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FACULDADE MATO GROSSO DO SUL

CURSO DE DIREITO

THAIS SANTOS VIEIRA DA ROCHA

A MULTIPARENTALIDADE NO REGISTRO CIVIL, SEUS


DIREITOS E DEVERES

CAMPO GRANDE - MS
2023
THAIS SANTOS VIEIRA DA ROCHA

A MULTIPARENTALIDADE NO REGISTRO CIVIL, SEUS


DIREITOS E DEVERES

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Faculdade Mato Grosso do
Sul (FACSUL), como requisito parcial para
a obtenção do título de Bacharel em
Direito.

Orientador: Prof. Rafael Pleutin Arakaki

CAMPO GRANDE - MS
2023
THAIS SANTOS VIEIRA DA ROCHA

A MULTIPARENTALIDADE NO REGISTRO CIVIL, SEUS


DIREITOS E DEVERES

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Faculdade Mato Grosso do
Sul (FACSUL), como requisito parcial para
a obtenção do título de Bacharel em
Direito.

Orientador: Prof. Rafael Pleutin Arakaki

BANCA EXAMINADORA

Prof(a). Titulação Nome do Professor(a)

Prof(a). Titulação Nome do Professor(a)

Prof(a). Titulação Nome do Professor(a)

Campo Grande, 16 de novembro de 2023.


Dedico este trabalho a Deus, aos meus
pais e ao meu querido esposo, que me
apoiaram e me conduziram até o final
desta graduação.
AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu Orientador e Professor, Rafael Pleutin Arakaki, que me


orientou no correr deste trabalho, também a todos meus professores ao longo da
graduação que de certa forma contribuíram para que eu conseguisse chegar até aqui.
“O importante não é o que se dá, mas o
amor com que se dá”.
(Madre Teresa de Calcutá)
ROCHA, Thais Santos Vieira da. A MULTIPARENTALIDADE NO REGISTRO CIVIL,
SEUS DIREITOS E DEVERES. 2023. 37f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Graduação em Direito) – Faculdade do Mato Grosso do Sul - FACSUL, Campo
Grande - MS, 2023.

RESUMO

A pesquisa tem a finalidade de demonstrar os direitos e deveres da multiparentalidade no


registro civil. Nos últimos anos tiveram mudanças a respeito do conceito de família, deixando
de existir meramente a família patriarcal. Dentro disso, o advento da Constituição cidadã, de
1988, que reconheceu a instituição familiar como aquela provida de convivência afetiva,
fazendo com que a filiação, mesmo que não contenha laços sanguíneos, tenha os mesmos
direitos e deveres daqueles que os possui. Desta forma, a multiparentalidade ou dupla
paternidade, é garantida pela jurisprudência, baseada nos princípios do direito de família,
sobrevindo, no entanto de direitos e deveres, garantindo que as famílias que não detém
consanguinidade, mas possuem vínculos afetivos possam ser criadas formalmente, com
inclusão no Registro Civil do filho (a). Para a realização do estudo foi utilizada a pesquisa
bibliográfica do tipo qualitativa.

Palavras-chave: Dupla Paternidade. Multiparentalidade. Direitos e Deveres.


ROCHA, Thais Santos Vieira da. MULTIPARENTHOOD IN CIVIL REGISTRATION,
ITS RIGHTS AND DUTIES. 2023. 37f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação
em Direito) – Faculdade do Mato Grosso do Sul - FACSUL, Campo Grande - MS,
2023.

ABSTRACT

The research aims to demonstrate the rights and duties of multiparenthood in the civil
registry. In recent years there have been changes regarding the concept of family, with
the mere patriarchal family no longer existing. Within this, the advent of the Citizen
Constitution of 1988, which recognized the family institution as one provided with
emotional coexistence, meaning that filiation, even if it does not contain blood ties, has
the same rights and duties as those who have them. In this way, multiparenthood or
double paternity is guaranteed by jurisprudence, supervening, however, on rights and
duties, ensuring that families that do not have consanguinity, but have emotional ties,
can be formally created, with inclusion in the child's Civil Registry (the). To carry out
the study, qualitative bibliographical research was used.

Keywords: Double parenthood. Multiparenthood. Rights and Duties.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CF/88 Constituição Federal de 1988


CC/02 Código Civil de 2002
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
ONU Organização das Nações Unidas
STJ Superior Tribunal de Justiça
STF Supremo Tribunal Federal
TJRS Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................10
2 EVOLUÇÃO LEGAL DAS ENTIDADES FAMILIARES..........................................12
2.1 O NOVO CONCEITO DO DIREITO FAMILIAR.....................................................14
2.2 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA.................................................16
2.2.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.......................................................17
2.2.2 Princípio da Igualdade Entre os Cônjuges..........................................................18
2.2.3 Princípio da Igualdade Entre os Filhos...............................................................19
2.2.4 Princípio da Solidariedade.................................................................................20
2.2.5 Princípio do Superior Interesse da Criança e do Adolescente............................21
2.2.6 Princípio da Afetividade .....................................................................................22
2.3 A FILIAÇÃO LEGITIMA E A PARIDADE NA FILIAÇÃO........................................23
3 MULTIPARENTALIDADE OU DUPLA PATERNIDADE.........................................25
3.1 A IMPORTÂNCIA DO AFETO PARA A MULTIPARENTALIDADE........................28
3.2 OS PRINCÍPIOS RELATIVOS A MULTIPARENTALIDADE.................................29
3.3 OS DIREITOS E DEVERES DECORRENTES DA DUPLA PATERNIDADE.........32
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................34
REFERÊNCIAS..........................................................................................................36
10

1 INTRODUÇÃO

Nos tempos atuais, os conceitos de família alcançaram uma mudança


significativa com relação a sua composição. Isso aconteceu devido ao advento da
revolução industrial, que fez com que as mulheres ingressem no mercado de trabalho.
Com isso, tendo menos tempo para ficar em suas casas cuidando da educação dos
filhos, de seus afazeres domésticos e da família. De um panorama histórico, o antigo
conceito familiar era regido pela forma patriarcal, hierarquizada, heterossexual,
biológica, indissolúvel, fatos todos previsto pelo antigo Código Civil Brasileiro, de
1916.
Nesse contexto, a legislação passou a reconhecer essas mudanças. A
Constituição Federal de 1988, a conhecida constituição cidadã, passou a reconhecer
que, os filhos concebidos em relações extraconjugais, passariam a ter os mesmos
direitos dos filhos gerados na constância do matrimônio. Além disso, isso ocorreu com
base em um princípio do direito de família, o da igualdade, que não amparou somente
os filhos, alcançou também os cônjuges, que a partir daí passariam a adquirir a mesma
posição dentro do casamento, abandonando o antigo conceito de hierarquia familiar,
o qual o homem detinha o poder familiar e a mulher era totalmente submissa
Ademais, o antigo conceito de família previa que ela seria indissolúvel, ou seja,
o casal, realizava o casamento e não poderia se divorciar, com o decorrer dos anos
passou a existir o chamado desquite, o qual o casal poderia realizar a separação de
fato, deixar de conviverem juntos e dividir o lar, fariam também a devida separação de
bens, se houvessem, e estariam desquitados, porém, o desquite não dissolvia o
vínculo matrimonial, este continuaria a existir na certidão de casamento averbada com
desquite de ambos, fato que também impedia os desquitados de realizarem um novo
casamento com outra pessoa.
Dentro disso, o conceito atual familiar é baseado na pluralidade, igualdade,
afetividade e na dissolução. O presente conceito de família, tem por objetivo ser
igualitário, preservar a dignidade da pessoa humana e primar pelo melhor interesse
do menor. Com isso, todas essas evoluções contribuíram para que nos dias atuais,
tanto os pais, quanto as mães, cuidem dos seus filhos, que ambos provenham o
sustento familiar, que ambos tenham o direito de se casar, de divorciar e constituir
novo matrimônio. E ainda, com base nessas alterações familiares, a jurisprudência se
encarregou de reconhecer a multiparentalidade ou dupla paternidade no registro civil,
11

