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MÓDULO 7

VALUATION
PROFESSOR AHMED SAMEER EL KHATIB

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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 3
TÉCNICAS DE VALUATION 7
MITOS E VERDADES SOBRE O VALUATION 8
DEZ PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS EM VALUATION 9
POR QUE AVALIAR EMPRESAS? 11
ONDE ESTÁ O VALOR DAS EMPRESAS 12
ABORDAGENS DE VALUATION 15
FLUXO DE CAIXA DESCONTADO 16
ETAPAS PARA DETERMINAÇÃO
DO FLUXO DE CAIXA DESCONTADO (VISÃO GERAL) 20
ESTRUTURA GERAL DO FLUXO DE CAIXA DESCONTADO 21
ETAPA 1 - DETERMINAR O FC BASE PARA A PROJEÇÃO 23
ETAPA 2 - PROJETAR OS FLUXOS DE CAIXA DO PERÍODO CONHECIDO 24
ETAPA 3 - DETERMINAR A TAXA DE DESCONTO (K) 29
ETAPA 4 - CALCULAR O VALOR DA PERPETUIDADE 44
ETAPA 5 - DETERMINAR O VP DO PERÍODO CONHECIDO 46
ETAPA 6 - DETERMINAR O VP DA PERPETUIDADE 47
ETAPA 7 - SOMAR OS VPs DO PERÍODO CONHECIDO E DA
PERPETUIDADE 48
MODELO DE DESCONTO DE DIVIDENDOS 49
ANÁLISE DE SENSIBILIDADE 54
ANÁLISE DE MÚLTIPLOS 55
TIPOS DE MÚLTIPLOS DE LUCROS 60
TIPOS DE MÚLTIPLOS DE DIVIDENDOS 66
MÚLTIPLOS DE VALOR 71
CONCLUSÃO 72

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INTRODUÇÃO
A disciplina de Valuation está dividida em quatro grandes assuntos. No
primeiro deles, veremos um panorama geral sobre as técnicas de
valuation. Há inúmeras delas – das mais frágeis, que infelizmente
continuam sendo utilizadas por diversos analistas, às mais sofisticadas,
muitas vezes deixadas de lado por desconhecimento.

Em seguida, nos concentraremos no estudo das técnicas mais importantes


e usuais dentro de uma proposta de análise do valor justo de uma
companhia.

Para compreender bem os conceitos introdutórios da disciplina de


valuation, o aluno precisa de três coisas:

Conhecimento básico de contabilidade. É necessário compreender o


básico de contabilidade, como as demonstrações de fluxo de caixa e de
resultados de uma empresa. Atualmente vivemos num ambiente de
negócios em que as normas de contabilidade seguem um padrão
internacional, de modo que uma demonstração financeira de uma
empresa brasileira é perfeitamente comparável às de companhias da
União Europeia, dos Estados Unidos ou da Ásia.

Conhecimento básico em finanças. É preciso compreender conceitos


como o de valor presente líquido, taxa interna de retorno e alguns outros
que ajudam a avaliar o custo de capital de uma empresa.

Conhecimento básico em matemática financeira (e treino!). Valuation


não é uma receita de bolo que se pode aprender rapidamente e sair
aplicando. É preciso uma certa experiência para não cair em algumas
armadilhas do mercado. Deve-se considerar algumas dificuldades naturais
– é mais difícil, por exemplo, avaliar empresas não-listadas do que
companhias que já estão na bolsa e que atendem uma série de critérios de
transparência mais elevados.

Antes de seguir adiante, gostaria de trazer um trecho de The Little Book of


Valuation (O Pequeno Livro do Valuation, numa tradução livre), escrito

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pelo indiano Aswath Damodaram, professor da Universidade de Nova
York:

“Muitos investidores decidem não avaliar empresas usando diversas


desculpas: modelos de valuation são muito complexos, não há
informações suficientes, ou existe muita incerteza. Embora todas essas
afirmações contenham um pouco de verdade, não existe razão para você
não tentar.

Modelos de valuation podem ser simplificados e você pode usá-los com as


informações que você tem e – sim – o futuro sempre será incerto. Você
estará errado algumas vezes? É claro, mas todo mundo também estará. O
sucesso nos investimentos vem não só de estar correto, mas também de
estar errado menos frequentemente do que as outras pessoas."

De fato, estudamos em finanças a Hipótese dos mercados eficientes,


segundo a qual em condições normais o mercado precifica as companhias
ao valor justo. Sabemos, no entanto, que muitas vezes as oportunidades
estão escondidas. Para encontrá-las, é preciso conhecer bem os
fundamentos e ter muita experiência, como mostram grandes expoentes
como Warren Buffet e o próprio Luiz Barsi. A capacidade de identificar
oportunidades que ninguém mais está vendo requer muito treino e a
experiência que se conquista ao longo do tempo. Para começar, é preciso
compreender bem os modelos.

Podemos caracterizar o valuation como um ofício que se aprende fazendo


e no qual nos aperfeiçoamos com a prática. Não é uma ciência com leis
universais e na qual se você acertar as entradas, acertará todas as saídas.
Tampouco é uma arte em que, embora alguns elementos possam ser
ensinados, existe um certo tipo de habilidade que algumas pessoas têm,
outras não.

As demonstrações contábeis são fontes de informações detalhadas sobre


as atividades empresariais, identificando ruídos ou distorções oriundas de
erros ou estimativas ou de escolhas contábeis. Essas demonstrações
permitem avaliar o desempenho de uma empresa usando múltiplos e
análises de fluxos de caixa e contribuem com os processos de valuation
em três aspectos:

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Análise do negócio, permitindo compreender o modelo de negócio de
uma empresa e como ela ganha dinheiro, para avaliar oportunidades e
fazer previsões.

Análise de auditoria, para saber se gestão da empresa utilizou regras e


princípios contábeis e consistentes. O papel da auditoria é aumentar o
grau de confiança do mercado nas demonstrações financeiras. Não é
preciso ser um especialista no assunto: ao avaliar o relatório de auditoria
emitido sobre as demonstrações de uma empresa, vá direto ao parágrafo
em que os auditores expressam sua opinião. Se não houver ressalvas, siga
adiante com tranquilidade para avaliar os números. Caso exista ressalva
sobre um determinado ponto, dê atenção a ele.

Análise da contabilidade, proporcionando uma avaliação da qualidade das


políticas e estimativas contábeis, como a vida útil dos ativos geradores de
caixa, dos ativos imobilizados e intangíveis e o grau de amortização –
lembrando que a contabilidade atualmente segue princípios
internacionais baseados no que se chama de essência econômica em
detrimento à forma jurídica.

Dentre as principais demonstrações contábeis publicadas pelas empresas,


preste bastante atenção às três seguintes:

Demonstração do resultado - apurada anualmente, é importante para a


avaliação dos múltiplos da empresa. Apresenta indicadores como
rentabilidade e Ebit (lucro operacional líquido de impostos).

Demonstração do fluxo de caixa - é a demonstração mais importante para


o valuation por informar de onde vem o caixa da empresa e como ele é
gerado. Essa demonstração é aberta em três blocos: operações,
investimentos e financiamentos.

Notas explicativas - muitas vezes postas em segundo plano, podem


explicar alguns números das rubricas contábeis e ajudam a contextualizar
o negócio.

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Há outras demonstrações, como o Balanço patrimonial (uma fotografia da
situação financeira e patrimonial de uma companhia num determinado
momento, a custo histórico), a Demonstração das mutações do
patrimônio líquido e a Demonstração do valor adicionado.

Em conjunto, as demonstrações ajudam numa série de análises:

● Análise geral do negócio.


● Análise de estratégia.
● Análise de segurança.
● Análise de crédito.
● Análise de dívidas e dividendos.
● Análise de fusões e aquisições.
● Comunicação corporativa.

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TÉCNICAS DE VALUATION

Existem diversas técnicas de valuation. Vejamos algumas delas:

Valor Contábil. Essas técnicas estão dentre as mais simplificadas,


baseando o cálculo do valor das empresas ao seu Patrimônio líquido (PL).
O PL não se compõe apenas do Capital Social, mas é possível ajustá-lo com
base nas reservas legais, de capital e de lucros; nos ajustes de avaliação
patrimonial; no ajuste acumulado de conversão; e assim por diante. O
valor contábil ainda é bastante utilizado em laudos de avaliação que
tomam por base o PL ajustado e o dividem pelo número de ações para
chegar a uma estimativa do valor por ação, mas destoa de métricas mais
próximas da realidade econômica das companhias.

Fluxo de caixa descontado. Essa técnica tem várias vertentes, como Fluxo
de caixa para investidores, Fluxo de caixa para os acionistas, Modelo de
desconto de dividendos, Fluxo de lucro residual (EVA) e Ajuste ao valor
presente (Adjusted present value, ou APV).

Avaliação relativa. Baseia-se no uso de múltiplos de mercado, de


transações e outros, como múltiplos setoriais, a depender da unidade de
negócio que está sendo avaliada. Trata-se de uma técnica muito comum
nos Estados Unidos, onde cerca de 85% das avaliações são baseadas em
análises de múltiplos, segundo pesquisas do professor Damodaran. A
avaliação relativa ou por múltiplos também será abordada nesta disciplina

Existem outras técnicas. Uma delas é conhecida como Opções reais,


baseada na equação de Black-Scholes-Merton, que em 1997 valeu aos
seus criadores o prêmio do Banco Central da Suécia (costumeiramente
chamado de Nobel de Economia). Essa técnica permite determinar o valor
justo de uma empresa de acordo com uma situação futura, como opções
de compra ou venda futuras. Nesse conjunto de outras técnicas podemos
incluir também as avaliações a valor de mercado.

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Técnicas de Valuation

MITOS E VERDADES SOBRE O VALUATION

Existem alguns mitos e verdades sobre valuation. Vejamos os principais.

Mito 1 - Uma vez que os modelos de avaliação são quantitativos, a


avaliação é objetiva.
Não é verdade. Um exemplo é o caso da fabricante de computadores Dell,
que há alguns anos quis fechar o capital nos Estados Unidos. Diferentes
avaliadores chegaram valores distintos para as ações da empresa. A
estimativa variou de US$ 13,75 (preço inicial da ação), para US$ 12,68
(estimativa do avaliador da Dell), até US$ 28,61 (segundo o avaliador dos
acionistas). Por fim, quem fixou o preço foi a Corte de Delaware, a US$
17,62 por ação.

Mito 2 - Uma avaliação bem pesquisada e bem-feita é eterna.


Basta analisar o retrospecto do mercado brasileiro para perceber que não
é bem assim. Nos últimos 30 anos, houve diversos picos e vales no
mercado de ações, causados pelos mais variados motivos – crises
econômicas externas, crises internas, turbulências políticas, questões
geopolíticas e outros aspectos que causam ruído no mercado. As análises
não são eternas. Boa parte delas dura no máximo algumas semanas,
tendo em vista a complexidade do mercado. Evidentemente, empresas
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que são boas pagadoras de dividendos costumam ser mais resilientes a
certas intempéries. O Brasil, por exemplo, carece de muita infraestrutura
e não vai ficar sem energia da noite para o dia, nem deixar de consumir
crédito ou demandar boas obras de saneamento, abrindo oportunidades
para as empresas nesses setores.

Mito 3 - Uma boa avaliação oferece uma estimativa precisa de valor.


Uma boa avaliação resulta numa estimativa aproximada, e não precisa, do
valor justo de uma companhia. Os laudos costumam apresentar faixas de
valores obtidas por meio da aplicação de diferentes modelos e técnicas de
valuation.

