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Table of Contents

Agradecimentos
Prefá cio
Pecensã o da obra disbioética volume iii
Introduçã o
1. Má quina de fazer dinheiro
2. Dor silenciosa
3. Torcendo a semâ ntica: direitos reprodutivos
4. Breves notas: no fundo a questã o é sobre quem podemos matar
5. Restriçã o do aborto no caso do Chile
6. Extermínio do amanhã
7. Mediocridade moral do hedonismo abortista
8. Da submissã o imoral à autoridade
9. Fantá stico amontoado de células
10. Humanidades médicas e reconquista da educaçã o liberal
11. William Osler e a medicina como estilo de vida
12. Tranquilidade médica
13. Como conversar com quem lhe quer mal
Apêndice
Disbioética corroe o direito e a justiça no STF: a legalizaçã o ilegal e
inconstitucional do aborto
Bibliografia
D ISBIOÉTICA – VOLUME 3
O extermínio do amanhã
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Hélio Angotti Neto


 
@ 2018, de Hélio Angotti Neto
 

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
EDITORA MONERGISMO
SCRN 712/713, Bloco B, Loja 28 — Ed. Francisco Morato
Brasília, DF, Brasil — CEP 70.760-620
www.editoramonergismo.com.br
 
 
1 a ediçã o, 2018

Revisão : Felipe Sabino de Araú jo Neto e Rogério Portella


Capa : Bá rbara Lima Vasconcelos
 
PROIBIDA A REPRODUÇÃ O POR QUAISQUER MEIOS,
SALVO EM BREVES CITAÇÕ ES, COM INDICAÇÃ O DA FONTE.
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Angotti Neto, Hélio


Disbioética: O extermínio do amanhã , volume 3 / Hélio Angotti Neto —
Brasília, DF: Editora Monergismo, 2018.
ISBN: 978-85-69980-78-0
 
1. Medicina 2. É tica 3. Filosofia
 
I. Hélio Angotti Neto II. Título.
CDD 306
 
Sumário
Agradecimentos
Prefá cio
Pecensã o da obra disbioética volume iii
Introduçã o
1. Má quina de fazer dinheiro
2. Dor silenciosa
3. Torcendo a semâ ntica: direitos reprodutivos
4. Breves notas: no fundo a questã o é sobre quem podemos matar
5. Restriçã o do aborto no caso do Chile
6. Extermínio do amanhã
7. Mediocridade moral do hedonismo abortista
8. Da submissã o imoral à autoridade
9. Fantá stico amontoado de células
10. Humanidades médicas e reconquista da educaçã o liberal
11. William Osler e a medicina como estilo de vida
12. Tranquilidade médica
13. Como conversar com quem lhe quer mal
Apêndice
Disbioética corroe o direito e a justiça no STF: a legalizaçã o ilegal
e inconstitucional do aborto
Bibliografia
Agradecimentos
Agradeço a Deus e a meus pais que permitiram meu nascimento.
Agradeço à minha família e a meus amigos, que oferecem apoio e
compreensã o incondicional. E agradeço aos alunos que oferecem
seu tempo de leitura e atençã o, concordante ou discordante, em
busca da reflexã o séria a respeito da vida, da morte, do sofrimento,
da saú de e da doença.
Agradeço a todos os que me precederam na luta contra a ”cultura da
morte”. Pessoas que intuíram o mal que se coloca sobre nossa
cultura e souberam apontar o perigo. Francis Schaeffer, Bernard
Nathanson, Everett Koop, Olavo de Carvalho, Richard Weikart,
Wesley Smith e muitos outros nos avisaram, e de coraçã o
ofereceram sua inteligência ao diagnó stico e ao combate de um dos
grandes perigos da atualidade: a disbioética.
Nã o posso deixar também de agradecer ao editor Felipe Sabino,
irmã o em Cristo que comprou a briga a meu lado, e que tem
colaborado de maneira ímpar no enriquecimento editorial do
mercado brasileiro em termos de ética médica, humanidades
médicas e bioética, traduzindo autores de grande relevâ ncia como
Schaeffer, Rushdoony e Everett Koop.
É certo que, para compreender alguém, faz-se necessá rio entender
contra o que ou quem a pessoa luta. Meus escritos estã o postos
contra a tecnocracia que se julga iluminada e mais apta a cuidar da
pró xima geraçã o que os pais e mã es que amam os filhos.
Na “cultura da morte”, a dá diva imensurá vel do filho se transforma
em um objeto de desejo ou aversã o, um produto a ser adquirido ou
exterminado, submetido ao desejo mais subjetivo dos genitores. Na
concepçã o medíocre e destituída da esfera transcendente da cultura
atual, o orgasmo vale mais que a vida humana.
Deixo aqui uma pequena e singela colaboraçã o, uma coletâ nea de
artigos que versa principalmente sobre o abortamento de nossos
filhos.

Prefácio
Foi com imensa satisfaçã o e prazer que tive o privilégio de ler em
primeira mã o os originais do terceiro volume da coleçã o primorosa
de Hélio Angotti Neto, Disbioética , tomando a liberdade de traçar
algumas linhas gerais sobre seu conteú do, para que outros leitores,
que deverã o ser muitos, possam ter uma ideia do valor da obra e de
sua imprescindibilidade para a verdadeira formaçã o ética no mundo
relativizado.
Em um insight extremamente feliz surge, no primeiro volume dessa
coleçã o, o neologismo criado por Angotti Neto. A palavra disbioética
descreve com completude e mestria o lamentá vel e deletério
surgimento da “nova bioética” que, na verdade, constitui a inversã o
e perversã o de tudo que se pode considerar ético ou bioético. É essa
disbioética que Angotti Neto, prestando a todos nó s um inestimá vel
serviço, denuncia em cada um dos artigos que compõ em os volumes
da coleçã o. É a face horrenda da disbioética , marcada pelos sulcos
da morte, da desumanizaçã o, da crueldade, da falta de empatia com
o semelhante, da insensibilidade, do tecnicismo, do materialismo, do
cientificismo e, principalmente, da zoologizaçã o e reificaçã o do ser
humano, que nos é apresentada sem peias. 
No volume III de Disbioética , Angotti, logo nos agradecimentos,
chama a atençã o do leitor para a necessidade de avaliar o homem
com a pergunta sobre qual é a luta desse homem. Qual é a sua luta?
Se a luta for valorosa, certamente valoroso é o homem que a enceta.
Como se vê em cada um dos volumes de Disbioética , e no conjunto
geral da obra de Hélio Angotti Neto, há imenso valor da luta e, como
consequência, do homem que a leva a termo. O contato com o
trabalho do autor é reconfortante porque nos dá a exata dimensã o
da existência de pessoas que ainda nã o submergiram no caos do
relativismo destrutivo e sã o capazes de compor trabalhos de
qualidade que podem manter a centelha do bom senso em meio a
tanta insanidade. Que seja essa centelha o início de um imenso facho
de luz a nos guiar, como indivíduos e grupos, de volta à capacidade
de crítica e manutençã o do mínimo que seja de consciência sã . O
autor afirma sua luta com clareza: “Contra a tecnocracia que se julga
iluminada e mais apta a cuidar da pró xima geraçã o que os pais e
mã es que amam os filhos”.
O tema central do terceiro volume é o abortamento e a ideia basilar
para lidar com o tema é o enfrentamento dos pseudoargumentos
nã o só do aborto, mas de outras barbaridades, como o infanticídio, a
eliminaçã o de deficientes e idosos etc. Em suma, a obra toda é
permeada pela tentativa de despertar a sociedade, e cada um de
seus membros, do pesadelo que produz a confusã o entre uma
dá diva divina e natural com o exercício de mero desejo ou aversã o,
enfim, de vontade ou capricho subjetivo.
Sem dú vida, uma das críticas mais relevantes apresentadas por
Angotti Neto na obra é a da “manipulaçã o verbal” e seus eufemismos
na tentativa (muitas vezes bem-sucedida) de fazer descer goela
abaixo das pessoas coisas que provocariam, no aspecto verdadeiro e
honesto, terrível sensaçã o de engulho.
O Capítulo 1 trata da relaçã o entre a defesa do abortamento e a
ganâ ncia, o desejo incontido de lucro financeiro, disfarçado de
“filantropia”. O exemplo mais gritante disso é a megaorganizaçã o
Planned Parenthood, que se identifica como instituiçã o “sem fins
lucrativos”, mas que movimenta muitos milhõ es de dó lares com a
prá tica do aborto, e pior, com a venda de partes de fetos para os
mais diversos fins. 
Observe-se o que Angotti Neto nos ensina já nos agradecimentos da
obra, pois vem a calhar quando nos deparamos com uma instituiçã o
como a acima mencionada. Ora, a Planned Parenthood teve como
fundadora a execrá vel figura de Margareth Sanger. Por que
execrá vel? Nã o seria uma palavra forte demais? Nã o seria um
argumento ad hominem ? Nã o. Porque descreve a pessoa de acordo
com suas credenciais, que, em suma, como propõ e Angotti Neto,
podem ser avaliadas de acordo com a luta encetada. Pois bem, a luta
de Margareth Sanger era em prol do racismo e da eugenia . Fica a
indagaçã o: Como pode uma instituiçã o com uma fundadora dessas,
com uma origem tã o ignó bil, tendo por mote uma luta tã o abjeta,
produzir algo bom?
O que tais instituiçõ es e toda a teorizaçã o voltada a apresentar a
morte como soluçã o de todos os problemas — levando ao
paroxismo o brocardo latino “ mors omnia solvit ” (“a morte dissolve
tudo”) — produzem é o culto ao niilismo. Basicamente, há uma
elevaçã o culminante do pecado da “preguiça” diante dos desafios
que o semelhante nos apresenta com suas alegrias, sofrimentos,
enfermidades etc. Sim, porque apresentar a morte ou a eliminaçã o
sumá ria como soluçã o nada mais é que abandonar qualquer intento
de realmente enfrentar os problemas. Matar é muito mais fá cil que
“cuidar”. É tentador, em termos de “preguiça”, de acomodaçã o, dar
ênfase ou mesmo transformar toda a medicina da arte curativa (de
“cura” no latim, significando cuidar, dar atençã o, cuidado, diligência,
zelo) em uma prática seletiva . No lugar de curar, de cuidar, zelar,
apenas selecionar e descartar. Perceba-se a contaminaçã o nã o só da
arte e da prá tica médicas, mas da pró pria pesquisa que se torna
desprovida de incentivo. Para que um médico se dedicará à busca da
cura de doenças genéticas ou outras que podem ser diagnosticadas
ab ovo e “solucionadas” com a eliminaçã o via abortamento? Será
mais cô modo, satisfará o pecado da preguiça, conformar-se com o
desenvolvimento de técnicas de diagnó stico e de eliminaçã o. Afinal,
para que cuidar de outro ser humano? Do ser humano que já nã o
tem mais rosto ou face que me desafia, para quê? [1] Afinal, para que
enfrentar desafios, se posso optar pela acomodaçã o da eliminaçã o
sumá ria? Assim é que a preguiça moral se torna parteira da
indiferença, crueldade e morte. Bom seria se, em lugar da preguiça,
cada profissional (e nã o só os médicos), cada pessoa, se dedicasse ao
ó cio necessá rio e benfazejo da contemplação e pudesse enxergar no
semelhante, no menor e mais frá gil, a sacralidade, o valor
inestimá vel, digno de todos os esforços e cuidados.
No Capítulo 2 Angotti Neto nos fala da “Dor silenciosa” do sujeito
passivo do abortamento, da dor ocultada com todas as forças pelos
defensores dessa prá tica assassina.
Destaca que toda a atençã o é dada à mã e, à mulher grá vida,
olvidando-se do feto. Evita-se a todo custo falar do feto, da criança
ou pessoa em gestaçã o. Já nesse ponto surge uma das excelentes
críticas à manipulaçã o da linguagem e consequente desonestidade
intelectual abortista. Para substituir a realidade surgem
nomenclaturas técnicas assépticas de que sã o exemplos “produto da
gravidez ou concepçã o”, “concepto” ou até mesmo “consequência
indesejada”.
Tudo isso para ocultar com um véu insidioso o fato de que o feto é
um ser vivo, um ser humano vivo, o qual, inclusive, tem
sensibilidade à dor. Na verdade, como demonstra o autor com dados
científicos, está comprovado que o recém-nascido prematuro tem
maior sensibilidade à dor que o nascido a termo, considerando que
nã o desenvolveu ainda estruturas de reaçã o a estímulos ambientais
que podem provocar (por sua falta) reaçõ es dolorosas exageradas.
Dessa forma, é muito mais crível que o feto tenha grande
sensibilidade à dor que a conclusã o contrá ria. Some-se a isso o fato
de que em termos do efetivo conhecimento da açã o e expansã o do
sistema nervoso, a medicina engatinha e se move à s apalpadelas. [2]
Muitos estudos, como por exemplo, o de Benjamin Libet, sofrem hoje
a crítica de apenas constatar fenô menos ou sinais em certas regiõ es
cerebrais e os ligarem a fatos como tomadas de decisõ es,
sentimentos, condutas etc., tendendo à visã o determinista do ser
humano por construçõ es de liames de causalidade extremamente
frá geis, identificando epifenô menos como causas. [3]
Em meio a toda essa manipulaçã o o pró prio médico é induzido a
desconsiderar o fato notó rio de que o feto também é um seu
“paciente”, portanto, faz jus a todos os seus cuidados e tratamentos
técnica e eticamente recomendá veis.
Essa manobra de distanciamento e ocultaçã o da verdadeira face do
feto como criança, como ser humano vivo, objetiva colocar em
prá tica a dessensibilizaçã o que todo distanciamento entre sujeitos
provoca. Isso já foi comprovado pela famosa experiência de Stanley
Milgram. Na experiência de Milgram os participantes eram
convidados a aplicar choques elétricos em outro sujeito,
aumentando gradativamente a voltagem. Estando a vítima presente
e com contato físico e visual, só 30% prosseguiram cumprindo as
ordens de choque até o final. Quando era mantido o contato visual,
mas suprimido o físico (o choque era aplicado apenas pelo
acionamento de alavancas, nã o necessitando o indivíduo levar a mã o
da vítima ao dispositivo elétrico) a proporçã o de obediência
aumentava para 40%. Quando as vítimas eram escondidas atrá s de
uma parede, de forma que só seus gritos eram captados, a
obediência aumentava para 62,5%. Por fim, quando até o barulho
dos gritos era acusticamente abafado, nã o sendo perceptível, a
porcentagem de obediência subia para 65%. [4] Nada mais evidente
que o fato de esse processo ser muito facilmente induzido com
referência ao produto da concepçã o (ovo, embriã o ou feto), oculto
no ventre materno, sem voz, sem presença, sem rosto, sem açã o,
sem nada, a nã o ser sua inapelá vel humanidade. Humanidade esta
que se oculta com o uso das paredes grossas da manipulaçã o
linguística eufemística.
Note-se que a dessensibilizaçã o pode ultrapassar com facilidade o
ser humano no ú tero e atingir os já nascidos, totalmente
desenvolvidos em uma típica ladeira escorregadia, onde se inicia
com o que se apresenta como algo menor para atingir, em um ponto
à frente, alvos de maior calibre. A histó ria ensina isso. A chamada
“soluçã o final” nazista nã o foi aplicada nem apresentada de
imediato, tudo teve início com o incentivo ao aborto, à eugenia
negativa e desembocou no Holocausto que só foi possível por conta
da banalizaçã o do mal. [5]  
É interessante, no contexto apresentado por Angotti Neto, constatar
a imensa contradiçã o, que chega à “esquizofrenia intelectual” no seio
da qual “o homem aspira ao papel de deidade e retrocede à sub-
humanidade” (senã o da subanimalidade). [6]
Isso porque,
estranhamente, sã o os mesmos defensores do aborto, da eutaná sia,
do infanticídio etc. (com suas pretensõ es de engenharia social e
utopia paradisíaca terrestre), os que defendem, por outro lado e
contraditoriamente, os chamados “direitos dos animais”, justamente
por caracterizá -los como “seres sencientes”, ou seja, capazes de
prazer e dor, como os que denominam “animais humanos”. Mas, se
os animais devem ser protegidos, têm direito à preservaçã o da vida
e o vegetarianismo é a ú nica opçã o moralmente aceitá vel na
alimentaçã o, entã o por que um ser humano estaria abaixo dessa
consideraçã o quando estiver no ú tero, quando for idoso, quando for
enfermo ou deficiente, ou pelo simples desejo de liberdade da
mulher e/ou do homem que consideram a criança uma
“consequência indesejada”? Mais que “sencientes” os seres humanos
sã o “conscientes”, mais que isso, “autoconscientes”, se nã o em ato ao
menos em potência, dependendo da sua fase evolutiva. Onde fica o
mínimo de coerência nesse pensamento? [7]
É no Capítulo 3 que o autor aborda com mais ênfase o torcer, ou
melhor ainda, o distorcer da semâ ntica com vistas à manipulaçã o da
linguagem. É de lembrar Stendhal: “Ao homem foi dada a palavra
para esconder seu pensamento”. [8]
Atenta para o fato de que os defensores do aborto costumam usar a
expressã o “direitos reprodutivos”, mas pouco tratam da reproduçã o
humana e sim da obstaculizaçã o dessa reproduçã o pelos processos
de abortamento e infanticídio. Nesse passo, propõ e que se siga o
conselho de Leandro Karnal: o “mal precisa ser chamado pelo
nome”. [9] E que nome seria esse o correto para os chamados
“direitos reprodutivos” tã o alardeados?  Esse nome seria “direito de
extermínio”. Mas, como se sabe, jamais será tal nome dado aos
“direitos reprodutivos”, por uma questã o de ser politicamente
incorreto .
Outra expressã o ilusó ria, autofá gica e insidiosa é o “Direito de
decidir”. Como é possível conciliar esse suposto direito humano
inalienável da mulher (e eventualmente do homem) de decidir,
quando ao feto, com sua destruiçã o irreversível (morte) é negada
qualquer possibilidade decisó ria futura? Mais uma vez estamos
diante de um modelo esquizofrênico. Uma “ditadura democrá tica”:
para que uns tenham o direito de decidir, retira-se de outros
qualquer opçã o decisó ria. Ao tratar da liberdade de expressã o,
Owen M. Fiss nos brinda com o conceito do que denomina “efeito
silenciador do discurso”, ou seja, o exercício da liberdade de
expressã o só é legítimo na medida em que nã o comporte o
silenciamento do outro de forma arbitrá ria. Em sentido bá sico, nã o
se admite, na concepçã o democrá tica, que “o discurso dos
poderosos” venha a soterrar ou comprometer “o discurso dos
menos poderosos”. [10] Ora, mutatis mutandis , nã o é igualmente
admissível que o suposto “direito de decidir” dos poderosos tolha
total e irreversivelmente o futuro “direito de decidir” de quem nem
sequer pode ser chamado “menos poderoso” ou mesmo “fraco”, mas
sim completamente indefeso, inerme!  É notó ria a falta de
compreensã o de que, como aduz Miguel de Unamuno:
Nã o há nada mais universal do que o individual, pois o que é de cada um
é de todos. Cada homem vale mais do que a humanidade inteira, nã o
adianta sacrificar cada um a todos, a nã o ser na medida em que todos se
sacrifiquem a cada um. [11]
Observe-se que a crítica de Angotti Neto é por pertinente ao
extremo. Os contorcionismos linguísticos nã o ferem de morte só a
verdade, a realidade, a sinceridade e a honestidade. Atingem em
cheio a pró pria racionalidade. Como afirma Vitor J. Rodrigues, no
imperdível Teoria geral da estupidez humana : “Estupidez nã o é
ausência de inteligência mas resistência ativa à inteligência”. [12]
O ato de estupidificar produzido por essas manipulaçõ es linguísticas
eufemísticas é o fruto do cultivo da mentira. E como bem alerta
Harry G. Frankfurt:
O problema com a ignorâ ncia e o erro é, evidentemente, que eles nos
deixam no escuro. Sem as verdades que nos sã o necessá rias nã o temos
nada a nos guiar, a nã o ser nossas pró prias fantasias ou especulaçõ es
irresponsá veis e o conselho importuno e inconfiá vel dos outros. Quando
planejamos nossa conduta, portanto, o má ximo que podemos fazer é
desfiar palpites desinformados e esperar trêmulos pelo melhor. Nã o
sabemos onde estamos. Estamos em um voo cego. Podemos avançar
apenas tateando nosso caminho, sentindo-o à s apalpadelas.
Esse tatear insensato pode funcionar bem por um certo tempo. Mas, no
final, é inevitá vel que ele nos enleie em sérios problemas. Nã o sabemos o
suficiente para evitar, ou para superar, os obstá culos e os perigos que
fatalmente encontraremos. De fato, estamos condenados a continuar
ignorando-os de todo até o momento em que for tarde demais. E, a essa
altura, é claro que tomaremos conhecimento deles apenas por
reconhecer que já estamos derrotados. [13]
A leitura da obra de Angotti Neto é uma preciosa chance de tomar
consciência da realidade antes que seja tarde demais. Entretanto,
como todo o que se esforça para jogar luzes sobre as trevas, enfrenta
uma resistência ferrenha, causada pela ignorâ ncia e pela
contumá cia. É liçã o de Unamuno:
Nã o há um só que, chegando a conhecer o verdadeiro e o falso, nã o
prefira a mentira que encontrou à verdade descoberta por outro. [14]
Nunca é demais retornar à questã o de chamar o mal pelo nome
correto. Em filmes ou na tradiçã o religiosa do exorcismo se sabe que
o primeiro passo para sua realizaçã o é descobrir o nome correto do
demô nio. Antes que me acusem de faná tico religioso, aviso que
trabalho aqui com uma metá fora. Retomando a questã o, pode-se
afirmar que a manipulaçã o nominal, o uso de eufemismos, evita a
visã o do mal incrustrado no ato abortivo, por exemplo. O disfarce, o
ocultamento, permite que o mal permaneça escondido e nã o possa
ser extirpado, nã o possa ser “exorcizado” da sociedade que com ele
convive em paz e até o acalenta. Retirar esse véu perverso é uma das
mais relevantes contribuiçõ es da obra de Hélio Angotti Neto.
Como bem aduz o autor no Capítulo 4 da obra, os argumentos
abortistas (eugenistas, eutaná sicos etc.) visam incutir a seleçã o
entre quem podemos ou nã o matar. Apenas nã o dizem isso com a
clareza necessá ria à discussã o honesta. 
Nesse aspecto é interessante trazer à baila a incisiva crítica do
penalista Siro De Martini, que aponta para a inocultá vel contradiçã o
na concepçã o protetiva dos seres humanos pelo Direito Penal e pelo
sistema jurídico em geral, abrangendo os “direitos humanos”:
Pero lo que quisiera remarcar es que para el derecho penal contemporâneo
los únicos seres humanos que no son realmente personas, que carecen
absolutamente de derechos humanos, son los chicos entre la concepción y
el nascimiento. Sus padres, y a veces basta su madre, pueden asesinarlos
por su sola voluntad. Y para este crimen cuentan con la assistencia 
gratuita del Estado. Ellos, los chiquitos, son los verdadeiros enemigos del
mundo civilizado. [15]
Interessante e informativo é o Capítulo 5, que expõ e o tratamento da
questã o do aborto no Chile, desde 1989. Nesse país se processou a
repressã o ao aborto, acompanhada de toda uma série de medidas
educativas e assistenciais. O resultado foi a reduçã o do nú mero de
abortos e de mortes de mulheres. Esse caso concreto comprova que
a relaçã o entre mortalidade de mulheres e modelos proibitivos do
aborto nã o é verdadeira. Lida-se com um marcador substituto, uma
variá vel colocada no lugar de outra como se fosse a causa, quando,
na verdade, nã o é. Afirma-se que a proibiçã o é responsá vel pelo
aumento de abortos e de mortes de mulheres no ato respectivo. Na
verdade é a falta de cuidado com o ser humano (feto e mulher) que
ocasiona ambas as tragédias. Mais uma vez é possível identificar que
a soluçã o da morte (via aborto) resulta da atuaçã o de uma “preguiça
moral”. A facilidade se sobrepõ e à eficá cia, porque é muito mais fá cil
defender e promover a liberaçã o do aborto sob a falsa premissa de
que a proibiçã o aumenta e causa mortes de mulheres, que assumir a
gravidade do problema e demandar esforços em termos
educacionais e assistenciais ao lado da proibiçã o. Apenas liberar a
matança de fetos é muito mais fá cil que intentar promover a
mudança cultural para melhor. Afinal, nada mais verdadeiro que a
passagem de Charles Dickens em seu imortal romance:
Liberdade, Igualdade, Fraternidade ou Morte; a ú ltima, muito mais fá cil
de conceder do que as outras. [16]
O Capítulo 6 é intitulado “O extermínio do amanhã ” e consiste na
avassaladora resposta aos supostos “argumentos” favorá veis ao
aborto postos a pú blico por uma advogada em um artigo. O autor
informa os leitores de que nã o houve réplica, mas nem poderia
haver, vez que a resposta de Angotti Neto é acachapante sob todo e
qualquer ponto de vista (intelectual, histó rico, argumentativo,
ló gico, filosó fico, jurídico, racional, estatístico, informativo etc.).
O que marca a escrita nesse capítulo e o torna imperdível para o
leitor é a ironia fina e o bom humor com que o autor aborda as
questõ es, mesmo diante de uma discussã o tã o tenebrosa. Angotti
Neto demonstra, com clareza solar, o ridículo dos argumentos
sustentados pela articulista. E ridículo aqui deve ser entendido no
seu mais legítimo sentido etimoló gico, de ridiculus (latim), com
significado de “tolo, merecedor de riso”.
A autora criticada por Angotti Neto nã o foge do padrã o de
manipulaçã o da linguagem ao fazer referência ao ato do aborto
como “interrupçã o da gravidez”. Por que nã o diz com todas as letras
aborto ou destruição irreversível da vida humana , seja intrauterina
ou nã o. Nesse ponto é impossível nã o transcrever as demonstraçõ es
irô nicas e bem-humoradas do autor quanto a essa manipulaçã o
odiosa.
A articulista afirma em dado momento “nã o ser exatamente a favor
do aborto, mas da autonomia da mulher” ( sic ). Angotti Neto
desmascara o cinismo da afirmaçã o comparando-a à seguinte: “Nã o
sou exatamente a favor do estupro, sou a favor de que cada um
obtenha suas formas de prazer”. E ainda: “É como anunciar a alguém
que está prestes a ser torturado que todo o procedimento consiste
na extraçã o técnica da verdade mediante a estimulaçã o neural
sensitiva”. Eu acrescentaria: “Nã o sou exatamente a favor do
homicídio, mas de que as pessoas possam afastar definitivamente de
suas vidas todos os que lhes causam algum incô modo”.
Disserta o autor no Capítulo 7 sobre a “Mediocridade moral e o
hedonismo abortista”. Pode-se afirmar que aqui Angotti Neto foi
benevolente e tolerante ao extremo. Considerar “medíocre” a
suposta “moral” que defende o abortamento é ser complacente
demais. José Ingenieros, ao descrever imageticamente a sociedade
como uma grande nau, cujas velas sã o os medíocres e os pujantes
ventos que a fazem avançar sã o os idealistas que superam a
mediocridade, reconhece que algum valor, ao menos de estofo, resta
aos medíocres. [17] A etimologia nos leva ao latim mediocris e
significa o que é “médio”, “mediano”, “ordiná rio” ou “comum” — o
que não se destaca . No caso dos abortistas, a comparaçã o imagética
ou mesmo a origem etimoló gica nã o é compatível. Nã o há valor
algum, apenas desvalor. A “moral abortista” nã o está na média, está
abaixo da média e longe de nã o se destacar, se destaca, só que de
forma negativa e malsã . Talvez fosse mais adequado qualificar tal
“moral” de moral de “ralé” (nã o no sentido do que é popular, mas no
sentido pejorativo: o que é grosseiro, chulo, rú stico). Muito mais
pró ximo do “Zé Ninguém” de Wilhelm Reich que do “Homem
Medíocre” de José Ingenieros. [18]
A prova da benevolência do autor na mera qualificaçã o de
mediocridade é por ele mesmo dada no texto, quando narra a
proibiçã o na França da propaganda que mostrava pessoas com
Síndrome de Down felizes, demonstrando que a alteraçã o
cromossô mica nã o é sinô nimo de desgraça. A proibiçã o se dá
porque, na mentalidade deturpada do abortismo, a demonstraçã o de
felicidade e plenitude de vida dos portadores e seus entes queridos
poderia “traumatizar” ( sic ) as mulheres que abortaram pelo motivo
da detecçã o prematura da síndrome na gravidez. Isso nã o chega à
mediocridade, está muito, muito abaixo dela, pró ximo de algo como
matar os pró prios pais para depois alegar carência e precisar de
auxílio devido à orfandade. Isso é a decadência moral elevada ao
grau má ximo.
Ao analisar no Capítulo 8 a questã o da “Submissã o imoral à
autoridade”, o autor enfoca a experiência de Milgram, sob um â ngulo
um pouco diverso do exposto algumas linhas acima. Nã o destaca a
questã o da produçã o do distanciamento dessensibilizador, que é,
sem dú vida, um dos aspectos do experimento. Mas, o aborda sob o
â ngulo, também pertinente, da demonstraçã o de que, sob certas
condiçõ es, os seres humanos sã o dirigíveis pela obediência cega à
autoridade. Efetivamente, nã o só o distanciamento e a invisibilidade
do outro atuam para a infliçã o de supostos choques elétricos nas
pessoas de forma acrítica. Também colabora nessa situaçã o o poder
da autoridade exercida pelo cientista que comanda a experiência. [19]
Outro experimento que também demonstra a possibilidade da
imposiçã o do pensamento ú nico com alguma facilidade, ao explorar
as fraquezas do psiquismo humano, foi feito por Solomon Asch,
também exposto pelo autor. No caso, Asch contratou atores para
emitirem opiniõ es harmô nicas sobre certos assuntos, colocando
entre eles um indivíduo alheio ao fato. A experiência comprovou que
as pessoas, por mais estapafú rdias que fossem as ideias advogadas
em grupo, tendem a aderir, ainda que aos poucos, ao entendimento
geral. Ocorre uma espécie de “acomodaçã o ao grupo”. [20]
No ambiente cultural que se vive hoje, com o predomínio de ideias
impostas pelo barulho incessante da minoria que se autointitula
“elite intelectual” (campo para que grasse o “argumento de
autoridade”), a tendência ao dirigismo da consciência em muitas
questõ es, incluindo a do aborto, é muito grande. Torna-se difícil e
constrangedor o questionamento da intelligentsia totalitá ria,
moldada, em especial no Brasil, em consonâ ncia com a orientaçã o
gramsciana de conquista pela hegemonia ideoló gica. Obtém-se a
hegemonia pela ascendência dos chamados “intelectuais orgâ nicos”
sobre o pensamento da massa, que será apenas modelada e
adestrada. [21] Nada mais evidente que a conjugaçã o da autoridade e
da acomodaçã o ao grupo, ao pensamento ú nico ou hegemô nico.
Torna-se muito difícil emergir ante essa estrutura sutilmente
totalitá ria e há uma forte tendência ao desenvolvimento do que
Pascal Bernardin chama “dissonâ ncia cognitiva”, ou seja, a
“contradiçã o entre dois elementos do psiquismo de um indivíduo”.
[22]
Isso se dá pela pressã o grupal e da autoridade, fazendo com que a
pessoa procure se comportar de forma “adequada” ao pensamento
hegemô nico, a fim de evitar atritos. A conduta reiterada no dia a dia
acaba produzindo uma espécie de lavagem cerebral por força da
racionalizaçã o que atuará como justificativa para o ato de violaçã o
das pró prias convicçõ es. Como descreve Bernardin:
A experiência prova que um indivíduo em uma situaçã o de dissonâ ncia
cognitiva apresentará forte tendência a reorganizar seu psiquismo, a fim
de reduzi-la. Em particular, se um indivíduo é levado a cometer
publicamente (na sala de aula, por exemplo) ou frequentemente (ao
longo do curso) um ato em contradiçã o com seus valores, sua tendência
será de modificar tais valores, para diminuir a tensã o que lhe oprime. Em
outros termos, se um indivíduo foi aliciado a um certo tipo de
comportamento, é muito prová vel que ele venha a racionalizá-lo . [23]
Mais uma vez é preciso destacar que o Brasil e o mundo precisam
com cada vez mais urgência de obras e personalidades como as de
Hélio Angotti Neto, capazes de emergir dessa hegemonia hipnó tica
e, com isso, ajudar a sociedade e cada um de seus membros a
também realizar gradualmente esse processo de superaçã o.
Na sequência, o Capítulo 9 trata de uma expressã o que se tornou
corriqueira na discussã o enviesada sobre a suposta legitimidade do
aborto. Refere-se ao há bito (ou melhor, vício) de chamar
“amontoado de células” ao ovo, embriã o ou feto. O autor descreve
muito bem essa expressã o como “fantá stica”. “Fantá stica”, no
sentido mais profundo de “fantasiosa”, “ilusó ria”, meramente
“retó rica” (em um péssimo sentido). Nada mais que a velha
manipulaçã o linguística dessensibilizadora, que nã o se importa com
a absurdidade do que alardeia. Ora, como bem esclarece o autor, um
“amontoado” pressupõ e algo totalmente desorganizado, jogado ao
léu, o que radicalmente difere da estrutura do ovo, embriã o ou feto,
marcada pela complexidade, organizaçã o e até individualizaçã o (nã o
só a embriologia demonstra isso à fartura, como também os mais
avançados estudos genéticos). Nessa toada, eu, qualquer leitor e até
mesmo os autores dessa expressã o espú ria, podem ser definidos
como um “amontoado de células”, já que nã o há o menor critério
para o uso das palavras. Ademais, nesse imbró glio surge o
“argumento” de que o feto seria um “indivíduo”, mas nã o seria
“independente”. A grande questã o posta é: afinal, que ser humano na
face da terra é “independente”? Desconfio muito de que essa
sugestã o (qualquer ser humano, sem considerar o está gio, nã o passe
de um “amontoado de células”) nã o seria algo tã o repulsivo para boa
parte dos defensores do abortamento que tendem a escorregar na
ladeira para a eugenia negativa generalizada.
Na obra de Angotti Neto, o leitor poderá se informar bem sobre cada
etapa do desenvolvimento do ser humano no á lveo materno, de
forma detalhada e técnica, desmistificando a absurdidade acima
comentada.  
Mais uma vez o autor nos brinda com uma passagem bem-
humorada, usando a exposiçã o de Ben Shapiro, demonstrativa da
manipulaçã o linguística, ao indagar se alguém seria estú pido o
suficiente para noticiar que uma sonda espacial localizou um
“amontoado de células” e nã o “vida” em Marte. Ah, mas aqui estaria
em jogo uma respeitabilíssima conquista da ciência e da técnica
aeroespacial e nã o só um ser minúsculo e dependente que parasita o
útero de uma mulher (essa é a visã o abortista conjugada com um
feminismo tosco). O cientificismo em voga está abrigado pelo
“politicamente correto”, a vida humana nã o (o que o “politicamente
correto” preza nã o é a vida humana em si, mas as vontades, os
caprichos de alguns seres humanos). Interessante notar que a
ciência jamais existiria sobre a terra sem a vida humana. Entã o,
pode-se afirmar com segurança haver uma tremenda inversã o
causal e cronoló gica de valores.
A importâ ncia do estudo das humanidades ligadas à educaçã o
liberal para a formaçã o do médico (e acrescento, para a formaçã o de
qualquer profissional e ser humano), é bem destacada no
Capítulo 10. Ali se produz uma crítica ferrenha e bem-posta à
tendência tecnicista de adestrar indivíduos com a característica
marcante de “saber cada vez mais sobre cada vez menos”. No
processo se perde a visã o do todo e o cartesianismo analítico e
divisor é levado ao paroxismo. O ponto a que se chegará em breve,
se nada for feito, será o de nã o se saber mais remontar as peças do
mundo atomizado em nichos de saberes isolados e, no mínimo,
estéreis, senã o destrutivos.
Vale lembrar o escó lio de Henrique Lima Vaz no opú sculo que
tematiza a Cultura e a Universidade : “O homem regride a estados e
comportamentos que podem ser chamados de infra-humanos
quando permanece estranho à s significaçõ es do mundo cultural que
o envolve”. [24] E prossegue com a definiçã o de “cultura”, segundo
Alphonse De Waelhens:
A cultura é “o processo social e histó rico constituído pelas relaçõ es de
conhecimento e transformaçã o do homem como natureza e pelas
relaçõ es de reconhecimento do homem com outro homem, processo que
cria o mundo humano, e através do qual o homem se realiza como
homem no mundo humano”. [25]
Impossível nã o lembrar aqui da conhecida pará bola intitulada “Os
quatro sá bios”. Segundo consta, havia quatro indivíduos conhecidos
por deterem uma enorme quantidade de saberes. Um deles era
considerado pouco menos dotado de conteú do prá tico e erudiçã o,
mas se destacava pela capacidade de compreender . Esses homens
cultos resolveram se unir e viajar juntos para discutir entre si,
partilhar seus conhecimentos e divulgá -los. No entanto, logo os três
mais célebres entenderam que o detentor da virtude da
compreensão nã o dispunha, ao nível deles, do mesmo cabedal de
informaçõ es e saberes. Convidaram-no a partir, mas ele insistiu em
seguir o grupo. Foi-lhe entã o permitido, mas já nã o participava dos
conciliá bulos “sapienciais”. Um dia encontraram uma carcaça de
leã o. Os três homens cultos, com seus saberes, imaginaram poder
reviver o animal e começaram a aplicar suas artes e técnicas. O
homem compreensivo , com humildade, avisou-os de nã o se tratar de
uma boa ideia, já que o leã o, tã o logo recuperado, os devoraria. Mas,
os orgulhosos homens cultos nã o lhe deram ouvidos e ressuscitaram
o leã o. Enquanto isso, o compreensivo se abrigou no topo de uma
á rvore, de onde assistiu com tranquilidade e pesar seus três
companheiros serem devorados e a fera partir. Ele foi o ú nico
sobrevivente da expediçã o, e retornou à sua cidade. [26]
Essa bela pará bola ilustra a importâ ncia das humanidades liberais
na formação do homem, como defende Angotti Neto. Observe-se que
a palavra “compreensã o” usada no texto deve ser interpretada no
sentido etimoló gico (“com” = junto + “prehendere” = render, reter).
Quem detém a virtude da “compreensã o” nã o se isola, insula-se em
um aspecto do saber. A “compreensã o” detém o conhecimento nã o
como fim, mas como caminho para a sabedoria que “apreende” o
mundo objetivo e subjetivo, abstrato e concreto, físico e metafísico,
como totalidade, nã o se deixando levar por reducionismos nem por
generalizaçõ es indutivas injustificadas.
David Bohm fala sobre a “Fragmentaçã o e totalidade”:
É uma questã o que atualmente deve ser considerada, tendo em vista que
a fragmentaçã o já se espalhou completamente, nã o apenas na sociedade,
mas em especial em cada indivíduo; e isso conduz a um tipo de confusã o
generalizada da mente, que por sua vez, cria uma série infinita de
problemas, interferindo com a nossa clareza de percepçã o de maneira
tã o grave a ponto de bloquear nossa capacidade de os resolver. [...] Cada
ser humano individual tem sido fragmentado em um vasto nú mero de
compartimentos separados e conflitantes, de acordo com seus desejos,
objetivos, ambiçõ es, lealdades e características psicoló gicas
diferenciadas etc., a tal ponto que se torna evidente que um certo grau de
neurose seja inevitá vel. [27]
A totalidade ausente no homem atual em geral é perceptível mesmo
na construçã o da linguagem, nã o na sua manipulaçã o, mas na sua
construçã o natural, fruto da sabedoria milenar:
De forma instrutiva, é importante considerar que a palavra “saú de”
encontra sua raiz na palavra “sã o”, que significa “inteiro” (total,
completo): isto é, para ser saudá vel é preciso estar inteiro, que acredito
que significa o mesmo que shalem em hebraico. Do mesmo modo, a
palavra “sagrado”, em inglês holy , vem da mesma raiz da palavra
“inteiro” (completo, total), em inglês whole . Tudo isso indica que o
homem sempre sentiu que a totalidade ou a integridade é uma
necessidade absoluta que faz com que a vida seja digna de ser vivida.
Mesmo assim, com o passar do tempo, ele vem vivendo em total
fragmentaçã o. [28]
Em seguida, coerentemente com a temá tica acima, no Capítulo 11, o
autor lembra os ensinamentos de William Osler a respeito da
“medicina como estilo de vida”. Estilo de vida que deve ser marcado
pelo estudo contínuo (formador e informador), pela disciplina e
retidã o de cará ter.
O Capítulo 12 trata da “Tranquilidade médica”, que se consubstancia
na postura de equilíbrio e controle emocional frente ao atendimento
ao paciente, em especial nas situaçõ es de emergência. A
tranquilidade nã o pode jamais ser confundida pelo profissional, nem
deve ser ensinada aos iniciantes como sinô nimo de frieza ou
indiferença para com o ser humano sob seus cuidados. Lembremos
que a indiferença é retratada por Dante como um vício digno de
desprezo até mesmo no inferno. [29] A tranquilidade utilizada pelo
médico para enfrentar seus desafios se traduz no que Angotti Neto
descreve como “equanimidade”: o controle emocional que nã o
implica na perda da sensibilidade. Em vez disso: a luta interna para
a manutençã o desse controle visa à beneficência do ser humano sob
seus cuidados, como a transmissã o a ele de segurança e conforto no
ato médico.
O enfrentamento sem ingenuidade dos nã o dados à dialética ao
estilo aristotélico (que visa à busca da verdade), mas sim à erística
descrita por Arthur Schopenhauer (o ímpeto de ganhar a discussã o)
é ensinado no Capítulo 13, pois em um debate, em especial nesses
[30]

termos, é imprescindível o conhecimento da erística, da retó rica e a


capacidade de detectar má s intençõ es e armadilhas argumentativas.
A desatençã o para o ponto pode tornar a boa vontade em
ingenuidade e estultícia.
Termino estas consideraçõ es, destacando que a obra de Hélio
Angotti Neto é de extremo relevo para a visã o crítica do tema do
aborto e da ligaçã o entre as humanidades e a arte e prá tica médicas.
Nã o só isso. Trata-se de um trabalho que nos desperta para o valor
da humanidade e das conquistas da cultura, que nos afastaram,
durante séculos, do estado de natureza selvagem e que, sob o
disfarce de falsa erudiçã o e sapiência, tende a, sutilmente, ser
desconstruída, sem que nada de ú til seja posto em seu lugar. Ao
contrá rio, a sociedade humana retrocede à selvageria, barbá rie e
animalidade.
As fontes bibliográ ficas apresentadas pelo autor também revelam
pesquisa e conhecimento aprofundados de toda a temá tica abordada
na obra, de modo que suas assertivas se acham em solo firme. Nesse
esteio seguro é possível tecer estas consideraçõ es, incluindo alguma
reflexã o pró pria, mas em constante dívida para com o trabalho de
excelência de Hélio Angotti Neto. Afinal, com razã o nos ensina
Régine Pernoud a validade do questionamento milenar: “Que
adquiriste tu que nã o tenhas recebido”? [31]
Agradeçamos e
esperemos que o autor, que já nos presenteia com vá rias obras,
continue nos iluminando o caminho e nos permitindo a aquisiçã o de
informaçã o e formaçã o de diferenciada qualidade.
 
― EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE [32]
Recensão de Disbioética, volume III
DISBIOÉ TICA III, coletâ nea de artigos escritos pelo médico
oftalmologista dr. Hélio Angotti Netto, compõ e-se de 13 capítulos,
antecedidos de agradecimentos e introdução , e seguidos de uma
bibliografia .
O serem 13 os capítulos parece simbolizar a Morte que, no dizer de
Junito de Souza Brandã o: “... aparece ainda no décimo terceiro
arcano maior do Tarô , arcano que nã o tem nome , como se o treze já
lhe conferisse identidade definitiva ou se se temesse nomeá -lo”. Na
antiguidade, realmente, o nú mero 13 possuía uma conotaçã o
maléfica, perigosa, símbolo do “curso cíclico da atividade humana
[…] a passagem a um outro estado, quer dizer, a Morte”.
Para o lú cido Mircea Eliade a Morte é, muitas vezes, o resultado
trá gico de nossa indiferença diante da imortalidade.
Há de chegar, porém, o dia, em que, com nosso corpo mortal,
revestido da imortalidade, poderemos olhar a morte de frente e
perguntar-lhe triunfantes: Ubi est, mors, victoria tua? (1 Co 15.53):
“Onde está , ó morte, a tua vitó ria?” [33]
A esta mesma Morte a que sã o condenados tantos fetos indefesos e
inocentes, o autor a combate, em um esforço paulino dos mais
estrênuos de levar aos ouvintes e leitores o conhecimento de que, no
caso do aborto, o que de fato está em discussã o “é a definiçã o de
quem podemos e de quem nã o podemos matar” , apresentando
argumentos sensatos, lú cidos e científicos para desfazer a falá cia de
que o feto nã o é pessoa, e dando-nos esperança de que, afinal, a
vitó ria será da verdade da vida do feto, e nã o da mentira de sua
impessoalidade.
Na introdução , o autor, com clareza de exposiçã o, começa por
esclarecer os termos que empregará , evitando, assim, mal-
entendidos da parte do autor ou do leitor, e chamando-lhe a atençã o
para o fato de em pouquíssimos assuntos haver tanta manipulaçã o
verbal espú ria quanto no caso da legalizaçã o do abortamento
voluntá rio.
Sã o estes os 13 capítulos em que se divide a obra:
1. Má quina de fazer dinheiro.
2. Dor silenciosa.
3. Torcendo a semâ ntica: direitos reprodutivos?
4. Breves notas: no fundo a questã o é sobre quem podemos matar,
subdividido em nove partes.
5. Restriçã o ao aborto no caso de Chile.
6. Extermínio do amanhã , subdividido em 17 partes.
7. Mediocridade moral do hedonismo abortista.
8. Da submissã o imoral à autoridade.
9. Fantá stico amontoado de células.
10. Humanidades médicas e a reconquista da educaçã o liberal.
11. William Osler e a medicina como estilo de vida.
12. Tranquilidade médica.
13. Como conversar com quem lhe quer mal.
Passemos, pois, a um breve resumo de cada capítulo:
No Capítulo 1, o autor, amplamente fundamentado em relató rios ―
alguns deles da pró pria Planned Parenthood ― desmascara a
instituiçã o genocida, que, sob pretexto de prestar serviços de saú de,
tem 94% de suas atividades dedicadas a abortar, levando adiante os
propó sitos eugênicos da fundadora Margareth Sanger, racista
americana que objetivava eliminar as comunidades negras e latinas
dos EUA mediante o abortamento. Mostra ainda o autor que essa
instituiçã o promove a venda de pedaços de suas vítimas, como um
açougue macabro em que fígados, rins e cérebros têm preços
negociados com laborató rios interessados.
No Capítulo 2, revela o intento dos abortistas de nunca empregar a
palavra feto, e sim, “produto da gravidez”, “concepto” ou
“consequência indesejada”, a fim de fugir à responsabilidade de
reconhecer, com desconforto, que o feto é uma criança a quem
matam. Mostra ainda algo impressionante, ao menos para que nã o é
da á rea médica: como as estruturas responsá veis por reduzir a dor
só se desenvolvem entre a 32. a e a 34. a semana apó s a concepçã o:
quanto menor o feto, maior dor sentirá , ao ser abortado.
No Capítulo 3, mostra o autor que dizer “direitos reprodutivos” para
designar, nã o o direito de reproduçã o, mas o direito de matar um
feto equivale a dizer “direitos dietéticos”, para designar o direito de
fazer greve de fome, ou “direitos sexuais”, para designar o direito de
ser celibatá rio. O mesmo se aplica ao “direito de decidir”, que rouba
ao feto o direito de decidir qualquer coisa, para sempre.
Desmontando uma a uma essas expressõ es hipnó ticas, termina o
autor com uma citaçã o do filó sofo Olavo de Carvalho acerca das
vidas humanas: “As [dos apó stolos da igualdade] valem o infinito. As
dos outros, nada”.
No Capítulo 4, subdividido em nove partes, o autor faz uma aná lise
minuciosa e devastadora da argumentaçã o falaciosa de suas
excelências, os ministros do STF, que, em decisã o de 20 de junho de
2016, decidiram nã o ser crime o abortamento feito até o fim do
terceiro mês de gravidez. Iniciando o estudo dos progressos da
ultrassonografia, que levaram o entã o rei do aborto, dr. Bernard
Nathanson, a arrepender-se e se tornar um dos maiores promotores
da vida; passando por aná lises de estatísticas, mostrando que
abortar nã o é uma questã o a ser discutida, mas o extermínio de uma
vida, mostra, afinal, que a decisã o judicial, do ponto de vista
científico nã o foi outra coisa que o “eu acho porque ouvi dizer e acho
científico”.
No Capítulo 5, mostra o autor que no Chile, programas de orientaçã o
ao planejamento familiar, além de programas de apoio à s jovens
mã es inexperientes que se encontram em risco de apelar ao
abortamento clandestino, salvaram vidas maternas, sem precisar
haver o extermínio de fetos e bebês.
No Capítulo 6, subdividido em 17 partes, transcreve o autor a réplica
que, no portal Academia Médica, ofereceu ao artigo da advogada
Renata Rothbarth, Autonomia da mulher frente ao aborto . Quem
quiser ler uma argumentaçã o firme, bem-humorada e que desmonta
de tal forma os argumentos da interlocutora, a ponto de ficarmos
com vergonha no lugar dela, nã o deve deixar de ler o capítulo.
Indicando uma a uma as falá cias de argumentaçã o da advogada, o
autor mostra que, ao ser desmascarada a rotulaçã o odiosa pregada
em seus inimigos, nã o sobra de pé nenhum argumento convincente,
e que, no fundo, deseja-se a retirada completa da responsabilidade
das pessoas concretas por seus atos, atribuindo-os a causas e
condiçõ es abstratas, que as livrem de pensar que qualquer ato de
escolha desencadeia consequências.
No Capítulo 7, chama o autor nossa atençã o para o desmonte
cultural promovido pelos bioeticistas que querem, à fina força,
convencer-nos de que matar bebês e fetos é coisa boa, ou, quando
muito, indiferente. Mostra que o hedonismo e a elevaçã o do prazer
imediato subjetivista acima de fatos e seres concretos estã o
destruindo tudo, podendo, de fato, levar ao extermínio do amanhã .
No Capítulo 8, apresenta o autor o perigo da confiança cega na
autoridade, levando o indivíduo à prá tica de atos cruéis, que lhe
suprimem a intuiçã o moral, em um verdadeiro conformismo grupal.
Mostra ainda que a bioética, nascida para questionar até a si mesma,
passou também à cega submissã o, o que levou o autor a cunhar o
termo “disbioética”, com “a funçã o de acusar a bioética e depurá -la
com o mesmo elemento tã o utilizado por esta nova disciplina: a
crítica”.
No Capítulo 9, mostra o autor a técnica de desumanizaçã o
empregada pelos abortistas, ao afirmarem que o zigoto e o embriã o
nã o passam de um amontoado de células. Em uma bela, resumida e
emocionante viagem pelo desenvolvimento humano, desde o
primeiro dia até o nascimento, demonstra, de maneira cabal, que
outra nã o poderia ser a conclusã o: sim, o zigoto, o embriã o e o feto
sã o seres humanos. Se sã o humanos, conclui o autor, “daqui em
diante, a conversa é sobre extermínio humano”.
No Capítulo 10, fundado no Relató rio de Yale de 1828, de
justificaçã o do ensino de línguas mortas e de clá ssicos da literatura,
o autor conclui que o preparo humanístico do médico nã o só o faz
desfrutar melhor de sua profissã o e da sociedade, mas também o
prepara para ser guardiã o do que há de melhor na cultura. O
empenho do autor em relaçã o a essa causa pode ser visto, entre
outras coisas, pela criaçã o do SEFAM (Seminá rio de Filosofia
Aplicada à Medicina), cujas atividades podem ser acompanhadas no
endereço eletrô nico <http://medicinaefilosofia.blogspot.com.br/>.
No Capítulo 11, há uma breve aná lise da autobiografia do médico
William Osler, que, entre outras coisas, recomenda que os médicos
tratem do presente, tenham temperança, evitem excessos,
dediquem-se aos estudos sem exageros, mas com disciplina e
concentraçã o, e que, por fim, além dos cuidados com o intelecto,
cuidem da alma.
No Capítulo 12, fundamentado em William Osler, ou autor trata da
necessidade de o médico praticar a equanimidade, ou seja, a
capacidade de, externamente, aparentar frieza, a fim de reforçar a
confiança depositada nele pelo paciente e pelos colegas, sem jamais,
porém, endurecer o coraçã o, “elemento que o liga à prá tica humana
da medicina”.
No Capítulo 13, final, faz-se um resumo das 11 regras coligidas por
Ben Shapiro em Como debater com esquerdistas e destruí-los: 11
regras para vencer o debate . Ao longo do texto, o autor explica cada
uma das regras e fornece exemplos, chegando à conclusã o: embora
tenham sido feitas por um conservador americano combativo, sua
validade pode se estender aos brasileiros.
O material reunido pelo dr. Hélio Angotti Neto em Disbioética III: o
extermínio do amanhã é rico, inteligente, informativo e combativo,
demonstrando uma coragem moral e pessoal ímpar.
Coletâ nea esplêndida, bem escrita e com um estilo muito
apropriado, sua leitura nos faz sair dela melhores, revigorados e
muito orgulhosos do trabalho do autor, que, levando a sério um
antigo dito, de que o mal nã o é amar ou odiar, mas sim amar o que
se devia odiar e odiar o que se devia amar, ama o feto e odeia o
abortamento.
Que as mã os nunca lhe doam, dr. Hélio Angotti Neto, e muitos outros
livros tã o esclarecedores como este possam surgir de sua pena!
 
― ELPÍDIO FONSECA [34]

Introdução
Poucos assuntos geram discussõ es tã o acaloradas quanto a
legalizaçã o do abortamento voluntá rio. E poucos assuntos envolvem
tantos argumentos falsos e tanta manipulaçã o de dados.
Afinal, estamos falando de um mercado bilioná rio, movido pelo
sangue dos inocentes e, tantas vezes, pela ingenuidade de mã es
inexperientes e amedrontadas.
O tema pode nos levar a meditar a respeito de duas formas de
enxergar a civilizaçã o contemporâ nea em relaçã o ao quanto se está
disposto a valorizar a vida humana.
A vida humana é sagrada por refletir a imagem do pró prio Deus ou
nã o tem valor objetivo nenhum no mundo sem Deus, cabendo ao
homem a busca do status de divindade, um ser autô nomo e livre de
constrangimentos superiores, governante voluntarista de seu
mundo.
O livro nã o ousa oferecer a resposta definitiva para o combate de
nossos dias, já analisado e discutido por inú meros filó sofos e
teó logos com muita qualidade ao longo de milênios. Todavia,
abordará um tema derivado do grande conflito de visõ es de mundo
que ameaça cindir nossa existência e civilizaçã o: o abortamento.
Para começar a discussã o, vale a pena deixar bem claros alguns
termos utilizados no texto, com o propó sito de facilitar o
entendimento do leitor.
Abortista: defensor ou promotor do ato de abortar. Mesmo que
alguém jamais tenha a coragem de fazer um abortamento ou de
executá -lo em outra pessoa, a defesa das propostas de sua
legalizaçã o ou realizaçã o será automaticamente enquadrada nesse
termo. O abortista é favorá vel ao abortamento voluntá rio, em
qualquer uma de suas opçõ es que nã o seja no caso de risco de morte
materna iminente.
Aborteiro: quem executa o ato do abortamento na grá vida. Pode ser
um médico, uma enfermeira ou apenas um carniceiro despreparado.
Também pode ser a velha senhora que conhece alguns comprimidos
ou ervas, por exemplo. O aborteiro é responsá vel pelo ato em si. Em
alguns casos, a pró pria mã e é a aborteira, ao tomar a medicaçã o por
conta pró pria ou ao introduzir corpos estranhos na genitá lia com o
objetivo de matar o pró prio filho.
Aborto: normalmente o termo diz respeito ao ser humano cuja vida
foi arrancada por outra pessoa ou se perdeu de forma espontâ nea
antes de 22 semanas, ou quando ainda pesa menos que 500 gramas
ou mede menos que 25 centímetros. Apó s isso, tem-se um parto
prematuro.
Concepçã o ou fecundaçã o: uniã o entre o gameta masculino
(espermatozoide) e o gameta feminino (ó vulo), gerando um novo
ser humano com identidade genética pró pria.
Zigoto: primeira fase do desenvolvimento do novo ser humano,
desde a concepçã o até aproximadamente o fim da primeira semana.
Embriã o: segunda fase do desenvolvimento do novo ser humano, da
segunda à sétima semana.
Feto: terceira fase do desenvolvimento do novo ser humano, da
oitava semana até o momento do parto, enquanto permanece no
ú tero materno.
É preciso tomar cuidado com os termos utilizados, pois, como o
leitor perceberá , em pouquíssimos assuntos haverá tanta
manipulaçã o verbal espú ria.
De nossas opiniõ es e decisõ es a respeito do que fazer diante da
questã o do abortismo dependerá , de fato, o cará ter da civilizaçã o. O
que fazemos e faremos com nossos filhos? O que representa a
pró xima geraçã o, de fato, para a nossa sociedade? A ”cultura da
morte” triunfará ? Promoveremos O extermínio do amanhã ou
defenderemos os mais fracos e inocentes de toda a comunidade
humana?

1. Máquina de fazer dinheiro [35]

O aborto é uma má quina de fazer dinheiro.


Eis a equaçã o: um bebê no ú tero de sua mã e e um carniceiro
aborteiro á vido por dinheiro. Assim se obtêm duas vítimas sem
muito esforço dessa engrenagem assassina de fazer dinheiro: a mã e
e o filho abortado. Algo sangrento e lucrativo, pelo menos para
quem executa o ato.
Nã o exagero. Ou você realmente acha que médicos aborteiros —
caso possamos designá -los “médicos” — matam fetos e bebês por
conta da caridade de sua alminha santa?
Tome, por exemplo, a megaempresa abortista Planned Parenthood
(PP), fundada pela eugenista Margaret Sanger, de quem falarei mais
adiante, cujo legado de eliminaçã o racial ainda perdura. Veja alguns
nú meros: a Planned Parenthood
▪ Realizou 323.999 abortos em 2014, isto é, ceifou 888 vidas por dia
— ou uma vida a cada 97 segundos. Um prodígio da carnificina; [36]
▪ Foi responsá vel por um terço dos abortos realizados nos EUA em
2011 (333.964 em 1,06 milhõ es de mortes); [37]
▪ Fez, de 2011 a 2014, 1.312.728 abortos e ofereceu mais 1,3
milhõ es de kits de contracepçã o de emergência (isto é, abortos
farmacoló gicos). [38]
Verdade seja dita, o aborto é o holocausto contemporâ neo dos
indefesos.
Toda essa casuísta genocida é justificada, ou pelo menos amenizada,
com desculpas semelhantes à que afirma ser o abortamento uma
atividade minoritá ria entre os muitos serviços de saú de prestados
pela organizaçã o. Pelo menos isso funciona como um fator de alívio
na cabeça de muitos abortistas.
Os serviços de saú de altruisticamente prestados pela Planned
Parenthood incluiriam campanhas de prevençã o contra o câ ncer de
mama, acompanhamento pré-natal e referência para adoçã o.
Contudo, antes que uma lá grima comovida escorra do canto do olho
de algum crocodilo, tenho que revelar que esses serviços têm caído
de forma coerente nos ú ltimos anos. [39]
A sangrenta realidade é que 94% do que a PP faz é abortar. [40]

Apesar de divulgar a cifra má gica de que só 3% de seus serviços


estejam ligados ao abortamento, a aná lise estatística revela a marota
manipulaçã o dos dados. Um pacote de serviço de pré-natal é
contado, em cada visita, como serviço isolado. Um atendimento com
diversos procedimentos conta como diversos atendimentos. Nesse
superfaturamento de procedimentos nã o abortivos, o principal
serviço da organizaçã o, o abortamento, é maquiado. [41]
A PP é tã o boa em praticar a maldade que até ousa estipular a cota
de quantos bebês precisam morrer por ano. [42] Stá lin, com suas
cotas de deportados para campos de trabalho forçado na Sibéria,
ficaria orgulhoso dos camaradas.
Apesar de a organizaçã o se declarar uma organizaçã o sem fins
lucrativos, seu orçamento no biênio 2014-2015 foi de 1,3 bilhã o de
dó lares. [43] Dessa montanha de dinheiro, 554 milhõ es de dó lares
saíram dos cofres pú blicos, sustentados até mesmo por muitos
cristã os a favor da vida. [44]
Como se nã o bastasse o lucro imoral obtido com a matança de
milhõ es de fetos, a PP ainda foi capaz de faturar com a venda de
pedaços das vítimas. É um verdadeiro açougue de gente! [45] Em
uma grotesca negociaçã o, estipulam preços para fígados, rins e
cérebros com laborató rios interessados.
Mas, se nã o deu tempo de abortar, sem problemas! Há como lucrar
enquanto sã o crianças, como mostra a cumplicidade com a
prostituiçã o infantil. Abortemos as crianças das crianças! [46]
Com tanto dinheiro na jogada, é claro que os aborteiros e os
abortistas lutarã o com unhas e dentes — ou melhor, com curetas e
aspiradores — para que a fonte jamais seque. Ainda que se declarem
apartidá rios, promovem intenso lobby e injetam dinheiro na
campanha de candidatos abortistas em todas as instâ ncias políticas.
[47]
De volta ao legado racista e eugenista da senhora Margaret Sanger,
tã o celebrada por progressistas abortistas como Hillary Clinton,
nota-se que 79% das instalaçõ es aborteiras ficam nas periferias
onde habitam negros e latinos. [48] As minorias perfazem 64% dos
abortos nos EUA; para cada criança branca abortada sã o abortadas
cinco crianças negras. [49] É possível aceitar até mesmo doaçõ es
destinadas em especial ao aborto seletivo de determinados grupos
étnicos. [50] É isso mesmo que você leu. Alguém pode doar dinheiro
e solicitar que seja utilizado preferencialmente para matar os filhos
de famílias negras ou latinas.
A pró xima vez que você questionar a razã o de o abortamento ser tã o
defendido por certos grupos, tenha em mente que, ao contrá rio de
cuidar por meio da cura, do alívio e do consolo, matar é muito fá cil.
E, além do mais, é bastante lucrativo.
(14/11/2016)

2. Dor silenciosa
 
Fala-se muito da mã e quando o assunto é aborto, e com razã o, pois
ela é a responsá vel pela vida do bebê. A mã e carrega a nova vida em
seu ventre e possui laços estabelecidos com a sociedade por meio de
sua biografia e relacionamentos. Contudo, nã o há como esquecer a
presença do feto, por mais abstrato que seja o pensamento de quem
se debruça sobre a situaçã o.
Com certeza, aborteiros e abortistas evitarã o mencionar muitos
detalhes sobre a realidade e a perspectiva do feto, pois o excesso de
atençã o poderá levar todos a perceber a incontorná vel realidade: o
feto é, de fato, vida humana. Lá estã o células, genes, ossos, mú sculos
e a capacidade de interagir com o ambiente de diversas formas.
Normalmente chamarã o o feto por nomes bem técnicos e
desumanos como: produto da gravidez, concepto ou consequência
indesejada. Chamar o feto de criança, ser humano ou — horror —
admitir tratar-se de uma pessoa, trará imenso desconforto, ao gerar
na consciência o choque da realidade que precede a capacidade de
analisar o assunto com inteligência.
Para que imaginemos o quanto a apreensã o dessas realidades pode
mexer com o imaginá rio de alguém, basta nos lembrarmos da
histó ria de vida do rei do aborto, o médico Bernard Nathanson. Ao
observar a reaçã o do feto a um abortamento por meio da
ultrassonografia, o médico aborteiro ficou profundamente
perturbado. Aquele que nã o passava de uma abstraçã o, um pequeno
refugo a ser removido sem muita preocupaçã o, assumiu
rapidamente a posiçã o de paciente a ser cuidado. Seus movimentos,
suas reaçõ es e sua face ganhavam duas dimensõ es no aparelho e
três dimensõ es na imaginaçã o.
Para os abortistas, é melhor nã o falar mesmo do feto, nã o entrar
muito no mérito da questã o e no excesso de detalhes bioló gicos e
sociais. Quanto menos conhecimento, mais fá cil será fingir que o
pequeno homem, ou a pequena mulher, nã o passa de um alienígena
distante e desconhecido.
Um dos aspectos que devem ser levados em conta é a capacidade
bem humana dos fetos: a possibilidade de sofrer. Por mais que o
sofrimento seja silencioso, é impossível imaginar com absoluta
certeza todas as implicaçõ es e consequências da dor imposta ao feto.
Porém, o que já possuímos de conhecimento acerca da misteriosa
vida do feto e de sua capacidade de sentir?
Há consenso que os fetos podem sentir dor ao atingir 20 semanas
apó s a concepçã o, isto é, por volta das 22 semanas de gestaçã o. Um
pouco antes disso, já estã o presentes as estruturas necessá rias para
perceber o estímulo doloroso e transmiti-lo ao cérebro. Com
18 semanas apó s a concepçã o o eletroencefalograma já capta
atividade elétrica no cérebro, indicando a integridade dos circuitos
neuronais cortical e talâ mico. [51]
O có rtex cerebral, sede física da capacidade intelectiva mais
complexa, começa a desenvolver-se à s 6 semanas apó s a concepçã o,
enquanto o tá lamo, parte do cérebro responsá vel pela sensaçã o
dolorosa, começa a desenvolver-se à s 8 semanas.
É importante lembrar que julgamos a situaçã o tendo por base o
aparato neuronal do adulto, conhecido até mesmo da perspectiva
fenomenoló gica. Mas nã o há como garantir com plena certeza as
possíveis interaçõ es entre o feto e o ambiente antes do
desenvolvimento das estruturas neuronais superiores; tampouco
podemos estipular com certeza as consequências de diversas
atitudes maternas e interaçõ es com o ambiente no futuro
desenvolvimento do feto e, posteriormente, da criança.
Já sabemos, por exemplo, que a organizaçã o bá sica do sistema
nervoso é estabelecida aos 28 dias apó s a concepçã o (4 semanas),
com a formaçã o dos primeiros neurô nios no neocó rtex que já
começam a funcionar na qualidade de rede neuronal na sétima
semana. [52]
Em relaçã o à recepçã o de dor, já se observam receptores —
chamados nociceptores — na regiã o ao redor da boca nas 5 semanas
apó s a concepçã o. Na nona semana, já há nociceptores em toda a
face, na palma da mã o e na planta do pé. Antes disso, nas 6 semanas,
o feto responde ao toque. [53]
Outro detalhe curioso e importante para entendermos como
funciona a recepçã o dolorosa do ser humano: o recém-nascido
prematuro tende a sentir muito mais dor aos estímulos ambientais
que as crianças nascidas a termo, pois o desenvolvimento de
estruturas responsá veis pela reduçã o da potência do estímulo
ambiental e prevençã o de reaçõ es dolorosas exageradas sã o
desenvolvidas mais tarde, entre 32 e 34 semanas apó s a concepçã o.
Logo, é mais fá cil sentir mais dor quanto mais cedo ocorrer o parto.
[54]

Um detalhe pragmá tico que muitos também optam por esquecer: o


feto é considerado paciente. Se para uns médicos, o feto merece
cuidado, incluindo anestesia em procedimentos cirú rgicos de
altíssima complexidade no ú tero materno, como podemos concordar
que outros médicos considerem o feto apenas um monte de carne
indesejá vel a ser expelido?
Um dos elementos típicos da vida humana é a capacidade de sentir
dor e sofrer. Os animais sentem dor, mas é difícil afirmar que sofrem
de acordo com a concepçã o humana dessa expressã o. E quando
falamos dos mais indefesos seres humanos, já se sabe que a dor
sofrida poderá gerar consequências emocionais, comportamentais e
cognitivas na vida apó s o parto. Há até mesmo evidências sobre a
habilidade de formar, por parte do feto, um tipo de memó ria sobre a
dor sofrida. [55]
Diante da atual insensibilidade aos sofrimentos do feto e da falta de
consideraçã o pelo mais frá gil ser humano, nã o estranhe se cada vez
mais nos tornarmos insensíveis aos sofrimentos e dores de crianças
e adultos. Se nos tornarmos incapazes de enxergar a humanidade do
feto ou da criança, em breve seremos incapazes de enxergar o
mesmo em nossos vizinhos e parentes. A sociedade mergulhará em
um pesadelo desumano e utilitá rio despersonalizado.
(18/6/2017)

3.  Torcendo a semâ ntica: direitos reprodutivos


A expressã o “direitos reprodutivos” merece atençã o especial, pois
de reprodutivo nada tem de fato, a nã o ser que o direito de
reproduzir significasse o direito de evitar um aborto para a criança,
fruto da reproduçã o, nascer.
Contudo, a expressã o é utilizada para comunicar a vontade de
destruir fetos e bebês, justamente o fruto da reproduçã o.
É como se eu inventasse a ridícula expressã o “direitos dietéticos”
para fazer uma greve de fome ou “direitos sexuais” para em seguida
optar pelo celibato.
Outro ponto que demonstra o ridículo em falar sobre os direitos
reprodutivos é o fato de que ninguém é obrigado a copular com o
pró ximo. Eu nã o tenho o direito de me reproduzir, já que ninguém
tem a obrigaçã o de ser meu par. (Já imaginou a cota de ó vulos ou
espermatozoides disponibilizados pelo governo?) No caso, o uso da
palavra “direito” é, no mínimo, uma figura de linguagem muito
inadequada que só traz confusã o ao debate bioético, quando nã o o
distorce por completo.
O nome adequado deveria ser “direito de extermínio”. Pena que o
nome nã o seria lá muito politicamente correto, embora, com certeza,
muito mais veraz.
A coisa fica ainda mais louca quando engenheiros sociais classificam
os “direitos reprodutivos” como “direitos humanos universais”, o
que equivale a dizer: é “direito universal” do ser humano matar
outro ser humano e eliminar a possibilidade de o outro exercer
qualquer outro direito neste plano existencial.
Ao lidar com essas expressõ es, na grande maioria das vezes
esdrú xulas e ambíguas, é preciso saber que cada uma conta com
uma histó ria. Alguém criou o termo com determinado fim em mente.
Tome, por exemplo, a expressã o “direito de decidir”, que se refere à s
mulheres que querem ajuda médica e dinheiro pú blico para
assassinar seus filhos. Ou seja, optam, no interior de seu corpo, pelo
assassinato de outra pessoa, inocente e indefesa, destituída
completamente do direito de decidir qualquer coisa para sempre.
Um dos criadores e divulgadores dessa expressã o foi Bernard
Nathanson, o rei do aborto. Ao lado de militantes radicais ligados ao
que hoje alguns chamam marxismo cultural e feminismo radical,
Nathanson cunhou termos para facilitar a guerra cultural e jurídica
em prol da liberaçã o do abortamento.
Nathanson sabia do poder das palavras e de como poderíamos
utilizá -las para manipular a sociedade e dobrá -la à sua vontade.
Nesse caso, a vontade de faturar alto com a morte de bebês e fetos.
Essa manipulaçã o tosca e muito bem-sucedida é vista todos os dias e
repetida de forma ingênua por milhõ es de pessoas, bonecos de
ventríloquo dos iluminados engenheiros do futuro.
▪ Nã o fale do direito de matar, afirme o direito de decidir;
▪ Nã o mencione o direito à vida, alegue o direito reprodutivo;
▪ Nã o cite a proteçã o à vida humana, declare a proteçã o à autonomia
e independência;
▪ Nã o se refira a massacres eugênicos, verse sobre o
empoderamento feminino;
▪ Nã o aluda à indú stria do aborto, argumente sobre o radicalismo
religioso dos defensores de bebês;
▪ Nã o comente a venda de ó rgã os fetais e infantis, reitere o direito de
fomentar o progresso científico e otimizar a utilidade;
▪ Nã o aponte o regresso à cultura pré-cristã do homicídio infantil,
critique o reacionarismo cristã o em defender a vida de crianças.
Eu poderia prosseguir por pá ginas e mais pá ginas; a cada dia uma
expressã o nova, artificial e estupidificante é produzida e
reproduzida pela massa embasbacada.
A sociedade vive um momento de grande mediocridade. Todos
preferem ouvir a respeito do direito de decidir, mas poucos ousam
defender o dever de proteger a vida humana. Uma sociedade como a
nossa, mergulhada no egocentrismo, relativismo e hedonismo,
imbuída do mais rasteiro sentimento de massa, como José Ortega y
Gasset descreveu tã o bem no livro A rebelião das massas , [56] só
pode mesmo exaltar a morte do bebê para evitar as dificuldades de
ceder o pró prio tempo para cuidar de alguém.
Abortistas sã o como “ señoritos satisfechos ”: fitam o pró prio umbigo
e colocam os direitos reprodutivos acima da vida alheia.
Como explica Olavo de Carvalho:
Ortega y Gasset já dizia que os principais inimigos da cultura sã o os “
señoritos satisfechos ” que desfrutam do legado da civilizaçã o sem ter a
menor ideia de como foi conquistado e, por ignorâ ncia das condiçõ es que
o geraram, acabam por destrui-lo. [57]
O desrespeito autodestrutivo pela cultura cristã , base de nossa
civilizaçã o e aguerrida defensora da vida humana, só pode culminar
na nossa destruiçã o, gerando a crise linguística que poderíamos
definir como “revolucionarismo”, descrito na obra A origem da
linguagem , de Eugen Rosenstock-Huessy. [58]
Conceitos sã o destruídos e novos termos artificiais sã o criados no
ritmo que impede a expressã o sincera e rica do povo e sua cultura,
gerando um tempo sem raiz, repleto de pessoas moldá veis,
desmemoriadas, caladas pela linguagem embrutecedora do
politicamente correto, censuradas na inteligência, perfeitas para a
engenharia social e capacitadas para os mais terríveis feitos, como,
por exemplo, assassinarem bebês e fetos, matarem os pró prios
filhos.
Justo quem defende o direito de exterminar a vida humana
normalmente arroga para si o título de defensor da igualdade e da
humanidade. Olavo de Carvalho, já citado, aponta a contradiçã o:
Nã o, nã o há nada que os apó stolos da igualdade abominem mais do que a
igualdade de valor entre as vidas humanas. A deles valem o infinito. As
dos outros, nada. [59]
4. Breves notas: no fundo a questão é sobre quem
podemos matar

Pela primeira vez em nossa tradiçã o houve uma separaçã o completa


entre matar e curar. Ao longo da histó ria do mundo primitivo, o médico e
o feiticeiro normalmente eram a mesma pessoa. [Médico e feiticeiro]
tinham o poder para matar e o poder para curar... 
Com os gregos, a distinçã o entre ambos ficou clara. Uma profissã o, a dos
seguidores de Esculá pio, deveria dedicar-se completamente à vida sob
todas as circunstâ ncias, independente de classe, idade ou intelecto — à
vida de um escravo, de um imperador, de um estrangeiro, de uma criança
deficiente...
Esta é uma dádiva sem preço que nã o podemos arriscar que se
corrompa. Todavia, a sociedade está sempre tentando transformar o
médico em um assassino — para matar a criança deficiente ao nascer,
para “esquecer” as pílulas soníferas ao lado do leito de um paciente com
câ ncer...
É dever da sociedade proteger o médico de tais demandas.
Constataçã o feita por Margaret Mead, e ressalta uma virada radical
na medicina.
Os poderes políticos sã o especialistas em arrumar confusã o com o
povo brasileiro. A ú ltima tragédia — vinda de avalanche junto com a
desesperadora morte de um time de futebol em um desastre aéreo
causado pela negligência humana e com a votaçã o do poder
legislativo para blindar-se contra a maior investigaçã o criminal
política já realizada no mundo, a Operaçã o Lava Jato —, foi a
conclusã o no dia 30 de novembro de 2016, de que um abortamento
feito até o fim do terceiro mês de gravidez nã o é crime.
Imediatamente, o caos estava armado. Viram-se argumentos
esdrú xulos por todos os lados e muita sabedoria de mídia social,
mas pouca consistência do povo atô nito em um dia de tormento
para o Brasil.
Tentei colocar em ordem alguns pensamentos e orientar um pouco o
caos de informaçõ es e opiniõ es circundantes, e reproduzo algumas
observaçõ es que fiz e julgo adequadas para começarmos a colocar
os pingos nos is.

4.1 A ultrassonografia e a mudança de vida


O que mudou a vida de Bernard Nathanson, o “rei do aborto”, no
primeiro momento, nã o foi a crença religiosa, e sim a tecnologia e o
avanço das especialidades médicas!
Aborteiro de excelente capacidade técnica, responsá vel por cerca de
75 mil abortos — entre eles, a morte do pró prio filho no ventre de
sua esposa —, ele observou horrorizado o que acontecia com o feto
em um procedimento de aborto por meio de ultrassonografia.
Também viu nascer a especialidade que pode ser denominada
fetologia ou medicina fetal, compreendendo que o feto era um
paciente também, e demandava cuidados e um posicionamento
humanístico do médico.
A vocaçã o médica e a tecnologia mudaram o homem. Quem antes
ajudou a cunhar termos como “direito de decidir” e “assunto de
mulher” se tornaria um dos maiores defensores da vida humana.

4.2 Comparações esdrúxulas
Por favor, com o intuito de evitar vergonha alheia, parem de
comparar fetos e bebês com apêndices, montes de células e
parasitas intestinais.
Nenhum apêndice um dia olhará você nos olhos e pedirá colo,
abraço ou beijo.
Monte de células é uma cutícula que você arranca quando corta a
unha.
Parasitas intestinais, como lombrigas, por exemplo, nã o têm
placenta e cordã o umbilical.

4.3 Chuva de mortes fictícias


Os cientistas de botequim e os militantes de plantã o dizem por aí:
“Morrem milhõ es de mulheres todos os anos no Brasil por causa do
aborto” (versã o mais modesta: morrem dezenas de milhares todos
os anos).
Informaçõ es autoexplicativas do DATASUS:
Ó bitos de mulheres em idade fértil e ó bitos maternos
Ó bitos maternos por tipo: causa obstétrica segundo categoria CID-10
Grupo CID-10: gravidez que termina em aborto. Período: 2014
Total = 121
000 Gravidez ectó pica = 53
001 Mola hidatiforme = 4
002 Outros produtos anormais da concepçã o = 9
003 Aborto espontâ neo = 14
005 Outro tipo de aborto = 12
006 Aborto nã o especificado = 25
007 Falha de tentativa de aborto = 4
Se adotá ssemos critérios rigorosos e confiá ssemos na informaçã o
obtida, diríamos que morreram 4 mulheres na tentativa de abortar.
Mas sejamos maleá veis e tentemos imaginar que algumas pessoas
tentaram abortar e informaram diferente ou mentiram para
esconder sua condiçã o (005 + 006 + 007). Teríamos entã o, em uma
das mais exageradas hipó teses, 41 mortes no ano todo de 2014.
Cada morte é uma tragédia, com certeza. Mas se alguém quiser
prevenir mortes, proibir a existência de piscinas parece mais eficaz
que liberar o aborto, já que em 2013 ocorreram 142 afogamentos
em piscinas no Brasil! [60]

4.4 Defesa da vida humana pela classe médica


Nutro a esperança de que o Conselho Federal de Medicina tenha
muitos médicos comprometidos com a vida humana.
Mas nã o se esqueçam de que foi justamente da gestã o passada do
Conselho que veio a proposta de aborto liberado até à décima
segunda semana e a sugestã o da implementaçã o no Brasil de um
protocolo do tipo Groningen, para a eutaná sia infantil.
4.5 Feto não é humano?
O status humano é questã o genética e científica muito bem
estabelecida. Ninguém no meio acadêmico sério, ainda que fosse o
mais radical abortista instruído, levantaria a hipó tese de um feto
nã o ser humano. É humano em sentido ontoló gico e genético a partir
do momento da concepçã o. O que está em discussã o é quais
humanos podemos matar e quais nã o podemos. Fetos humanos nã o
se tornam tatus ou samambaias, eles se desenvolvem em pessoas
adultas, crianças, idosos, e todas essas categorias sã o categorias de
seres humanos.

4.6 Vamos discutir a questão?


Abortar nã o é questã o.
Abortar é o extermínio de uma vida humana!
Aceitar a discussã o sobre exterminar ou nã o vidas humanas ao bel-
prazer já consiste em forte indício de deficiência cognitiva e moral.

4.7 Barbarismo cerebral
Uma das formas mais estú pidas de argumentar que já vi: “Você é
contra o abortamento? Nã o aborte!” Como se, ficando cada um na
sua, nã o houvesse problema.
Logo, “Você é contra a tortura? Nã o torture!” (Que os outros que
torturem);
“Você é contra o estupro? Nã o estupre!” (Que outros o façam);
“Você é contra mutilaçã o genital? Entã o, nã o se mutile!”
Contudo, há uma grande diferença: nenhuma das açõ es anteriores
destruirá de maneira irremediá vel e integral a vida humana como o
faz o abortamento.

4.8 Analogia boba e morte cerebral


Considerar possível deduzir o critério bioló gico e ontoló gico para
definir o início da vida humana a partir do critério pragmá tico de
morte encefá lica é um verdadeiro non sequitur . É uma analogia
boba, burrice mesmo.
Nã o precisa nem ser médico para perceber isso. Basta usar a ló gica
para compreender que o critério da morte para pessoas em
processo de término da vida é algo totalmente distante do
estabelecimento do critério para o início da vida. Critério já muito
bem estabelecido no caso dos seres humanos com base na
embriologia e na genética.

4.9 Ouvi dizer
“Eu acho que nã o dá para falar que o feto é humano.” (Fonte
bibliográ fica: eu acho que li na internet e acho que é científico.)
5. Restrição ao aborto no caso do Chile
Os desesperados pela legalizaçã o do assassinato de fetos e bebês
pregam como profetas, ou necromantes. Preveem em suas bolas de
cristal que a legalizaçã o salvará muitas vidas maternas (ao custo de
milhõ es de vidas fetais e infantis, é verdade, mas a vida de um vale
mais que a de outros na cabeça desse povo maluco).
Os necromantes visioná rios também gritam por aí que restringir o
acesso ao aborto legalizado obrigará as mulheres a buscar
assistência indevida.
Os fatos mostram outra coisa.
No Chile, onde houve uma forte restriçã o ao aborto desde 1989,
aconteceu uma reduçã o progressiva na mortalidade materna
relacionada ao aborto ilegal. Isso mesmo! Restringir o aborto cursou
com a diminuiçã o da mortalidade! [61]
Estudos realizados ali mostram que o aborto inseguro está ligado ao
ambiente de medo e coerçã o, em que a mã e, incerta do futuro, nã o
encontra apoio na sociedade. O Chile resolveu mudar o cená rio e
iniciou programas de orientaçã o ao planejamento familiar e
elevaçã o dos níveis educacionais das mulheres, além de intensificar
programas de apoio à s jovens e inexperientes mã es que se
encontram em risco de apelar ao abortamento clandestino.
Realmente é mais fá cil enfiar um aspirador, desmembrar e matar
logo em vez de realizar uma intervençã o cultural e um programa de
apoio cordial. Obviamente, uma coisa nã o se torna boa por ser mais
fá cil.
Se nossa sociedade nã o conseguir se destacar no oferecimento de
apoio verdadeiro à s mã es e suas famílias, o destaque de dará entã o
por se tornar uma exterminadora eficaz de seres humanos
indesejá veis. Nó s já vimos esse filme antes, certo?
Você quer salvar vidas maternas? Apele para a educaçã o, nã o para o
extermínio de fetos e bebês.

6. O extermínio do amanhã


Este texto é uma réplica ao artigo: “A autonomia da mulher frente ao
aborto”. À época, combinamos um debate por escrito; este texto foi a
minha primeira réplica. Nã o houve resposta do outro lado no prazo
estipulado nem comunicaçã o a posteriori .