que concede ao filho o direito de reconhecer além dos genitores biológicos, um genitor
afetivo, pelo qual ele entenda como pai/mãe por afetividade. Adquirindo estes, depois
do reconhecimento, capacidade para responderem por direitos e deveres referentes
a relação familiar.
Deste modo, o presente trabalho tem por objetivo demonstrar a evolução
familiar, as entidades familiares e seus princípios, bem como, os direitos e deveres
relativos a multiparentalidade no registro civil, o que foi feito por meio de uma pesquisa
bibliográfica do tipo qualitativa.
12

2 EVOLUÇÃO LEGAL DAS ENTIDADES FAMILIARES

Os regulamentos que vigoravam antes da Constituição Federal de 1988, eram


fundamentados em conceitos de família patriarcal e tendo como válida apenas a
unidade familiar que havia sido concebida por meio do casamento. Dessa maneira,
todo tipo de relação familiar que não fosse a matrimonial, seria considerada ilegítima.
Além do mais, este antigo modelo familiar, era de certa forma patrimonialista, o seio
familiar fazia-se objetivado pela promoção econômica, os quais tinham muitos filhos,
a fim de aumentar a mão de obra para o trabalho, visto que naquela época, ainda era
muito comum a agricultura familiar.
E ainda, durante a regência do antigo Código Civil de 1916, diversos direitos
dos cônjuges eram violados, como por exemplo, o casamento ser indissolúvel, fato
que feria o direito de liberdade dos consortes. Isto acontecia porque não se tratava de
uma unidade familiar baseada no afeto, mas sim no patrimônio. Além disso, outra
parte da relação que tinha seus direitos violados pela legislação daquela época eram
as mulheres, o referido código em seu artigo 233, tipificava o marido como chefe da
sociedade conjugal, ele que administrava os bens mesmo se estes fossem de
propriedade particular da esposa, ele que deveria autorizar se a mulher poderia
exercer sua profissão. E ainda, em seu artigo 240, atribuía a mulher a condição de
auxiliar nos encargos da família.
Nesse contexto, os filhos também tinham seus direitos lesados, uma vez que
somente eram reconhecidos os filhos concebidos na constância do matrimônio, filhos
tidos em relações extraconjugais não tinham o direito de ser reconhecidos, eram tidos
como filhos adulterinos pelo Código Civil de 1916, que vedava o seu reconhecimento.
Além disso, outro desrespeito aos direitos dos filhos, era que em caso de separação
dos pais, a escolha da guarda não era baseada no melhor interesse do menor, e sim
baseada na culpa, de qual cônjuge teve culpa pela separação, e assim quem fosse
considerado culpado é que ficaria com a guarda do filho.
Dessa forma, a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi um grande
marco para o direito de família. Pois, a partir da sua consolidação passaram a ser
reconhecidos novos modelos familiares, monoparental, informal, união estável,
anaparental, matrimonial. Com isso, o antigo pré-conceito positivado passava a ser
extinto.
De acordo com Zamberlam (2007, p.46) diz que:
13

Nunca as coisas haviam mudado tão rapidamente para uma parte tão grande
da humanidade. Tudo é afetado: arte, ciência, religião, moralidade, educação,
política, economia, vida familiar, até mesmo os aspectos mais íntimos da vida,
nada escapa (ZAMBERLAM, 2007, p.46).

Assim, as mudanças foram perceptíveis e promissoras, inaugurando um


conceito mais igualitário e menos preconceituoso, conforme era o anterior.
Dentro disso, com fenômeno da industrialização e a entrada da mulher no
mercado de trabalho contribuiu mais ainda para que essas mudanças ocorressem.
Deste modo, pelo fato de as mulheres não se dedicarem somente para os afazeres
domésticos, e passar menos tempo em casa, os casais passaram a ter menos filhos.
Dessa forma, a relação entre pais e filhos passaram a ganhar um papel mais afetivo,
os pais passaram a valorizar a convivência com os filhos. Com isso, abandonando o
conceito de patrimonialismo no seio familiar. Nesse mesmo sentido, a guarda também
passa a ser vista de um panorama mais seguro para a criança. Isto aconteceu devido
a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que fez com que fossem
reconhecidos os direitos desses indivíduos, preservando pelo melhor interesse do
menor. A partir deste dispositivo, a guarda dos filhos passou a ser analisada sob o
prisma de melhor interesse e segurança para o filho, e não mais sobre a culpa dos
genitores em relação a separação.
Além disso, o direito à liberdade em relação aos cônjuges também foi
reconhecido pela CF/88, em seu artigo 226, parágrafo 6°, que passou a reconhecer
que o casamento civil poderia ser dissolvido pelo divórcio. Com isso, os divorciados
passaram a ter o direito de se separarem e casarem novamente. E assim, passaram
a existir as relações familiares fundadas principalmente com base no amor e no afeto.
Abandonando o conceito anterior da família patriarcal e hierarquizada.
De acordo com (VAISTIMAN, 1994, p. 52), é relevante atentar-se ao fato de
que:
Quanto maior a possibilidade efetiva de escolher, maior o espaço para o
conflito entre o individual e o coletivo se expressar. O casamento moderno e
a família conjugal moderna, cada vez mais, passaram a conviver
legitimamente com uma pluralidade de outros padrões de casamento e
família [...] uma das grandes contradições do casamento moderno, fundado
no amor e na livre escolha. Pois, embora o objetivo do amor moderno seja a
reciprocidade e a complementariedade entre dois indivíduos, a
individualidade de cada um ergue barreiras entre os dois, fazendo do outro
algo de inatingível que é determinado pela individualidade (VAISTIMAN,
1994, p.52).
14

Assim, o reconhecimento do poder de escolha dos indivíduos fez com que


fossem criadas diversas formas e modelos familiares. Com isso, tornando as
entidades familiares flexíveis e mais baseadas no afeto, podendo assim alcançar um
avanço social.
A carta magna desempenhou um papel muito importante na evolução dos
princípios do direito de família. Baseando a entidade familiar no afeto, nos princípios
da igualdade, da dignidade da pessoa humana, e com isso levando essa interpretação
para o bojo do poder judiciário quanto as suas Decisões. Assim, fazendo com que o
direito de família acompanhe os avanços da sociedade, e não se faça preso a um
positivismo ultrapassado, conforme era o antigo Código Civil de 1916.