Mito 4 - Quanto mais quantitativo o modelo, melhor a avaliação.


Não é verdade. Mesmo numa planilha com os modelos econométricos
mais sofisticados, se os inputs estiverem errados, haverá erro nos outputs.
Existe um caráter subjetivo na análise da conjuntura de um negócio.

Mito 5 - O mercado geralmente está errado.


Na grande maioria das vezes, não. O mercado normalmente tem razão,
embora também possa ser considerado assustado ou sensível – e para
calibrar esse índice de sensibilidade existem determinadas métricas. Uma
das mais conhecidas é o beta, que usa a covariância e a variância para
determinar o quanto uma empresa é sensível em relação ao mercado.

Mito 6 - O produto da avaliação (ou seja, o valor) é o que importa; o


processo de avaliação não é importante.
O produto da avaliação é importante, mas processo é mais importante
ainda. Uma condução equivocada do processo de avaliação pode levar a
uma conclusão bastante equivocada.

DEZ PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS EM VALUATION

1. Compreenda as demonstrações financeiras.


Não é necessário ser um especialista em demonstrações financeiras, mas
compreendê-las ajuda bastante. Para a disciplina de valuation, é preciso
conhecer o que há de relevante em cada uma das principais
demonstrações financeiras – onde encontrar as informações sobre fluxo

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de caixa, para que serve a demonstração de resultados, a importância de
uma nota explicativa sobre a composição da dívida, as expectativas de
investimentos da companhia, quanto a empresa faz de investimentos de
ordem mais estrutural, os números sobre depreciação e amortização e
assim por diante.

2. Compre e mantenha somente ativos que adicionem valor à riqueza do


investidor (VPL positivo).
Compre e mantenha somente ativos que adicionem valor à riqueza do
investidor. Não se investe R$ 1 milhão para gerar fluxos de caixa de R$ 800
mil, R$ 700 mil ou R$ 300 mil reais. Isso não tem fundamentação
econômica. Portanto, adicione na sua carteira apenas itens que gerem
riqueza, de acordo com parâmetros como dividendos pagos ou
distribuição de juros sobre o capital próprio, por exemplo.

3. O Caixa é Rei.
Caixa é um fator preponderante para a sobrevivência das empresas,
principalmente em situações complicadas ou de incerteza. Companhias
abertas cujas estruturas de tesouraria são muito mais robustas tendem a
ter uma sobrevida muito maior do que empresas pequenas e médias.

4. Saiba que o dinheiro muda de valor no tempo.


O dinheiro muda de valor no tempo não só pela inflação, bastante
conhecida pelos brasileiros, mas também por outros fatores. E isso precisa
ser incorporado nos modelos de avaliação de empresas

5. Sempre calcule o custo da alternativa financeira.


É necessário saber o quanto uma alternativa de captação de recursos
custa em relação a outra (comparando, por exemplo, o custo de
empréstimo com o de uma emissão de ações).

6. Minimize o custo de financiamento.


É importante minimizar os custos de financiamentos, tendo em vista que
esse é denominador para se descontar fluxos de caixa e trazê-los ao valor
presente no valuation de uma empresa. Quanto menor o custo de
financiamento, mais riqueza sobrará para distribuir dividendos aos
acionistas. A busca pela minimização do custo de financiamento costuma
ser um dos motivos pelos quais frequentemente vemos empresas

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migrando de mercados emergentes para países ainda menos
desenvolvidos, onde geralmente os governos concedem subsídios e
incentivos para a instalação de novas companhias.

7. Retorno e risco são dois lados da mesma moeda.


Aprendemos isso ao longo da vida: quanto mais arriscado um
investimento, possivelmente mais retorno ele poderá proporcionar (sem
esquecer que existe risco tanto em investimentos conservadores quanto
em investimentos mais arriscados).

8. Os mercados de capitais são eficientes e na maioria das vezes


precificam bem as informações.
Como já dissemos anteriormente, na maioria das vezes os mercados
precificam bem os ativos com base nas informações disponíveis, nos fatos
relevantes, nas demonstrações financeiras e em outras fontes públicas.

9. Diversificar é importante.
Como diz o ditado popular, não se deve colocar todos os ovos na mesma
certa. É fundamental diversificar – e cada pessoa tem um conceito de
diversificação. O importante é que cada um calibre o apetite ao risco

10. O investidor marginal é diversificado.


O investidor marginal – aquele que forma opinião – normalmente é
diversificado.

POR QUE AVALIAR EMPRESAS?

O valuation faz parte da análise fundamentalista, focando em três


fundamentos básicos: fluxo de caixa, oportunidades de crescimento e
perfil de risco da empresa. Para traçar estratégias de investimento de
longo prazo (que batam o mercado), normalmente se olha para o
seguinte:

● A relação entre o valor e os fatores financeiros devem ser


mensurados.
● Existe estabilidade nessas relações ao longo do tempo.

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● Desvios nessas relações podem ocorrer, mas são corrigidos no curto
espaço de tempo.

Alguns dos usos da avaliação de empresas:

● Avaliação para aquisições entre empresas: é possível avaliar a


criação de valor por meio de sinergias, pois o valor da empresa nova
não será simplesmente a soma dos valores das que a formaram.

● Finanças corporativas: avaliar o efeito das decisões tomadas dentro


da empresa no seu valor de mercado.

● Grafistas: estimar suporte e resistência (porém a frequência seria


baixa, pois temos informações financeiras no máximo
trimestralmente).

● Information traders: tentar antecipar o efeito de uma notícia no


valor da empresa (é possível até criar um “robô” para fazer essas
estimativas e enviar ordens de compra/venda se o preço chegar a
um determinado patamar estimado anteriormente).

● Market timers: avaliam o mercado como um todo, acreditando que


é mais fácil prever os movimentos do mercado do que escolher
ações (surfam a onda).

● Efficient marketers: se os preços descontam tudo, eles buscarão


avaliar que pressupostos sobre crescimento e risco estão implícitos
nos preços, para manter ou não em suas carteiras.

ONDE ESTÁ O VALOR DAS EMPRESAS

Para avaliar uma empresa, não basta ter conhecimento de contabilidade,


finanças, matemática financeira e montar um laudo usando uma receita
de bolo. É necessário saber o que uma companhia tem de valor. Ressalte-
se que as informações financeiras são incompletas devido às limitações
impostas pelas normas internacionais de contabilidade. Nenhuma
empresa pode, por exemplo, reconhecer ativos intangíveis (como marca,

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patentes em fase embrionária, ou ágios). Devemos, portanto, tomar muito
cuidado ao usar as informações financeiras como parâmetro. Elas devem
ser usadas, mas com ajustes que não são considerados pela contabilidade
tradicional.

Nos últimos anos, vimos vários casos de fusões e aquisições tanto no


mercado brasileiro quanto no exterior em que o valor pago pelas
empresas adquiridas claramente não se baseou exclusivamente nas
informações financeiras. Em 1997, por exemplo, a Unilever comprou por
US$ 930 milhões de dólares a Kibon, que no ano anterior havia vendido
US$ 332 milhões e auferido um lucro líquido de US$ 75 milhões. Um de
seus principais atrativos era a marca e a participação de mercado, que não
constavam das demonstrações financeiras.

O ranking das empresas com as marcas mais valiosas do mundo é liderado


pela Apple: US$ 947,6 bilhões de dólares, que não está contabilizado nas
demonstrações financeiras. Trata-se de um valor intrínseco, que precisa
ser inserido no modelo para fazer um valuation.

Ranking das marcas mais valiosas

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Ao montar um laudo de valuation, independentemente da técnica
utilizada, é preciso refletir sobre o que a empresa faz, qual sua
composição e seus diferentes valores e indicadores. Observe a
comparação das seguintes empresas que existem ou já existiram no
mercado brasileiro:

● A Ambev tem um valor de mercado que supera o valor de seus


ativos.
● A extinta companhia aérea Vasp tinha um valor de mercado inferior
ao de seus ativos.
● A também extinta TV Manchete tinha um valor inferior ao valor de
suas dívidas.

Empresa e Valor

Tudo isso se torna mais importante quando consideramos as mudanças no


ambiente de negócios nos últimos anos. Na década de 70, cerca de 80%
do valor de mercado das empresas americanas que fazem parte do índice
S&P 500 correspondia a ativos tangíveis. Em 2020, essa relação já havia se
invertido: os intangíveis passaram a representa 90% do valor de mercado
das companhias que compõem o índice.

Composição do valor de mercado das empresas do S&P 500 (%)


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ABORDAGENS DE VALUATION

Para preparar um valuation com base técnica, é preciso entender as


expectativas de geração de caixa de uma companhia. O valor de uma
empresa decorre da sua capacidade de gerar caixa, principalmente a partir
das atividades operacionais. As abordagens em valuation seguem uma
estrutura lógica. O ponto de partida são as informações financeiras –
demonstrações financeiras padronizadas, ITRs, relatórios anuais ou no
mais recente relatório integrado, que reúne informações de ordem
financeira e não financeira (em breve entrará em vigor um novo conjunto
de normas de sustentabilidade que as empresas terão de seguir).

O segundo ponto a avaliar: a viabilidade do modelo de negócio. É fácil


verificar isso em empresas, principalmente em relação à matriz de
investimentos – o que nos leva ao terceiro aspecto, que são as
necessidades de investimento. A empresa precisa justificar como planeja
concretizar suas projeções de crescimento e quais investimentos serão
necessários.

Veja outros três pontos importantes antes de pilotar qualquer técnica de


valuation:

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Negócio: quais os fatores de produção da empresa? Muitas companhias
divulgam perspectivas agressivas de crescimento, mas esquecem de
combinar com os fornecedores de energia, de logística e de outros
insumos, que às vezes não têm capacidade para atender a expansão da
demanda, gerando uma trava de crescimento

Empresa: quais os pontos fortes e as principais limitações? Existem


matrizes com alguma aplicação prática, como a matriz SWOT, que ajuda a
identificar forças, oportunidades, fraquezas e ameaças a considerar.

Mercado: é necessário estar atento aos concorrentes, seu potencial e o


comportamento do mercado. Uma pergunta importante para ser
respondida: por que que o produto é vendido? Se não houver resposta,
talvez a empresa não seja tão valiosa assim.

É preciso tomar alguns cuidados num processo de valuation. Considere


que você esteja usando projeções macroeconômicas para avaliar três
companhias aéreas: Latam, Emirates e American Airlines. É de esperar que
uma disparada dos preços do petróleo e dos custos do combustível sejam
prejudiciais à aviação comercial. Uma das três empresas, porém, talvez
não seja afetada da mesma maneira. A Emirates é uma empresa estatal,
controlada por emirados do Oriente Médio cujas receitas de exportação
tendem a crescer com a alta do petróleo. A Emirates eventualmente
poderia se beneficiar disso, diferentemente da Latam e da American
Airlines. Por isso, não daria para comparar as três companhias usando
múltiplos, por exemplo.

FLUXO DE CAIXA DESCONTADO


A metodologia de valuation baseada no Fluxo de caixa descontado leva
em consideração no mínimo dois períodos de projeção. O primeiro deles é
chamado de período conhecido, explícito ou previsível (de curto/médio
prazo). O período conhecido, portanto, é aquele em que eu conheço as
variáveis que afetam o valor da companhia. Trata-se de um período de
cinco, seis, sete, quinze ou vinte anos, a depender da empresa e do
negócio – no qual conhecemos as variáveis que podem afetar o fluxo de

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caixa de uma empresa. Num mercado mais maduro em que há certa
previsibilidade, é possível alongar um pouco mais o período de projeção
com dados mais concretos.

