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CHILDREN OF THE NAMELESS

Filhas do Sem Nome

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www.MagicTheGathering.com

Escrito por Brandon Sanderson

Arte da capa por Chris Rahn

Tradução e Revisão por Eri Johnson (Blackarucado)

Primeira impressão: dezembro de 2018

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PRIMEIRA PARTE
Prólogo

Havia dois tipos de escuridão, e Tacenda temia o segundo mais do que o primeiro.

A primeira escuridão era uma escuridão comum. A escuridão das sombras, onde a luz se esforçou
para alcançar. A escuridão da porta de um armário, rachada, ou do velho galpão perto da
floresta. Essa primeira escuridão era a escuridão do anoitecer, que se infiltrava nas casas quando
a noite chegava como um visitante indesejado que você não tinha escolha senão deixar entrar.

A primeira escuridão tinha seus perigos, particularmente nesta terra onde as sombras respiravam
e as coisas escuras uivavam à noite. Mas foi a segunda escuridão – a que encontrou Tacenda
todas as manhãs – que ela realmente temia. Sua cegueira estava ligada diretamente ao nascer do
sol; Quando sua primeira luz apareceu, sua visão desapareceria. A segunda escuridão a
reivindicaria: uma escuridão pura e inescapável. Apesar das garantias de pais e padres, ela sabia
que algo terrível a observava daquela escuridão.

Sua irmã gêmea, Willia, entendeu. A maldição de Willia era o inverso de Tacenda – Willia tinha
visão durante o dia, mas era reivindicada pela segunda escuridão a cada noite. Nunca houve uma
época em que as duas pudessem se ver. E assim, embora gêmeas, as meninas nunca puderam
olhar uma a outra nos olhos.

Enquanto crescia, Tacenda tentou banir o medo dessa segunda escuridão aprendendo a tocar
música. Ela disse a si mesma que, pelo menos, ela ainda podia ouvir. De fato, embora cega, ela
sentiu que poderia ouvir melhor a música natural da terra. O barulho de seixos sob um passo. O
vibrante tremor de um riso quando uma criança passou por seu assento no centro da cidade. Às
vezes, Tacenda até sentia que podia ouvir o alongamento de árvores antigas à medida que
cresciam – um som como a torção de uma corda – acompanhada pelo suspiro gentil de suas
folhas sedentas.

Ela desejou poder ver o sol, mesmo uma vez. Uma bola de fogo gigante e ardente no céu, mais
brilhante até do que a lua? Ela podia sentir seu calor intenso em sua pele, então sabia que era
real, mas como deve ser para todos os outros viverem suas vidas, vendo aquela incrível fogueira
no céu caindo sobre eles?

As pessoas da aldeia souberam das maldições inversas das meninas e as viram como marcadas.
Foi o toque do pântano sobre elas, as pessoas sussurraram. Uma coisa boa: significava que as
garotas gêmeas haviam sido reivindicadas, abençoadas.

Tacenda teve dificuldade em sentir que era uma bênção até o primeiro dia em que encontrou sua
verdadeira canção. Ainda criança, o povo da aldeia comprou tambores de um comerciante
itinerante, para que ela pudesse cantar para eles enquanto trabalhavam nos campos de terra. Eles
disseram que a escuridão entre as árvores parecia recuar quando ela cantava, e eles alegaram que
o sol brilhava mais forte. Em um desses dias, Tacenda descobriu um poder dentro dela – e
começou a cantar uma bela canção de alegria. De alguma forma, ela sabia que tinha vindo do
pântano. Um presente junto com sua maldição da cegueira.

Willia sussurrou que também sentia um poder dentro dela. Uma força estranha e incrível.
Quando ela lutou com a espada – embora apenas doze anos de idade – ela poderia igualar até
mesmo Barl, o ferreiro.

Willia sempre foi a mais feroz. Pelo menos durante as horas do dia. À noite, quando a segunda
escuridão a tomou, ela tremeu com um medo que Tacenda conhecia intimamente. Durante
aquelas longas noites, Tacenda cantou para sua irmã, uma garota que estava aterrorizada - contra
a razão – que, desta vez, a luz não voltaria para ela.

Foi uma dessas noites, logo após o décimo terceiro aniversário, que Tacenda descobriu outra
música. Veio para ela como uma coisa da floresta arranhada na porta, uivando e delirando. Feras
às vezes vinham da floresta à noite, invadindo casas, levando os que moravam dentro. Era o preço
de viver nas proximidades; a terra exigia um imposto sobre o sangue de alguém. Havia pouco a
fazer além de barrar sua porta e orar para o pântano ou para o anjo – dependendo de sua
preferência – pela libertação.

Mas naquela noite – ouvindo a irmã entrar em pânico e os pais chorarem – Tacenda deu um
passo em direção à fera que invadiu. Ela ouvira música na porta rachada e estilhaçada, na brisa
que sacudia as árvores, em seu próprio ritmo cardíaco. Trovejou em seus ouvidos. Ela abriu a
boca e cantou algo novo. Uma música que fez a fera gritar de dor e se retirar. Uma canção de
desafio, uma canção de alerta, uma canção de proteção.

Na noite seguinte, a aldeia pediu-lhe para cantar sua música na escuridão. Sua música parecia
ainda a floresta. Daquele dia em diante, nada veio da floresta. A aldeia, outrora a menor das três
nas proximidades, começou a crescer à medida que as pessoas ouviam falar de suas protetoras
gêmeas: a guerreira feroz que treinava durante o dia e a cantora tranquila que acalmava a noite.

Por dois anos, a aldeia conheceu uma paz notável. Nenhuma pessoa tomada durante a noite.
Nenhum animal uivando para a lua. O pântano enviara guardiões para abrigar seu povo.
Ninguém notou muito quando um novo lorde, que se chamava Homem da Mansão, chegou para
substituir o antigo. As brigas entre os senhores não eram para as pessoas comuns questionarem.
De fato, esse novo Homem da Mansão parecia guardar para si mesmo – uma melhoria sobre o
velho senhor. Então eles pensaram.

Mas então, logo depois que as gêmeas completaram quinze anos, tudo deu errado.
CAPÍTULO 1: Tacenda

Os Whisperers chegaram pouco antes do anoitecer, e a música de Tacenda não foi suficiente
para detê-los.

Ela gritou o refrão da Canção de Proteção, deslizando as mãos pelas cordas da sua viola - um
presente de seus pais em seu décimo quarto aniversário.

Seus pais tinham ido embora agora, mortos dez dias antes pelas estranhas criaturas que agora
assaltavam a aldeia. Tacenda mal havia se recuperado daquela dor quando eles levaram Willia
também. Agora, eles vieram para a aldeia inteira.

Como o sol ainda não havia se posto, ela não conseguia vê-los, mas ouvia suas vozes silenciosas
sobrepostas enquanto fluíam em torno de seu assento. Eles falavam em tom rouco – suave, as
palavras indistinguíveis – como um underchant para sua música.

Ela redobrou seus esforços, arrancando música de sua viola com dedos crus, sentada em seu
lugar habitual no centro da aldeia, junto à cisterna gorgolejante. A música deveria ter sido o
suficiente. Por dois anos, havia parado todo terror e horror. Os Whisperers, no entanto, pareciam
indiferentes enquanto fluíam em torno de Tacenda. E logo, gritos humanos de terror surgiram
como um horrível coro ao redor dela.

Tacenda tentou cantar mais alto, mas sua voz estava rouca. Ela tossiu na próxima respiração. Ela
engasgou, tremendo, lutando para…

Algo frio a roçou. A dor em seus dedos ficou entorpecida, e ela engasgou, pulando para trás,
apertando a viola contra o peito. Tudo estava preto ao seu redor, mas ela podia ouvir a coisa
próxima, mil sussurros sobrepostos, como páginas enroladas, cada uma tão silenciosa quanto
uma respiração agonizante.

Então se afastou, ignorando-a. O resto dos aldeões não teve tanta sorte. Eles haviam se trancado
em suas casas – onde agora eles gritavam, rezavam e imploravam… até que, um por um,
começaram a ficar em silêncio.

“Tacenda!” Uma voz gritou por perto. “Tacenda! Socorro!”

“Mirian?” A voz de Tacenda saiu como um grasnido irregular. Em que direção esse som veio?

Tacenda girou na escuridão, chutando seu banquinho fazendo barulho.


“Tacenda!”

Lá! Tacenda correu com cuidado o pé ao longo da lateral da cisterna para sentir as pedras
esculpidas e se orientar, depois penetrou na escuridão. Ela conhecia bem essa área, e fazia anos
que ela tropeçava ao cruzar a praça da aldeia. Mas ainda assim, ela não podia evitar aquele pico
de medo que sentia ao dar um passo à frente. Fora, naquela escuridão que ainda a aterrorizava.

Desta vez, ela andaria no vazio e nunca mais voltaria? Será que ela continuaria tropeçando em
uma vasta escuridão desconhecida, perdida por todos os sentimentos e toques naturais?

Em vez disso, ela alcançou a parede de uma casa, exatamente onde ela havia previsto. Ela se
sentiu com os dedos crus, tocando o parapeito da janela, sentindo as ervas nos vasos de Mirian
em fila, uma das quais – em sua pressa – ela acidentalmente derrubou. Ela se quebrou nas
pedras.

“Mirian!” Tacenda gritou, sentindo o caminho através da parede. Outros gritos ainda soavam na
aldeia – algumas pessoas chorando por ajuda, outras gritando em pânico. Juntos, os sons eram
uma tempestade, mas cada um parecia tão só.

“Mirian?” Tacenda disse. “Por que sua porta está aberta? Mirian!”

Tacenda entrou na pequena casa e depois tropeçou em um corpo. Com as lágrimas molhando as
bochechas, Tacenda ajoelhou-se, ainda segurando sua viola em uma das mãos. Com a outra, ela
sentiu a saia de renda – bordada pela mão de Mirian, durante as noites, quando às vezes ficava
acordada para fazer companhia a Tacenda. Ela moveu a mão para o rosto da mulher.

Mirian trouxera o chá de Tacenda há menos de uma hora. E agora… sua pele já estava fria de
alguma forma, seu corpo rígido.

Tacenda deixou cair sua viola e se afastou, batendo de volta contra a parede, derrubando alguma
coisa.

O item caído quebrou quando bateu no chão, um som quase musical.

Lá fora, os últimos gritos estavam saindo.


“Leve-me!” Tacenda gritou, sentindo o caminho ao redor da porta. Ela raspou o braço em um
canto afiado, rasgando sua saia, sangrando seu antebraço. “Leve-me, como você fez com a minha
família!” Ela cambaleou para a praça principal novamente e, quando mais gritos e pânico se
dissiparam, ela escolheu uma voz mais baixa. Uma voz de criança.

“Ahren?” Ela gritou. “É você?”

Não. Pântano, ouça minha oração. Por favor…

Ahren! Tacenda seguiu o pequeno grito de pânico até outra casa. A porta estava trancada, mas
isso não importava parar os Whisperers. Eles eram espíritos ou geists de algum tipo.

Tacenda foi até a janela, onde ouviu uma pequena mão batendo no vidro. “Ahren…” Tacenda
disse, colocando a própria palma contra o vidro. Uma frieza passou por ela.

“Tacenda!” O menino gritou, a voz abafada. “Por favor! Eles estão chegando!”

Ela respirou fundo e tentou – através de seus soluços – forçar uma música. Mas a Canção de
Proteção não estava funcionando. Talvez… talvez outra coisa?

“Simples… dias simples de sol quente…” ela começou, tentando sua velha música. A alegre que
ela cantou para a irmã e as pessoas da aldeia, quando ela era criança. “E a luz que acalma e não
vai correr…”

Ela encontrou as palavras morrendo em seus lábios. Como ela poderia cantar sobre um sol
quente que ela não podia mais ver?

Como ela poderia tentar acalmar, trazer alegria, quando as pessoas estavam morrendo ao seu
redor?

Aquela música… ela não se lembrava mais daquela música.

O choro de Ahren parou quando um baque abafado soou dentro da construção. Lá fora, os
últimos gritos desapareceram.
E a aldeia ficou em silêncio.

Tacenda recuou da janela e, atrás dela, ouviu passos.

Passos. Os Whisperers não fizeram tal som.

Ela se virou em direção aos passos e ouviu o farfalhar de uma capa, de alguém por perto,
observando-a.

“Eu ouvi você!” Tacenda gritou para a figura invisível. “Homem da mansão! Eu ouço seus
passos!”

Ela ouviu a respiração. Os sons, até mesmo dos Whisperers, desapareceram. Mas quem estava lá,
observando, permaneceu imóvel.

“Leve-me!” Tacenda gritou na segunda escuridão. “Termine com isso!”

Os passos, em vez disso, recuaram. Uma brisa fria e solitária soprou pela aldeia. Tacenda sentiu
os últimos raios de sol se dissiparem, o ar gelando. Quando a noite caiu, a visão de Tacenda
retornou. Ela piscou quando a escuridão recuou para meras sombras, o céu ainda levemente
quente do recente repouso do sol. Como as brasas que se agarram – brevemente – a um pavio
depois que o fogo se apagou.

Tacenda se encontrou de pé perto da cisterna, o rosto uma bagunça de lágrimas e cabelos


castanhos emaranhados. Sua preciosa viola estava arranhada, com o acabamento em madeira
riscado, logo depois da porta da casa de Mirian.

A aldeia ficou em silêncio. Sobrou casas vazias e cadáveres para Tacenda.


CAPÍTULO 2: Tacenda

Tacenda passou cerca de meia hora invadindo casas, procurando em vão por sobreviventes. Até
mesmo aquelas famílias que fugiram para a igreja haviam caído. Ela verificou cadáver após
cadáver, a luz desapareceu de seus olhos e o calor roubado de seu sangue.

Seus pais sofreram o mesmo destino, dez dias antes. Eles, juntamente com Willia, estavam a
caminho de entregar oferendas ao pântano. O Homem da Mansão os havia interceptado e
atacado, suas razões insondáveis. Ele dominou Willia, que – apesar de sua força incomum – não
era páreo para sua terrível magia.

Willia escapou e correu para o priorado em busca de ajuda. Quando ela retornou com os
soldados da igreja, eles encontraram apenas dois cadáveres. Seus pais, seus corpos já frios.
Naquela noite também, os Whisperers apareceram pela primeira vez – geists estranhos e
distorcidos que matavam aqueles que se afastavam das aldeias. Testemunhas juraram que
trabalhavam sob o comando do Homem da Mansão.

Mesmo assim, Tacenda esperava por libertação. Esperava que o pântano os protegesse. Até que o
homem da mansão finalmente chegou até Willia, matando-a. E agora…

E agora…

Tacenda caiu na porta da família Weamer, com a cabeça nas mãos, iluminada pelo luar distante.
Os padres e Willia queriam dar a seus pais um enterro na igreja, mas Tacenda insistiu que seus
corpos fossem devolvidos ao pântano. Sacerdotes podiam ensinar tudo o que o Anjo queria as
pessoas, mas a maioria do povo das proximidades sabia que eles pertenciam – em última
instância – ao Pântano.

Mas… quem devolveria todos esses cadáveres ao pântano? A aldeia inteira?

De repente, parecia que os olhos de todos os cadáveres estavam observando-a. Com uma mão
dolorida, Tacenda sentiu o pingente de sua irmã, que ela usava em volta do pulso. O simples
cordão de couro trazia um ícone de ferro do Anjo Sem Nome. Ela e sua viola eram as únicas
coisas importantes que restavam em sua vida. Então não havia razão para ficar aqui embaixo
daqueles olhos vigilantes e mortos.

