em níveis de
espiritualidade? Dá para falar que o irmão João é mais espiritual do que
o irmão Paulo? Ou que a irmã Zenatti é mais espiritual do que a irmã Ze-
raias? Essa discussão é cabível?

CM: Eu acho que é uma discussão boa de se fazer. Olhando a Bíblia falan-
do sobre andar no Espírito, acho que dá para pensarmos que há pessoas
que estão voltando a sua mente para a mente de Cristo e deixando que
isso conduza mais as suas obras do que outras. Então, quando Paulo fala
aos Coríntios: “olha, quando falei com vocês eu tive que falar a carnais e
não espirituais” (1Co 3.1), eu acho que ele aborda um pouco esse ponto.
Somos chamados para uma vida de aperfeiçoamento no Espírito, para
nós sermos aperfeiçoados. Agora, acho difícil que nós consigamos fazer
esse julgamento sobre os outros em termos de uma escala. Eu não con-
sigo, por mais que eu conviva com vocês, dizer qual de nós três é o mais
espiritual e acho que eu não consigo falar isso a respeito de ninguém.
Mas eu consigo dizer, tocado pela Palavra e movido pelo Espírito e em
amor, quando um de vocês - e eu mesmo - está agindo na carne. Por isso
que eu posso trazer uma admoestação para a vida de um irmão que eu
vejo que está sendo conduzido pela carne. Eu posso falar: “irmão, você
está sendo conduzido pela carne. Você está sendo carnal nesse ponto”.
Posso até ser duro, sempre mantendo o amor, nunca abrindo mão do

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amor. Isso é possível de fazer. Mas fazer uma escala de qual é o mais espi-
ritual e qual é o menos espiritual não tem como fazer, não é nem benéfico
fazer.
Até nessa questão das obras de Jesus Cristo, os irmãos que mais se dedi-
cam a qualquer tipo de disciplina espiritual não devem ver isso como um
distintivo que eles carregam no peito, como uma medalha de honra ao
mérito. Pelo contrário, as disciplinas espirituais são um reconhecimento
de fraqueza, um reconhecimento de necessidade. Eu me dedico às disci-
plinas espirituais quanto mais eu vejo que o meu ser e a minha conduta
são discrepantes da conduta de Jesus Cristo, e tem duas práticas para
fazer isso: uma é olhar para Jesus Cristo e outra é olhar para mim. Então,
se eu só olhar para mim e não para Jesus, eu vou ter senso ou de orgu-
lho - e vou cair no farisaísmo - ou de autodepreciação - e vou cair numa
depressão profunda. Se eu só olho para Jesus e não olho para mim, vou
ter também duas práticas, ou eu vou achar que eu sou como Jesus ou vou
achar que eu não sou nada e que não tem salvação para mim. Mas, quan-
do eu olho para Jesus e para mim, eu vejo que esse Jesus é o resgatador
de quem eu sou, na minha terrível desgraça.
Quando eu olho para a graça de Deus e para minha pecaminosidade ao
mesmo tempo, eu vejo quão grande é a graça de Deus, quão grande é o
meu pecado, e Cristo é exaltado nisso. Com isso, sou levado a também
exaltá-lo na minha vida. Então, quando eu olho essa discrepância entre
quem Jesus é e quem eu sou, eu sou tomado por uma vontade de negar
a minha carnalidade e buscar a Deus no espírito. Isso é que me leva a orar
mais profundamente, a ler mais a Bíblia e, em termos de um arrepen-
dimento profundo, até a adotar posturas de jejum e esse tipo de coisa,
porque eu estou vendo o quão radicalmente eu sou diferente de Jesus
Cristo. Portanto, nenhuma disciplina espiritual é uma medalha, toda dis-
ciplina espiritual é um atestado de incompetência.

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O CAMINHO DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ

RJ: Podemos, como cristão protestante evangélico, ter uma espiritualida-


de que é um mérito. Tem a ver com aquilo que já foi falado no BTCast 223
sobre jejum1, da pessoa que ora na rua, que mostra que está jejuando,
ela está querendo mostrar o quanto que ela é melhor que os outros.
Mas isso não faz nenhum sentido quando vemos Deus - santo como ele
é - se aproximando de nós - pecadores como somos - em Jesus Cristo.
Porque eu não preciso agradar a Deus no sentido daquela música: “como
Zaqueu, eu quero subir o mais alto que eu puder”.

CM: Eu não gosto muito de ficar julgando músicas, eu acho até que a ex-
periência das pessoas com as músicas varia - nem todas as pessoas vão
pegar os pontos que pegamos. Mas tem uma questão dessa música que,
se você não prestar muita atenção, você pode negar toda a espiritualida-
de cristã, que é: “eu vou subir o mais alto que eu puder para chamar a sua
atenção para mim”.