2.1 O NOVO CONCEITO DO DIREITO FAMILIAR

Em análise ao direito de família, é perceptível que o parentesco foi durante


muito tempo baseado apenas pelo aspecto sanguíneo. Isto se reforça mais com o
desenvolvimento da ciência, que há pouco tempo se desenvolveu ao ponto de
conseguir identificar o verdadeiro genitor por meio de um exame de sangue,
denominado por DNA (ácido desoxirribonucleico). Por outro lado, a psicologia também
se desenvolveu, ao ponto que elucidaram que o entendimento de família, não é
apenas um fato natural, é também um fato cultural.
Com isso, torna-se possível dizer que a paternidade/maternidade, é um papel
que pode ser desempenhado por alguém que não seja exclusivamente os pais
biológicos. Então, os pais podem terem seus lugares afetivos ocupados por outrem
que assumiu a função daquele que não a fez.
O Código Civil de 2002, tratou de elencar em seu artigo 1.593, o seguinte : “O
parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”.
(BRASIL, 2002)
Neste artigo, o legislador não foi taxativo, ele deixou margens para a
interpretação da doutrina, bem como da jurisprudência, quando escreveu “ou outra
origem”, então, dependo do caso em discussão pode uma pessoa ser reconhecida
como pai/mãe afetiva, no lugar do biológico, que seria a perda do poder familiar pelo
o biológico, assim como também pode uma pessoa ser pai/mãe em conjunto com o
pai/mãe biológico, sendo assim pai/mãe por afetividade, que é o caso da
15

multiparentalidade. Visto isto, nasce a necessidade de conscientizar-se que a


paternidade/maternidade vai além do aspecto biológico, da simples procriação.
Consiste em uma vontade, um desejo de exercê-la com afeto, atenção e não em uma
obrigação legal.
No entanto, é notória a importância do aspecto biológico da paternidade,
inclusive em casos judiciais. Pois, é por meio dele, que os genitores são
responsabilizados civilmente, em relação a alimentos ou sucessão hereditária. Porém,
com relação a família não basta apenas que o filho seja resguardado e amparado por
bens materiais, como a pensão por exemplo. Os filhos almejam mais de seus
genitores, algo que ultrapassa o laço sanguíneo, eles desejam e precisam de afeto,
amor, carinho, dedicação, presença e participação dos seus pais em sua vida,
especialmente quando ainda são menores e estão em constante crescimento pessoal.
De acordo com Lobo (2021, p.3), é relevante atentar-se ao fato de que:

Se todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem, é porque a


Constituição afastou qualquer interesse ou valor que não seja o da comunhão
de amor ou do interesse afetivo como fundamento da relação entre pai e filho.
[...] Se a Constituição abandonou o casamento como único tipo de família
juridicamente tutelada, é porque abdicou dos valores que justificavam a
norma de exclusão, passando a privilegiar o fundamento comum a todas as
entidades, ou seja, a afetividade, necessário para realização pessoal de seus
integrantes. O advento do divórcio direto (ou a livre dissolução na união
estável) demonstrou que apenas a afetividade, e não a lei mantém unidas
essas entidades familiares (LOBO, 2021, p.3).

Dessa forma, o autor faz referência ao artigo 226 da Constituição Federal, que
preceituou o novo conceito familiar, bem como ao artigo 227 da carta magna que
preceituou acerca dos direitos das crianças no núcleo familiar e deveres de seus
genitores, assim torna-se evidente que o princípio da afetividade foi essencial para a
evolução social da família.
E ainda, sob a mesmo olhar de importância da criação dos filhos, que se fazem
pela afetividade, outro ordenamento jurídico, o ECA, faz uma menção sobre a família
natural em seu artigo 25, que diz: “entende-se por família natural comunidade formada
pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes”, (BRASIL, 1990).
Assim o artigo traz o significado de que a família natural não é somente aquela
que tem em sua formação o pai e a mãe juntos, mas também aquela que tem somente
um dos genitores com os filho, ela é conhecida também como família monoparental.
16

E o artigo 28 do referido estatuto, diz: “ A colocação em família substituta far-


se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da
criança ou do adolescente, nos termos desta lei”, (BRASIL, 1990).
Assim o mencionado artigo traz uma forma de segurança para a criança, para
que ela possa ser colocada em família substituta caso a sua biológica esteja com
problemas, com isso inovando mais uma vez o conceito de família.
Nessa perspectiva, o ECA, introduziu inovações na menção dos referidos
artigos, e com isso ampliaram o conceito de pais, dando mais realce a função social
da família. Com isso, os regulamentos jurídicos, por meio da Constituição Federal de
1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código Civil de 2002, não se
isentaram de reconhecer a importância da afetividade na relação de pais e filhos, para
que ela seja exercida com amor, para a estruturação do ser humano.
Contudo, não é possível que as normas, a letra seca da lei, e nem mesmo o
poder judiciário, imponham para o indivíduo para que este ame seu próprio filho e o
crie com base na afetividade, e assim exerça a verdadeira paternidade/maternidade.
Porém, entende-se que o poder judiciário, que faz a aplicação das normas de direito,
deve aplicar o que a própria lei já reconheceu como fundamental, a
paternidade/maternidade além do âmbito biológico.

2.2 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA

O ordenamento jurídico sozinho não é capaz de acompanhar a evolução da


sociedade, principalmente em relação as constantes flexibilizações familiares em um
curto espaço de tempo. Assim, torna-se preciso que as normas sejam interpretadas
conjuntamente com os princípios jurídicos, com as jurisprudências e as doutrinas.
Com isso, no direito de família não foi diferente, a flexibilidade que a família ganhou
com o advento da Constituição Federal de 1988, fez com que diversos princípios
fossem incorporados para suprir a necessidade deste ramo do direito. Deste modo,
após a carta magna, surgiram alguns princípios fundamentais que até os dias atuais
são de extrema importância não só para o direito de família como para todo
ordenamento jurídico.
Com base em princípios Gonçalves (2012), diz que:
17

O Direito de Família é o mais humano de todos os ramos do Direito. Em razão


disso, e também pelo sentido ideológico e histórico de exclusões, como
preleciona Rodrigo da Cunha, ‘é que se torna imperativo pensar o Direito de
Família na contemporaneidade com a ajuda e pelo ângulo dos Direitos
Humanos, cuja base e ingredientes estão, também, diretamente relacionados
à noção de cidadania’. A evolução do conhecimento científico, os movimentos
políticos e sociais do século XX e o fenômeno da globalização provocaram
mudanças profundas na estrutura da família e nos ordenamentos jurídicos de
todo o mundo [...] ‘Todas essas mudanças trouxeram novos ideais,
provocaram um declínio do patriarcalismo e lançaram as bases de
sustentação e compreensão dos Direitos Humanos, a partir da noção da
dignidade da pessoa humana, hoje insculpida em quase todas as instituições
democráticas (GONÇALVES, 2012).

Dessa maneira, é evidente que assim como a Constituição Federal de 1988, às


normas infraconstitucionais contém em sua estrutura conceitos de direitos humanos,
E ainda, quando as leis não são capazes interpretar um caso concreto por conta das
mudanças da sociedade, os referidos princípios de direitos são utilizados. E assim,
reafirmando a sua importância para a resolução das questões do meio jurídico familiar.

2.2.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Em relação a este princípio a Constituição Federal de 1988, tratou de elencá-


lo como um princípio fundamental, em seu artigo 1°, inciso terceiro que diz, que a
República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.
Assim sendo, o referido princípio serve de amparo, proteção e interpretação
para as leis brasileiras. Ele traz consigo a valorização do ser humano, demonstrando
que o Estado Democrático de Direito tem como dever proteger o indivíduo para que
este tenha uma vida digna, para que as famílias sejam baseadas no respeito, sem
discriminação pelo modelo que ela se forme, aceitando todas as possibilidades
familiares existente sem distinção ou pré-conceito.
Com base no tema (PEREIRA, 2012), diz:

O princípio da dignidade humana significa para o Direito de Família a


consideração e o respeito à autonomia do sujeito e à sua liberdade. Significa,
em primeira e última análise, uma igual dignidade para todas as entidades
familiares (PEREIRA, 2012).