6.1 Considerações preliminares
Julgo importante definir alguns termos que utilizo e explicitar as
premissas e conclusõ es de minhas primeiras observaçõ es [62] para
auxiliar o leitor no seguimento do raciocínio exposto. Também
desejo, com isso, deixar bem claro os argumentos e fatos que
considero importantes a ponto de serem contestados.
Devo ressaltar primeiro que se fala aqui do abortamento de fetos até
de 12 semanas, embora os defensores do abortamento voluntá rio
(doravante chamados abortistas) muitas vezes defendam o ato até o
momento do parto, e alguns ainda mais radicais defendam o
homicídio infantil por qualquer razã o, desde que seja advinda do
desejo materno de eliminar a prole.
Nã o trato aqui do abortamento em situaçõ es trá gicas como estupro,
risco de morte materna ou deformaçõ es gravíssimas; temas estes
que merecem uma discussã o à parte e que extrapolam as
possibilidades da presente exposiçã o.
Portanto, chamo abortistas todos os favorá veis à liberaçã o do
abortamento conforme o desejo da mã e. E chamo aborteiros os
médicos e demais técnicos que se prontificam a executar o ato do
abortamento ou a indicar fá rmacos abortivos.
Por fim, o texto é uma resposta a um artigo publicado no portal
Academia Médica, por uma advogada. [63]

6.2 Argumentos e fatos básicos


Repito alguns fatos e constataçõ es bá sicas antes de começar a série
de argumentos: a questã o fundamental do aborto é a definiçã o de
quem se pode matar ou nã o.
A definiçã o do valor e da dignidade da vida humana define toda a
nossa civilizaçã o e visã o de mundo. É a questã o central da nossa
cultura. A maioria do povo brasileiro é frontalmente contra a
liberaçã o do abortamento, ao contrá rio da elite abortista. [64]
Comparaçõ es entre fetos e segmentos do corpo humano,
aglomerados celulares ou parasitas sã o completamente esdrú xulas e
nã o possuem nada de ciência. Só possuem mesmo extremo mau
gosto encimado de pura burrice advinda da incapacidade de tecer
boas analogias.
O feto e o bebê sã o seres humanos, definidos biologicamente por
meio da genética (herança cromossô mica mista advinda de
genitores) e da embriologia. Logo, o estatuto humano dos fetos e
bebês é científico, empírico e inquestioná vel. [65]
O nú mero comprová vel de mortes maternas por abortos
clandestinos no Brasil é muito menor que o divulgado pela
propaganda abortista de má qualidade.
A disposiçã o de exterminar a vida humana ou ser conivente com o
extermínio configura falha moral grave, ou, incapacidade cognitiva e
imaginativa para acessar a esfera moral da existência humana. [66]
Autorizar o homicídio de bebês e fetos nã o é uma questã o de
escolha, é uma questã o de destruiçã o existencial do pró ximo, o á pice
do solipsismo irresponsá vel e egocêntrico. Permitir esse ato atesta
contra toda a sociedade, como atesta contra a sociedade a permissã o
de outros atos hediondos como a tortura, o estupro ou a pedofilia.
Um critério pragmá tico utilizado para definir a morte por meio da
cessaçã o da atividade cerebral em pacientes no fim da vida nã o pode
ser filosó fica ou cientificamente aceitá vel para definir o início
ontoló gico da vida humana, repleta de possibilidades.
O debate sobre o aborto está repleto de falá cias e truques erísticos
de péssima qualidade. [67]

6.3 Rotulação odiosa
A erística é a arte de apelar para truques psicoló gicos em uma
discussã o ou debate, configurando ato inadequado. A advogada, em
seu texto, comete alguns desvios erísticos que demonstrarei antes
de prosseguir. Segundo ela:
Hoje, em meio a tantos fatos trá gicos que acometeram nossa semana,
trago um sopro de esperança para os defensores das liberdades
individuais, para as “mentes abertas”. Digo mente aberta, nã o porque
acho que todos devem ser favorá veis ao aborto, mas porque
normalmente as mentes abertas nã o impõ em seus pontos de vista de
maneira autoritá ria a uma coletividade. Apenas respeitam. [68]
Ela consegue, em um breve pará grafo, utilizar diversas vezes o
recurso conhecido como rotulaçã o odiosa. [69] Lendo seu texto é
possível perceber que, para a autora, quem nã o concorda com a
iluminada perspectiva de exterminar vidas humanas tem a mente
fechada, desrespeita as liberdades individuais e impõ e sua vontade
de forma autoritá ria à coletividade. Sã o apenas os desrespeitadores
obtusos.
Creio que algo parecido pode ser dito a respeito de abortistas e
aborteiros. Nã o compreender que a vida humana tem valor é de um
obscurecimento da consciência digno de espanto. É um tipo de grave
cegueira existencial e moral em relaçã o à manifestaçã o de valores.
Mais que desrespeitar liberdades individuais, os abortistas
desrespeitam a existência de milhõ es de seres humanos, pequenas e
indefesas vítimas assassinadas dia apó s dia. Alguém pensa em uma
imposiçã o mais autoritá ria que a perspectiva que visa ao extermínio
de milhõ es de vidas humanas? É uma imposiçã o autoritá ria a uma
enorme coletividade assassinada.
A autora apela ao voluntarismo seletivo, acusando os discordantes
de ter a mente fechada. Creio que o apelo à existência do ser vivo é
muito mais concreto e objetivo que o triunfo das vontades. Se, para
ela, opor-se à vontade humana desejosa de exterminar uma vida
humana é autoritarismo tacanho, o que impede entã o o exercício da
vontade humana em atos menos definitivos como o estupro e a
tortura?
Recuso a rotulaçã o indevidamente imposta a um dos lados do
debate. Ou, se devo aceitá -la, demonstro que ao abortista cabe ainda
mais a rotulaçã o odiosa feita.

6.4 Eufemismo e metonímia do homicídio


Como todos os relativistas do valor da vida humana e apoiadores do
abortamento, a autora faz uso de incríveis malabarismos verbais
para nã o dizer a coisa à s claras. Segundo ela, nã o foi considerada
crime, pela Primeira Turma, a “interrupçã o da gravidez até o
terceiro mês de gestaçã o”. [70] Creio, sinceramente, que ela o faz por
costume e por consagraçã o do uso pelo meio; mas é fato que
estamos falando da destruiçã o irreversível de uma vida humana,
expressã o forte, descrita de forma bem anó dina e procedimental
como interrupçã o da gravidez.
É como anunciar a alguém que está prestes a ser torturado que todo
o procedimento consiste na extraçã o técnica da verdade mediante a
estimulaçã o neural sensitiva.
O termo interrupçã o da gravidez pode ser utilizado, nã o me
entendam mal. Mas é obrigató rio que todos entendam as reais
consequências e a amplitude dessa intervençã o no processo
fisioló gico. Também é necessá rio que todos compreendam o uso de
uma metonímia para expressar um todo complexo ao utilizar a
denominaçã o de apenas uma de suas partes ou elementos
constitutivos. Há diversos atos e consequências a serem
considerados: o procedimento invasivo no corpo da mã e que trará
efeitos colaterais, a destruiçã o irreversível da vida humana, os
efeitos psicoló gicos que acompanharã o a mã e e a família para
sempre, a deturpaçã o da profissã o médica que se presta a eliminar a
vida em lugar de protegê-la e as consequências civilizacionais
importantes que mudarã o completamente a forma de pensar e agir
de incontá veis pessoas.
Todavia, alguém, neste momento, pode me interpelar com a
acusaçã o de que também recorro à metonímia ao denominar a
situaçã o que envolve o aborto de “extermínio da vida humana”. De
certa forma a acusaçã o procede. Porém, é uma metonímia de cará ter
muito mais objetivo e inclusivo que a realizada em geral pelos
abortistas ao designarem tudo “interrupçã o da gravidez”. O
extermínio da vida humana remete ao fato bruto e concreto, de
cará ter objetivo e irreversível, desejado de forma explícita pelo
aborteiro e pelos abortistas. Nesse sentido, falo de algo muito mais
pró ximo da realidade que o recorrente ao eufemismo adocicado.

6.5 Falha formal e deficiência da dimensão normativa


A advogada acerta em cheio ao explicar o contexto da decisã o
tomada pelo Supremo Tribunal Federal. De acordo com ela:
É , sem dú vida alguma, uma decisã o histó rica e controversa, pois como
também li em alguns comentá rios, na prá tica o STF legislou a respeito do
tema, competência que via de regra pertence ao Congresso Nacional. Mas
é importante lembrar que a Corte Constitucional Brasileira já havia
“legislado” quando descriminalizou o aborto em caso de fetos
anencefá licos, em 2013. [71]
Dois erros nã o fazem um acerto, tampouco estabelecem uma
tradiçã o, a nã o ser que falemos na tradiçã o de errar. Na concepçã o
de Miguel Reale, a decisã o legisladora do Supremo Tribunal Federal
pode ser considerada falha no aspecto normativo, configurando
norma invalidada por erro formal. [72] Nã o me sinto confortá vel
para tratar de assuntos jurídicos, mas a pró pria autora, ao defender
a liberaçã o do abortamento até à décima segunda semana, concorda
que a decisã o é, pelo menos, controversa. Também é possível
perceber que nossos supremos juízes fazem carreira ao decidir e
legislar de forma controversa. [73]

6.6 Absolvição dos aborteiros


A autora destaca a absolviçã o dos 5 aborteiros e de seus
funcioná rios que trabalhavam em uma clínica clandestina de aborto
na cidade de Duque de Caxias. Ela vê com bons olhos essa novidade,
a absolviçã o.
Para situar o leitor, lembro que 2 dos elementos absolvidos foram
presos um ano apó s o abortamento em Caxias ao assassinarem
Jandira dos Santos Cruz em um novo abortamento. Deram um tiro
na cabeça do cadá ver da jovem mã e vitimada por eles,
esquartejaram o corpo e o queimaram para simular um assassinato
“comum”. [74]
Isso nos faz refletir sobre o cará ter de quem executou o feto, ou o
bebê, em alguns casos, mundo afora. O exemplo da megaempresa
Planned Parenthood, dos EUA, fundada pela eugenista racista
Margaret Sanger, é gritante. Os fetos foram transformados em
mercadoria, vendida pelo melhor lance. [75]
A Planned Parenthood realmente é a megaindú stria do aborto. [76]
Possui ramos ativistas em termos legais e até mesmo científicos,
incluído no pacote seu braço aparentemente destinado a publicar
“ciência”, o Instituto Guttmacher, [77] autor do artigo citado pela
advogada como o que “acaba com todos os argumentos de que a
criminalizaçã o diminui as taxas de aborto”. Falarei mais sobre esses
conflitos de interesse adiante, ao comentar a respeito da qualidade
do artigo exibido pela apologista da liberaçã o do abortamento.

6.7 Alguns são mais iguais que outros


Para a autora, é inconstitucional que algumas mã es abortem em
clínicas clandestinas privadas e outras sejam obrigadas a passar por
consequências cruéis e desumanas em procedimentos no fundo de
quintais. Tal fato “viola o princípio da igualdade e da dignidade
humana”. [78]
É como se quem possui dinheiro fosse transportado a maravilhosas
clínicas onde aborteiros capacitados realizam procedimentos
avançados, isentos das complicaçõ es horrendas, impostas à s pobres
mã es que nã o podem contratar os serviços eficazes dos aborteiros
de qualidade. É como se o ato em si nã o fosse uma indignidade.
Essa concepçã o é desmentida de imediato ao observarmos os
aborteiros livrados pelo Supremo Tribunal Federal e constatar como
mascararam a morte para depois esquartejar e queimar a pobre mã e
convencida de que assassinar a prole seria aceitá vel.
Mais tarde, posso abordar as inú meras complicaçõ es causadas pelo
abortamento em clínicas autorizadas e fiscalizadas, mesmo que seja
o farmacoló gico. No momento, cabe dizer que mesmo a mulher rica
se expõ e ao risco, embora o faça com instrumentos à s vezes
melhores que os utilizados pelas mulheres mais carentes.
Quanto à evocaçã o do princípio da igualdade e da dignidade
humana, é curiosíssimo notar como o feto — humano — é excluído.
É como George Orwell escreveu em A revolução dos bichos : “Todos
os animais sã o iguais, mas alguns animais sã o mais iguais que
outros”. [79]
Seria mais acurado os abortistas dizerem que seres humanos
possuem dignidade concorde com o está gio etá rio em que se
encontram. É claro que a afirmaçã o contradiria frontalmente a
Convençã o Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da
Costa Rica, do qual o Brasil é signatá rio), que afirma em cará ter
inequívoco:
1 — Pessoa é todo ser humano;
2 — Toda pessoa tem o direito do reconhecimento de sua
personalidade jurídica;
3 — Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse
direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da
concepçã o. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente;
4 — Nã o se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a
hajam abolido. [80]
Mas quando é hora de arrumar uma justificativa para o genocídio da
geraçã o seguinte, os direitos humanos nem sã o tã o humanos assim,
certo? Ou, misteriosamente, só é humano quem um grupo seleto de
iluminados assim decide.

6.8 Exemplo dos primos ricos


Uma das razõ es apontadas para reforçar a atitude de nossos juízes
em optar pela progressiva descriminalizaçã o do abortamento é o
“entendimento pacífico em países do Hemisfério Norte”, [81] como se
ricos sempre tomassem decisõ es melhores que os pobres ou menos
ricos.
Isto é um non sequitur , uma falha ló gica clá ssica. Do fato de serem
ricos nã o se deduz a tomada da melhor decisã o.
Outro ponto nã o abordado no texto de Renata Rothbarth: a
legalizaçã o do aborto ainda segue em ferrenha discussã o nos EUA:
por exemplo, desde a famigerada decisã o tomada em Roe versus
Wade , em 1973, precursora da liberaçã o do abortamento. [82]

Ademais, o que se discute por lá é a remoçã o de verbas federais


destinadas à s clínicas de aborteiros, demonstraçã o da tendência de
retroceder em diversos pontos da política abortista. [83]
Se alguém quer seguir as tendências dos países ricos, talvez seja
mais defensá vel restringir o aborto ou manter a restriçã o por
enquanto.

6.9 Legislar sobre a realidade


Há teorias para tudo, das mais realistas à s mais estapafú rdias,
compatíveis com todos os gostos. A autora afirma existirem vá rias
correntes doutriná rias que pontuam sobre o início da vida e a
personalidade jurídica do feto. Até aí, tudo bem, embora os
conceitos estejam — ou estavam, nesses tempos de incerteza —
bem estabelecidos em nossa lei. A afirmaçã o seguinte chama a
atençã o:
... me parece mais realista a [corrente doutriná ria] que sustenta que
antes da formaçã o do sistema nervoso central e da presença de
rudimentos de consciência — o que geralmente se dá apó s o primeiro
trimestre da gestaçã o — nã o é possível falar-se em vida em sentido
pleno. [84]
Antes de continuar, vamos combinar o seguinte: o que parece mais
realista é o que se aproxima ao má ximo da realidade empírica
comprová vel por observaçã o autoevidente direta ou por teoria mais
plausível e confirmada em experimento reprodutível, controlado,
randomizado e duplo cego, certo?
Os critérios científicos e empíricos mais reprodutíveis e verificá veis
indicam nã o haver objetivamente o estado de plenitude de vida
demonstrá vel. Isto é, nosso organismo — cérebro e consciência
incluídos — está em constante modificaçã o, regeneraçã o,
degeneraçã o e adaptaçã o, pois certos subsistemas, como o visual,
por exemplo, continuam a se desenvolver de forma intensa e radical
nos anos apó s o nascimento. [85] Deveríamos entã o massacrar
crianças de 6 anos por nã o possuírem vida em sentido pleno
conforme critérios encefá licos visuais?
E para cada organismo humano, extremamente complexo e ú nico, há
diferentes momentos de plenitude em diferentes sistemas e funçõ es.
Ademais, quando alguém pode definir com segurança o ponto de
corte inicial para ousar afirmar o que seria o rudimento da
consciência? Se o feto humano adquire, mais tarde, consciência
passível de verificaçã o por comunicaçã o em determinado momento,
e o feto do tatu-bola jamais a adquire, há o “rudimento”, um tipo de
potencial em ato ali manifestado, que aponta com clareza para o
desenvolvimento progressivo de consciência, a ser sustentado e a
sofrer modificaçõ es pelo resto da vida. Apontar o dedo magicamente
para um momento da vida humana e afirmar ali a presença real de
um divisor de á guas, seja aos 3 meses de gestaçã o, seja aos 6 anos de
idade, seja aos 96 anos, implica em um nível de arbitrariedade e
falta de cautela insuportá vel.
E se alguém deseja manifestaçõ es de rudimentos de consciência ou
desenvolvimento neuroló gico, faria bem em se informar um pouco
melhor ou definir seus critérios de forma precisa.
A partir da sétima semana apó s a concepçã o, por exemplo, o feto já
reage a estímulos ao redor da boca, afastando a cabeça; uma clara
demonstraçã o do aparato neuroló gico em desenvolvimento. Na
décima primeira semana, já está formada a estrutura para a
sensibilidade cutâ nea do rosto, das mã os e dos pés. Um pouco mais
tarde, na vigésima segunda semana, o bebê reage até mesmo à
mú sica ambiente! [86]
Decidir a favor de atos irreversíveis como o abortamento — afinal,
ninguém pode ser “desabortado” — em situaçõ es tã o duvidosas, em
si, já configura ato moral reprová vel. Sendo o abortamento
irreversível e destrutivo, e existindo dú vidas sobre a realidade que o
abrange, a opçã o de aplica-lo é eticamente insustentá vel.
Disso tudo eu concluo: nã o é possível falar de vida em pleno sentido
a respeito de nenhum de nó s, nem de mim, nem da advogada
defensora da liberaçã o do abortamento. Disso nã o se deduz jamais
que mereçamos o extermínio na mã o de aborteiros assassinos.

6.10 Sem pé nem cabeça


A fala do ministro Luís Roberto Barroso citada na apologia abortista
é insustentá vel. Mais um non sequitur, sem ló gica e sem fundamento.
... a mulher que se encontre diante desta decisã o trá gica — ninguém em
sã consciência suporá que se faça um aborto por prazer ou diletantismo
— nã o precisa que o Estado torne a sua vida ainda pior, processando-a
criminalmente. Coerentemente, se a conduta da mulher é legítima, nã o
há sentido em se incriminar o profissional de saú de que a viabiliza. [87]
Lamento informar ao ministro que ele vive em um mundo
alternativo, em que a natureza humana alternativa destoa da
realidade de diferentes civilizaçõ es humanas do planeta Terra, aqui
da Via Lá ctea mesmo.
Mulheres procuram o aborto pelas mais diferentes razõ es, incluídas
as situaçõ es trá gicas como o estupro, o risco de vida materna e o
diagnó stico de anencefalia, até situaçõ es corriqueiras como falhas
na anticoncepçã o e o receio de perder a aparência estética. Isso nã o
é novidade, haja vista o relato de Aulus Gellius na obra clá ssica
Noites áticas , em que descreve a visã o desfavorá vel de Favorinus
(80-150 d.C.) sobre as mulheres que abortavam para manter a
beleza. [88]
Para quem duvida da capacidade humana de fazer o mal, uma rá pida
procura em jornais e reportagens mostrará uma bizarra e ampla
coleçã o de fatos. [89]
O ser humano pode agir com base nos mais nobres e puros ideais,
como também pode tornar-se cruel e cínico ao extremo. Reconhecer
a possibilidade da realizaçã o de abortos também por motivos
esdrú xulos nã o é ausência de sã consciência, é realismo. Chamar
quem reconhece a inclinaçã o maligna de certas condutas de louco
nã o parece digno, tampouco compatível, com o ofício exercido pelo
sr. Barroso ou pela sra. Renata, a autora que o cita.
Falta de sã consciência é a afirmaçã o: “Se a conduta da mulher é
legítima, nã o há sentido em se incriminar o profissional de saú de
que a viabiliza”.
Na Constituição brasileira, o abortamento nã o é legítimo de forma
alguma. O sr. Barroso vive de fato em uma realidade paralela.
Mesmo nos casos em que nã o se prevê prisã o, julga-se que a pena
nã o deve ser aplicada mediante o sofrimento pelo qual a mã e já
passou. Quanto ao aborteiro que executou o feto em situaçã o trá gica,
há a concepçã o de que o mal menor foi feito. De uma possibilidade
em um mundo imaginá rio nã o se deve deduzir que os aborteiros
possam trabalhar com liberdade.
Se um dia o abortamento for legalizado pelos legisladores de forma
irrestrita no Brasil, aí sim a prá tica dos aborteiros será legítima, em
sentido legal, o que nã o significa, nem por um segundo, que o seja
moral e eticamente falando.
Peço desculpas por falar coisas tã o ó bvias, mas nesses nossos dias
de inversã o da realidade, ter consciência parece elemento suficiente
para que alguns o considerem nã o estar em “sã consciência”.
6.11 Escotoma negativo abstratista do abortismo
Essa expressã o que mistura termos tomados de empréstimos da
filosofia e da oftalmologia descreve o seguinte fenô meno: faz-se um
recorte da realidade para destacar só um aspecto da questã o,
instrumentalizado para apresentar um fato concreto sob a mais
favorá vel perspectiva possível, obscurecendo sutilmente os demais
aspectos da realidade a ponto de nã o os perceber mais. É como se
optá ssemos por enxergar intelectual ou moralmente só o que
desejamos ou nos favorece, equivale a fazer uma abstraçã o
reducionista ao extremo. [90]
Esse escotoma pode ser premeditado ou inadvertido. No caso da
autora do artigo abortista, há a opçã o deliberada de enxergar apenas
um princípio envolvido na questã o: o da autonomia. Diz ela: “Nã o
sou exatamente a favor do aborto, sou a favor da autonomia da
mulher”. [91]
Acho curiosíssima a dissociaçã o de elementos
concretos da realidade. Se esse artifício facilita o raciocínio ló gico e
fornece aparência de rigor, também serve como instrumento de
simplificaçã o reducionista e tendenciosidade.
É como dizer coisas do tipo: “Nã o sou exatamente a favor do
estupro, sou a favor de que cada um obtenha suas formas de prazer”.
Ou ainda: “Nã o sou a favor da tortura, sou a favor da obtençã o da
verdade”.
A advogada alega focar a questã o na mulher, pois é do sexo feminino
que nascem os bebês. Se os homens os gestassem, ela afirma que
também lhes defenderia a autonomia. Mesmo que se trocassem os
sexos, o reducionismo para abordar — só pelo lado da autonomia ao
fingir a pouca importâ ncia da vida concreta do ser humano —
permanece como fonte de importante escotoma abstrativo mental.
Falemos as coisas como sã o: busca-se a oportunidade de ter
orgasmos — à s vezes — em relacionamentos sexuais
despreocupados, mesmo que uma vida tenha de ser sacrificada para
isso. Nã o sou juiz da vida ninguém, mas é preciso compreender que
uma sensaçã o transitó ria nã o pode ser considerada superior à vida
humana. Isso nã o é autonomia em sentido socialmente aceitá vel,
amplo e justo; isso é a autonomia libertina de um ao custo da
escravidã o total a ponto de exterminar o outro.

6.12 FALTA DE RESPONSABILIDADE


No artigo abortista, lê-se:
Fato é que a legislaçã o vigente, que data da década de 1940, coloca
barreiras ao direito de autodeterminaçã o, retirando da mulher a
possibilidade de decidir de maneira livre sobre a maternidade. [92]
Mais uma vez a realidade sofre recortada. A mulher exerceu sua
autodeterminaçã o de forma muito clara quando optou por ter uma
relaçã o sexual sem os devidos cuidados, engravidando logo apó s.
Antes que o policiamento ideoló gico pró -aborto se erga furioso,
estou falando de mã es que querem matar seus filhos até doze
semanas da concepçã o. Nã o falo aqui das exceçõ es como o caso de
estupro ou risco de vida materna. [93]
Qualquer adulto minimamente maduro reconhece que cada decisã o
nossa traz consequências. A autonomia é exercida na escolha da
atitude que desencadeia as consequências, mesmo que nã o
possamos escolher escapar das consequências.

6.13 Abortismo em busca de evidências


Com muito otimismo, a advogada afirma:
Um estudo recente publicado na Revista Lancet acaba com todos os
argumentos de que a criminalizaçã o diminui as taxas de aborto. Pelo
contrá rio, enquanto a taxa anual de abortos em países onde o
procedimento pode ser realizado legalmente é de 34 a cada 1 mil
mulheres em idade reprodutiva, nos países em que o aborto é
criminalizado, a taxa sobe para 37 a cada 1 mil mulheres. Logo, ninguém
deixa de fazer aborto porque é proibido — no Brasil muito menos.
A fé no estudo publicado no perió dico Lancet é curiosa, já que nem
os autores do artigo citado têm tanta confiança assim na obtençã o
de conclusõ es capazes de “acabar com todos os argumentos”, e
afirmam diversas vezes que se basearam em estimativas,
aproximaçõ es e pressuposiçõ es para cobrir lacunas de informaçã o.
Obrigados pela cautela do mundo científico, os autores do artigo
citado pela advogada afirmam com sobriedade que informaçõ es
advindas de países em desenvolvimento sã o escassas e de baixa
confiabilidade, apelando para a hipotética realizaçã o de mais
pesquisas no setor ao fim do artigo. [94]
Também usam
metodologias baseadas em publicaçõ es de seu local de trabalho. Tais
metodologias incluem diversas formas de interpretaçã o de dados
baseadas, por exemplo, na suspeita de que quem responde mente
sobre ter feito aborto ou nã o, partindo para estimativas que
inflacionam o nú mero de abortos realizados. Ademais, a origem dos
cá lculos se baseia em dados governamentais advindos de locais que
lidam com as consequências e complicaçõ es do abortamento
induzido. [95]
Quanto ao possível conflito de interesses no artigo citado, seus
autores declaram nã o existir, mesmo estando comprometidos com a
causa abortista até à medula por serem membros do Alan
Guttmacher Institute, ó rgã o nascido como braço científico da
megaempresa abortista Planned Parenthood. Maior conflito de
interesses é impossível! [96] É um instituto engajado na causa
abortista e que prega a destinaçã o de verbas pú blicas para a
má quina de extermínio.
Em relaçã o aos dados, mesmo supondo sua honestidade, é curioso
notar que as leituras foram feitas de 1990 em diante, ainda que o
aborto tenha sido legalizado em diversos países décadas atrá s, como
o que ocorreu nos EUA no famoso caso Roe versus Wade , em 1973.
De 1970 a 1980, abrangendo a época de legalizaçã o do aborto, o
nú mero de abortos realizados a cada 1000 nascimentos vivos
ascendeu de 52 a 359, um aumento de quase 600%. O nú mero bruto
de abortos apó s a legalizaçã o em 1973 saltou de 615.831 para
1.297.606. [97]
Na Espanha, apó s a instituiçã o da Ley Orgánica 9 , de 1985, o
nú mero de abortos induzidos no ano seguinte foi de 16.206. Antes
da legalizaçã o era de 411. Se vocês acham que era pequeno por nã o
ser reportado, veja que dez anos depois, na situaçã o de aborto
legalizado e regularmente reportado, o nú mero de abortos
induzidos superou 50 mil casos. [98]
Alguém pode afirmar que os abortos surgidos eram clandestinos, daí
a nã o contabilizaçã o. Essa hipó tese nã o se sustenta, pois o
crescimento do nú mero de abortos ocorreu de forma contínua por
vá rios anos apó s o fim da restriçã o. A desculpa de que os casos nã o
reportados vieram à tona só cabe, em parte, ao primeiro ano apó s a
legalizaçã o, supondo que a propaganda abortista maciça nã o tenha
surtido nenhum efeito psicoló gico junto à mudança legislativa e
convencido de pronto mais mã es a abortarem os filhos.
Causa estranheza perceber que a casuística reportada pelo artigo
citado inicia o relató rio só na década de 1990, ainda mais quando se
observa certa estabilizaçã o do nú mero de abortos apó s uma década
de legalizaçã o e se sabe da vertiginosa queda de natalidade nos
países desenvolvidos que legalizaram o aborto, de forma geral, nas
décadas anteriores. [99] O recorte feito pelos autores do artigo é algo
que beira o criminoso, sugerindo uma cínica militâ ncia
pseudocientífica. Usar o artigo para arrogar autoridade e impor uma
decisã o em relaçã o à questã o da legalizaçã o do abortamento
significa suicídio intelectual.
Dessas informaçõ es é impossível afirmar que o artigo destró i por
completo os argumentos que unem a legalizaçã o ao aumento do
nú mero de abortos.
A afirmaçã o da autora foi um blefe misturado a um argumentum ad
verecundiam , um apelo à autoridade [100] de um perió dico de
renome. Ademais, o pró prio artigo nã o coloca o foco de sua pesquisa
no fato de o aborto estar ou nã o estar legalizado.
Questionada um pouco sobre seu artigo destruidor de argumentos
contrá rios, a senhora Renata manda uma “carteirada” e afirma que
só no Lancet existem outros 985 artigos sobre Abortion Social
Issues . Poderiam ser milhõ es de artigos, nú meros de trabalhos
publicados nã o garantem a verdade, como ela bem sabe ou deveria
saber. Mais um blefe e mais um argumentum ad verecundiam . Que
feio!
É curioso que a advogada afirme que sou extremamente ingênuo por
apresentar dados do DATASUS informando o baixíssimo nú mero de
mortes causadas por tentativa de abortamento no Brasil em 2014,
[101]
com a explicaçã o de que estatísticas de abortamento em países
que restringem sua prá tica nã o podem ser confiá veis. Digo que é
curioso, pois o artigo científico que ela usa para acabar com todos os
argumentos pró -vida da associaçã o entre restriçã o legal e reduçã o
de abortos, baseia-se em dados governamentais, incluindo
inferências sobre países com restriçã o de abortos baseados em
informes diversos, incluídos aqueles do governo.
Resumindo:
1. O artigo citado nã o destró i argumento nenhum;
2. O abortista, de forma geral, seleciona o que lhe convém para
apresentar como prova;
3. Há conflitos de interesse e falhas graves no artigo citado.
O blefe nã o colou. O artigo citado nã o refuta nada, tampouco destró i
argumento algum.
6.14 O Estado falsamente neutro
Uma concepçã o kantiana muito comum em nossos dias é a de que o
Estado secular deve manter a imparcialidade em relaçã o à s religiõ es
exercidas em privado pelas pessoas.
A autora do artigo afirma:
Em temas moralmente controvertidos, um Estado de Direito nã o deve
tomar partido e impor uma visã o, mas sim permitir que os indivíduos
façam suas escolhas pessoais de maneira autô noma. [102]
Há uma série de confusõ es nessa afirmaçã o. O Estado — no caso, a
elite judiciá ria representada pelo Supremo Tribunal Federal — nã o
ficou imparcial de forma alguma. A questã o nã o é apenas se
podemos ou nã o fornecer o abortamento. A verdadeira questã o é
qual ser humano o Estado tem autorizaçã o para eliminar e quais
habitantes estã o fora da possibilidade de extermínio.
Ou se protege a vida humana em todas as suas manifestaçõ es, e a
vida é sagrada, ou nã o. Quando o aborto deixa de ser crime,
voltamos ao tempo pré-hipocrá tico — quando os médicos
oficialmente eliminavam vidas humanas.
Permitir o abortamento nã o significa manter a neutralidade,
deixando cada um fazer o que quiser. Fazê-lo significa com clareza
assumir uma posiçã o e deixar bem claros os critérios que
fundamentam o valor dado à vida humana — ou a ausência dele.
Os juízes nã o mantiveram a neutralidade. Assumiram a posiçã o que
desrespeita a vida humana, os valores do povo brasileiro e toda a
maioria religiosa — e também nã o religiosa — que abomina o
extermínio da vida humana. [103] Eles sã o parte do retrocesso de
milhares de anos, calculado e bem arquitetado, que desvaloriza mais
uma vez a vida humana e nos destitui das conquistas culturais e
jurídicas que fundaram nossa civilizaçã o.
6.15 O pior cego moral é o que não quer enxergar
A autora do artigo está tranquila, pois nã o enxerga nenhum motivo
para temer possíveis distorçõ es das magníficas propostas de
legalizaçã o do abortamento:
Nã o vejo razã o alguma para temer a diminuiçã o das taxas de fecundidade
ou a banalizaçã o da prá tica. Pelo contrá rio, penso que com o
enfrentamento de fatores sociais e econô micos que dã o causa à gravidez
indesejada, além do avanço de políticas pú blicas de educaçã o sexual
eficazes, se tornará medida excepcional. [104]
Um pouco de conhecimento histó rico nos ajuda e entender que o
mal pode ser banalizado. [105] Caso haja receio de que o aborto seja
usado de forma banal, por que a insistência na legalizaçã o? Estaria aí
o sentimento residual de que exterminar fetos é moralmente
reprová vel a ponto de nã o desejar permiti-lo por qualquer razã o?
Ademais, se o feto nã o for humano, ou se alguém defender a
hipó tese de que podemos sacrificar alguns humanos sem maiores
problemas morais, por que nã o empalhar os fetos e utilizá -los como
decoraçã o? Por que nã o criar iguarias com fetos, fazer um
estrogonofe fetal? Por que nã o os manter vivos para enfiar dezenas
de tubos e fazer fantá sticos experimentos científicos? Por que nã o
comprar fetos para colher ó rgã os e criar uma fazenda de
transplantes? Ou ainda, por que nã o utilizar o feto para oferecer
como sacrifício em um ritual macabro? Sem o status moral a lhe
preservar a vida, cedo ou tarde, o feto será “objetificado”.
Confiar que ninguém banalizará a prá tica é de uma cegueira
histó rica e de um otimismo irresponsá veis.
Por fim, já que a autora vê com bons olhos a educaçã o das mã es e
medidas de cará ter cultural sem ter que recorrer ao aborto legal,
por que nã o buscar os bons resultados da experiência do Chile, que
alcançou a reduçã o do nú mero de abortos apó s leis restritivas ao
lado de medidas sociais de qualidade? [106]

6.16 Eugenia e fim dos comedores inúteis


A histó ria realmente nos deixou um amplo legado de liçõ es que
demonstram com clareza o pior e o melhor que a natureza humana
pode produzir. Quando se fala das sucessivas desvalorizaçõ es da
vida humana, por exemplo, há uma ampla fonte de experiências
prévias que deve ser abordada.
Matar fetos e bebês nã o é, de fato, nenhuma novidade. Desde os
sacrifícios rituais na antiguidade dedicados a Moloque — uma
versã o antiga da Planned Parenthood? — até ao homicídio eugenista
de crianças fracas na antiga Esparta, sempre existiram ameaças à
manifestaçã o mais inocente e frá gil da vida humana.
Manifestaçõ es mais recentes ocorreram nos regimes totalitá rios:
neles, os “comedores inú teis” deveriam ser sacrificados pelo bem
coletivo. O sacrifício individual promovido em “prol da humanidade”
foi, sem dú vida, a maior causa de sofrimento e morte na histó ria
humana, como bem demonstra Joseph Rummel nas estatísticas
sobre os massacres promovidos pelos regimes comunistas e
nazistas. [107]
Infelizmente, o ser humano continuará a ser valorizado ou
desvalorizado de acordo com sua “utilidade”, ou a possibilidade de
obter ou fornecer prazer. O abandono da concepçã o de direitos
universais, derivada da imagem digna da humanidade que a religiã o
legou à nossa civilizaçã o, é uma tendência atual. E atente para o
seguinte fato: muitos defensores da vida humana nem sã o religiosos,
e explicam a intuiçã o moral que os obriga a resguardar a vida do
feto ou do bebê por diversas outras razõ es.
A autora do artigo acerta na mosca ao avisar que a relativizaçã o do
crime promovida pela Primeira Turma será um precedente
importante na decisã o sobre abortar ou nã o os fetos contaminados
pelo vírus Zika e com a probabilidade aumentada de nascerem com
microcefalia:
Finalmente, destaco que, embora essa decisã o seja apenas um
precedente e nã o se aplique obrigatoriamente a outros casos, o
entendimento da Primeira Turma deverá ser lembrado em um
julgamento previsto para o pró ximo dia 7 de dezembro, quando todos 11
ministros da Corte debaterã o no plená rio se o aborto pode ser
descriminalizado quando a gestante estiver contaminada com o vírus
Zika. [108]

6.17 Observações finais da réplica


O texto da advogada nã o é, em nada, surpreendente. Ela reproduz,
talvez com a melhor e mais equivocada intençã o, o politicamente
correto (enfiado goela abaixo na populaçã o brasileira nas ú ltimas
décadas com o apoio de verbas bilioná rias de organismos
internacionais). Nã o a considero ingênua — como ela considera a
mim —, só entendo que ocorreu um apagamento moral e cognitivo
intencional de algumas esferas da realidade, comum a determinados
grupos. [109]
Nã o a conheço pessoalmente, e mesmo que a
conhecesse, nã o cabe julgá -la enquanto pessoa. Porém, cabe julgar a
apologia à legalizaçã o ao abortamento, ato em si maligno, objetiva e
essencialmente ligado à defesa da destruiçã o de uma criatura
humana inocente.
O que se observa nã o é o choque entre duas agendas políticas,
embora a política seja um aspecto sempre presente nas relaçõ es
humanas (na sociedade em larga escala). Evidencia-se a colisã o de
duas visõ es de mundo que se estranham há milênios. [110]
O texto em defesa do pensamento abortista — mesmo que
apresente um discreto resquício de moralidade ao afirmar que nã o é
pró -aborto — entende o extermínio do feto como instrumento
contra algo pior, típico representante da elite progressista munida
de ideias secularizantes, nascidas com o iluminismo mais radical.
Minha perspectiva, e com a perspectiva da maior parte da populaçã o
brasileira, encaixa-se confortavelmente no polo oposto ao
imanentismo utilitarista.
Nã o nutro ilusõ es bobas, e nã o tenho lá grandes esperanças de que
possamos ainda salvar a geraçã o seguinte do extermínio em massa
do abortismo e das mã os sangrentas de milhares de aborteiros
á vidos pelo lucro da morte. O trabalho da riquíssima elite intelectual
que relativiza a vida avança e encontra oposiçã o fraca e desunida.
Aos borbotõ es, os valores da civilizaçã o sã o radicalmente alterados
pelas mais toscas obras de engenharia social que, no mundo todo,
geraram, aos milhõ es, textos e pensamentos como os da autora.
O revestimento dessa ideias com conceitos pseudocientíficos
também nã o é novidade, e milhõ es de pessoas observam
abobalhadas as estatísticas manipuladas por instituiçõ es pró -aborto
como o Alan Guttmacher Institute, braço “científico” da Planned
Parenthood, designado para dar credibilidade ao abortismo.
Seria realmente maravilhoso que todos pudessem adquirir
conhecimentos profundos sobre a “medicina baseada em
evidências”, estatística médica e clínica médica para que
analisassem por si mesmos as publicaçõ es científicas. Contudo, é
utó pico achar que teremos milhõ es de analistas científicos com
experiência em filosofia e medicina — incluindo advogados —
capacitados para desmascarar as manipulaçõ es existentes por aí.
Quanto à vulgar rotulaçã o odiosa e condescendente aposta aos
contrá rios à legalizaçã o do abortamento, na qual o defensor da vida
dos fetos e bebês tem a mente fechada ou é ingênuo — isso em nada
faz avançar o debate de qualidade. Todavia, nã o se deve esperar
muito do ambiente letrado brasileiro de forma geral. A advogada
reproduz apenas o que lhe foi ensinado: utilizar dados de trabalho
sem conhecer a base filosó fica, política e metodoló gica, [111] achar
que o lado oposto sã o trevas em relaçã o à s luzes da pró pria opiniã o,
[112]
posar com ares de grande autoridade científica lançando blefes
[113]
e fazer uso de figuras de linguagem e de chavõ es. [114]
Apesar disso tudo, tenho certeza de que ela é plenamente capaz de
superar o ambiente depressivo que oprime o Brasil e que nos lança
para os ú ltimos lugares em educaçã o e para os primeiros lugares em
mortes violentas.

7. Mediocridade moral do hedonismo abortista


Um fato chamou minha atençã o nas ú ltimas semanas: o Conselho
Francês de Estado manteve a censura feita antes a um vídeo pelo
Conselho Francês de Radiodifusã o.
O subversivo vídeo censurado mostra crianças com Síndrome de
Down sorrindo enquanto comunicam à s mã es, que descobriram que
seus filhos nascerã o com a trissomia do cromossomo 21 — nome
científico desse problema —, que o mundo nã o acabou e que, apesar
das dificuldades, a felicidade é possível. [115]
Apesar da solicitaçã o de que o vídeo fosse novamente exibido na
televisã o francesa, feita por pessoas com Trissomia do 21 e suas
famílias, o Conselho de Estado julgou que ver crianças com Down ,
inteligentes e sorrindo enquanto mostravam ao mundo que eram
pessoas, consistia em algo muito ultrajante para as mã es que
legalmente exterminaram seus filhos deficientes, e que as pobres
matadoras da pró pria prole com a alteraçã o genética nã o poderiam
ser submetidas ao terrível sentimento de culpa potencialmente
despertado pelos sorridentes e amabilíssimos jovens do vídeo,
muito comovente e bem feito por sinal. [116]
Isso é um fato que salta aos olhos de quem vê. É o exemplo de uma
série de eventos que se somam continuamente para compor o triste
cená rio da época contemporâ nea. Todos esses fatos apontam na
direçã o de uma crise civilizacional.
Calma, nã o estou fazendo alarde nem tecendo uma escabrosa teoria
da conspiraçã o. A pedra já foi cantada por tantos filó sofos,
historiadores e pensadores de estatura que nem ouso tentar algum
ar de novidade. Nossa civilizaçã o está em crise, e afundamos com
rapidez na lama do barbarismo, motivados pelo secularismo,
hedonismo, relativismo e pela açã o destruidora de pensadores
anticristã os e antiocidentais.
Os bioeticistas iluminados que se prestam a fazer o desmonte
cultural por meio da bioética — ou disbioética , como prefiro chamar
— incutem na cabeça do povo que matar bebês e fetos é algo bom
ou, pelo menos, indiferente. Ainda mais, coisa de gente boa.
▪ Mostre que você é legal, capaz de decidir, que está “empoderada”
(termo ridículo!) e manda no pedaço, ou melhor, no pró prio corpo.
▪ Vamos lá , exercite sua independência, autonomia e a vontade do poder.
▪ Basta expulsar um pequeno feto de dentro da barriga da mã e e tudo
ficará bem. Basta destrinçar o corpo do feto como um frango, na véspera
do almoço de domingo, e esmagar sua cabeça enquanto os miolos saem
pelo canal vaginal que tudo dará certo.
Mas nada fica bem nem dá certo.
As mulheres que abortam cometem suicídio, entram em depressã o,
aumentam o risco de infertilidade e, caso alguém acredite no que diz
a religiã o, serã o punidas no inferno a nã o ser que um milagre ocorra
(à s vezes acontece sim). Aliá s, antes que revoltados apareçam por
todos os lados, horrorizados com a mençã o da palavra inferno, por
que alguém se revoltaria com o anú ncio da puniçã o da alma pela
morte de um inocente já que nã o acredita mesmo em céu e inferno?
Diante da engenharia social — propagada por muitos
documentá rios politicamente corretos em que atores e atrizes
incentivam o aborto — muitas pessoas se convencem de que matar
bebês e fetos pode e até deve ser feito. E assim procedem.
Todavia, há um mal objetivo no sacrifício dos pró prios filhos. Há um
elemento real e concreto cuja relativizaçã o trará grande prejuízo ao
ser humano. Destruir um ser inocente no momento de maior
fragilidade — no ú tero materno — consiste em uma covardia
maligna.
A consciência ataca a mã e e, à s vezes, até o pai e os demais
familiares. A consciência pode atacar o pró prio médico, se ela ainda
subsistir nele em alguma medida.
Qual a soluçã o proposta pelos maravilhosos burocratas da moral
alheia, pela intelligentsia progressista diante do ataque da maldita e
retró grada coisa designada consciência?
Proibamos imagens, histórias e filmes que lembrem às mães
que assassinaram seres humanos, pessoas capazes de um dia
de felicidade, tanto de receber quanto de oferecer alegria e
experiências de vida.
É o cú mulo da bestificaçã o humana e da destruiçã o de nossas almas.
Pecou? Esqueça-se do que fez. Retroceda e peque mais!
É a caricatura diabó lica e invertida do Evangelho: impedir o
arrependimento e a reflexã o.
Abaixo o desconforto, pois só podemos absorver o prazer.
A expectativa hedonista de livrar a pessoa do desconforto, mesmo
que ao custo da vida alheia e da impossibilidade de sentir empatia
ou imaginar o que é a vida alheia, nos levará ao fim da civilizaçã o.
Muitos já apontaram para a guerra cultural que se desenvolve por
estas terras.
Benjamin Wiker, na magnífica obra Darwinismo moral: como nos
tornamos hedonistas , [117] mostra que a guerra entre hedonistas e
adeptos da postura transcendental da vida é antiga, pré-cristã .
A religiã o e a filosofia pareciam ter se livrado da onda hedonista e
niilista, mas, desde as catastró ficas revoluçõ es do século XX,
ninguém mais está autorizado a ficar tranquilo achando que venceu
a guerra. [118]
Má rio Ferreira dos Santos, em uma de suas magníficas obras, trata
da invasã o vertical dos bá rbaros, de como os valores e a inteligência
na civilizaçã o ocidental estã o se desmanchando por uma destruiçã o
intencional vinda por meio da cultura — ou da falta dela —,
instalada nas cá tedras, espalhada pela elite insensível que, como o
sociopata, manipula a sensibilidade alheia sem sofrimento algum,
sem consciência da monstruosidade que provoca.
Michel Henry fala da barbá rie de nossos tempos; José Ortega y
Gasset trata da massificaçã o e do fim do sentimento de nobreza e
dever; Olavo de Carvalho menciona as inversõ es revolucioná rias que
embrutecem e tornam as podridõ es mais cruéis algo desejá vel; José
Ingenieros alude do aspecto medíocre que tomou conta da
consciência, da incapacidade de o homem moderno ascender ao
padrã o elevado de cará ter e conduta; Zygmunt Bauman — para nã o
dizer que deixei de citar a esquerda — se refere ao imediatismo e a
falta de perenidade na civilizaçã o: a liquidez, em que tudo vale nada,
e a toda hora se reconstró i tudo apó s sucessivas perdas; Eugen
Rosenstock-Huessy versa sobre os processos de crise da linguagem:
os significados podem ser destruídos e uma língua artificial pode ser
imposta à sociedade, impedindo a comunicaçã o de verdades
profundas e belas; Theodore Dalrymple, pseudô nimo de Anthony
Daniels, e Roger Scruton expõ em a destruiçã o de tudo o que é belo,
justo e bom na sociedade que ressalta apenas os piores aspectos, a
maior vileza; Má rio Vargas Llosa escreve sobre a fú til civilizaçã o do
espetá culo.
Eu poderia continuar citando dezenas, centenas de autores, de
diversos espectros políticos e cosmovisõ es, que apontam para a
mesma situaçã o: decadência.
O hedonismo e a elevaçã o do prazer imediato subjetivista acima de
fatos e seres concretos, por meio da relativizaçã o dos valores mais
profundos e centrais, estã o destruindo tudo.
Agora, sacrificamos nossos filhos e fingimos que nada acontece. Em
breve, todos seremos sacrificados, e ninguém se lembrará do quanto
valemos. Afinal, sobrará algo valioso em nó s e legado por nó s para
justificar a lembrança de quem somos?
Será o prazeroso e anestésico fim...