RJ: Exato. É que você tira a ideia de que Deus já presta atenção. Os dis-
traídos somos nós, certo? A espiritualidade não é um meio de atingir uma
coisa para a minha vida, mas é o caminho onde eu estou caminhando
com Deus

1 Jejum – BTCast 223. Disponível em <https://bibotalk.com/podcast/btcast223/> Acesso em 04 de


junho de 2022. Também disponível no Spotify, Youtube ou apps de podcast.

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B: É o caminho onde eu sou encontrado por Deus. E, ainda falando da
música, penso que ela enfatiza uma caminhada carnal da espiritualidade
cristã. Carnal, porque valoriza o esforço de Zaqueu em subir na árvore. Na
verdade, temos muitas músicas com essa ênfase, mas isso é conversa pra
outro momento. Por hora, podemos afirmar que a ênfase espiritual da
caminhada cristã é aquela que reconhece que Jesus olhou para Zaqueu
e viu Zaqueu onde ele estava. Ou seja, a ênfase, o mérito, está no ser en-
contrado por Deus e não no ir em busca de Deus e encontrá-lo.

CM: Porque, se você for encontrado por Deus, o mérito é de Deus, não é
seu. É importante que isso fique bem claro, que você pense dessa manei-
ra, sempre fique examinando a maneira como olha a vida cristã, e lembre
disso. Toda a Glória tem que ser dada a Deus em todos os momentos, em
todas as questões, porque isso vai te libertar de uma religião do mérito,
que é uma religião de desespero. O legalismo é o pior tipo de religião que
tem, faz muita maldade, ele destrói as pessoas por dentro. Ainda mais o
legalismo dentro dos símbolos do cristianismo, porque eles vão falar de
um tipo de divindade tão plena, completa, santa, que, se você começa a
ser sincero com os méritos que você acha que tem, a sua vida perde com-
pletamente o sentido, porque é impossível você dar conta dessas exigên-
cias. Então, é necessário que toda a nossa vida seja uma vida apenas de
gratidão e Glória a Deus por causa da obra que ele já realizou.
Porque, se não for assim, você vai ser destruído pela sua própria consci-
ência. E sua consciência é o ídolo mais terrível que existe. Portanto, você
precisa voltar a sua consciência para essa realidade de que Deus é um
Deus de graça. E, por isso, você vive uma vida de gratidão. Isso acaba sen-
do uma espiritualidade mais libertadora do que a outra, que é tão comum
entre nós.

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ORAÇÃO E INTENÇÃO
POR RODRIGO BIBO

Jesus, em vários momentos dos evangelhos, fala sobre a insistência da oração. Ele
conta, por exemplo, a parábola de um amigo que insiste na porta até o outro amigo
abrir, mesmo sendo inconveniente ele está lá, batendo na porta. E ele insiste, porque
sabe que esse amigo pode ajudá-lo - Lucas 11:5-8. Jesus usa esse exemplo para falar
“insista em oração com Deus”, pois, se você insiste na oração com Deus, é porque re-
conhece que ele é o único amigo que vai abrir a porta pra você.

Na história de Marcos 7, nós temos o caso da mulher siro-fenícia. A mulher vai lá


incomodar Jesus que já foi pra Tiro e Sidom pra descansar. E, chegando lá, a mulher vai
até ele, dizendo: “Senhor, livra minha filha do demônio, expulsa esse espírito maligno
da minha filha”. Jesus dá uma resposta anticlimática para ela: “Querida, eu vim aqui pra
alimentar os meus filhos primeiro”. Ou seja, Jesus tinha claro que o ministério dele era
para os judeus, mas ela insiste e diz: “Mas os cachorrinhos se alimentam da migalha
que cai da mesa dos filhos”. Ou seja, ela reconhece o papel dela nessa história. Ela
sabe que ela é o cachorrinho, que não pertence ao povo de Israel, porém ela entende
que só o Deus de Israel é que pode libertá-la. Entende que somente Jesus de Nazaré,
aquele que veio para os seus, é o único que pode ajudá-la. Enfim, tem a parábola do
juiz iníquo, tem uma série de parábolas e textos nos evangelhos, como também nas
cartas de Paulo, que nos falam da insistência na oração.

E eu fico pensando no que eu tenho insistido com Deus em oração. O que você tem
insistido em oração? O que tem feito você dobrar os seus joelhos e insistir com Deus?
É interessante que eu tenho feito isso ultimamente na minha vida, tenho feito essa
insistência com Deus por conta de algo, de uma direção, de decisões que eu preciso
tomar na minha vida. Mas é engraçado que fazia tempo que eu não insistia em alguma
coisa, e isso é preocupante, porque, se não estamos insistindo com Deus em alguma
coisa, - e eu estou falando de mim, não estou julgando a sua vida não - é porque esta-
mos meio genéricos. Às vezes estamos tão no flow, tão no fluxo, e vamos fazendo as
coisas… e claro que Deus está abençoando, estamos fazendo a obra dele. Mas chega
uma hora que até as nossas orações ficam meio genéricas.

