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O filósofo brasileiro
Comitê Editorial da
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Direção editorial: Ronie Alexsandro Teles da Silveira
Diagramação e capa: Lucas Fontella Margoni
A regra ortográfica usada foi prerrogativa do autor.
http://www.abecbrasil.org.br
Machado de Assis: o filósofo brasileiro [recurso eletrônico] / Alex Lara Martins. - Porto
Alegre, RS: Editora Fi, 2017.
134 p.
ISBN - 978-85-5696-135-8
CDD-100
1 GLEDSON, John. Por um novo Machado de Assis: ensaios. São Paulo: Companhia
das Letras, 2006.
2Smith, Plínio Junqueira and Bueno, Otávio, "Skepticism in Latin America",
The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Spring 2016 Edition), Edward N.
Zalta (ed.), URL =
<https://plato.stanford.edu/archives/spr2016/entries/skepticism-latin-
america/>. Acesso em 10 ma. 2017.
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10 HENAUX, V. De lámour dês femmes pour lês sots, 4.ed, Liège: F. Renard, 1859.
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e os heróis dos livros que lê, sejam eles filósofos, literatos, cavaleiros
andantes, loucos etc., desde que se possa adotar tais imagens e
recriá-las noutro vocabulário (RORTY, 1989, p. 73). Não é outro
o sentido da chamada teoria do molho de Machado de Assis a respeito
da originalidade em literatura, segundo a qual se pode “ir buscar a
especiaria alheia, mas há de ser para temperá-la com o molho de
sua fábrica” (OC, II, p. 699).
O tipo de ironismo que os narradores machadianos
apresentam é especialmente aporético. Assim o percebemos logo
no início do primeiro conto, intitulado Miss Dollar, de seu primeiro
livro de contos. A esse conto se aplicam de maneira significativa
todos os sentidos de aporia citados anteriormente, pois ele
expressa uma situação aporética de maneira polissêmica. O
protagonista, Mendonça, acha-se “diante de um enigma”: deseja
decifrar o motivo pelo qual a viúva Margarida não contrai segundas
núpcias, rejeitando-o junto com outros quatro pretendentes,
inclusive um amigo seu, Andrade, para quem o enigma é
indecifrável. Mendonça apela a várias hipóteses, até que a tia de
Margarida lhe conta que a sobrinha atribui à cobiça o amor dos
pretendentes. No fim, casam-se.
Não é apenas para esta simples situação aporética de
Mendonça, o qual se encontra como um asno de Buridan, que
chamamos a atenção, mas também para as outras modalidades
aporéticas que estruturam o conto. Jogando com os vocabulários
romântico e realista, o narrador acaba instaurando o primado da
aporia.
Se no romantismo há empecilhos realistas - por exemplo,
a assimetria social – que impedem o amor do casal, em Miss Dollar
Machado encontra a contradição do romantismo nele mesmo.
Afinal de contas, os protagonistas bem se ajustam aos padrões
desta escola. Ela, viúva e bonita, algo misteriosa e apaixonante; ele,
ideando para si a “celeste felicidade”. Como que feitos um para o
outro, porém... o mesmo fato parece ser crucial para a agonia de
ambos. Ao mesmo tempo, para a ruína do realismo, não há uma
resposta objetiva, razoável ou coerente quanto à circunstância de
Margarida não querer se casar com Mendonça. Essa vontade
obscura, mais afeita à volubilidade do que à concatenação lógica de
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14 No Górgias, Sócrates diz que “não fala como alguém que sabe”. Referindo-se
à justiça e à injustiça, alega “não saber como essas coisas são” e repetidas vezes
que “esse é seu modo de falar” (Górgias, 506a-509a). Ele se espanta com o relato
do Oráculo de Delfos, segundo o qual não haveria alguém mais sábio que
Sócrates (Apologia 21b). O paradoxo torna-se ainda mais complexo se pensamos,
como Sócrates, que conhecimento e sabedoria são virtudes.
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16Em que pese Brás não ser, de direito ou conforme advertência dos manuais
de literatura, o autor do romance, devido ao potencial autorreflexivo de suas
memórias, ele o é de fato e para todos os efeitos, ainda mais que o próprio
Machado, no prólogo da terceira edição, assim o considera: “O que faz do meu
Brás Cubas um autor particular...” (OC, I, p. 625).
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LXVIII e LXIX, LXXXVII, XCVIII, CII, CVIII, CIX, CXII e CXIII, CXXVI,
CXLI e CXLV, CLVIII.
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BOSI, Alfredo. Brás Cubas em três versões: estudos machadianos. São Paulo:
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1859.
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