Após o período previsível, começa o segundo período de projeção,


conhecido como perpetuidade (de longo prazo e que pode ser subdividido
em outros). Nesse período, o fluxo de caixa tende ao equilíbrio. Para fins
de projeção, considera-se que a empresa crescerá continuamente a uma
determinada taxa, cujo cálculo estudaremos mais adiante.

Como o próprio nome diz, para calcular o fluxo de caixa descontado


descontamos um fluxo projetado tanto para o período conhecido quanto
para a perpetuidade. Quanto maior o período previsível, mais objetivo
será o modelo e melhor a qualidade de avaliação. A somatória dos valores
dos fluxos descontados desses dois períodos nos dá o valor justo da
empresa.

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Considerando a estrutura do Balanço patrimonial, o que nos interessa é o
valor dos ativos que geram caixa (tanto tangíveis quanto intangíveis).
Esses ativos foram adquiridos com recursos originados de duas fontes: ou
o capital de terceiros (que é o passivo) ou o capital dos sócios (que é o PL).

A estrutura de valor da empresa é composta dos seguintes elementos, ou


drivers de valor:

● Benefícios econômicos de caixa trazidos ao valor presente – é o


que se chama de Fair value ou valor justo.

● Taxa de desconto – para descontar o fluxo projetado, usamos uma


taxa mínima de atratividade, composta pelos riscos e por uma taxa
de juros (como a taxa básica)

● Horizonte de tempo das projeções – que leva em conta no mínimo


dois períodos (o conhecido e a perpetuidade).

● Risco – a mensuração do risco do negócio, que vamos estudar mais


adiante em detalhes.

Do lado dos ativos, o que nos interessa é o que a empresa faz no seu
contexto operacional, e não eventuais ganhos financeiros ou
extraordinários. A figura a seguir mostra de maneira simplificada o lucro

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econômico, também conhecido como lucro residual: trata-se do lucro
operacional, líquido de imposto, menos o custo para gerá-lo.

Vamos nos debruçar em cada um dos elementos que compõem o método


do fluxo de caixa descontado para determinação do valor justo de uma
companhia. Primeiro, precisamos partir de uma base e projetar um
período conhecido (explícito) e uma perpetuidade. A figura a seguir
mostra o período conhecido de 2022 a 2026. Considere que esse seja o
máximo de tempo no qual dá para projetar de modo confiável variáveis
como crescimento do PIB, taxa de juros, câmbio e outras que afetem o
fluxo de caixa de uma empresa. De 2026 em diante a dimensão das
projeções são outras, e se referem à perpetuidade ou à continuidade.

Componentes do fluxo de caixa descontado

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Guardem esse conceito: o valor justo de uma empresa, de acordo com o
fluxo de caixa descontado, corresponde à somatória de no mínimo dois
valores presentes – um do período conhecido e outro do período contínuo
ou perpétuo, e lembrando que a perpetuidade pode ser subdividida em
outros estágios.

ETAPAS PARA DETERMINAÇÃO


DO FLUXO DE CAIXA DESCONTADO (VISÃO GERAL)

O processo de determinação do fluxo de caixa descontado pode ser


dividido em sete etapas:

1. Determinar o Fluxo de caixa base para a projeção.


O primeiro passo é determinar o fluxo de caixa base para a projeção. As
demonstrações financeiras trazem elementos para a construção dessa
primeira etapa para encontrar o fluxo de caixa livre para a firma (líquido
de eventuais variações do capital de giro não monetário, de investimentos
necessários, de ajustes de depreciação e amortização e de outros
elementos importantes).

2. Projetar os Fluxos de caixa para o período conhecido.


Com a base construída, projetam-se os fluxos de caixa para o período
conhecido, que pode ser de cinco, dez, quinze, vinte, trinta anos. Não há
uma regra definida e depende de cada modelo de negócio.

3. Determinar a Taxa de desconto (K).

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Nessa etapa, temos de determinar a taxa de desconto, que vamos chamar
de K. Essa taxa de desconto vem a ser o custo médio ponderado do capital
(wacc), que reflete a estrutura de risco e a estrutura de capital da
empresa. Não existe outra premissa de desconto que capture os
elementos de estrutura de capital, de risco e de retorno de uma
companhia. Evidentemente, no mercado há dois tipos de taxas de
desconto. Se queremos saber o valor da firma, a base de projeção será o
fluxo de caixa livre para firma – e a taxa de desconto a ser utilizada é o
custo médio ponderado do capital. No entanto, se buscamos a projeção
do fluxo de caixa livre para o acionista, a taxa de desconto será o custo de
oportunidade, ou o chamado ke.

4. Calcular o Valor da Perpetuidade,


em especial a taxa de crescimento (g).
É preciso extrapolar as projeções para o período de continuidade. Em
contabilidade, consideramos que as empresa não tem prazo de validade
definido. Essas projeções são mais subjetivas, mas nesse estágio
consideramos o chamado fator de crescimento g, com três sinais
possíveis:

● Positivo, quando a empresa cresce no período de perpetuidade.

● Negativo, quando a empresa estará em queda na perpetuidade (é o


caso, por exemplo, do setor do tabaco desde que foram impostas
várias barreiras ao consumo em locais públicos e à publicidade,
tempos atrás).

● Igual a zero, quando se espera uma estabilidade (algo que na


prática é improvável).

5. Calcular o Valor Presente do período conhecido.


Consiste em trazer a valor presente o fluxo de caixa do período conhecido.

6. Calcular o Valor Presente da perpetuidade.


Consiste em trazer a valor presente o fluxo de caixa da perpetuidade.

7. Determinar o valor da empresa.

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Nesta etapa, somamos os valores presentes do período conhecido e da
perpetuidade.

ESTRUTURA GERAL DO FLUXO DE CAIXA DESCONTADO

A estrutura geral do fluxo de caixa descontado é apresentada na figura a


seguir, adaptada do professor Damodaran. Partimos da receita bruta das
operações, da qual fazemos as deduções necessárias para chegar à receita
líquida, que é o relevante para os investidores. Da receita líquida,
deduzimos os custos e despesas operacionais (custo do produto vendido
ou do serviço prestado, despesas de vendas, marketing, comercialização e
outras despesas). Esse conjunto compõe as premissas operacionais, que
leva à geração de caixa apenas das operações da companhia. Existem
outros elementos que também geram renda, mas não podem ser
consideradas como premissas operacionais, como receitas e despesas
financeiras.

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Após deduzir os custos operacionais das receitas operacionais líquidas,
chegamos ao Ebitda, também conhecido no Brasil como Lajida (Lucro
antes dos Juros, Impostos, Depreciação e Amortização).

O fluxo desalavancado dever ser a base para as projeções, a partir das


quais encontramos o valor presente dos fluxos de caixa, tanto para o valor
da firma quanto para o valor para o acionista.

A seguir, vamos detalhar cada uma dessas etapas.

ETAPA 1 - DETERMINAR O FC BASE PARA A PROJEÇÃO

Para determinar a base de projeção, precisamos de alguns elementos.


Deve-se achar o Nopat, que é o lucro operacional líquido de imposto (é o
nosso Ebit, o lucro antes dos juros e dos impostos, multiplicado por 1
menos 34%, no caso das empresas brasileiras tributadas pelo lucro real).
Essas informações podem ser encontradas na DRE, mas nem todas as
empresas as trazem de maneira explícita.

Uma vez encontrado o Nopat, é preciso fazer um ajuste, adicionando a


depreciação, a amortização e eventualmente a exaustão (elementos
demonstram uma perda pelo uso, mas não são itens de caixa, apesar de
reduzirem o lucro operacional e o lucro líquido). Essas informações podem
ser encontradas rapidamente na Demonstração dos fluxos de caixa,
usando o método indireto (partindo do lucro líquido e ajustando com o
valor da depreciação e da amortização) ou na Demonstração do valor
adicionado (onde há um item chamado depreciação e amortização).
Importante: não dá para pegar essa informação na Demonstração dos
resultados do exercício, que muitas vezes não traz o valor cheio da
depreciação (geralmente o custo da depreciação está integrado ao custo
dos produtos vendidos).

O próximo passo é retirar dessa base o valor do Capex (que é o quanto


será investido em ativos tangíveis ou intangíveis para sustentar o
crescimento do fluxo de caixa). Normalmente essa informação é

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encontrada no Relatório da administração, nas Demonstrações
financeiras padronizadas -- também é possível calcular de maneira
simples, considerando o desgaste e os investimentos em novos ativos.

Adicionalmente a isso, é preciso calibrar o Fluxo de caixa livre para firma


com itens não caixa (a variação do capital de giro não monetário). Pense o
seguinte: se o saldo de contas a receber cresceu de R$ 1,0 bilhão para R$
1,2 bilhão de um ano para o outro, considerando toda as outras
informações da contabilidade constantes, houve um aumento de contas a
receber. A empresa vendeu produtos e serviços (incorrendo em custos e
despesas) mas não recebeu por eles. Essas variações são encontradas no
Balanço patrimonial, olhando o que é não monetário, como Contas a
receber, Duplicatas a receber (no caso do ativo), e Tributos a recolher,
Fornecedores, Contas a pagar (no caso do passivo). Essas variações de um
ano para o outro, por mais que sejam contábeis, indicam saídas ou
entradas de caixa das operações. Feitos todos esses ajustes, chegamos ao
fluxo de caixa livre para a firma, que é a base para a projeção.

ETAPA 2 - PROJETAR OS FLUXOS DE CAIXA DO PERÍODO CONHECIDO

A Etapa 2 consiste em projetar o fluxo de caixa para o chamado período


conhecido – que é, relembrando, aquele para o qual conhecemos as
variáveis macroeconômicas de ordem estrutural que afetam o valor da
companhia. Para fazer essa projeção, é preciso usar uma taxa. Existem

24
algumas formas para estimar o crescimento desse fluxo de caixa no
período conhecido:

1. Crescimento histórico
Alguns especialistas olham para esse ponto, mas não é o principal na
maioria dos casos, porque a empresa pode ter mudado muito com o
passar do tempo. Segundo o professor Damodaran, é possível projetar os
fluxos de caixa livres futuros com base na média dos resultados passados,
mas essa média tem de ser geométrica, e não aritmética.

2. Analistas e gestão da empresa


É uma fonte de informação importante, mas há o risco de que exista um
viés. Pode ser que o analista esteja querendo vender um produto ou que a
empresa queira superavaliar o potencial de crescimento.

3. Crescimento fundamentalista
O terceiro ponto a explorar é o crescimento fundamentalista. Embora
exista um grau de generalização, esse ponto traz informações próximas da
realidade da companhia. Para essa projeção, pegamos linha por linha da
Demonstração de resultados e do Balanço patrimonial e projetamos
crescimentos ou quedas. É preciso projetar linhas de faturamento e os
custos atribuíveis a eles. Só dá para fazer isso conhecendo muito bem a
operação da empresa e as suas estratégias para redução de custo.

Veja um exemplo de como faríamos essas projeções de crescimento


fundamentalista no caso de uma empresa como a Hering:

Premissas de projeção para a Hering

25
Com base nas fontes de informação citadas no quadro anterior,
conseguimos projetar valores para cada uma das linhas necessárias para o
cálculo do fluxo de caixa da Hering no período conhecido:

Fluxo de Caixa Livre da Firma - período conhecido - Hering

Um ponto a destacar é a forma de determinar o Capex de uma empresa. O


Capex (Capital Expenditure) é o investimento feito para a parte
operacional da empresa em ativos imobilizados e intangíveis. Segundo

26
Damodaran (2004), esses investimentos tendem a ter variação positiva de
ano a ano, já que para a empresa crescer é necessário reinvestir parte do
seu lucro no aperfeiçoamento e atualização das suas operações.