Deste modo, é notório que todos os seres humanos devem ser tratados com
dignidade e respeito, e ainda, que todos devem ter o direito de disfrutar de uma vida
justa.
18

Por isso, a Carta Magna de 1988, veda qualquer forma discriminatória de tratar
as famílias, como também aceita e institui os modelos mais modernos que ela se
funde, como por exemplo a multiparentalidade, mesmo que ela seja ainda
normatizada apenas pela jurisprudência, isso só aconteceu porque a CF/88 abriu
caminhos para que o judiciário pudesse interpretar os casos concretos de maneira
mais humana e sem discriminação.

2.2.2 Princípio da Igualdade Entre os Cônjuges e Companheiros

O antigo modelo patriarcal e hierarquizado que se fazia baseado em normas


do antigo Código Civil de 1916, foi declarado inválido junto com o mencionado código.
Isto se fez, pois, a atual sociedade não aceita mais esse tipo de conduta, a sociedade
contemporânea é baseada na igualdade entre todos, fato que não seria diferente em
relação ao direito de família, sendo assim, os cônjuges e companheiros são iguais
perante direitos e deveres com base em todos os ordenamentos jurídicos vigentes.
Dessa forma, o atual Código Civil, de 2002, não traz em seu corpo nenhuma
desigualdade entre o marido e a mulher, os seus artigos não fazem menção em
nenhuma desigualdade entre eles.
Ademais, a Constituição Federal de 1988, não se isentou de tratar do tema e
adicionou em seu artigo 226, parágrafo 5°, o seguinte “os direito e deveres referentes
à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”, (BRASIL,
1988).
Acerca disto, vale destacar que a CF/88, se preocupou em ressaltar o exercício
da igualdade de direitos e deveres entres eles, fato que os colocou em situação de
paridade, no qual ambos não podem reprimir o direito do outro, eles devem exercer
conjuntamente cada um seu direito e dever.
Com base no tema Diniz (2014), preconiza que:

A Constituição Federal de 1988, no art. 226, §5º, estabeleceu a igualdade no


exercício dos direitos e deveres do homem e da mulher na sociedade
conjugal, que deverá servir de parâmetro à legislação ordinária, que não
poderá ser antinômica a esse princípio. Os cônjuges devem exercer
conjuntamente os direito e deveres relativos à sociedade conjugal, não
podendo um cercear o direito do outro (DINIZ, 2014).
19

Deste modo, é fato que nos dias atuais não são aceitas mais diferenciações
entre os cônjuges e companheiros. Além disso, é evidente que o ordenamento jurídico
atual trabalhou para que esse direito fosse assegurado para ambos os consortes.

2.2.3 Princípio da Igualdade Entre os Filhos

No que tange este princípio é relevante lembrar que os filhos concebidos em


relações extramatrimoniais eram tratados de maneira distinta dos filho concebidos na
constância do matrimonio, pelo antigo Código Civil de 1916, não era permitido que se
reconhecesse os filho havidos fora do casamento, era vedado o reconhecimento, e
ainda eram utilizados termos pejorativos como “bastardos” em relação aos filhos fruto
de relações fora do matrimonio, os mesmo não faziam jus a pensão alimentícia, ao
direito sucessório, e muito menos a relação afetiva de pais e filhos.
Contudo, com o avanço da sociedade contemporânea as normas de direito de
família também precisaram se atualizar com relação a esse tema. E, novamente a
Constituição Federal de 1988, tratou da referida matéria em seu artigo 227, parágrafo
6º, e tipificou o seguinte “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por
adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação”, (BRASIL, 1988).
Com isso, a CF/88 colocou fim nessa discriminação entre os filhos legítimos ou
não. Além disso, o Código Civil de 2002, também tratou de elencar o tema em seus
referidos artigos de 1596 a 1629, neste rol de artigos, o CC/02 tratou de colocar todos
os tipos de filho em grau de igualdade, vedando qualquer tipo de distinção entre eles
como filhos legítimos, adotivos, naturais, quanto a sucessão, nome ou
reconhecimento.
Com base no tema Carvalho (2015), destaca que:

O princípio da igualdade, além da absoluta igualdade entre homem e mulher,


importa no mesmo tratamento e isonomia dos filhos, respeitando as
diferenças, pouco importando a origem, sepultando definitivamente a velha
concepção de ilegitimidade da prole. O princípio da afetividade, decorrente
dos princípios adotados na Constituição, rompeu a formalidade
para constituição do vínculo familiar, tornando-se o afeto o elemento
formador da família e desbiologizando a paternidade (CARVALHO, 2015).
20

O reconhecimento da igualdade entre os filhos está intimamente ligado a ideia


de transformação social, em que todos se respeitam e são iguais perante direitos e
deveres.

2.2.4 Princípio da Solidariedade

O princípio da solidariedade, é um dos mais importantes para a família


moderna, pois ele é baseado na ajuda, pela qual os membros de um núcleo familiar
se ajudam, é uma forma de tornar o meio familiar fraterno e solidário.
O artigo 3º da Constituição Federal de 1988, também positivou a solidariedade
como um objetivo fundamental da República Federativa do Brasil dizendo “constituir
uma sociedade livre justa e solidaria”, (BRASIL, 1988).
Com isso, a solidariedade está ligada as relações afetivas, pois os
pensamentos e ações do antigo modelo familiar não se encaixariam na
contemporaneidade, uma vez que agora todos os indivíduos do núcleo familiar foram
colocados em igualdade. E ainda, por outro prisma a solidariedade é a base para a
aproximação entre as pessoas, os laços afetivos são mais sólidos com a ajuda mútua,
a reciprocidade.
Com base no assunto Lobo, (2021) destaca que:

O A família brasileira, na atualidade, está funcionalizada como espaço de


realização existencial das pessoas, em suas dignidades, e como locus por
excelência de afetividade, cujo fundamento jurídico axial é o princípio da
solidariedade. Quando o comando constitucional refere a “sociedade
solidária” inclui, evidentemente, a “base da sociedade” (art. 226), que é a
família.
Viver significa comportar-se em cooperação, pois cada pessoa é uma e
múltipla. Em um mundo cada vez mais pessimista, sem utopias e ainda
marcado pelo individualismo que dissolve as pessoas no mercado e que
engendra a ilusão da autonomia e da liberdade, a solidariedade e o
humanismo são janelas iluminadas de esperança de um mundo melhor
(LOBO, 2021).

É evidente que com o abandono do antigo modelo familiar, seria necessário


interpretar as novas formas de agir das pessoas. Com isso, o princípio da
solidariedade contribui para relações mais reciprocas, mais humanas. E ainda, no
âmbito da reciprocidade gera também uma segurança para pais e filhos, pelo qual os
filhos devem ser ajudados e amparados pelos pais na infância e juventude, e os pais
também devem ser amparados por seus filhos na velhice.
21

Além disso, vale salientar que esse dever é de todos os tipos de pais, adotivo,
natural, legitimo, afetivo, assim como é dever também de todos os tipos filhos em suas
diversas formas de serem filhos.
Assim, é notória a importância do referido princípio tanto para as relações
humanas, quanto para as relações familiares, este é um princípio que se encontra
intimamente ligado com os direitos humanos, não foi por acaso que a carta magna o
adicionou como um objetivo fundamental da República Federativa do Brasil.