8. Da submissão imoral à autoridade


Já tratei do comunismo e do nazismo na medicina, e de como essas
ideologias sangrentas levaram à completa destruiçã o do legado
hipocrá tico e cristã o. Já mencionei os perigos do transumanismo e
de como essa utopia poderá nos levar ao despotismo “esclarecido”.
Já falei da necessidade de compreender a medicina como
comunidade moral, detentora de valores pró prios dignos de defesa
em prol da sociedade.
Em todos os casos de abuso, pensadores de grande capacidade
estiveram à frente das mutaçõ es sociais tantas vezes desastrosas.
Todavia, resta uma pergunta extremamente importante: Por que
muitas pessoas inteligentes e capazes, devotadas profissionalmente
ao bem do pró ximo, pelo menos em tese, fizeram tanto mal apó s
terem se deixado levar pelas ideias mais loucas e estapafú rdias?
Já sabemos que as mutaçõ es sociais genocidas e criminosas
começaram na cabeça de pequenas elites intelectuais. Resta saber
como tantas pessoas foram capazes de cair no canto da sereia
totalitarista.
A pergunta nã o é nova, e suscita uma resposta inquietante.
Stanley Milgram, pesquisador da á rea das ciências sociais, também
se perguntou como era possível que tantas pessoas teoricamente
esclarecidas pudessem apoiar algo tã o monstruoso como o nazismo.
Para responder, criou um experimento assustador: suas cobaias
participavam inadvertidamente de uma hipotética pesquisa imoral.
Na pesquisa, as cobaias dariam choques em indivíduos destacados
para responder a um teste de memó ria. Ao lado da cobaia ficava o
ator que fazia o papel de pesquisador, sempre reafirmando que
estava tudo sob controle e que tudo fazia parte de um protocolo
científico. Os choques eram dados apó s respostas inadequadas até
cargas altíssimas. A cobaia que consentisse com o experimento,
mesmo que protestando durante o mesmo, seguia aumentando a
voltagem dos choques até níveis letais, apesar dos gritos de quem
em teoria sofria uma descarga elétrica na outra sala, sempre sob o
olhar do “pesquisador” que encarnava a autoridade científica.
Qual foi o resultado do experimento? A grande maioria das pessoas,
professores universitá rios altamente instruídos entre elas, disparou
cargas elétricas na “falsa cobaia” do outro lado, ultrapassando até
mesmo o limite de risco mortal. [119]
A conclusã o é inquietante. Quando estamos diante de uma
autoridade que nos manda prosseguir, mesmo sabendo que há algo
muito errado, a tendência é seguir adiante, suprimir a intuiçã o
moral e praticar atos cruéis.
Além dessa pesquisa, que mostra como somos obedientes a ponto de
tomar parte em genocídios e pesquisas antiéticas, outra pesquisa na
mesma linha verificou como preferimos nos acomodar ao grupo em
vez de agir de forma independente. O experimento de Solomon Asch
incluiu vá rios atores que participavam da experiência ao lado de
uma ú nica cobaia desavisada. Uma imagem era projetada e cada um
emitia sua opiniã o. Tudo começava bem, mas em determinado
ponto, os atores propositalmente respondiam de forma errada,
porém coerentes entre si. A maior parte das cobaias negou o que
estava diante dos olhos e respondeu em conformidade com o grupo.
[120]

Os mecanismos de conformismo ao grupo e de submissã o à


autoridade podem ser utilizados para bons fins, obviamente, mas
abrem espaço para manipulaçõ es perigosas. Nesse sentido, uma das
principais características propaladas pela bioética vem bem a calhar.
Desde seu surgimento, a bioética se propô s a questionar a si mesma.
Nascida nos agitados e rebeldes anos das décadas de 1960 e 1970,
ela se propô s a examinar o que estava estabelecido.
Quem acompanha meus textos sabe muito bem que considero
deletério muito do questionamento feito contra a tradiçã o
hipocrá tica, que na maior parte das vezes é infundado e
irresponsá vel. Porém, nã o há como discordar de que o estímulo ao
questionamento — do ponto de vista socrá tico, digamos assim —
pode ser extremamente benéfico.
A bioética, em termos técnicos e acadêmicos, está em franca
expansã o, cada vez mais recheada de estudiosos e trabalhos de
qualidade diversificada. Dialeticamente falando, tornou-se ela
mesma uma disciplina que servirá de autoridade e estimulará o
conformismo grupal em seus membros.
Porém, tenho a esperança de que a bioética jamais abandone sua
disposiçã o inicial de estimular sempre a inteligência individual a
olhar mais uma vez para a realidade, com olhos á vidos pelo
conhecimento responsá vel, buscando novas perspectivas em antigas
situaçõ es e em desafios inéditos.
Criei o termo disbioética para que seja fornecida à bioética uma
desagradá vel pedra no sapato, algo que a incomode e sempre a
recorde do cará ter dialético da realidade. O neologismo disbioética
deve ter a funçã o de acusar a bioética e depurá -la com o mesmo
elemento tã o utilizado por essa nova disciplina: a crítica.
A obediência em si à autoridade é neutra e pode ser muito bem
direcionada e aproveitada, mas a obediência cega à autoridade
científica ou política é pura irresponsabilidade. Que a bioética seja
um auxílio à remoçã o das escamas que cobrem nossos olhos, mesmo
quando o alvo fitado seja ela pró pria.

9. Fantástico amontoado de células


Uma das grandes afirmaçõ es dos abortistas é que o zigoto ou o
embriã o nada mais é do que um amontoado de células. Com isso,
esperam demonstrar o aspecto inumano da “coisa” encontrada no
ú tero materno, talvez com o intuito de dessensibilizar as mã es e a
populaçã o em geral para a realidade bioló gica da nova vida que se
desenvolve.
A afirmaçã o de que o zigoto, o embriã o ou o feto nã o passam de
amontoados de células é, no mínimo, ignorante e estú pida. Na
maioria das vezes é pura mentira maliciosa.
Falar que algo nã o passa de um amontoado de qualquer coisa dá a
entender que nã o há um estado organizado e manifestado de modo
especial, nã o há unidade. Nada poderia ser mais distante da
realidade do embriã o ou do zigoto.
Qualquer bió logo honesto e minimamente inteligente concordará
nã o haver nada de desorganizado no zigoto ou no embriã o, quanto
mais no feto!
Desde antes dos momentos iniciais da vida humana, a complexidade
e a organizaçã o estã o presentes. No momento da uniã o entre
gametas, quando os cromossomos paternos e maternos se unem, a
nova identidade genética surge e incontá veis processos bioquímicos
se iniciam em uma fantá stica ordem. Em todas as fases do
desenvolvimento, o novo ser humano já demonstra incríveis
capacidades.
Na sétima semana apó s a concepçã o, por exemplo, o pequeno feto
(ou embriã o tardio) já reage a estímulos ao redor da boca, afastando
a cabeça; uma clara demonstraçã o de resposta neuroló gica. Na
décima primeira semana, o feto já possui estrutura para a
sensibilidade cutâ nea do rosto, das mã os e dos pés. Um pouco mais
tarde, na vigésima segunda semana, o feto reage, inclusive, à mú sica
ambiente! [121]
Convido o leitor a acompanhar o desenvolvimento humano passo a
passo, de forma extremamente resumida e simplificada, para
entender um pouco da maravilhosa complexidade dos
acontecimentos que se sucedem apó s o momento da concepçã o. [122]
1.° dia: ovó cito fertilizado. O zigoto já possui o có digo genético que
carregará por toda a vida (exceto por eventuais mutaçõ es).
Incontá veis processos bioquímicos de alta complexidade direcionam
as primeiras divisõ es celulares, e milhares de substâ ncias sã o
produzidas e interagem entre si e com o ambiente do ú tero materno.
2.° ao 5.° dia: ocorrem as fases de mó rula e de blastocisto do zigoto,
nas quais a divisã o celular prossegue aumentando a complexidade
funcional e estrutural do zigoto.
6.° dia: ligaçã o do blastocisto com a parte interna do ú tero materno,
denominada endométrio.
7.° ao 12.° dia: implantaçã o do embriã o no endométrio, possuindo
duas camadas de tecido e um pequeno saco vitelino.
17.° dia: embriã o com três camadas de tecido e com aumento
crescente de complexidade e interaçã o tecidual com a mã e.
19.° dia: fase de gastrulaçã o com formaçã o do processo notocordal,
responsá vel por coordenar as progressivas diferenciaçõ es teciduais
que gerarã o sistemas especializados do corpo humano e ó rgã os
específicos.
23.° dia: presença do Nó de Hensen e diversas outras estruturas
como fosseta primitiva, notocorda, canal neuroentérico, placa
neural, pregas neurais e ilhotas sanguíneas.
25.° dia: surgem os primeiros somitos, o sulco neural profundo, a
elevaçã o das pregas neurais cefá licas e os tubos endocá rdicos
iniciais.
28.° dia: início da fusã o das pregas neurais, formaçã o dos sulcos
ó pticos, presença dos dois primeiros arcos faríngeos, início dos
batimentos cardíacos e dobramento do embriã o.
29.° dia: formaçã o das vesículas ó pticas e rompimento da membrana
orofaríngea. Fechamento do neuró poro cranial.
30.° dia: fechamento do neuró poro caudal, formaçã o do terceiro e
quarto arcos faríngeos, aparecimento dos brotos dos membros
superiores e broto da cauda e formaçã o da vesícula ó ptica.
Segundo mês (4 a 8 semanas apó s a concepçã o): aparecem os brotos
dos membros inferiores, desenvolvimento das estruturas
primordiais dos olhos, início do desenvolvimento dos hemisférios
cerebrais, desenvolvimento das mã os e dos pés e desenvolvimento
das estruturas da face incluindo nariz, pá lpebras e orelhas.
Terceiro mês (8 a 12 semanas apó s a concepçã o): surge a
sobrancelha, começa a produçã o de urina, a genitá lia já se
diferencia, começa a deglutiçã o do líquido amnió tico, começa a
sugar o polegar e a fazer movimentos de apreensã o, as unhas se
desenvolvem, boceja, a cabeça já assume forma mais diferenciada,
apresenta resposta à estimulaçã o da pele, o interior da boca já
possui papilas gustativas e o intestino começa a se mover e a expelir
mecô nio.
Quarto mês: a mã e começa a sentir os movimentos do feto, ocorre
produçã o de bile, presença de folículos primordiais nos ová rios e
produçã o do sangue.
Quinto mês: distensã o do abdome, aumento progressivo da
complexidade cerebral e descida dos testículos.
Sexto mês: a pele fica enrugada e vermelha, os cabelos finos que
cobrem o corpo começam a escurecer, começa a detecçã o de odor e
paladar, ocorre a secreçã o do surfactante (substâ ncia que ajuda o
pulmã o a trocar oxigênio por meio da expansã o dos alvéolos na
presença de ar ambiente apó s o parto).
Sétimo mês: as pá lpebras começam a se abrir, movimentos
respirató rios sã o comuns, aparecimento de sulcos e giros cerebrais.
Oitavo mês: pele rosada e lisa, olhos respondem à luz com reflexo
pupilar, testículos entram no escroto, unhas alcançam a ponta dos
dedos das mã os.
Nono mês: as unhas alcançam a ponta do dedo dos pés, o cérebro
começa a ser revestido pela mielina (um revestimento lipídico que
ajudará na transmissã o de eletricidade pelos axô nios neuronais).
De toda essa jornada do pequeno ser humano no ú tero de sua mã e,
já se deve concluir obrigatoriamente que nunca poderia ser
chamado de amontoado de células.
O pequeno ser humano, desde a concepçã o, é um indivíduo no
sentido de ser distinto dos demais seres, mesmo que nã o seja
independente — e quem o é totalmente? —, e mantém a unidade de
uma pluralidade de componentes cuja funçã o se torna mais que a
mera soma dos componentes em funçã o isolada. [123]
Assim, o que seria um amontoado de células?
Um raspado da parte interna da bochecha, por exemplo, utilizado
para pesquisas genéticas, é um amontoado de células. Removido do
ambiente, perde as funçõ es anteriores no organismo complexo. Em
seu conjunto fora do organismo nã o forma um novo organismo, é
apenas parte do humano. Mesmo que as células extraídas da
bochecha sejam mantidas vivas em uma placa de cultura, nã o
manterã o a organizaçã o originá ria e perderã o inevitavelmente a
funçã o sistêmica.
Pegar um zigoto, um embriã o ou um feto e utilizá -lo em pesquisas
científicas, sabendo de sua especificidade humana, é algo
moralmente questioná vel, pois ali está um organismo inteiro,
concreto e complexo.
O zigoto é um ser vivo muito especial e possuidor de características
tã o ú nicas e maravilhosas que se tornou alvo dos anseios de
pesquisa de muitos cientistas. Os proponentes da pesquisa em
embriõ es prometem muitos achados ao preço da relativizaçã o do
valor da vida humana e da utilizaçã o das teoricamente incríveis
capacidades do início da vida como ferramentas para curar ou
aliviar o sofrimento do pró ximo.
Alguém pode até objetar ao dizer que o zigoto depende do
organismo da mã e para sobreviver, e que nã o pode ser considerado
um ser vivo. Ora, se o critério for independência de outro organismo
ou do ambiente, ninguém estará capacitado a ser algo além de
amontoado de células, pois o ser humano nasce extremamente
dependente e, se viver o suficiente, morrerá extremamente
dependente também. E durante toda a vida, a dependência de outros
seres humanos é uma realidade incontestá vel.
Outros afirmariam que o zigoto ainda nã o é um ser humano, pois há
um está gio de indeterminaçã o no qual ele pode se dividir e gerar
dois ou mais seres humanos — gêmeos monozigó ticos, trigêmeos
etc. — em lugar de um. Enxergar nesse argumento a permissã o para
instrumentalizar o zigoto ou o embriã o em lugar de valorizar ainda
mais sua dignidade é um oximoro. O argumento concede mais valor
ainda ao embriã o para tentar menosprezá -lo a seguir.
O embriã o nã o é só amontoado de células. Trata-se de um ser vivo,
humano (ou mais de um)! Como diria Ben Shapiro, se você
encontrar um pequeno agrupamento organizado de células em
Marte, declarará em alto e bom som que há vida ali, e nã o apenas um
amontoado de células. Por que tanta indisposiçã o para reconhecer
no embriã o humano algo mais que um amontoado de células? [124]
Respondo: a causa vale mais que a verdade.
Com pessoas que pensam e agem de acordo com esse tipo de
modalidade sofística, em que a causa vale mais que a verdade,
qualquer conversa produtiva é impossível. Para eles, a pró pria
conveniência vale mais que a vida humana.
Toda a questã o se resume, enfim, a definir o seguinte ponto: o
embriã o está vivo ou nã o? É vida humana ou nã o? A ú nica resposta
adequada é sim. Daqui em diante o que se discute é quem podemos
matar e quando podemos matar. Daqui em diante, a conversa é
sobre extermínio humano.
 

10. Humanidades médicas e reconquista da educação


liberal

O novo bá rbaro, atrasado em sua época, arcaico e primitivo em


comparaçã o com a terrível atualidade dos seus problemas. Esse
novo bárbaro é principalmente o profissional, mais sá bio que
nunca, porém mais inculto também — o engenheiro, o médico, o
advogado, o cientista.
— JOSÉ ORTEGA Y GASSET em A missão da Universidade
Um colegiado de professores que ensinava as artes liberais recebeu
a incumbência de justificar o ensino de línguas mortas e de clá ssicos
da literatura em 1828, na Universidade de Yale. Em seu relató rio, os
professores mostraram o que é educaçã o superior, sua verdadeira
missã o junto das artes liberais e sua importâ ncia.
No relató rio ressaltaram que cabe à Universidade oferecer muito
mais que meros conhecimentos. É necessá rio treinar a capacidade
comunicativa e exercitar a inteligência e a imaginaçã o, amplificadas
pelo aprofundamento nos clá ssicos de nossa civilizaçã o.
O papel da pessoa conhecida como tutor, responsá vel por um grupo
pequeno de alunos a quem trata como verdadeiros afilhados, foi
enfatizado como parte fundamental do verdadeiro esforço
formativo. Os antigos tutores eram o que hoje se conhece pelo nome
de mentores.
Embora o sentimento seja semelhante, como os propó sitos, há um
elemento radicalmente diferente entre a aprendizagem com
mentores no Brasil e a aprendizagem universitá ria dos EUA, por
exemplo. Muitos professores universitá rios americanos ainda vivem
pró ximos — no mesmo local, para ser mais exato — que seus
alunos, e agem como membros da família, apoiando e cobrando
resultados.
No Brasil nã o é incomum a figura dos inalcançá veis iluminados,
distantes do convívio, desaparecidos atrá s dos muros de títulos,
diplomas e publicaçõ es que os isolam da realidade e do convívio
nem sempre pacífico entre as mentes que buscam o conhecimento.
O relató rio de Yale lembrava a respeito do profissional que
negligenciou uma formaçã o geral em artes liberais:
Caso se destaque em sua profissã o, sua ignorâ ncia de outros temas e as
imperfeiçõ es de sua educaçã o estarã o ainda mais expostas à observaçã o
pú blica. Por outro lado, aquele que nã o só é eminente na vida
profissional, mas também possui uma mente ricamente abastecida de
conhecimentos gerais, tem uma elevaçã o e uma dignidade de cará ter que
lhe confere uma influência poderosa na sociedade, e uma esfera
muitíssimo ampla de utilidade. Sua situaçã o permite-lhe difundir a luz da
ciência em meio a todas as classes da comunidade. [125]
Há uma intensa crítica a quem considera o ensino superior
destinado a criar o substrato que nutrirá os postos de emprego.
Médicos, advogados e teó logos sã o convocados a desenvolver o
cará ter e a inteligência antes de mergulhar nos profundos mares da
especializaçã o.
A educaçã o liberal objetiva ocupar a mente, na medida em que tem o
poder de abrir e alargar; a educaçã o de formaçã o profissional exige
o entendimento já cultivado pelo estudo e preparado pela prá tica
para esforços metó dicos e perseverantes. [126]
No Brasil, os adolescentes caem direto na medicina, por exemplo,
com o preparo prévio que os padronizou para um teste — o
vestibular ou o ENEM. Seu conhecimento literá rio baseia-se em
pobres resumos de apostilas superficiais. Sua vivência se resume ao
convívio de familiares e amigos da mesma idade, longe dos desafios
da sociedade complexa na grande maioria das vezes. Suas opiniõ es,
de regra, reproduzem as doutrinas e as figuras de linguagem
destiladas pela elite midiá tica e intelectual em uma marmita pop . O
amadurecimento nem sempre vem rá pido, e os jovens estudantes de
medicina se encontram, de repente, frente a pacientes que sofrem,
morrem e assustam.
Ter o preparo humanístico nã o só capacitaria o jovem a desfrutar
mais de sua profissã o e da sociedade, mas também para que fosse
um guardiã o do que há de melhor em determinada cultura.
Diminua-se o valor da educaçã o acadêmica, e a difusã o do
conhecimento entre as pessoas cessaria, o nível geral de valor
intelectual e moral cairia, e a liberdade civil e religiosa seria
colocada em risco pela desqualificaçã o ú ltima dos cidadã os para o
exercício do privilégio da democracia. [127]
Qualquer comparaçã o fá cil com o Brasil de hoje nã o é mera
coincidência. Nossas escolas entendem o dever de educar para a
profissã o, mas raras vezes se colocam como educadoras para a vida.
O analfabetismo funcional existente no ensino superior brasileiro
nã o é coincidência.
Verdade seja dita, a educaçã o liberal visa à elite moral e intelectual,
[128]
enquanto a visã o puramente profissionalizante da educaçã o
prepara o perfeito escravo, incapaz de participar do diá logo
universal que atravessa eras e naçõ es.
O ensino das humanidades médicas, no contexto, é a tentativa tardia
e ainda possível de reconquistar o legado cultural que recebemos. É
a chance de alguém se tornar um profissional ou um cidadã o mais
íntegro.

11. William Osler e a medicina como estilo de vida


William Osler foi um dos mais famosos médicos modernos. Escreveu
um consagrado livro sobre os princípios da clínica médica em seus
dias, mas as obras que permaneceram atuais foram justamente as
que trataram dos aspectos humanísticos e profissionais da medicina.
Em uma de suas famosas obras, A Way of Life [Um estilo de vida],
Osler recomenda algumas atitudes valiosas para médicos e
acadêmicos. 
A primeira recomendaçã o é viver o presente e deixar os problemas e
as preocupaçõ es do passado no passado; corrigir o que for
necessá rio e possível agora. A medicina sempre foi uma arte
pragmá tica.
Também aconselhou contra o pensamento fincado no futuro, que
gera a perda de precioso tempo em ilusõ es e no faz de conta ao
imaginar projetos jamais iniciados no presente. Osler recomenda
tratar do presente, do que pode ser visto e feito agora, enquanto há
tempo.
Sobre os modos, recomenda temperança, principalmente aos
estudantes. Evitar excessos, como o abuso de tabaco e á lcool, a
libertinagem e a vida hedonista, que enfraquecem a dedicaçã o
profissional.
Nos estudos, aplicar-se durante um tempo razoá vel, sem exageros,
mas diariamente, com disciplina e profunda concentraçã o. De forma
muito compatível com os achados recentes da neuropedagogia,
Osler adianta algumas dicas bem modernas como o uso da atençã o
focal e a delimitaçã o das horas de estudo em constâ ncia.
Ao repetir uma concepçã o antiga e que ainda deveria perdurar,
Osler recomenda que o médico cuide da alma, além do cuidado com
o intelecto. Que leia os clá ssicos imortais da literatura, entre eles o
grande có dice ocidental: a Bíblia. Lá estarã o as histó rias que
moverã o coraçõ es fiéis e descrentes, lá está a raiz de nossa cultura.
O velho médico recomendava pelo menos 20 minutos, todos os dias
— isso mesmo, sem exceçã o, só 20 minutos todos os dias — de
leitura, incluindo as Escrituras.
Com o há bito, a capacidade de se concentrar e estudar aumentará , e
a mente se transformará em uma potente ferramenta a nosso
serviço e a serviço do paciente, colaborando para a formaçã o
científica e humanística de qualidade. Dicas do bom e velho William
Osler.
 
12.  Tranquilidade médica
A cena se repete em filmes e seriados. E todos os dias acontece na
vida real. Um paciente gravíssimo chega, à beira da morte, e a equipe
reage com calma e rapidez, como se fizesse a coisa mais natural,
corriqueira e sem importâ ncia do mundo. Na mesa de cirurgia, a
hemorragia ameaça tomar a vida do paciente; o cirurgiã o trabalha
com tranquilidade sobre a complicaçã o para finalizar a cirurgia logo
apó s.
As aparências enganam. O coraçã o acelera na hora da cirurgia
complicada ou do atendimento emergencial. A adrenalina está nas
veias. No entanto, o médico desenvolveu uma curiosa capacidade: a
equanimidade. Seu â nimo nã o varia, seus movimentos se mantêm
contínuos — como se nada perturbasse o profissional — e sua face,
quase que inexpressiva.
Ao observador incauto, a aparente ausência de expressividade e
nervosismo pode parecer frieza, mas é o elemento indispensá vel ao
bom médico. Manter a mente alerta e tranquila e controlar a
expressividade e os movimentos corporais nas graves situaçõ es, só
reforça a confiança que o paciente depositou no médico e a
confiança da equipe no líder. 
William Osler afirmava que a equanimidade nã o era apenas uma
vantagem, e sim uma necessidade positiva ao exercer o juízo acerca
de um quadro clínico ou executar uma operaçã o delicada.
Osler recomendava que cada médico cultivasse a equanimidade sem
jamais endurecer o coraçã o — elemento que o liga à prá tica humana
da medicina.
 
13.  Como conversar com quem lhe quer mal
Em poucos temas os artifícios erísticos ― ou a trapaça intelectual ―
tornam-se tã o comuns quanto no caso do abortamento e de sua
legalizaçã o, pauta muito querida e perseguida com fanatismo pela
esquerda radical. Justamente por isso, estudar os meios de
argumentaçã o e detecçã o de má s intençõ es em um debate torna-se
algo obrigató rio para qualquer pessoa desejosa de entrar na
discussã o do tema.
Uma das grandes fontes para compreender a conflituosa situaçã o no
debate ligado ao tema é Ben Shapiro. Ele é temido pela capacidade
de se engajar no combate discursivo. Assistir a ele é quase garantia
de ficar impressionado com a forma que ele destró i todos os
argumentos dos adversá rios, um a um. É uma versã o jovem e menos
experiente do que assistimos no Brasil quando o filó sofo Olavo de
Carvalho resolve destrinçar alguém por meio de um debate.
Se muitos temem o filó sofo William Lane Craig pela ló gica
implacá vel e capacidade de analisar e destruir falá cias, Ben Shapiro,
veloz para destruir o adversá rio, nã o fica atrá s. A forma pela qual ele
vira os artifícios erísticos contra os oponentes mal-intencionados é
algo que dá gosto de ver.
Considerando a qualidade deplorá vel do ambiente político e
acadêmico no Brasil, aprender a identificar e se defender da trapaça
intelectual é importantíssimo. A obra de Schopenhauer comentada
por Olavo de Carvalho ( Como vencer um debate sem precisar ter
razão ) já se tornou um clá ssico indispensá vel sobre o tema, e deve
ser apreciado em conjunto com outras obras fundamentais como A
nova retórica , de Chaim Perelman, e Lógica informal , de Douglas
Walton.
Aos referenciais bá sicos acima citados, pode-se acrescentar um
livreto disponibilizado por Ben Shapiro ( How to Debate Leftists and
Destroy Them: 11 Rules for Winning the Argument ), como vá rios de
seus vídeos disponibilizados gratuitamente na Internet . Sã o
exemplos bastante ú teis e divertidos da arte de argumentar e da
discussã o combativa, lembrando que, aqui no Brasil, todos os
espectros políticos usam e abusam de recursos indevidos na hora de
pensar e discutir.
Destacarei alguns trechos que nos oferecem uma visã o geral da
pequena obra citada. Ben Shapiro demonstra que o que ocorre na
esfera política nã o é bonito nem cordial. Trata-se de uma batalha
encarniçada e sangrenta, vida ou morte. Nã o há espaço para
amadorismo. Se ao assistir a Ben Shapiro lançar argumentos com
rapidez, alguém julga haver só o raciocínio rá pido, engana-se. O
raciocínio rá pido existe ao lado de muito preparo e muita estratégia.
Conheça um pouco do combate das palavras:
O importante é a vitó ria. Essa mensagem parece estar perdida entre os
conservadores, sempre centrados na virtude de sua mensagem, na
honestidade intelectual de sua causa e na frustraçã o de observar que
ninguém liga para elas. Os conservadores nã o param de perder porque
nã o pensam em como vencer.
O problema de muitos conservadores e liberais à direita e ao centro
consiste em acreditar no debate apenas com pessoas honestas, e
perdem tempo achando que estã o em um debate intelectual ou
moral — quando, na verdade, estã o em pleno campo de batalha.
Muitos creem compartilhar os mesmos princípios dos debatedores,
quando inexistem princípios do outro lado e nã o se têm
debatedores, mas sim, detratores e insultadores.
Nã o causa estranheza que a esquerda busque evitar o debate político a
qualquer custo. Por que ligar? Membros da esquerda nã o estã o
interessados em debater política. Eles nã o têm o desejo de discutir o que
é importante para o país. Interessam-se, sim, em examinar a pessoa do
debatedor. Querem castigá -lo pelo ser humano malvado que você é
justamente por discordar deles. É isso o que os torna esquerdistas: o
imerecido senso de superioridade em relaçã o ao pró ximo. E se puderem
instilar esse senso de superioridade moral em outras pessoas ao fazer de
sua pessoa o bandido, eles o farã o.
A rotulaçã o odiosa, as acusaçõ es infundadas e as indignidades
lançadas por radicais em discussõ es sã o tã o ultrajantes que chegam
a desconcertar qualquer pessoa bem-intencionada e um pouco
ingênua. Se o diá logo nã o é uma dialética saudá vel, e sim, uma
agressiva luta de posiçõ es, nã o espere clemência ou honestidade, e
nã o demonstre fraqueza.
As pessoas na esquerda sã o ensinadas desde criancinhas sobre como sã o
melhores que os conservadores — isso faz com que se sintam bem ao
odiá -los. Esse ó dio é justificá vel, afinal, todos os conservadores sã o
intolerantes.
O foco da atençã o no debate com alguém intelectualmente
desonesto geralmente ocorre em acusaçõ es feitas à pessoa, nã o à s
ideias dela. Isso se chama argumentum ad hominem . Considerar-se
monopolizador das boas intençõ es e realizar a reduçã o totalizante
do adversá rio também condiz com um importante elemento da
mentalidade revolucioná ria que, em posse da santidade
autoproclamada, julga o universo e crê ser capaz de reestruturar a
realidade — uma verdadeira revolta gnó stica como tantos bons
pensadores já acusaram.
Na discussã o sobre o aborto, nã o espere falar de fatos, espere ser
chamado autoritá rio, fascista, nazista, opressor, misó gino, machista,
direitista, conservador (nã o seria esse um elogio?) e outras coisas
mais para as quais fomos treinados a sentir arrepios quando
escutamos.
O senso de autojustificaçã o moral dos estudantes universitá rios nã o
procede das pró prias conquistas, mas da crença que você é uma pessoa
má . Você é racista e sexista; eles nã o.
Com a falsa impressã o da pureza dos pró prios sentimentos, que
tantas vezes desculpam as piores maldades, e com o
desconhecimento na natureza humana, o “outro lado” se torna
merecedor de toda repreensã o e artifício indevido. Nã o causa
espanto a existência de tantos paredõ es, gulagui , campos de
concentraçã o, guilhotinas e formas de extermínio excêntricas e
imaginá veis nos regimes revolucioná rios.
Diante desse inimigo carente de autoconsciência e de cará ter, como
agir? Shapiro fornece algumas importantes regras.
Regra n.° 1: Rumo à linha de fogo. Esta é uma regra que aprendi com meu
mentor, Andrew Breitbart. Ele era um tá tico muito sagaz e entendeu a
luta como ela é: compreendeu que política é uma guerra por outros
meios, e que se deve tratá -la dessa forma. Andrew costumava mencionar
a necessidade de abraçar a guerra, caminhar rumo à linha de fogo. Ele
explicaria que você será alvejado por estilingues e flechas ultrajantes,
nã o importa em que direçã o caminhe.
Nã o há calmaria. A paz inexiste. Nã o importam sua simpatia e educaçã o,
eles o perseguirã o.
Como Aristó teles já ensinou, nã o se pode debater com quem nã o
compartilha os mesmos pressupostos. Quem deseja debater, diante
de quem deseja apenas agredir e humilhar, estará fadado à derrota
na disputa que nã o iniciou. Diante de quem se apresenta como
inimigo hostil, qualquer demonstraçã o de fraqueza ou
condescendência atrairá mais agressã o. As regras do bom debate
sã o rigorosíssimas e, verdade seja dita, sã o raríssimos os capazes de
segui-las no Brasil.
Antes de começar a conversa, conheça bem as intençõ es e o modus
operandi do interlocutor.
Regra n.° 2: Bata primeiro. Nã o leve o primeiro golpe. Bata primeiro. Bata
forte. Bata onde marcar o ponto.
Isso requer pesquisa. Conheça seu oponente. Saiba o que ele dirá , quais
sã o suas tá ticas favoritas e posicionamentos mais comuns. Conheça o
oponente de dentro para fora.
Nã o subestime o oponente, nã o entre despreparado na altercaçã o.
Essa regra nã o é nova, com certeza, pois já foi enunciada com
clareza por Sun Tzu para o general que desejava vencer a guerra. O
problema é que muitos nã o percebem quando os outros movem a
verdadeira guerra, e ficam atô nitos diante da agressividade
inesperada quando planejavam apenas uma conversa honesta.
Regra n.° 3: Enquadre o oponente. [...] todo o guia de conduta da
esquerda consiste em um ú nico truque: caracterizar a oposiçã o.
No Brasil, utiliza-se esse truque ao extremo. A esquerda se
autodefine protetora dos pobres, oprimidos e desvalidos — embora
mantenha laços com as maiores fortunas do planeta. Ao mesmo
tempo, a esquerda define a direita e quem deve ser designado
direitista. O resultado: a totalizaçã o maligna da oposiçã o que
empobrece o cená rio cultural e político do Brasil, ao virar uns contra
os outros. Você se opõe ao aborto? Então você deve ser inimigo dos
pobres e oprimidos ... O raciocínio envolvido é ridículo, mas convence
as pessoas de pensamento mais frá gil.
A resposta adequada à acusaçã o de que você bate na sua mulher nã o é
explicar que isso nã o ocorre e que, na verdade, você é um ardoroso
feminista. A resposta é mostrar que o ato de lançar falsas acusaçõ es sem
evidências faz do oponente um lixo.
A esquerda nã o conta com um manual de regras. Eles apenas encenam. A
cena consiste em afirmar: “Que mané!” A ú nica açã o é expor o quanto
você é malvado! Tire isso deles, e nã o terã o mais nada.
No debate, nã o se pode permitir que o lado oposto domine as
definiçõ es dos termos e situaçõ es contextuais bá sicas. Isso é a
derrota. Desmascare a mentira de forma direta.
Regra n.° 4: Enquadre o debate.
Eles sã o tolerantes, plurais, guerreiros a favor da justiça social; se você se
opuser a eles, será chamado intolerante, xenó fobo e favorá vel à injustiça
social.
O trá gico (ou morbidamente cô mico) é que as mesmas pessoas que
lançam essas acusaçõ es muitas vezes tomam parte em depredaçõ es,
agressõ es físicas e violências verbais. Sã o incapazes de agir com o
mínimo da tolerâ ncia esperada no ambiente civilizado. Veja o
exemplo do que fizeram com o professor Rodrigo Jungmann em
2016. [129]
É preciso remover a má scara, as falsas acusaçõ es e mostrar a
realidade; definir o contexto da discussã o e enquadrar o debate.
Regra n.° 5: Identifique as incoerências nos argumentos da esquerda.
Elas existem em grande quantidade.
As incoerências internas se devem à visã o de mundo da esquerda de
cará ter mais geral. Isso porque poucas pessoas na esquerda admitirã o a
agenda verdadeira, bem extremista.
No caso do aborto, a esquerda diz que é a favor da escolha, mas ignora a
falta de escolha do bebê.
Para se mostrar santo e revelar o cará ter diabó lico do oponente,
esquerdistas e outros mal-intencionados precisam recorrer a
frequentes abstraçõ es, recortes da realidade. A exposiçã o da
pobreza existencial dos recortes falsamente moralistas é um passo
necessá rio para qualquer conversa.
Regra n.° 6: Force os esquerdistas a responder as perguntas. Esta é, na
verdade, um corolá rio da Regra n.° 4. Os esquerdistas só se sentem
confortá veis quando o forçam a responder as questõ es deles. Se têm de
responder perguntas, começam a coçar a cabeça. As questõ es que eles
gostam de formular versam sobre o cará ter pessoal. Eles nã o gostam de
responder nenhuma pergunta.
Um recurso erístico já bem conhecido é lançar uma pergunta atrá s
da outra sem tempo para o oponente responder adequadamente. A
melhor forma de responder a este tipo de agressã o, e talvez ú nica, é
parar em uma pergunta de cada vez, devolvendo a sua questã o e
bater o pé até o oponente respondê-la. Quem cai no ardil de tentar
responder muitas perguntas maliciosas acaba sem contestar nada e
faz papel de bobo.
Já disseram que todos os sá bios do mundo nã o sã o suficientes para
responder a todos os questionamentos de um idiota. Essa é a mais
pura verdade.
Regra n.° 7: Nã o se distraia. Note que, enquanto argumenta com alguém
da esquerda, ele começará a gritar sobre George W. Bush.
Esse recurso erístico é conhecido como mutatio controversiae .
Quando a coisa começa a esquentar para o lado do sujeito, ele
subitamente tenta mudar de assunto. A reaçã o deve ser sempre a
insistência no ponto gerador da tentativa de mudar o tema, pois ali
estará uma fragilidade que amedrontou o oponente.
Regra n.° 8: Nã o defenda as pessoas que estã o do seu lado. Você nã o
precisa defender tudo que essa pessoa diz apenas por ela estar do seu
lado.
No Brasil, muitos discutem como se tudo fosse uma grande partida
de futebol. Nenhum dos lados é perfeito. A direita costuma admitir
isso, a esquerda dificilmente o faz, e quando isso ocorre, alerta que o
“traidor” da causa é na verdade “de direita”.
Regra n.° 9: Se nã o sabe alguma coisa, admita!
Nã o vale a pena dar sequência a um tema sobre o qual você nã o está
capacitado. Será justamente aí que a pessoa mal-intencionada o
tentará cercar. Se nã o souber de algo, dê sequência! E faça o dever
de casa: estude.
Regra n.° 10: Deixe o outro lado obter vitó rias sem sentido.
Qualquer um pode dizer algo certo de vez em quando. No Brasil,
muitos esquerdistas criticam a mídia, dizendo que nã o se pode
confiar no quarto poder, embora a mídia normalmente bajule a
esquerda. Nisso a direita pode concordar com a esquerda: a falta de
confiança que pode ser depositada na mídia. Nã o vale a pena brigar
por brigar.
Regra n.° 11: A linguagem corporal tem importâ ncia.
Nã o se pode negligenciar o impacto da boa apresentaçã o e da
conduta tranquila.
Outras regras importantes incluiriam a plateia. Se você ousar
debater em um ambiente já preparado para sua destruiçã o, nenhum
argumento importará . As pessoas estarã o ali somente para agredir.
Essas regras podem parecer agressivas, mas o fato é que a esquerda
radical e abortista ganhou terreno com base na agressividade
covarde e na destruiçã o da reputaçã o alheia. A destruiçã o cultural
que sofremos há décadas nos impossibilitou de participar de
debates qualificados.
Embora as regras sejam de um combativo conservador dos EUA, sua
validade para os brasileiros é impressionante.
 