Olhar a depreciação e a amortização é, portanto, muito importante para


saber quanto é necessário investir para a empresa sustentar um
crescimento orgânico ou ao menos manter o crescimento anterior.

Existem três regras fundamentais:

1. O Capex pode ser maior que a depreciação quando a empresa está


começando. É normal que nessa fase seja preciso fazer investimentos
muito pesados em infraestrutura de tecnologia, em ativos intangíveis, em
maquinário e em outros fatores preponderantemente relacionados à
produção.

2. O Capex é normalmente igual à depreciação quando a empresa já


chegou à maturidade. Nesse caso, o que ela perde com depreciação e
amortização num nano costuma ser reposto no ano seguinte,
retroalimentando o crescimento contínuo.

3. O Capex será menor do que a depreciação se a empresa tiver em


declínio. Importante: o professor Damodaran põe algumas limitações ao
uso do fluxo de caixa descontado. Uma delas é o caso das empresas em
recuperação judicial e insolvência operacional. Uma empresa em
Recuperação Judicial tem todo um aparato diferenciado e não investe em
crescimento até se restabelecer.

Algumas empresas apresentam o valor do Capex nos relatórios de


administração – mas se for preciso encontrá-lo, o processo é o seguinte:

• O Capex inclui todos os investimentos operacionais da empresa:


imobilizado, intangíveis, algumas aquisições de outras empresas,
etc. (em holdings, por exemplo, o Capex se dá normalmente em
participações e em investimentos em outras companhias).

27
• O Capex pode ser encontrado por meio da análise da Demonstração
dos Fluxos de Caixa (DFC) e do orçamento de capital.

Como projetar o CAPEX?


Como praticamente tudo em valuation: depende!

Recomendações:
● analisar historicamente os investimentos da empresa e de seus
concorrentes.
● analisar o que outros analistas especialistas no setor estão dizendo.
● analisar o orçamento de capital da empresa.
● verificar como os investimentos se comportam com relação à
receita e se o percentual se mantém consistente ao longo do tempo
(não esqueça do ciclo de vida!).

Em termos algébricos, o Capex pode ser expresso da seguinte forma:

Em que:

PPEt são os investimentos em ativos imobilizados e intangíveis (Propertie,


Plant and Equipament) de um determinado ano.

PPEt - 1 são os investimentos em ativos imobilizados e intangíveis do ano


anterior.

∑ D&A é a somatória de depreciação e amortização.

Outras formas: podemos obter uma estimativa do Capex utilizando a


mediana do crescimento do imobilizado e do intangível.

Cálculo do Capex utilizando a mediana do


crescimento do imobilizado e do intangível
28
Podemos utilizar também a variação da depreciação e da amortização. No
exemplo a seguir, de 2016 a 2021 houve uma variação R$ 73 mil para R$
227 mil. A mediana das relações entre depreciação/amortização com o
Capex total de cada ano é de 10,58% – podemos usar esse indicador para
a projeção dos anos seguintes.

Cálculo do Capex utilizando a mediana da variação da


depreciação/amortização sobre o Capex total

ETAPA 3 - DETERMINAR A TAXA DE DESCONTO (K)

A etapa 3 consiste em determinar uma taxa que vai descontar os fluxos –


ou seja, trazê-los a valor presente para determinar o valor justo ou fair
value de uma empresa. Para começar, uma pergunta (e também uma
provocação): como saber se um investimento é bom para uma empresa?
29
Considere que duas empresas realizem investimentos que resultem nos
seguintes fluxos de caixa anuais:

Empresa A: investimento gera fluxo de caixa anual de R$ 200.000.


Empresa B: investimento que gera fluxo de caixa anual de R$ 50.000.

Num primeiro momento, não sabemos se esses investimentos são bons ou


não, porque faltam parâmetros e premissas para a análise. Vamos a outras
informações:

Empresa A: retorno do investimento de 10% a.a.


Empresa B: retorno do investimento de 14% a.a.

Não dá para concluir qual o melhor investimento apenas com base no


retorno. É preciso considerar o custo de geração desse fluxo de caixa. É aí
que entra a taxa de desconto (wacc) que será utilizada como parâmetro
de agora em diante.

O custo do capital da Empresa A é de 5% – ou seja, gera R$ 20 mil ao ano a


um custo de 5% anuais (ou seja, R$ 10 mil).

O custo do capital da Empresa B é de 15% – ou seja, gera R$ 7,5 mil ao ano


a um custo de 15% anuais (um custo muito elevado em relação aos
resultados do fluxo de caixa).

Conclusão: ao pensar em retornos, não se pode esquecer quanto custou


gerar determinado fluxo. É preciso, portanto, colocar no papel o custo de
oportunidade e outros custos derivados da escolha de um investimento
em detrimento a outro.

O custo médio ponderado do capital leva em consideração a estrutura de


capital que todas as empresas possuem subdividida do lado da origem dos
recursos em dois grandes blocos: o capital de terceiros (que são os
passivos circulantes e não circulantes ou simplesmente debt) e o capital
que vem das ações e dos esforços dos próprios acionistas (que é
chamado de PL, capital próprio ou equity). São essas as duas fontes de
recursos para os investimentos em ativos que geram caixa. Num primeiro

30
momento, o retorno proporcionado pelos ativos precisa ser maior do que
seu custo de geração. O custo médio ponderado de capital determina o
retorno do acionista em uma empresa com base no custo do capital
próprio e da dívida, ponderados pelo valor de mercado de sua
participação no capital total:

Cálculo do Custo Médio Ponderado de Capital

Na fórmula:

KE - custo de capital dos acionistas (equity)


KD - custo de capital de dívida (debt)
E - volume do passivo em ações (equity)
D - volume do passivo em dívida (debt)
t - alíquota do imposto sobre a renda

Duas observações:

1. No cálculo do custo de capital de terceiros existe um fator que


chamamos de proteção fiscal (tax shield), que considera o
abatimento das despesas com os juros pagos pelo empréstimo da
base de cálculo do imposto de renda da empresa

2. A somatória dos custos das duas origens, ponderados pelos seus


respectivos pesos, dá uma ideia do custo médio ponderado do
capital.

31
3. Ao determinar o custo do capital próprio (ke), normalmente se
aplica o Modelo de Precificação de Ativos (Capital Asset Pricing
Model - CAPM), que fornece uma estimativa do custo de capital de
uma empresa com base nos seus custos de financiamento de dívida
e de capital próprio e nas porções relativas de cada um na estrutura
de capital.

A fórmula base para determinação do Ke, através do método CAPM está


apresentada a seguir:

Onde, na fórmula:

Rm = retorno esperado de mercado


Rf = taxa livre de risco.
β = beta (é um índice de sensibilidade dos papeis da empresa em relação
às oscilações do mercado)
pm = prêmio de risco de mercado (que é o retorno esperado no mercado
de ações menos a taxa livre de risco)

Vejamos na prática um exemplo simplificado de como calcular o custo


médio ponderado de capital. Imagine uma empresa com a seguinte
estrutura no passivo:

32
Começando pelo cálculo do kd (cost of debt), considere os seguintes
custos dos empréstimos dos bancos e das debêntures:

Calculando o kd, temos:

kd = 12% x 0,40 + 8% x 0,60 = 9,60%

Vejamos agora o cálculo do custo do capital próprio (ke). Trata-se de uma


estimativa mais difícil, pois não há um custo explícito, como a taxa de
juros de uma dívida. O que existe é um custo de oportunidade, implícito.

Considere as seguintes premissas:

● Taxa livre de risco (rf): 10%


● Retorno esperado do mercado (rm): 14%
● Beta: 0,8

33
Aplicando o ke e o kd na fórmula do custo médio ponderado do capital, e
considerando que a empresa esteja sujeita a uma alíquota de imposto de
renda 30%, teríamos o seguinte:

WACC = 8,88%

O custo de capital é de 8,88% ao ano, o que significa que os ativos da


empresa devem gerar um retorno pelo menos semelhante para garantir a
sua sobrevivência no longo prazo.

Precisamos mergulhar um pouquinho no ke.

Um dos conceitos mais clássicos da matemática financeira trata do valor


do dinheiro no tempo. Simplificadamente, uma unidade de dinheiro no
presente vale mais do que uma unidade de dinheiro a ser recebida no
futuro. O dinheiro presente pode ser investido e gerar retornos agora,
enquanto o dinheiro no futuro não pode gerar retornos agora.

A preferência por liquidez e consumo fundamenta a ideia de custo de


oportunidade, quando tais preferências são postergadas para o futuro.
Ademais, o dinheiro futuro possui um componente de risco de não

34
recebimento e de risco inflacionário, que está relacionado à incerteza
sobre o poder de compra que haverá no futuro, no momento do seu
recebimento.

Dessa forma, para saber o valor de um "dinheiro futuro”, precisamos


trazê-lo a valor presente por meio de uma taxa de desconto que reflita
adequadamente o componente de risco relacionado às incertezas quanto
ao seu recebimento.

Em matemática financeiro, isso é feito por meio de um método conhecido


como desconto a valor presente (desconto) ou Valor Presente Líquido
(VPL), dependendo do caso de aplicação, que consiste em trazer para a
data zero (presente) todos os fluxos de caixa de um investimento,
descontados por uma Taxa Mínima de Atratividade (TMA).

Também conhecido como custo de oportunidade do capital, o ke é


utilizado como a taxa de desconto no modelo de desconto de dividendos.
Na literatura de finanças, risco e retorno esperado são duas variáveis que
são positivamente correlacionadas. Naturalmente, quanto maior é o risco
de um ativo, maior é o retorno exigido pelo provedor de capital (ou
investidor). Esse é o principal fundamento de um dos mais conhecidos
modelos de precificação de ativos financeiros, o Capital Asset Pricing
Model (CAPM).
O modelo CAPM é tradicionalmente utilizado nos mercados financeiros
para cálculo do retorno exigido (teórico) de uma ação, especialmente
considerando o retorno oferecido por um ativo livre de risco e o prêmio
pelo risco de mercado, ajustado ao risco da empresa.

Observe no gráfico a seguir que quanto maior o retorno exigido, maior o


risco. Obviamente, isso depende de uma série de variáveis, às vezes
intrínsecas e muito particulares dos investidores. Sabemos, porém, que o
risco é inerente ao mercado de renda variável. O que nos cabe aqui é
tentar modular uma carteira ou uma posição que mitigue o risco a
padrões desejáveis e a níveis de tolerância do investimento. Veja no
gráfico que o prêmio de risco no gráfico corresponde à diferença entre o
nosso retorno de mercado (de acordo com uma carteira teórica composta
pelo Ibovespa, por exemplo) e uma taxa livre de risco já estabelecida.

35
Vejamos mais detalhadamente, agora, os elementos que compõem a
fórmula do ke.

Taxa de retorno livre de risco (rf)


O primeiro elemento que compõe o custo de capital dos acionistas é a
taxa de retorno livre de risco (Rf). Mas o que podemos entender como
risco? E quando um ativo é livre de risco? No mercado financeiro, o risco
de um investimento deve ser entendido como a chance de o retorno
realizado ser diferente do retorno esperado. Logo, um ativo é livre de risco
quando temos razoável certeza sobre o seu retorno esperado (o retorno
realizado é sempre igual ao retorno esperado).