2.2.5 Princípio do Superior Interesse da Criança e do Adolescente

Antigamente, as crianças também eram submissas a hierarquia familiar do


poder patriarcal, elas ocupavam o grau mais baixo do modelo de família passada.
Naquela época, as crianças eram muitas das vezes vistas como mão de obra
para o meio familiar que por exemplo provinham seu sustento por meio da agricultura
familiar. E ainda, no caso de separação dos genitores não era analisado com qual dos
dois os filhos estariam mais bem amparados.
Por isso, o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, tratou de elencar o
dever da família e do Estado para com as crianças e adolescentes.
O referido artigo da Constituição Federal, (1988) preconiza que:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e


ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

Ou seja, se antes os menores tinham seus direitos básicos lesados, atualmente


esses indivíduos têm toda proteção tipificada como um dever dos genitores, da família
e do Estado Democrático de Direito.
Contudo, o seu papel de protagonista não para por aí, em 1989, a Organização
das Nações Unidas (ONU) implantou a Convenção de Direitos da Criança e do
Adolescente, que foi aprovada pelo Brasil por meio do Decreto nº 99.710/90.
Com isso, emergiu a necessidade de positivar este direito no ordenamento
infraconstitucional brasileiro, o qual foi realizado por meio do Estatuto da Criança e do
Adolescente, no ano de 1990, que até os dias atuais é uma norma de extrema
importância referente aos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes.
22

Deste modo, hoje em dia as crianças e os adolescentes são o personagem


principal em todo conflito que as envolva, o poder judiciário decide sempre com base
neste princípio, do melhor interesse do menor.
Assim sendo, se porventura for melhor para uma criança ou adolescente que
ela seja resguardada por outra pessoa que não seja seus genitores biológicos, o
magistrado dessa forma, decidirá.
Sobre o tema, o Agravo de Instrumento do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul (TJRS), diz que:

O BRASIL, AO RATIFICAR A CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS


DIREITOS DA CRIANÇA, ATRAVÉS DO DECRETO 99.710/90, IMPÔS,
ENTRE NÓS, O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA,
RESPALDADO POR PRINCÍPIOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS. O que faz
com que se respeite no caso concreto a guarda de uma criança de 03 anos
de idade, que desde o nascimento sempre esteve na companhia do pai e da
avó paterna. Não é conveniente, enquanto não definida a guarda na ação
principal, que haja o deslocamento da criança para a companhia da mãe que,
inclusive, é portadora de transtorno bipolar. Agravo provido (TJRS).

Assim, em análise ao caso concreto supramencionado, é possível compreender


que o entendimento para solução destes tipos de conflitos, deve sempre se basear no
melhor interesse da criança e do adolescente.
Ademais, é importante destacar que o melhor interesse do menor, não é
baseado no que o magistrado entende como melhor sobre seu ponto de vista
particular, e sim o que o caso concreto demonstra claramente como sendo a melhor
forma de resguardar e priorizar os direitos fundamentais da criança.

2.2.6 Princípio da Afetividade

O referido princípio, é um dos mais importantes para a família contemporânea,


já no que tange a multiparentalidade pode ser considerado como o mais importante,
pois ela se conceitua na afetividade, além disso, o atual modelo familiar é baseado no
amor, no afeto, na solidariedade, abandonando cada vez mais a importância da
consanguinidade, que era um dos pilares do antigo modelo familiar.
A multiparentalidade, é amparada pelo afeto entre as partes da relação, e é por
conta dele que emerge o desejo de incluir no registro civil do filho o nome do pai/mãe
afetivo, assim é notório que o querer ser pai/mãe, ou o querer ser filho ultrapassa os
limites sanguíneos se fazendo em uma realização pessoal das partes.
23

Acerca do assunto Nogueira, (2001) diz que:

A família sociológica se assenta no afeto cultivado dia a dia, alimentado no


cuidado recíproco, no companheirismo, cooperação, amizade e
cumplicidade. Nesse ínterim, o afeto está presente nas relações familiares,
tanto na relação ente homem e mulher como na relação entre pais e filhos,
todos unidos pelo sentimento, na felicidade e no prazer de estarem juntos. A
família é tudo aquilo que representa a união, a reciprocidade, o respeito, o
amor, a que garante as melhores condições dentre os princípios reais, a que
dispõe de liberdade e igualdade que acrescenta no laço de afetividade uns
com os outros (NOGUEIRA, 2001)

Ou seja, a família se configura pela vontade de se unir e exercer sua função


com carinho, companheirismo, afeto, o que se faz com a liberdade de escolher, sem
imposição nenhuma, é a verdadeira vontade de ser e estar presente.
Ademais, essa transformação familiar que se fez por meio do querer pessoal,
pelo objetivo que as pessoas tem atualmente de criar suas relações familiares com
base na convivência, este princípio se torna fundamental para o ramo do direito de
família, por ter como base o carinho, a igualdade, a solidariedade, o companheirismo,
elementos essenciais para a família moderna, a qual pode ser também enquadrada
de eudemonista, que é aquela que busca a felicidade dos seus membros, por meio
dos laços afetivos, da solidariedade mútua.

2.3 FILIAÇÃO LEGÍTIMA E PARIDADE NA FILIAÇÃO

Os avanços e mudanças dos conceitos familiares também ocorreram em


relação as formas de parentesco. A carta magna de 1988, colocou fim as formas
discriminatórias de tratamento dos tipos de filiação, e positivou isto por meio do texto
de seu artigo 227, no parágrafo 6º, que diz, “Os filhos, havidos ou não da relação do
casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”, (BRASIL, 1988).
Ou seja, o mesmo vedou qualquer forma discriminatória de tratamento da
filiação. Com isso, as maneiras discriminatórias anteriormente permitidas pelo antigo
Código Civil de 1916, foram revogadas pela atual constituição cidadã.
O mencionado código, classificava como legítima apenas a filiação concebida
na constância do matrimônio, outras formas de filiação eram vedadas o
reconhecimento, como por exemplo a filiação adulterina, que era quando o filho era
24

concebido por relação extraconjugal. Assim, com as evoluções familiares e o advento


da CF/88, este fato mudou e passaram as serem reconhecidas todas as formas de
filiação seja ela adotiva, afetiva, legítima, natural, sem discriminação entre elas, todas
perante o ordenamento jurídico disfrutam dos mesmos direitos e deveres.
Contudo, é importante destacar que acabar com a discriminação consiste em
dar tratamento igual para as formas de filiação, porém existe entre elas distinção, que
é simplesmente um conceito técnico, que tem por finalidade a compreensão
conceitual.
Sobre o tema Fachin, (1999) destaca que:

Como a Constituição manteve o casamento como fonte da família,


desapareceu a designação discriminatória, mas permanece a distinção. Há
um resíduo diferenciador sem que implique em uma ofensa ao princípio da
igualdade, porque distinguir não significa discriminar (FACHIN, 1999).