E é triste quando caímos no genérico, e eu não quero isso pra minha vida, nem para a
sua. Eu não quero oração genérica, eu quero insistir com Deus por coisas que glorifiquem

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o Seu nome. Quero orar pela igreja com o mesmo amor e paixão que Paulo orava pelas
igrejas. Quando eu vejo Paulo orando em Éfeso, em vários momentos ele interrompe seu
discurso com orações. Então, eu quero isso pra minha vida, eu quero insistir com Deus.
Tiago Cavaco escreve em “Milagres do Coração” sobre a mulher siro-fenícia e diz
uma coisa muito legal: “a mulher não diz: Senhor, dá-me o que mereço com base na
minha bondade, mas dá-me o que não mereço com base na Tua vontade”. Isso muda
todo o aspecto da oração. Eu insisto com Deus por causa da bondade dele, não por
causa da minha. Outro trecho: “se eu me estimar contra o que Jesus quer para mim,
naturalmente faço da minha autoestima uma vaidade. Muitas vezes, queremos Jesus
como um meio de atingirmos um desejo para nós. Desejo esse que alimentamos a
partir de outra fonte que não ele”

Que a nossa fonte seja Jesus, que as nossas orações fluam daquilo que Jesus está
fazendo em nós e daquilo que ele quer fazer através de nós. Que Deus nos abençoe!

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APÊNDICE
A ORAÇÃO

Transcrição do BTCast “M” O18: Oração com Rodrigo Bibo, Cacau Marques e Rogério
Moreira Jr

Rodrigo Bibo: Deixa-me falar um negócio para vocês. Quando estava es-
crevendo o meu livro “O Deus Que Destrói Sonhos”, eu travei no capítulo
de oração, pois é como se eu não me sentisse apto a escrever um capí-
tulo sobre a oração. Literalmente, eu dei uma travada no livro por conta
desse capítulo. Então, eu pensei: “Preciso começar o capítulo”. E não é
que a minha vida de oração deu uma melhorada por conta do capítulo?
O assunto da oração, como disse Philip Yancey, “não se escreve sobre
oração, oração se faz!”

Cacau Marques: Sobre isso que você falou sobre o Philip Yancey, “Ora-
ção: Ela faz alguma diferença?” é um bom livro de oração, porque ele faz
as perguntas certas. O Philip é jornalista - e jornalista é bom para isso,
para fazer as perguntas direito. Ele faz as perguntas certas - nem sempre
ele responde, muitas vezes, deixa em aberto. São vinte e poucos capítu-
los, cada um deles dirigido por uma pergunta. O livro, na verdade, é uma
pergunta, como diz o próprio título. Foi um livro de oração que eu li na
época do seminário, ele é até um pouco grande. Quando o professor
recomendou, nós brincamos com ele: “Professor, ou a gente ora ou a
gente lê esse livro, não vai dar tempo de fazer os dois”. Melhor que esse
do Yancey é o “Oração”, do Tim Keller.

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Esses livros têm uma coisa sobre oração que eu acho que é importante,
que é não querer ser um livro de meditação. Pois um livro de meditação é
um devocionário, então ele compõe uma prática devocional, ele tem que
ter o seu lugar. Você lê o texto, você ora, ele te guia pela oração.
Mas esses livros tratam a oração como um objeto teológico. Eles te ins-
piram pela doutrina e te inspiram pela verdade da oração, logo, eles te
amadurecem. No entanto, não são livros para você ficar lendo para se
elevar espiritualmente. Eles até têm exemplos sobre muitas histórias, é
muito bom por causa disso. Às vezes, queremos um livro de oração que
vamos ler e acabar elevando nossa alma, isso é outro aspecto, outro tipo
de literatura. Precisamos, também, ter essa coisa meio pesada, doutriná-
ria, para irmos amadurecendo. Eu nunca li E. M. Bounds, que é famoso
em seus livros de oração.

B: O próprio Max Lucado tem o seu livro de oração também. Se você quer
um livro para orar mesmo, é “Heróis da Fé”, do Orlando Boyer. Eu li na
época do seminário e quando era da Assembleia. Ele contava só a parte
boa desses heróis da fé. E o que eles tinham em comum, meu amigo?
Oração! Inclusive, eu estava lendo agora “As Institutas de Calvino”. É
super interessante o que Calvino escreve sobre esse assunto, muito bom
mesmo. Lutero, eu já li alguma coisa. Já li Spurgeon - ele é pentecostal,
né, só pode! Há uma frase naquele devocional dele que me chamou a
atenção: “As nossas orações são como canhões apontados para a porta
do céu”.
A questão da oração não é ligada somente ao povo de Deus, vários ou-
tros povos antigos têm a prática de fazer orações a aquilo que acreditam
ser maior do que eles. Tim Keller traz isso por sermos criados à imagem e
semelhança. Essa questão da imago dei, do ser humano ser programado
para Deus - daí essa necessidade de falar com aquilo que transcende sua
existência.