Sentindo-se entorpecida, Tacenda pegou sua viola e começou a andar. Ela saiu da cidade,
passando pelo campo de dustwillow onde o cadáver de Willia havia sido encontrado. Naquele
dia... bem, um pedaço de Tacenda se tornou frio. Talvez por isso, agora que tudo aquilo havia
acontecido, ela se encontrava cansada demais para as lágrimas.

Ela saiu para a floresta escura, um lugar onde nenhuma pessoa sã foi. Viajar pela floresta à noite
era exigir um contratempo, convidar a se perder ou abrir-se para as presas de algum animal à
espreita. Mas por que isso importaria para ela agora? Sua vida era sem sentido, e ela não poderia
se perder se não estivesse planejando voltar.

Ainda assim... quando ela fechou os olhos, ela podia sentir onde a escuridão era mais pura.
Quase tinha o sentimento daquela segunda escuridão que ela temia. Há alguns anos, ela
conheceu uma garota cega do município, visitando comerciantes. Willia estava tão animada para
falar com alguém que pudesse entender a Segunda Escuridão – mas essa garota reagiu com
confusão às suas descrições. Ela não temia a escuridão, e não conseguia entender por que elas
temiam.

Foi então que Tacenda realmente começou a entender. A coisa que eles viram quando a maldição
os levou foi algo mais profundo, estranho. Algo mais do que apenas cegueira.

Ela foi em direção à escuridão, sua saia pegando na vegetação rasteira, passando por árvores tão
antigas que ela certamente teria perdido a contagem dos anéis. Em muitas noites, essas árvores
tinham sido o único público de Tacenda, o vento em suas folhas, seu aplauso. O resto da aldeia
tinha dormido o sono certo e incerto de uma lamparina com pouco óleo. Se você acordasse com
falta de ar, pelo menos você acordaria vivo.

O interminável dossel – perfurado aqui e ali pelo luar de aço – parecia ser o próprio céu.
Erguido pelas colunas escuras das árvores, estendendo-se até o infinito, como reflexos de
reflexos. Ela andou uma boa meia hora, mas nada veio para ela. Talvez os monstros da floresta
estivessem simplesmente chocados demais ao ver uma garota solitária de quinze anos
perambulando à noite.

Logo, ela podia sentir o cheiro do pântano: podridão, musgo e coisas estagnadas. Não tinha
nome, mas os aldeões todos sabiam que os reivindicavam. O pântano era a proteção deles, porque
até mesmo as coisas que aterrorizavam na escuridão da floresta – até os pesadelos encarnados –
temiam o pântano.

E ainda assim, ele nos falhou esta noite.


Tacenda emergiu em uma pequena clareira. Ela conhecia o som do pântano tanto quanto
conhecia seu próprio batimento cardíaco – um ronco baixo, como o de uma panela fervente,
pontuado pelo estalo ocasional, que lembrava um osso quebrado. Ela veio muitas vezes com os
pais, trazendo oferendas – mas, apesar de tudo, ela nunca esteve lá durante a noite.

Era… menor do que ela imaginara. Uma piscina perfeitamente circular, cheia de água escura.
Embora o solo nesta região da floresta estivesse repleto de mires e pântanos traiçoeiros, essa
piscina específica sempre fora conhecida como “o pântano” para seu povo.

Tacenda se aproximou até a borda, lembrando-se do som suave – não exatamente um respingo,
mais um suspiro – que o corpo de seus pais tinha feito quando deslizaram para a água. Você não
precisava pesar os corpos quando alimentava o pântano. Cadáveres afundavam e não retornavam.

Ela oscilou na beira da piscina. Ela nasceu para proteger seu povo, possuindo um poder de
proteção invisível em gerações. Mas ela falhou naquele dever esta noite, e até mesmo os
Whisperers não a queriam. Tudo o que restava era se juntar aos pais dela. Deslizar por baixo
daquelas águas muito quietas. Foi o destino dela.

Não, uma voz parecia sussurrar do fundo dela. Não, não foi por isso que te criei…

Ela hesitou. Ela era louca agora também?

“Ei!” Uma voz disse atrás dela. “Ei, o que é isso?”

Uma luz berrante se espalhou e banhou a área ao redor do pântano. Tacenda se virou para
encontrar um homem velho parado na porta do barraco do zelador. Ele ergueu uma lanterna e
tinha uma barba desalinhada, na maior parte cinzenta – embora seus braços ainda tivessem
algum tom para eles e sua postura fosse forte. Rom tinha sido um caçador de lobisomens uma
vez, antes de chegar às proximidades para viver no priorado.

“Senhorita Tacenda?” Ele disse, então praticamente caiu sobre si mesmo lutando para alcançá-la.
“Agora! Fique longe dali, criança! O que está errado? Por que você não está na Verlasen,
cantando?”

“Eu…” Ver alguém vivo a surpreendeu. Não foi… o mundo inteiro não morreu? “Eles vieram
por nós, Rom. Os Whisperers…”
Ele a puxou para longe do pântano em direção ao barraco. Era um lugar seguro – protegido pelos
feitiços de um padre. Claro, essas mesmas proteções não protegeram os aldeões esta noite. Ela
não sabia o que era seguro e o que não era mais.

Sacerdotes do priorado se revezavam aqui, neste barraco, observando. Recentemente, eles


estavam tentando proibir as pessoas de trazer as oferendas do Pântano. Os sacerdotes não
confiavam no pântano e pensavam que as pessoas das proximidades precisavam ser desiludidas
de sua antiga religião. Mas um estranho, mesmo um gentil como Rom, nunca poderia entender.
O pântano não era meramente sua religião. Era a natureza deles.

“O que houve, criança?” Rom perguntou, colocando-a em um banquinho dentro do barraco do


pequeno zelador. “O que aconteceu?”

“Eles se foram, Rom. Todos eles. Os geists que levaram meus pais, minha irmã… eles vieram em
força. Eles levaram todo mundo.”

“Todo mundo”, ele perguntou. “E a irmã Gurdenvala, na igreja?”

Tacenda balançou a cabeça, sentindo-se entorpecida. “Os Whisperers passaram pelas proteções.”
Ela olhou para ele. “O homem da mansão. Ele estava lá, Rom. Eu ouvi seus passos, sua
respiração. Ele liderou os Whisperers e levou todo mundo, deixando nada além de olhos mortos
e pele fria…”

Rom ficou em silêncio. Então ele rapidamente pegou uma espada ao lado do pequeno berço do
barraco e a amarrou. Preciso ir até a sacerdotisa. Se o homem da mansão é realmente… bem, ela
saberá o que fazer. Vamos lá."

Ela balançou a cabeça. Ela se sentia exausta. Não.

Rom puxou-a, mas ela permaneceu sentada.


“Fogo do inferno, criança”, disse ele. Ele olhou pela porta, na direção do pântano – depois
estreitou os olhos. “As proteções neste barraco devem protegê-la das piores coisas da floresta.
Mas… se esses geists puderam entrar na igreja …”

“Os Whisperers não me querem de qualquer maneira.”

“Fique longe do pântano”, disse ele. “Você me promete isso, pelo menos.” Ela assentiu com a
cabeça, sentindo-se entorpecida.

O idoso sacerdote guerreiro respirou fundo, depois acendeu uma vela antes de pegar a
lamparina e sair para a noite. Ele seguiria a estrada, que o levaria além de Verlasen. Ele veria por
si mesmo então.

Todo mundo foi embora. Todos.

Tacenda sentou-se, olhando para o pântano. E lentamente, ela começou a sentir algo novamente.
Um calor subindo dentro dela. Uma fúria.

Não haveria repercussões para o Homem da Mansão. Rom podia reclamar aos sacerdotes tudo o
que ele queria, mas o homem – o novo senhor desta região – estava além da condenação. Os
sacerdotes não tinham poder real para enfrentá-lo. Eles podem gritar um pouco, mas não
ousariam fazer mais por medo de serem exterminados. O povo das duas aldeias irmãs de
Verlasen virariam a cabeça e continuariam com a vida, esperando que o Homem ficasse satisfeito
com aqueles que ele já havia matado.

Os perigos da floresta eram uma coisa, mas os verdadeiros monstros desta terra sempre foram os
senhores. Cheia de raiva, Tacenda começou a remexer na pequena cabana. Rom tinha tomado a
única arma real, mas ela encontrou um picador de gelo enferrujado na geladeira velha. Isso
serviria. Ela apagou a vela, depois olhou para o luar.

O pântano ressoou com aprovação quando ela começou a caminhar ao longo da estrada que
levava à mansão. Este era um tipo tolo de desafio, ela sabia. O homem, sem dúvida, a mataria. Ele
iria torturá-la, usar seu cadáver em algum experimento terrível, usaria sua alma como alimento
para seus demônios.
Ela foi assim mesmo. Ela não iria se jogar no pântano. Esse não era o seu destino. Ela, pelo
menos, ia tentar matar o Homem da Mansão.

CAPÍTULO 3: Tacenda

O Homem da Mansão havia chegado dois anos atrás, logo depois que Tacenda descobriu a
Canção de Proteção. Ele havia imediatamente removido o antigo governante das proximidades –
uma criatura conhecida como Lord Vaast. Ninguém derramou lágrimas pela morte aparente de
Vaast. Ele muitas vezes tomava muito sangue das moças que ele visitava à noite.

Pelo menos ele nunca reivindicou a vida de uma aldeia inteira em um dia.

Tacenda se agachou perto dos terrenos da mansão, olhando para o imponente edifício. Uma luz
muito vermelha brilhava das janelas. O homem da mansão era conhecido por consorciar com
demonios; na verdade, a estrada da frente estava alinhada com estátuas aladas que – enquanto
observava as formas sombreadas – ocasionalmente se contraíam.

Ela agarrou o picador de gelo, sua viola presa às costas dela. A parte de trás da mansão teria
entrada para empregados; seu pai havia falado que entregava camisas lá.

Sentindo-se exposta, Tacenda saiu da floresta e atravessou o gramado. O luar parecia berrante e
brilhante. Poderia o sol ser realmente mais brilhante do que era a lua? Ela chegou ao lado da
mansão, com o coração trovejando no peito, o picador de gelo preso como uma adaga. Ela
encostou-se na parede de madeira, depois avançou ao sul. Um brilho veio daquela direção. E
foram essas… vozes?

Ela chegou ao canto dos fundos da mansão, depois olhou em volta para ver uma porta aberta. A
entrada dos empregados, derramando luz pelo gramado em um retângulo. Sua respiração ficou
presa – um grupo de pequenas criaturas de pele vermelha tagarelou aqui, do lado de fora da
porta. Tão altos quanto sua cintura, os diabos disformes tinham longas caudas e não usavam
roupas. Eles brincavam em um barril de maçãs podres, jogando a fruta uns nos outros.

Aquelas maçãs… seriam da colheita do pomar do mês passado, enviadas ao Homem da Mansão,
conforme ele requisitou. Os aldeões haviam lhe dado as melhores maçãs, mas – a julgar pelo
quanto o barril estava cheio – o fruto havia sido deixado para apodrecer.
Tacenda recuou, respirando rapidamente, a mão tremendo. Ela fechou os olhos e ouviu as
criaturas tagarelando em sua linguagem gutural e distorcida. Ela costumava ouvir sons terríveis
da floresta, mas ver essas criaturas diretamente era um assunto diferente.

Ela se forçou a se mover, tentando abrir algumas janelas ao longo da parede. Infelizmente, cada
uma foi trancada, e quebrar uma chamaria a atenção. Isso deixava os portões da frente ou a porta
com as criaturas nas costas.

Ela rastejou de volta para o canto e se forçou a olhar para as coisas de novo. Os quatro brigaram
por uma maçã um tanto inteira. Tacenda respirou fundo.

E cantou.

A Canção de Guarda. Ela manteve-o suave, apenas um canto baixo e quieto – embora sua viola
respondesse à música, vibrando como sempre fazia, mesmo se ela não começasse a tocar quando
ela cantava.

A música fez o calor subir dentro dela, paixão e dor juntos. A música veio através dela mais do
que de dentro dela. Esta noite parecia particularmente vibrante. Viva. Mais do que ela era.

Os diabos congelaram e seus olhos negros se arregalaram como se estivessem aturdidos. Eles se
inclinaram para trás, lábios se abrindo, expondo dentes muito afiados. Então, abençoadamente,
eles se afastaram, guinchando baixinho e procurando a floresta.

A música queria crescer, queria explodir dela mais alto. Tacenda a cortou, depois expirou,
ofegando baixinho. A música a fez sentir. Ela puxou-a das águas, encharcada e fria, e de alguma
forma soprou vida nela. Mas como ela poderia sentir alguma coisa, exceto raiva e tristeza?

Concentre-se na tarefa em mãos. Com o picador de gelo à sua frente, ela deslizou pelas portas dos
fundos da mansão e entrou em um corredor que parecia muito acolhedor, com seu tapete grosso
e acabamento de madeira ornamentado. Esta foi a casa de um monstro. Ela não confiava em sua
fachada amigável mais do que confiava em uma garotinha encontrada no meio da floresta,
sorrindo e prometendo tesouros.

Passos rangeram o chão de madeira em uma sala próxima. Certo de que algum horror iria
explodir e agarrá-la, Tacenda subiu os degraus próximos até o segundo andar. De fato, um
momento depois que ela se acalmou, algo com pele cinza escura entrou no corredor. Os enormes
chifres da criatura escovaram o teto, e ele pisou com passos pesados.
Ansiosa, Tacenda observou-o inspecionar a área do lado de fora da porta dos fundos. Ouvira – ou
talvez apenas sentisse – sua música. Ela precisava sair de vista. Ela entrou no primeiro quarto que
encontrou no segundo andar: um quarto de dormir, a julgar pelo dossel ao luar ao lado da janela.

Ela atravessou o quarto até uma porta ao lado, então entrou em um banheiro luxuoso, com uma
banheira que poderia ter banhado uma família inteira. Ela fechou a porta, encerrando-se em um
tipo comum de escuridão. Uma que ela quase achou acolhedora. Familiar, no mínimo.

Aqui, a tensão do momento finalmente a dominou. Ela sentou-se em um banquinho na escuridão,


o picador de gelo apoiado em seu peito, sua mão tremendo. Sua viola começou a bater
suavemente em suas costas – e ela percebeu que tinha começado a cantarolar para tentar se
acalmar e parou abruptamente.

Ela, em vez disso, sentiu o pingente de sua irmã, que ela havia tomado antes de entregar o corpo
de Willia aos sacerdotes.

Willia confiara nos anjos. Ela sempre foi a mais forte, a guerreira. Ela deveria ter vivido enquanto
Tacenda deveria morrer. Willia teria mais chance de matar o Homem da Mansão.

Elas sempre confiaram uma na outra. Durante os dias, Willia encorajou Tacenda, conduziu-a aos
campos para cantar para os trabalhadores. E à noite, Tacenda cantara enquanto Willia
estremecia. Juntas, elas eram uma alma. E agora, Tacenda tinha que tentar viver sozinha?

Vozes

Tacenda ficou de pé na escuridão. Ela podia ouvir vozes se aproximando – uma delas aguda,
autoritária. Ela conhecia aquela voz. Ela tinha ouvido quando o Homem da Mansão tinha
chegado – envolto em sua capa e máscara – para reclamar da entrega da camisa de seu pai há
dois meses.