Neste sentido, entende-se que a forma de distinguir a concepção pelas quais


se deram a filiação não é uma forma de discriminá-los, mas sim uma maneira de
conceituar, não tendo intuito de marginalizar os mesmos.
Pois, de acordo com os princípios que fundamentam o direito de família, e com
preceitos constitucionais, todos os tipos de filiação foram colocados em grau da
paridade, igualdade pelo ordenamento jurídico atual.
25

3 MULTIPARENTALIDADE OU DUPLA PATERNIDADE

Os modelos familiares se modificaram com o passar dos anos e evolução da


sociedade, novos conceitos de família surgiram e adquiriram cada vez mais espaço
no ordenamento jurídico brasileiro. Isto se fez, pois, a Constituição Federal de 1988,
bem como o Código Civil de 2002 passaram a amparar outros modelos familiares
baseados na igualdade, solidariedade, não discriminação, que anteriormente eram
vedados pelo antigo Código Civil de 1916.
Além disso, não foram somente as normas de direito que passaram a
reconhecer essas mudanças, os princípios de direito de família, assim como as
jurisprudências e doutrinas também se fizeram presentes para discorrerem sobre
estas mudanças. As famílias atuais usam como fundamento o afeto, os modelos
familiares já não se restringem mais ao conceito apenas de consanguinidade.
Além disso, não é feita nenhuma diferença de direitos e deveres sobre os dois
modelos, afetivo e biológico, nenhuma das duas é mais valiosa que a outra, e o possuir
de uma não impede o possuir da outra. Ou seja, elas podem ser exercidas
concomitantemente, o que se faz pelo nome de multiparentalidade ou dupla
paternidade. Contudo, o mesmo não se encontra positivado na norma constitucional,
nem nas normas infraconstitucionais, mas se encontra reconhecido pela
jurisprudência, no tema 622, do Supremo Tribunal Federal.
No referido tema, o STF (BRASIL, 2016) decidiu:

Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, fixou tese
nos seguintes termos: "A paternidade socioafetiva, declarada ou não em
registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação
concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios",
vencidos, em parte, os Ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio. Ausente,
justificadamente, o Ministro Roberto Barroso, participando do encontro de
juízes de Supremas Cortes, denominado Global Constitucionalismo
Seminário, na Universidade de Yale, nos Estados Unidos. Presidiu o
julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 22.09.2016 (BRASIL, 2016).

Assim, no referido tema do ano de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF),


entendeu que haveria a possibilidade de figurar 2 (duas) pessoas como pai ou mãe
no registro civil, o que configura no reconhecimento da multiparentalidade.
Deste modo, o STF decidiu que deveria ser reconhecido tal modelo familiar,
tendo em vista o objetivo de proteger a criança para que tenha a tutela mais adequada,
para isso teve como base três princípios, o do melhor interesse da criança e do
26

adolescente, o da dignidade da pessoa humana e o da paternidade responsável.


Quanto ao genitor, a Suprema Corte, entendeu também que este também possui o
direito a fazer o gozo da declaração de paternidade, ou seja, ser pai de maneira formal,
o registro civil de nascimento do filho.
Dessa maneira, os direito e deveres decorrentes da paternidade/maternidade,
seja esta afetiva ou biológica serão os mesmos, não existe qualquer tipo de distinção
entre eles, não há favorecimento de um com relação ao outro, todos os dois devem
exercerem de maneira igual a função que desempenham de genitores.
Acerca deste tema não foi somente entendimento do STF, os tribunais já
vinham decidindo que não existia diferença entre a paternidade biológica e
socioafetiva. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, decidiu no ano de 2009
sobre o referido assunto.
O TJRS, (RIO GRANDE DO SUL, 2009) entendeu:

Apelação cível. Ação de investigação de paternidade. Presença da relação


de socio afetividade. Determinação do pai biológico através do exame de
DNA. Manutenção do registro com a declaração da paternidade biológica.
Possibilidade. Teoria tridimensional. Mesmo havendo pai registral, o filho tem
o direito constitucional de buscar sua filiação biológica (CF, § 6º do art. 227),
pelo princípio da dignidade da pessoa humana. O estado de filiação é a
qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece
um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados.
Constitui-se em decorrência da lei (artigos 1.593, 1.596 e 1.597 do Código
Civil, e 227 da Constituição Federal), ou em razão da posse do estado de filho
advinda da convivência familiar. Nem a paternidade socioafetiva e nem a
paternidade biológica podem se sobrepor uma à outra. Ambas as
paternidades são iguais, não havendo prevalência de nenhuma delas porque
fazem parte da condição humana tridimensional, que é genética, afetiva e
ontológica. Apelo Provido. (TJRS; Apelação Cível 70029363918; Oitava
Câmara Cível; Rel. Des. Claudir Fidélis Faccenda; J. 7.5.2009).
(TJRS, 2009).

Assim, é possível compreender que com as mudanças nos paradigmas


familiares e na sua estruturação, que se fazem de maneira totalmente diferente do
antigo modelo patriarcal, não existe a possibilidade em entrar no mérito de privilégios
ou diferenças entre elas, seja esta biológica ou afetiva, ambas representam a mesma
função, o mesmo valor, detém os mesmos direitos e os mesmos deveres, surgindo
dessa igualdade a dupla paternidade no registro civil, baseada também pelo princípio
da paternidade responsável.
Ademais, é importante ressaltar que não é necessária nenhuma ordem para
que seja reconhecida a multiparentalidade, não se faz necessário que o filho tenha
27

um pai biológico para depois ser reconhecido o pai afetivo, as formas de


reconhecimento serão realizadas independentemente se o mesmo possui ou não pai
ou mãe biológico ou afetivo. Ou seja, se o filho possui genitores biológicos, ele pode
reconhecer o pai afetivo, e também se ele possui genitores afetivos, o mesmo também
pode reconhecer genitores biológicos, a ordem não é um requisito.
Porém, para que seja configurada a multiparentalidade, é preciso que no polo
no qual vai se adicionar (pai/mãe) já exista algum registro biológico ou afetivo, pois se
não existir ai será configurado paternidade biológica, ou paternidade socioafetiva.
Acerca do assunto, o Superior Tribunal de Justiça analisou uma ação de investigação
de paternidade, que no caso em discussão já havia o reconhecimento do genitor
socioafetivo, e estava em busca de reconhecer o pai biológico.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), (2016) entendeu que:

EMENTA PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM


RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.
VÍNCULO BIOLÓGICO. COEXISTÊNCIA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.
RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO. CONSEQUÊNCIAS PATRIMONIAIS E
EXTRAPATRIMONIAIS. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O Tribunal
local manifestou-se em consonância ao entendimento desta Corte Superior
de Justiça no sentido de ser possível o ajuizamento de ação de investigação
de paternidade, mesmo na hipótese de existência de vínculo socioafetivo,
haja vista que o reconhecimento do estado de filiação é direito
personalíssimo, indisponível e imprescritível, assentado no princípio da
dignidade da pessoa humana, podendo ser exercitado sem qualquer restrição
em face dos pais, não se havendo falar que a existência de paternidade
socioafetiva tenha o condão de obstar a busca pela verdade biológica da
pessoa. 2. O registro efetuado pelo pai afetivo não impede a busca pelo
reconhecimento registral também do pai biológico, cujo reconhecimento do
vínculo de filiação, com todas as consequências patrimoniais e
extrapatrimoniais, é seu consectário lógico. 3. Agravo interno a que se nega
provimento. (AgInt no REsp 1738888/PE, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO,
QUARTA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 30/10/2018), (BRASIL, 2016).

