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histórias
10 Editorial
28 Linha do tempo
36 Mulheres no graffiti
por Katia Suzue
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86 Ficha técnica
Além das ruas - histórias do graffiti
A
rte pública por excelência, o grafite é expressão fundamental dos
espaços urbanos que habitamos. Herdeira de intervenções presentes
em sociedades da Antiguidade, como a romana e a egípcia – nas quais
turistas e nativos relatavam em paredes suas experiências com os espaços
públicos –, a prática de grafitar se consolidou como expressão artística
e política de jovens em todo o mundo, pintando e colorindo a paisagem
opressora das metrópoles. Com movimentos de contracultura gestados nos
anos 1960, nos Estados Unidos e na França, as grafias rápidas e hieroglíficas
se desenvolveram técnica e esteticamente em obras de arte que hoje ocupam
muros, paredes, galerias e museus.
Itaú Cultural
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Editorial
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BiNHO
RiBEiRO:
HiSTóRiAS
ESCRiTAS
POR LETRAS
ENTRELA-
ÇADAS
por André Felipe de Medeiros
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Da cultura underground ao
reconhecimento internacional,
o grafiteiro e curador desta
exposição, Binho Ribeiro,
relembra sua própria história,
os trabalhos com ilustrações
na juventude, as primeiras
experiências pintando na rua e
a formação da cena paulistana
de grafite, da qual é um dos
principais expoentes.
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Além das ruas - histórias do graffiti
“
Fomos todos nós, 11 grafiteiros, Além das ruas: histórias do graffiti,
presos numa manhã de Carnaval promovida pelo Itaú Cultural (IC) com
pintando as colunas do metrô curadoria do próprio Binho.
Santana”, relembra Binho Ribeiro de
um acontecimento em 2011 – cerca A linha do tempo exposta nesta
de 25 anos após a formação da cena publicação insere o movimento na
paulistana do grafite, da qual ele é um história como uma estética recente –
dos principais nomes. Um jornalista iniciada na Nova York de meados dos
acompanhava o grupo durante as anos 1960 e 1970 e popularizada de
atividades naquela manhã, e ele fez a vez na década de 1980 –, que resultou
ponte para que diferentes telejornais do desejo de expressão inerente ao
exibissem o caso, até mesmo com ser humano, principalmente em uma
entrada ao vivo. “Minha mãe ficou situação de opressão ou invisibilidade.
assustada, porque ficou sabendo “Uma das histórias de seu surgimento
pela TV que o filho dela estava é romântica: um cara queria que uma
preso”, conta o grafiteiro. “Mas fomos mulher visse o nome dele e começou
absolvidos da acusação, porque a escrevê-lo no caminho que ela
o juiz entendeu que estávamos sempre fazia. Dali, outras pessoas
trazendo um benefício à cidade, se influenciaram e começaram a
não um vandalismo. Ou seja, era um fazer isso também”, conta o curador.
relacionamento [tido como] marginal “A essência do início do grafite e da
que começou a ser entendido como pichação é a mesma: a busca pela
benéfico”, completa. fama. Não a fama do mainstream,
mas a de ser conhecido em sua
Essa pequena história sintetiza comunidade, uma afirmação. O garoto
muitas das discussões que rondam que picha a lateral de um prédio vai
o universo do grafite nas últimas criando um nome, uma marca, uma
décadas. Entre tentativas de grife. E o grafite dialoga com isso, a
deslegitimação – seja por sua origem essência é a mesma.”
periférica, seja pelo modo como
ele ocupa os espaços públicos –
e a aceitação tanto por parte de UM FURACÃO CULTURAL
um público encantado com suas “Como não havia espaços em galerias
formas, traços e cores quanto pelas para pessoas que eram excluídas,
instituições, é uma narrativa que para uma sociedade esquecida e
se aplica ao Brasil e a diferentes abandonada, começou a surgir uma
realidades no mundo. Todas essas cultura underground” – é assim que
questões são revistas na exposição Binho resume o momento em que
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Mural feito por Vitché, Tinho, Uma grande amizade iniciou-se neste intercâmbio ao
OSGEMEOS, Speto e Binho. Chile, que, além de fortalecer o grupo, proporcionou
Chile, 1996. Fotografia: acervo aos jovens artistas conhecimentos sobre estilos e
Binho Ribeiro técnicas essenciais na formação de seus caminhos
artísticos. Essa evolução colaborou para estabelecer
São Paulo como berço de uma cultura urbana
eclética e diferenciada.