Passos soaram nas tábuas do lado de fora, o rangido de madeira velha e cansada. Tacenda se
levantou e colocou-se à direita da porta. Uma onda de pânico percorreu-a quando a porta se
abriu, derramando luz no banheiro. E depois…

Então paz. Já era tempo.

Vingança.
Ela saltou das sombras e ergueu a arma improvisada para o Homem: uma figura dominadora
com um bigode de lápis, cabelo escuro penteado para trás e um terno preto. O picador de gelo
fez um sucesso satisfatório enquanto ela bateu diretamente em seu peito esquerdo, apenas ao lado
de sua gravata violeta. A lâmina do picador entrou profundamente.

O homem congelou. Ela parecia tê-lo surpreendido de verdade, a julgar pela expressão de
choque no rosto dele. Seus lábios se separaram, mas ele não se mexeu.

Ela poderia… poderia ter perfurado seu coração? Ela poderia ter conseguido realmente-

“Senhorita Highwater!” O homem chamou por cima do ombro. “Há uma camponesa no meu
banheiro!”

“O que ela quer?”, Uma voz feminina chamou do outro quarto.

“Ela me esfaqueou com o que parece ser um picador de gelo!” O homem empurrou Tacenda de
volta para o banheiro, em seguida, puxou o picador de gelo. A lâmina brilhava com o sangue
dele. “Um picador de gelo enferrujado!”

“Bom!” A voz chamou. “Pergunte a ela quanto eu devo a ela!”

Tacenda reuniu sua coragem – sua fúria – e se endireitou. “Eu vim por vingança!”, Ela gritou.
“Você deve ter sabido que eu viria, atrás de você-”

“Oh, quieta, você”, disse ele, soando mais irritado do que com raiva. Seus olhos nublaram-se
brevemente, como se enchendo de fumaça azul.

Tacenda tentou bater nele, mas se viu magicamente congelada no lugar. Ela se esforçou, mas não
conseguiu nem piscar um olho. Isso foi tão rápido, sua confiança evaporou. Ela sempre soube
que vir aqui seria suicídio. Ela esperava conseguir algum tipo de vingança, mas ele nem parecia
estar com dor da ferida. Ele jogou o terno sobre uma cadeira no quarto, depois cutucou a
pequena parte ensanguentada de sua camisa branca de babados.

A mulher que tinha falado mais cedo finalmente entrou no quarto… e a mulher pode ter sido
invocada. A criatura usava roupas humanas – uma jaqueta cinza ajustada sobre uma simples saia
na altura do joelho – e usava o cabelo preto em um coque. Mas ela tinha a pele acinzentada e
olhos vermelhos escuros, com pequenos chifres espreitando através de seus cabelos.

Outro dos servos demoníacos do Homem.

O demônio enfiou um livro sob o braço e caminhou para espiar Tacenda. Mais uma vez, Tacenda
tentou lutar, mas não conseguiu sair da postura anterior – levantando-se para desafiar o Homem.

“Curioso”, disse a mulher demônio. “Ela não pode ter mais de dezesseis anos. Mais jovem que a
maioria dos seus pretensos assassinos.”

O homem cutucou sua ferida novamente. “Parece-me, senhorita Highwater, que você não está
tratando essa situação com a gravidade que merece. Minha camisa está arruinada.”

“Vamos pegar outra.”

“Esta era a minha favorita.”

“Você tem trinta e sete exatamente como essa. Você não seria capaz de dizer a diferença se sua
vida dependesse disso.”

“Esse não é o ponto.” Ele hesitou. “…Trinta e sete? Isso é um pouco excessivo, mesmo para
mim.”

“Você me pediu para vê-lo devidamente abastecido com camisas no caso do alfaiate ser comido.”
A mulher demônio gesticulou em direção a Tacenda. “O que devo fazer com a criança?”

A respiração de Tacenda ficou presa. Ela ainda podia respirar, embora seus olhos estivessem
congelados, olhando para a frente.
Ela mal conseguia distinguir o Homem através da porta do banheiro enquanto ele se sentava em
uma cadeira no quarto.

“Vê-la queimada ou algo assim”, disse ele, pegando um livro. “Talvez dá-la de comida para os
diabos. Eles estão me implorando por carne viva.”

Comida viva?

Não imagine isso. Não pense. Tacenda tentou se concentrar em sua respiração.

A mulher demoníaca – senhorita Highwater – encostou-se à porta do banheiro, de braços


cruzados. “Ela parece ter passado pelo inferno. E não as partes legais também.”

“Existem partes legais do inferno?” O homem perguntou.

“Depende de quão você gosta do seu magma. Olhe aquele vestido ensanguentado, rasgado e
coberto de sujeira. Não faz ela parecer estranha?”

“Sujo e sangrento”, disse ele. “Não é assim que os camponeses normalmente parecem?”

Senhorita Highwater olhou por cima do ombro.

“Eu não acompanho as modas locais”, disse o Homem de seu assento. “Eu sei que eles gostam
muito de fivelas. E colares. Eu juro, eu vi um colega no outro dia com um colar tão grande, o
colar dele passava sobre ele, sem tocar sua cabeça…”

“Davriel”, disse senhoria Highwater. “Estou falando sério.”


“Eu também. Ele tinha fivelas nos braços.” O homem ergueu o braço esquerdo, gesticulando
incrédulo. “Como, apenas envolvendo em torno de seu braço. Nenhum propósito. Acho que as
pessoas estão preocupadas com o fato de suas roupas ficarem escorregadias se não estiverem
presas no lugar.”

Tacenda suportou a conversa em silêncio. A conversa deles foi estranha, mas também tão
desdenhosa. Ela realmente não foi nada além de um inconveniente para eles, foi só isso?

Ainda assim, quanto mais tempo passassem discutindo, mais demoraria para Tacenda servir de
comida aos diabos. Ela não pôde deixar de imaginar a experiência, permanecendo imóvel
enquanto as criaturas brigavam por ela enquanto tinham as maçãs. Até que finalmente, eles
começaram a se banquetear com sua carne – a dor aguda e real, embora ela fosse incapaz de
gritar…

Respirar. Apenas se concentre em respirar.

Respire profundamente, respire profundamente. Até seus lábios estavam congelados – sua língua
e garganta como se fossem pedras – mas talvez… com esforço…

Ela respirou fundo, depois tirou uma nota suave – mas pura – nota de zumbido. Sua viola
respondeu, cordas vibrando em harmonia.

O Homem da Mansão levantou-se em um movimento brusco.

Canção de Proteção. Cante a Canção de Proteção! Ela tentou, mas todo o seu esforço não passou de
um zumbido silencioso, e não parecia incomodar o demônio ou seu mestre.

“Envie para Crunchgnar”, o homem finalmente disse. “Vamos mandá-lo amarrar a assassina,
então faça com que ela explique quem a mandou.”

CAPÍTULO 4: Davriel

Davriel Cane – o homem da mansão – estava ficando muito cansado de pessoas tentando matá-lo.
Qual era a vantagem de se mudar para um lugar distante, se as pessoas simplesmente o
incomodassem de qualquer maneira?

Davriel tinha se tornado extremamente difícil de se achar, mas esses tipos de pessoas, auto-justas
e que questionam, parecem ter se tornado um desafio extra.

Você não terá essas preocupações quando me usar, disse a Entidade por trás da mente de Davriel.
Tinha uma voz sedosa e convidativa. Uma vez que estamos confiantes em nosso poder, nenhum
simples aventureiro jamais pensará em nos desafiar.

Davriel ignorou a voz. Bate-papo com a Entidade raramente era produtivo. Desde que o curasse
de suas feridas, Davriel não se importava com as promessas que sussurrava.

Ele se acomodou em seu assento quando Crunchgnar chegou. A criatura alta e de chifres seria –
para qualquer pessoa normal – simplesmente “um demônio”. Isso, é claro, era um termo muito
trivial. Os conhecedores de Diabolismo sabiam que os demônios vinham em centenas de cepas –
e nunca se usava propriamente o termo “raça” ou “linhagem” para os demônios, pois eles eram
normalmente criados totalmente a partir de magia, em vez de nascerem.

Crunchgnar, por exemplo, era um demônio de Hartmurt: um tipo de demônio alto e musculoso,
sem cabelos, feições inumanas e chifres que varriam a cabeça quase como uma crina. Uma raça
rara e sem asas, os Hartmurts eram resistentes, rápidos para curar e tendiam a ser combatentes
habilidosos. De fato, Crunchgnar usava couro de guerreiro e tinha um par de espadas perversas
amarradas à cintura.

O demônio era burro como um toco. Felizmente, ele era tão forte quanto um também. Em
algumas instruções da senhorita Highwater, Crunchgnar se espremeu no banheiro e pegou a
menina assassina, em seguida, levou-a para o quarto. Ele tirou a viola das costas dela, depois a
colocou em uma cadeira em frente a Davriel. O demônio franziu a testa quando a forma rígida e
congelada da garota não estava de acordo com o assento.

Senhorita Highwater estava certa. Essa garota era diferente dos outros pretensiosos heróis que
vieram para matar Davriel. Ela era tão jovem. Quatorze, quinze no máximo. A igreja ficou sem
adultos fisicamente capazes de mandar para a morte?

Em vez do equipamento habitual de armas pontiagudas e muitas fivelas, a criança usava roupas
de camponês – esfarrapadas, ensanguentadas e pálidas. Ela parecia meio faminta, com círculos
escuros profundos sob os olhos.
A senhorita Highwater se aproximou ao lado dele, levantando uma sobrancelha enquanto
Crunchgnar tentava forçar a garota a se sentar – o que a magia de ligação de Davriel ainda
evitava. O demônio grunhiu para si mesmo, fazendo o melhor para amarrá-la no assento.

Davriel bateu palmas, convocando um pequeno diabo de pele vermelha da sala de serviço. Ele
trotou para dentro, carregando uma bandeja que era grande demais para ele, colocada
precariamente com uma garrafa de Glurzer, uma safra local. O doce aromático vinho fez cócegas
no nariz de Davriel quando ele se serviu de uma taça.

A criatura tagarelou com ele na língua dos diabos locais recortada.

“Não”, disse Davriel em resposta, bebericando o vinho. “Ainda não.”

A criatura rosnou em aborrecimento, depois ergueu uma taça bem menor, que Davriel encheu de
vinho. O diabo cambaleou, carregando a bandeja enquanto tentava beber seu vinho. É melhor não
deixar cair aquele Glurzer. Os diabos eram servos terríveis, mas ele trabalhava com o que tinha.
Pelo menos eles eram baratos e fáceis de enganar.

Você terá muito mais, a Entidade sussurrou no fundo de sua mente. Uma vez que você aproveite do
meu poder.

Crunchgnar finalmente recuou, dobrando os braços enormes. “Está. Feito.” Ele amarrou a
menina pela cintura, pés e pescoço na cadeira – embora ela ainda estivesse rígida como uma
tábua, e assim descansou contra o assento em um canto.

“Bom o suficiente”, disse Davriel. “Embora você provavelmente deveria ficar aqui quando eu
soltar as amarras, apenas por precaução.”

“Você tem medo de uma coisa tão pequena?” Crunchgnar rosnou.

“Pequenas coisas ainda podem ser muito perigosas, Crunchgnar”, disse Davriel. “Uma faca, por
exemplo.” Ou o seu cérebro, Crunchgnar – observou a senhorita Highwater.
Crunchgnar cruzou os braços, olhando para ela. “Você pensa em me insultar. Mas eu sei que no
fundo você realmente me teme.”

“Oh, confie em mim, Crunchgnar”, disse ela. “Você vai descobrir que não há nada que eu tenha
medo mais do que estupidez.”

Ele se aproximou, com os pés batendo no chão. Ele chegou perto da senhorita Highwater,
pairando sobre ela. “Eu vou destruir você assim que eu reivindicar sua alma. Você fica fraca e
preguiçosa, como ele. Ledgers e figuras? Bah! Quando foi a última vez que você reivindicou a
alma de um homem?”

“Eu tentei reivindicar o seu na outra noite”, ela retrucou, “mas eu encontrei apenas a alma de
um rato, que eu deveria ter previsto, considerando—”

“Chega”, disse Davriel. “Vocês dois.”

Eles compartilhavam olhares, mas pararam. Davriel entrelaçou os dedos diante de si, estudando
a camponesa. Ela parou de cantar, mas aquela melodia… Tinha uma força estranha nisso, um
poder que ele não esperava. Foi o toque do pântano nela? Ela era, sem dúvida, das proximidades,
provavelmente Verlasen.

Ele cancelou o feitiço das amarras. A jovem imediatamente relaxou em seu assento, ofegando.
Então ela envolveu seus braços ao redor de si mesma e estremeceu, como se estivessem frias – as
amarras geralmente tinham esse efeito. Seus longos cabelos castanhos cobriam muito de seu
rosto enquanto ela olhava para ele. As cordas de Crunchgnar, agora frouxas, não fizeram muito.
Eles amarraram os pés dela na cadeira, mas não a impediram de mover os braços ou a cabeça.

“Pare com isso, monstro”, a menina sibilou para ele. “Não brinque comigo. Me mata.”

“Você tem uma preferência?” Davriel disse. “Machado no pescoço? Cozida no forno? Diabos
foram sugeridos, mas estou preocupado que você seja muito magra para fornecer uma nutrição
adequada.”
“Você zomba de mim.”

“Estou apenas frustrado”, disse ele, levantando-se da cadeira para começar a andar. “O que há
de errado com vocês, aldeões? Sua vida já não é terrível o suficiente com esses espíritos e bestas e
tudo o que existe nas florestas? Você tem que vir aqui e incitar minha ira também?”

A garota se encolheu na cadeira.

“Tudo o que eu quero”, disse Davriel, “é ficar sozinho. Tudo que você precisa fazer é o seu
trabalho! Não vê que estou cobrando apenas chá.”

“E camisas”, disse a senhorita Highwater, folhando o livro de contabilidade, “e comida. E


impostos ocasionais. E móveis. E tapetes.”

“E, bem, sim”, disse Davriel. “Algumas poucas oferendas, condizentes com a minha posição. Mas
não é tão ruim assim. Um relacionamento igualmente benéfico para todos os envolvidos. Eu
tenho um lugar tranquilo e isolado para continuar minha vida. Você ganha um senhor que não
bebe seu sangue ou se deleita com a carne de virgens a cada lua cheia. Eu pensaria que em
Innistrad, ter um senhor que ignora principalmente você seria uma inovação!”

“Então, o que a aldeia de Verlasen fez para ofendê-lo?” A menina sussurrou. “Suas meias ficaram
muito apertadas? Uma das maçãs tinha um verme? Que infração insignificante fez você
finalmente nos notar?”

“Bah”, disse Davriel, ainda andando de um lado para o outro. “Eu não me importo com você.
Ainda assim, você continua enviando esses caçadores para atacar-me! Quantos nas últimas duas
semanas, senhorita Highwater? Quatro?’’

“Quatro grupos”, disse ela, virando uma página no livro de registros. “Com uma média de três
Cátaros ou caçadores em cada um.”
“Estourando do meu porão” disse Davriel, acenando aborrecido “ou arrombando a porta da
frente. Aqueles gêmeos com os tridentes quebraram a janela da minha sala de jantar - aquela feita
de vitrais antigos. Alguém continua dizendo a eles sobre mim, e assim eles continuam vindo para
me matar. Está ficando muito inconveniente. O que posso fazer para que vocês, aldeões, calem a
boca?”