Apêndice

Disbioética corroendo o direito e a justiça no STF: a legalização


ilegal e inconstitucional do aborto

EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE


 
1. Introdução
O presente trabalho tem em mira a crítica ao julgamento proferido
no HC 124.306, da Primeira Turma do STF, nã o em relaçã o à matéria
que efetivamente compunha o pedido (revogaçã o de prisã o
preventiva), mas com referência ao teor extrapolante, em especial
do voto condutor do ministro Luiz Roberto Barroso, que passou da
aná lise exigida no caso (de conteú do formal ou processual) para
adentrar em matéria de mérito, embrenhando-se pela tipicidade ou
nã o da conduta envolvida, em franca violaçã o à tripartiçã o dos
Poderes, inclusive porque o caso a isso nã o se referia.
Apenas este aspecto já seria mais que suficiente para inquinar a
atuaçã o do STF nessa decisã o, transformando-o, mais uma vez, em
carrasco da Constituição ao invés de seu protetor. No entanto,
embora esse exercício já se torne cansativo demais, tendo em vista a
caracterizaçã o de uma conversa de surdos, onde impera a ideologia
em lugar da consideraçã o da realidade dos fatos, será preciso
repisar a absoluta falta de sustentaçã o para as alegaçõ es de violaçã o
de direitos fundamentais das mulheres por causa da incriminaçã o
do aborto.
Ao final, serã o repassadas as principais ideias desenvolvidas no
texto e apresentadas as respectivas conclusõ es.
2. Abortando a tripartição dos Poderes
Infelizmente o Brasil se torna cada vez mais uma “Repú blica das
Bananas”, onde impera apenas a vontade do poder e o capricho do
momento. Nã o há mais regras, nã o há mais princípios, tudo é
moldado de acordo com as conveniências do grupelho interessado
ou que gera mais atraçã o em dadas circunstâ ncias.
A tripartiçã o dos Poderes é algo secular, um pensamento que tem
permeado a ciência política desde os tempos mais longínquos.
Aristó teles já previa a divisã o de poderes na obra A política . Em
estreito resumo dividia as funçõ es estatais em “poder deliberativo”,
“executivo” e “judicial”. [130]
Também John Locke tripartia os
poderes em “legislativo”, “executivo” e “federativo”, quase
subordinando os dois ú ltimos ao primeiro. [131] Mas quem imprimiu
a face mais proporcionada e definida à tripartiçã o de poderes foi
Montesquieu ao asseverar na sua divisã o entre “executivo”,
“legislativo” e “judiciá rio”:
Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder
legislativo está reunido ao poder executivo, nã o existe liberdade; porque
se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis
tirâ nicas para executá -las tiranicamente.
Tampouco existe liberdade se o poder de julgar nã o for separado do
poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo,
o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadã os seria arbitrá rio, pois o
juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia
ter a força de um opressor.
Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos
principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de
fazer as leis, o de executar as resoluçõ es pú blicas e o de julgar os crimes
ou as querelas entre os particulares. [132]
Mas, será que essas nã o sã o velhas liçõ es repetidas desde tempos
quase imemoriais que precisam ser desconstruídas , reformadas por
uma visã o nova e vanguardista como a de alguns componentes
“iluminados” do nosso Supremo Tribunal Federal?
O relativismo doentio disseminado por uma atitude de crítica e
desconstruçã o de toda tradiçã o, de toda liçã o tradicional que tem
seu auge na famosa Escola de Frankfurt, [133] indicaria realmente a
impropriedade de ater-se a ensinamentos seculares. Ao reverso,
seria importante destruí-los até a medula e criar algo novo, nã o se
sabe bem o que, mas algo novo em seu lugar.
Infelizmente esse pensamento obtuso tem dominado muito da
suposta intelectualidade contemporâ nea. Enquanto isso, o
conservadorismo tem sido visto como sinô nimo de atitude
reacioná ria, teimosia, alienaçã o etc. Tanto é assim que a palavra é
utilizada como uma espécie de desqualificaçã o para teorias e
pessoas. Ocorre que, na verdade, o conservador nã o comunga das
utopias do revolucioná rio (que enxerga um futuro paradisíaco) nem
das utopias do reacioná rio (que enxerga um passado de ouro). O
conservador, em poucas palavras, sabe valorar as crenças, os
costumes, os usos, as leis, as normas, tudo de acordo com o chamado
“teste do tempo”. Importa-lhe a sobrevivência das tradiçõ es ao
“teste do tempo” porque essa sobrevivência revela a “qualidade e
validade dessas mesmas tradiçõ es” a recomendarem seu
reconhecimento e proteçã o no presente. Realmente nã o se pode
admitir um pensamento segundo o qual muito pouco ou nada foi
feito de bom antes de seu tempo, de forma que a antiguidade das
tradiçõ es seria motivo suficiente para que fossem rechaçadas e
destruídas. Ao contrá rio da virtude da passagem pelo “teste do
tempo”, a antiguidade das instituiçõ es seria um motivo adequado
para que “fossem inapelavelmente destruídas”. [134] Nada mais ó bvio
que essa espécie de pensamento só pode levar a resultados
desastrosos e que desprezar ou deturpar toda a teorizaçã o secular
da tripartiçã o dos Poderes é uma atitude, no mínimo, estú pida e
irresponsá vel.
No entanto, é exatamente isso que vem ocorrendo quando, de forma
reprová vel e irresponsá vel, cheia de hybris ou hubris , [135] se
implanta, em especial no STF, um ativismo judicial pernicioso com
franca e descarada invasã o de atribuiçõ es do legislativo.
Embora no bojo do HC 124.306 a manifestaçã o sobre a legalidade do
aborto até o terceiro mês de gestaçã o tenha sido incidental e nã o
gere, ao menos em tese, vinculaçã o dos demais tribunais, juízes e
funcioná rios da administraçã o da Justiça (v.g. promotores,
delegados etc.), fato é que houve uma declaraçã o escancarada dessa
legalidade e do acatamento de um viés ideoló gico específico sobre o
tema do aborto.
É assustador quando um tribunal superior se arvora a tratar de um
tema que nem sequer era objeto da açã o (no caso um habeas
corpus ) para apenas invadir a seara do legislativo e dar uma
“opiniã o” acerca da validade de uma lei vigente, aproveitando-se
com clareza da ocasiã o para impor uma ideologia e declarar
incidentalmente sim, mas declarar, a invalidade de uma norma legal.
Frise-se que a questã o discutida no HC julgado nã o era a respeito da
validade ou vigência dos artigos 124 e 126 do Código Penal
Brasileiro , apenas da legalidade do decreto de prisõ es preventivas,
matéria estritamente processual penal e nã o de direito material
(penal). Houve total desvio do tema que devia ser deslindado na
açã o de habeas corpus para que se adentrasse em consideraçõ es
acerca da validade dos artigos 124 e 125, CP. O intento, mais que
manifesto, foi a criaçã o de uma norma pelo Judiciá rio em lugar do
Legislativo, pois que nã o há a menor dú vida de que o auto — aborto,
o aborto consentido e o aborto com o consentimento da gestante,
afora o aborto sem o consentimento da gestante, sã o criminalizados
no Brasil. Nã o se trata de tema duvidoso, tanto que nem mesmo era
a questã o debatida no respectivo HC.
É claro que sempre se pode dizer que o STF nã o “descriminalizou” o
aborto até o terceiro mês, mesmo porque nã o o poderia, já que só
uma lei posterior revoga lei anterior vigente. Mas, é preciso ser por
demais ingênuo para acreditar que o impacto de uma decisã o como
a do HC 124.306 nã o será intensa e nã o gerará uma enxurrada de
decisõ es de primeiro e segundo graus nela baseadas. Pior, é preciso
ser mais ingênuo ainda para nã o perceber que tais decisõ es serã o
efetivas, pois que tendem a serem, na prá tica, mantidas pelo STF.
Isso quer dizer que, na realidade, a despeito de quaisquer
teorizaçõ es, em nã o havendo modificaçã o da posiçã o do STF, aquele
pretó rio apenas descriminalizou o aborto até o terceiro mês de
gestaçã o no Brasil com uma canetada, desrespeitando
acintosamente a tripartiçã o de Poderes e, desta forma, sutilmente,
afrontando a Constituição federal que deveria defender. Mais que
isso, a sutileza do mal é tanta que o faz sob o pretexto de dar
concretude à pró pria Constituição , afirmando, por exemplo, o
ministro Barroso, que ali empregava uma “interpretaçã o de acordo
com a Constituição ”! Por meio de jogos de palavras se procura
ocultar um ataque direto à tripartiçã o dos Poderes e um total
desarranjo dos chamados “freios e contrapesos”, transformando o
Judiciá rio em uma espécie de extinto “Poder Moderador” outrora
existente na Constituição Imperial (1824). Ainda que se diga que há
neste caso um simples ato de controle de constitucionalidade difuso
(porque concentrado nã o é, já que nã o houve açã o há bil), é visível
que se trata de um ativismo que macula a inércia característica do
poder judicial. E mais, se o tema é controverso, como é afirmado no
pró prio decisum criticado, mais um motivo para que o debate seja
amplo com a manifestaçã o da sociedade e de um poder com
legitimaçã o popular, que é o legislativo. Nã o cabe ao STF nem a juiz
algum, apenas desconsiderar a legislaçã o à qual está atrelado e que
constitui um freio ao exercício arbitrá rio e caprichoso da funçã o
judicial.
Neste ponto da discussã o pouco ou nada importa se os argumentos
sobre a inadequaçã o, necessidade e proporcionalidade da
criminalizaçã o do aborto sã o vá lidos ou nã o (isso será visto mais
adiante). A questã o é que o Judiciá rio, especificamente o STF,
enveredou por á rea que nã o é de sua competência e desrespeitou os
limites que lhe sã o impostos pela divisã o de Poderes.
Nã o sem razã o afirma Eros Roberto Grau (ministro aposentado do
STF) em artigo cujo título é bastante adequado e sugestivo (“Juízes
que fazem as suas pró prias leis”), o seguinte:
A Constituição do Brasil afirma, em seu artigo 2.°, a independência e
harmonia entre Legislativo, Executivo e Judiciá rio, o que supõ e que cada
um dos três Poderes se limite a exercer as funçõ es que lhe cabem. Daí
que o Judiciá rio nã o pode legislar. Essa é uma prerrogativa do
Legislativo. Nã o obstante seja assim, a invasã o da competência do
Legislativo pelo Judiciá rio é, atualmente, alarmante. [136]              
E prossegue, com grande felicidade na formulaçã o das expressõ es,
descrevendo o fato de que hoje vivemos uma transiçã o medonha de
um “Estado de direito” para um “Estado de juízes”, em que estes se
apropriam de forma estarrecedora e absurda “do poder de fazer leis
e alterá -las”. Mais uma vez com acerto e parcimô nia, Grau esclarece
que nã o se trata de pô r em questã o a independência jurisdicional,
mas de nã o perder o foco do fato indiscutível de que em uma
democracia os juízes, de qualquer grau, “hã o de ser submissos à s
leis, garantindo sua aplicaçã o” e nã o demiurgos ungidos de super ou
suprapoderes para fazer e desfazer o ordenamento jurídico do país.
[137]

Ao tratar da descriminalizaçã o transversa do aborto pelo STF via


HC 124.306, afirma, com acerto, Eros Grau, que “os juízes de hoje em
dia, sem saber o que é Direito, fazem suas pró prias leis”! [138]
A verdade é que, sem necessitar discutir o mérito, o STF criou por
conta pró pria duas espécies de aborto legal no Brasil nos ú ltimos
tempos, passando por cima como um trator do processo legislativo
e, como consequência, da Constituição federal. O primeiro caso de
ampliaçã o do rol do artigo 128, CP foi o dos anencéfalos (ADPF n. 54,
de 2012). Agora vem com o aborto até o terceiro mês de gestaçã o no
HC 124.306. Se diz que nã o é preciso discutir o mérito, ou seja, que
nã o é preciso avaliar a correçã o ou nã o, a conveniência ou nã o
dessas legalizaçõ es, porque elas já sã o viciadas na forma, na origem,
por causa do ó rgã o de que emanam (Judiciá rio e nã o Legislativo).
Fato é que os ú nicos abortos legais previstos na legislaçã o brasileira
sã o elencados no artigo 128, I e II, CP (para salvar a vida da gestante
e no caso de gravidez resultante de estupro). Os demais casos sã o
criaçõ es pretorianas teratoló gicas sob o ponto de vista da divisã o de
Poderes.
3. Abortando o bom senso, a prudência, a realidade e o senso de
proporção em favor de “slogans” politicamente corretos
Os fundamentos da proposta de descriminalizaçã o do aborto até o
terceiro mês de gestaçã o, expostos com maior agudeza no voto do
ministro Luís Roberto Barroso, sã o nada mais que um apanhado de
lugares-comuns repetidos, inclusive permeados de frases
impactantes tã o comuns nos discursos pró -aborto.
É interessante notar que quanto mais rasos os argumentos, mais
estes têm chance de impressionar os que nã o contam com as
devidas informaçõ es que lhes possibilitem a formaçã o de uma
massa crítica. O apelo, por exemplo, ao falso embate entre ciência e
religiã o, nesta e em outras muitas questõ es, é com clareza um
recurso utilizado e que nã o conta com validade intelectual alguma.
Muito ao reverso: ou revela má fé de quem o utiliza ou, na melhor
das hipó teses, uma ignorâ ncia formatada por anos e anos de
intoxicaçã o por discursos que abraçam as palavras de ordem
politicamente corretas e transformam o discurso pú blico, inclusive o
universitá rio e o supostamente intelectual, em um monó logo
repetitivo à exaustã o.
O seguinte trecho do voto do ministro Barroso é suficiente para
resumir em linhas gerais toda sua argumentaçã o que, como já foi
dito, nã o passa de uma compilaçã o de velhos argumentos, os quais,
agora vindos do chamado “Pretó rio Excelso” (sic) brasileiro,
exsurgem como se fossem uma grande novidade brotada da mente
de um ou mais “iluminados”. Esses argumentos rasos e comuns
passam a ser dotados de “autoridade” e se transformam no que em
retó rica se chama de “argumento de autoridade”, pois valem, nã o
por sua coerência inerente, mas pela fonte de onde emanam, [139] o
que, obviamente, nada tem de científico e muito menos de validade
intelectual. Eis o conteú do:
A criminalizaçã o nessa hipó tese, viola diversos direitos fundamentais da
mulher, bem como o princípio da proporcionalidade. A criminalizaçã o é
incompatível com os seguintes direitos fundamentais: os direitos sexuais
e reprodutivos da mulher, que nã o pode ser obrigada pelo Estado a
manter uma gestaçã o indesejada; a autonomia da mulher, que deve
conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade
física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu
psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, já que os
homens nã o engravidam e, portanto, a equiparaçã o plena de gênero
depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria. A tudo isso
se acrescenta o impacto da criminalizaçã o sobre as mulheres pobres. É
que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que
estas mulheres, que nã o têm acesso a médicos e clínicas privadas,
recorram ao sistema pú blico de saú de para se submeterem aos
procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de
automutilaçã o, lesõ es graves e ó bitos. A tipificaçã o penal viola, também,
o princípio da proporcionalidade, por motivos que se cumulam: (i) ela
constitui medida de duvidosa adequaçã o para proteger o bem jurídico
que pretende tutelar (vida do nascituro), por nã o produzir impacto
relevante sobre o nú mero  de abortos praticados no país, apenas
impedindo que sejam feitos de modo seguro; (ii) é possível que o Estado
evite a ocorrência de abortos por meios mais eficazes e menos lesivos do
que a criminalizaçã o, como educaçã o sexual, distribuiçã o de
contraceptivos e amparo à mulher que deseja ter o filho, mas se encontra
em condiçõ es adversas; (iii) a medida é desproporcional em sentido
estrito, por gerar custos sociais (problemas de saú de pú blica e mortes)
superiores aos seus benefícios. Anote-se, por derradeiro, que
praticamente nenhum país democrá tico e desenvolvido do mundo trata a
interrupçã o da gestaçã o durante o primeiro trimestre como crime, aí
incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá , França, Itá lia,
Espanha, Portugal, Holanda e Austrá lia.
Duas observaçõ es devem ser feitas antes mesmo de adentrar aos
comentá rios sobre o descabimento e irrealidade dessas
argumentaçõ es. Primeiro a estapafú rdia mençã o à violaçã o à
proporcionalidade. Isso porque só pode caber uma violaçã o tal neste
caso em uma mente virada no avesso. Ora, entã o é desproporcional
punir criminalmente a mulher que aborta e o abortista, os quais
destroem uma vida humana em gestaçã o, a primeira por capricho
pessoal, o segundo por dinheiro? O capricho e a cupidez postos em
uma balança pesam mais que a vida humana em gestaçã o? Sem
dú vida, há algo de muito errado com esse tipo de pensamento
tresloucado. Em segundo lugar é interessante ver como, além do uso
de argumentaçõ es ordiná rias, que só podem impressionar quem nã o
as conhece de longa data e já sabe de sua absoluta inconsistência, é
possível entrever no discurso de Barroso a característica comum a
toda abordagem da questã o do aborto e que demonstra uma espécie
de tá tica de fuga do problema debatido, uma tá tica desonesta, diga-
se de passagem. Trata-se de uma espécie de “novilíngua” orwelliana
[140]
em que termos mais fortes como “eliminaçã o”, “abortamento”,
“morte”, “destruiçã o” etc. sã o evitados e trocados deliberadamente
por expressõ es assépticas como “interrupçã o voluntá ria da
gravidez” ou, nas palavras de Barroso, “interrupçã o da gestaçã o”.
Apó s essas consideraçõ es iniciais, passa-se a analisar as
argumentaçõ es postas para o afastamento da criminalizaçã o do
aborto até o terceiro mês de gestaçã o, fazendo uso de trabalho já
desenvolvido por este autor em outra oportunidade, pois que, como
já frisado, os argumentos nã o sã o novos, sã o ordiná rios e
recorrentes na discussã o e já exaustivamente desmentidos. [141]
Anote-se, em breve digressã o, que Barroso e outros defensores da
liberalizaçã o do abortamento nã o tiveram a percepçã o das
consequências nefastas dessa transformaçã o de um fato da natureza
em objeto de pura vontade humana. Nã o perceberam que ao
acenarem com a igualdade feminina, empoderavam as mulheres
desproporcionalmente a um ponto de gerar, do outro lado, uma
desigualdade masculina no que tange ao “direito de nã o ser pai”, de
nã o “querer” ser pai, direito este que pode ser exercido sem
necessidade de eliminaçã o de qualquer vida. A liberaçã o do aborto
nos países “desenvolvidos”, citados por Barroso, gerou uma
polêmica nova e quase tã o torpe quanto a morte de conceptos
indefesos: a discussã o em torno do direito do homem a negar a
paternidade. Nã o é o caso de discutir se é ou nã o o pai bioló gico, nã o
se está falando de investigaçã o de paternidade, mas da pura e
simples negaçã o da paternidade por ato de vontade pelo homem
quando a mulher engravida e tem um filho que é, nã o se discute isso,
biologicamente seu. Tudo isso pode soar absurdo, mas o que se pode
esperar da criaçã o de um absurdo antecedente senã o a
multiplicaçã o de absurdidades?
Já é objeto de discussã o ferrenha na Europa essa questã o a fim de
impor um equilíbrio entre os direitos de procriaçã o do homem e da
mulher. Barroso cita Portugal e é de lá um dos exemplos de
discussã o doutriná ria dessa questã o inusitada, a qual só poderia
surgir onde a maternidade pode ser negada, ceifando uma vida. Se
assim é, entã o por que a paternidade nã o poderia ser negada
também, sem sequer destruir vida alguma, apenas através de uma
declaraçã o cartorá ria? Liberdade, liberdade total, libertinagem
geral, pois onde a liberdade nã o tem correlata responsabilidade é
isso que ocorre. Homens e mulheres querem exercer seus direitos
sexuais à vontade e jamais arcar com as responsabilidades
respectivas. Isso é bonito para falar em um discurso feminista,
perante uma plateia adequada. Também será “lindo” ver a negaçã o
da paternidade por ato de puro capricho ser apoiada pela doutrina,
jurisprudência e pela lei. Este é o mundo que se pretende construir
sobre os destroços do que é velho, do que é antigo e, só por isso,
inservível.
Pascal Bruckner já diagnosticou esse mal da contemporaneidade,
chamando-o de “tentaçã o da inocência”, com o que designa uma
patologia do individualismo consistente no desejo constante de fugir
das consequências de seus atos em uma tentativa doentia de
aproveitar ao má ximo as benesses da liberdade, sem arcar com
qualquer de seus ô nus. Essa “tentaçã o da inocência” produz no ser
humano contemporâ neo o “infantilismo e a vitimizaçã o”. [142] E com
isso nasce esse “império espú rio da vontade” que desconsidera
qualquer norte moral objetivo, fato este já vaticinado por C. S. Lewis
ao afirmar: “Quando se desbanca quem diz ‘É bom’, permanece o
que diz ‘Eu quero’”. [143]
Em obra específica sobre o tema da negaçã o voluntá ria da
paternidade, o autor lusitano, Jorge Martins Ribeiro pontifica:
Os homens têm sido desconsiderados no respeitante à defesa da sua
autodeterminaçã o procriacional, positiva ou negativa, quando em
confronto com a vontade da mulher. Os direitos reprodutivos da mulher
merecem toda a atençã o e em muitos ordenamentos jurídicos, como o
português, esses direitos incluem nã o procriar através da interrupçã o da
gravidez. Os direitos do homem têm sido esquecidos, para dizer o
mínimo.
De fato, poderia dizer-se que os seus direitos têm sido negados por uma
sociedade que nã o só decide que uma mulher tem o direito de terminar
com uma vida, abortando, mesmo que contra a vontade do presumido
pai, mas que também aceita que a mesma mulher, se for o caso, tenha o
direito de impor uma criança ao homem, independentemente de saber
de antemã o que a procriaçã o é contra a vontade dele.
A mulher tem o direito de pô r fim a uma vida, o homem nã o tem sequer o
direito menos gravoso de rejeitar a paternidade. Ninguém deveria estar
inteiramente dependente da vontade de outra pessoa em uma sociedade
regida pelos princípios da igualdade e da liberdade, todos deveriam se
beneficiar da igualdade e liberdade possível em termos de procriaçã o.
[144]
E isso nã o é uma lucubraçã o de um português luná tico. O tema tem
sido enfrentado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e
pelos Tribunais Superiores do Reino Unido e dos Estados Unidos,
conduzindo ao reconhecimento da grande relevâ ncia dos elementos
da intençã o e assentimento para a procriaçã o, valorizando
sobremaneira o direito decisó rio do homem quanto ao
prosseguimento de um projeto de procriaçã o. [145]
Mas, nã o seria uma perversã o essa permissividade? Sim, claro que
sim. No entanto, o que se pode esperar de uma perversã o inicial,
senã o uma ladeira escorregadia de perversõ es similares ou até
piores?
Contudo, será que as argumentaçõ es requentadas de Barroso em
seu voto condutor nã o mereceriam alguma acolhida? É o que
veremos a seguir:
Nessa temá tica a primeira abordagem deve ser denunciar a
falsidade de algumas argumentaçõ es que se apresentam no discurso
pró -aborto nem mesmo como argumentaçõ es, mas como se fossem
pontos incontroversos a partir dos quais toda a discussã o deveria
necessariamente partir. Um desses pontos é aquele que diz respeito
a uma diversificaçã o extremada entre “vida intrauterina” e “vida
extrauterina”. Normalmente, quando se inicia um debate e alguém
pretende tocar na validade ou no grau de intensidade exagerado
dado a essa distinçã o, de imediato ocorre uma desqualificaçã o por
parte do interlocutor que passa a silenciar o adversá rio com epítetos
como “fundamentalista religioso”, “acientífico”, “anticientífico”,
“ignorante”, dentre outras afirmaçõ es similares. Esse é um claro
exemplo daquilo de Fiss chama “efeito silenciador do discurso”,
porque retira arbitrariamente o tema do debate ao mesmo tempo
em que desqualifica o outro debatedor por meio das chamadas
fighting words (“palavras incitadoras de luta” ou injuriosas),
intimidation (“intimidaçã o”) ou harassment (“assédio”). [146]
Um exemplo da distorçã o a que essa diversificaçã o arbitrá ria,
impensada e exagerada entre vida intrauterina e extrauterina
provoca no campo jurídico é bem visível em passagem de decisã o do
Tribunal Constitucional de Portugal, citada por Ribeiro:
Só as pessoas podem ser titulares de direitos fundamentais — pois nã o
há direitos fundamentais sem sujeito — pelo que o regime constitucional
do direito à vida como um dos “direitos, liberdades e garantias pessoais”,
nã o vale diretamente e, de pleno direito para a vida intrauterina e para
os nascituros. A verdade é que o feto (ainda) nã o é uma pessoa, um
homem, nã o podendo por isso ser diretamente titular de direitos
fundamentais enquanto tais. [147]
É assustador perceber como pessoas sobre as quais se supõ e ou
espera algum nível intelectual ao menos mediano podem ser
contaminadas por uma cegueira ao ponto de nã o perceber que a
desumanizaçã o sempre tem sido, ao longo da histó ria, o primeiro
passo para os genocídios, a extinçã o de grupos humanos. A
desumanizaçã o do humano e a sua equiparaçã o a coisas ou animais
tem sido, sempre e invariavelmente, o primeiro pretexto e
mecanismo psicoló gico para sua eliminaçã o impiedosa.
Já afirmou Francisco Ramos de Farias em estudo das motivaçõ es
para matar que a principal delas é
a negaçã o pelo sujeito da humanidade de seu semelhante, do que resulta
a dessubjetivaçã o, a massificaçã o que conhecemos na atualidade seja
pelas açõ es que culminam no extermínio direto — qualquer que seja a
modalidade técnica empregada para tal fim —, seja pelo exercício
constante da demonstraçã o de poder com o objetivo de intimidar e
provocar horror. [148]
Na verdade, a distinçã o extremada entre “vida intrauterina e
extrauterina” deve necessariamente ser um dos pontos a serem
seriamente questionados no que tange à liberaçã o do aborto. É claro
que há uma diferença morfoló gica acentuada entre um homem ou
mulher e um ovo, embriã o ou feto ou mesmo entre estes e uma
criança já nascida. Contudo, com base nessa diversidade meramente
morfoló gica pretende-se erigir uma distinçã o no campo do “ser em
si”, no campo da essência do ser intrauterino ao ponto de destituir a
vida intrauterina da proteçã o legal que a extrauterina possui.
Da observaçã o dessas ó bvias diferenças morfoló gicas se pretende
erigir argumentaçã o para afirmar que o ser intrauterino nã o é um
ser humano. Afirma-se com elevado despudor que um ovo, por
exemplo, nã o passa de um “conglomerado de células”. Que os
embriõ es de um macaco, de um rato, de um cachorro ou de um
porco sã o morfologicamente praticamente idênticos e
indistinguíveis de um embriã o humano, razã o pela qual esse
embriã o poderia ser reduzido ao estatuto das coisas, já que os
animais sã o coisas. Opera-se aí, descaradamente, uma reificaçã o do
humano.
O que nã o se percebe ou nã o se quer perceber é que a adoçã o de
uma noçã o como esta, de que um ovo humano é apenas um
conglomerado de células, fará com que como consequência um ser
humano adulto ou uma criança nascida também nã o passe de um
conglomerado de células, somente maior. É como se a dimensã o, o
tamanho fosse o que conferisse humanidade. Nessa toada para
chegar ao infanticídio legalizado e ao genocídio dos anõ es nã o será
muito difícil!
Mais que isso, essa espécie de argumentaçã o revela um despreparo
terrível, uma confusã o tremenda e diabó lica entre essência e
acidente. O formato de um ser humano nã o é o que estabelece sua
humanidade. O homem se diferencia das coisas, “nã o é uma coisa
entre coisas ou formado por coisas”, na dicçã o de Martin Buber, [149]
nã o devido ao seu formato em dado momento de sua biografia, mas
porque dotado desde o início de humanidade que se revela por um
“eu substancial” que a sustenta sempre desde o início de sua
existência. A hipó tese do despreparo ou ignorâ ncia profunda sobre
essência e acidente nã o é a ú nica, embora já fosse suficientemente
lamentá vel. Fato é que pode ser o caso de pura má fé e uso
deliberado de uma espécie de falá cia, identificada por Aristó teles
como accidentis fallacia , a qual deriva “da identificaçã o de uma
coisa com um seu acidente ou atributo acidental”. [150]
A descoberta daquele “eu substancial” é tã o fá cil que se torna difícil
compreender como uma puerilidade que confunde essência e
acidente pode pô r em cheque a vida humana intrauterina. Qualquer
pessoa sabe da presença constante desse “eu”, mesmo nas fases de
sua vida das quais nã o se recorda. Isso pelo simples fato de que
(salvo os esquizofrênicos nã o medicados) nã o existe ninguém que
tenha experimentado ser um dia si mesmo e noutro momento outra
pessoa. Esse “eu” imutá vel permanece sempre e estava presente
quando cada um de nó s era aquele ovo ou como gostam de dizer
“aquele pequeno conglomerado de células”, que hoje é um
“conglomerado maior ambulante e pensante”.
O método da eliminaçã o hipotética, tã o íntimo dos penalistas, serve
como uma das demonstraçõ es claras e evidentes do acima
mencionado. Digamos que o ovo que qualquer um de nó s foi um dia
houvesse sido eliminado. Nó s existiríamos neste instante?
Obviamente que nã o.
Outro exercício interessante é ter em mente que todos nó s
passamos o tempo todo por processos de renovaçã o celular, de
modo que se olharmos uma foto nossa na infâ ncia, além da
praticamente total diferença morfoló gica, física e fisionô mica, nã o há
mais em nosso corpo uma ú nica daquelas células. Entã o, por isso,
nos tornamos outra pessoa e amanhã seremos outra ainda e outra
depois de amanhã em uma mutaçã o infinita, lembrando o filó sofo
pré-socrá tico Herá clito que afirmava:
Nã o se pode descer duas vezes no mesmo rio e nã o se pode tocar duas
vezes uma substâ ncia mortal no mesmo estado, pois, por causa da
impetuosidade e da velocidade da mudança, ela se dispersa e se reú ne,
vem e vai. [...] Nó s descemos e nã o descemos pelo mesmo rio, nó s
pró prios somos e nã o somos. [151]
Será que tomar ao pé da letra as palavras de Herá clito pode ser uma
boa soluçã o para o problema da existência, do “eu”? É claro que nã o!
Nem mesmo o filó sofo imaginou isso sob pena de criar um
pensamento segundo o qual nã o existe identidade alguma. Ele teve
sim o insight sobre a “impermanência” da matéria . Mas, nã o é a
matéria que imprime identidade ao ser humano, o que sustenta
nossa existência é um “eu substancial” que transcende o corpo e até
mesmo a mente. Esse algo imutá vel que constitui o que somos
essencialmente e que só pode ser captado metafisicamente. Por isso
todos nó s éramos o ovo, depois o embriã o, depois o feto, depois a
criança, o adolescente, o jovem, o adulto e o anciã o.
Morfologicamente mudamos ao longo dessa escala temporal, mas
nosso “eu substancial” nã o se submete a escala alguma e é ele que
garante objetivamente que eu sou eu mesmo, que eu existo e nã o
sou nem posso ser outro, assim como nã o posso me reduzir a nada.
E para o reconhecimento claro e evidente disso nã o é preciso ser
adepto de qualquer crença religiosa. Apenas é preciso enxergar o
ó bvio, o notó rio.
O formato ou a morfologia é mero acidente, ele nã o diz nada,
absolutamente nada a respeito do “ser”. No entanto, opera-se essa
horrorosa confusã o entre o mero acidente e a essência da
humanidade do homem. É preciso indagar de onde provém tamanho
engano. E a resposta já foi mencionada vá rias vezes no decorrer
deste texto.
Em especial a partir do século XIX, com o evento do “positivismo”
em suas diversas faces (científico, social, político, religioso, jurídico
etc.) [152] operou-se uma sobreposiçã o do saber científico, restando
aos demais Saberes uma posiçã o subalterna, senã o de total exclusã o.
Desse reducionismo resulta uma perversã o da ciência e de todo o
saber científico, que é o “cientificismo”, ou seja, exatamente a
reduçã o de todo saber vá lido ao saber científico. O restante nã o
passa de elucubraçõ es inú teis, superstiçõ es ou ignorâ ncias. Esse
reducionismo é prejudicial inclusive para a pró pria ciência, cuja
natureza é a de um saber sempre aberto, jamais fechado sobre si
mesmo e movido por preconceitos. Daí em diante torna-se fá cil
compreender como se pode chegar a um absurdo como a negaçã o da
pró pria identidade. Isso mesmo, porque todo aquele que diz que um
ovo no ú tero materno nã o é um ser humano, confunde acidente com
essência e acaba por negar a pró pria identidade e desconhecer o
pró prio “eu substancial” que o compõ e. Uma pessoa assim nã o sabe
o bá sico para que se possa ter um mínimo de sanidade mental, ou
seja, nã o sabe que ela é ela mesma. Porque, seguindo seu raciocínio,
essa pessoa nã o é aquela criança que foi, é outro, nã o é o
adolescente, o jovem, é sempre outro e, como de hoje para amanhã
vá rios milhõ es de células serã o trocadas, inclusive em seu cérebro,
entã o amanhã será outra pessoa (Imagine o problema que isso
causaria nos Institutos de Identificaçã o, quantos RGs precisariam
ser emitidos por segundo?). É o reino da loucura! E nesse reino o
louco será aquele que tem segurança de sua identidade, no reino da
loucura a inversã o é a regra. Acontece que essa é a consequência do
cientificismo porque se a ciência é o ú nico conhecimento vá lido
entã o se fica refém de seus estreitíssimos limites. E que limites sã o
esses? Sã o os limites do fenô meno, do que é mensurá vel,
classificá vel, palpá vel, material, quantificá vel. A ciência nã o tem
instrumentos para o acesso ao ser em si, ela permanece e
permanecerá sempre na epiderme do fenô meno que se apresenta
aos olhos e à s mã os e sã o olhos que enxergam, mas nã o veem, mã os
que tocam, mas nã o sentem. Realmente, fechado no mundo
científico que só analisa e leva em conta o que é capaz de acessar, ou
seja, o formato, o tamanho, o peso, a composiçã o material, conclui-se
facilmente que um ovo ou mesmo um embriã o ou feto podem ser
descartados como coisas em meio a outras coisas do mundo
material.
Há um movimento paradoxal em tudo isso, pois na base do
cientificismo encontra-se uma degradaçã o do humano e,
concomitantemente, uma pretensa divinizaçã o do homem conforme
constata René Girard:
Nos séc. XVIII e XIX, por outro lado, os ocidentais fazem da ciência um
ídolo para melhor adorar a si mesmos. Creem em um espírito científico
autô nomo, do qual seriam simultaneamente os inventores e o produto.
Substituem os antigos mitos pelo mito do progresso, em outras palavras,
pelo mito da superioridade moderna propriamente infinita, o mito de
uma humanidade se libertando e se divinizando pouco a pouco por seus
pró prios meios. [153]
Além disso, a contraposiçã o entre ciência e religiã o, em especial a
cató lica no que diz respeito ao estatuto do produto da concepçã o,
nã o passa de uma falá cia das mais aberrantes. Em primeiro lugar foi
com o desenvolvimento da embriologia que a Igreja Cató lica alterou
ao longo do tempo sua ideia a respeito do início da vida humana
intrauterina. É a genética que demonstra a identidade diferenciada
entre a mulher e o produto da concepçã o que ela carrega.
Preleciona Gilbert Meilaender:
O pensamento cató lico medieval, fortemente influenciado por Tomá s de
Aquino, inclinava-se por uma diferenciaçã o entre o feto formado e o
informe e pela visã o criacionista de que a alma era infundida por Deus no
feto formado. Porém, com o passar do tempo, sob pressã o tanto do
argumento teoló gico ( i.e. pontos de vista traducionistas, que tornavam
relativamente irrelevantes as distinçõ es entre os está gios de
desenvolvimento fetal) e os novos dados do conhecimento científico, a
criaçã o da alma retrocedeu ao momento da concepçã o, amenizando
assim a importâ ncia de qualquer distinçã o entre o feto formado e o
informe. George H. Williams observa que “ a teologia moral católica, em
sua modificação do criacionismo de Tomás de Aquino a Pio XII, manteve-se
na realidade muito próxima dos fatos genéticos e embriológicos ” à medida
que a compreensã o desses fatos foi mudando paulatinamente. (grifo
nosso) [154]
A conclusã o de que a vida humana existe no momento da concepçã o
é adotada apó s estudos da Academia de ciências do Vaticano, no seio
da qual há nada menos que 29 prêmios nobel, dentre 80 cientistas
categorizados. Quantos prêmios-nobel há no Brasil ou, pior, no STF?
[155]