Rogerio Junior: Acho curioso pensar que, em muitas culturas, vemos


a oração, a súplica e a prece ligadas à uma forma de você manipular a
divindade, uma forma de poder chegar na divindade e fazer o que você
quer. Como Jesus fala no Sermão do Monte, capítulo 6 de Mateus, a nos-

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sa relação com Deus é completamente diferente. Ela não é baseada na
forma que oramos e mudamos Deus, é muito mais próximo de um rela-
cionamento. Não é orar para poder ter alguma coisa ou receber algo.

NÃO SABEMOS COMO ORAR

CM: Um princípio importante, que está em Romanos 8: “Nós não sabe-


mos como orar”, precisamos partir dessa humildade.

B: E o pedido dos discípulos deve estar, também, em nossos lábios: “Se-


nhor, ensina-nos a orar”.

CM: Exatamente. Esse tipo de postura diante da oração é o que vemos


nos exemplos históricos dos quais estamos falando desde o início. É im-
portante entendermos isso por dois motivos. Primeiro, porque tiramos
da oração um peso técnico - uma técnica correta - para não cair nessa
questão da qual o Rogério falou, da manipulação.
E segundo é entender que pior do que orar errado é não orar. Precisa-
mos orar! Inclusive, até “pedir para aprender a orar” é uma oração. Ali,
os discípulos estavam se voltando para Jesus Cristo, que é Deus, e eles
falaram: “Senhor, ensina-nos a orar”. Não estou dizendo a respeito da
consciência dos discípulos sobre isso, mas, no final das contas, é isso. É
também nossa postura diante de Jesus Cristo.
Então, devemos orar mesmo sem saber como fazer isso - e é na prática
da oração, da meditação bíblica, e no aprendizado que a nossa oração vai
se tornando madura. Não é que a nossa oração precisa atingir um ponto
em que ela se torna correta para Deus aceitar, mas ela vai amadurecendo
conosco, porque, conforme vamos crescendo na vida espiritual, cresce-
mos com oração e com a meditação na Palavra do Senhor. Nós vamos
amadurecendo o nosso relacionamento com Deus. Eu costumo falar isso

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na igreja.
Por exemplo, muitas vezes, você vai para a igreja pois está com algum
problema. De vez em quando, alguém me procura - alguém que nunca
entrou na igreja - e diz que precisa falar com o pastor. Em seguida, vamos
conversar e a pessoa não está interessada em Jesus, mas sim em resolver
aquele problema dela.
Apontamos o evangelho de Jesus Cristo, que resolve a causa - e não os
efeitos imediatamente. Assim, a pessoa começa a amadurecer no relacio-
namento com Jesus Cristo, na vida, na caminhada de fé dela. E o que era
uma oração de simpatia -“Senhor, ajuda-me nisso aqui” - vai se tornando
um relacionamento com Deus.
A partir disso, a pessoa já não está mais orando para atingir um objetivo
específico do fruto da oração, e sim porque ela está em um relaciona-
mento com Deus e isso vai se aprofundando na vida dela. Eu acredito
que o princípio inicial é que não sabemos como orar, quem nos ajuda na
nossa oração é o próprio Espírito de Deus.

B: George MacDonald disse: “Minhas orações, meu Deus, fluem daquilo


que eu não sou, penso que tuas respostas me fazem ser o que eu sou”.
Essa citação eu li no livro do James Houston, Orar com Deus.

CM: Tem outra coisa que eu acho interessante sobre essa questão de
que nós não sabemos orar. Há duas passagens bíblicas, uma delas é o
Senhor Jesus Cristo falando no sermão do Monte, em Mateus 6:5-6: “E
quando vocês orarem, não sejam como os hipócritas. Eles gostam de ficar
orando em pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de serem vistos pelos
outros. Eu lhes asseguro que eles já receberam sua plena recompensa.
Mas quando você orar, vá para seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai,
que está no secreto. Então seu Pai, que vê no secreto, o recompensará”.
Me lembro do Ed. René Kivitz pregando sobre isso, falando que “é o Pai
que vê em secreto e não o Pai que ouve em secreto”. Não nos mostrando
o que deveríamos falar ou não, mas mostrando como, nesta fala de Jesus
Cristo, a postura de quem ora é muito mais importante do que o conteú-
do. Ele não fala qual o conteúdo da oração dos hipócritas.
O hipócrita poderia estar na esquina orando por outra pessoa. A questão