Com base no caso supracitado é possível compreender que o registro civil com
reconhecimento de genitor afetivo, não acarretará no impedimento do filho de buscar
o reconhecimento do seu genitor biológico, e que também comprovada a biológica o
fato não acarretará o perdimento da paternidade afetiva, ambos figurarão no polo de
genitores, devendo ambos serem responsabilizados por direitos e deveres em relação
ao filho, sejam esses morais, materiais, sucessórios, assim como o filho também
deverá auxiliar ambos os pais na velhice.
28

3.1 A IMPORTÂNCIA DO AFETO PARA A MULTIPARENTALIDADE

A família moderna trouxe com ela a valorização do afeto no meio familiar. Esse
elemento é a base para a maior parte das relações familiares atuais, assim ele passa
também a constituir um valor jurídico, no qual diversos casos são solucionados com
base nele, o afeto. Isto aconteceu, pois, a convivência, a atenção, o carinho, a
reciprocidade, passaram a ter uma relevância maior no seio familiar, com isso o
aspecto biológico passa a não ser mais o único meio de formação de um núcleo
familiar. Outras formas de família foram criadas, e provaram com base no afeto e nos
princípios do direito de família a eficácia de seu funcionamento.
Com fundamento nessa nova forma de constituir um núcleo familiar, a filiação
socioafetiva foi ganhando reconhecimento, visto que, seu princípio básico era o da
afetividade. Dessa forma, com essas evoluções no meio familiar o judiciário brasileiro
passou a interpretar sob um panorama mais extenso, levando em consideração
alguns princípios, entre eles, o da afetividade, o da dignidade da pessoa humana, o
do melhor interesse do menor e da paternidade responsável.
Acerca do tema Fachin, (1999) diz:

Nos dias de hoje, outra é a família, outros são os valores, outra é a finalidade
de se estar junto, num mesmo núcleo familiar. Não é mais o indivíduo que
existe para a família e para o casamento, mas a família e o casamento
existem para o seu desenvolvimento pessoal, em busca de sua aspiração à
felicidade (FACHIN, 1999).

Ou seja, o atual modelo familiar que busca pela felicidade dos seus membros,
concede mais espaço para os laços afetivos, não se enquadra mais nos moldes
anteriores a carta magna de 1988, da família culturalmente hierarquizada e patriarcal.
Dentro disso, o reconhecimento da multiparentalidade é um grande avanço no
que diz respeito ao afeto em relações familiares. Pois, este modelo familiar é num
primeiro momento constituído pela convivência, pela vontade de um genitor afetivo,
que com carinho, cuidado, atenção, desempenha o papel de pai ou mãe, para num
segundo momento, requerer seu reconhecimento formal, a ordem das ações que se
forma a multiparentalidade é uma prova da presença do princípio da paternidade
responsável na relação, pois é uma pessoa que se fez genitor com ações e obrigações
e posteriormente requereu o seu direito de se intitular como tal.
29

3.2 OS PRINCÍPIOS RELATIVOS A DUPLA PATERNIDADE

Os princípios que norteiam a dupla paternidade, não se encontram


exemplificados taxativamente em alguma das normas de direito brasileiro. Eles se
encontram espalhados, alguns presentes no ordenamento jurídico constitucional,
outros presentes na doutrina.
Assim, no que tange a multiparentalidade torna-se de extrema importância
tratar de alguns princípios do ramo do direito de família, o princípio da dignidade da
pessoa humana, o princípio da afetividade, o princípio do melhor interesse do menor
e o princípio da paternidade responsável.
Tais princípios foram norteadores do judiciário para resolução de casos judiciais
relativos a dupla paternidade. O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgado do ano
de 2016, no referido tema nº 622, se fundamentou nesses princípios para a resolução
do mérito daquele processo.
Sobre o tema, o julgado diz:

[...]A afetividade enquanto critério, por sua vez, gozava de aplicação por
doutrina e jurisprudência desde o Código Civil de 1916 para evitar situações
de extrema injustiça, reconhecendo-se a posse do estado de filho, e
consequentemente o vínculo parental, em favor daquele utilizasse o nome da
família (nominatio), fosse tratado como filho pelo pai (tractatio) e gozasse do
reconhecimento da sua condição de descendente pela comunidade
(reputatio). 13. A paternidade responsável, enunciada expressamente no art.
226, § 7º, da Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca
pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de
filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles
originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre
um ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o
reconhecimento jurídico de ambos. 14. A pluriparentalidade, no Direito
Comparado, pode ser exemplificada pelo conceito de “dupla paternidade”
(dual paternity), construído pela Suprema Corte do Estado da Louisiana,
EUA, desde a década de 1980 para atender, ao mesmo tempo, ao melhor
interesse da criança e ao direito do genitor à declaração da paternidade.
Doutrina. 15. Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão,
não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade,
por isso que merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de
direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a
mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade
responsável (art. 226, § 7º) [...] (BRASI, 2016).

Ou seja, estes princípios tonaram-se importantes para a análise e interpretação


dos arranjos familiares pelos juristas sobre os casos de dupla paternidade.
30

O princípio da dignidade da pessoa humana, encontra-se no art. 1°, inciso III


da CF/88, ele trouxe como fundamento para o direito de família a importância dos seus
membros serem tratados com dignidade e respeito. Assim, a Constituição Federal
elencou uma forma de proteger a dignidade dos integrantes de uma família sem fazer
distinção entre eles, sejam estes criados pelo vínculo afetivo, como no caso da
multiparentalidade, ou sejam esses formados pelo vínculo biológico, como no caso da
filiação legitima ou natural, todos tem o direito ao respeito e a dignidade sem
discriminação pela forma que se formou.
Com isso, a família contemporânea se encontra fundamentada neste princípio,
fazendo com que não haja distinção entre os modelos familiares, uma vez que todas
são dignas de respeito, igualdade, direitos que são inerentes a todo ser humano.
O princípio da afetividade não se encontra em nenhuma norma de direito, mas
é conceituado pela doutrina da renomada autora Maria Helena Diniz, onde entende
que “é corolário do respeito a dignidade da pessoa humana, como norteador das
relações familiares e da solidariedade familiar”, (DINIZ, 2014).
Esse é um princípio fundamental, para as famílias atuais que tem como
objetivo um lar baseado na afetividade. Além disso, tal princípio encontra-se
extremamente vinculado a dupla paternidade, pois é por meio do afeto que a mesma
se funde.
Desta forma, o princípio da afetividade é um dos principais fatores que
influenciaram na mudança do antigo modelo familiar para modelo familiar
contemporâneo. Ele traz o fator da aproximação dos seus membros como ponto
central para a formação de um núcleo familiar feliz.
Ademais, para a dupla paternidade, o convívio harmônico, feliz, reciproco é o
que faz com que um pai afetivo deseje ser pai formalmente e para sempre, assim
como é também o ponto de partida para que um filho queira que este pai seja seu pai
para sempre. É o afeto, o carinho, a atenção que movem os dois integrantes da
relação e faz com que ambos queiram formalizar e eternizar o laço afetivo também no
registro civil.
O princípio do melhor interesse do menor é um princípio constitucional,
previsto no art. 227, CF/88, fundamentado no dever dos pais e do Estado, de
protegerem e zelarem pela sadia criação e desenvolvimento da criança e do
adolescente. Assim, é neste panorama que emerge sua relação com a dupla
paternidade, pois o pai ou mãe afetivos criam um vínculo com o filho por meio da
31

criação, da convivência, da atenção, da presença e do amparo na vida do filho, os


genitores socioafetivos somente conseguem alcançar seu reconhecimento como pais
no registro civil, se estiverem presentes estes requisitos, que demonstrados, também
se apresentam na vontade do filho de ter o pai ou mãe afetivo como tal na sua certidão
de nascimento, pois os filhos desejam a presença, a atenção, o cuidado de seus pais
em suas vidas.
Deste modo, quando uma pessoa que ainda não se tornou formalmente pai ou
mãe de um filho e mesmo assim realiza com excelência esse papel, essa pessoa de
fato está colocando em primeiro lugar o melhor interesse do menor, e desempenhando
o verdadeiro papel de pai ou mãe.
Por fim, o princípio da paternidade responsável, também escrito no
ordenamento jurídico constitucional, em seu artigo 226, parágrafo §7°.
O mencionado artigo (BRASIL, 1988) diz:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.