“Isso não deve ser um problema”, a menina sussurrou, “agora que você assassinou todos nós.”

“Sim, bem, isso não é…” Ele parou, parando no lugar. “Espera. ‘assassinou todos nós’?”

“Por que fingir ignorância?”, A garota disse. “Todos nós sabemos o que você fez. Você foi
flagrado quando tirou meus pais de sua carroça há dez dias. Então seus geists pegaram aqueles
mercadores e outros que se aproximaram demais da aldeia. Minha irmã dois dias atrás. E então,
hoje…”

Ela fechou os olhos.

“Todos eles se foram”, ela sussurrou. “Todos menos eu. Mortos e frios, com olhos de mármore.
Eu segurei minha irmã depois que eles a encontraram, e ela estava… mole. Como um saco de
cereais da adega. Ela estava aprendendo a ser uma sacerdotisa, mas morreu como o resto. O
pântano terá os corpos do meu povo, mas não se banqueteará, pois suas almas desaparecerão.
Tomado, como o calor roubado direto do fogo, deixando apenas cinzas.”

Davriel olhou para a senhorita Highwater, que inclinou a cabeça.

“Todos eles”, disse a senhorita Highwater. “Todos em Verlasen?”

A menina assentiu.
“Verlasen?” Davriel perguntou. "É aquele em que…"

“Você recebe seu chá de dustwillow?” perguntou a senhorita Highwater. “Sim.”

O chá, um sedativo leve, era o seu favorito. Ele precisava dormir nos dias em que as lembranças
ficavam muito pesadas para ele.

"É também onde os alfaiates das camisas vivem", disse senhorita Highwater. “Viviam. Eu acho
que nós antecipamos esse problema, então.”

“Todos os aldeões?” disse Davriel, girando em volta da garota. “Cada um deles?”

Ela assentiu com a cabeça.

“Fogo do inferno!”, Ele disse. “Você sabe quanto tempo leva para substituir essas coisas?
Dezesseis anos, pelo menos, antes de serem produtivos!”

“Você tem mais duas aldeias”, observou a senhorita Highwater. “Então, eu suponho que poderia
ser pior.”

“Verlasen era o meu favorito.”

“Você não seria capaz de dizer a diferença se sua vida dependesse disso. Mas isso vai ter um
impacto sério na sua renda, e nos registros de lucros e perdas da próxima temporada.” Ela fez
uma anotação. “Além disso, estamos sem chá.”

“Desastre”, disse Davriel, caindo de volta em sua cadeira. “Menina. Já se passaram dez dias
desde a primeira dessas mortes?”
Ela assentiu devagar. “Meus pais. Você os conhecia; eles fizeram suas camisas. Mas você já sabe
da morte deles. Você os matou.”

“Claro que não”, disse ele. “Assassinando aldeões? Eu mesmo? Isso soa como um monte de
trabalho. Eu tenho pessoas – bem, seres que são vagamente moldados como pessoas – para fazer
esse tipo de coisa para mim.”

Davriel esfregou a testa. Não é de admirar que os caçadores estivessem o incomodando tanto
ultimamente. Nada mais vicia heróis do que notícias de um misterioso senhor abusando de seus
camponeses.

Fogo do inferno! Ele deveria ter sido capaz de desaparecer na obscuridade [aqui]. Ele mudou-se
[aqui] anos atrás, então finalmente se estabeleceu nas proximidades como o local mais remoto em
um plano já remoto. [Aqui], consorciar com demônios era visto como apenas uma pequena
esquisitice.

Então ele pensou. O que... e se as notícias se espalharem para os ouvidos errados? Os que ouvem
histórias sobre um homem com sua descrição, um homem que poderia roubar feitiços das mentes
dos outros?

O tempo fica mais curto, a Entidade disse no fundo de sua mente. Eles vão te encontrar. E eles vão
te destruir. Nós devemos reunir nosso poder e nos preparar.

Eu vou ficar bem, respondeu Davriel, pensando diretamente na Entidade. Eu não preciso de você.

Uma mentira, respondeu. Eu posso ler seus pensamentos. Você sabe que algum dia você precisará de
mim novamente.

Por um momento, Davriel sentiu o cheiro de fumaça. Ouvi gritos. Por um momento, ele ficou
diante de pessoas reunidas e foi adorado.

Essas lembranças eram de algum modo mais reais do que deveriam ser. A Entidade poderia
brincar com seus sentidos, mas ele afirmou sua vontade e forçou seu toque, banindo as
sensações.
“Senhorita Highwater”, disse ele.

“Sim?”

“Ainda temos a alma daquele cavaleiro que me atacou há alguns dias? Aquele de quem eu roubei
as amarras que usei na garota?”

“Você prometeu dar a alma do cavaleiro aos diabos”, disse ela, virando algumas páginas em seu
livro. “Se eles fossem bons.”

“Eles foram bons?”

“Eles são diabos. Claro que eles não foram bons.”

“Certo então. Busque a alma para mim. Ah, e uma cabeça, se tivermos uma por aí.”

CAPÍTULO 5: Tacenda

Tacenda testou seus laços. Eles eram frouxos, e ela pensou que poderia até sair dos que
envolviam seus pés. Mas ela se atreveria a correr? Em que isso ajudaria?

Assim que a senhorita Highwater voltou, após dar ordens do lado de fora da sala, o Homem
perguntou como a aldeia de Verlasen estava: “Aquele com que o homem irritado, que cheirava a
água suja.” Isso poderia significar o prefeito Gurtlen da Ponte de Hremeg? De qualquer forma,
Davriel fingiu não ter consciência do que havia acontecido com seu povo, sua família e todo o
mundo.

Qual foi o propósito do subterfúgio? Quem sabe que estranhas maquinações habitam o cérebro de
tal criatura? Ela pensou. Talvez ele só queira me torturar com incertezas.
Ela mexeu um pé, tirando-o de suas cordas. Ela deveria tentar atacar de novo? Loucura. Ela
obviamente não poderia prejudicar Davriel com algo tão simples como um picador de gelo.
Talvez ela devesse tentar a Canção de Guarda?

Ela decidiu esperar. Logo, outro demônio entrou no quarto. Sobre sua altura, estava torcido e
curvado, e tinha feições que a lembraram vagamente um focinho de um cão sem pelos. Ao
contrário dos outros dois, havia asas negras que se projetavam de suas costas, embora fossem
retorcidas e murchas.

O demônio foi até Davriel, carregando uma sacola em uma mão e um objeto embrulhado em
pano na outra.

“Finalmente”, disse Davriel, levantando e puxando uma pequena mesa. “Bem aqui, Brerig.”

O demônio encurvado colocou o objeto sobre a mesa, e o pano escorregou, revelando um frasco
de pedra com uma pulsação de luz incandescente dentro.

“Excelente”, disse Davriel.

“Enigma, mestre?” O demônio – Brerig – perguntou, sorrindo com a boca cheia de dentes
demais.

“Bom.”

“Era um fazendeiro?”

“Não. Temo que não.”

“Ah. Oh bem.” Brerig suspirou e tirou algo do saco. A cabeça de um homem humano, segurando
pelos cabelos.

Tacenda imediatamente sentiu-se mal. A cabeça foi preservada com algum tipo de placa de metal
no fundo. A pele estava pálida e sem sangue, mas não apodrecendo.
Ela provou a bílis, mas se forçou a engolir e respirar profundamente. Apenas outro cadáver. Ela
viu... sendo que ela viu muitos daqueles hoje.

Davriel pegou a cabeça e enroscou-a no frasco de vidro brilhante, fixando os dois. Brerig
arrastou-se para a parede, onde ele enxotou alguns dos diabos de pele vermelha. Senhorita
Highwater inspecionou o frasco, com o livro sob o braço, enquanto Crunchgnar estava perto da
porta e tirou uma faca do cinto, olhando para Tacenda.

Davriel brincou com o jarro, virando algo no topo enquanto murmurava algo que parecia um
encantamento. Então, quando ele a colocou no chão, a luz do jarro se desvaneceu – e a cabeça no
topo estremeceu. Os lábios começaram a se mover, os olhos se abrindo e olhando dê um jeito.
Depois de outro.

“Você é um costureiro?” Tacenda perguntou.

“Não me insulte, jovem”, disse Davriel.

“Um ghoulcaller, então? Um… um necromante?”

Davriel se levantou e virou, apontando para ela. “Eu tenho sido paciente com você até agora. Não
me teste.”

Tacenda encolheu-se na cadeira. Apunhalá-lo só parecia incomodá-lo, mas isso… isso ele
realmente achou insultante.

“Eu sou um diabolista”, disse Davriel. “Um demonologista – um estudioso. Meu estudo requer
habilidade, esforço e perspicácia. A necromancia é uma arte tola, praticada por açougueiros
fracassados que acham que estão sendo espertos só porque – brilhantemente – percebem que às
vezes cadáveres não ficam mortos. - Ele estalou os dedos na frente dos olhos da cabeça,
chamando a atenção dela. Ele moveu o dedo para frente e para trás e os olhos o seguiram.
“Você já tomou nota dos tipos de pessoas que acabam praticando a necromancia?” Davriel
continuou. “A arte atrai o desequilibrado, o não-inteligente e o desleixado. Muitos deles têm
opiniões exageradas de seus próprios esquemas malvados, acreditando que eles são rebeldes e
autocapacitados simplesmente porque se treinaram para olhar para um corpo morto sem
passarem mal. Não importa que os cadáveres se tornem servos terríveis. O trabalho inicial é um
pesadelo e depois a manutenção! O fedor! Tudo por um servo que é mais burro que
Crunchgnar!”

Crunchgnar rosnou baixinho com isso. Tacenda deslizou seu outro pé, o deixando livre. Davriel
não estava vendo; ele estava usando uma seringa da bolsa para injetar na cabeça algum tipo de
líquido verde.

“Mas…” Tacenda não pôde deixar de dizer: “você está trabalhando com um cadáver agora”.

“Isso?” Davriel disse. “Isso nem é mágica. Isto é meramente um meio para um fim.” Ele
terminou a injeção, e a cabeça se concentrou nele mais deliberadamente, depois separou seus
lábios.

“Você se lembra do seu nome?” Davriel perguntou à cabeça.

“Jagreth”, disse a cabeça, seus lábios se movendo, embora o som parecesse vir da placa de metal
que o conectava ao frasco.

“Jagreth de Thraben”, disse a senhorita Highwater, lendo seu livro. “Cátaro, guerreiro oficial da
igreja e auto-intitulado 'caçador do mal'. Ele tinha uma reputação de honra, pelas minhas fontes.”

Eu o conheci, Tacenda percebeu. Não era a cabeça dele, mas esse homem – essa alma – passara
por Verlasen alguns dias atrás, depois de ouvir falar das mortes de seus pais. Sua voz era
profunda e confiante; ela o imaginou como um homem alto e de peito largo. Willia tinha ficado
bastante encantada com ele. Isso tinha sido antes… antes dela …

“Eu vim para matar você”, disse a cabeça, fixando o olhar em Davriel. “Homem da mansão. O
que você fez comigo?”

“Apenas algumas melhorias”, disse Davriel. “Como se sente?”

“Frio”, sussurrou o cadáver, “como se minha alma estivesse congelada no gelo da montanha
mais alta, depois trancada em uma escuridão tão profunda que até o sol seria engolido ali”.

“Perfeito”, disse Davriel. “Esse é o líquido de preservação fazendo o seu trabalho.” Ele bateu
levemente na bochecha da cabeça. “Obrigado pelo feitiço das amarras que você me deixou
roubar do seu cérebro. Isso se mostrou útil meia hora atrás.”

“Seu monstro”, a cabeça sussurrou. “O que você fez para mim é uma abominação. Uma injustiça
moral.”

“Tecnicamente”, disse Davriel, “sou a autoridade legal nessa região e você tentou me matar
enquanto eu dormia. Então eu diria que o que eu fiz para você é moral e justo. Mas vamos fazer
um acordo. Responda algumas perguntas para mim e prometo deixar seu espírito ir.”

“Eu não vou ajudá-lo a trazer terror e dor para qualquer outro, demônio.”

“Ah, mas olhe para a pobre garota naquela cadeira”, disse Davriel, apontando para Tacenda.
“Toda a sua aldeia foi morta! Suas almas foram roubadas de seus corpos na noite por algum
terror misterioso.”

“Foi durante o dia”, sussurrou Tacenda. “E não é misterioso – você sabe o que aconteceu. Você
fez isso.”
A cabeça se fixou nela e as feições se suavizaram em simpatia. “Ah, criança”, a cabeça com a voz
de Jagreth, o cátaro, disse a ela. “Eu tentei e falhei. É como eu temia então? Um monstro como
este raramente é saciado com alguns assassinatos. Uma vez que ele tem sede de sangue, ele
retorna de novo e de novo…”

Tacenda estremeceu.

“Eu fico com muita sede”, disse Davriel. “Normalmente, eu opto por um bom vinho tinto, mas
depois de um dia extremamente difícil, nada melhor do que uma taça cheia com o sangue quente
de um inocente.”

Os olhos da cabeça se voltaram, olhando para ele.

“Eu me banho nisso, você sabe”, disse Davriel. “Assim como as histórias dizem. Não importa o
quão impraticável isso soa – a coagulação, a coloração – na verdade, apenas imagine isso. Mas
droga, todos vocês continuam descobrindo sobre minhas necolações noturnas nefastas. O que eu
preciso saber é como. Como você me descobriu?”

“Aqueles no priorado me disseram o que você estava fazendo”, disse Jagreth. “Eles me
explicaram sobre as almas que você tirou.”

“Quem no priorado?” Davriel disse.

“A própria sacerdotisa.”

Isso fez Davriel endurecer por algum motivo, seus lábios se desenhando a uma linha.

“Todo mundo sabe o que você tem feito”, disse Jagreth. “Você deixou os corpos, as almas
removidas.”
“Mas como você sabia que era eu?” Davriel perguntou. “Eu não sou nativo daqui, mas até meus
poucos anos aqui me ensinaram que você não tem falta de ameaças em vidas humanas. Por que
assumir que eu estava por trás disso?”

“Eu já lhe disse-”

“Minha irmã viu você”, disse Tacenda, chamando a atenção de ambos. “Ela viu quando você
levou meus pais dez dias atrás. Depois disso – quando você pegou as almas daqueles mercadores
que viajavam entre as aldeias – um padre viu você. Então você reivindicou Willia nos campos,
provavelmente com raiva, já que ela havia escapado antes.”

“Você não pode fingir inocência aqui, monstro”, disse Jagreth. “Você é distintivo em sua capa e
máscara.”

“Minha… capa e máscara”, disse Davriel.

“Os que você usa quando visita a aldeia”, disse Tacenda. “Minha irmã viu você claramente.”

“Ela viu alguém na minha capa e máscara”, disse Davriel. “A capa e a máscara que uso
especificamente para ofuscar minhas características, de modo que o meu eu real é
irreconhecível. Ninguém viu meu rosto. Certo?”

Bem, tecnicamente, a máscara e o manto eram o que Willia dissera que ela tinha visto. Mas todos
sabiam que o Homem da Mansão era uma figura malévola que consorcia com demônios. Todo
mundo sabia disso…

Ela olhou novamente para Davriel, com sua camisa fofa, bigode fino e gravata violeta – com sua
estranha mistura de conhecimento arcano e esquecimento notório.

“Fogo do inferno”, ele murmurou. “Alguém está me imitando.”