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é que ele está na esquina, porque quer aparecer para os outros. Enquan-
to o outro, que está humildemente em casa orando, fazendo isso em
secreto, faz diante do Deus que vê em secreto, porque só o Deus que vê
em secreto recompensa.
Tem muitas coisas importantes sobre isso, especialmente uma diferença
entre o que é religiosidade e o que é espiritualidade. A religiosidade é
aquela prática que você faz diante dos outros, a ideia de seguir uma regra
- e uma regra só é uma regra quando todos concordam.
A espiritualidade é diante de Deus, você sabe da realidade de Deus. É cla-
ro que a espiritualidade tem um âmbito particular e um âmbito coletivo,
mas esquecemos o âmbito particular, porque, basicamente, transforma-
mos o olhar dos outros no olhar Divino. Então, importa parecer crente,
não importa ser crente, não importa crer de fato. Mais que estar com as
palavras corretas ou não, é estar na postura correta, porque quem ensina
a orar é Deus.
Um outro exemplo é a oração sem palavras, que é a oração de Ismael.
Quando Hagar vai para o deserto pela segunda vez, em que Ismael já é
nascido. Se você fizer as contas, Ismael teria aproximadamente 15 anos -
somando o tempo do nascimento de Isaac até quando ela é expulsa por
Sara. Quando ela está no deserto com Ismael, o texto todo parece que
Ismael é muito pequeno, porque ela está o carregando. Ela o põe debaixo
do arbusto, se afasta a uma distância para não ver ele morrer, e come-
ça a orar no deserto. O anjo do Senhor aparece a ela e diz: “O Senhor
ouviu o choro do menino”. Ele não diz: “O Senhor ouviu a sua oração”. E
isso é muito interessante, porque nós não temos um Senhor que está
alheio aos nossos sofrimentos, não temos um Senhor que está alheio à
maldade.
Nós temos o Senhor que se compadece e, quando ele se compadece, ele
se compadece de pessoas que podem nem saber direito como expressar
o que estão querendo dizer, mas o Senhor está vendo. Isso é maravilho-
so, porque acredito, a partir dessa história, que não só essa oração é o
choro, como toda oração é um choro.
A nossa maneira de orar fala muito mais sobre nós do que sobre o po-
der de Deus através da nossa oração. Ela fala muito mais sobre o tipo
de relacionamento que temos com Deus do que sobre qual é a técnica
correta para se orar. Toda oração é um choro, pois, quando nós não sa-
bemos orar, o Espírito vai diante de Deus com gemidos inexprimíveis. Ele
vai diante de Deus e chora as nossas orações - essa é a maneira como o
Espírito traduz as nossas orações.

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Muitas vezes, quando nós estamos chorando diante de Deus, estamos
orando, porque o Senhor não está alheio. Ele não está lá, vendo nosso
sofrimento, dizendo assim: “Vamos ver se ele me chama”. Quem fez a
primeira oração na Bíblia?
O primeiro clamor a Deus vem com Abel. É quando Deus fala para Caim
que o sangue de Abel clamava da Terra. Abel estava morto, o que seria
esse clamor? Trata-se de um Senhor que não está alheio às injustiças,
ele está envolvido. Ele não está esperando que o levemos na direção dos
problemas do mundo, como se nós fôssemos uma espécie de fiscais aqui
para chamar: “Oh, está dando problema, vem aqui e solucione!”. Ele está
olhando, ele ouve a injustiça de Nínive que chega até ele, enche o seu cá-
lice com a injustiça dos amorreus. Ele está olhando para o mundo.
Quando nós oramos, o Espírito leva a Deus essa oração com gemidos
inexprimíveis. Quando essa oração é fruto das injustiças do mundo, está
partindo do mal do mundo, da situação de pecado na qual nós estamos
inseridos, esse choro - seja real ou espiritual, seja com os nossos olhos ou
com o choro do Espírito com as nossas palavras - está unido ao choro de
toda a criação. É tudo o mesmo contexto lá em Romanos. Então, quando
oramos, nós estamos entrando nessa situação de oração madura, iden-
tificamo-nos com a justiça de Deus e contra a injustiça do mundo. Um
choro de sangue que escorre para a terra, o choro daqueles que clamam
pela maldade dos poderosos.
Nós oramos a Deus, clamando por causa destas coisas, porque nós vive-
mos nessa realidade. A oração é fruto de gente que está se relacionando
com Deus, que busca a Deus, que busca pela fé, pois sabe que ele é ga-
lardoador dos que o buscam. Mas, também, é característica de quem vive
nessa situação de separação com Deus, que é a realidade do pecado em
que vivemos. Isso define espiritualidade. É viver nesse ambiente celes-
tial, ainda não estando nele. É provando esse relacionamento com Deus
numa situação de separação com ele.

B: Na oração, falamos com aquele trouxe a eternidade para a história,


oramos para um Deus presente, que não está alheio às necessidades
desse mundo. Penso que, em uma oração de um discípulo de Jesus, de
alguém que pertence ao povo de Deus, haverá uma preocupação, não
só cósmica, mas com o próprio povo de Deus. Eu lembro das orações de
Paulo, a maioria delas registradas em suas cartas. Paulo pede que o povo
amadureça, cresça em graça, conhecimento e unidade.

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A oração de um discípulo de Jesus está permeada pela ideia de que vivemos
no caos, nessa velha era. Mas eu estou transformado pela nova era - troca-
dilhos que Shedd faz em seu livro “O Homem em Comunidade”. Essa pers-
pectiva de nova realidade deveria influenciar toda a minha vida de oração.