Para que o retorno de um ativo seja livre de risco, três condições


adicionais devem ser observadas:

● Não deve haver risco de inadimplência.


● Não deve haver risco de volatilidade ou de taxa de juros.

36
● Não deve haver dificuldade de reinvestimento do dinheiro em
novos títulos.

De fato, identificar um ativo que atenda completamente a essas condições


é bastante difícil – no caso brasileiro, por exemplo, não é o caso da taxa
Selic. Os ativos que se aproximam de forma mais adequada são os títulos
públicos dos Estados Unidos (como o T-Bill ou o T-Bond), dado que eles
têm a maior economia do mundo, a moeda mais forte e um mercado
financeiro maduro e com alta liquidez.

Beta
O segundo elemento do modelo CAPM é o risco da ação. O Beta é uma
medida de dispersão dos retornos da ação em relação à dispersão do
retorno médio do mercado de ações. Em geral, o termo “risco” é
associado a algo ruim (risco de algo ruim acontecer). No mercado de
ações, ele representa também a chance de o retorno realizado ser
diferente do retorno esperado (abaixo ou acima!). Assim, o Beta pode ser
mensurado pela covariância do retorno da ação com o retorno médio do
mercado, dividida pela variância do retorno do mercado.

Para empresas com ações negociadas em bolsa, é comum estimar o Beta


com retornos mensais para um período de cinco anos, para que se evite o
efeito de momentos de estresse do mercado sobre o índice.

Ao medir o risco de ITUB4, por exemplo, em relação à média do mercado


de ações (Ibovespa), encontramos um Beta de 1,24, a partir de seus
retornos mensais nos últimos cinco anos.

De forma prática, quando IBOV sobe (cai) 1%, ITUB4 tende a subir (cair)
1,24%. Quando o Beta é igual a 1,00, diz-se que a empresa tem risco
semelhante ao do mercado. Quando Beta é superior a 1,00, a empresa é

37
mais arriscada -- diz-se que ela “balança mais” quando o mercado tem
maior volatilidade. Quando Beta é inferior a 1,00, a empresa é menos
arriscada, mais defensiva. Seus retornos tendem a variar menos do que os
retornos do mercado.

Prêmio Pelo Risco


O terceiro elemento que compõe o modelo CAPM é o Equity Risk Premium
(ERP) ou prêmio de risco de mercado (Pm). Indica o excesso de retorno
que o mercado de ações oferece em relação ao ativo livre de risco. É o
prêmio que o investidor tende a receber por assumir o risco do mercado
de ações.

O prêmio é dado pela diferença entre o retorno médio do mercado de


ações e dos títulos da dívida soberana de cada país, tendo como base o
banco de dados oferecido pelo professor Aswath Damodaran.

O retorno de mercado é representado pelo retorno do índice S&P 500 nos


Estados Unidos e pelo retorno do Ibovespa no Brasil. A taxa livre de risco
no curto prazo é representada pelas Letras do Tesouro (T-Bill nos Estados
Unidos e LTF no Brasil). No longo prazo, a taxa livre de risco é

38
representada pelos Bônus do Tesouro (T-Bond nos EUA e C-Bond no Brasil,
ambos para dez anos).

Prêmio de risco (ERP) dos mercados


dos Estados Unidos e do Brasil (1928 a 2019).

É prática comum no mercado financeiro brasileiro a utilização de dados


dos Estados Unidos, com o acréscimo do risco-país e do efeito da inflação
do Brasil a esse cálculo. Essa prática é reforçada por algumas das
principais agências reguladoras (como Aneel, ANP, ANTT, entre outras),
que utilizam dados do mercado americano em suas notas técnicas para
fixação de taxas de retorno para as empresas sob sua regulação.

Essa também é uma prática de Damodaran (2012), que calcula o prêmio


de risco (ERP) para um mercado emergente por meio da adição de uma
medida de risco país ao ERP de uma economia madura (como a
americana). Considerando o retorno geométrico de 8,12% do S&P500 de
1995 a 2019, o retorno esperado do T-Bond de dez anos no final de 2019
(que era de 1,92%) e o risco-país do Brasil, representado pelo EMBI+ de
2,75%, podemos encontrar o prêmio de risco esperado (ERP BR):

39
Mesmo com a inclusão do “risco Brasil” nesse cálculo, precisamos
destacar uma limitação desse modelo, que é assumir que as empresas
estão igualmente expostas ao risco do país. Considere, por exemplo, que a
Petrobras tenha 87% das suas receitas provenientes do Brasil, enquanto a
Embraer tenha apenas 21%; a Alpargatas, 60%; a Natura, 71%; e assim por
diante.

Para o número ser útil a nós, brasileiros, precisamos ajustar o prêmio de


mercado pelo diferencial de inflação esperada entre os países. De acordo
com a média das previsões dos analistas (conforme a Refinitiv), a
expectativa de inflação para o Brasil para um período de cinco anos, a
partir de 2022, era de 4,40%, ante 2,52% para os Estados Unidos.
Portanto, para converter o ERP em valores nominais para o Brasil,
precisamos multiplicar o ERP pela diferença de inflação, como
apresentado a seguir.

40
Vamos ver um exemplo prático com o Itaú. O Beta de risco do banco para
o período entre 2015 e 2019 (cinco anos) foi 1,24. Isto é, o Itaú tem um
risco 1,24 vezes maior do que a média do mercado.

No final, se o investidor espera um prêmio de 8,49% para assumir o risco


médio do mercado brasileiro, para investir no Itaú Unibanco ele deve
esperar um prêmio de 10,5276%, dado que o risco desse banco é 24%
superior ao risco médio do mercado (Beta de 1,24).

Cálculo do custo do capital do acionista

41
Uma vez que já se conhece os componentes do custo de capital do
acionista ou do retorno exigido para investir em uma empresa, você pode
calcular o custo de capital próprio (ou do acionista) para a empresa que
está analisando. Para isso, vamos utilizar a formulação tradicional do
modelo CAPM.

Cabe, neste ponto, decidir pelo uso de uma taxa livre de risco e um
retorno de um mercado maduro ou de dados do próprio mercado
brasileiro. Para esse último caso, você deve usar como o retorno esperado
de um ativo livre de risco – mas não esqueça que esse título tem seu
bônus fortemente atrelado ao risco e à volatilidade dos ativos brasileiros.
No caso do Rm, pode-se optar pelo retorno do Ibovespa ou do IBrX-100.
Nesse caso, não há necessidade de incluir um fator de risco-país porque
tais taxas de retorno já embutem esse risco.

Uma alternativa é utilizar dados de um mercado maduro devido à maior


disponibilidade e estabilidade dos dados. Nesse caso, a formulação
alternativa do modelo CAPM passa a contar com um fator de risco-país em
relação ao risco e prêmio de risco do mercado maduro. Assim, o prêmio
pelo risco-país é acrescido ao prêmio de risco dos Estados Unidos.

Utilizando o caso do Itaú Unibanco para cálculo do ke, vimos que o


retorno esperado do T-Bond (Rf dos Estados Unidos) no final 2019, antes
da pandemia de Covid-19, era de 1,92%. Já o prêmio de risco do mercado
é mais difícil de ser estimado. Por isso, podemos utilizar o ERP histórico
dos Estados Unidos entre 1995 e 2019, que foi de 6,20% (sendo a
diferença entre o histórico de 8,12% e a esperada de 1,92%). O Beta do
Itaú foi 1,24 no final de 2019. Já o risco-país do Brasil (Rp BR),
42
representado pelo EMBI+ no final daquele ano, foi de 2,14%. Logo, o
retorno esperado pelo acionista do Itaú pode ser calculado da seguinte
maneira:

Até aqui, encontramos o custo de capital em valor nominal para o


investidor norte-americano (ou em dólares). Precisamos ajustar esse valor
pela diferença de inflação entre os países, para transformá-los em reais,
da mesma forma que demonstramos no cálculo do ERP.

Assim, o custo de capital do acionista do Itaú é de 14,32%. Esse é o


retorno esperado que o investidor deve ter como referência para investir
na empresa, considerando o retorno de um ativo livre de risco, o risco do

43
Itaú e o prêmio de risco do mercado brasileiro. Essa é a taxa de desconto
que utilizaremos para descontar, a valor presente, os dividendos futuros
que estimamos para a empresa, a fim de encontrar o valor intrínseco de
suas ações.

Depois de aprofundar o estudo do custo do capital próprio, vejamos um


pouco mais sobre o custo de capital de terceiros, que é relativamente
mais simples de se calcular.

O custo de capital de terceiros consiste no custo de uma dívida bancária,


de um financiamento, de uma debênture emitida. Existem algumas
possibilidades para estimar o kd:

1. Usar a classificação de agências de rating (nem sempre disponível)


ou rating sintético e verificar o spread a ser usado (aqui:
http://pages.stern.nyu.edu/~adamodar/New_Home_Page/datafile/
ratings.htm – lembre-se de adicionar o risco Brasil, pois os dados
são dos Estados Unidos.)

2. Verificar nas notas explicativas o custo médio de financiamento. No


balanço patrimonial das empresas há uma rubrica chamada
empréstimos e financiamentos, tanto no passivo circulante (curto
prazo) quanto no passivo não circulante (longo prazo). Geralmente,
há uma nota explicativa com a composição dessa dívida, o custo da
captação para a empresa e assim por diante. Com base nisso, dá
para calcular o custo médio da dívida.

3. Verificar o custo da última emissão de debêntures ou checar a


média de custos do mercado. Podemos usar como referência a
última emissão de debêntures de uma empresa para estimar o
custo médio do capital de terceiros, ou checar a média de custos de
mercado em condições normais, considerando que todas as
empresas tenham acesso às mesmas fontes de financiamento sem
obter vantagens exclusivas

4. Entrar em contato com o RI da empresa e perguntar o custo de


financiamento atual. Mande um email para a área de relação com
investidores da empresa perguntando o custo de financiamento

44
atual. Isso serve como parâmetro. Trata-se de uma informação
pública.

Existem formas mais simplificadas. Uma delas é procurar na


demonstração de resultados o montante das despesas financeiras e dividi-
lo pelo total de empréstimos captados de um ano para o outro, o que
resultará na taxa de juro média.

ETAPA 4 - CALCULAR O VALOR DA PERPETUIDADE

A etapa de número 4 consiste em encontrar o fator de crescimento da


empresa após o período conhecido (na perpetuidade, portanto, um
período que tende ao infinito). Lembre-se que chamamos esse fator de
crescimento de g, para o qual precisamos de uma estimativa. Como fazer
isso?

A primeira forma: buscar dentro e fora da empresa pelas informações


necessárias para as projeções:

● Vendas históricas por segmento de atuação da empresa, variações


dos estoques, expectativas de vendas, market share.

● Projeções adotadas por entidades do setor (tamanho do mercado


número de competidores, e assim por diante).

● Dados relativos aos consumidores (idade, renda, expectativa de


vida, etc).

É importante, nesse processo, acompanhar as conference calls, press


releases, eventos do setor ou específicos da empresa).

Essa estimativa do fator de crescimento g não deixa de ser um esforço


bastante subjetivo, ainda que feito de forma responsável, usando
regressores e dados mais robustos.

A segunda forma de criar uma estimativa para o fator g é utilizar as


próprias informações da companhia para obter uma sobre o crescimento

45
fundamentalista do ebit. Nesse caso, o fator g pode ser calculado com a
seguinte fórmula:

g = Taxa de Reinvestimento * Retorno sobre o capital investido

Esse cálculo nos mostra o fator de crescimento mínimo que a empresa


precisa perseguir no longo prazo. Extrapolando essa simplificação, o g
gesso seria equivalente a:

Duas observações:

● Se houver leasing off-balance-sheet, a recomendação é que seja


incluído no passivo oneroso.