“Uma tarefa difícil”, disse senhorita Highwater. “Pense no grande número de detalhes que eles
precisam fazer.”

Davriel olhou para ela.

“Admita Dav”, ela disse. “Seria necessário um verdadeiro mestre da imitação para se passar por
você. A maioria das pessoas acidentalmente faria algo relevante ou útil, e isso destruiria toda a
ilusão.”

“Vá buscar minha capa e máscara”, disse ele.

“Solte-me”, disse o Cátaro. “Eu respondi suas perguntas.”

“Eu não especifiquei uma data ou hora”, disse Davriel. “Eu só disse que iria libertar você. E eu
vou. Eventualmente.”

“Detalhes técnicos!”

“No que me diz respeito, os detalhes técnicos são tudo o que importa.”

“Mas-”

Davriel torceu algo no tampo do pote, e a cabeça ficou frouxa, o queixo caído, os olhos rolando
para o lado.

O frasco embaixo encheu novamente com luz brilhante.


A senhorita Highwater passou por um guarda-roupa ao lado da sala. Ela tirou uma capa preta,
com um distintivo fundo esfarrapado e fantasmagórico – como o espírito puído de um geógrafo
assombrado. A máscara de ouro estava em uma forma demoníaca com grandes olhos escuros,
linhas sinuosas e uma boca horrível que lembrava uma mandíbula com a pele removida. É o que
o homem usava quando ia em público.

“Bem,” ela disse, “sua roupa ainda está aqui. Então o imitador fez sua própria cópia.”

“Mas por quê?” perguntou Tacenda. “Que motivo alguém teria para imitar você?”

“Senhorita Highwater”, disse Davriel, “quantas vezes você disse que eu fui agredido nas últimas
semanas?”

“Quatro”, ela disse. “Cinco, se você contar a menina, eu suponho.”

Davriel se jogou na cadeira, esfregando a testa. “Que dor. Alguém está se divertindo lá fora, em
seguida, coloca a culpa em mim. Como eu devo fazer qualquer trabalho?”

“Trabalho?” A senhorita Highwater perguntou. “Que trabalho?”

“Principalmente lembrando você de fazer coisas”, disse ele. “Eu não quero que você fique
preguiçosa. Escrevi para mim mesmo uma nota sobre isso no outro dia…” Ele deu um tapinha no
bolso, depois estendeu a mão para o paletó e tirou um pedaço de papel – que estava
ensanguentado de sua ferida. Ele deu a Tacenda um olhar fixo.

“Você… realmente não fez isso, não é?”, Perguntou Tacenda. “Você não matou minha aldeia.”

“Fogo infernal, não. Por que eu arruinaria a aldeia que fornece meu chá? Mesmo que sua
colheita tenha atrasado este ano.” Ele olhou para Tacenda.
“Nós estivemos ocupados”, disse ela. “Sendo assassinados”.

“Que bagunça”, disse Davriel. “Eu não posso ter alguém me imitando. senhorita Highwater,
envie Crunchgnar e, diga a Verminal para investigar quem poderia ter feito isso. E veja se
conseguimos mais camponeses. Talvez prometa não dar chicotadas nos primeiros dois anos, veja
se isso atrai os colonos?”

“Você vai mandar os demônios?” Tacenda perguntou. “Por que você mesmo não vai?”

“Muito ocupado”, disse ele.

“Ele tem que tirar o cochilo da noite”, disse senhorita Highwater. “Então uma bebida noturna.
Então dormir. Então seu cochilo matinal.”

Tacenda ficou boquiaberta com Davriel, que recostou-se na cadeira. Talvez ele não tivesse
matado as pessoas de sua aldeia, mas alguém estava liderando os Whisperers quando eles
atacaram. Ela ouvira os passos deles e alguém fora visto usando a capa e a máscara de Davriel.

O assassino e os geists que os serviam ainda estavam à solta. Verlasen não era a única aldeia da
região; havia mais duas, junto com o povo do priorado. Centenas de almas estavam em perigo. E
Davriel nem ia deixar sua mansão?

Tacenda sentiu a raiva aumentar novamente. Talvez esse homem não tenha matado seus amigos e
familiares, mas sua regra incompetente e egoísta dividia a mesma culpa pelas mortes. Tacenda se
levantou, puxando-se de suas cordas.

Crunchgnar – que estava observando isso – entrou na frente da porta para impedir sua fuga. Mas
Tacenda não tentou fugir. Ela saltou para frente e pegou o frasco brilhante da mesa perto de
Davriel, então – sem pensar duas vezes – esmagou-o contra o chão, quebrando-o e fazendo a
cabeça se afastar.

A luz brilhante da alma dentro do frasco se libertou, e ela ouviu um suspiro distinto quando o
cátaro aprisionado escapou de seu tormento. A luz flutuava para cima, formando vagamente a
forma do homem – assim como ela o imaginara, com aquela mandíbula quadrada e aquele ar
nobre, envolto na capa áspera de um caçador.
Evidentemente, o colarinho era um pouco demais.

Obrigado… Obrigado… Uma voz – como se tivesse sido soprada pelo vento – atravessou a sala.

Davriel assistiu com uma expressão que ela não podia ler. Surpresa? Horror com o que ela fez
para o prêmio dele?

“Detalhes técnicos ou não”, ela disse. “Você deveria cumprir sua palavra. Tenho certeza de que é
um verdadeiro necromante saberia…”

Obrigado… Obrigaagagnaa Obrigaaaaaaddd…

Tacenda hesitou, depois virou-se para o espírito que, em vez de se dissipar como ela supunha,
estava ficando mais brilhante. Seus olhos ficaram maiores à medida que escureciam, distorcendo
o rosto. Seus dedos se esticaram por mais tempo e adotaram um sorriso perverso e torto…

“Cátaro Jagreth?” Perguntou ela.

A coisa atacou, com seus dedos afiados através do antebraço dela, fazendo com que ela não
sangrasse, mas sentindo uma intensa dor congelada. Ela ofegou e tropeçou para trás. A coisa –
enlouqueceu – atacou Davriel.

Crunchgnar chegou primeiro. O grande demônio bloqueou o espírito, tocando-o como se fosse
físico, e o jogou para trás. O espírito soltou um grito de raiva que fez os ouvidos de Tacenda
doerem, e ela apertou as mãos sobre eles, gritando.

O espírito parecia ser capaz de decidir se era físico ou não, pois, embora Crunchgnar pudesse
tocá-lo a princípio, o espírito se desvanecia e corria como cortinas onduladas. Ele dizia e repetia
uma versão bastarda de “obrigado” várias vezes, cada uma mais errada do que a anterior.

O espírito fluiu em direção a Davriel, escurecendo-se e tornando-se menos transparente.


Crunchgnar sacou uma espada de sua bainha, e o fraco brilho de poder da arma fez o espírito
hesitar.
Então Davriel – uma fumaça vermelha enchendo os olhos e tornando-os carmesim – levantou-se e
soltou um jato de chamas de suas mãos, o calor tão intenso que Tacenda gritou. O espírito
guinchou em voz alta do centro da imolação, depois se encolheu, murchando antes de se
queimar.

Deixou uma cicatriz chamuscada e enegrecida no tapete e na estante atrás. Tacenda olhou
boquiaberta, segurando o braço dela, que ainda parecia gelado onde ela havia sido cortada.

A fumaça vermelha desapareceu dos olhos de Davriel. Ele estremeceu, como se usar a magia lhe
causasse dor. Ele esfregou as têmporas e balançou a cabeça. “Bem, isso foi emocionante.
Obrigado, Crunchgnar, pela intervenção oportuna.”

“Eu vou ter a sua alma, diabolista”, Crunchgnar estalou. “Eu não esqueci nossos termos.”

Davriel se aproximou e chutou o tapete queimado. “Os fabricantes de tapetes moravam na sua
aldeia?”

“Mestre Gritich e sua família” - disse Tacenda. “Sim.”

“Droga”, disse Davriel. “Você sabe, garota, que eu suguei aquele feitiço de fogo da mente de um
piromante particularmente perigoso. Eu estava guardando para uma emergência.”

“O cátaro…” Tacenda piscou. “Ele me atacou …”

“Espíritos soltos – geists, como você os chama – podem ser perigosos e imprevisíveis. A maioria
se esquece de si mesmo quando separada de seus corpos, retendo apenas os menores indícios de
memória. O que você fez foi tolo e imprudente.

“Eu sinto muito.” Ela olhou para longe do tapete cicatrizado, enfiando o braço contra o peito.
“Ótimo. Fico feliz em ouvir isso.” Davriel acenou com a cabeça em direção a ela. “Senhorita
Highwater, veja o que a garota pode lhe dizer sobre esse impostor e depois jogue-a na floresta.
Diga aos diabos que eles podem tê-la se ela tentar entrar de novo.”

“Você não vai checar sua mente por talentos que você pode usar?”, Disse a senhorita Highwater.

“O fedor da fuligem está em toda parte”, disse Davriel. “Não, obrigado. Eu tenho dores de
cabeça suficientes no momento.”

Um dos demônios – o que eles chamavam de Brerig – pegou Tacenda pelo braço e começou a
tirá-la do quarto. Sua pele era surpreendentemente macia.

Tacenda resistiu, tentando sair do aperto do demônio. “Espere”, ela disse. “Minha viola!”

Atrás deles, um demônio estava arrancando o instrumento. Davriel acenou com um gesto
improvisado, então o diabo subiu e entregou-lhe a viola.

“Eu…” Tacenda disse. “Por favor. É tudo que me resta.”

“É um bom instrumento”, disse Davriel. “Pode vender o suficiente para comprar um novo
tapete. Mas coopere com a senhorita Highwater – conte a ela tudo o que você sabe sobre esse
impostor – e deixarei que você o leve. Você viu esta capa e mascara?”

“Não”, disse Tacenda, desanimando. “Eu estou… cega durante os dias. A bênção do pântano
também me deixou amaldiçoada, pagamento pelas músicas que ele dá…”

Davriel suspirou, então fez um movimento de enxotar.


Brerig puxou Tacenda pelo braço em direção à porta. “Venha”, disse o demônio. “Venha. Venha
e eu vou lhe contar um enigma. Eles são divertidos. Venha.”

Ela resistiu por mais um momento, então, quando a senhorita Highwater se juntou a eles,
finalmente cedeu ao estímulo surpreendentemente gentil de Brerig. O que… qual era o destino
dela agora? Ela escapou da morte três vezes esta noite. Os Whisperers O pântano O homem da
mansão.

“Você não viu o impostor”, disse a senhorita Highwater, com uma caneta escura posicionada
sobre o livro de contabilidade enquanto caminhava. “O que você viu?”

“Apenas corpos”, disse Tacenda. “Tantos corpos. Eu deveria estar entre eles. Parecia um
cemitério…”

“Eles perderam a cor de sua pele?” Davriel perguntou de sua cadeira, ainda brincando com sua
viola. “Depois que eles foram levados, eles ficaram pálidos ou cinzas?”

Tacenda parou ao lado da porta, e os demônios não a forçaram a continuar.

“Eles pareciam exatamente como em vida”, disse Tacenda de volta para ele. “Só azul ao redor
dos lábios. Seus membros ficaram rígidos e ficaram rígidos por algumas horas – estranhamente
rígidos – antes de finalmente ficarem moles.”

“Animação suspensa seguindo um sifão direto da alma,” Davriel disse distraidamente.


“Provavelmente o resultado de um aspirante a necromante colhendo almas. Bem, poderia ser
pior. Se a senhorita Highwater puder encontrar as almas, suponho que poderíamos restaurá-las
antes que os corpos apodreçam. Então eu não teria que mandar uma menssagem pedindo mais
aldeões.”

Tacenda sentiu uma descarga elétrica passar por ela. Ele tinha acabado de dizer…
“Restaurá-los?” Tacenda perguntou. “Como em trazê-los de volta à vida?”

“Possivelmente”, disse ele. “Eu teria que ver os corpos para ter certeza. Mas a partir da
descrição, esse estado pode ser reversível – e isso certamente seria mais fácil do que cultivar
novos camponeses da maneira tradicional.”

“Embora não seja tão divertido”, observou a senhorita Highwater. “Vamos, vamos parar de
incomodar Lord Cane.”

O demônio Brerig puxou o braço de Tacenda, mas algo profundo dentro dela – algo que ela
pensou estar murcho e sem vida – se agitou.

Traga os de volta. Ela poderia trazê-los de volta?

“Quanto tempo?” Ela disse. “Quanto tempo nós temos?”

“Você ainda está aqui?” Davriel perguntou.

“Quanto tempo?”

Crunchgnar deu um passo à frente, afastando a senhorita Highwater, com a espada para fora e
apontando para Tacenda. Então Tacenda começou a cantar.

Embora ela pretendesse começar pequena, aquela esperança – aquele calor – explodiu dela em
uma nota pura, solitária e vigorosa. Como o toque de um sino da manhã, foi a primeira nota da
Canção de Proteção.

Os demônios e diabos na sala gritaram de dor, uma harmonia afiada e extravagante. Brerig
choramingou e a senhorita Highwater recuou, com as mãos nos ouvidos. Até mesmo Crunchgnar
– sete pés de altura com chifres terríveis – tropeçou e vacilou. Os demônios se espalharam com
gritos coletivos de agonia.
Sua viola, ainda nas mãos de Davriel, tocava a mesma nota: um tom exigente e implacável.
Davriel soltou o instrumento, depois inclinou a cabeça enquanto pairava na frente dele. Isso
aconteceu às vezes. Seus tambores tinha feito o mesmo.

Ela continuou a música, cada nota mais alta que a anterior. Os três demônios se encolheram,
gemendo em agonia, segurando suas cabeças. Davriel, no entanto, apenas empurrou o
instrumento flutuante para o lado com um dedo, depois se levantou com um movimento
deliberado.

A música não afetou Davriel. Ele… ele realmente era humano. Como em muitas magias de
proteção, as pessoas estavam imunes.

Davriel foi até Tacenda, que deixou sua música morrer. Sua viola flutuou até o chão diante da
cadeira de Davriel, e os três demônios caíram no chão. Os gritos dos demônios ainda ecoavam
nos outros cômodos.

“A guarda do pântano”, disse Davriel. “Uma demonstração legal. O que quer que tenha levado as
pessoas da sua aldeia, obviamente, estava com medo de você, e é por isso que você ainda está
viva.”

“Quanto tempo?” Ela perguntou. “Quanto tempo meu povo durará? Se eu pudesse encontrar
suas almas…”

“Depende”, disse Davriel. “A colheita de alma mais violenta deixa o sujeito morto
imediatamente, muitas vezes com feridas físicas. Baús explodindo e todo esse drama. Mas o que
você descreveu soa mais como o rescaldo da projeção involuntária, onde a alma é afastada do
corpo. Isso muitas vezes envia o corpo para uma breve hibernação catatônica.”

“Como-”

“Dois dias, talvez três”, disse Davriel. “Depois disso, a alma não reconhecerá o corpo como seu -
e o corpo começará a se decompor independentemente.”
Então os pais dela… os pais dela realmente sumiram. Mortos há dez dias e recuperados pelo
pântano. Mas sua irmã, Willia, estava deitada em uma laje no priorado. Ela não havia retornado
ao pântano, porque ela adorava o anjo.

Ela poderia ser salva? E Joan, o lenhador. Little Ahren e Victre…

“Você tem que ajudá-los”, disse ela. “Você é o senhor deles.”

Davriel encolheu os ombros.