O OBJETIVO DA ORAÇÃO

CM: O conteúdo da oração vai justamente do aprofundamento do nosso


relacionamento com Deus, conforme vamos entendendo o seu caráter.
Minha reflexão sobre oração mudou no dia que uma amiga minha no
seminário me disse que oração não é uma simples conversa, oração é
relacionamento. De fato, toda a conversa pressupõe um relacionamento.
O tipo de relacionamento que temos com Deus é o tipo de oração que
vamos ter. O Senhor está aberto a ouvir nossas orações. Mesmo em um
relacionamento mais distante, ele ouve. Deus nos chama para um relacio-
namento profundo com ele.
A bênção da oração não é a resposta, mas sim a construção do relacio-
namento. Um exemplo: Jesus Cristo fez muitos milagres no tempo dele.
Pessoas pediam com fé e ele fazia, ao ponto de curar à distância. Porém,
a cura em si não era a bênção do milagre, porque essas pessoas curadas
por Jesus Cristo depois de um tempo morreram. O milagre não tornou
ninguém fisicamente imortal, mas, com isso, o Senhor chamava essas
pessoas - agraciadas pela bênção - ao relacionamento.
Então, quando você clama a Deus e simplesmente toma a resposta da
sua oração como o fim daquela oração, a sua oração foi uma troca, foi
um comércio, uma relação comercial. Esse é o tipo de relação que você
tem com Deus. Mas, se você entende que ali tem uma relação de amor,
que Deus não tomou a sua oração como um pagamento para ele fazer
alguma coisa, porém tomou como uma relação, você cresce no relaciona-
mento com Deus e a sua oração também amadurece. O relacionamento
de qualquer pessoa amadurece quanto mais experiência tem com essa
pessoa, e a mesma coisa acontece com Deus.
Sempre vou no posto de gasolina para tomar um café e comer uma torta
de frango. Sempre que eu tenho aula, eu dou uma passadinha lá. Eu peço

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a torta de frango e a mulher já fala: “O café também, né?”. Ela já sabe, mas
esse é todo o relacionamento que eu tenho com ela. Mas, com os amigos,
os relacionamentos se aprofundam quanto mais experiências nós temos.
Com Deus é a mesma coisa. Devemos olhar para a oração dessa maneira,
aprofundando nosso relacionamento com Deus pela fé.

RJ: De certo modo, no ato da oração, você olha para Deus como alguém
que te provê, alguém que te escuta, mas também está ligado ao fato de
você ver Deus como alguém que é Santo, que é poderoso - em oposição
a você, que é pecador, impotente.
Pegando aquilo que o Tim Keller diz, que a sua visão teológica também
interfere na sua oração, essa visão vai mudando o seu relacionamento.
Então, ela não só é o fruto do relacionamento como ela interfere nele - na
sua relação com Deus.
Portanto, se você não consegue orar, sente sua oração fria, talvez o seu
problema não seja apenas gastar mais tempo em oração, ler um livro so-
bre a oração, orar o Pai Nosso ou até praticar o lecionário - algo para te
ajudar. Você precisa ver como é que está enxergando Deus.

B: Quero ler um parágrafo do livro “Orar com Deus”, de James Houston,


página 18: “Visto que a oração pertence ao lado relacional da vida huma-
na (a “quem sou eu”, e não ao “que faço eu”), é inevitável que a oração
tenha uma baixíssima prioridade, mesmo considerando a melhor situa-
ção, para pessoas que vivem vidas atarefadas. Nenhum de nós está ocu-
pado demais para as coisas que consideramos ser prioridades. Só esta-
mos ocupados demais para aquelas a que damos menos importância.
Podemos viver presos ao relógio; mas, o mais importante é que vivemos
de acordo com as nossas prioridades. Quando a amizade é uma baixa
prioridade, não temos tempo para os nossos amigos. E podemos, por
semelhante modo, não ter tempo para a oração. Nosso “relógio mental”
(a maneira como vemos e organizamos nossas vidas) é, por conseguinte,
a chave que nos ajudará a crescer em nossas orações cristãs. Um botâni-
co, um geólogo ou um artista verão coisas em uma paisagem, que outros
jamais verão. Os amantes apreciarão qualidades um no outro que serão
completamente invisíveis para os observadores externos! Por semelhan-
te modo, a oração depende de nossa apreciação de Deus.”.

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O fato é que, se oramos pouco, é porque a nossa perspectiva de Deus
não é bíblica. É preciso se aprofundar mais na Bíblia, em quem Deus é.
Sabe o assombro que os discípulos tinham, que a igreja primitiva tinha
diante desse Deus? Esse temor? Eles tinham conhecimento desse Deus
que invadiu a história e a modificou, desse Deus que se fez carne, do
Deus Emanuel.