● O capital é o capital investido = PL + Passivo Oneroso – Caixa.


Há uma série de fatores qualitativos que podem afetar a expectativa de
crescimento de uma empresa, desde a mudança de sua gestão até fatores
externos (sejam relacionados ao setor no qual a empresa atua ou mesmo
fatores macroeconômicos). A entrada de um management experiente e
com expertise no negócio da empresa pode impulsionar os resultados no
futuro, o que aumenta a expectativa de crescimento dos lucros e
dividendos. Portanto, os fatores qualitativos também devem afetar o
cálculo do crescimento. Independentemente da forma como se calcula a
taxa de crescimento – seja com dados históricos, com previsões de
analistas ou com base nos fundamentos da empresa –, é preciso estar
atento a essas questões qualitativas e buscar transparecê-las na análise.

ETAPA 5 - DETERMINAR O VP DO PERÍODO CONHECIDO

46
A etapa de número 5 consiste em determinar o valor presente do período
conhecido, usando as ferramentas básicas da matemática financeira,
descontando pelo custo médio ponderado do capital. Vamos retomar o
cálculo dos fluxos de caixa livre para o período conhecido da Hering, que
fizemos anteriormente.

VP = FCFF 21 + FCFF 22 + FCFF 23 + FCFF 24 =


(1+wacc)1 (1+wacc)2 (1+wacc)3 (1+wacc)4

VP = 365 + 368 + 376 + 388 =


1 2 3
(1+wacc) (1+wacc) (1+wacc) (1+wacc)4

VP = 1.121,51

ETAPA 6 - DETERMINAR O VP DA PERPETUIDADE

A etapa número 6 consiste em determinar o valor presente da


perpetuidade. Vamos continuar usando o exemplo da Hering. Veja que o
Fluxo de Caixa do último nano do período conhecido é de 388 milhões –
esse será o ponto de partida para o cálculo do fluxo de caixa da
perpetuidade.

47
O primeiro passo é trazer para 2024 a massa dos fluxos de caixa da
perpetuidade.

Calculamos anteriormente o wacc da Hering em 12,5% ao ano.


Vamos considerar que o seu fator de crescimento g seja de 1% ao ano.

Vamos usar a fórmula do Valor Presente para séries perpétuas, lá da


matemática financeira. Para descontar e trazer a valor presente um fluxo
de caixa que tende ao infinito, basta eu pegar o fluxo de caixa base de
projeção (388 milhões) multiplicado por 1 + G no numerador, dividido
pelo wacc - g.

48
Atenção: 3.407,65 é o valor dos fluxos de caixa potenciais da empresa
companhia trazidos para 2024. Ainda não é o valor presente que estamos
procurando. Para isso, temos de deslocar esse resultado quatro anos para
trás, considerando que estivéssemos fazendo essa análise em 2020:

ETAPA 7 - SOMAR OS VPs DO PERÍODO CONHECIDO E DA PERPETUIDADE

Só nos falta agora somar os valores presentes dos fluxos de caixa do


período conhecido e da perpetuidade:

MODELO DE DESCONTO DE DIVIDENDOS


O Modelo de Desconto de Dividendos (MDD, ou modelo de dividendos
descontados) é um método de valuation bastante importante,
principalmente para quem analisa uma empresa sob o ponto de vista de
distribuição de dividendos.

Como funciona?

49
Ao comprar uma ação, um investidor espera receber dois tipos de FC:
Dividendos e Valorização no Preço.

A lógica deste modelo está na regra do valor presente. O valor de uma


ação é o valor presente dos fluxos de caixa futuros esperados pela posse
daquela ação, descontados a uma taxa adequada ao grau de risco dos
fluxos de caixa gerados pela ação (dividendos).

Retomando um pouco os conceitos de matemática financeira elementar:


sabemos que, para trazer a valor presente os fluxos de caixa na
perpetuidade, basta fazer a somatória descontá-los:

Valor Presente de um Fluxo Perpétuo (Perpetuidade)

Existem alguns casos particulares, que veremos a seguir.

1. Fator de crescimento g = 0
Quando o fator de crescimento g é igual a 0, o valor presente nada mais é
do que o fluxo de caixa descontado pela taxa. É uma situação utópica – é
improvável existir uma empresa com g = 0.

50
Perpetuidade sem crescimento (g = 0)
Valor Presente de uma perpetuidade
de R$ 100,00 todo ano, sendo i = 10%.

2. Fator de crescimento g constante.


Outro caso particular ocorre quando o g é maior do que zero, mas
constante ao longo do tempo. Nesse caso, o valor do fluxo de caixa base
pode ser o do período 1.

51
Perpetuidade com crescimento (g>0)
Valor Presente de uma perpetuidade de R$ 102,00
no ano 1, sendo i = 14% e g = 2%.

Voltando ao Modelo de Desconto de Dividendos: nesse método, o valor


de uma empresa é a somatória dos dividendos que ela pagará ao longo do
tempo trazida a valor presente. As empresas publicam a política de
pagamento de dividendos. A partir disso e de uma projeção de
crescimento (com base no histórico, nas informações dos analistas, ou nos
fundamentos do negócio), podemos determinar uma curva para a
distribuição dividendos e trazê-la a valor presente, descontando por uma

52
taxa. É um cálculo semelhante ao que foi estudado no modelo de fluxo de
caixa descontado – a diferença é que, em vez do fluxo de caixa, tomamos
por base as projeções de pagamento de dividendos.

Modelo de desconto de dividendos

Vejamos o exemplo da Engie, empresa que publicamente mantém um


compromisso com os acionistas de distribuir 100% do seu lucro líquido
ajustado como dividendos. Logo, é um caso que pode ser avaliado por um
Modelo de Desconto de Dividendos (MDD). Desde 2012, isso aconteceu
em oito dos dez períodos. As exceções foram 2014 e 2015, quando o
payout foi de 55%, devido a uma forte crise hidrológica que passamos no
Brasil.

Históricos de LPA e DPA da Engie (2012 a 1S2021)

53
Podemos calcular o custo do capital do acionista para a Engie usando a
fórmula do ke, já estudada anteriormente.

A primeira variável é o Rf (Brasil), que pode ser o Tesouro IPCA+ 2035


(oferecia 4,07% ao ano) mais a inflação medida pelo IPCA. A estimativa de
IPCA mais distante no momento da análise era a do Boletim Focus para
2024, que previa um IPCA de 3,25% ao ano, perfazendo um Rf (Brasil) de
7,32%.

Dessa forma, o prêmio de risco para o mercado local (ERPm) em junho de


2021 era de 6,89%. Por ser uma empresa de energia elétrica, setor
reconhecido por ser composto por ações mais defensivas em termos de
risco e retorno, também encontramos um Beta inferior à média do
mercado. O Beta de sessenta meses da Engie era de 0,68 no final de junho
de 2021. Como consequência, o custo de capital do acionista (ke) para a
Engie foi estimado em 12%.

54
Podemos trazer os dividendos esperados a valor presente e encontrar o
valor intrínseco da ação da Engie. Veja a seguir a estimativa resultante da
aplicação do Modelo de Desconto de Dividendos (MDD), tendo como base
um CAGR de 8,19% para os dividendos, um crescimento na perpetuidade
de 3,25% (equivalente à inflação esperada no longo prazo) e um Custo de
12%. Com isso, o valor intrínseco da EGIE3 é de R$ 48,31 por ação.

ANÁLISE DE SENSIBILIDADE

Perceba que para a Engie, caso o ke permaneça em 12% e a empresa


consiga crescer +1% (g = 9,19%), o valor esperado da ação aumenta para
R$ 51,84. Por outro lado, se o crescimento diminuir 1%, o valor esperado
da ação diminui para R$ 45,04 (Análise de Sensibilidade). O gráfico a

55
seguir mostra o valor da ação em relação a oscilações no custo de capital e
na taxa de crescimento da Engie:

O processo de valuation é subjetivo, embora devamos nos cercar de todas


as informações e ferramentas úteis para que evitemos vieses e distrações
em nossa análise. Dessa forma, devemos considerar alguma margem de
erro.

Durante o valuation, você pode ter sido otimista (ou pessimista) com a
taxa de crescimento, ou até mesmo pessimista (ou otimista) com o custo
de capital. Assim, para evitar prejuízo em uma decisão de investimento,
você pode utilizar duas estratégias:

(i) assumir uma margem de segurança como percentual do valor


intrínseco (+5% e -5%, por exemplo), ou

(ii) construir uma matriz de sensibilidade do valor intrínseco em relação


à taxa de crescimento e ao custo de capital.

ANÁLISE DE MÚLTIPLOS
Múltiplos são indicadores úteis para a determinação do “valor justo” de
um ativo em relação a outro ativo comparável (semelhante) e para
estabelecer uma classificação de valor tendo como base uma ou mais
referências.

56
Essa abordagem de valuation também é conhecida como “avaliação
relativa”. Trata-se de uma metodologia muito útil no processo de
avaliação de ações. O investidor precisa, no entanto, entender com
detalhe a composição do múltiplo usado para analisar comparativamente
as empresas, de modo a descobrir se uma ação está sendo negociada com
um prêmio ou um desconto em relação aos seus pares comparáveis. Após
identificar as companhias comparáveis, os múltiplos podem ser a primeira
ferramenta para rastrear ações cujos preços estão atrativos.

Múltiplos, índices, indicadores – o termo pode variar de acordo com a


fonte consultada. As utilidades e os cuidados necessários ao se utilizar
esses elementos em uma análise são, no entanto, convergentes. Em
essência, eles demonstram como uma variável da empresa (numerador)
está em relação a outra (denominador). Damodaran (2012) diz que,
embora os múltiplos ou índices sejam fáceis de usar e intuitivos, também
são facilmente mal utilizados.

Devido à sua simplicidade, a avaliação relativa é uma das formas de


valuation mais comuns nos diferentes mercados de ações. A razão é óbvia:
para entender e utilizar os múltiplos, não é necessário um conhecimento
avançado de contabilidade, economia ou estatística.

Mas para ajustar os múltiplos a eventos não recorrentes, como por


exemplo guerras e pandemias, é preciso entender o básico da
contabilidade. Outro elemento que favorece a ampla popularidade dos
múltiplos é a facilidade de acesso aos dados necessários para seu cálculo.
Em alguns casos, existem até mesmo múltiplos já calculados.

Há dois elementos operacionais importantes que precisamos considerar


antes de discutirmos efetivamente os múltiplos.

Primeiro, para avaliar uma empresa de forma relativa, precisamos


padronizar algumas medidas, por exemplo, de lucro ou de “valor”. Isso é
feito pela divisão dessas medidas por algum fundamento da empresa,
como o seu patrimônio líquido. Assim, surgem índices de rentabilidade
(lucro líquido/patrimônio líquido) e de valor (valor de
mercado/patrimônio líquido ou preço da ação/lucro líquido por ação)

57
Preço e valor são conceitos distintos. Neste caso, “valor” é a referência a
quanto a empresa está sendo negociada no mercado. Se acreditamos que
o mercado não é totalmente eficiente, na opinião de quem fez o
valuation, quer dizer que é possível encontrar empresas que estão sendo
negociadas a preços mais baixos do que deveriam (do que o chamado
valor justo ou valor intrínseco).