Algumas simulaçõ es mentais podem aclarar ainda mais a


essencialidade do produto da concepçã o, distinguindo-o totalmente
do acidente.
Inicie-se com a vida nã o humana. Imagine-se que um dia os
movimentos ambientalistas ganhem uma dimensã o tal que nunca
mais seja cortada uma ú nica á rvore, nem mesmo um pé de alface
seja colhido e ninguém mais sequer se alimente de verduras. Os
vegetais sã o entã o reconhecidos como dotados do direito intocá vel à
vida. No entanto, concomitantemente, todas as sementes que surjam
sã o imediatamente destruídas. Qual o resultado disso? Um mundo
florido e verde? Nã o. Um deserto de dimensõ es globais. Por quê?
Porque na semente está a á rvore em potência. Se a potência é
cortada, a á rvore nã o brota. Entã o, em uma semente reside a
essência de uma á rvore ou de um vegetal qualquer, de modo que
olhar para o seu formato e concluir que isso nã o é verdade consiste
no erro de confundir essência com acidente.
Agora vamos para a vida humana. Digamos que em dado momento o
pacifismo também adquira foros de universalidade absoluta. Nã o há
mais guerras, genocídios, homicídios, chacinas, agressõ es ou
quaisquer espécies de violência. A paz impera em todo o globo.
Contudo, sempre que uma mulher engravide, o ovo é retirado de
imediato, nã o se permitindo mais nenhum nascimento. Dessa forma
a Terra será um paraíso de paz e prosperidade onde a humanidade
habitará para sempre? Claro que nã o! Em pouco mais de cem anos
nã o haverá mais um ú nico ser humano perambulando sobre a
superfície do globo. Por que isso ocorre? Nenhum homem, mulher
ou criança foi morto? O que aconteceu? Foram destruídos todos os
ovos fecundados no ú tero de mulheres e a humanidade sumiu. Por
que sumiu? Porque no ovo fecundado humano está a essência da
humanidade. Se ele nã o tem ainda o formato de um ser humano
desenvolvido isso é mero acidente. Veja que se no produto da
concepçã o nã o houvesse algo de essencial, sua eliminaçã o em nada
afetaria a existência da humanidade. Quando o acidental é
eliminado, o essencial permanece, mas o inverso nã o é verdadeiro.
O fato insofismá vel é que, conforme observa Jó natas M. E. Machado,
só é possível erigir uma legitimaçã o para direitos individuais,
personalidade, dignidade humana, dentre outras conquistas
seculares, mediante o apoio no transcendente e nã o no mero
materialismo. Nas palavras do autor:
A partir do momento em que os seres humanos se autodefinem como
meros animais inteligentes e a dignidade assume um cará ter
convencional e contratual, sem qualquer fundamento transcendente, a
mesma começa a ceder em domínios importantes como o aborto, a
eutaná sia ou o infanticídio. No quadro de uma visã o do mundo sem Deus,
a afirmaçã o da dignidade humana, constante da generalidade das
constituiçõ es, é uma construçã o social desprovida de um significado que
nã o seja ilusó rio. A “morte de Deus” conduz, inexoravelmente, à morte do
Homem. [156]
Fato é que, desde que se passou, à revelia do conceito original de
pessoa advindo do cristianismo e que acabou servindo de base para
o mesmo conceito iluminista laico, para o qual basta ser nascido de
homem e mulher para adquirir o estatuto do humano e ser
considerado uma pessoa e nã o uma coisa ou animal, a levar em conta
alguns caracteres específicos para reconhecer o indivíduo como
pessoa (v.g. capacidade de comunicaçã o, de autodeterminaçã o,
condiçõ es de saú de física e mental, racionalidade, vida de
relacionamento etc.). Desde que se passou a elencar caracteres ou
pressupostos para catalogar uns como pessoas e alijar outros, cada
vez mais se opera uma seletividade muito similar aos racismos, à s
mentalidades excludentes e genocidas de toda espécie, no bojo das
quais uns sã o humanos outros nã o, uns sã o mais humanos, outros
menos. O homem já nã o é humano porque apenas o é,
ontologicamente. Ele o será se detiver certas características físicas e
mentais. Assim se justificam tratamentos indignos da humanidade e
até mesmo a eliminaçã o pela morte.
Como bem salienta Meilaender:
Em décadas recentes, tornou-se comum definir a pessoalidade segundo
determinadas capacidades. Para ser pessoa é preciso ter ciência e
autoconsciência e ser produtivo. O esquema de classificaçã o será maior
ou menor dependendo do volume de critérios empregados na definiçã o
do que seja pessoalidade. Todavia, seja como for, a classe dos seres
humanos será maior do que a das pessoas. Nem todos os seres humanos
vivos poderã o ser enquadrados nessa classificaçã o — e, é forçoso
observar, as pessoas é que sã o consideradas hoje em dia como
detentoras de direitos, as pessoas é que podem ter interesses que devem
ser protegidos. [157]
Fato é que por trá s de toda essa reificaçã o do humano, seu
distanciamento do estatuto da humanidade mediante a eleiçã o de
alguns caracteres, está uma quase indisfarçá vel tentativa de
produzir uma nefasta dessensibilizaçã o gradual das pessoas. 
É indubitá vel que a distâ ncia social produz a desumanidade. Tornar
o “outro” distante (física, social, biologicamente etc.) possibilita a
aceitaçã o de certas medidas extremas que seriam vedadas a um
semelhante. E esse distanciamento só é viá vel porque subjaz a ele
uma noçã o corriqueira, tradicional de categorizaçã o e
hierarquizaçã o dos seres quando se trata de sua consideraçã o sob o
aspecto dos deveres morais.
Por outro lado, a aproximaçã o, a promoçã o da empatia ensejam um
campo fértil para o sentimento de obrigaçã o perante o “outro”.
Martin Hoffman afirma que o sentimento de empatia pelos que
sofrem, que estã o em situaçã o de perigo, de privaçã o, em suma,
vítimas potenciais, é que enseja, por meio do partilhar de sua afliçã o,
o desejo de agir para ajudar. Empatia e altruísmo andam juntas nas
relaçõ es interpessoais, sugerindo-se que o “afeto empá tico”, a
capacidade de “colocar-se no lugar de outra pessoa, leva as pessoas
a seguir certos princípios morais”. [158]
A chamada “experiência Milgram”, levada a efeito pelo psicó logo e
soció logo americano Stanley Milgram, veio a confirmar a existência
de uma “razã o inversa entre a disposiçã o para a crueldade e a
proximidade da vítima”, ou seja, a constataçã o empírica de que “é
difícil alarmar uma pessoa que a gente toca”, mas é bem mais fá cil
“infligir dor a uma pessoa que vemos apenas a certa distâ ncia”;
ainda mais fá cil “no caso de uma pessoa que apenas ouvimos”; e
facílimo é “ser cruel com uma pessoa que nem vemos nem ouvimos”.
Em resumo, “quanto maior a distâ ncia física e psíquica da vítima,
mais fá cil [...] ser cruel” (grifo nosso). [159]
Por mais que se respeite a tentativa de argumentaçã o do “decisum”
do STF e em especial o voto do ministro Barroso, é preciso salientar
que este vai além no despreparo quanto a questõ es até mesmo de
terminologia filosó fica sobre o assunto que pretende solver,
inclusive invadindo seara que nã o é de sua competência e sim do
legislativo. Barroso nã o só se deixa contaminar pelo erro crasso de
confundir acidente e essência. Nã o, ele também faz sutil mençã o ao
conceito originalmente aristotélico de “potência” de forma
absolutamente equivocada.
A certa altura afirma o ministro: “O bem jurídico protegido — vida
potencial do feto (sic) — é evidentemente relevante” (grifo nosso).
Ora, o ovo, embriã o ou feto nã o tem “vida potencial”, tem vida “em
ato”, é vida. Barroso tropeça nos conceitos filosó ficos de potência e
ato. A discussã o acerca do estatuto do nascituro diz respeito,
embora equivocadamente como já demonstrado (por confusã o entre
acidente e essência), à questã o sobre definir se o produto da
concepçã o já é uma “vida humana” (aqui se qualifica a vida, nã o
qualquer vida, mas a humana). Quanto a ser vida nã o há dú vida,
como nã o há dú vida de que um vegetal é um ser vivo, um animal
qualquer, um protozoá rio etc. Isso é fora de questã o. Portanto, dizer
que o bem jurídico tutelado no crime de aborto é a “vida potencial” é
algo assustador em especial quando emana de um indivíduo do qual
se esperaria maior preparo e que compõ e um ó rgã o que, ao menos
em tese, diz o Direito com maior qualidade em um país.
Em palavras simples, o ser em potência é o que tem a capacidade ou
os atributos para vir a ser, enquanto que o ser em ato já é. Na liçã o
de Reale e Antiseri:
Potência e ato sã o dois significados nã o definíveis em abstrato, mas
“demonstrá veis” por meio de exemplos ou de uma experiência direta.
Por exemplo, vidente é aquele que neste momento vê (vidente em ato),
mas também aquele que tem olhos sã os, mas, neste momento os fechou,
e nã o está vendo: este é vidente porque pode ver, e neste sentido é em
potência. [160]
Ora, ser vivo em ato é aquele que tem vida (nã o importa qual vida),
aquele que está vivo. Ser vivo em potência seria aquele que nã o está
vivo e pode vir a viver. Ou seja, na natureza, humana, animal ou
vegetal, nã o há sequer exemplo disso porque ou se está vivo em ato
ou se está morto ou se é um ser inanimado. Nã o há o morto que vem
à vida. Está tuas nã o se transformam em seres humanos a nã o ser no
mito de Pigmaleã o, [161] cadá veres ou suas partes costuradas nã o se
tornam um homem, a nã o ser na lenda de Frankenstein. Por isso, ao
contrá rio do que afirma desastrosa e equivocadamente Barroso, o
bem jurídico tutelado nos crimes de aborto jamais pode ser a “vida
potencial do feto” (sic), isso pelo simples motivo de que o feto, ovo
ou embriã o é vida em ato, é um ser vivo, ainda que se o considere
tã o só um “conglomerado de células” (sic) (nã o se discute aqui se já
com foros de vida humana, isso já foi objeto de abordagem
antecedente), mas vida ali existe em ato, nã o em potência. É um erro
crasso, ao ponto de se desconfiar que há ali uma atitude
intelectualmente reprová vel que consiste em “fingir que nã o se sabe
o que se sabe”. Ou seja, é praticamente inacreditá vel que Barroso e
outros ministros do Supremo nã o saibam distinguir potência de ato.
O que parece é mesmo um emprego espú rio do que já se identificou
neste texto como o uso de uma “novilíngua” orwelliana. Contudo,
neste caso, fica muito feio para aquele que escreve, porque dá a
nítida impressã o de uma ignorâ ncia terrível sob o ponto de vista
filosó fico. Também é por demais condená vel em todo esse debate a
prá tica do que Schopenhauer chamava de “dialética erística”,
definida como “a arte de disputar, mais precisamente a arte de
disputar de maneira tal que se fique com a razão , portanto, per faz
et nefas (com meios lícitos e ilícitos)”. [162]
Há , porém, outros argumentos, além dessa manifesta ignorâ ncia
filosó fica para a defesa do abortamento legal.
Como já foi mencionado alhures o chamado “efeito silenciador do
discurso”, apontado por Owen Fiss, importa tratar de outra temá tica
que está diretamente ligada a isso. Refere-se à total e absoluta
vedaçã o pretendida pelos defensores do aborto quanto à
participaçã o de entidades religiosas ou mesmo pessoas crentes nos
debates sobre o tema. Também a pretensa barreira contra qualquer
espécie de argumentaçã o de natureza espiritual ou religiosa. A
falá cia consiste na afirmaçã o de que vivemos em um “Estado laico”,
onde as religiõ es nã o podem exercer qualquer influência política ou
social e o poder temporal é separado do poder religioso.
Todo indivíduo ou grupo que acena com o chamado “Estado laico”
com a finalidade de alijar as religiõ es, os religiosos e o saber
religioso dos debates democrá ticos atua com um cinismo tenebroso.
Trata-se de acenar com um ou alguns direitos que, no caso sã o a
laicidade do Estado e a liberdade de expressã o para, exatamente
com esses mesmos direitos, impedir o legítimo exercício deles
mesmos por outro grupo que se pretende, a qualquer custo, calar. O
procedimento, além de cínico é torpe e dissimulado, pois consiste
em fazer-se passar por vítima, dizer-se calado pela fala das religiõ es
ou dos religiosos, oprimido por esses argumentos, quando, na
verdade, se está obrando para a consecuçã o do fim que é
exatamente calar e oprimir as religiõ es e os religiosos, alijando-os
do debate democrá tico e tornando-os uma espécie de cidadã os de
segunda categoria só porque escolheram adotar uma religiã o.
Metaforicamente a conduta é a mesma daquele indivíduo forte e
há bil em artes marciais que, pretendendo dar uma surra em outro
sujeito quase indefeso, se fecha em um quarto com ele e o espanca,
mas a cada pancada dá um grito de dor e desespero, pedindo
socorro, dizendo que está sendo agredido pelo pobre coitado que ali
dentro só apanha e está inclusive com a boca tapada. Mais que cínico
e torpe, o procedimento é covarde.
O cinismo e a torpeza desse recurso têm um fundamento que o faz
parecer convincente. O fundamento é a arte de todo mentiroso. Essa
arte consiste em ter ciência de que as melhores mentiras sã o as que
andam pelas bordas, bem pró ximas da verdade ou as que penetram
na verdade e a contaminam por dentro como um vírus maléfico.
É verdade que o Brasil é um “Estado laico”. Porém, essa verdade é
distorcida para dar a aparência de que um Estado laico seria um
Estado ateu ou pior, antirreligioso. A laicidade de um Estado
significa apenas que nã o se mistura religiã o com governo temporal,
que nã o há nesse Estado uma “Religiã o oficial”. Mas, ao reverso do
que se pretende falsear com o discurso que pretende calar e
deslegitimar as religiõ es enquanto instituiçõ es respeitá veis no Brasil
e em qualquer Estado laico, esse modelo estatal tem por fim
possibilitar a total liberdade religiosa, exatamente porque respeita
essa face da potencialidade e do desenvolvimento humano, que é a
religiosidade, o saber religioso. O Estado laico, longe de ser ateu ou
antirreligioso, é implantado exatamente para garantir a existência
das mais variadas religiõ es e inclusive a liberdade de nã o aderir a
nenhuma delas, de ser ateu, agnó stico, o que se quiser, sem qualquer
espécie de repressã o. Entã o, nesse discurso maldoso há uma
verdadeira inversã o do conceito de Estado laico.
É imprescindível lembrar com Machado que “a laicizaçã o do Estado
significa democratizaçã o política e religiosa”, a permitir a tutela “da
liberdade religiosa individual e da separaçã o das confissõ es
religiosas do Estado”. Muito longe de impedir as manifestaçõ es
religiosas nas mais variadas formas e nos mais diversificados
contextos sociais, a laicizaçã o estatal
traduz a ideia de que a religiã o pode legitimamente ocupar um lugar no
espaço pú blico na medida em que isso reflita nã o uma imposiçã o
coerciva de autoridades políticas e religiosas, mas a autonomia
individual e o autogoverno democrá tico das comunidades. [163]
E prossegue o autor com acuidade, deixando claro que nã o é
admissível uma abusiva utilizaçã o da separaçã o entre Estado e
religiã o e da pró pria neutralidade religiosa e ideoló gica como
espécies de “barreiras de proteçã o de uma visã o secularizada do
mundo contra qualquer manifestaçã o da religiã o”. [164]
Dessa forma, nada mais ó bvio do que o fato de que as comunidades
e indivíduos religiosos podem perfeitamente “influenciar a opiniã o
pú blica e a vontade política no quadro de uma esfera pú blica plural”.
[165]
Caso contrá rio a mesma opressã o religiosa apontada como
justificativa para o Estado laico, ocorreria de forma invertida,
configurando uma opressã o antirreligiosa ou ateia.
Ademais, se o Estado é laico, isso nã o significa que a sociedade deva
ser laica também. Aliá s, muito ao contrá rio, como já dito, um Estado
laico existe exatamente para garantir no seio da sociedade a
liberdade e pluralidade religiosa e de culto.
Percebe-se que no bojo de um Estado laico, a liberdade religiosa é
um direito de todo cidadã o (liberdade de seguir uma religiã o
qualquer ou nã o). Mas, de nada adiantaria dar ao cidadã o a
liberdade religiosa se este nã o a pudesse expressar livremente. Daí
vem o correlato direito à liberdade de culto. O culto é uma expressã o
da religiosidade das pessoas e grupos, bem como é uma variante da
liberdade de expressã o.
Em suma a liberdade religiosa e de culto pressupõ em e jamais
afastam a liberdade de expressã o, esses direitos atuam como uma
rede garantista do cidadã o. Dessa forma, ao reverso de ser alijado do
debate democrá tico porque se é religioso, porque se trata de uma
instituiçã o religiosa ou porque se põ e à mesa argumentos de índole
religiosa, a liberdade de expressã o, que serve a todos, religiosos ou
ateus, garante a participaçã o livre e desimpedida dos crentes em
toda e qualquer discussã o (aborto, desarmamento, células tronco,
pena de morte etc.).
A busca da verdade jamais prescinde de uma real liberdade de
expressã o que permita o trâ nsito por “todos os domínios, como o
político, o moral, o econô mico, o científico ou o religioso”
pressupondo o “respeito por dimensõ es nucleares dos direitos de
personalidade”. [166]
Seria mesmo o cú mulo do absurdo o pretendido por pessoas que
atuam de forma indecorosamente falseada ao tentarem expulsar à
fó rceps as questõ es religiosas dos debates. Isso porque o cidadã o
nã o pode ser compelido a abrir mã o de vá rios direitos e garantias
individuais para que possa exercer outras. Esses direitos e garantias
democrá ticos que estã o insculpidos principalmente no artigo 5.°, da
Constituição Federal de 1988, mas se espalham também por toda
ela, nã o sã o obviamente incompossíveis ou excludentes, mas
conformam um conjunto indissolú vel. Seria uma insanidade, se nã o
fosse pura má fé, o intento de sustentar o argumento de que se uma
instituiçã o, grupo ou pessoa individualmente escolhe exercer seu
direito à liberdade religiosa, abraçando uma crença qualquer, teria
de abrir mã o de vá rios de seus direitos políticos e sociais, bem como
de garantias individuais, transformando-se em um cidadã o de
segunda categoria ao qual seria impedida a participaçã o nos debates
pú blicos, o exercício da influência política nos rumos tomados pela
naçã o ou sequer a emissã o de opiniã o. Ou seja, para exercer a
liberdade religiosa e de culto, haveria o cidadã o de abrir mã o do seu
direito de expressã o e participaçã o democrá tica na sociedade
brasileira! Com clareza nada disso tem a ver com o Estado laico no
que se denomina como uma “laicidade aberta”. Pode, no má ximo, ser
reconhecida como uma “laicidade de combate”, expressã o esta que
nada mais é do que um eufemismo para ateísmo militante e postura
antirreligiosa. [167] A inversã o de valores, a deturpaçã o e perversã o
dos direitos e garantias sã o tã o ó bvias que causa espanto o fato de
que nã o tenha sido denunciada com mais veemência pelos pró prios
prejudicados e, mais que isso, pela Imprensa em geral, que, ao
menos em tese, deveria ser imparcial, divulgar informaçõ es
verdadeiras e sinceras à populaçã o e nã o meramente repetir
discursos entremeados ou totalmente contaminados por falsidade,
erro, má fé, cinismo e torpeza. Afinal, a liberdade de imprensa nã o
chega a permitir que esta possa agir de forma imprudente,
disseminando informaçõ es falsas e equivocadas. Cabe à Imprensa,
em qualquer manifestaçã o informativa, averiguar a sua veracidade.
No mínimo, cumprir a regra bá sica, que é dar a palavra ou ouvir os
dois lados. Com a liberdade de imprensa vem junto o denominado
“dever de cautela”. [168]
O mais impressionante é que os mesmos que alegam a ilegitimidade
de qualquer participaçã o de entidades religiosas sérias e
tradicionais nos debates pú blicos admitem, com absoluto
descaramento, a atuaçã o de ONGS muitas das quais financiadas por
recursos pú blicos e sem qualquer representatividade. Também
impressionante é perceber a falta de coerência quando se afirma
que os argumentos religiosos nã o sã o vá lidos, que as entidades
religiosas nã o podem participar do debate pú blico em um Estado
laico, que os crentes devem ser expulsos da “á gora”, [169] mas,
quando um grupo religioso, inclusive dotado de grande poderio
midiá tico, se manifesta, sabe-se lá por que razõ es estranhas, pela
defesa do aborto, mesmo em franca oposiçã o ao suposto
embasamento cristã o de sua “doutrina”, todas as portas sã o
imediatamente abertas. Ora, se argumentos religiosos sã o
impedidos no chamado Estado laico pervertido na argumentaçã o
supra, pelo menos deveria haver alguma coerência quanto a negar
também validade a qualquer apoio religioso ao aborto. Ou bem os
argumentos religiosos nã o sã o vá lidos ou sã o. O que é incoerente é
que os argumentos religiosos contrá rios ao abortamento sejam
invá lidos porque o Estado é laico e a religiã o é “opressora” (sic).
Mas, quando argumentos favorá veis ao aborto têm origem em uma
congregaçã o religiosa, podem ser aceitos, sã o legítimos e
certamente sã o recebidos como um exemplo de mentalidade aberta,
inclusive com o uso de um vocabulá rio muito pró ximo ao religioso,
onde se fala de amor, fraternidade, caridade etc. Falando em
religiã o, os romanos tinham um deus que pode simbolizar essa
espécie de pessoas incoerentes. Era Jano. Ele tinha duas caras, uma
na frente e outra atrá s. Sinceramente, este autor nunca confiou em
alguém com duas caras pelo simples motivo de que isso revela grave
falha de cará ter. [170]
Ademais, como já visto, um Estado laico jamais pressupõ e uma
sociedade laica, muito ao contrá rio. E efetivamente a sociedade
brasileira nã o é de forma alguma laica, ela é profundamente e
amplamente religiosa. O Brasil apresenta uma riqueza em termos de
religiã o nã o encontrá vel facilmente ao redor do mundo. Se é assim, a
pretensã o esdrú xula de calar os religiosos e as entidades religiosas,
cuja liberdade de expressã o merece todo o respeito, se constitui nã o
em uma “ditadura da maioria”, mas em uma insó lita “ditadura da
minoria”. Em um Estado Democrá tico, onde impera a liberdade de
expressã o, nem mesmo a maioria pode mandar a minoria “calar a
boca”. Considera-se que a minoria de hoje, pode, por meio da livre
manifestaçã o e irradiaçã o das ideias, tornar-se a maioria de amanhã .
[171]
Mas, se isso de a maioria nã o poder mandar a minoria “calar a
boca”, o inverso, que é o fato incrível de uma minoria ter a pretensã o
de mandar uma maioria “calar a boca”, é ainda mais inviá vel e
insustentá vel. Na verdade é algo que só pode acontecer quando há
um entorpecimento profundo do intelecto e da visã o crítica
provocados pela mídia silente ou colaboracionista, pela
intelectualidade parcial, muitas vezes também entorpecida por
ideologias e pela pró pria apatia de uma maioria incapaz de
denunciar contundentemente a falá cia do discurso que a pretende
calar. Neste ponto incumbe ao Estado Constitucional de Direito,
além de conferir a devida proteçã o aos indivíduos e à s minorias
teoló gicas e políticas contra a opressã o das respectivas maiorias,
também “garantir uma medida razoá vel de liberdade à maioria, por
imperativos democrá ticos e de direitos fundamentais”. [172] Isso
considerando o fato de que “em uma ordem constitucional livre e
democrá tica, a maioria deve respeitar as minorias e estas devem
respeitar a maioria”. É imprescindível um espaço amplo “para a
ponderaçã o e concordâ ncia prá tica dos diferentes direitos e
interesses em presença”. O princípio da neutralidade nã o pode ser
utilizado pervertidamente para proibir “a presença de qualquer
conotaçã o religiosa na esfera pú blica”. [173] Nã o é outra a orientaçã o
do jurista Ives Gandra Martins ao destacar que o Estado laico nã o
implica antirreligiosidade legitimada. Ademais, se falamos de
minorias e maiorias, o mesmo jurista indica pesquisa do Datafolha
que conclui que mais de 70% dos brasileiros têm religiã o; mais de
90% creem em Deus; e apenas 3% nã o acreditam em Deus nem têm
religiã o. Isso, ao defender-se uma “laicidade de combate” ou um
“laicismo ateu” (sic) do Estado brasileiro, equivaleria a concordar
que uma parcela ínfima e pífia de 3% pode e deve impor suas
concepçõ es a 97% da populaçã o. [174]
De acordo com Fernando Santamaría Lambas:
A liberdade de consciência (ideoló gica ou de pensamento) inclui a
liberdade das ideias e crenças, sejam religiosas ou não , e também inclui a
liberdade interior de expressã o e acomodaçã o da conduta a essas ideias
e crenças . (grifo nosso) [175]
Mas, o que se vê é a proliferaçã o de um discurso que pretende
silenciar uma enorme parcela dos brasileiros e aviltar seus
sentimentos, consciência e crenças como se fossem alguma peste e
nã o só mais uma corrente de pensamento dotada de todos os
direitos à expressã o cabíveis a quaisquer grupos sociais. Nã o só a
adesã o a esse intento de silenciamento, mas também a indiferença
ou apatia diante de toda essa falá cia constitui uma imoralidade,
lembrando uma passagem literá ria de Karl Kraus: “Os
contemporâ neos, que consentiram que acontecesse o que fica
registrado, renunciem ao direito de rir, em prol do dever de chorar”.
[176]

É notá vel a inversã o ou perversã o do discurso quando se analisa a


pró pria origem e motivaçã o político-socioló gica do surgimento da
laicidade. Nas palavras de Machado:
Um dos objetivos iniciais subjacentes à insistência na neutralidade do
Estado e na separaçã o das confissõ es religiosas do Estado consistiu em
impedir que uma pessoa nã o religiosa se sentisse pressionada ou coagida
pela presença esmagadora da religiã o e dos símbolos religiosos no
espaço pú blico. No entanto, um excesso de zelo ou de ambiçã o nesse
domínio terá conduzido, nalguns quadrantes, ao extremo oposto.
Presentemente a predominâ ncia de um discurso pú blico secularizado
acaba por pressionar e coagir as pessoas com crenças religiosas no
sentido da conformidade e do abandono de suas crenças. Neste
momento, as visõ es religiosas encontram-se a perder terreno no espaço
pú blico relativamente à s perspectivas antirreligiosas, podendo gerar-se
uma situaçã o de desigualdade e assimetria que nada tem de
religiosamente neutro. A neutralidade religiosa tende a resvalar para a
neutralizaçã o da religiã o. [177]
Há aqui uma via de mã o dupla, nem ateus podem ou devem
pretender impor seu ateísmo aos crentes, mediante o vilipêndio das
leis e da constituiçã o, nem também podem ou devem os crentes
impor sua crença com infraçã o à s leis e à constituiçã o a quem quer
que seja. Um dos grandes problemas é que, como visto, em nosso
país é o Tribunal Superior encarregado da defesa da Constituição o
primeiro a impor um paradigma em detrimento de uma lei clara e
induvidosa e desobedecendo a divisã o de Poderes imposta pela
Constituição Federal. Isso é efetivamente uma “violência jurídica”.
Como preleciona Andrew Sullivan:
Uma pessoa que acredita que a sociedade deve ser governada apenas por
leis coerentes com a sua fé religiosa nã o é um teocrata enquanto apenas
tentar persuadir a maioria da sua razã o, e se restringir a uma atividade
constitucional.
E prossegue:
Vale a pena insistir aqui no significado específico de laicismo. Nã o é
antirreligioso, como tantas vezes se pretende. O laicismo por definiçã o,
apenas pretende que as instituiçõ es pú blicas e a lei pú blica estejam
separadas do dogma religioso ou de seus ditames. Uma sociedade laica
pode ser uma sociedade onde a grande maioria das pessoas tem uma fé
religiosa profunda, mas na qual as políticas lidam com leis que sã o, o
mais possível, indiferentes à s convicçõ es religiosas dos cidadã os e com
clareza separadas delas. [178]
Neste ponto é preciso fazer justiça ao ministro Barroso, o qual, em
seu voto, nã o afirma diretamente que os religiosos nã o podem ter
suas convicçõ es e as expressar e defender. No entanto, sua
concepçã o de neutralidade estatal no campo da laicidade é com
clareza contaminada por uma ideologia antirreligiosa que, como já
visto, nada tem a ver com laicismo. Observe-se sua manifestaçã o
sobre a temá tica:
Deixe-se bem claro: a reprovaçã o moral do aborto por grupos religiosos
ou por quem quer que seja é perfeitamente legítima. Todos têm o direito
de expressar e de defender dogmas, valores e convicçõ es. O que refoge à
razã o pú blica é a possibilidade de um dos lados, em um tema eticamente
controvertido, criminalizar a posiçã o do outro. Em temas moralmente
divisos, o papel adequado do Estado nã o é tomar partido e impor uma
visã o, mas permitir que as mulheres façam sua escolha de forma
autô noma. O Estado precisa estar do lado de quem deseja ter o filho. O
Estado precisa estar do lado de quem nã o deseja — geralmente porque
nã o pode — ter o filho. Em suma: por ter o dever de estar dos dois lados,
o Estado nã o pode escolher um.
Há uma nítida conduçã o para a conclusã o pela liberaçã o do aborto
na argumentaçã o escolhida pelo ministro Barroso. O mais evidente é
o fato de que reduz a motivaçã o para a criminalizaçã o do
abortamento à s convicçõ es religiosas, o que nã o é verdade. O
ministro fala como se o aborto só fosse crime no Brasil por causa de
convicçõ es religiosas de um grupo de pessoas que pretende impor
à s outras, via penalizaçã o criminal, seus dogmas. Pode haver aí uma
verdade parcial, ou seja, que há o elemento sim de influência da
religiosidade do povo brasileiro, mas daí a concluir que isso é o
ú nico fator para a previsã o criminal, perfaz-se um longo e tortuoso
caminho. No seguimento, com base nesse falseamento, aduz a
necessá ria neutralidade do Estado em relaçã o ao aborto porque se
trata de um tema “moralmente diviso”. Entã o quem quiser aborte,
quem nã o quiser nã o aborte, como é comum ouvir no vulgo
abortista.
Toda a fala do ministro é dominada por um pensamento
nitidamente relativista, o que desde logo a deslegitima sob o â ngulo
qualitativo, pois conforme aduz Christopher Kaczor:
... pretender que todos os pontos de vista sã o igualmente justificados já é
vigorosa tomada de posiçã o: a do relativista para quem o diá logo
filosó fico parece sem propó sito, ao menos se endereçado à clareza a
respeito da natureza do caso. Mas para este ponto de vista é supérfluo
este livro ou qualquer outro livro que leve temas morais a sério. De fato,
esvazia de importâ ncia o pensamento sério sobre qualquer coisa, pois
para o relativista qualquer ponto de vista, seja irrefletido,
preconceituoso ou ignorante, é tã o “vá lido” quanto qualquer outro. [179]
Pois é esse vulgo que está retratado na fala do ministro Barroso,
apenas adornado com a aparência científico-normativa. Esse adorno
lembra o que Aires já ensinava desde antanho: “o que a ciência nos
traz é sabermos errar com método” ou “legitimar o erro”. [180] O que
Barroso faz com floreios é “tomar como fatos coisas que nã o sã o
mais que imprecisas teorias do vulgo”, tornando-se mais uma vítima
do que Whitehead denominou de “falá cia do realismo conceitual” ou
“falá cia da concreçã o fora de lugar”. [181]
Afirmar que o só fato de ser um tema “diviso”, controverso ou
polêmico deve fazer com que o Estado tome uma posiçã o
absolutamente neutra a seu respeito, significa nada mais, nada
menos do que dizer que o Estado deve ser totalmente neutro ou
está tico em tudo ou quase tudo. Porque é da humanidade do homem
a controvérsia, a divergência de opiniõ es. Nesse passo a
normatizaçã o da conduta humana, seja pela moral, seja pelo Direito
torna-se inviá vel. Isso porque o aborto nã o é o ú nico tema “diviso”
existente. Na verdade praticamente tudo que se possa imaginar
pode ser discutido por diversos â ngulos, por variadas concepçõ es e
entã o o Estado nada faria e para nada serviria.
Vejam-se alguns exemplos:
Há muita, mas muita gente contrá ria à tributaçã o, seja parcial, seja
totalmente. Portanto, tratando-se de um tema “diviso”, entã o vamos
pô r fim a todo o Direito Tributá rio e, principalmente, aos crimes
contra a ordem tributá ria. Nã o vamos falar das drogas ilícitas em
geral, mas das drogas ilícitas e do á lcool fornecidos para crianças e
adolescentes. Sabe-se que há pais que entendem que seus filhos
devem experimentar ou mesmo utilizar-se de tais substâ ncias desde
a mais tenra idade. Sã o minoria? Quanto ao á lcool nem tanto. Mas,
mesmo que o sejam, também é fato que é uma minoria de mulheres
que praticam o aborto. Entã o deve o Estado recuar e permitir o
fornecimento de drogas em geral e bebidas alcó olicas a menores, ao
menos quando houver autorizaçã o dos pais ou responsá veis. A
questã o do porte e posse de armas de fogo pela populaçã o civil é
outra temá tica controversa que imporia, sem maiores discussõ es,
pela injunçã o suprema do STF, a imediata descriminalizaçã o de
todas as condutas do Estatuto do Desarmamento e a declaraçã o da
inconstitucionalidade de toda e qualquer regulamentaçã o legal
sobre armamentos. Afinal, o tema é controverso e o Estado deve ser
neutro. A usura, prevista como crime contra a economia popular na
Lei 1521/51 é certamente outro tema controverso, porque muita
gente se vale de empréstimos a altos juros e outros tantos se dispõ e
a emprestar e cobrar tais juros sem o menor pudor. Ademais, trata-
se de outra questã o apontada por escrituras judaicas e cristã s, por
exemplo, como condená vel. Entã o temos aqui outro caso de questã o
moralmente “divisa” e de certa origem religiosa. Liberemos os
agiotas! Ademais, na verdade, todo o Có digo Penal e legislaçõ es
penais esparsas estã o repletos de condutas que podem gerar
controvérsia sob o ponto de vista moral. O caminho seria entã o a
adesã o à corrente do “Abolicionismo Penal” mais radical. Estes sã o
apenas exemplos e entã o, em resumo, pode-se dizer quem quiser
pague impostos, quem nã o quiser nã o pague; quem quiser drogue
ou alcoolize seus filhos, quem nã o quiser nã o o faça; quem quiser
tenha armas e muniçõ es que quiser, quem for pacifista que o seja;
quem quiser explore as pessoas com juros incompatíveis, quem nã o
quiser que nã o o faça, e mais, quem nã o quiser que nã o tome
empréstimo nessas condiçõ es; enfim, quem quiser mate, quem for
contra isso apenas se abstenha de matar outras pessoas; quem
quiser roube ou furte, quem nã o quiser que respeite o patrimô nio
alheio e assim ad infinitum na absurdidade. Mesmo porque, note-se,
“nã o matará s” e “nã o roubará s” sã o mandamentos cristã os e,
portanto, seriam exemplos de intromissã o da religiã o no Estado
laico e na liberdade das pessoas nã o religiosas.
Acontece que é ó bvio que uma série de condutas é submetida a
sançã o, seja ela civil, penal ou administrava ou mesmo
cumulativamente por motivos variadíssimos, por um conjunto de
motivos, por uma série de circunstâ ncias de alta complexidade que,
embora algumas vezes acabem coincidindo com mandamentos
religiosos, nã o podem jamais ser a eles reduzidas.
O que Barroso faz, assim como todo aquele que atua com esse
reducionismo consciente ou inconscientemente, é ocultar e afastar
do debate, fingindo que nã o existem, todos os argumentos ou fatos
que possam contraditar sua posiçã o. Conseguem com isso promover
uma fuga ao confronto e selecionar o que lhes interessa para o
convencimento do pú blico-alvo. Já ensinam, em sua “nova retó rica”,
Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca a técnica de trazer à
presença ou valorizar, tornando mais presentes, “certos elementos
oferecidos à consciência” em detrimento de outros. [182]
Por isso se oculta a complexidade do processo de criminalizaçã o.
Nã o se aborda a ontologia do concepto (o que ele “é” afinal,
independentemente da fase ou do formato), como se isso nã o
existisse. Nã o se fala na argumentaçã o de que há vida no ovo,
embriã o ou feto e se passa a apenas repetir um mantra da opressã o
da religiã o judaico-cristã sobre as mulheres, como se esse fosse o
ú nico fator envolvido na equaçã o.
É ainda interessante o argumento criminoló gico que advém do
pensamento minimalista penal, também presente nos fundamentos
do decisum criticado. O minimalismo, com grande dose de razã o,
denuncia um agigantamento, uma expansã o desmesurada do Direito
Penal e a necessidade de uma contraçã o capaz de reduzi-lo apenas a
um nú cleo duro de condutas graves para as quais a soluçã o criminal
nã o seja evitá vel. Os demais conflitos poderiam ser solvidos nos
campos administrativo, civil, tributá rio etc. A ideia é vá lida. O
Direito Penal expandido de nossa época é um “elefante branco”
disfuncional, incapaz de abarcar as pró prias funçõ es que se atribui e,
dessa forma, se deslegitima e desacredita a si mesmo, gerando o
sentimento de anomia, impunidade e incompetência do Estado na
seara da Justiça e da Segurança Pú blica. Portanto, a reduçã o do
Direito Penal apenas aos casos mais gravosos, deixando as agências
preventivas e repressivas com tempo e recursos suficientes para
melhor aplicaçã o da lei, aproximando a chamada criminalizaçã o
primá ria da secundá ria e, como consequência, reduzindo a cifra
negra, seria bastante desejá vel.
Ocorre que um dos critérios apontados para a seleçã o das condutas
a serem descriminalizadas nesse processo de minimalizaçã o penal é
o da “universalidade”, traduzido na orientaçã o de que só se deveria
prever como crimes condutas que sejam universalmente assim
consideradas ao menos na grande maioria dos países civilizados. É
nesse ponto que surge a questã o do aborto. Isso porque ele nã o é um
fato universalmente encarado como crime. Vá rias legislaçõ es de
países desenvolvidos o descriminalizaram, como, por exemplo:
Suécia, Dinamarca, Finlâ ndia, Inglaterra, França, Alemanha, Á ustria,
Hungria, Japã o, Estados Unidos, Portugal, dentre outros. Dessa
maneira, o aborto seria um dos candidatos à descriminalizaçã o a fim
de contrair o Direito Penal. Ele também seria um crime detentor de
enorme cifra negra, ou seja, a grande maioria dos abortos ilegais
praticados permanece impune e essa seria uma razã o suficiente
para a sua eliminaçã o como crime.
Nada do que é afirmado sobre o abortamento sob o â ngulo do
minimalismo penal é absolutamente falso. Pode-se dizer que o
“estado da arte” apresentado condiz com a realidade. Porém, o
problema está na conclusã o a que se chega pela aná lise desse
“estado da arte”. E a conclusã o é pela descriminalizaçã o. Por que
essa conclusã o é problemá tica se assentada sobre dados reais?
Em primeiro lugar a escolha do critério da universalidade para
incriminaçã o de condutas é um tanto quanto inseguro. Isso porque,
tirante condutas tradicionais, como o homicídio, o estupro violento,
os crimes patrimoniais em sociedades que têm o conceito de
patrimô nio privado e mais alguns outros, pode haver condutas que
sã o prejudiciais em dada sociedade ou que dada sociedade anteviu a
necessidade real de incriminaçã o enquanto as demais ainda nã o. Um
exemplo típico: até algum tempo atrá s a tortura nã o tinha previsã o
criminal específica no Brasil e em muitos países ainda nã o o tem.
Entã o a tortura deve ser resolvida no espaço do Direito Civil ou
Administrativo?
O fato de que alguns países com elevado nível de vida
descriminalizaram o aborto nã o importa necessariamente na
correçã o dessa opçã o legislativa. A Holanda é um país que prevê a
eutaná sia, em especial para os idosos e isso criou naquela sociedade
um clima de terror, onde os idosos fogem dos hospitais, procuram se
tratar em outros países, aterrorizados pela possibilidade de serem
apenas descartados pelos médicos. [183] Ora, a Holanda é um país
desenvolvido, isso a impede de fazer opçõ es político-criminais
equivocadas? Tudo que é bom para esses países é necessariamente
bom para outros ou, mais especificamente, para o Brasil?
Finalmente a questã o das cifras negras, ou seja, a enorme diferença
entre a criminalizaçã o primá ria (previsã o do aborto como crime) e a
criminalizaçã o secundá ria (efetiva puniçã o das pessoas que
praticam as condutas). A cifra negra pode ser um bom indicador
para descriminalizaçã o sob enfoque minimalista, mas só quando a
conduta criminalizada também trouxer consigo a insignificância do
bem jurídico a indicar seu não merecimento à ereção em bem jurídico-
penal , pois se sabe que nem todo bem jurídico precisa ser
necessariamente um bem jurídico-penal. Conforme bem aduz
Janaína Paschoal:
Assim, dignos ou merecedores de tutela penal sã o aqueles bens que
integram a ordem constitucional por terem sido reconhecidos em uma
dada sociedade como relevantes para sua conservaçã o, observando-se
que essa dignidade nã o é suficiente para justificar a criminalizaçã o,
fazendo-se ainda mister verificar, no caso concreto, se existe a
necessidade da tutela de natureza penal. [184]
Esse juízo sobre a relevâ ncia do bem jurídico em jogo é muito
importante para a formaçã o de uma convicçã o sobre a
descriminalizaçã o. Se a cifra negra provém do desinteresse estatal
na perseguiçã o das condutas no campo criminal, devido à sua pouca
relevâ ncia social (v.g. certas contravençõ es penais), está justificada
a descriminalizaçã o. Mas, e se o que produz a cifra negra nã o é isso?
O bem jurídico é relevante e as condutas só nã o sã o devidamente
apuradas e apenados os infratores porque o Estado é incompetente
e nã o detém estrutura suficiente para uma devida investigaçã o,
entã o o problema nã o está na lei e sim nas condiçõ es materiais e
humanas dos ó rgã os de repressã o e prevençã o estatais. Observe-se
que o aborto é um crime contra a vida , ele atinge o bem jurídico
mais importante possível, sem o qual outros bens de nada servem.
Será que por haver um baixo índice de esclarecimentos de
homicídios alguém iria pensar em descriminalizar essa infraçã o
penal gravíssima? Ou entã o, para nã o dizer que se está fazendo
sensacionalismo. É um dado real que os furtos têm baixíssimo índice
de esclarecimento. Devemos entã o liberar a prá tica do furto? Bem,
pelo menos o patrimô nio é um bem jurídico menos valioso do que a
vida humana. Mesmo assim nã o é crível que alguém defenda a
descriminalizaçã o do homicídio ou do furto, por que seria diverso
com o aborto que também defende bem jurídico da mais alta
relevâ ncia, qual seja, a vida humana?
Outra fundamentaçã o que se pretende acenar para a liberaçã o do
abortamento diz respeito ao problema da assistência médica à s
mulheres carentes. A criminalizaçã o levaria a uma situaçã o terrível
as gestantes mais carentes. Enquanto as mais abastadas poderiam
realizar abortos ilegais em clínicas particulares com toda assistência
e higiene; as pobres nã o poderiam ser atendidas nem pela
assistência médica gratuita, já que o aborto é crime e nã o pode ser
realizado pela rede pú blica de saú de. No entanto, isso nã o impede
que essas mulheres venham a praticar abortos sem qualquer
assistência médica ou “assistidas” por “parteiras”, em locais os mais
anti-higiênicos e com métodos totalmente inadmissíveis, com graves
riscos à s suas vidas e saú de. Acena-se aqui com uma violaçã o ao
princípio da igualdade criada pela diferença de poder financeiro
entre as pessoas, o que nã o justificaria a discriminaçã o.
Logo de início é preciso salientar que a liberaçã o do aborto pelo
mundo afora nã o tem melhorado em nada as condiçõ es de sua
prá tica pela populaçã o pobre ou miserá vel.
Carvalho Hércules apresenta pesquisa que comprova que na Índia,
onde o aborto é liberado desde 1971, as prá ticas clandestinas e
perigosas continuam predominando no seio da populaçã o pobre. Há
sérias dificuldades de acesso ao sistema de saú de, falta de recursos
humanos e materiais, afora uma perversã o em que alguns médicos
indianos consentem em praticar o aborto em mulheres pobres
apenas se elas concordarem em ser esterilizadas. O autor também
expõ e o exemplo da Turquia, que liberou o abortamento no ano de
1983. Entretanto, a prá tica do procedimento nã o é disponibilizada
pela rede pú blica, devendo as mulheres recorrerem a serviços de
saú de privada. A consequência é que a liberaçã o do aborto em nada
mudou a situaçã o das mulheres pobres, que continuam, da mesma
forma, recorrendo à s aborteiras e aborteiros de fundo de quintal,
com o uso de técnicas inseguras e anti-higiênicas. Nos Estados
Unidos também o governo só custeia o aborto terapêutico, sendo
entã o os demais praticados pelas mulheres pobres em péssimas
condiçõ es fora da rede de saú de. [185] Será que no Brasil seria
diferente? Qual é a realidade que nos circunda? Respondo: uma
pessoa leva meses ou até anos para conseguir vaga para um simples
exame ou uma cirurgia muitas vezes urgente. Há pessoas morrendo
em filas de atendimento médico nos hospitais. Será que com a
liberaçã o do abortamento, milagrosamente, e inclusive passando na
frente de pessoas com problemas de saú de graves, o Estado
brasileiro iria passar a realizar abortos com hora marcada,
rapidamente, para todas as gestantes carentes que o quisessem? Só
um tolo acreditaria nisso. Mais prová vel é que se uma mulher
esperar pela autorizaçã o do abortamento na rede pú blica,
gratuitamente, a criança nasça, chegue à maioridade e entã o, um dia,
receba em sua casa um telefonema ou uma carta dizendo que o
procedimento foi agendado para dali a uns dois meses! As mulheres
pobres continuarã o tendo de se valer dos velhos métodos, assim
como homens e mulheres pobres sã o pessimamente atendidos no
sistema de saú de pú blica quando estã o doentes. Quem pode pagar
um médico e hospital particular, seja para aborto clandestino, seja
para qualquer fim, é mais bem tratado, ou, melhor dizendo, é tratado
(porque os outros nã o o sã o sequer). Mas, note-se, a desigualdade
não está no aborto, ela é geral . A defesa da liberação do aborto
apresenta esse fato como sendo o gerador da desigualdade no sistema
de saúde brasileiro. Mentira! O sistema é todo e completamente
desigual, desde um resfriado até o câncer. Como se diz popularmente:
“Quem pode mais, chora menos” (sic). O pinçar do aborto como o
grande índice de desigualdade, cuja liberaçã o faria do SUS um
sistema “maravilhoso de extirpaçã o de vidas humanas intrauterinas
em série” (sic) com toda segurança e cuidados para as pobres, é uma
das maiores falá cias já apresentadas e engolidas pelo pú blico em
geral. Ademais, um argumento jurídico se impõ e: em um sistema de
saú de todo desigual e diante de uma constituiçã o que coloca o bem
jurídico vida como amplamente tutelado, será que a reforma dessa
desigualdade deveria se iniciar matando fetos e embriões ? Essa é a
prioridade de equalizaçã o do atendimento na saú de brasileira? E os
doentes que precisam de tratamento, de exames, de cirurgias? E as
gestantes que querem ter seus filhos, fazer um pré-natal decente e
ter um parto adequado? E os homens e mulheres que querem ver
seus filhos crianças e adolescentes devidamente atendidos nos
hospitais pú blicos, que em nenhum momento pensam em matá -lo
ou deixá -los morrer? Eles ficam para depois, depois vemos como fica
essa desigualdade toda, primeiro vamos matar o má ximo de fetos
possíveis, para só depois, bem depois, talvez nunca, pensar nos
vivos, no bem jurídico vida humana. Só um raciocínio reducionista e
altamente tortuoso chegaria a esse grau de perversã o, mas o incrível
é que chega e que convence a muitos!
Além disso, há pouco a ONU denunciou que no Brasil, segundo
estatísticas, sã o praticados mais de um milhã o de abortos
clandestinos por ano, sendo que desse nú mero pelo menos duzentas
mil mulheres morrem devido à falta de assistência correta. A
questã o é apresentada entã o como um problema de “Saú de Pú blica”
e de “grave violaçã o dos Direitos Humanos das Mulheres”. Disso
resulta uma ingente pressã o internacional para que o Brasil
descriminalize o aborto e o disponibilize na rede pú blica de saú de.
[186]