RJ: O Schaeffer fala da descrença e da incredulidade. Uma coisa é você ser


incrédulo e não acreditar em Deus, outra é você ser descrente, ou seja,
você acredita em Deus, acredita em Jesus, você leu o evangelho, acredi-
ta que é verdade, porém não confia em Deus. Sua crença não te leva a
confiar e buscar. Veja, nós cremos que tudo vem de Deus. É como você
ouvir alguém agradecendo a Deus pelo alimento e pensar que você, com
seu trabalho, trouxe alimento para casa -“Tenho de agradecer a mim”. É
você ter essa visão de mundo em que Deus está lá em cima, longe, não
interfere nas suas coisas aqui.
Lewis aponta para isso no livro “Cristianismo Puro e Simples”. Na oração
do Pai Nosso: “o pão nosso de cada dia nos dai hoje”, embora possa ser
uma aplicação espiritual - o pão espiritual nos é dado a cada dia - também
fala do pão físico, que está sobre a mesa. Deus nos dá aquilo que preci-
samos, se tudo isso é verdade, como é que não vai impactar no jeito que
vivemos, que oramos?
Se Deus é verdadeiro, as minhas lutas não são apenas minhas. Não leva-
mos nossas petições para Deus como se ele não se importasse com isso.
Deus se importa com a sua vida. Deus se importa com a humanidade,
Deus se importa com tudo aquilo que acontecer. Podemos orar, porque
isso demonstra o nosso coração de filho indo até Deus, dizendo: “Deus,
eu estou sofrendo com isso, ajuda-me”. Certamente, a maior bênção da
oração não é simplesmente a resposta. Deus não é uma máquina em que
você aperta o botão e sai uma bênção, mas é esse relacionamento - tor-
nar-se dependente de Deus, conscientemente dependente.

B: Oração, para mim, é igual a Lost - a viagem é mais legal do que o desti-
no final. Ou seja, a oração em si deve ser o prazer. Se Deus vai responder
ou não à nossa oração, é outra questão. Eu tenho visto assim. Tenho
acompanhado esses novos pregadores, bem famosos, que atraem mul-

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tidões de jovens e adultos. Luca Martini, por exemplo, lançou um vídeo
dizendo que a vida não é a Disney. Achei isso legal, porque, em alguns,
eu vejo muitas frases do tipo: “você não tem a bênção ainda, porque você
não acredita”. Inclusive, ouvi um pregador falando que, na mentalidade
hebraica, “crer é ter”, que “a bênção já está aqui e você precisa materiali-
zar”, discurso de Kenneth Hagin de décadas atrás. São coisas que me as-
sustam, pois é como se a oração fosse mandinga - essa coisa que eu faço
para mover a mão de Deus. A oração deveria mover, sim, a mão de Deus,
para dar um tapa na minha cara, um: “Acorda, garoto! A vida não é isso.”.
Um amigo meu postou nas redes sociais esses dias e eu achei bacana.
Ele disse que, embora toda oração seja adoração no sentido mais amplo,
geralmente, a oração não é uma adoração. Na Bíblia, orar é pedir a Deus
para mudar o jeito que as coisas estão, se você sempre aceita o status quo
como vontade de Deus, não pode ser um homem ou mulher de oração.
Não se trata de fazer Deus de refém, ou colocá-lo contra a parede, mas
acreditarmos nesse Deus que responde às nossas ações, que é galardo-
ador daqueles que o buscam.

CM: A palavra de Deus nos fala do relacionamento, inclusive de oração,


num exemplo de pai e filho. Então: “Vocês que são pais, respondam: Se
seu filho lhe pedir um peixe, você lhe dará uma cobra? Ou, se lhe pedir
um ovo, você lhe dará um escorpião? Portanto, se vocês que são pecado-
res sabem como dar bons presentes a seus filhos, quanto mais seu Pai no
céu dará o Espírito Santo aos que lhe pedirem!”
Essa figura do pai e do filho nos ajuda a entender a oração como rela-
cionamento e entender, também, a questão de como pedimos as coisas
para Deus, mesmo Deus já sabendo. O que a Bíblia enfatiza mesmo é
que, se você pedir, Deus dará. Ela fala desse tipo de relação, de um Deus
que responde a oração. Então, não podemos esvaziar o texto bíblico e
adequar ao entendimento teológico.
Acredito que essa relação direta e dinâmica com Deus na oração é real,
você não precisa deixar de ser Calvinista por acreditar nisso. Tem uma
pregação do John Piper em que ele diz que Deus faz coisas que ele não
faria se você não orasse - Deus faz coisas quando você ora, que não faria
se você não orasse.
Imagina um pai cortando a carne enquanto faz o churrasco e o filho pe-
dir um pedaço? O pai vai dar. E se o filho não pedisse? O pai não daria,
mas não significa que não iria ter almoço. O plano é o almoço, mas tem