O segundo elemento diz respeito à empresa que será utilizada como


referência para comparação. É necessário que as empresas
sejam comparáveis.

Resumindo: na avaliação relativa (múltiplos), o valor de um ativo é


encontrado pela comparação com o preço de ativos comparáveis, em
relação a um “benchmark”. Ou seja: relativizamos o preço do ativo.

Embora seja fácil e intuitivo compreender e utilizar um múltiplo de valor,


de lucro ou até mesmo de dividendo, ele pode ser perigoso devido à
facilidade que existe de ele ser manipulado. Por isso, para um valuation
adequado por múltiplos, dois passos essenciais precisam ser seguidos para
que a consistência dessa análise seja garantida:

1. As empresas em análise devem ser minimamente comparáveis.

2. Os múltiplos devem ser consistentes e devem estar ajustados às


diferenças das empresas.

Importante: para uma empresa ser comparável a outra, ambas precisam


ter fluxo de caixa, potencial de crescimento e risco semelhantes.

Dessa forma, quando o investidor quer saber como sua empresa de


interesse está frente às demais empresas do setor ou da bolsa como um
todo, ele tem duas abordagens possíveis:

1. Identificar empresas semelhantes em termos de fluxo de caixa,


crescimento e risco;

2. Considerar que todas as empresas do setor ou da bolsa têm


diferenças controláveis, tornando-as comparáveis por meio do

58
controle das diferenças em seus fundamentos, seja por ajustes
subjetivos, por múltiplos modificados ou até por técnicas
estatísticas.

A primeira abordagem para a análise por múltiplos, portanto, consiste em


buscar empresas que são completamente comparáveis, seja por serem
idênticas (o que é raro) ou por sua semelhança em termos de fluxo de
caixa, crescimento e risco.

Para isso, deve-se identificar uma característica para representar cada um


desses fundamentos e buscar valores aproximados entre as empresas.
Como exemplo, vamos procurar uma empresa comparável à Grendene,
que tem os seguintes indicadores: Retorno sobre o Patrimônio Líquido
(ROE ≈ 14%), crescimento de lucros (g ≈ 6%) e Beta (β ≈ 1,5), além do
estágio do ciclo de vida (empresa madura com empresa madura).

A tabela abaixo mostra algumas empresas parecidas com a Grendene.


Veja, porém, que apenas duas tem indicadores mais próximos – a
Guararapes e a Alpargatas.

Busca por empresas comparáveis à Grendene

59
É usual considerar que empresas do mesmo setor sejam comparáveis. Isso
não é necessariamente verdade. Seria melhor usar alguns filtros nessa
seleção:

Filtros financeiros

Filtros de negócios

60
TIPOS DE MÚLTIPLOS DE LUCROS

Vários são os tipos de múltiplos de lucro que o investidor pode utilizar em


sua análise. Dado que dividendo nada mais é do que uma parte do lucro
da empresa distribuído aos acionistas, o investidor por dividendos não
pode renunciar a uma boa análise sobre o potencial de geração de lucro
da empresa, partindo desde os indicadores de rentabilidade até os
indicadores de valor relativo. Há uma diversidade desses indicadores:

I. Margem Líquida (ML)


II. Retorno sobre o Patrimônio Líquido (ROE)
III. Preço/Lucro (P/L)
IV. Preço/Lucro/Crescimento (PEG)

Margem líquida
A Margem Líquida é popularmente conhecida como margem de lucro.
Indica o percentual das vendas líquidas da empresa que se transforma em
lucro após a subtração de todos os custos, despesas e impostos.

A ML demonstra quanto de lucro a empresa consegue gerar para cada R$


1 de vendas líquidas. Por ser naturalmente menor do que 1, pois o lucro é
uma parte das vendas, é comum que esse indicador seja multiplicado por
100 e apresentado como um percentual. Quando negativa, indica que a
empresa tem obtido prejuízo em sua operação.

Veja o caso da Cielo no 1o trimestre de 2022:

61
Cielo - Cálculo da Margem Líquida (1o TRI/2022)

A Cielo teve uma ML de 6,8% em 2022 (1T22), o que revela que conseguiu
transformar em lucro R$ 0,068 de cada R$ 1 de vendas líquidas.

62
Uma queda acentuada da ML pode ser explicada pela redução do lucro da
empresa ou pelo aumento do volume de vendas sem o respectivo
aumento da margem de lucro. Pode ser um indicador de que a empresa
reduziu o preço dos produtos ou serviços para manter competitividade.
Isso aconteceu com a Cielo de 2014 a 2021, quando a competitividade no
seu setor aumentou e a empresa precisou reduzir a margem para manter
market share – a ML caiu de 41,8% em 2014 para 12,8% em 2021.

Quando a ML é decrescente, como no caso da Cielo, a empresa tende a


perder valor de mercado (a ação da Cielo caiu de R$ 19,13 no final de
2014 para R$ 2,28 no final de 2021).

Múltiplo sobre o Patrimônio Líquido (ROE)


O Retorno sobre o Patrimônio Líquido é uma medida de rentabilidade
para o acionista, relacionando o lucro do acionista (lucro líquido) ao valor
contábil do patrimônio da empresa (que é a participação do acionista na
empresa, também chamado de capital próprio). O ROE indica o percentual
de retorno que a empresa consegue entregar aos acionistas, que são os
detentores do capital próprio da empresa.

A fórmula do ROE é a seguinte:

ROE = Lucro líquido/PL Inicial

É preciso, no entanto, tomar alguns cuidados, pois o PL está sujeito a


algumas variações e ajustes contábeis. Para corrigir algumas distorções, a
sugestão é calcular o ROE médio:

ROE(médio) = Lucro líquido/(PL inicial - PL final)/2

Vejamos um exemplo prático no caso da Petrobras:

ROE (médio, 2021) = 107 bilhões/350 bilhões


ROE (médio, 2021) = 30,57%

CUIDADO: Perceba que se essa fórmula for aplicada numa empresa que
tenha tido lucro líquido negativo e que também apresente um PL

63
negativo, o resultado será um ROE aparentemente positivo. Por isso, é
preciso uma boa dose de atenção antes de sair aplicando as fórmulas.

Preço sobre Lucro (P/L)


índice Preço/Lucro (P/L) indica quantas vezes o preço atual da ação da
empresa é maior do que o seu lucro por ação (LPA). O P/L demonstra
“quantos lucros” são necessários para que o investidor recupere o valor
pago naquela ação.

P/L = Preço da Ação/Lucro por Ação

Esse é o múltiplo mais comum do mercado, tendo em vista sua


simplicidade e facilidade de interpretação. É bastante comum encontrar
relatórios de análise com base nesse indicador. Mas também é fácil
encontrá-lo calculado de formas diferentes. Portanto, cuidado!

Podemos calcular o P/L passado com base no LPA anual de 2021 ou dos
últimos doze meses. Tome como base o preço da ação HYPE3 no final do
mês de setembro (30 de setembro de 2022), quando foi negociada a R$
44,25. O LPA de 2021 foi R$ 2,09, o que daria um P/L de:

P/L = Preço da Ação/Lucro por Ação


P/L = 44,25/2,09
P/L = 21,17

Mas em outubro você também já tem acesso ao LPA do segundo trimestre


de 2022, e assim pode calcular o P/L com base no LPA dos últimos doze
meses, que foi de R$ 1,95, o que dá um P/L de 24,89.

Tenha cuidado ao observar para qual período o P/L é calculado. Não é


recomendável o cálculo apenas com o lucro trimestral, tendo em vista que
existem potenciais efeitos de sazonalidade que farão você se equivocar
em sua análise. Use sempre o LPA nos últimos 12 meses (LTM- Last Twelve
Months).

64
Preço/Lucro/Crescimento (PEG)
O índice PEG (Price/Earnings-to-Growth) mede a relação do índice P/L,
porém controlando pelo crescimento esperado do lucro por ação
(LPA) da empresa. Sua análise isolada não tem uma leitura lógica, como o
próprio P/L, mas sua análise comparativa demonstra que quanto menor é
o PEG, menor é o preço que você está pagando por lucro e crescimento de
lucro. Isto é, quanto menor é o PEG, mais barata é a ação.

No caso da HiperaFarma:
P/L = 48,55/ 1,95
P/L = 24,89

LPA = 1,95

Podemos verificar nas demonstrações financeiras o valor dos dividendos


pagos pela empresa:

Podemos constatar que o percentual de lucro reinvestido foi de 41,14%


(ou seja, 0,86/2,09, pois do total de R$ 2,09 de lucro por ação, R$ 1,23
virou dividendo e R$ 0,86 foi reinvestido).

Vamos adiante. A taxa de crescimento esperado será o ROE x o


Reinvestimento.

65
Taxa de Crescimento (g) = 15,2% x 41,14% = 6,25%.

Como já sabemos que o P/L da Hypera foi 24,89, ao dividi-lo por 6,25 (não
usar o percentual) vamos encontrar um PEG de 3,98.

Não existe um valor padrão ou de referência, mas se estamos


comparando empresas, um PEG alto pode indicar um baixo crescimento
de lucro para o atual preço pago por suas ações. O contrário também é
verdadeiro – um PEG baixo pode indicar que a empresa está com um
preço menor para a taxa de crescimento de lucro que ela possui.

Em outras palavras, a razão entre o P/L e o crescimento é utilizada como


medida relativa de valor. Observe que utilizamos o P/L com base no lucro
líquido anual, assim como a taxa de crescimento do lucro líquido. Você
Deve-se utilizar o mesmo tipo de lucro nos cálculos do P/L e do g. Apenas
o LPA previsto é inadequado, pois já contém a taxa de crescimento em seu
cálculo, o que faria o crescimento aparecer duas vezes no PEG,
distorcendo o múltiplo.

Pontos de Atenção em relação ao PEG: Damodaran (2012) também


aponta cuidados adicionais e importantes que o investidor deve ter ao
utilizar o PEG para comprar empresas com características diferentes,
como risco, crescimento e payout (como medida de fluxo de caixa). As
diferenças do PEG entre essas empresas podem ser explicadas por:

66
● a) Uma empresa com baixo crescimento terá PEG alto e parecerá
mais superavaliada em relação a uma empresa com alto
crescimento, pois o PEG da empresa com alto crescimento tende a
cair quando sua taxa de crescimento diminui.

● b) Uma empresa com alto risco terá PEG baixo e parecerá


subavaliada em relação a uma empresa com baixo risco, pois o PEG
tende a cair com o aumento do risco.

● c) Uma empresa com baixo ROE (ou baixo payout) terá PEG menor e
parecerá subavaliada em relação a uma empresa com alto retorno,
pois o PEG tende a cair quando o retorno diminui.

Em síntese, a empresa em análise pode parecer subavaliada porque os


níveis de risco, crescimento ou fluxo de caixa são diferentes. Se você fez
bem a seleção das empresas comparáveis, esse problema será menor ou
até irrelevante. Mas se as empresas são pouco comparáveis, olhar para
essas características em conjunto com o PEG é indispensável.

TIPOS DE MÚLTIPLOS DE DIVIDENDOS

Existe um outro conjunto de múltiplos, que são os múltiplos de


dividendos. Os mais importantes para fins de análise de ações são os
seguintes:

I. Dividend Payout (DP)


II. Índice de Cobertura de Dividendos com Caixa (CDC)
III. Dividend Yield (DY)
IV. Dividend Yield on Cost (YOC)
V. Retorno Total ao Acionista (RTA)

Dividend Payout (DP)


Depois de se certificar que a empresa tem bom potencial de geração de
lucro, devemos analisar o histórico e o potencial de pagamento de parte
desse lucro como dividendo. Dessa forma, além de utilizar os múltiplos de
lucros nas análises, é indispensável avaliar alguns múltiplos de dividendos,
que indicam o volume de lucro que a empresa distribui, a solidez da

67
distribuição e do pagamento de dividendos, além da rentabilidade
oferecida ao investidor.