“Se você não fizer isso”, disse Tacenda. “Eu vou… eu…”

“Eu me divirto ao ouvir essa ameaça.”

“Eu vou garantir que você nunca mais vai tirar outra soneca.”

“Você vai achar que eu…” Ele parou. “O que?”

“Vou viajar para Thraben”, disse Tacenda. “Eu vou a todas as igrejas e cantarei para elas do
‘necromante das proximidades’’. Eu posso cantar mais do que a Canção de Proteção. Eu tenho
outras músicas, com outras emoções. Eu vou fazer com que eles te odeiem. Terrível Lorde
Davriel Cane, o homem que levou as almas de uma aldeia inteira.”

“Você não ousaria.”

“Eu vou romper em lágrimas”, ela ameaçou, “ante de cada pretenso cavaleiro, herói, e caçador
querendo fazer um nome para si. Vou enviar um fluxo interminável de campeões auto-justos para
as proximidades, até que eles entupam as pontes em sua ânsia de vir te incomodar.”
“Eu poderia te matar, você percebe.”

“E minha alma continuará!” Tacenda disse. “Como um fantasma triste. A menina das florestas,
cuja família inteira foi tomada por Davriel das proximidades! Eu cantarei! Morta ou viva, vou
enviá-los para irritá-lo! E… e eu desenharei mapas. E fotos do seu rosto. E-”

“Chega, menina”, disse Davriel. “Eu duvido que você teria a força de vontade para continuar este
esforço bobo como um geist.”

Tacenda mordeu o lábio. Desafiando suas palavras, Davriel parecia preocupado. Irritado,
realmente, mas parecia – com esse homem – que era basicamente o melhor que ela podia esperar.

“Você sabe que eles virão por você”, disse Tacenda. “Mesmo se você me matar. Uma vila inteira?
Os rumores vão se espalhar. Décadas a partir de agora, as pessoas ainda tentarão te matar. Você
provavelmente está certo de que eu não poderia fazer muito para inspirar mais, mas eu duvido
que eu precise. Pense no inconveniente que isso causará. No entanto, uma noite de trabalho leve
poderia impedir tudo isso. Não há muito esforço. Apenas venha ver os corpos dos caídos e tente
descobrir o que poderia ter tirado suas almas.”

“Você faz um argumento estranhamente persuasivo, criança.” Ele suspirou. “Senhorita


Highwater? Você está bem?”

O demônio feminino levantou-se do chão e balançou a cabeça, ainda parecendo atordoado pelos
efeitos da Maldição Guardiã. “Bem o suficiente, eu acho”, disse ela.

“Então… prepare minha carruagem. Vamos visitar esta aldeia. Talvez possamos encontrar um
chá que eles negligenciaram entregar.”
SEGUNDA PARTE
CAPÍTULO 6: Davriel

Davriel sentiu que podia ouvir o pântano, apesar da distância, enquanto sua carruagem descia
pela estrada florestal coberta de vegetação.

Ele veio a este plano especificamente porque muitos outros o evitaram. A terra tinha uma…
atmosfera fria. Uma sensação de medo que correu mais fundo que o inflexível outono e as
árvores vigilantes. Isso perturbou até os mais insensíveis a visitar um lugar onde os seres
humanos – com amores, vidas, famílias – eram muitas vezes apenas… comida.

O que outras terras sussurraram, esta gritou: sentimentos e aspirações eram imateriais. No
grande esquema, seus sonhos eram menos importantes do que o seu dever de reproduzir e depois
se tornar uma refeição.

A carruagem se chocou quando bateu em uma das muitas pedras da estrada. A senhorita
Highwater amaldiçoou suavemente, em seguida, rabiscou uma linha através de algo que ela
estava escrevendo em seu livro. A garota, Tacenda, sentou-se ao lado dela, segurando a viola.
Davriel fingira estar relutante em devolvê-la; na verdade, ele não tinha ideia do que faria com tal
coisa. Ele preferiu o silêncio.

A estrada chegava a uma elevação e, do lado de fora, o luar cobria o topo das árvores. Um bando
de pássaros – distantes demais para distinguir a espécie – se separaram no ar quando algo os
surpreendeu. Eles quase pareciam rastrear os rastros através do luar, como peixes em uma
corrente. Como se a luz fosse de alguma forma muito grossa.

Está lá fora, pensou Davriel. Naquela direção. O pântano amaldiçoado. Ele alegou ser o senhor
das proximidades, mas os aldeões só davam crédito à fidelidade e até a religião. A única coisa
que eles realmente pareciam respeitar era aquele poço aguado. E o que quer que tenha vivido lá
dentro.

A Entidade se mexeu dentro dele.

Nenhuma palavra para mim? Davriel pensou. Geralmente, isso te incomoda quando penso no
pântano.

A Entidade não falava, nem mesmo oferecendo a garantia habitual de que ele algum dia exerceria
seu poder. Algo estava errado nessa noite. Os aldeões desaparecidos. A guarda do pântano.
Aquele luar frio…
“Então,” senhorita Highwater disse, continuando seu interrogatório da menina. Apenas os três
cavalgaram na carruagem; ele colocaria Crunchgnar e Brerig no banco dos cocheiros do lado de
fora. “As primeiras vítimas foram seus pais, há dez dias. Sua irmã escapou e correu para a
igreja.”

“Sim”, disse a menina. “Ela estava… ela estava treinando para ser uma Cátara, para a igreja.
Quando ela voltou com os soldados e eles encontraram meus pais, alguns pensaram que eles
poderiam estar sujeitos a envenenamento por dustwillow. Isso acontece às vezes com os
agricultores, você sabe. Mas não conseguimos pensar porque um homem atacaria, depois
envenenaria alguém. Então os mercadores foram levados, três dias depois, a caminho da igreja.”

“Testemunhas?”, Perguntou a senhorita Highwater.

“Um padre viu o ataque à distância”, disse Tacenda. “Ele falou em ver o Homem da Mansão e
terríveis espíritos verdes, tirando as almas dos mercadores. Depois disso, começamos a ficar
perto da aldeia e a igreja prometeu enviar a Thraben instruções ou ajuda.”

“Outros morreram embora – tomados por aparições, que nós começamos a chamar os
Whisperers. Dois dias atrás, minha irmã caiu morta perto das fazendas. Estranhamente, ela não
parecia… assustada, como os outros tinham sido. Seu rosto não estava congelado em uma careta
de medo, pelo menos. Talvez ela tenha sido pega de surpresa?”

“De qualquer forma, o pior aconteceu mais cedo hoje. Trabalhadores nos campos vieram
correndo para a aldeia, dizendo que os geists estavam saindo da floresta ao redor de Verlasen.
Mirian, minha vizinha, me acordou, desde que eu costumo dormir até perto do anoitecer. Todos
se esconderam em suas casas enquanto eu tomava meu lugar perto da cisterna e começava a
cantar.”

“Do lado de fora?” Davriel interrompeu. “Eles te deixam sozinha, como uma oferenda, a noite
toda?”

“Eu não sou uma oferenda”, disse a menina, levantando o queixo. “Minha irmã e eu nascemos
com a bênção do pântano – mais forte do que qualquer um já conheceu antes. Minhas músicas
protegiam a vila à noite.”

“Não é difícil?”, Perguntou a senhorita Highwater. “Cantando a noite toda?”


“Eu não tenho que ir noite a dentro, geralmente”, disse a menina. “Uma música aqui e ali,
algumas zumbindo no meio. Mas… hoje… Ela desviou o olhar.” Não funcionou. Os Whisperers
entraram na vila, ignorando minha música. Eu não vi o que quer que fosse, mas eu os ouvi.
Sussurrando…”

Davriel se inclinou para frente, curioso. “Por que ninguém fugiu? Por que apenas se esconderam
em suas casas? Por que não fugir?”

“Correr?” A garota riu um riso vazio. “Para onde nós iríamos? Passar fome na floresta em algum
lugar?”

“Viajar à noite, tentando chegar a Thraben, onde eles nos afastariam? Seus mercadores e padres
podem chegar às proximidades, mas eles não aceitariam uma aldeia cheia de refugiados.”

“Ainda assim, a igreja”, disse Davriel. “Está perto.”

“Alguns dos aldeões foram à igreja em nossa aldeia. Aqueles que adoram o anjo. Quando ela
ouviu sobre a nossa situação, a igreja havia enviado padres para nos proteger com suas orações.
Mas a fé não ajudou os que se esconderam na igreja. Assim como não ajudou minha irmã.”

Parecia que Tacenda não seguiu o Anjo, apesar do símbolo que ela usava enrolada em seu pulso.
Curioso. Desde a sua primeira chegada nas proximidades, ele achou incomum o quão
firmemente as pessoas aqui resistiram à igreja. Os sacerdotes do priorado – tolos desorientados
que eles eram – tinham uma bugiganga que acalmava as almas de qualquer um que morresse ali.
Sem geists, sem cadáveres em ascensão, sem terrores.

Isso deveria ter sido suficiente para ganhar convertidos, mas poucos dos aldeões aceitaram o
abençoado sono do Anjo. Em vez disso, eles deixaram instruções para seus corpos serem
devolvidos ao pântano. A coisa amaldiçoada tinha suas videiras enroladas em seus corações.

“Eu conheci os padres que vieram para ajudar”, disse Tacenda. “O mais jovem, Ashwin, fez um
esboço da minha irmã uma vez. Eles se trancaram com os fiéis dentro da igreja. Eu olhei para
eles no final e encontrei apenas cadáveres.”
Davriel recostou-se, pensativo. Na mansão, ele postulou que esse era o trabalho de algum
necromante trapaceiro. Mas uma aldeia inteira? Defendido por múltiplos sacerdotes com
proteção e banidores talentosos?

“Talvez devêssemos ter saído” disse Tacenda, olhando pela janela. “Talvez devêssemos ter
corrido. Mas você não sabe como é, seguro em sua rica mansão. Você não sabe o que é dormir
toda noite com uma oração fervorosa e um machado na porta, por precaução.”

“É assim que vivemos. Há sempre uma sombra na floresta, com olhos que ardem no escuro e
dentes que brilham demais. Vivemos aqui há gerações, confiando na guarda do pântano. Este é o
nosso destino. Entrem à noite e rezem para as nuvens passarem por nós…”

A carruagem bateu de novo, depois as rodas bateram na madeira enquanto atravessavam uma
ponte antiga. As lanternas da carruagem logo revelaram uma coleção de casas atarracadas.
Embora as residências se amontoassem em grupos, as portas reforçadas e as persianas espessas
da janela faziam com que cada um parecesse solitário.

Ele viu o primeiro corpo na rua. Uma mulher deitada de costas, braços congelados em um gesto
de pânico, tentando proteger a cabeça. O rosto estava trancado em uma máscara de terror.

Crunchgnar diminuiu a velocidade da carruagem. Davriel saiu para a cidade silenciosa cheia de
casas vazias, como cascas de ovos quebradas. Este lugar, ele decidiu com um arrepio, era pior do
que a floresta, onde você sabia que estava sendo vigiado. Aqui… bem, você fica na dúvida.

Crunchgnar desceu da carruagem, usando seu equipamento de batalha completo. Brerig estava
empoleirado no topo da carruagem como um gárgula, as asas raquíticas tremulando atrás dele.
Gutmorn e Yledris completaram sua comitiva – um par de irmão e irmã de demônios Nightreach
levemente blindados que pousaram em um telhado próximo, suas enormes asas se estabelecendo
ao redor deles. Eles tinham muito menos aparência humana do que Crunchgnar ou Miss
Highwater, com traços esqueléticos e longas pernas como bodes.

Se alguém estivesse vivo na aldeia, provavelmente teria morrido de medo da chegada repentina
de sua procissão. A senhorita Highwater ajudou Tacenda a descer da carruagem, depois tirou a
capa e a máscara de Davriel. Ela segurou estes em direção a ele, esperançosa. Ele normalmente
usava em público. Menos pessoas de fora do plano conheciam o traje do que o rosto dele – e
Davriel Cane era, é claro, um nome mais novo que ele havia adotado.
Ele jogou a capa, que tinha um velho feitiço de sombra de seus dias vivendo entre os demônios
de Vex. Quando as bordas se abaixaram, deixaram manchas no ar, como as estrias feitas por um
pincel. Foi um pouco dramático – mas poucos acusariam demônios de eufemismo.

Ele deixou a máscara por enquanto se ajoelhou ao lado do corpo da mulher assustada. Ele sentiu
a pele de seu rosto – que ficou frio e duro – e depois deslizou a mão por suas costas. O sol se pôs
quase três horas atrás, e o ataque ocorreu pouco antes disso, mas não havia um toque de calor. O
calor do corpo não teria desaparecido tão rapidamente por conta própria, mesmo em um
ambiente frio como este. Isso também descartou algo como envenenamento por dustwillow –
poderia provocar um estado catatônico, mas não faria com que a temperatura corporal caísse tão
rapidamente.

Ele assentiu para si mesmo, trabalhando os músculos do rosto dela, em seguida, movendo um
dos braços para baixo. “Definitivamente não é um simples feitiço de imobilização, como eu usei
em você mais cedo”, disse ele quando Tacenda se aproximou ao lado dele. Ele olhou fundo nos
olhos da mulher caída, depois usou um espelho para verificar a respiração. - Nenhum sinal de
vida, mas também muito pouco acúmulo de sangue na parte de trás… Frio não natural…
Nenhum sinal de ferimentos por perfuração… Azul ao redor dos lábios, como você notou… Os
músculos estão tenso, mas podem ser movidos…”

“Então?”, Perguntou Tacenda.

“Então, isso foi um desperdício de uma viagem”, disse Davriel, levantando-se e aceitando uma
toalha da senhorita Highwater. “É exatamente como eu imaginei na mansão. Suas almas foram
evacuadas e o trauma induziu seus corpos a uma forma de suspensão paralítica.

“Mas o que nós podemos fazer?”

Davriel devolveu a toalha a senhorita Highwater, que a guardou e entregou-lhe a bengala. Tinha,
claro, uma espada escondida por dentro. Ele se virou, inspecionando uma aldeia inteira cheia de
mausoléus.

“Isso depende de quem ou o que está por trás disso”, disse ele, apontando com a bengala. “Seu
necromante quereria os corpos; mas, por eles terem sido deixados aqui nos diz que este não foi o
trabalho de algum necromante comum. No entanto, existem variedades de necromantes que
constroem dispositivos usando almas como uma forma de poder. E há muitas criaturas nesta
terra que se alimentam de almas. Alguns atacam agressivamente. Outros – como demônios – se
dedicam a tal banquete apenas como uma iguaria, uma vez que a alma é conquistada por
contrato.”

“Eu duvido que fossem demônios”, disse a senhorita Highwater, virando algumas páginas em
seu caderno. “A garota disse que muitas das portas ainda estavam trancadas. Ela teve que entrar
e checar por sobreviventes. Ela ouviu esses Whisperers, mas não conseguiu distinguir a língua
que eles falaram.”

“Os Whisperers podiam atravessar paredes”, disse Tacenda. “Mas… alguém estava controlando
eles. Certo?”

“Sim”, disse Davriel. “Mesmo se você não tivesse ouvido passos antes, poderíamos supor isso. O
subterfúgio usando a minha semelhança, o ataque de preciso para extirpar sua irmã, depois o
ataque coletivo… Alguém está controlando esses geists. Por conta própria, eles não teriam a
presença de espírito para agir de forma coordenada.” Ele apontou com a bengala. “Leve-me para
uma das casas trancadas que você abriu.”

