Arte, apropriação e criação. Tema: 1 do 4º bimestre.
Nos séculos XVIII e XIX, a Revolução Industrial promoveu
mudanças que influenciaram, de maneira irreversível, os modos de vida da população. Uma dessas mudanças está relacionada ao desenvolvimento tecnológico de armas letais – usadas, por exemplo, na Primeira Guerra Mundial (1914-1918)-o que levou a uma grande catástrofe mundial. Tais acontecimentos tiveram grande influência no contexto social, politico e econômicos sobretudo de países europeus. Como não podia deixar de ser, essa atmosfera social reverberou no campo artístico: grupos de artistas que discordavam dos rumos dados à sociedade colocaram a arte e sua função social sob uma reflexão crítica, o que levou a mudanças radicais, como a proposta pelo movimento dadaísta. A antiarte dadaísta Em 1916, em plena Primeira Guerra Mundial, os escritores alemães Hugo Ball(1886-1927) e Emmy Hennings (1885-1948) fundaram o Cabaret Voltaire, em Zurique, na Suíça, reunindo artistas, poetas, músicos, dançarinos e intelectuais, que se encontraram na vida noturna com a finalidade de compartilhar suas produções artísticas e criar um espaço de entretenimento. Nesse local, entre tantas atividades e apresentações, formou-se um pequeno grupo de artistas que discutia a arte e seu sistema de funcionamento na sociedade ocidental, bem como os conflitos e destruições oriundos da primeira guerra. Esse grupo, que contou com o poeta Tristan Tzan(1896-1963) em sua primeira formação, tornou-se posteriormente um movimento artístico de proporção internacional , intitulado Dadaísmo. Pautado na insubordinação, no caos e na eliminação de regras, esse movimento reuniu artistas de países diferentes, que não raro se encontravam na Suíça como exilados políticos. O Cabaret não permaneceu em funcionamento por muito tempo, mas o movimento de vanguarda prosseguiu com suas propostas antiartísticas. O Dadaísmo, que contou com o manifesto Dada, de 1916, e a revista 391, cuja primeira, publicação foi em 1917, questionava a posição social do artista, cujas as obras até então estavam a serviço da burguesia. Para colocar em descrédito os modelos tradicionais e conservadores artísticos, culturais e sociais, as propostas dos artistas dadaístas eram nonsenses e sem unidade. Suas produções antiarte eram repletas de provocações, chegando a ser repulsivas, confirmando sua ideologia relacionada ao estado falido da arte. Entretanto, ao mesmo tempo em que criticavam o mecanismo do sistema capitalista, enxergavam-se como parte dele, o que os fazia propagar certa ironia em suas proposições. O principal objetivo do momento era expor a falta de sentido presente na sociedade industrializada e moderna, a qual havia custeado e promovido a morte de milhares de pessoas durante a guerra. Por essa razão o Dadaísmo se opunha á arte institucionalizada e rompia radicalmente com qualquer proposição, temática ou função destinada ao objeto artístico. As obras dadaísta deveriam ser apreciadas em si mesma, sem a necessidade de tecer considerações, reflexões e relações com a realidade ou a sociedade. Em síntese, a proposta era a criação de obras que não envolvessem sentidos, significados e interpretações. Em 1913, o artista francês Marcel Duchamp (1887-1968) inicia o processo de apropriação de objetos industriais- que, ao serem transformados em obras de arte, receberam o nome de ready-mades. Associadas às ideias dadaístas, as ações propostas por Durchamp retiram do artista a aura de grande criador e detentor de conhecimento técnico, ampliando as questões que perpassam a autoria, a originalidade, a autenticidade e a concepção de obra de arte. O objeto escolhido para ser um ready-made passa pela intervenção do artista, que o desfuncionaliza e traz como aspectos fundamentais da obra de arte a ideia e o conceito, em detrimentos de questões estéticas. Um famoso exemplo de ready- made é a obra de Duchamp Forte- um urinol da posição invertida, com uma assinatura pseudônima-, enviada pelo artista ao Salão dos Independentes ( exposição que ocorria em Nova York em 1917), a qual foi recusada pelo júri. Ao observar Fonte, é possível perceber que se trata de um objeto industrializado, presente no cotidiano, e que, com a ação do artista, foi desfuncionalizado e concebido como obra de arte. Outro nome do movimento Dadá é Hans Arp(1886-1966), artista plástico e poeta que compartilhava das reflexões de criticas aos parâmetros conservadores, que viam no artista um ser romântico e solitário, criador de obras geniais. Afim de driblar todo o tradicionalismo da pintura a óleo, Arp construiu obras usando relevos em madeira montados de modo precário, bem como colagens simples compostas de forma geométricas. Algumas obras foram produzidas em parceria com a sua companheira, a artista Sophie Taeuber- Arp(1889-1943), criadora de marionetes, figurinos, pinturas e esculturas. Harp entendia a arte como anônima e coletiva. O Dadaísmo contou com importantes artistas e escritores, como Tristan Tzara, Elsa von Freytag- Loringhoven(1874-1927), Francis Picabia (1879-1953),Hannah Honch(1889-1978), Raoul Hausmann(1886- 1971), Marcel Janco(1895-1984), Man Ray(1890-1976), entre muitos outros. Ao término do Dadá, muitos deles fizeram parte de movimentos artísticos de vanguarda posteriores, como o Surrealismo. A desfuncionalização do objeto Os objetos escolhidos por Duchamp para a criação de ready- mades são produzidos em séries, em escala industrial , destinados ao mercado consumido. Logo, sob o viés crítica da própria noção do que é arte, os ready-mades retiram os objetos de seus contextos cotidianos e os inserem no campo da arte. Sendo uma das mais radicais propostas da arte moderna , os ready- mades de Duchamp trouxeram, a partir das décadas de 1950 e 1960, uma abertura possível à arte contemporânea , reverberando na pluralidade de propostas artísticas. Em diálogo com essa proposta e com a convicção de que tudo é arte, o artista Benjamin Vautier (1935)construiu, em 1958,uma loja com produtos usados, como discos e câmeras ,formando um misto de bazar e coleção, e instalou-a em um local público na cidade de Nice, na França. Bem, como o artista é conhecido, intitulou a loja de Laboratório32, um espaço para as pessoas se encontrarem e discutirem sobre a arte. A obra de Ben compartilha da crítica dadaísta ao sistema artístico. Participante do grupo Fluxus, nos anos 1960, o artista propõe uma aproximação entre a arte a vida cotidiana. Em 1972, sua loja-obra foi adquirida pelo museu de arte moderna de Paris, ficando o artista responsável por sua organização e pela elaboração contínua da proposta. O paulistano Nelson Leiner(1932-2020) apropria-se de objetos não artísticos- embalagens de produtos de supermercado e brinquedos baratos , por exemplo- e de imagens de outras obras de arte, como Fonte, de Marcel Duchamp, ou Mona Lisa , de Leonardo da Vici, entre outros produtos da indústria cultural, para criar seus trabalhos . Leiner – que criou diversas obras multimídias, provocativas e contestadoras, abordando o mercado consumidor- também considerava a obra de arte um produto de consumo e, em razão disso, fez provocações a questões estéticas, inserindo, de modo refletivo, a cultura popular e a cultura de massa na obra de arte.