(...)
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituições oficiais ou privadas (BRASIL, 1988)

O referido princípio, trata sobre a paternidade exercida de forma responsável e


que essa responsabilidade tem por base a dignidade da pessoa humana. Desta
maneira, ele tem como conceito que a família deve ser formada com base na
paternidade responsável, que nasce em algumas ações responsáveis, como por
exemplo, no planejamento do casal sobre a quantidade de filhos que irão ter, o modo
como vão educar, as oportunidades que poderão oferecer, o tempo de qualidade que
poderão dar de atenção para os filhos, todos estes fatores devem estarem presentes
para o exercício da paternidade responsável.
Sua relação com a dupla paternidade se dá pelo fato de que, se uma pessoa
que não é pai/mãe biológico, e já se tornou pelo fato de exercer as funções reais de
pais, funções estas relativas a paternidade responsável, este está de fato sendo pai/
mãe responsável. Ou seja, o pai/mãe afetivo é aquele que decidiu por vontade própria
ter aquele filho como seu, dando a este a criação, a educação, o seu tempo de
atenção, as oportunidades, ações que são deveres dos pais. Assim, é notório que a
dupla paternidade se encontra intimamente ligada ao princípio da paternidade
32

responsável, pois o genitor afetivo, para tornar-se tal, já exercia a paternidade


responsável antes mesmo de ser reconhecido no registro civil do filho.

3.3 OS DIREITOS E DEVERES REFERENTES A DUPLA PATERNIDADE

As famílias evoluíram muito, os arranjos familiares se flexibilizaram e a CF/88


contribuiu para a valorização dessas mudanças. Acerca das mudanças familiares,
surgiu o modelo chamado multiparentalidade, o mesmo se faz quando um filho já tem
em seu registro civil um pai/mãe biológico e deseja acrescentar o pai afetivo, que na
maioria dos casos é o que está convivendo com este filho como se pai fosse, ou
quando o filho já tem um pai/mãe afetivo e quer reconhecer o biológico, a fim de
descobrir suas origens sanguíneas. Contudo, quando essa relação passa a ser
formalizada na certidão de nascimento do filho, alguns direito e deveres decorrem
desse reconhecimento.
Os direitos de um filho com relação aos seus pais são aqueles previstos pelo
artigo 227 da CF/88. Deste modo, o filho tem o direito de ter esse amparo dos pais, e
os pais têm o dever de ampará-los. E ainda, cabe ressaltar que a existência do pai
biológico não exclui o dever do pai afetivo, assim como a existência do pai afetivo não
isenta o pai biológico de exercer seus deveres.
Além disso, em questões hereditárias, nos casos de sucessão, o filho possui o
direito de herdar de ambos, assim como no âmbito do parentesco, o filho também
passa a gozar de parentesco dos dois, herdando sobrenome, parentes, ganhando
mais avós, tios, sobrinhos, primos, se houver. Com isso, torna-se evidente que o
reconhecimento de um, não isenta as obrigações do outro.
Ademais, na relação de pais e filho, não são só os pais que têm obrigações, o
filho também detém obrigações para com seus pais.
O artigo 229 da CF/88, tratou de positivar tal dever, “Os pais têm o dever de
assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e
amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade” (BRASIL, 1988).
Isto significa que, o filho tem a obrigação de prestar auxílio para seus pais
quando estes forem idosos, ou estiverem doentes, ou em situação de insuficiência.
Dessa forma, como no caso da multiparentalidade que o filho tem dois pais ou duas
mães, se ambos precisarem da sua ajuda, o mesmo deverá prestar amparo aos dois,
33

afinal, não existe distinção entre eles. Além disso, é importante destacar que, se por
ventura o filho venha a falecer antes dos seus ascendentes, sem deixar descendentes,
ou cônjuge, os genitores herdarão de maneira igual, sem diferenciação ou reserva
entre eles, herdarão por cabeça.
Portanto, é perceptível que a existência de dois genitores ocupando o mesmo
lugar não os exclui de suas obrigações para com o filho, assim como um filho quando
tiver dois genitores em mesma posição não será poupado de cuidar de um pai ou mãe
por estar cuidado do outro.
34

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho, teve como objetivo tratar sobre como a dupla paternidade
no registro civil teve seu reconhecimento, por meio de uma análise histórica das
mudanças nos núcleos familiares. Mudanças as quais, somente ganharam espaço
após a Constituição Federal de 1988, que reconheceu novos modelos familiares, e
também colocou todos os membros de uma família em grau de igualdade, fato que
não era possível no modelo familiar anterior que era patriarcal, hierarquizado, baseado
no Código Civil de 1916.
Além disso, também foi discutido sobre a forma como os princípios do ramo do
direito de família são importantes para a resolução de situações familiares, que se
encontra em constante mudança. Outrossim, os princípios também foram
fundamentais para o reconhecimento de direitos entre os casais, entre os filhos, e
ainda essencial para o reconhecimento da dupla paternidade, uma vez que ela se
encontra intimamente vinculada ao princípio da afetividade, pois é por meio do afeto
que a mesma é reconhecida.
Conjuntamente, por meio de uma análise jurisprudencial, tornou-se perceptível
que o poder judiciário, com relação a resolução de conflitos relativos ao direito de
família, vem caminhando em harmonia com carta magna de 1988, com os princípios
do direito de família, bem como com a doutrina. O mesmo, reconheceu a dupla
paternidade no registro civil com base em princípios e na constituição, por meio do
julgamento da Suprema Corte, do tema nº 622, do ano de 2016.
Ademais, foi objeto de estudo os direito e deveres relativos a dupla paternidade
no registro civil, tratando as obrigações e deveres dos pais para com o filho, e do filho
para com os pais, em uma relação de dupla paternidade, a qual também é
fundamentada pela constituição Federal de 1988, e pelos princípios.
Enfim, é evidente que a família contemporânea se modificou, flexibilizou e se
transformou no reconhecimento de diversos arranjos familiares. Assim, o
reconhecimento da multiparentalidade e de outros modelos familiares, faz com que a
família constituída por meio do matrimonio não seja mais o único modelo familiar
legítimo.
Com isso, é possível concluir que o Direito de Família, tem por objetivo
acompanhar as novas concepções familiares, e evoluir com base no respeito a
35

dignidade da pessoa humana, o melhor interesse do menor, a fim de garantir o pleno


desenvolvimento da função social das famílias existentes.
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REFERÊNCIAS

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