Crunchgnar e Brerig se juntaram a eles – o menor demônio segurando uma lanterna para a luz –
enquanto Gutmorn e Yledris saltaram para o ar, atentos ao perigo. Todos eles tinham várias
reivindicações sobre sua alma, de acordo com os contratos que ele fez com eles. Os termos de
cada um eram diferentes, mas cada um compartilhava um elemento importante: sua recompensa
baseava-se em sobreviver por tempo suficiente para que o acordo fosse cumprido. Se ele morrer
cedo, eles não receberiam nada.

Essa foi a primeira regra da demonologia: certifique-se de que os incentivos do demônio estejam
alinhados com os seus. Embora o conceito fosse economia simples, era tão fácil esquecer.

Eles chegaram a uma casa indefinida com uma janela quebrada. As persianas desta
aparentemente estavam destrancadas por algum motivo durante o ataque, por isso Tacenda
conseguira entrar facilmente quebrando o vidro.

Eles entraram pela porta e lá encontraram os corpos de uma jovem família – com dois filhos
pequenos – amontoados em vários estados de pânico aterrorizados. Davriel entregou à senhorita
Highwater sua bengala, depois fez uma verificação superficial dos corpos, que tinham os mesmos
sinais da primeira mulher. Enquanto trabalhava, Brerig levantou o corpo atarracado até o balcão
perto do fogão e começou a vasculhar os armários. Ele jogou fora alguns frascos vazios depois de
cheirar eles, então continuou vasculhando.

“Se está aqui, mestre”, disse Brerig, “eu vou encontrá-lo.”

Ele está… procurando por chá, percebeu Davriel. Para mim. O pequeno demônio tinha o hábito
de se fixar em uma coisa que Davriel dizia, depois se esforçando ao máximo para cumpri-lo. Ele
saiu com um pote do que parecia ser um dente de alho seco e, obviamente, não conseguia decidir
se era chá ou não. A senhorita Highwater deu-lhe uma sacudida negativa com a cabeça, então ele
a jogou de lado.

Davriel voltou para a investigação. “Estes eram seguidores do pântano?”

“Sim”, disse Tacenda, sua voz soando oca. Ela cuidadosamente colocou um cobertor ao redor da
menor das crianças, um menino que não podia ter mais de quatro anos. Seu rosto aterrorizado
estava congelado no meio do grito, os olhos arregalados e ele segurava um brinquedo de palha
para se consolar.

Davriel estava inclinado a confiar na descrição de Tacenda de que esses Whisperers eram uma
forma de aparição, mas ela era cega, então era melhor checar por si mesmo. Os corpos nessa casa
- que de outra forma haviam sido trancados – pareciam suficientes. O que quer que tenha feito
isso poderia atravessar paredes.

Brerig mancou, carregando uma bolsa que parecia promissora. Na verdade, uma vez havia
realizado chá, a julgar pelo cheiro.

“Desculpe, mestre”, disse Brerig, levantando a bolsa e provando que nada estava dentro.

“Está tudo bem”, disse Davriel, levantando-se e limpando as mãos no tecido que a senhorita
Highwater providenciava.

“Enigma.?”, Perguntou Brerig.


“Continue.”

O pequeno demônio franziu o rosto. "É o ar?"

“Isso é realmente um bom palpite”, disse Davriel. “Mas não, não é a resposta.”

Brerig sorriu, depois enfiou a bolsa no bolso enquanto saía. Crunchgnar – que havia esperado do
lado de fora durante a investigação – passou por cima do ombro, enviando o demônio menor para
ir observar os cavalos, o que ele fez sem reclamar.

“Honestamente,” senhorita Highwater disse: “Eu não acho que ele queira descobrir esse
enigma.”

Talvez ela estivesse certa; era criminoso o quão leal Brerig poderia ser. Davriel voltou para a rua,
com Tacenda o seguindo.

“Bem”, ela perguntou. “E agora?”

Ele apontou com a bengala para a sombra da pequena igreja no centro da cidade. Crunchgnar
conduziu-os nessa direção com sua lanterna.

“Quanto você sabe sobre A guarda do pântano que está sobre você?” Davriel perguntou a
Tacenda.

“Todos nas proximidades estão marcados. A proteção do pântano. É dito que, por causa disso,
não sofremos quase tantos ataques quanto deveríamos, vivendo tão longe do resto da sociedade.
Eu não sei disso. Quando eu era mais jovem, os ataques pareciam frequentes o suficiente. Até que
eu aprendi a cantar. Ela olhou para baixo.” Antes do meu fracasso hoje, achei que sempre seria o
suficiente. Minha visão, em troca da música...”
“Uma maldição curiosa”, disse Davriel.

“É um lembrete”, disse Tacenda. “Do que devo ao pântano. Da dívida que todos nós devemos ao
Pântano, por sua proteção. Ela pareceu vacilar quando disse isso, olhando em direção a uma
porta aberta com corpos dentro.”

Bem, Davriel supôs que ele não podia culpar essas pessoas por um pouco de superstição. Havia
algo diferente sobre as proximidades. Essa foi a parte mais intrigante de tudo isso.

“Algo é muito estranho sobre esses espíritos que invadiram sua cidade”, disse Davriel,
apontando com sua bengala. “Senhorita Highwater, algum demônio perspicaz faria um acordo
com um aldeão?”

Ela franziu o nariz. “Claro que não.”

“E por que não?”

"Porque eles já foram reivindicados. Todo mundo sabe disso. Você pode sentir o cheiro neles.

Crunchgnar grunhiu, então assentiu. “Como podemos dizer quando uma alma já está sob
contrato com outro demônio. É preciso um prêmio poderoso para valer a pena entrar em tal
barganha.”

“Obrigado pelo elogio”, disse Davriel. Senhorita Verlasen, a marca em suas almas é menos uma
proteção e mais um sinal de propriedade. Uma reivindicação. Sua música funciona da mesma
maneira. Isso assusta bestas e espíritos porque eles reconhecem o perigo em provocar o pântano.
Matar você seria como matar um poderoso cão de caça. Mas sua música não ajudou mais cedo.
Logo…”
Tacenda parou na rua, o instrumento amarrado às costas. Embora a senhorita Highwater tivesse
lhe dado um lenço antes para limpar o rosto e as mãos, o seu vestido de camponês ainda estava
esfarrapado e ensanguentado de onde ela arrancara o braço. Ela ficou boquiaberta para ele.

“Certamente”, ela disse, “você não está insinuando que pântano os pegou?”

"É a minha principal teoria", disse Davriel. “Há outra possibilidade – talvez esses geists tenham
sido enviados por alguém poderoso o suficiente para ignorar a alegação do pântano. Ainda assim,
não consigo deixar de me perguntar por que sua proteção não funcionou. Talvez a coisa que
tomou essas almas tenha sido feita do mesmo poder. Enquanto um rato pode ter medo do cheiro
do gato, o próprio gato nem vai perceber.”

“O pântano nos protege”, disse Tacenda. “Isso exige nossas almas quando morremos, mas de
outra forma nos guarda e nos mantém seguros. Ele não pode estar envolvido.”

“Possivelmente”, disse Davriel. “Eu sempre achei difícil separar seu pequeno culto das
intervenções reais do pântano.”

“Não é um culto. Isto é apenas… como as coisas são.”

Davriel olhou através de uma porta aberta para outra casa, observando um corpo deitado no chão
perto da abertura. Ele se viu cada vez mais irritado. Não pelas mortes – vidas começaram e vidas
terminaram. Não havia problema em se preocupar com cada pequena perda. Mas estes eram seus
camponeses. O pântano, ou algo parecido, os levara em flagrante desrespeito pela autoridade de
Davriel.

Nós nos tornaremos muito mais, a Entidade disse – sempre à espreita no fundo de sua mente.

Aí está você, pensou Davriel. Você estava cochilando?


Você continua em pequenas lutas por poder e autoridade, a Entidade sussurrou. Você deve perceber
que estes são desperdícios sem sentido do seu potencial. Uma vez que você use minha força – infundir
seus feitiços com meu poder – você superará tudo isso.

Isso era precisamente o que Davriel temia. Desde que roubou a Entidade – arrancando-a da
mente de um moribundo – ele foi capaz de sentir seu vasto potencial.

Logo, a Entidade disse, nós vamos escapar dessa mundanidade. Em breve…

Eles chegaram à igreja, uma estrutura de madeira simples com um teto pontiagudo. Não há
grandes vitrais. Apenas uma ampla estrutura de um único andar cheio de bancos. No interior, a
escuridão estava completa, pois as poucas janelas não permitiam muita luz da lua.

As grandes portas da frente estavam abertas e a barra no interior haviam sido retirado. Curioso,
Davriel pensou, descansando os dedos na madeira gravada, notando arranhões característicos.
Aqueles eram frescos. Também digno de nota, a porta tinha uma vez o símbolo do colar, o sinal
da Igreja de Avacyn, o Arcanjo. Isso havia sido lixado há alguns meses. Além disso, a marca de
pedra idêntica, uma vez colocada no arco, havia sido coberta com gesso.

“O que é isso?”, Ele perguntou, apontando. “Por que seu pessoal removeu o símbolo?”

“Bem”, Tacenda disse, “depois do negócio no ano passado, a sacerdotisa decidiu...”

“Negócio no ano passado?” Davriel disse com uma carranca. “Que negócio é este?”

“Com os anjos?” Tacenda disse.

Ele balançou a cabeça, depois olhou para senhorita Highwater, que parecia divertida. Até mesmo
Crunchgnar levantou uma sobrancelha.

“Você não está falando sério, está?”, Disse a senhorita Highwater. “O arcanjo Avacyn ficou
louco? Como fez a maioria dos outros?”
“O que?” ele disse. “Mesmo?”

“Os anjos tentaram nos matar”, disse Tacenda. “Eles queriam exterminar a humanidade para
nosso próprio bem. Mesmo aqui, longe do corpo principal da igreja, ouvimos falar sobre isso.”

“Huh”, disse Davriel. “Isso soa como um aborrecimento bastante grande”.

“Oh, Dav”, disse a senhorita Highwater. “Eu falei três vezes sobre o assunto.”

“Eu estava ouvindo?”

“Obviamente não.”

Tacenda, incrédula, acenou para o céu. “A lua? Você não notou a lua?”

“Oh? Tentou matar você também?”

“O símbolo?”, Disse Tacenda. “A enorme runa gravada em sua superfície?”

Ele deu um passo para trás, olhando para ele, depois inclinou a cabeça. “Isso sempre esteve lá?”

Tacenda olhou para ele, incrédula. “Como ele pode ser tão perspicaz, mas ao mesmo tempo tão
esquecido?”

“Você faz uma pergunta que me atormenta há anos, criança” murmurou Crunchgnar. “Um dia
eu vou descobrir seus segredos enquanto ele grita por misericórdia, sua alma queimando em meu
coração no inferno. Então, vou devorar sua alma.”
“E vou me esforçar para lhe causar indigestão, Crunchgnar” disse Davriel, olhando para a lua.
“Você sabe, eu gosto disso. Tem estilo. É diferente.” Ele levantou a mão, fazendo um soco no ar
para convocar Gutmorn e Yledris.

Eles se agitaram, aterrissando no chão próximo com batidas silenciosas. Os dois afirmavam ser
irmão e irmã – criados no mesmo dia –, embora seus rostos fossem tão retorcidos com chifres,
eles também poderiam ser irmãos de uma confluência particularmente aspiracional, e Davriel
não saberia a diferença.

“Vigie o perímetro da cidade”, Davriel disse a eles. “Eu não confio nesta noite. O resto de vocês
ficará bem se entrarmos em uma igreja?”

“Não temo os anjos” retrucou Crunchgnar.

“E eu não me importo”, disse a senhorita Highwater. “Enquanto não houver sacerdotes ou


feitiços de banimento ao redor.”

Bom o suficiente. Davriel entrou a passos largos.

Capítulo 7: Tacenda

Tacenda parou na porta da igreja enquanto Davriel e os demônios se espalhavam para investigar.

Ela intimamente conhecia os sons desse lugar. A maneira como as vozes ecoavam nos beirais. A
maneira como a pequena fonte tilintava com o som da água da nascente. A sacerdotisa havia
instalado esse símbolo de pureza pouco antes do nascimento de Tacenda – uma tentativa de
representar águas limpas para contrastar a impureza do pântano.

Tacenda tinha vindo aqui com Willia para realizar alguns serviços, embora ela mesma nunca
tivesse feito o juramento do Sono Abençoado. A igreja se preocupava com este verdadeiro sinal
de devoção acima de todos os outros: a promessa de ter um corpo levado pela igreja para o
enterro, ao invés de aceitar o sepultamento no pântano.
Tacenda seguiu para o altar, que tinha buracos para velas e pedestais gêmeos nas laterais. Uma
vez que aqueles carregaram o símbolo de Avacyn, o símbolo geral da igreja. Tacenda lembrou-se
de se ajoelhar ali quando criança, com uma das mãos em cada um dos pedestais. Sentindo o
metal frio, os símbolos de bronze fundido, enquanto os sacerdotes rezavam sobre ela em uma
tentativa de curá-la de sua aflição.

Os símbolos de Avacyn foram removidos pelo comando da sacerdotisa. Aparentemente, todos em


Thraben adoravam um novo anjo agora. Mas você poderia simplesmente mudar sua fé? Trocá-lo
como mudar de roupa? O que tornou este novo culto melhor? E por quanto tempo o antigo tinha
sido defeituoso?

Willia não foi a única aqui que usou o símbolo do Anjo Sem Nome. Uma figura misteriosa que
concedera às proximidades a dádiva da Seelenstone, a relíquia da igreja.

Crunchgnar cutucou ao redor da construção, seus movimentos exagerados, como se ele estivesse
se esforçando para provar o quanto ele estava insatisfeito dentro de uma igreja. A senhorita
Highwater ficou perto de Davriel, que inspecionou a barra que costumava barrar a porta. Então
ele voltou sua atenção para as janelas, que ele abriu por sua vez, olhando para as molduras.

Tacenda caminhou até os corpos, que ficavam na sombra. A lamparina solitária de Crunchgnar
deixou a câmara larga com uma sensação sombria. Cerca de uma dúzia de pessoas haviam caído
aqui, o equivalente a duas famílias. Os fiéis da aldeia, um punhado em comparação com aqueles
que ficaram em suas casas e confiarão na Canção da Guarda do Pântano.

Com eles estavam os corpos dos sacerdotes. Havia três: A velha Gurdenvala era a sacerdotisa de
sua aldeia, uma mulher que Willia sempre chamara de severa. Ela caiu no altar, erguendo um
símbolo de Avacyn – um ícone agora proibido. Quando o perigo chegou, ela voltou a sua fé
original.

Os outros dois padres vieram do priorado para tentar ajudar as pessoas nesta emergência.
Tacenda também não os conhecia, embora o mais novo fosse Ashwin – o padre que certa vez
fizera um esboço de Willia. Seu corpo se encolheu contra a parede, os olhos arregalados.
Tacenda se ajoelhou e tirou um bloco de notas do chão ao lado dele, e dentro encontrou esboços
de pessoas. Sacerdotes, aldeões, vários da própria igreja.