Esses fundamentos também nã o se sustentam. Sem a intençã o de ser


cruel, mas somente realista, há um lamento pela morte das mulheres
que praticaram aborto ilegal, cometeram um crime, infringiram o
ordenamento jurídico-penal. Qualquer morte de qualquer pessoa é
lamentá vel e trá gica. No entanto, se o lamento chegar ao ponto de
descriminalizar condutas porque os praticantes de certos crimes
costumam morrer durante sua execuçã o, entã o nã o será apenas o
aborto que deverá ser descriminalizado. A falá cia do argumento é
verificá vel facilmente pelas consequências de sua adoçã o. A seguir
nesse diapasã o, é melhor descriminalizar os roubos a banco, eis que
os praticantes dessa modalidade criminal normalmente nã o têm
vidas longas, morrem muito jovens e de maneira violenta. Também
o homicídio qualificado mediante paga ou promessa de recompensa,
alcunhado pela doutrina como “Homicídio Mercená rio”, deveria ser
descriminalizado e criado inclusive um seguro no INSS para os
matadores de aluguel, eis que sã o também uma “categoria”
altamente prejudicada no que diz respeito à longevidade e à morte
em “acidentes de trabalho” (sic). E o que dizer dos pobres
terroristas homens-bomba que morrem pelo mundo afora? Seria
adequado descriminalizar o terrorismo e ainda prever também
algum seguro especial para as famílias enlutadas. A questã o de
auxílio funeral seria um ponto discutível, vez que o enterro de
homens-bomba deve ser meramente simbó lico e poderia ser até
dispensado.
Quanto à s pressõ es da ONU e à s suas propaladas “estatísticas” a
inviabilidade de acatamento é tã o intensa quanto a da argumentaçã o
antecedente. Em primeiro lugar é preciso analisar a origem de uma
informaçã o ou dado sempre que se pretenda formar uma convicçã o
segura quanto à sua confiabilidade. Se a origem de uma informaçã o
advém de uma fonte confiá vel, mesmo que pareça incrível, pode ser
verdadeira. Mas, se a informaçã o procede de uma fonte nã o
fidedigna, entã o, ainda que aparente certa viabilidade deve ser
recebida com descrédito e conferida minuciosamente. Ilustra-se
com um exemplo simples: se alguém sai à porta da casa e um bêbado
e drogado lhe diz que acabou de passar por ali um elefante verde
com bolinhas rosa, seja pelo teor da narrativa, seja pela fonte nada
confiá vel de que advém, deve ser descartada.
Iniciando pela fonte da informaçã o das estatísticas sobre aborto no
Brasil e morte de mulheres, sabe-se que vem da ONU. Ora, essa
entidade nã o é nem nunca foi digna de crédito, isso desde a suas
mais remotas origens ainda como a antiga “Liga das Naçõ es”. É
empírica e historicamente comprovado que esse ó rgã o é um antro,
um reino da mentira, das intençõ es encobertas e do engodo
generalizado. [187] Mas, quem sabe a informaçã o, mesmo advindo de
um ó rgã o altamente suspeito, pudesse ter algum traço tênue de
verdade. Acontece que os nú meros apresentados sã o totalmente
inverossímeis de forma que o mentiroso se encontra com a mentira.
Primeiro o nú mero exorbitante de um milhã o de abortos
clandestinos por ano no Brasil. Ora, esse nú mero pode ser maior ou
menor, mas nã o é jamais o correto. É ó bvio que foi “criado”,
“engendrado” sem nem sequer a mais mínima preocupaçã o com
uma aproximaçã o que fosse da verdade. Trata-se de algo similar aos
dados totalmente inventados da economia da Uniã o Soviética, pois
ninguém se dava ao trabalho nem sequer de pesquisar alguma coisa
e depois manipular de acordo com este ou aquele interesse, nã o, os
dados eram apenas inventados ex nihilo . Só pode ser isso que
aconteceu com a apresentaçã o desse nú mero de um milhã o de
abortos. E por um motivo muito simples: trata-se de “abortos
clandestinos”, frise-se “clandestinos”. Portanto, é impossível haver
uma estatística oficial confiá vel a respeito a ponto de ser alardeada
como aconteceu. Isso é de uma obviedade tã o retumbante que nã o
se compreende como ainda alguém pode levar essa “informaçã o” a
sério. Ora, se algo é “crime”, é “clandestino”, como é possível levar a
termo uma pesquisa estatística oficial confiá vel? Sair perguntando
pela rua? Ninguém vai admitir a prá tica de um crime a um ó rgã o
oficial e se o fizer é duvidoso que esteja falando a verdade. Seria nas
estatísticas policiais que se encontraram esses nú meros? Deveria
ser porque no mínimo esse milhã o de abortos deveria corresponder
a um milhã o de inquéritos policiais e respectivos processos
criminais, já que se foram oficialmente obtidos pressupõ e-se que os
dados passaram pelo sistema de saú de e entã o, necessariamente
foram comunicados aos ó rgã os policiais e registrados. Mas, nã o há
nem nunca houve um milhã o de inquéritos policiais por ano sobre
aborto no Brasil. O autor deste texto tem no momento que escreve
27 anos de atividade policial civil. A julgar os nú meros vá lidos,
teriam ocorrido 27 milhõ es de abortos e como consequência 27
milhõ es de inquéritos policiais e processos criminais a respeito. No
entanto, em todas as unidades policiais e nas varas de jú ri pelo
Brasil afora o nú mero de feitos versando sobre aborto é mínimo,
quando nã o é zero. Mas, essa realidade seria impossível se houvesse
realmente ao longo desses 27 anos ocorrido 27 milhõ es de abortos
registrados em hospitais e comunicados à Polícia. Nã o se diga que os
abortos clandestinos ocorrem à s ocultas e por isso nã o chegaram
aos hospitais e à polícia porque se esse for o caso, entã o aí é que o
nú mero apresentado pela ONU se torna ainda mais com clareza
falso. De onde ele teria brotado misteriosamente? Os aborteiros e
aborteiras, as mulheres praticantes de aborto procuraram a ONU
para informar seus agentes? Ou foram seus agentes que, em um
passe de má gica, descobriram um milhã o de casos que passavam em
branco por toda a Polícia, Judiciá rio, Ministério Pú blico e Sistema de
Saú de brasileiros ano a ano? Talvez fosse possível que o Sistema de
Saú de houvesse registrado tais nú meros e nã o repassado para o
Sistema Criminal. Mas, isso é bastante inverossímil na medida em
que o aborto sendo crime é de notificaçã o compulsó ria e nã o haveria
qualquer motivo palpá vel para que os hospitais e profissionais da
medicina ocultassem ou se omitissem, correndo o risco de serem
responsabilizados para proteger pessoas que sequer conhecem em
sua grande maioria.
E o que dizer das duzentas mil mortes por ano de mulheres
vitimadas em abortos clandestinos. Estariam as mulheres morrendo
à nossa volta sem que ninguém se dê conta disso? Porque este autor
pessoalmente, seja em sua vida pessoal, seja profissional nunca
conheceu um ú nico caso de mulher morta durante aborto
clandestino. E o mesmo ocorre com a maioria das pessoas. Se é que
alguém conhece algum caso é um ou outro e nã o algo recorrente.
Para um teste, indague o leitor a si mesmo e a terceiros se conhecem
alguém que adoeceu por dengue e que inclusive morreu disso, se
conhece alguém que faleceu em razã o de um câ ncer ou de doenças
cardíacas. Haverá muitos casos se é que o pró prio leitor nã o teve
dengue, câ ncer ou é cardíaco. Esses sim, dentre outros, sã o
problemas de Saú de Pú blica reais no Brasil. Isso nã o quer dizer que
o fato de mulheres falecerem em abortos clandestinos nã o ocorra,
mas quer dizer que nã o ocorre na intensidade que a ONU
mentirosamente propala. Aliá s, seria outro caso em que a cada
morte deveria corresponder um inquérito policial e respectivo
processo, pois seriam mortes que seriam comunicadas à Polícia pelo
Sistema de Saú de, nã o sã o mortes naturais à s quais os médicos
apenas expediriam um atestado de ó bito. O caso seria comunicado,
registrada a ocorrência policial e o corpo encaminhado a exame de
corpo de delito necroscó pico no IML. Mas, há duzentos mil feitos por
ano instaurados em casos semelhantes? A resposta é um redondo
nã o. Mais uma vez, em 27 anos de trabalho o autor dessas linhas
pode dizer que nunca registrou ou deu andamento a um feito,
versando sobre morte de uma mulher por aborto clandestino e o
mesmo ocorre com a maioria dos profissionais. Toda pesquisa séria
sobre aborto no Brasil indica seu parco registro nos ó rgã os
criminais. Garcia, por exemplo, se deu ao trabalho de consultar as
pá ginas do DATASUS do pró prio governo federal, cujo ú ltimo ano de
dados consolidados é 2010. Nesses dados se constata que o total de
mortes de mulheres em idade fértil por toda espécie de causas foi de
66.323 pessoas. Só isso já deixaria os nú meros da ONU totalmente
desmentidos. Mas, há mais: tendo como causa mortis o aborto (e aí
nã o estã o apenas os clandestinos, mas também os espontâ neos e
acidentais) o nú mero em todo o ano de 2010 é de 83 mortes de
mulheres. [188] Mais comentá rios sã o desnecessá rios, os nú meros
oficiais reais falam por si, indicando o tamanho da mentira. Mas, a
empulhaçã o é tã o grande que nã o se consegue resistir a mais um
detalhe.
Segundo o soció logo Luiz Eduardo Soares, sã o cometidos no Brasil
por ano cerca de cinquenta mil homicídios dolosos. [189] Isso seria
apenas um quarto dos casos de mortes de mulheres por decorrência
de abortos clandestinos. Vejam os leitores o estranho
acontecimento: ao passo que este subscritor nunca atendeu a um
ú nico caso de mulher morta em aborto clandestino por 27 anos, já
registrou e deu andamento a um nú mero do qual já perdeu a conta
de crimes de homicídio doloso. Nã o é absolutamente estranho? Um
crime que ocorre bem menos é visível, mas outra circunstâ ncia que
também levaria a apuraçõ es criminais e que ocorre quatro vezes
mais é invisível! Sinceramente, só acredita na ONU quem quer, quem
sequer olha ao seu redor para conferir a realidade do mundo em que
vive.
É preciso concordar com a frase impactante do ex-primeiro-ministro
britâ nico e escritor do século XIX, Benjamin Disraeli, quanto a
existirem “três tipos de mentiras: mentiras, mentiras infames e
estatísticas”. [190]
Já seriam mais que suficientes as respostas aos argumentos em prol
da legalizaçã o do aborto até o momento expostas para demonstrar
que esse mal poderia e deveria ser evitado, bem como, em sua
esteira, sua “cria” que é o direito correlato do homem à negativa da
paternidade jurídica, já que um mal leva a outro, uma
monstruosidade conduz a outra. Sustada a primeira a segunda nã o
emerge.
Entretanto, há um argumento que nã o pode deixar de ser
desenvolvido neste trabalho e que diz respeito a um princípio
bioético que se tem convencionado chamar de “princípio da
precauçã o”.
O tema do aborto é um dos mais polêmicos e certamente continuará
produzindo os mais acirrados debates sob diversos aspectos (v.g.
religioso, jurídico-penal, ético etc.).
Este nã o é o momento para repisar os argumentos antagô nicos com
que se digladiam feministas, religiosos, juristas e todos os que
manifestam interesse quanto à soluçã o desse dilema. Pretende-se
apenas analisar a coerência ló gica de um dos argumentos que
sugere a nã o intervençã o no processo de desenvolvimento da vida
humana manifestado pela gravidez. Esse argumento sugere que há ,
pelo menos, sérias dú vidas acerca da existência de uma vida
humana a ser tutelada a partir da concepçã o e tal dú vida seria o
bastante para indicar a vedaçã o ética à s prá ticas abortivas.
Essa linha de pensamento é exposta pelo estudioso de antropologia
jurídica e histó ria do Direito, Norbert Rouland, que destaca o fato de
que a grande questã o nã o é saber se apó s a concepçã o há uma vida,
mas sim se tal vida, indubitavelmente presente, pode já ser
considerada uma vida humana. Se for certo que o aborto dá fim a
uma vida, pode haver sérias dú vidas quanto a poder ser essa vida já
considerada humana. No entanto, a presença da dú vida deveria
militar em favor da vida humana e contra as prá ticas abortivas. [191]
Afinal quem defenderia a tese de que na dú vida de haver uma
pessoa dentro de um prédio poder-se-ia optar por implodi-lo sem
qualquer culpa?
O autor defende a ficçã o, presunçã o (ou se preferir, a cautela ou
cuidado) estabelecida em prol da vida humana que passa a ser
tutelada com a proibiçã o do aborto pela legislaçã o e até sua
criminalizaçã o. Havendo a dú vida quanto à humanidade do
concepto, a possibilidade ainda que remota de lesã o a uma vida
humana nã o permitiria a assunçã o do risco, de forma que a
“transformaçã o do aborto em um direito subjetivo, sua possível
banalizaçã o” seria um extremo lamentá vel. Ao suposto direito
subjetivo das gestantes de optarem pela interrupçã o da gravidez
opor-se-ia o fim de “proteger a pessoa, se necessá rio limitando os
direitos subjetivos, operaçã o que nada tem de escandalosa, tamanha
é sua frequência em todas as á reas do direito (a propriedade
privada pode ser expropriada; a teoria do abuso de direito veda ao
titular de um direito usá -lo para prejudicar o pró ximo)”. [192]
A intençã o neste momento nã o é questionar a validade da defesa da
vida humana, mas apenas lapidar, sob o aspecto ló gico, sua
argumentaçã o. Quando se apresenta a questã o da presença ou nã o
de uma vida humana tutelá vel desde a concepçã o para em seguida
afirmar-se que na dú vida deve-se optar pela vida ( in dúbio pro
vita ), é preciso analisar criticamente tal tomada de posiçã o, a fim de
nã o permitir que seja desarticulada pela demonstraçã o de que,
longe de assimilar a dú vida e fazer dela um forte argumento de
precauçã o quanto a uma possível lesã o, trata-se de uma espécie de
descaminho do pensamento que o faz retornar ao ponto de partida,
qual seja a alegaçã o inicial da presença da vida humana no concepto,
o que produz apenas um andar em círculos entre os pensamentos
antagô nicos de que inicialmente se partia.
A questã o que se põ e agora é como formular de maneira mais
coerente e segura um argumento em prol da abstençã o das prá ticas
abortivas, tendo como base um termo médio que, sem optar pela
presença ou nã o de vida humana no concepto, firme raízes
exatamente na dú vida resultante do debate entre os opostos, para
daí retirar seu fundamento?
A “tó pica” de Aristó teles era uma das seis obras que compunham o
Organon . [193] Nela o filó sofo estagirita propô s uma caracterizaçã o
dos argumentos dialéticos, os quais estavam direcionados para a
discussã o do prová vel ou do verossímil. No estudo desses
argumentos, há busca de descoberta de premissas, identificaçã o do
sentido das palavras, revelaçã o de gêneros e espécies.
Mais tarde, Marco Tú lio Cícero também cuidou da “tó pica”, [194]
considerando-a como uma espécie de argumentaçã o voltada, agora,
para o campo da invençã o, da obtençã o de argumentos. Para o
eclético pensador romano, um argumento seria uma razã o que serve
para convencer de uma coisa duvidosa. Considerava que os
argumentos estariam contidos nos lugares ou loci — os topoi gregos
—, que se tornaram, assim, as sedes deles. A tó pica consistiria, em
síntese, na arte de encontrar os argumentos.
Já nos tempos modernos, Theodor Viehweg [195] caracterizou a
tó pica por três elementos que estariam ligados entre si: primeiro
uma técnica de pensamento problemá tico; segundo, um
instrumento de tornar central a noçã o de “topos”, ou seja, “lugar-
comum”; e, terceiro, uma busca e um exame cuidadoso de
premissas.
A questã o ora sob aná lise deve-se voltar, pois, para o concepto,
enquanto um ser dotado ou nã o de vida. Apenas dizer que, na
dú vida, caberia optar-se pela sua vida seria, em ú ltima instâ ncia,
sustentar a premissa afirmativa por si mesma. Contudo, é preciso ir
um pouco além disso e tentar encontrar argumentos que sirvam de
orientaçã o em situaçõ es duvidosas. Trata-se de ir do contexto da
descoberta para o da justificaçã o. Quando a situaçã o é de incerteza,
nã o se sabe bem o que pensar, o que dizer e como agir. Tem-se
instalada a dú vida. Vem o risco de um juízo precipitado. E é isso que
serve de melhor fundamento para a nã o intervençã o, uma espécie
de cuidado ou cautela que evita o “mergulho direto em á guas
escuras”. Talvez por isso que, em havendo dú vida se há ou nã o vida
humana no concepto, melhor deixar que naturalmente siga seu
curso o que nã o se sabe o que é. Nã o se trata de mera reafirmaçã o,
por via nã o explícita, da premissa de que há vida humana. Cuida-se
de justificar que a nã o intervençã o é algo que se descobre, diante da
problemá tica instalada, como orientaçã o mais luminosa para algo
que ainda se possa considerar obscuro.
Portanto, a posiçã o de Norbert Rouland de que há , no caso do
concepto, uma presunçã o estabelecida em prol da vida, poderia ser
melhor reinterpretada: trata-se de buscar uma justificaçã o razoá vel
para a nã o intervençã o naquelas hipó teses de risco, em vez de
adotar intervençõ es precipitadas em situaçõ es em que a
irreversibilidade do resultado nã o pode ser descartada. Essa nã o
intervençã o, como espécie de boa cautela, é o que se descobre como
algo mais razoá vel do que uma aventura perigosa no “oceano do
risco”, ainda mais quando o assunto envolve uma discussã o sobre o
princípio da vida e a vida como princípio.
Aliá s, a formulaçã o teó rica da bioética já diagnosticou a relevâ ncia
da cautela perante situaçõ es que envolvem um risco iminente de
dano a valores e/ou interesses de que nã o se pode abrir mã o, sob
pena da pró pria desestruturaçã o de todo seu sistema axioló gico e o
perigo concreto de consequências materiais e éticas catastró ficas, ao
que tem denominado de “princípio da precauçã o”. [196]
Em sua fundamentaçã o Barroso nos coloca diante de uma suposta
situaçã o de encruzilhada, na qual seríamos obrigados a escolher
entre criminalizar o aborto ou adotar outros caminhos mais eficazes
para combater sua prá tica. Quer o interlocutor em destaque nos
convencer de que uma coisa é excludente da outra. Apresenta-se a
questã o como se fosse o que se chama de um “jogo de soma zero”.
Ou se descriminaliza o aborto e entã o ele pode ser evitado na
maioria dos casos de forma mais eficaz, ou essas formas mais
eficazes de combate ao aborto nã o podem ser adotadas. Se um
ganha necessariamente o outro perde e vice-versa. [197] Mas, a
situaçã o nã o é assim na realidade. Para combater o homicídio
também o Direito Penal nã o é o meio mais eficaz. Aliá s, por uma
razã o ó bvia. Ele só é aplicado depois que o homicídio já aconteceu e
o bem jurídico já foi lesado (ademais, o mesmo acontece com todos
os crimes). No entanto, nã o é imaginá vel que uma comunidade
possa existir em que a prá tica do homicídio seja liberada. Ora, mas o
fato da criminalizaçã o impede a atuaçã o educativa baseada na nã o
violência, em uma cultura de paz e de amor ou ao menos de respeito
aos semelhantes? A criminalizaçã o do aborto impede a orientaçã o
contraceptiva? Desde quando? Impede o planejamento familiar por
outros meios que nã o o abortamento? Impede programas de
orientaçã o a adolescentes sobre a atividade sexual e suas
consequências, inclusive os deveres, obrigaçõ es e responsabilidades
que advém da liberdade sexual?
A fundamentaçã o do voto-condutor neste ponto nã o só se vale
erroneamente da “Teoria dos jogos”, como também faz uso,
consciente ou nã o, de um chamado “Argumento de escolha”,
conhecido há séculos na retó rica.
O “Argumento de escolha” é uma espécie de “armadilha” do
pensamento que privilegia a defesa da tese apresentada em
detrimento da sua comprovaçã o fá tica. Contrapondo duas opçõ es ou
poucas opçõ es, fazendo com que pareçam as ú nicas vias possíveis,
ameniza-se ou mesmo se justifica a escolha de uma conduta
bastante duvidosa sob o ponto de vista ético. O interlocutor
vitimado pelo argumento de escolha é convencido de que o caminho
escolhido talvez nã o seja “tã o mal assim”, considerando as limitadas
possibilidades apresentadas pelo orador ou escritor. [198]
E é
exatamente isso que faz Barroso e outros defensores do aborto
legalizado quando tratam a criminalizaçã o como excludente de
outras vias de enfrentamento do problema. 
Fala-se em defender os direitos fundamentais das mulheres via
legalizaçã o do aborto. Chama-se à baila o princípio da
proporcionalidade. Mas, que balança viciada é essa em que nenhum
peso é atribuído aos direitos do nascituro em evidente afronta à
ordem civil interna, à Constituição que defende a vida humana, e até
mesmo ao direito internacional convencional a que o Brasil adere? 
O Código Civil Brasileiro afirma em seu artigo segundo literalmente o
seguinte:
A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida,
mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do
nascituro.
Nas ediçõ es do Código Civil há sempre indicaçã o da ligaçã o deste
dispositivo do direito privado com os artigos 124 a 128, CP. Será que
isso é um devaneio dos organizadores dos Có digos Civis no Brasil?
É claro que nã o. Contrassenso absoluto, falta de proporcionalidade e
razoabilidade que beira a insanidade, seria afirmar que todos os
direitos dos nascituros sã o postos a salvo, menos o direito à vida ,
sem o qual qualquer outro direito nã o tem razã o de ser. [199]
Concomitantemente, o artigo 5.°, caput , CF garante a
“inviolabilidade do direito à vida”. Ora, como a vida pode ser
“inviolá vel” se no momento em que o ser se encontra mais
debilitado e indefeso, pode ser atacado e destruído? E nã o se acene
com a relatividade de todo direito, pois que nã o se trata de situaçã o
que justifique ou imponha a reaçã o agressiva, tal como pode ocorrer
na legítima defesa, no estado de necessidade etc. Ao reverso, se trata
certamente de um ataque injusto e absolutamente covarde a um ser
cuja incapacidade defensiva ou reativa é a maior imaginá vel.
Como se nã o bastasse o conhecido Pacto de Sã o José da Costa Rica
ou Convençã o Americana de Direitos Humanos de 1968, ratificado
pelo Brasil por meio do Decreto 678/92, estabelece o seguinte em
seu artigo 4.°, item 1: “Toda pessoa tem direito de que se respeite
sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o
momento da concepção . Ninguém pode ser privado da vida
arbitrariamente ” (grifo nosso).
Nã o pode haver disposiçã o mais clara e evidente do que esta, a qual,
em se tratando de convençã o sobre direitos humanos, integra a
ordem jurídica brasileira, no mínimo, como norma “supralegal”. Diz-
se, “no mínimo supralegal” porque em uma interpretaçã o ampliativa
do disposto no artigo 5.°, § 3.°, CF e de acordo com alguns
ensinamentos doutriná rios, essas convençõ es internacionais teriam
o “status” de norma constitucional. Há até mesmo quem as
considere como normas “supraconstitucionais”. [200]
Observe-se que o pró prio STF, ao tratar do bem jurídico liberdade,
afirmou nã o haver base na legislaçã o brasileira para aplicaçã o da
prisã o do depositá rio infiel, inobstante sua previsã o constitucional,
pois que as normas ordiná rias que dariam concreçã o ao ditame da
Constituição , entrariam em confronto com o artigo 7.°, n. 7, da
Convençã o Americana de Direitos Humanos sob comento. Nesse
passo, até mesmo o inciso LXVII do artigo 5.° da CF perderia sua
sustentaçã o (STF, RE 466343,  Voto do ministro Gilmar Mendes,
Tribunal Pleno, julgamento em 3.12.2008,  DJe  de 5.6.2009 ). Esse
entendimento deu origem inclusive à Sú mula Vinculante 25, STF
com o seguinte teor:
É ilícita a prisã o civil de depositá rio infiel, qualquer que seja a
modalidade de depó sito.
Mas, o que está ocorrendo agora com o Supremo? Entã o a
Convençã o Americana de Direitos Humanos é vá lida para
salvaguardar a liberdade, mas nã o é vá lida para proteger a vida mais
tenra? E nã o é possível dizer que a redaçã o da Convençã o é dú bia,
“divisa” (sic) ou que deixe qualquer margem para uma interpretaçã o
diversa da que apenas chega à conclusã o de que é clara e evidente.
Ainda que nã o se reconheça cará ter constitucional à norma
convencional ou, menos ainda, supraconstitucional, como
pretendem alguns. Levando em conta sua condiçã o de norma
supralegal, em coerência com o que o STF tem entendido acerca do
tema para os tratados anteriores à Emenda Constitucional 45, de
08.12.2004, é forçoso reconhecer que seu artigo 4.°, item 1, legitima
plenamente a criminalizaçã o do aborto, sendo incomum uma decisã o
que o descriminaliza, inclusive desrespeitando o processo legislativo
e a divisã o de Poderes. É imperioso notar que a Constituição Federal
nã o tem norma alguma que legitime diretamente o aborto em
qualquer fase da prenhez. Só por caminhos tortuosos e forçados se
chega a aventar a nã o recepçã o dos artigos 124 e 126, CP pela
Constituição Federal. Ao reverso, a norma convencional, salvaguarda
a vida humana desde a concepçã o, estando em plena
correspondência com os dispositivos supra elencados do nosso
Có digo Penal e com o artigo 2.° do nosso Código Civil . Mais que isso,
a norma convencional se harmoniza perfeitamente com o artigo 5.°,
caput , CF, que impõ e a “inviolabilidade da vida”, nã o especificando
que vida humana é essa, nã o estabelecendo fases ou características
físicas, mentais, morfoló gicas ou de qualquer outra natureza. [201]
É claro que as questõ es envolvidas na discussã o do crime de aborto,
na forma de seu enfrentamento, seja na seara criminal, seja social ou
moral, suplantam muito amplamente o mero saber jurídico. É fato
que o ministro Barroso e os demais ministros do STF detém grande
quantidade de informaçã o fornecida por assessores, bibliografia
vasta à sua disposiçã o e proporcionada pela sua pró pria formaçã o
pessoal. O grande problema é que parece que nã o se deram conta de
que o “conhecimento” difere da “sabedoria”. E, principalmente de
que o mais urgente desiderato humano é, nas palavras de Potter, a
descoberta de “uma nova sabedoria que forneça o conhecimento de
como usar o conhecimento ” (grifos no original). [202] Uma pista,
porém, já pode ser dada a todos que se interessem: o conhecimento,
seja ele bioló gico, jurídico, físico, químico, genético etc., só pode ser
ú til e valioso se, e apenas se, nã o se afastar dos valores humanos. E
valores humanos nã o se coadunam com a eliminaçã o da vida em
prol de quaisquer interesses, tirante casos extremos como a legítima
defesa.
Nã o obstante, a decisã o do Supremo apresenta fundamentos
subsidiados por literatura ideologizada, repetindo acriticamente
palavras de ordem ativistas, meramente adornadas com alguma
erudiçã o e argumentaçã o jurídica ad hoc . O resultado disso, como
nã o poderia deixar de ser em um contexto tal, é um ativismo judicial
tosco.
A abordagem da questã o pelo STF chega a ser tã o intelectual e
juridicamente indigente que perde de vista até mesmo a necessá ria
visã o global do ordenamento jurídico e dos fatos, conforme acima se
demonstrou. 
Sob o prisma jurídico, a chamada “interpretaçã o sistemá tica” foi
apenas desprezada. É a que “representa a natureza do estudo
sistemá tico das normas vinculadas dentro de um ordenamento
jurídico, constituindo-se, por isso, em uma interpretaçã o essencial”.
[203]