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Binho Ribeiro: histórias escritas por letras entrelaçadas
“Tudo aquilo começou a fazer um redemoinho, um furacão cultural que não era
aprovado pela sociedade. As galerias não aceitavam aquele formato de arte, e ele
só crescia, até que houve uma hora em que não tinha como barrar aquilo”, conta
Binho. Foi assim que essa cultura chegou também ao Brasil, de maneira bastante
orgânica, quase que no boca a boca em diferentes círculos. “Eu vim do skate
e do hip-hop; a dupla osgemeos (formada por Otávio e Gustavo Pandolfo) era
totalmente da raiz do hip-hop, o Speto já era ilustrador e recebia, às vezes, uma
revista que alguém trazia dos Estados Unidos, via uma foto aqui e outra ali”, diz o
grafiteiro. “A gente começou a crescer com essa cultura, todo mundo separado.
Era uma época na qual você mal tinha um telefone em casa, e, mesmo assim,
essa cultura cresceu em São Paulo.”
MOVIMENTOS COLETIVOS
“Eu não conhecia ninguém que fazia grafite, Speto também não. osgemeos
pensavam que só eles faziam aquilo no Brasil”, brinca o curador ao relembrar de
quando, na década de 1980, ainda não havia uma cena no país. Na adolescência,
ele ganhou uma bolsa para estudar desenho e, logo depois, um emprego na
Galeria do Rock, no qual desenhava estampas para as marcas. Em pouco tempo,
Binho começou a se aventurar pelo grafite ao pintar pistas de skate. Foi nesse
contexto que ele conheceu Speto, que também já produzia dentro dessa estética.
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Desde jovem, Binho demonstrou grande admiração imagem à esquerda
pela cultura japonesa, com a qual sempre teve Binho Ribeiro com colegas
bastante contato através de amigos. Personagens grafiteiros em edição de revista
como monstros e animais influenciaram bastante japonesa de 1999. Fotografia:
a definição de seu estilo. Casado com uma neta acervo Binho Ribeiro
de japoneses, tem uma filha mestiça, nascida
em 1994. Em 1999, pôde visitar a Terra do Sol
Nascente, onde foi recebido pela família Luz (Jun, imagem abaixo
Akira, Eiji Mattsui) em Tóquio, e desde então teve Mural com grafite de Binho
contato com famílias, experiências e aventuras que Ribeiro em Tóquio, Japão, 1999.
o marcaram para sempre. Fotografia: acervo Binho Ribeiro
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Binho Ribeiro: histórias escritas por letras entrelaçadas
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Grafite na mídia
(meados dos anos 1990)
Evento Ruas,
no Itaú Cultural
(2006)
afitei ros
Em 2006, o Itaú Cultural (IC)
e g i s t ro de gr a externa
R e
apresentou o evento Ruas. Além do na ár urante
pintan aú Cultural d 06.
de performance circense, teatro, I t 2 0
do s" , da Foto
to “Rua .
música eletrônica, rap e vídeos, o eventografia: Cia
Fo
foram realizadas oficinas de hip-
-hop, ações de pintura e
palestra/debate sobre grafite Museu de Arte
com osgemeos. Na ocasião, de São Paulo
artistas – entre eles Binho (2009)
Ribeiro – grafitaram placas na
lateral do edifício do IC e painéis Cento e quarenta mil visitantes.
dispostos dentro do prédio. Esse foi o público da mostra
De dentro para fora / De fora
para dentro, que levou a obra de
30 horas de arte, CPTM Daniel Melim, Ramon Martins,
(2006) Titi Freak e outros expoentes
da arte contemporânea com
Com painéis e intervenções experiência na arte de rua para
urbanas instaladas nos muros dentro do Museu de Arte de São
das estações, uma grande Paulo (Masp), conhecido ícone
exposição de arte pública da elite cultural paulistana.
foi criada com o objetivo de
humanizar a paisagem que Também em 2009, a Graffiti
acompanha a linha do trem e de fine art (GFA) teve sua primeira
aproximar a Companhia Paulista edição, no Museu Brasileiro da
de Trens Metropolitanos (CPTM) Escultura (MuBE), com cerca
de seus usuários. O mutirão de 50 artistas. Hoje, a Bienal
artístico, coordenado por Binho internacional GFA conta com
Ribeiro e Bonga, reuniu cerca de mais de cinco edições, sendo
150 artistas do grafite, vindos de uma das mais completas
diversas partes do país. exposições de arte de rua
do mundo.