O Dividend Payout (DP), ou simplesmente índice payout, é o percentual de


lucro da empresa distribuído aos acionistas em forma de proventos. Os
lucros de uma empresa podem ter dois destinos: distribuição aos
acionistas ou reinvestimento na empresa. A parcela distribuída é aquela
que indica o payout da empresa. A Odontoprev, por exemplo, teve um
LPA de R$ 0,54 e pagou em DPA um total de R$ 0,36 no ano de 2019.
Assim, o payout foi de 66,7%, o que revela que ela distribuiu aos seus
acionistas cerca de 2/3 do lucro.

DP = Dividendo por ação / Lucro por ação

No numerador desse indicador está o DPA (ou provento pago em


dinheiro), que é o montante de proventos declarados ou efetivamente
pagos pela empresa naquele período. No denominador, está o LPA
(recorrente) da empresa, que deve ser o lucro no período sem os efeitos
dos itens não recorrentes e após os impostos sobre o lucro. Nesse cálculo,
usamos os valores por ação porque no Brasil algumas empresas têm mais
de um tipo de ação, podendo a preferencial ter um dividendo diferente da
ordinária.

O quadro a seguir mostra algumas relações importantes para guardar. Ele


mostra que, quanto menor o pagamento de dividendos, menor o payout.
Quanto maior a retenção de lucros, menor payout (e quanto menor a
retenção de lucros, maior o payout). Quanto maior a valorização esperada
da ação, menor o payout (e quanto menor a valorização esperada da ação,
maior o payout).

68
Em essência, não há um número em especial que define o payout ideal
de uma empresa, especialmente por depender do setor de atuação, do
estágio de ciclo de vida, do tipo de controlador da empresa (se família,
governo, etc.), entre outros aspectos. São vários fatores que determinam
qual é a parcela de lucro distribuída.

Índice de Cobertura de Dividendos com Caixa (CDC)


O índice de Cobertura de Dividendos com Caixa (CDC), ou Cash Dividend
Covarage Ratio, indica quantas vezes o fluxo de caixa operacional (FCO) da
empresa é maior do que os dividendos pagos aos acionistas. Demonstra
quanto de fluxo de caixa a empresa é capaz de gerar para cada R$ 1 de
dividendo. Quando negativo, indica que a empresa não tem gerado caixa
suficiente com suas operações para manter o pagamento de dividendos.
Se isso acontecer, representa um risco para a sua estratégia de
investimento.

CDC = FCO por ação / Dividendo por ação

No numerador desse indicador está o fluxo de caixa das atividades


operacionais (FCO) por ação (FCO dividido pela quantidade de ações em
circulação). O FCO demonstra o fluxo de entradas e saídas de caixa da
empresa, levando em consideração apenas as transações necessárias às
suas operações. No denominador, está o DPA pago aos acionistas
naquele período. É importante que você tenha um olhar mais cuidadoso
sobre os proventos, no sentido de identificar o valor que efetivamente é
uma saída de caixa no período.

Vejamos o exemplo da Engie:

Segundo os dados das demonstrações financeiras, em 2021 caixa gerado


pelas operações (no caso da controladora) foi de R$ 3.195.311 milhões

O número de ações ordinárias em circulação era de 815.927.740.

O dividendo pago por ação foi de R$ 2,50.


Substituindo na fórmula:

69
CDC = FCO por ação / Dividendo por ação
CDC = (3.195.311/815.927)/2,5
CDC = 1,56

Isso revela que a Engie gerou 1,56 vezes mais caixa nas suas atividades
operacionais do que a quantidade de dividendo pago, ou, que a empresa
gerou R$ 1,56 em caixa operacional para cada R$ 1 de dividendo pago.

Dividend Yield (DY)


O Dividend Yield (DY) é o rendimento do dividendo da empresa em relação
ao preço de sua ação. Ele demonstra em termos percentuais quanto a
empresa paga em dividendos em relação ao preço da ação. Por exemplo,
a MRV Engenharia pagou R$ 1,11 de dividendos aos seus acionistas em
2019. Em 30 de dezembro de 2019, quando a ação MRVE3 fechou o dia
cotada a R$ 21,55, o dividend yield era de 5,15%.

DY = Dividendo por ação / Preço por ação

No numerador desse indicador está o total de dividendos (ou proventos)


pagos por ação ao longo de um determinado período (trimestre, ano ou
últimos doze meses). No denominador, está o preço da ação, podendo ser
o preço em uma determinada data, podendo ser uma data passada ou o
preço na data da análise (que é mais comum).

O DY também pode ser calculado com base no dividendo passado (LTM ou


TTM) ou com base em projeções para dividendos futuros (forward), de
forma semelhante ao que demonstramos no P/L.

Dividend Yield on Cost (YOC)


O Yield on Cost (YOC), ou Dividend Yield on Cost, representa quanto de
rendimento de dividendo você recebe em relação ao preço médio de
aquisição da ação. Enquanto no DY você utiliza o preço em uma data
específica (final de algum período no passado ou o dia da sua análise), no
YOC você usa o valor que pagou para comprar a ação. E se fez mais de

70
uma compra em preços diferentes, você usa o seu preço médio para o
cálculo do YOC.

No caso anterior da MRV Engenharia, em 2019 o DPA foi R$ 1,11, o que


gerou um DY de 5,15% sobre o preço de R$ 21,55 no dia 30 de dezembro
de 2019, nossa data de análise. Agora, considere que você tenha
comprado 200 ações MRVE3 ainda em 2018, em dois momentos: cem
ações a R$ 9,50 no dia 12 de junho de 2018 e outras cem ações a R$ 9,98
no dia 20 de dezembro de 2018. O seu preço médio nessas duzentas ações
seria de R$ 9,74 por ação.

YOC = Dividendo por ação / Preço médio de aquisição da ação

YOC = 1,11 / 9,74


YOC = 11,40% ao ano.

Retorno total ao acionista


O Retorno Total ao Acionista (RTA), ou Total Shareholder Return (TSR),
indica o total de retorno que um investidor pode obter com a empresa,
somando-se os dividendos recebidos e o ganho de capital proveniente da
valorização da ação da empresa no mercado. Esse é um múltiplo que
combina as duas maneiras básicas pelas quais um investidor ganha
dinheiro com ações: dividendos recebidos e ganho (ou perda) de capital
com a valorização (desvalorização) da ação.

RTA = (Preço final da ação - Preço inicial da ação) + Dividendos


Preço inicial da ação

Exemplo: em 30 de dezembro de 2018, a ação MRVE3 era negociada a R$


11,61 e, um ano depois, chegou a R$ 21,55 (em 30 de dezembro de 2019),
o que representa um ganho de capital de R$ 9,94 (valorização de 85,62%).
O investidor que adquiriu a ação no final de 2018 teve um ganho total de
R$ 11,05 ao longo de 2019 (R$ 1,11 em dividendos e R$ 9,94 em
valorização da ação) sobre um investimento inicial de R$ 11,61 (na compra
da ação um ano antes).

71
RTA = (21,55 - 11,61) + 1,11
11,61

RTA = 95,17%

Em 2019, enquanto a MRV Engenharia teve um RTA de 95,17%, o retorno


do Ibovespa foi de 31,58%. Ou seja, a MRV ofereceu aos seus acionistas
um retorno mais que três vezes superior à média do mercado no ano de
2019. Nesse caso, a MRV se mostrou como um investimento melhor do
que a média do mercado.

MÚLTIPLOS DE VALOR

Os múltiplos de valor também nos ajudam a relativizar o valor de uma


empresa usando como referência outras companhias do mesmo setor.
Vamos ver um pouco dos fundamentos desse tipo de múltiplos.
A empresa se torna valiosa pela sua capacidade de geração de caixa no
futuro. Seu crescimento operacional descontado por uma taxa (wacc)
líquida do seu crescimento resulta num valor e num Ebitda para a
empresa. Na perpetuidade, o valor de uma empresa pode ser obtido
usando a seguinte fórmula (múltiplo foward):

O resultado dessa fórmula é o que chamamos de Enterprise Value (EV)


sobre Ebitda. No site do professor da Damodaram há um banco de dados
com o Enterprise Value de empresas de vários setores e em diferentes
países ou blocos regionais. Podemos usar esse EV disponível no banco de
dados e ir em busca do Ebitda das empresas que pretendemos avaliar
para encontrar o múltiplo.

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Veja um exemplo de uma avaliação da Coteminas feita pelo Espírito Santo
Investment Bank alguns anos atrás. Como não foram encontradas
empresas comparáveis no Brasil, os avaliadores buscaram empresas em
outros países. As duas colunas à direita no quadro abaixo mostram EV
dividido pelo Ebitda de cada uma das empresas comparáveis, das quais foi
extraída a média e a mediana. Depois, é possível usar esse indicador para
encontrar o Enterprise Value da empresa alvo (no caso a Coteminas).

CONCLUSÃO
Chegamos ao fim da disciplina sobre modelos de valuation. Um ponto
importante que não se pode esquecer: antes de avaliar qualquer empresa,
é preciso conhecê-la. Para isso, podemos seguir alguns passos. Um bom
ponto de partida é buscar notícias sobre a companhia, o setor e os
concorrentes em jornais e blogs especializados. Depois, pode-se explorar
o site de Relações com Investidores e, além disso, ler o Estatuto da
empresa (que pode conter armadilhas ou oportunidades), analisar
apresentações institucionais e participar dos conference calls.

Num segundo momento, é recomendável acompanhar a cobertura de


analistas, estudar os relatórios de auditoria, o relatório de administração,
debruçar-se sobre atividades, riscos, governança e analisar os pontos
positivos e negativos para formar a tese de investimento. Em seguida, é
importante fazer a análise de indicadores importantes (como lucro, ativo,

73
EV, EBITDA e assim por diante) e as demonstrações financeiras e do ciclo
de vida da empresa.

Outros pontos a observar: veja se o nível de remuneração dos executivos


é razoável (às vezes a empresa privilegia o pagamento de quem está
dentro, deixando para trás quem está fora). Procure saber se as pessoas
que trabalham na empresa (insiders) mantêm as ações em suas carteiras.
Avalie como é a comunicação da empresa com seus acionistas. Análise se
a empresa faz uso aceitável de medidas non-GAAP (medidas gerenciais).
Fique atento sobre a política da empresa para recompra de ações e para o
pagamento de dividendos.

Muitos dados contábeis e não contábeis podem ser encontrados no site


de RI das empresas. As informações obrigatórias também estarão
disponíveis no site da CVM.

Por fim, lembre que o processo de valuation (e principalmente suas


premissas) são mais importantes que o resultado na planilha. Uma boa
tese de investimento leva em consideração se a empresa tem uma boa
governança corporativa, quais são os direcionadores de valor, se os
indicadores são bons, qual a qualidade da gestão e se a empresa tem
consistência na criação de valor, além de seus pontos fortes e fracos.

Mais do que os métodos quantitativos, é necessário conhecer com


profundidade o que a empresa faz, como ela faz, a quem atende, qual a
sua demanda, demanda reprimida e sua política interna e, mais
recentemente, assuntos relacionados à sustentabilidade.

Apostila atualizada em 13/06/2023

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