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ali uma carninha dada quando o filho pede. O que aconteceu ali? A fome
do filho que foi aplacada? Essa é a grande bênção dessa questão? Não!
Porque o almoço já estava previsto, já estava provisionado. A questão, ali,
é a relação - é simplesmente a relação. Ele comeu um pedacinho de carne
que foi dado pelo seu pai. Tem uma relação, tem uma coisa bonita nisso.
Por outro lado, num outro dia, o pai e o filho estão andando na rua e o
filho pede um sorvete e o pai fala: “não, porque você vai almoçar”. O plano
do almoço está se sobrepondo ao pedido, o que se constituiu ali? Uma
relação de entender quem o pai é, o que ele valoriza e em que acredita
sobre nutrição.
A mesma coisa acontece na nossa vida de oração. Esse exemplo tem um
problema, porque parece que só pode pedir para Deus coisas que não
sejam muito importantes, porque o que é importante ele está cuidando.
Ele cuida do almoço, nós só pedimos carninha, não sabemos diferenciar
o que é importante do que não é. O filho pede coisas para o pai e ele já
está resolvendo.
Se vier uma tempestade, um raio muito forte, o filho vai pedir um abraço
para o pai, vai pedir para o pai protegê-lo. E, claro que o pai protege, ele
está protegendo. Nós pedimos tudo, e o que se estabelece - no “sim” ou
no “não” - é a relação.
Cada vez oramos menos, as gerações oram cada vez menos. Eu me lem-
bro de um tweet do Sandro Baggio, de anos atrás, que ficou na minha
cabeça até hoje. Ele disse: “É impressão minha ou a oração está sumindo
da experiência cristã”? É uma coisa muito forte de se dizer, mas não é
nada de novo.
Na parábola da viúva insistente, Lucas fala que o Senhor Jesus Cristo con-
tou sobre a importância de persistir em orar. Jesus indagou: “quando vier,
o filho do homem achará fé na Terra”? O que tem a ver uma coisa com a
outra? A falta de oração é um sintoma de falta de fé. Se você não ora, é
porque você crê pouco ou porque você não está crendo. A oração é o pri-
meiro fruto de uma fé verdadeira. Quanto mais forte é a sua fé, mais você
vai orar. Quando oramos pouco, é porque confiamos em nós mesmos.
Quanto mais recursos nós temos para confiarmos em nós, nos nossos
meios, menos oramos.
Não devemos orar só quando não temos recursos. Não tem a ver com a
falta de recursos ou não. A falta de recursos só evidencia o quanto con-
fiamos nos recursos e não em Deus. Se confiamos em Deus, elevamos
nossas preces a ele. Se não confiamos, também não oramos. As pessoas
não fazem nada pois elas não estão crendo.

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No filme “Um Coração Na Escuridão”, tem um pastor com algumas crises
e, entre as crises, tem algumas sobre a própria espiritualidade. Ele diz que
“o desejo de orar é uma oração”. Achei tão bonito. Esse desejo de orar é
a evidência da fé no seu coração. É evidência de como a vida sem Deus te
deixa seco e vazio. Essa oração que começa num desejo deve continuar
como uma oração de fato. Você não deve, simplesmente, ignorar esse
desejo ou substituí-lo por outra coisa. Você deve fortalecer sua fé em
oração e fortalecer sua oração na fé.

ORAÇÃO E AMIZADE

B: Vocês sabem como surgiu aquela famosa pintura das mãos em ora-
ção? Conta a história que, por volta do ano de 1490, havia dois jovens
artistas que eram amigos íntimos, Albrecht Dürer e Franz Knigstein. Eles
eram muito pobres e tinham que trabalhar para se sustentarem, treinan-
do como artistas em seu tempo vago. Resumindo a história, chegou um
momento em que eles pensaram que, se continuassem trabalhando e
estudando nas horas vagas, nunca seriam grandes artistas, nem viveriam
da própria arte. Eles resolvem tirar sortes e quem ganhasse poderia ir
para a escola de artes estudar, e quem perdesse teria que trabalhar do-
brado para sustentar os dois. Albrecht ganhou a competição e, assim, foi
passar tempo com famosos artistas em seu treinamento. Ao passo que
Franz trabalhava arduamente para sustentar ambos.
Albrecht voltou para aliviar seu amigo, visto que tinha se tornado um ar-
tista bem-sucedido, ou seja, ele se deu bem. Agora, ele seria capaz de
enviar Franz para a escola de artes, mas, para seu horror, descobriu que
o pesado trabalho manual havia arruinado as mãos de Franz para sem-
pre. Portanto, Franz nunca seria capaz de se tornar um artista, ele havia
prejudicado o seu próprio futuro artístico por lealdade ao seu amigo.
Um dia, Albrecht encontrou Franz de joelhos com suas mãos postas em ati-
tude de oração. Ásperas, no entanto, oferecidas a Deus em amoroso sacrifí-
cio. Prontamente, desenhou o momento e produziu um símbolo do signifi-
cado da oração. Desde então, a oração intercessora, simbolizada por aquela
atitude, faz-nos lembrar que a oração e a amizade correm juntas. A pessoa
a quem oramos teve suas mãos atravessadas pelos cravos em nosso favor.

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