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Linha do tempo
Registro de m
Frasão e Katiaural de Odé
S z
Fotografia: a cervo u ue, 2017.
Binho R ibei
ro
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A grafiteira, artista plástica
e educadora Katia Suzue
fala de sua experiência com
o grafite, de suas principais
influências, da evolução de
seu estilo, dos desafios e
da construção de espaços
de apoio e fortalecimento
entre mulheres em uma
cena da arte de rua
tradicionalmente masculina.
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Além das ruas - histórias do graffiti
N
asci e cresci na Zona Norte de evolução como estudante, artista,
São Paulo e me lancei para valer mãe, mulher e feminista. Quero
no jogo do graffiti em 2005. contar um pouco sobre as mulheres
Nessa época eu só queria fazer parte, que conheci ao longo desse
criando bombs [formato de grafite período de lutas e glórias, no qual
rápido, com letras estilizadas de poucas nos tornamos muitas.
simples e poucas cores] Nós nos fortalecemos em rede,
pela cidade. Por muito compartilhando informações e
tempo fiquei nesse eventos e nos energizando com as
cenário tradicional, cheio experiências de outras mulheres que,
de regras, como nós, escrevem diariamente
muitos homens, a sua história nas ruas de todo
pouquíssimas o mundo. Paralelamente ao meu
mulheres, muita percurso nas ruas, segui como
vivacidade e muita educadora, lugar que me manteve
competição. Segui em estudo constante e nutrindo o
trilhando esse caminho interesse pela trajetória dessas
das ruas e resistindo mulheres.
a esse mecanismo nada
convidativo às mulheres, em Seguindo a regra
que era possível básica do
contar nos dedos graffiti – de
as graffiteiras que respeitar
conheci e com as quem veio
quais pintei, mas com primeiro –,
quem me conectei quero começar
profundamente e até hoje citando Lady
guardo em meu coração. Pink, graffiteira
equatoriana radicada
Minha história começou no real nos Estados Unidos. Ela recentemente
vandal – estilo em que só cabem deu um depoimento contando que,
letras e que é ilegal por essência, quando começou a pintar, escutava
no sentido literal de vandalismo; é rock e que a imagem atrelada a ela
oriundo do movimento hip-hop e tem de mulher cult da cultura hip-hop
como objetivo demarcar território (graças ao filme Wild style, de 1982,
– e foi se desdobrando, entre do qual foi protagonista) não a
mudanças de estilos, acompanhando representava. Apesar disso, assim
meu desenvolvimento e minha perpetuou seu nome e se tornou
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AS
FUNDAÇÕES
DO GRAFiTE
COMO
EXPRESSÃO
URBANA
por Icaro Mello
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Membro de uma geração
que construiu as bases da
cultura do grafite em Nova
York, o grafiteiro T-Kid fala
da realidade social no Bronx,
das mudanças estéticas
e técnicas que o grafite
incorporou com o passar
dos anos e da potência de
sua internacionalização.
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N
ascido em Nova Jersey e criado
no Bronx, em Nova York, Julius
Cavero, conhecido mundialmente
como T-Kid, descobriu o grafite
ainda criança, aos 7 anos, através de
tags (escrita do nome ou apelido do
artista, no grafite e no picho, que lhe
dá visibilidade e reconhecimento)
pichadas nos muros. Fruto de uma
complexa e dura realidade urbana
daquela cidade na década de 1970, ele
construiu uma reputação ainda jovem,
com acrobacias urbanas e espalhando
suas tags “King13” e “Sen102”.
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As fundações do grafite como expressão urbana
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As fundações do grafite como expressão urbana
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Registro de trem pintado por
T-Kid em Nova York, 1984
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Assim, o grafite como arte passou a existir. Era feito no aço, nos trens,
era ilegal. A gente não pedia aos nossos pais que comprassem tinta, a
gente roubava. Era arte das pessoas pobres, que não tinham nada, e
isso deixava tudo mais passional. Quando foi para as paredes depois,
tudo se tornou mais criativo, mais estético, e, como não era ilegal, as
pessoas aceitaram melhor. Muitos grandes artistas nasceram aí, onde
nada era comprado nem planejado. Juntos, nós nos energizávamos,
trocávamos influências. Quando estávamos nos túneis e nos pátios dos
trens, ficávamos sentados conversando, fazendo piadas, rindo, e essa
energia era transformada em criações maravilhosas. Era incrível. Nunca
mais teremos um período como aquele. Não tínhamos revistas, lojas
dedicadas ao grafite, tintas específicas, cápsulas de spray. Usávamos o
que estava disponível, o que conseguíamos achar. E isso é arte, ela vem
da ausência. Nós nos tornamos algo e fizemos do grafite algo global.