Conforme o escó lio de Carlos Maximiliano o processo sistemá tico de


interpretaçã o está apoiado no seguinte raciocínio:
Nã o se encontra um princípio isolado, em ciência alguma; acha-se cada
um em conexã o íntima com outros. O Direito objetivo nã o é um
conglomerado caó tico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo
regular, sistema, conjunto harmô nico de normas coordenadas, em
interdependência metó dica, embora fixada cada uma no seu lugar
pró prio. De princípios jurídicos mais ou menos gerais deduzem
corolá rios; uns e outros se condicionam e restringem reciprocamente,
embora se desenvolvam de modo que constituem elementos autô nomos
operando em campos diversos. [204]
Infelizmente a armadilha da fragmentaçã o do saber pode colher
facilmente as pessoas, mormente quando dominadas por uma
ideologia que se aparta do real para aventurar-se na criaçã o de
mundos artificiais, paraísos terrestres do prazer e da vontade
ilimitada.
Porém, este nã o é o caminho que conduz à melhor ciência. De acordo
com David Bohm:
A parte do que imagino que seja o interesse intrínseco das questõ es que
sã o tã o fundamentais e profundas, eu chamaria a atençã o para o
problema geral da fragmentaçã o da consciência humana [...] as vastas e
perversas distinçõ es entre as pessoas (raça, naçã o, família, profissã o
etc.), que agora estã o evitando que a humanidade trabalhe em conjunto
para o bem comum e, de fato, para a pró pria sobrevivência, exibem um
dos fatores-chave de sua origem em um tipo de pensamento que trata
das coisas como se fossem inerentemente divididas, desconectadas e
“separadas” em partes constituintes menores ainda. Cada parte é
considerada essencialmente independente e auto-existente.
Quando o homem pensa em si mesmo dessa maneira, ele
inevitavelmente tenderá a defender as necessidades do seu pró prio
“Ego” contra os dos outros; ou, se ele se identifica com um grupo de
pessoas do mesmo tipo, ele defenderá esse grupo de modo similar. Ele
nã o consegue pensar seriamente na humanidade como sendo a realidade
bá sica, cujo direito vem antes. Mesmo quando tenta considerar as
necessidades da humanidade, ele tem a tendência de tratar a
humanidade como algo separado da natureza, e assim por diante. O que
estou propondo aqui é que a forma de o homem pensar na totalidade, ou
seja, a sua visã o geral do mundo é crucial para a ordem geral da pró pria
mente humana. Se ele pensa na totalidade como sendo constituída de
fragmentos independentes, é assim que sua mente irá operar, mas, se ele
puder incluir tudo coerente e harmoniosamente na totalidade geral que é
indivisa, insepará vel e sem fronteiras (pois cada fronteira é uma divisã o
ou uma ruptura), a sua mente vai se movimentar de forma similar e, com
isso, fluirá uma açã o ordenada dentro do todo. [205]
É facilmente perceptível o processo de retroalimentaçã o que induz a
pensamentos fragmentá rios como os desenvolvidos por Barroso e
muitos outros. A incapacidade de ter uma visã o sistemá tica e, mais
que isso, global; uma visã o que supere o “Ego”, o império da
satisfaçã o dos desejos, a divisã o entre o “eu” e o “tu”, na qual o “tu” é
o inferno do “eu” como nos diria Jean-Paul Sartre. [206] Essa espécie
de cegueira, como bem salienta David Bohm acima mencionado,
molda o intelecto, a mente e o raciocínio dos indivíduos e os
transforma em fragmentadores incapazes de enxergar a totalidade.
Incapazes mesmo de ter a percepçã o da continuidade que constitui a
humanidade do homem, a qual nã o pode ser dividida em fases,
classificada, hierarquizada, quantificada, fazendo de uns seres
humanos e de outros menos seres humanos ou nã o-humanos,
embora ontologicamente humanos. Na seara jurídica isso resulta em
juristas com viseiras , incapazes de um olhar de entorno.
E o mundo jurídico está prenhe de teorias e informaçõ es que os
poderiam libertar. Zaffaroni trata do que chama de “tipicidade
conglobante”, de forma que uma conduta só pode ser classificada
como típica quando analisada nã o apenas em relaçã o à descriçã o do
tipo penal isolado, mas em cotejo com o ordenamento jurídico como
um todo. [207]
O mesmo vale, obviamente, para a atipicidade.
Bastaria ao ministro Barroso e seguidores, analisar os artigos 124 e
126, CP em conjunto com a ordem Constitucional (a ordem
constitucional em suas bases reais, no que tem de concreto e nã o em
interpretaçõ es ideoló gicas); com a ordem civil e com o Direito
Internacional convencional. Seria o mais que suficiente para
perceber que sua tese de descriminalizaçã o nã o tem a menor
sustentaçã o conglobante.
O jurista lusitano, Jorge de Figueiredo Dias também indica a
necessidade de aná lise da “totalidade da ordem jurídica” para
concluir pela tipicidade de uma conduta e pela sua antijuridicidade.
Se uma conduta é permitida, por exemplo, pelo Direito Civil ou
Administrativo, nã o pode ser catalogada ou mesmo interpretada
como crime no ramo penal. [208] Obviamente se há claras indicaçõ es
de que um bem jurídico é tutelado na ordem civil, constitucional e
convencional, como ocorre com a vida do concepto; se há tipos
penais claros e induvidosos que cominam sançõ es criminais a quem
pratique o aborto, nã o havendo qualquer distinçã o temporal em
relaçã o à gravidez, nã o há como afirmar que uma conduta de
abortamento até o terceiro mês nã o é criminosa por meio de
construçã o pretoriana arbitrá ria.
Infelizmente o fato é que vivemos uma fase doentia na qual há um
contínuo esforço para justificar o mal, sob o pretexto de fazer o bem.
Como aduz Jiddu Krishnamurti:
Estamos brigando por ideias, justificando o assassinato; em toda parte
do mundo estamos justificando o assassinato como um meio para atingir
um fim justo, o que, em si, é algo sem precedentes.
Antes o mal era reconhecido como algo mal, o assassinato era justificado
como assassinato; mas agora o assassinato é um meio para atingir um
resultado nobre. O assassinato, seja de uma pessoa ou de um grupo
delas, é justificado porque o assassino (ou o grupo que o assassino
representa) o utiliza como medida para atingir um resultado que será
benéfico ao homem. Ou seja,  sacrificamos a pessoa em prol do futuro —
e nã o importa que meios empregamos, contanto que o nosso propó sito
declarado seja produzir um resultado que dizemos ser benéfico para o
homem. Portanto, uma medida errada produzirá um fim correto, e será
justificada por meio da ideaçã o... Temos uma magnífica estrutura de
ideias para justificar o mal, e certamente isso nã o tem precedente. O mal
é o mal; ele nã o pode trazer o bem. A guerra nã o é um meio para se
atingir a paz. [209]
Ora, a eliminaçã o da vida de um concepto nã o pode ser o meio lícito
para a liberaçã o sexual de homens e mulheres. Nem essa liberaçã o
sem a respectiva responsabilidade pode ser um meio para o bem
comum e a felicidade geral. A autonomia nã o pode ser conquistada
ao custo de vidas humanas, ainda que incipientes.
Seria até cô mico, nã o fosse trá gico e assustador, que um ministro
letrado do STF, em um contexto de defesa de eliminaçã o de um ser
vivo de origem humana, visando à satisfaçã o de interesses de
terceiros (potenciais pais ou, em especial, a potencial mã e), faça
mençã o ao “imperativo categó rico kantiano” que afirma que “toda
pessoa deve ser tratada como um fim em si mesmo, e nã o um meio
para satisfazer interesses de outrem ou interesses coletivos”! É claro
que para Barroso, o ovo, embriã o ou feto nã o é pessoa, nem mesmo
potencialmente, mas já foi visto o quanto essa tese é absurda. Fato é
que a defesa do abortamento por “respeito” à vontade de ser mã e ou
pai de alguém é uma situaçã o nítida de reificaçã o do humano, de seu
uso como instrumento ou meio para fins de terceiros. É exatamente
o oposto do imperativo categó rico kantiano. Nã o há dú vidas de que
se Kant soubesse de sua mençã o por Barroso neste contexto estaria
se revirando no tú mulo!
O grande problema é que nada mais é submetido a uma reflexã o
séria. Há um contentamento bovino com palavras de ordem e apelos
emocionais, ativistas, impensados, em especial se disseminados
midiaticamente. O ministro Barroso, por exemplo, tem o dom de
moldar uma frase de impacto que tem chamado a atençã o. Em seu
voto afirma textualmente que a mulher nã o pode ser tratada como
“um ú tero a serviço da sociedade” (sic).  E segue fazendo “palestras”
onde emprega a expressã o impactante (embora absolutamente
vazia). Fez isso na “palestra” intitulada “A liberdade de ser: Morte e
vida e escolhas existenciais”, no seio de nada menos do que a
Academia Brasileira de Letras. [210]
Entramos definitivamente no que o Dicioná rio Oxford apontou como
“a palavra do ano”, ou seja, a chamada “pó s-verdade”. Post-truth
(pó s-verdade) diz respeito à subestimaçã o ou mesmo desprezo de
fatos objetivos e a adoçã o de conceitos e ideias baseados em
emoçõ es e crenças pessoais na formaçã o da opiniã o pú blica e até
mesmo da suposta intelectualidade. [211]
Por isso ninguém se
questiona em relaçã o a tudo quanto já foi dito neste texto. Pior,
ninguém se questiona quanto à autofagia do pró prio título da
“palestra”: como se pode falar em “Liberdade de ser”, defendendo a
eliminaçã o intrauterina de um “ser”? De um ser que nem se deixará
nascer? Que liberdade é essa? A liberdade que só tem uma face? Isso
nã o existe e nã o pode existir. A liberdade de mã o ú nica, de face
ú nica é sinô nimo de domínio de uns seres sobre outros. E a frase
impactante? “Ú teros a serviço da sociedade”? O que isso pode
significar? Que qualquer responsabilidade imposta para o exercício
de uma liberdade na vida em sociedade faz da pessoa um mero
instrumento desta sociedade que lhe reconhece liberdade? Entã o
também um homem que engravide uma mulher e nã o queira o filho,
embora a mulher o queira, deveria ter o direito de provocar o aborto
sem o consentimento da gestante, caso contrá rio, seria entã o “um
pênis a serviço da sociedade e daquela mulher”. Isso soa totalmente
absurdo nã o é? Pois é, mas é o mesmo raciocínio desenvolvido na
“bela” frase de Barroso e outros ativistas vazios de conteú do. É claro
que a mulher, por questõ es de natureza, carrega em seu corpo o ser.
Mas, quanto a isso, nã o se trata de imposiçã o de ninguém a nã o ser
da natureza. O ser humano, e isso inclui as mulheres, nã o é um ser
determinado, mas é, indubitavelmente, um ser condicionado. Há
condiçõ es inescapá veis a um ser humano, como há tais condiçõ es
para outros seres. A rebeldia contra isso nã o passa de gnosticismo e
hybris pueris.
No seio dessa “palestra”, Barroso novamente dá mostras de falta de
cuidado ou mesmo desconhecimento de temas que aborda. Para
justificar a liberaçã o do aborto até o terceiro mês de gestaçã o,
afirma que isso seria, além de sustentá vel constitucionalmente, algo
que encontraria base no “direito natural” (sic)! [212] Ora, só pode
engolir uma afirmaçã o destas, alguém que o queira muito, embora
saiba de seu descabimento, ou entã o alguém que seja absolutamente
ignorante do que se trata quando se fala em “direito natural”.  Sem
maiores delongas, pois que se trata de tema trivial, pode-se afirmar
que o “direito natural”, em suas mais diversas vertentes
jusnaturalistas, deduz princípios e regras que se inspiram
diretamente na “natureza”. Ou seja, a natureza seria o modelo
segundo o qual alguns direitos sã o reconhecidos como constitutivos
do estatuto humano. Ora, na natureza nã o se encontra um
comportamento animal similar ao da mulher que aborta. O contrá rio
é que é comum, ou seja, as fêmeas e os machos cuidam de suas crias.
Excepcionalmente, ensina a etologia, que no mundo animal podem
ocorrer abortos ou mesmo a morte de crias já nascidas pelos
machos (mais comumente) e pelas fêmeas (mais excepcionalmente).
Mas isso é excepcional e, normalmente, tem uma funçã o de seleçã o
ou do que no mundo humano se chamaria de eugenia. Pergunta-se,
portanto: em que “natureza” está baseado o “direito natural” (sic) a
que faz referência o ministro? Na “natureza” idealizada por pessoas
como Hitler? Porque a natureza que nos dá pistas de um
jusnaturalismo persevera na vida, inclusive na vida incipiente, ao
menos em regra. E o que se espera da humanidade em seu salto
cultural, em sua hominiscência , é um progresso em relaçã o à
natureza em termos morais, nã o um retrocesso ou uma identidade
com o mundo animal. [213] Assim sendo, o discurso de Barroso sobre
um suposto “direito natural” (sic) é totalmente descabido.
Toda a argumentaçã o está repleta dessas frases apelativas e o
ministro Barroso nã o se contenta com suas pró prias criaçõ es. Traz à
baila a citaçã o do antigo ministro Carlos Ayres Brito que outrora fez
uso de outra frase-feita típica do ativismo feminista desprovido de
racionalidade e cheio de apelo ideoló gico. Eis a “pérola”: “Se os
homens engravidassem, nã o tenho dú vida em dizer que
seguramente o aborto seria descriminalizado de ponta a ponta”
(sic).
Já de início é preciso perceber que a conclusã o final nã o passa de um
presságio baseado em uma impossibilidade natural, biológica e física .
Portanto, tudo nã o é mais que fumaça nos olhos. Uma conclusão que
advém de uma premissa hipotética irreal . Mas, deixemos de lado a
falta da mais mínima ló gica nessa frase de efeito. Vamos aos fatos:
A frase que se apresenta como oracular pressupõ e que devido a uma
questã o de gênero o aborto é criminalizado. Antes, o reducionismo
era religioso, agora é de gênero. Cabe entã o a Brito, Barroso e
demais indivíduos que repetem esse besteirol com tanta convicçã o
explicar por que há no campo civil a obrigaçã o alimentar por parte
dos homens e por que há no campo criminal o ilícito de “abandono
material” (artigo 244 e seu Pará grafo Ú nico, CP)? Eles parecem se
olvidar de que os homens nã o ficam grá vidos, mas engravidam as
mulheres e respondem por isso civil e criminalmente com relaçã o
aos resultados daí advindos. Há inclusive o instituto dos “alimentos
gravídicos”. Mas, se o mundo é feito de normas moldadas com base
no domínio de gênero, entã o por que até hoje há essa obrigaçã o
alimentar, inclusive como ú nica possibilidade de prisã o civil por
dívida? Por que há o crime de “abandono material” acenado contra
os homens, inclusive por inadimplência injustificada de obrigaçã o
alimentar? Por que, afinal, em um mundo de domínio de gênero
masculino, onde o aborto só é criminalizado porque homens nã o
engravidam, nã o se descriminalizou ainda o “abandono material”, ao
menos para os homens? Por que os homens têm e sempre tiveram
obrigaçã o de prestar alimentos, por que nã o só as mulheres? E pior;
expliquem por que o “abandono material” perpetrado por homens
tem pena maior do que o crime de auto-aborto ou aborto consentido
previsto no artigo 124, CP? E mais, tem pena igual, mas acrescida de
uma multa, que nã o existe no aborto com o consentimento da
gestante, previsto no artigo 126, CP? Mas, vã o afirmar que as
mulheres também podem ser responsabilizadas por “abandono
material” e por fornecer alimentos. É claro que sim. No entanto, nem
é preciso fazer grandes pesquisas estatísticas para saber que muito
pró ximo de cem por cento dos inquéritos e processos por
“abandono material” têm por investigado ou acusado um homem. O
mesmo se pode afirmar com segurança em relaçã o à s açõ es de
alimento e seu polo passivo. Em 27 anos de profissã o este signatá rio,
como Delegado de Polícia, jamais instaurou um inquérito policial
por “abandono material” contra mulher, ao passo que já instaurou
milhares contra homens. Também nunca cumpriu um ú nico
mandado de prisã o por inadimplemento de pensã o alimentícia
contra mulher. Já cumpriu milhares contra homens. E, por favor, nã o
venham dizer que isso é porque as mulheres sã o mais responsá veis
com relaçã o aos filhos do que os homens como regra geral, por
favor, tudo tem limite. Perceba-se, portanto, o grau de ilogicidade e
irrealidade dessa frase-feita repetida irrefletidamente como se fosse
um insight da mais genuína sabedoria!
4. CONCLUSÃO
No decorrer do presente texto procedeu-se à aná lise crítica da
decisã o da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal no
HC 124.306, em especial do voto — condutor do ministro Luís
Roberto Barroso.
Em um primeiro plano foi questionada a inconstitucionalidade do
procedimento ativista judicial em franca violaçã o à divisã o de
Poderes, pois que o Supremo Tribunal Federal, a pretexto de
interpretaçã o conforme à Constituição e declaraçã o de nã o recepçã o
de norma ordiná ria, teria, na verdade, suprimido deliberadamente
texto legal claro e induvidoso, criando, por conta pró pria, nova
hipó tese de aborto legal ou, melhor dizendo, descriminalizando a
prá tica do aborto, desde que praticado o ato até o terceiro mês de
gestaçã o.
No seguimento, visando apenas ao esclarecimento dos interessados,
pois a ilegitimidade da atuaçã o do Supremo já é patente pela
evidente violaçã o da tripartiçã o dos Poderes, procedeu-se à
demonstraçã o da fragilidade, puerilidade e até mesmo da má
retó rica que adorna a argumentaçã o em prol da liberalizaçã o do
aborto no Brasil, seja por razõ es morais, sociais, jurídicas,
econô micas ou de qualquer natureza.
A conclusã o é a de que, para além de inconstitucional, por violaçã o
da tripartiçã o dos Poderes, a manifestaçã o do Supremo Tribunal
Federal acerca do crime de aborto é despida de fundamentos
convincentes, ao menos quando se tem por objetivo aprofundar as
questõ es postas e nã o ficar na superfície do discurso fá cil e sedutor
da liberdade sem responsabilidade, das frases de efeito e da zona de
conforto do politicamente correto.
Sabe-se que a decisã o foi incidental e nã o tem efeito vinculativo.
Mas, sua face deletéria é inevitá vel porque constitui um precedente
da mais alta corte do país e seus efeitos prá ticos sã o imponderá veis.
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[1]
Lembremo-nos de Emmanuel Lévinas e da concepçã o de “alteridade” como
responsabilidade de cada homem pelo “outro” ( O humanismo do outro homem
. Petró polis: Vozes, 2009, 3. ed.).
[2]
Cf. PENROSE , Roger. A mente nova do rei . Trad. Waltensir Dutra. Rio de
Janeiro: Campus, 1991, p. 417-96.
[3]
TEIXEIRA , Joã o de Fernandes. Filosofia do cérebro . Sã o Paulo: Paulus, 2012,
p. 35-6.
[4]
MILGRAM , Stanley. “Behavioral Study of Obedience”. Journal of Abnormal
and Social Psychology . 67 (4) (1963): 371-8. doi:10.1037/h0040525.
[5]
Cf. BAUMAN , Zygmund. Modernidade e Holocausto . Trad. Marcus Penchel.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 89. A RENDT , Hannah. Eichmann em
Jerusalém : um relato sobre a banalidade do mal. Trad. José Rubens Siqueira.
Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1999.
[6]
RUSHDOONY , Rousas John. Esquizofrenia intelectual . Trad. Fabrício Tavares
de Moraes. Brasília: Monergismo, 2016, p. 22.
[7]
Para uma visã o geral dessa espécie de ideias estapafú rdias: SINGER , Peter.
Ética prática . Trad. Jefferson Luiz Camargo. Sã o Paulo: Martins Fontes, 1998;
Libertação animal . Trad. Marly Winckler. Porto Alegre: Lugano, 2004; SINGER ,
Peter, M ASON , Jim. A ética da alimentação . Trad. Cristina Yamagami. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2007.
[8]
STENDHAL [ Henri-Marie Beyle]. O vermelho e o negro . Trad. Maria Cristina
F. da Silva. Sã o Paulo: Nova Cultural, 1995, p. 147.
[9]
Pecar e perdoar . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014, p. 43.
[10]
A ironia da liberdade de expressão . Trad. Gustavo Binenbojm e Caio Má rio
da Silva Pereira Neto. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 48.
[11]
Do sentimento trágico da vida . Trad. Eduardo Brandã o. Sã o Paulo: Martins
Fontes, 1996, p. 44.
[12]
Lisboa: Livros Horizonte, 1997, 4. ed., p. 12.
[13]
Sobre a verdade . Trad. Denise Bottmann. Sã o Paulo: Companhia das
Letras, 2007, p. 69-70.
[14]
Op. cit. , p. 52.
[15]
La impunidad en Argentina (entre linchamiento, Derecho Penal del
enemigo y Derecho Penal realista. In: MARTINI , Siro M. A. de. En defensa del
Derecho Penal . Buenos Aires: Educa, 2008, p. 24.
[16]
Um conto de duas cidades . Trad. Sandra Luzia Couto. Sã o Paulo: Nova
Cultural, 1996, p. 288.
[17]
O homem medíocre . Trad. Lycurgo de Castro Santos. Campinas: Edicamp,
2002, p. 71.
[18]
Escute, Zé-Ninguém . Trad. Waldéa Barcellos. Sã o Paulo: Martins Fontes,
2007, 2. ed., p. 11. O “Zé-Ninguém” de Reich é aquele que “quanto menos
entender alguma coisa, mais firme é sua crença nela. E, quanto melhor
entende uma ideia, menos acreditará nela”.
[19]
Mais especificamente sobre tal aspecto: Cf. MILGRAM , Stanley. Obedience to
Authorithy . New York: Harper & Row, 1974, p. 47.
[20]
“Effects of group pressure on the modification and distortion of
judgments”. In H. Guetzkow (ed.), Groups, leadership and men . Pittsburgh, PA:
Carnegie Press (1951), p. 177-190.
[21]
Cf. SCRUTON , Roger. Pensadores da nova esquerda . Trad. Felipe Garrafiel
Pimentel. Sã o Paulo: É Realizaçõ es, 2014, p. 129.
[22]
Pascal. Maquiavel pedagogo . Trad. Alexandre Mü ller Ribeiro. Campinas:
Vide Editorial, 2013, p. 23. O autor também menciona o “conformismo” grupal
como forte elemento de influência sobre o psiquismo, mencionando a
experiência de Asch e acrescentando a experiência de Muzafer Sherif. Esta
consiste em colocar uma pessoa sozinha em uma sala escura, solicitando-lhe a
descriçã o dos movimentos de um ponto de luz. O ponto de luz está imó vel,
mas o sujeito, sem mais referências, logo acaba tendo falsas percepçõ es de
movimentos irregulares do ponto de luz (“efeito autocinético”). Esse efeito
ilusó rio tende a se agravar quando a experiência é feita com grupos que
afirmam o movimento inexistente ( Op. cit. , p. 19-20).
[23]
Op. cit. , p. 24. Grifos no original.
[24]
Petró polis: Vozes, 1966, p. 6.
[25]
Op. cit. , p. 6. Cf. Existence et Signification . Louvain: Nauwelaerts, 1958,
p. 143-67.
[26]
RANGEL , Alexandre. As mais belas parábolas de todos os tempos . Volume
III. Petró polis: Vozes, 2015, p. 194-5.
[27]
Totalidade e a ordem implicada . Trad. Teodoro Lorent. Sã o Paulo: Madras,
2008, p. 17.
[28]
Op. cit. , p. 19.
[29]
Dante reserva aos indiferentes o eterno suplício e o desprezo até mesmo
do senhor dos infernos: “Essa sorte miseranda têm as almas tristíssimas
daqueles que vivem sem infâ mia, mas sem méritos. Estã o misturados à quela
hoste vil dos anjos que nã o se rebelaram nem foram fiéis a Deus, mas que
pensaram apenas em si mesmos. Foram expulsos do céu onde nã o cabem, e as
profundezas do inferno os nã o recebem, já que alguma gló ria lhes trariam”.
ALIGHIERI , Dante.  A divina comédia . Trad. Cordélia Dias D’Aguiar. Rio de
Janeiro: Ediouro, 1989, p. 12.
[30]
Ele descreve a “dialética erística” como “a arte  de disputar, mais
precisamente a arte de disputar de maneira tal que se fique com a razão ,
portanto per faz et nefas (com meios lícitos e ilícitos)”. A arte de ter razão .
Trad. Alexandre Krug; Eduardo Brandã o. Sã o Paulo: Martins Fontes, 2001,
p. 3. Grifos no original.
[31]
Luz sobre a Idade Média . Trad. Antó nio Miguel de Almeida Gonçalves.
Lisboa: Europa-América, 1997, p. 11.
[32]
Eduardo Luiz Santos Cabette é delegado de Polícia, mestre em Direito
Social, pó s-graduado em Direito Penal e Criminologia, professor de Direito
Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislaçã o Penal e Processual Penal
Especial na graduaçã o e na pó s-graduaçã o do Centro Universitá rio Salesiano
de Sã o Paulo (Unisal) e membro do grupo de pesquisa de ética e direitos
fundamentais do programa de mestrado do Unisal.
[33]
Mitologia grega . Vozes, Petró polis, 1990, vol. I, 6. ed., p. 227-8.
[34]
Elpídio Fonseca é tradutor e, inspirado pelos Seminá rios Paulistas de
Filosofia e pelo Curso Online de Filosofia do professor Olavo de Carvalho, de
quem é aluno desde 1998, desenvolve, desde 2007, um intenso trabalho de
traduçã o de obras de Eric Voegelin e acerca deste, além de procurar difundir
no Brasil o conhecimento de obras filosó ficas, políticas e memorialística de
autores romenos ligados à Escola de Pă ltiniş, fundada pelo filó sofo Constantin
Noica.
[35]
Artigo baseado no relató rio do Family Research Council, January 2016.
Disponível em: http://downloads.frc.org/EF/EF15F70.pdf
[36]
“Planned Parenthood, 2014-2015 Annual Report”, Planned Parenthood
Federation of America. Disponível em:
https://www.plannedparenthood.org/files/2114/5089/0863/2014-
2015_PPFA_Annual_Report_.pdf
[37]
“Induced Abortion in the United States”, Guttmacher Institute, July 2014.
Disponível em: http://www.guttmacher.org/pubs/fb_induced_abortion.html;
“Planned Parenthood, Care. No matter what, 2011-2012 Annual Report”,
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[38]
“Planned Parenthood, Care. No matter what, Annual Report 2011-2012”,
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[40]
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[41]
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[43]
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[44]
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[58]
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[59]
A fórmula para enlouquecer o mundo : cartas de um terrá queo ao planeta
Brasil. Campinas, SP: Vide Editorial, 2014, vol. III, p. 437.
[60]
SOCIEDADE BRASILEIRA DE SALVAMENTO AQUÁ TICO-SOBRASA . Afogamentos. O
que está acontecendo? Boletim Brasil 2015. Dr. David Szpilman. Disponível
em:
http://www.sobrasa.org/new_sobrasa/arquivos/baixar/AFOGAMENTOS_Bol
etim_Brasil_2015.pdf.
[61]
KOCH  E (2014) Epidemiología del aborto y su prevenció n en Chile
[Epidemiology of abortion and its prevention in Chile]. Rev Chil Obstet Ginecol
7(5):351-360. Disponível em:
http://www.revistasochog.cl/files/pdf/EDITORIAL50-e0.pdf . KOCH E, THORP
J, BRAVO M, GATICA S, ROMERO CX, AGUILERA H, AHLERS I (2012) Women's
education level, maternal health facilities, abortion legislation and maternal
deaths: a natural experiment in Chile from 1957 to 2007. PLoS ONE
7(5):e36613. DOI:10.1371/journal.pone.0036613. Disponível em:
http://www.plosone.org/article/info%3Adoi
%2F10.1371%2Fjournal.pone.0036613 .
[62]
Artigo “Breves notas: no fundo a questã o é sobre quem podemos matar”.
Disponível em: https://academiamedica.com.br/no-fundo-questao-e-sobre-
quem-podemos-matar/ .
[63]
A autora do artigo citado é advogada, mestranda pela Universidade de Sã o
Paulo e pesquisadora no Centro de Estudos e Pesquisas em Direito Sanitá rio.
Disponível em: https://academiamedica.com.br/autonomia-da-mulher-
frente-ao-aborto/ .
[64]
Como se pode verificar na pesquisa interessante do instituto Datafolha de
fevereiro de 2016: a maior parte da populaçã o é contrá ria ao aborto mesmo
em casos de microcefalia confirmada no pré-natal. Entre a populaçã o de baixa
renda, 63% dos entrevistados sã o contra o aborto. Entre os de alta renda, 38%
sã o contra o aborto. Em pessoas de todos os níveis de escolaridade, a rejeiçã o
ao aborto nesses casos dramá ticos segue com a maioria. DATAFOLHA INSTITUTO
DE PESQUISA . Opiniã o sobre o vírus zika. PO813843. 24 e 25/02/2016.
Disponível em:
http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2016/02/29/zika.pdf .
[65]
Algumas referências bá sicas para os realmente curiosos: C ARLSON , B. M.
Embriologia humana e biologia do desenvolvimento (Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 1996); MOORE , K. L. Embriologia básica (Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2000, 6. ed.); MOORE , K. L. Embriologia clínica (Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2008, 8. ed.); GRIFFITHS , A. J. F. Introdução à genética (Rio
de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008, 9. ed.); PASTERNAK, J. J. Uma introdução à
genética molecular humana: mecanismo das doenças hereditárias (Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2007, 2. ed.); THOMPSON, M. K. Thompson &
Thompson genética médica (Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008, 7. ed.).
Até mesmo os pensadores abortistas de renome internacional compreendem
o estatuto humano do feto e do embriã o. Peter Singer afirmou: “Neste sentido
(determinado cientificamente pelo exame da natureza dos cromossomos nas
células dos organismos vivos), nã o há dú vida de que desde o primeiro
momento da existência o embriã o concebido de esperma e ó vulos humanos é
ser humano” ( Writings on an Ethical Life . New York: Eco Press, 2000, p. 127).
[66]
Dizer que nã o podemos acessar a esfera moral da realidade, ou que esta é
subjetiva no sentido de acusar irrealidade dos valores, é uma postura
filosó fica, jamais científica. Abordagens filosó ficas de grande qualidade, como
as de Xavier Zubiri e Alfonso Ló pez Quintá s tratam bem da temá tica dos
valores e de sua realidade.
[67]
Para uma aná lise detalhada, ampla e há bil dos argumentos contra e a
favor do abortamento, recomendo a seguinte obra: K ACZOR , Christopher. A
ética do aborto: direito das mulheres, vida humana e a questão da justiça (Sã o
Paulo, SP: Loyola, 2014).
[68]
ROTHBARTH , Renata. Disponível em:
https://academiamedica.com.br/autonomia-da-mulher-frente-ao-aborto/
[69]
SCHOPENHAUER , Arthur. Como vencer um debate sem precisar ter razão: em
38 estratagemas (dialética erística). Introduçã o, notas e comentá rios: Olavo de
Carvalho. Rio de janeiro: Topbooks, 2003, p. 174.
[70]
ROTHBARTH , Renata. Op. cit .
[71]
ROTHBARTH . Op. cit .
[72]
Lições preliminares de Direito : adaptado ao Novo Có digo Civil-Lei nº
10.406, de 10-1-2002. Sã o Paulo: Saraiva, 2009.
[73]
Recomendo o artigo publicado pelo jurista, delegado de polícia e professor
universitá rio Eduardo Luiz Santos Cabette, que possui muito mais
conhecimento jurídico e propriedade para tratar desse assunto que eu, e
fornece uma aná lise muito justa e completa em apêndice desta coletâ nea.
[74]
FANTI , Bruna. “Sentença que absolve ato em até 12 semanas de gravidez
divide especialistas”. O Dia . Disponível em: http://odia.ig.com.br/rio-de-
janeiro/2016-12-01/decisao-do-stf-sobre-aborto-em-caxias-provoca-
polemica.html ; “Encontrado o corpo da jovem Jandira Cruz que buscou aborto
clandestino”. Bom Dia RJ . Disponível em: https://www.youtube.com/watch?
v=Z2T40ky2x7Y.
[75]
O horrível mercado de peças humanas pode ser conferido no site do The
Center for Medical Progress. Disponível em:
http://www.centerformedicalprogress.org.
[76]
Trato com mais detalhes acerca do sangrento e lucrativo negó cio da
Planned Parenthood no capítulo 1 desta coletâ nea, “ Má quina de fazer
dinheiro”.
[77]
Mais sobre o Instituto Guttmacher e os laços com a Planned Parenthood
podem ser encontrados em portais de informaçã o do pró prio Instituto e em
dezenas de locais pela internet: Guttmacher Institute. Partnerships &
Collaborations. Disponível em:
https://www.guttmacher.org/about/partnerships-collaborations ;
Guttmacher Institute. “Frequently Asked Questions”. Disponível em:
https://www.guttmacher.org/guttmacher-institute-faq#5 ; BOMBERGER , Ryan.
You’ve Been Guttmacher’d: Planned Parenthood’s Baby. Disponível em:
http://www.lifenews.com/2011/09/06/youve-been-guttmacherd-planned-
parenthoods-baby/ ; NOVIELLI , Carole. “How ‘independent’ is Guttmacher
from Planned Parenthood?”. Disponível em: http://liveactionnews.org/how-
independent-is-guttmacher-from-planned-parenthood.
[78]
ROTHBARTH . Op. cit .
[79]
Sã o Paulo: Companhia das Letras, 2007.
[80]
Convençã o Americana sobre Direitos Humanos. Disponível em:
https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm.
[81]
ROTHBARTH. Op. cit .
[82]
No. 70-18. Argued: December 13, 1971. Decided: January 22, 1973.
Disponível em: http://caselaw.findlaw.com/us-supreme-court/410/113.html
[83]
C ONGRESS . G OV . All Bill Information (Except Text) for H.R.3134-Defund
Planned Parenthood Act of 2015. Disponível em:
https://www.congress.gov/bill/114th-congress/house-bill/3134/all-info.
[84]
ROTHBARTH . Op. cit.
[85]
R IZZO , Joseph F. “Embriology, Anatomy, and Physiology of the Afferent
Visual Pathway.” In: M ILLER , Neil R.; N EWMAN , Nancy J. Walsh & Hoyt’s
Clinical Neuro-Ophthalmology . 3 vols. Baltimore: Lippincott Williams &
Wilkins, 2005, 6. ed., p. 3-82.
[86]
Uma rá pida introduçã o à s características fetais, em linguagem bem
acessível e contendo informaçõ es científicas amplamente fundamentadas em
bibliografia adequada, pode ser encontrada em B ELLIENI , Carlo. Se não é um
ser humano... O feto: um novo membro da família . Sã o Paulo: Loyola, 2008.
[87]
HABEAS CORPUS  124.306. Rio de Janeiro. Disponível em:
https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC124306LRB.
pdf.
[88]
A BORT 73. Ancient Abortion History . A look at the methods and perceived
morality of abortion in the ancient world. Disponível em:
http://abort73.com/abortion_facts/ancient_abortion_history.
[89]
P AVÃ O , Gabriela; C ASTRO , Nadyenka. Casal confessa tortura de menino
em rituais de magia negra, diz delegada. G1. Disponível em:
http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2016/02/casal-confessa-
tortura-de-menino-em-rituais-de-magia-negra-diz-delegada.html ; MARQUES,
Eliete. Criança de 5 anos é morta em suposto ritual satâ nico em RO, diz polícia.
G1 . Disponível em:
http://g1.globo.com/ro/rondonia/noticia/2014/04/crianca-de-5-anos-e-
morta-em-suposto-ritual-satanico-em-ro-diz-policia.html.
[90]
ANGOTTI NETO , Hélio. “Bioética e guerra cultural III: o escotoma negativo
abstrativo”. Disponível em:
http://www.midiasemmascara.org/artigos/cultura/15261-2014-06-13-20-
43-29.html.
[91]
ROTHBARTH . Op. cit .
[92]
Ibid .
[93]
Duas situaçõ es complexas e que também devem ser avaliadas
individualmente, e nã o de forma geral.
[94]
“Reliable estimates of abortion incidence in the developing world are
scarce and additional research in this area is needed to improve our ability to
monitor and more accurately estimate trends in this region”. SEDGH , Gilda;
BEARAK , Jonathan; SINGH , Susheela et al . “Abortion Incidence Between 1990
and 2014: Global, Regional, and Sub-regional Levels and Trends”. Lancet , vol.
388, 2016, p. 258-67.
[95]
S INGH , Susheela; R EMEZ , Lisa; T ARTAGLIONE , Alyssa. “Methodologies for
Estimating Abortion Incidence and Abortion-Related Morbidity: A Review”.
New York: Guttmacher Institute, 2010: 71-98. Disponível em:
https://www.guttmacher.org/sites/default/files/pdfs/pubs/compilations/
IUSSP/abortion-methodologies.pdf.
[96]
Recomendo aos leitores que investiguem por si mesmos as ligaçõ es entre
o Guttmacher Institute e a Planned Parenthood. Uma rá pida busca na internet
será reveladora, até mesmo se feita no pró prio portal do Alan Guttmacher
Institute . Alguns dados extras seguem abaixo. Prová vel exagero de dados ao
lidar com estatísticas do aborto:
http://www.discoverthenetworks.org/Articles/Getting%20Desperate%20at
%20Guttmacher.html.
Relatos de que verbas federais podem promover o aborto:
http://www.discoverthenetworks.org/Articles/Howard%20Deans
%20Abortion%20Contortions.html.
A antiga tendência do instituto de publicar na Lancet incluindo dados e
estimativas controversas:
http://www.discoverthenetworks.org/Articles/Too%20Much%20of%20a
%20Bad%20Thing%20Can.html.
Uma crítica à manipulaçã o de dados que os pró prios autores do artigo citado
mencionam com parte da metodologia da pesquisa:
http://www.catholicnewsagency.com/news/
proabortion_guttmacher_institute_produces_bogus_abortion_statistics.
Ligaçõ es com a Bill and Melinda Gates Foundation , uma organizaçã o
promotora de uma agenda política bem especifica:
http://www.discoverthenetworks.org/viewSubCategory.asp?id=1741.
[97]
Como se pode ver nos relató rios do Center for Disease Control. Disponível
em: https://en.wikipedia.org/wiki/Abortion_statistics_in_the_United_States.
[98]
Conforme dados do Ministerio di Sanidad, disponíveis em:
https://es.wikipedia.org/wiki/Aborto_en_Espa%C3%B1a.
[99]
Sugiro aos interessados a procura de informaçõ es precisas em um dos
vá rios sites disponíveis sobre o assunto. Disponível em:
http://data.worldbank.org/indicator/SP.DYN.CBRT.IN?
end=2014&locations=US&start=1960.
[100]
SCHOPENHAUER . Op. cit. , p. 163-72.
[101]
Confira o nú mero: abra o site  www.datasus.gov.br , clique em
INFORMAÇÕ ES DE SAÚ DE , depois clique em estatísticas vitais-mortalidade e
nascidos vivos, depois clique novamente em ó bitos maternos-desde 1996 e
selecione abaixo deste item a opçã o B RASIL POR REGIÃ O E UNIDADE DA FEDERAÇÃ O
. No quadro maior que se abre selecione os seguintes campos: Em Linha,
selecione: CATEGORIA CID 10 (CID, Código Internacional de Doenças ); Em
Coluna, selecione: TIPO CAUSA OBSTÉ TRICA ; Em Período, selecione: 2002 (depois
2003 e 2004); Em Seleçõ es disponíveis, selecione: GRUPO CID 10 → GRAVIDEZ QUE
TERMINA EM ABORTO .
[102]
ROTHBARTH . Op. cit .
[103]
Diversas pesquisas nos ú ltimos anos demonstram a ampla rejeiçã o da
sociedade brasileira ao abortamento. Um exemplo relativamente recente é a
pesquisa feita pelo Instituto Paraná Pesquisas, revelando o índice de rejeiçã o
do aborto de 78% entre as mulheres. Disponível em:
http://www.semprefamilia.com.br/wp-content/uploads/2016/12/ParanaPe
squisas-relatoriocompleto-11dez2016.pdf
[104]
ROTHBARTH . Op. cit .
[105]
ARENDT , Hannah.  Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade
do mal . Trad. José Rubens Siqueira. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1999.
[106]
KOCH , E. “Epidemiología del aborto y su prevenció n en Chile”. Rev Chil
Obstet Ginecol. vol. 7(5), 2014. Disponível em: 
http://www.revistasochog.cl/files/pdf/EDITORIAL50-e0.pdf ; KOCH , E; THORP
, J; BRAVO , M; et al. “Women's Education Level, Maternal Health Facilities,
Abortion Legislation and Maternal Deaths: a Natural Experiment in Chile from
1957 to 2007”. Disponível em: 
http://www.plosone.org/article/info%3Adoi
%2F10.1371%2Fjournal.pone.0036613.
[107]
“Freedom, Democracy, Peace; Power, Democide, and War”. Disponível
em: https://www.hawaii.edu/powerkills.
[108]
ROTHBARTH . Op. cit .
[109]
HAIDT , Jonathan. The Righteous Mind: Why Good People are Divided by
Politics and Religion . New York: Pantheon Books, 2012.
[110]
WIKER , Benjamin. Darwinismo Moral: como nos tornamos hedonistas . São
Paulo: Paulus, 2011.
[111]
Há excelentes obras para o desenvolvimento das habilidades em julgar
trabalhos. Recomendo as seguintes leituras bá sicas para os interessados em
manipular artigos científicos de forma minimamente adequada: HULLEY ,
Stephen B; CUMMINGS , Steven R; BROWNER , Warren S. et al. Delineando a
pesquisa clínica . Porto Alegre: ARTMED, 2015, 4. ed. F LETCHER , Robert H; F
LETCHER , Suzanne W. Epidemiologia clínica: elementos essenciais . Porto
Alegre: ARTMED, 2006, 4. ed. G UYATT , Gordon; R ENNIE , Drummond; M EADE ,
Maureen O.; C OOK , Deborah J. Diretrizes para a utilização da literatura
médica: manual para prática clínica da medicina baseada em evidências . Porto
Alegre: ARTMED, 2011, 2. ed.
[112]
Acusaçã o de ingenuidade alheia ao utilizar dados oficiais do governo
enquanto ela mesma utiliza dados tendenciosos e inflados com
fundamentaçã o original em dados oficiais do governo!
[113]
Citaçã o inadequada de artigo científico sem a crítica adequada, ou a
relativizaçã o científica do conhecimento exibido.
[114]
“Nã o sou contra o aborto, sou a favor da autonomia da mulher”, por
exemplo. Este e outros chavõ es foram desenvolvidos por militantes aborteiros
e abortistas com o intuito específico de afrouxar a legislaçã o protetora da vida
humana e facilitar o trabalho das clínicas aborteiras. Sugiro a leitura da obra
de quem foi considerado o “rei do aborto”, Bernard Nathanson.
[115]
C_E_N_S_O_R_E_D: video “Dear Future Mom”. Disponível em:
http://www.huffingtonpost.com/entry/c-e-n-s-o-r-e-d-video-dear-future-
mom_us_582f8e6fe4b0d28e55214ef6.
[116]
DEAR FUTURE MOM | March 21 - World Down Syndrome Day. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=Ju-q4OnBtNU.
[117]
Sã o Paulo: Paulus, 2011, 456p.
[118]
As duas Guerras Mundiais e as revoluçõ es foram gestadas pela
decadência cultural, como mostram muito bem Eric Voegelin ( Hitler e os
alemães . Sã o Paulo: É Realizaçõ es, 2008) e Modris Eksteins ( Rites of Spring:
The Great War and The Birth of the Modern Age . Boston: Mariner Books,
2000).
[119]
Milgram, Stanley. “Behavioral Study of Obedience”. Journal of Abnormal
and Social Psychology . 67 (4) (1963): 371-8. doi:10.1037/h0040525.
[120]
“Effects of group pressure on the modification and distortion of
judgments”. In: G UETZKOW , H. (org.),  Groups, leadership and men . Pittsburgh:
Carnegie Press, 1951, p. 177-90.
[121]
Uma breve introduçã o à s características fetais, em linguagem bem
acessível e contendo informaçõ es científicas amplamente fundamentadas em
bibliografia adequada, pode ser encontrada em B ELLIENI , Carlo. Se não é um
ser humano ... O feto: um novo membro da família . Sã o Paulo: Loyola, 2008.
[122]
C ARLSON , Bruce M. Embriologia humana e biologia do desenvolvimento
(Rio de Janeiro: Elsevier Editora, 2014, 5. ed., 520p.)
[123]
B OURGUET , Vincent. O ser em gestação: reflexões bioéticas sobre o embrião
humano (São Paulo: Loyola, 2002, p. 26).
[124]
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NbXC30Zea18 &
feature=youtu.be .
[125]
A Educação Superior e o resgate intelectual: o Relatório de Yale de 1828 .
Campinas, SP: Vide Editorial, 2016, p. 58.
[126]
Ibid ., p. 102.
[127]
Ibid ., p. 161-2.
[128]
O fato de os brasileiros, em geral, entenderem a palavra “elite” ligada ao
dinheiro só reforça nossa degeneraçã o cultural e moral.
[129]
Disponível em: https://jornalivre.com/2016/12/26/professor-de-
direita-da-ufpe-tem-sua-sala-destruida-por-terroristas-de-extrema-esquerda.
[130]
Trad. Nestor Silveira chaves. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999, 14. ed., p. 111-
33. 
[131]
Segundo tratado sobe o governo . Trad. Alex Marins. Sã o Paulo: Martin
Claret, 2002, p. 106-8.
[132]
M ONTESQUIEU [Charles de Secondat]. O Espírito das leis . Trad. Cristina
Murachco. Sã o Paulo: Martins Fontes, 1996, 2. ed., p. 168.
[133]
A “Escola de Frankfurt surge com a fundaçã o por Felix Weil, em 3 de
fevereiro de 1923, do “Instituto para Pesquisa Social”. 
[134]
C OUTINHO , Joã o Pereira. As ideias conservadoras . Sã o Paulo: Três
Estrelas, 2014, p. 57-8.
[135]
Conceito grego que descreve a mentalidade cheia de presunçã o,
arrogâ ncia, confiança excessiva ou orgulho exagerado ao ponto de homens se
julgarem deuses.
[136]
Disponível em www.jusbrasil.com.br , acesso em 13/12/2016.
[137]
Op. cit .
[138]
Op. cit .
[139]
Reboul esclarece que o “argumento de autoridade justifica uma afirmaçã o
baseando-se no valor de seu autor”. É claro que esse tipo de argumentaçã o
nã o pode nem deve ser desprezada ou descartada, mas sim o seu uso
indevido. Trocar o conteú do pela fonte. Isso é que deslegitima o argumento de
autoridade. R EBOUL , Olivier. Introdução à retórica . Trad. Ivone Castilho
Benedetti. Sã o Paulo: Martins Fontes, 2004, 2. ed., p. 177.
[140]
George Orwell, em sua obra 1984, molda a expressã o “novilíngua” para
descrever uma técnica de linguagem capaz de encurtar o pensamento e mudar
o significado real das coisas. Do texto literá rio: “Nã o vês que todo o objetivo da
Novilíngua é estreitar a gama do pensamento? No fim, tornaremos a crimidéia
literalmente impossível, porque nã o haverá palavras para expressá -la. Todos
os conceitos necessá rios serã o expressos exatamente por uma palavra, de
sentido rigidamente definido, e cada significado subsidiá rio eliminado,
esquecido”. Acrescente-se que “crimidéia” também é um neologismo
orwelliano e se refere a toda espécie de crime de pensamento e expressã o
numa distopia totalitá ria ao extremo ( 1984. Trad. Wilson Velloso. Sã o Paulo:
Companhia Editora Nacional, 2005, 29. ed., p. 54).
[141]
C ABETTE , Eduardo Luiz Santos. Aborto legal e direito de não ser pai: uma
abordagem à luz do princípio da igualdade nas trevas da consciência (Porto
Alegre: Núria Fabris, 2014).
[142]
A tentação da inocência . Trad. Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco,
1997, p. 16.
[143]
The Abolition of Man . London: Collins, 1978, p. 40. Ediçã o brasileira: A
abolição do homem (Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017, 128p.
[144]
O direito do homem a rejeitar a paternidade de filho nascido contra a sua
vontade : A igualdade na decisão de procriar . Coimbra: Coimbra Editora, 2013,
p. 7.
[145]
Sã o constataçõ es constantes da pró pria obra de Ribeiro, mediante densa
pesquisa jurisprudencial nas respectivas cortes. R IBEIRO , Jorge Martins , Op.
cit ., p. 253-4, 265.
[146]
FISS , Owen M. A ironia da liberdade de expressão . Trad. Gustavo
Binenbojm e Caio Má rio da Silva Pereira Neto. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,
p. 33-65.
[147]
Op. cit ., p. 159.
[148]
Por que, afinal, matamos? Rio de Janeiro: 7 Letras, 2010, p. 91.
[149]
Eu e tu . Trad. Newton Aquiles Von Zuben. Sã o Paulo: Moraes, 1977, 2. ed.,
p. 9.
[150]
A BBAGNANO , Nicola. Dicionário de filosofia . Trad. Alfredo Bosi e Ivone
Castilho Benedetti. Sã o Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 13.
[151]
Apud R EALE , Giovanni; A NTISERI , Dario. História da filosofia: filosofia
pagã antiga . Trad. Ivo Storniolo. Sã o Paulo: Paulus, 2003, vol. 1, p. 23.
[152]
C OMTE , Auguste. Curso de filosofia positiva. Discurso preliminar sobre o
conjunto do positivismo. Catecismo Positivista . Trad. José Arthur Giannotti e
Miguel Lemos. Sã o Paulo: Nova Cultural, 2005. Adota-se o marco do séc. XIX e
do positivismo como uma referência. No entanto, sabe-se que a histó ria nã o é
linear, nem circular ou redutível a qualquer metá fora geométrica. Ela é
descontínua e caó tica, feita de idas e vindas, progressos e retrocessos, nos
surpreendendo a cada instante.
[153]
O bode expiatório . Trad. Ivo Storniolo. Sã o Paulo: Paulus, 2004, p. 264.
[154]
Bioética: uma perspectiva cristã . Trad. Antivan Guimarã es Mendes, Lucy
Yamakami e Lena Aranha. Sã o Paulo: Vida Nova, 2009, 2. ed., p. 45-6. Cf. W
ILLIAMS , George H. “The sacred condominium”. In: N OONAN Jr., John T. (org.).
The Morality of Abortion: Legal and Historical Perspectives . Cambridg: Harvard
University Press, 1970, p. 169.
[155]
Cf. MARTINS , Ives Gandra. Jurista Ives Gandra fala sobre aborto e Estado
laico. Escolá stica da depressã o. Disponível em
www.facebook.com/escolasticadadepressao/vídeos , acesso em 15/12/2016.
[156]
Estado constitucional e neutralidade religiosa entre o teísmo e o (neo)
ateísmo . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 78.
[157]
Op. cit ., p. 20.
[158]
Apud G OLEMAN , Daniel. Inteligência emocional . Trad. Marcos Santarrita.
Rio de Janeiro: Objetiva, 1995, 8. ed., p. 118.
[159]
B auman, Zygmunt. Modernidade e holocausto . Trad. Marcos Penchel. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 182. Na experiência de Milgram os
participantes eram instados a provocar choques elétricos em outra pessoa,
sempre aumentando a voltagem. Com a vítima em sua presença e até com
contato físico e visual, apenas 30% prosseguiram obedecendo os comandos de
choque até o fim da experiência. Quando se mantinha o contato visual, mas se
suprimia o físico (o choque era desferido apenas por um comando de
alavancas, nã o precisando o participante direcionar a mã o da vítima para o
dispositivo elétrico) a proporçã o de obediência subia para 40%. Quando as
vítimas eram ocultadas por uma parede, de maneira que apenas seus gritos
fossem ouvidos, a obediência subia para 62,5%. Finalmente, quando até o som
dos gritos era suprimido acusticamente a porcentagem subia ligeiramente
para 65%. Nada mais ó bvio de que esse processo é muito fá cil de ser induzido
em relaçã o ao produto da concepçã o (ovo, embriã o ou feto), oculto no á lveo
materno, sem voz, sem presença, sem rosto, sem açã o, sem nada, a nã o ser sua
inapelá vel humanidade.
[160]
R EALE , Giovanni; A NTISERI , Dario. Op. cit ., p. 193.
[161]
Na mitologia grega, o personagem Pigmaleã o molda uma está tua de
mulher, a qual, por graça da deusa Afrodite, se transforma em mulher de carne
e osso, com a qual Pigmaleã o se casa e tem uma filha.
[162]
SCHOPENHAUER , Artur. A arte de ter razão . Trad. Alexandre Krug e
Eduardo Brandã o. Sã o Paulo: Martins Fontes, 2002, 2. ed., p. 3.
[163]
M ACHADO . Op. cit ., p. 22.
[164]
Ibid ., p. 125.
[165]
Ibid ., p. 22.
[166]
Op. cit ., p. 54.
[167]
Op. cit. , p. 22.
[168]
T AVARES , André Ramos. Curso de Direito Constitucional . Sã o Paulo:
Saraiva, 2007, 5. ed., p. 561.
[169]
Para os gregos, a á gora era o local má ximo de expressã o na esfera pú blica.

[170]
Frise-se, porém, que a utilizaçã o do deus romano Jano (Janus em latim)
no texto se dá apenas por analogia, pois essa figura mitoló gica nã o
simbolizava a pessoa falsa, dissimulada, “de duas caras”. Ele deu origem ao
nome do mês de Janeiro e simbolizava a entrada e a saída; o início das coisas,
as transiçõ es, o passado e o futuro. Nã o obstante, o uso ilustrativo de sua
figura para designar os falsos e dissimulados é bastante comum.
[171]
MEYER-PFLUG , Samantha Ribeiro. Liberdade de expressão e discurso do
ódio . Sã o Paulo: RT, 2009, p. 78.
[172]
MACHADO . Op. cit ., p. 145.
[173]
Ibid ., p. 152.
[174]
“Jurista Ives Gandra fala sobre aborto e Estado laico”. Escolá stica da
depressã o. Disponível em:
www.facebook.com/escolasticadadepressao/vídeos , acesso em 15/12/2016.
[175]
El proceso de secularización en la protección penal de la liberdad de
consciência. Valladolid: Universidad de Valladolid, 2001, p. 247.
[176]
Os últimos dias da humanidade. Trad. Antô nio Sousa Ribeiro. Lisboa:
Antígona, 2003, p. 17.
[177]
MACHADO . Op. cit ., p. 24.
[178]
A alma conservadora . Trad. Miguel de Castro Henriques. Lisboa: Quetzal,
2010, p. 143-4.
[179]
A ética do aborto: direitos das mulheres, vida humana e a questão do aborto
. Trad. Antonio Jesus Maria de Abreu. São Paulo: Loyola, 2014, p. 14.
[180]
AIRES , Mathias. Reflexões sobre a vaidade dos homens . Sã o Paulo: Escala,
2005, p. 106, 115.
[181]
HAYEK , Friedrich A. La contrarrevolución de la ciência . Trad. Jesú s Gó mez
Ruiz.Madrid: Union Editorial, 2003, p. 93.
[182]
Tratado da argumentação: a nova retórica. Trad. Maria Ermantina Galvã o.
Sã o Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 133.
[183]
ALVES , Ricardo Barbosa. Eutanásia, bioética e vidas sucessivas . Sorocaba:
Brazilian Books, 2001, p. 418-9.
[184]
Constituição, criminalização e direito penal mínimo . São Paulo: RT, 2003,
p. 51.
[185]
H É RCULES , Hygino de Carvalho. Medicina legal: texto e atlas . Sã o Paulo:
Atheneu, 2008, p. 583.
[186]
GARCIA , Lenise. “Os incríveis nú meros do aborto no Brasil”. Disponível em
www.brasilsemaborto.wordpress.com , acesso em 11/8/2013.
[187]
Confira-se em fonte histó rica de qualidade: J OHNSON , Paul. Tiempos
Modernos . Trad. José María Aznar. Madrid: Homo Legens, 2007.
[188]
G ARCIA . Op. cit .
[189]
“Soció logo afirma que nú mero de homicídios no Brasil é elevadíssimo e
assustador”. Disponível em www1.pucminas.br, acesso em 11/8/2013.
[190]
Apud EHRLICH , Robert. As nove ideias mais malucas da ciência . Trad.
Valentim Rebouças e Marilza Ataliba. Sã o Paulo: Ediouro, 2002, p. 15.
[191]
Nos confins do direito . Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvã o.
Sã o Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 343.
[192]
Ibid ., p. 346.
[193]
As obras acromá ticas de Aristó teles, levadas para Roma, foram ordenadas
e publicadas por Andrô nico de Rodes em meados do séc. I a.C. Entre elas
estavam os escritos de ló gica, conhecidos geralmente sob o nome de Organon
ou “Instrumentos de Investigaçã o” e Nicola Abbagnano esclarece que em
Tópicos , um de seus livros, Aristó teles tratou do “raciocínio dialético” e da
“arte da refutaçã o fundada em premissas prová veis” ( História da filosofia . 
Lisboa: Presença, 1991, 5. ed., vol. 1, p. 198).
[194]
A “tó pica” de Marco Tú lio Cícero distingue-se pelo fato de, como disse
Manuel Atienza: “Tentar formular e aplicar um inventá rio de tó picos (quer
dizer, de lugares-comuns, de pontos de vista que têm aceitaçã o generalizada e
sã o aplicá veis seja universalmente, seja num determinado ramo do saber”. E
acrescentou: “Em Cícero [...] surge uma distinçã o que tem origem estoica [...]
entre a invençã o e a formaçã o do juízo” ( As razões do Direito : teorias da
argumentação jurídica . Sã o Paulo: Landy, 2002, p. 64).
[195]
Miguel Reale assinala que o direito romano é um dos exemplos histó ricos
invocados por Theodor Viehweg a favor de sua tese sobre o cará ter tó pico, ou
seja, problemá tico, em uma dialética do razoá vel em que Theodor Viehweg
assinalou a preferência por “esquemas e diretrizes de compreensã o do Direito
de cará ter problemá tico ou tó pico, ao invés de deduçõ es ló gicas e sistêmicas” (
Filosofia do Direito . Sã o Paulo: Saraiva, 1999, 19. ed., p. 635).
[196]
MORIN , Edgar; TERENA , Marcos. Saberes globais e saberes locais . Trad.
Paula Yone Stroh. Rio de Janeiro: Garamond, 2001, 3. ed., p. 40.
[197]
É o que nos ensina Bêrni: “Num jogo de soma zero o que um jogador
ganha é precisamente o que o outro perde”.  BÊ RNI , Duilio de Á vila. Teoria dos
jogos . Rio de Janeiro: Reichmann & Affonso, 2004, p. 17.
[198]
KOBS , Verô nica Daniel. Argumentação & retórica . Curitiba: IESDE Brasil,
2012, p. 65-6.
[199]
Neste sentido com acuidade: MARTINS , Ives Gandra. Jurista Ives Gandra
fala sobre aborto e Estado laico: “Escolá stica da depressã o”. Disponível em
www.facebook/escolasticadadepressao , acesso em 20/12/2016.
[200]
Conforme indica Sylvio Motta há consolidada posiçã o doutriná ria no
Brasil, concebendo os Tratados e Convençõ es internacionais sobre Direitos
Humanos como normas constitucionais. Neste sentido aponta alguns autores
de escol: Sylvia Steiner, Antonio Cançado Trindade, Flá via Piovesan, Valério
Mazzuoli, Ada Pellegrini Grinover entre outros. M OTTA , Sylvio. “A hierarquia
legal dos tratados internacionais”. Disponível em www.conjur.com.br , acesso
em 16.12.2016. Por seu turno, Luiz Flá vio Gomes entende que as normas de
tratados internacionais que versem sobre direitos humanos e que conflitem
com o ordenamento brasileiro, inclusive constitucional, de forma a beneficiar
o indivíduo, devem sobrepujar até a Constituição , sendo entã o, neste caso, de
cará ter supraconstitucional. Existem normas internacionais
supraconstitucionais? Disponível em www.cartaforense.com.br , acesso em
16.12.2016. Nã o obstante, “d e acordo com a jurisprudência do STF (RE
466.343-SP e HC 87.585-TO), no que diz respeito ao valor dos tratados
internacionais no direito interno é preciso fazer a seguinte distinçã o:
a) tratados internacionais que nã o cuidam dos direitos humanos (possuem
valor legal); b) tratados internacionais que cuidam de direitos humanos e que
foram aprovados sem o quorum qualificado do art. 5º, § 3º, da CF (possuem
valor supralegal) e c) tratado de direitos humanos que foram aprovados por
três quintos de cada casa legislativa, em dois turnos (possuem valor de
emenda constitucional, ou seja, valor constitucional )”. Op. cit.
[201]
Nã o é diverso o entendimento exposto pelo jurista Ives Gandra Martins já
mencionado antes no texto. M ARTINS , Ives Gandra, Op. cit.
[202]
P OTTER , Van Rensselaer. Bioética ponte para o futuro . Trad. Diego Carlos
Zanella. Sã o Paulo: Loyola, 2016, p. 27.
[203]
S ERRANO , Pablo Jiménez. Interpretação jurídica . Sã o Paulo: Desafio
Cultural, 2002, p. 25.
[204]
Hermenêutica e aplicação do direito . Rio de Janeiro: Forense, 1999,
18. ed., p. 128.
[205]
Totalidade e a ordem implicada . Trad. Teodoro Lorent. Sã o Paulo:
Madras, 2008, p. 12.
[206]
Entre quatro paredes . Trad. Alcione Araú jo e Pedro Hussak. Rio de
Janeiro: Civilizaçã o Brasileira, 2007, 3. ed.
[207]
Z AFFARONI , Eugenio Raú l; P IERANGELI , José Henrique. Manual de Direito
Penal Brasileiro . Sã o Paulo: RT, 2004, 5. ed., p. 437-8.
[208]
Direito Penal. Sã o Paulo: RT, 2007, Tomo I, p. 387-8.
[209]
O livro da vida . Trad. Magda Lopes. Sã o Paulo: Planeta, 2016, p. 71.
[210]
NITAHARA , Akemi. “Ministro Barroso diz que mulher nã o é ‘ú tero a serviço
da sociedade’”. Disponível em www.agenciabrasil.ebc.com.br , acesso em
20/12/2016.
[211]
F Á BIO , André Cabette. “O que é ‘pó s-verdade’, a palavra do ano segundo a
Universidade de Oxford”. Disponível em www.nexojornal.com.br , acesso em
20/12/2016.
[212]
NITAHARA , Akemi. “Ministro Barroso diz que mulher nã o é ‘ú tero a serviço
da sociedade’”. Disponível em www.agenciabrasil.ebc.com.br , acesso em
20/12/2016.
[213]
S ERRES , Michel. Hominescências . Trad. Edgard de Assis Carvalho e
Mariza Perassi Bosco. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

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