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“Pintei uma parede no
Bronx com osgemeos
e o Cope2. Pintei com
o Bonga MAC em
Paris. E pintei com o
Binho na China, na
França, na Alemanha
e em Nova York. Só de
pintar com eles, eu já
pude sentir a energia
do Brasil. O Brasil é
incrível, assim como a
arte que é produzida
aí. Acho incrível, em
São Paulo, os prédios
enormes e os artistas
fazendo seus grafites
nas empenas.”
LiVROS
PARA
CONHECER
O GRAFiTE
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Binho Ribeiro, grafiteiro
e curador da exposição
Além das ruas: histórias do
graffiti, selecionou 11 livros
que apresentam reflexões e
críticas por meio de cores e
traços nos muros da cidade.
As obras bibliográficas
indicadas abrangem, além
da história do grafite, os
trabalhos e os artistas de
destaque desse meio.
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Publicado pela primeira vez em 1984, Nicholas Ganz combina suas próprias
Subway art é um conjunto documental experiências, depoimentos de artistas
do fotógrafo Henry Chalfant e da e mais de 2 mil obras para analisar
fotojornalista Martha Cooper que a essência do grafite, conduzindo o
apresenta a explosão do movimento leitor pela história desse movimento
do grafite na cidade de Nova York. nos Estados Unidos, na Europa, no
Conhecido como A Bíblia do Grafite, Brasil e em outros lugares.
o livro é considerado um dos
responsáveis pela internacionalização
desse movimento. O grafite na cidade de
São Paulo e sua vertente
no Brasil
Spraycan art Sérgio Poato
Henry Chalfant e James Prigoff Núcleo Interdisciplinar do Imaginário
Thames & Hudson e Memória (Nime)/Laboratório
[edição em inglês] de Estudos do Imaginário (Labi)/
Instituto de Psicologia da
Publicado em 1987, Spraycan art é um Universidade de São Paulo
trabalho documental dos fotógrafos
Henry Chalfant e James Prigoff sobre Lançado em 2006, o livro integra a
o início da disseminação do grafite coleção Imaginários, série semestral
nova-iorquino ao redor do mundo, com de obras que buscam compor um
obras e depoimentos de grafiteiros. conjunto de artigos e trabalhos em
diferentes áreas do conhecimento,
como antropologia, artes plásticas,
cinema, geografia, história, literatura
e música.
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Livros para conhecer o grafite
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Graffiti Brasil
Tristan Manco, Lost Art e Caleb
Neelon
Thames & Hudson
[edição em inglês]
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PÁGiNAS
DE
CRiAÇÃO
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Crédito
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FUNDAÇÃO ITAÚ
Presidente do Conselho Curador Alfredo Setubal
Presidente Eduardo Saron
ITAÚ CULTURAL
NÚCLEO DE AUDIOVISUAL
Gerência André Furtado
Coordenação Kety Fernandes Nassar
Produção audiovisual Amanda Lopes e Ana Paula Fiorotto
Captação Abaquar Produções (terceirizada)
Edição Algazarra Produção Cinematográfica (terceirizada) e Richner Allan
Ficha técnica
CONSULTORIA JURÍDICA
Gerência Anna Paula Montini
Coordenação Daniel Lourenço
Equipe Rafael Del Piero
AGRADECIMENTOS
A Bob Fonseca, Ludmila Cayres, Leandro Mantovani, Tiago Diel (Eurecka
Filmes), Vinicius Vg, Alex Hornest, Henrique Cabral, Adriano Mendez, Bruna
Monique, Fernando Augusto e Miguel Chaia. Aos artistas, à equipe de produção
e às pessoas que fizeram e fazem parte dessa história, inclusive as que não
foram citadas, mas que têm grande importância na construção dessa cultura.
Aos grandes artistas que partiram, entre eles Zelão, Niggaz, Vermelho, Pakato
e ACB (artista chilena que também marcou presença em importantes
momentos do grafite em São Paulo), que colaboraram e deixaram suas obras
e histórias eternamente.
pisos 1, -1 e -2
entrada gratuita
Itaú Cultural
Avenida Paulista, 149, São Paulo, SP
Memória e Pesquisa | Itaú Cultural
ISBN: 978-65-88878-72-9