O último esboço foi um desenho rápido da igreja a partir desta perspectiva perto da parede: os
bancos em uma linha, as portas da frente abertas e a lua além. De pé na porta – desenhados como
esboços inacabados rápidos – havia figuras transparentes com rostos retorcidos. Imagens
medonhas que a lembraram distintamente do que ela havia visto antes na mansão de Davriel,
quando o espírito do cátaro se transformou em um geist medonho.
Ela estremeceu com o esboço assustador – áspero, mas de alguma forma convincente. Ela

podia imaginar o padre ali, encolhido no canto, desenhando furiosamente enquanto as proteções

e orações da igreja fracassavam. Ela levou o bloco de notas para a frente da sala, onde Davriel e

senhorita Highwater estavam novamente inspecionando a porta da frente.

“O que é isso?” Davriel disse, levantando e tirando o bloco de notas dela. “Muito escuro.

Crunchgnar, você poderia trazer a lamparina aqui? Eu mal consigo ver o quão feio você é.”

Crunchgnar resmungou, mas começou a trazê-la. Davriel virou o bloco de notas para a luz e

depois assentiu. “Faz sentido.”

“O que faz sentido?”, Disse Tacenda.

“Senhorita Highwater” disse Davriel, devolvendo o caderno a Tacenda. “O que você acha

dessa situação?”

“As proteções da igreja são mantidas por um curto período de tempo, pelo menos”, disse a

senhorita. Highwater, apontando. “Arranhões nas portas e janelas, que se parecem

distintamente com as marcas feitas pelos geists tentando entrar. Eles não precisariam fazer isso

se pudessem simplesmente atravessar essas paredes, como faziam com as outras casas.”

“Excelente”, disse Davriel. “Senhorita Verlasen, esta é uma evidência convincente.”

“Evidência?”, Perguntou Tacenda. “Sobre o que?”

“Esses Whisperers não podiam entrar na igreja, pelo menos não no começo. Os poderes dos

sacerdotes eram suficientes para impedi-los.”


Tacenda olhou para a foto dos espíritos na porta da igreja. “Você disse antes que era possível

que os geists não fossem afetados pela minha música porque eles eram muito poderosos. Mas se

as proteções da Igreja os detiveram…”

“Eu duvido que algo poderoso o suficiente para ignorar completamente o pântano seria, por

sua vez, detido pelas proteções desses padres”, disse Davriel. “Dito isso, temos provas de que a

autoridade da igreja pode afastar a influência do pântano. A alegação que pode fazer sobre as

almas dos que estão enterrados lá, por exemplo.”

“Como os Whisperers não foram afetados pela sua música, mas foram parados pelos

sacerdotes, acho cada vez mais provável que eles sejam do pântano. De fato, os espíritos que

você ouviu sussurrando eram pessoas de sua própria aldeia.”

Ele atravessou a sala, com a bengala clicando no chão de ladrilhos da igreja.

Tacenda correu atrás dele. “O que?” Ela exigiu. “O que você quer dizer?”

“Os ataques começaram devagar”, disse Davriel. “No começo, apenas duas pessoas – seus

pais – em uma viagem ao pântano. Depois, mais alguns, aumentando em frequência, até o ataque

final à aldeia. Por que tantos dias entre os primeiros ataques, então um ataque crescente e

esmagador no final?”

“Eu suspeito que foi porque esses” Whisperers “são os próprios espíritos que estamos

procurando, as almas desencarnadas de seus aldeões. Os espíritos podem perpetuar o roubo –

uma vez que alguns geists foram feitos, eles poderiam ser enviados para reunir outros. O efeito

multiplicativo aumentaria seus números rapidamente, aumentando suas fileiras para ataques

maiores e mais ousados.”

Tacenda congelou no lugar, horrorizada com a ideia – mas fazia um sentido distorcido. O rosto

de sua irmã….. Não tinha ficado assustado quando ela foi levada. Poderia ser que ela de alguma

forma reconheceu os geists vindo por ela? Poderia ter sido… os pais dela?
“Senhorita Highwater”, disse Davriel. “Várias perguntas permanecem. Alguém parece estar

ajudando o pântano, como evidenciado pelos passos que ela ouviu. Isso nos leva à resposta de

como a igreja foi violada. As proteções estavam, afinal de contas, os segurando.”

“Vampiros?”, A senhorita Highwater adivinhou.

“Um excelente palpite.”

“Mas errado?” Ela perguntou.

Davriel sorriu.

“Espere”, disse Tacenda. “O que é isso sobre vampiros?”

“A porta foi aberta por dentro”, disse a senhorita Highwater, apontando. “A barra foi removida

de bom grado, sem sinais de entrada forçada. Seu esboço prova que os espíritos entraram pela

porta. Então, alguém os deixa entrar – é por isso que eu adivinhei vampiros. Uma criatura que

poderia controlar a mente de alguém dentro e levá-los a abrir as portas.”

“E as portas abertas permitiriam que os espíritos entrassem em uma igreja protegida?”

perguntou Davriel.

“Eu não tenho certeza.” Senhorita Highwater franziu a testa.

“Além disso, um aldeão poderia ser controlado pela mente?” Davriel perguntou. “Você já

tentou alcançar um dos seus cérebros? Eu vou te dizer, não é uma experiência agradável. O toque

do pântano é bastante poderoso”.

“Então…” Tacenda perguntou. “O que aconteceu então?”


“Verifique os corpos dos padres”, disse Davriel, acenando para os cadáveres. “Eu fiz isso”,

disse Tacenda.

“Então faça um trabalho melhor desta vez, senhorita Verlasen.”

Ela franziu a testa, mas se aproximou e se ajoelhou ao lado do cadáver do jovem padre. Ela o

olhou, depois – tímida no início – virou o corpo dele. Ele não está realmente morto, ela disse a si

mesma. Ele está apenas dormindo. Eu vou salvá-lo, como eu vou salvar Willia.

Seu corpo não parecia diferente de nenhum dos outros. Ela se mudou para o padre mais velho

da igreja, que estava deitado de costas, com a cabeça virada para o lado. Ele tinha a mesma

expressão vítrea e congelada que todos os outros. Tacenda o rolou para o lado.

E encontrou uma faca no peito.

Ela gritou, soltando, mas a senhorita Highwater pegou o corpo e o rolou por todo o caminho. Ele
foi morto com uma lâmina. Como Tacenda não percebeu isso?
Não há quase nenhum sangue no chão, ela pensou. Manchou a frente de suas vestes, mas não se
agrupou embaixo dele.

“Seu corpo congelou como os outros, uma vez que sua alma foi tomada”, disse a senhorita
Highwater. “Droga, Dav, como você sabia?”

O Homem da Mansão passou, parecendo satisfeito quando começou a remexer no altar.

“O que isso significa?” Tacenda perguntou.

“Alguém o esfaqueou, o que interrompeu sua oração”, disse a senhorita Highwater. “Então aquele
alguém abriu as portas e deixou entrar os Whisperers. Havia um traidor na aldeia.

“Sim”, disse Davriel. “Você sabe exatamente quem estava nesta sala quando eles primeiro
barraram essas portas?”
“Não”, disse Tacenda. “Foi em uma hora confusa e eu ainda estava cega. Minha visão não voltou
até logo depois do anoitecer.”

“Pode valer a pena ter alguém para auditar a cidade de qualquer maneira”, disse ele. “Então
podemos ver se alguém está faltando. Uma tarefa que talvez pudéssemos designar aos sacerdotes
da igreja, de manhã. A menos que… Senhorita Tacenda, sua irmã esteja morta, então não podemos
entrevistá-la. Mas você disse que um padre estava entre aqueles que me identificaram. Você sabe
qual padre?”

“Edwin”, disse Tacenda. “Um homem mais jovem. Ele reconheceu você… ou alguém vestido
como você, eu suponho… atacando alguns comerciantes locais. Foi a primeira vez que alguém
relatou ter visto geists envolvidos…”

Ela parou. Aqueles foram os primeiros ataques depois que seus pais caíram, e Edwin relatou ter
visto dois geists. Parecia óbvio, agora que Davriel apontara isso. Aqueles dois tinham sido… seus
pais.
O horror disso de repente ameaçou dominá-la. Ela caiu no chão ao lado do padre esfaqueado,
cercada por cadáveres. Seus pais, sua irmã, as pessoas da aldeia – eles foram levados,
corrompidos, forçados a voltar e arrancar as almas daqueles que amavam. E Davriel disse que o
pântano estava envolvido? Que queria isso por algum motivo?
Tacenda estava usando um tipo de foco para se manter em movimento – primeiro, um foco
estreito em atacar o Homem. Em seguida, um foco em tentar salvar sua irmã. Mas se ela realmente
parasse para pensar em como tudo era terrível…
Ela era a última protetora da aldeia. Mas no final, ela mal era adolescente e não tinha ideia do que
estava fazendo. O que ela faria se o próprio pântano estivesse contra ela? Se seu dom era inútil, o
que ela era?
Ela se abraçou e desejou – pela primeira vez – ter alguém para cantar para ela, como ela havia
cantado para Willia durante a noite. Ela desejou poder ouvir aquela Canção da Alegria, aquela
que – momento a momento – ela parecia estar esquecendo…

“O padre, criança”, disse Davriel, sua voz estranhamente suave. “O que você sabe dele?”

“Não… não muito”, disse Tacenda, sacudindo-se. “Ele é nascido nas proximidades, mas treinado
em Thraben. Certamente você não acha que ele estava envolvido nisso?”

“Eles podem ter aberto as portas da igreja aqui para um padre”, disse Davriel.

“Isso explicaria muito”, disse senhorita Highwater. “Alguém parece ter passado por essas portas,
então esfaqueou o padre dizendo as orações - deixando os geists entrarem.”
“Eu não estou fazendo nenhum julgamento absoluto ainda”, disse Davriel, ainda atrás do altar.
“Não tenho teorias concretas sobre por que um padre trabalharia com o pântano. Eu não posso
nem dizer por que o pântano iria assassinar seus próprios adoradores, se é que isso aconteceu.”

“Então… o que faremos depois?” Tacenda perguntou, piscando, tentando recuperar o foco. Ela
não podia pensar muito sobre isso, ou isso iria sobrecarregá-la.
Eles não estavam mortos. Willia não estava morta. Concentre-se nisso.

“Precisamos de magia que possa lidar com geists”, disse Davriel. "É melhor que seja um feitiço
para rastreá-los. Às vezes, se você pode isolar um geist, então confronte-o com algo muito familiar
quando estava vivo – uma ferramenta de seu comércio, talvez, o recuperará o suficiente para
responder a algumas perguntas. Podemos também querer que alguma magia estabilize e ancore
suas formas, forçando-as a permanecer corpóreas para que possam resistir fisicamente.”

“Você tem esse tipo de mágica?” Ela perguntou.

“Não”, disse Davriel. “Tecnicamente, tenho poucos talentos meus.” “Mas—”

“Eu posso apenas pedir emprestado a outros, senhorita Verlasen”, disse Davriel. “Eu sou um
mendigo despretensioso, um servo de todas as pessoas.”

Crunchgnar bufou quando acendeu outra lamparina. Aquele lugar ainda não estava bem
iluminado.

“Muitas pessoas”, Davriel continuou, “têm algum tipo de talento menor – um jeitinho mágico,
uma aura de fé ou até mesmo alguma magia praticada. Eles são verdadeiramente sem inspiração
no uso dessas bênçãos. Eu lhes dou uma pequena ajuda.

“Ele faz isso”, observou a senhorita Highwater, “alcançando seus cérebros e forçando suas
habilidades mágicas, que ele usa quando precisa delas.”

“Isso é horrível!” disse Tacenda.

“Agora”, disse Davriel. “Dói-me quase tanto quanto eles, especialmente se a magia que roubo é de
alguém particularmente hipócrita o bastante pra se achar pura. E eles recuperam os talentos logo
após a minha intervenção, então qual é o mal? Ah!”

Ele levantou-se de repente, segurando algo no alto.


“O quê?”, Perguntou Tacenda. “Uma pista?”

“Melhor”, ele disse, virando o pequeno pote. “A sacerdotisa estava acumulando um pouco de chá
de dustwillow.” Ele desparafusou a tampa, então seu rosto caiu.

“Vazio?” Tacenda perguntou.

“Vocês, camponeses, foram excepcionalmente preguiçosos nas últimas semanas”, disse ele. “Sim,
Sim. Ser assassinado por geists e tudo isso. Mas realmente…”

Um baque soou do lado de fora e uma sombra escureceu a frente da igreja. Um dos dois demônios
que voavam – Tacenda não conseguia distingui-los – entrou na câmara, segurando uma lança e
falando com uma voz grave. “Mestre. Cavaleiros com lamparinas que andam a cavalo se
aproximaram da cidade.”

“O quê?” Davriel disse. “A essa hora da noite?”

“Eles atiraram em nós quando nos viram”, disse o demônio, segurando um pedaço de besta
perversa. “Gutmorn foi atingido na perna. Ele pousou em cima de uma casa próxima para se
recuperar, mas os cavaleiros estão indo direto nessa direção. Eles se parecem com caçadores de
demônios.”

Davriel soltou um suspiro alto e deliberado e lançou um olhar para Tacenda.

“Você não pode me culpar por isso”, disse ela.

“Eu vou culpar quem eu quiser”, ele retrucou. “Yledris, vá buscar Brerig e a carroça. Veja se ele
pode chegar antes…”

Uma flecha de besta bateu contra a porta de madeira ao lado de Yledris, e gritos aumentaram
apesar da distância.

“Ou”, disse Davriel, “talvez apenas barrar a porta.”


CAPÍTULO 8: Tacenda

Tacenda tropeçou para trás quando Crunchgnar rugiu e fechou a porta com força. A alta e
grossa porta de carvalho sacudiu quando Crunchgnar – com a ajuda de Yledris – enfiou a
barra no lugar. Crunchgnar então tirou um pequeno escudo redondo de suas costas e tirou
uma espada perversa de sua bainha. Yledris ficou ao lado dele, segurando a lança diante dela,
as asas se esticando e depois se acomodando em uma postura relaxada.

Senhorita Highwater espiou por uma pequena janela ao lado da porta – o vidro era grosso, a

abertura estreita. “Isso é novo”, disse ela. “Eu nunca estive deste lado de um ataque da igreja

antes.”

Davriel se juntou a ela, e Tacenda se aproximou, mas a janela era estreita demais para ela ter

uma boa visão.

“Lord Greystone!”, Gritou uma voz de mulher do lado de fora. “Não tente se esconder! Nosso

batedor viu você inspecionando seu trabalho sujo nesta cidade pobre. A hora do acerto de

contas chegou! Você não vai mais aterrorizar as proximidades! Saia e se submeta ao

julgamento em nome do Arcanjo Sigarda!”

“Greystone”, disse senhorita Highwater. “Esse é o nome falso que você dá quando…”

“…Eu visito a sacerdotisa”, disse Davriel, sua expressão escurecendo. “Está cada vez mais

óbvio que ela e eu precisaremos trocar umas palavras. Você pode contar quantos estão por aí?”

“Há, pelo menos, uma dúzia”, disse senhorita Highwater. “Não devemos ter problemas para

combatê-los, a menos que tenham trazido algumas magias pesadas.”

“Lutar contra eles?” Tacenda disse, esticando os dedos dos pés, tentando olhar por cima do

ombro da senhorita Highwater para ver. “Não há necessidade de lutar, apenas me deixe falar

com eles. Depois que eu explicar que você não atacou minha aldeia, eles provavelmente nos

ajudarão a salvar as pessoas.”

Davriel e senhorita Highwater deram uma olhada.


“Ela é doce”, disse senhorita Highwater. “Vai ser divertido vê-la se desiludir.”

Tacenda corou. “Eu não sou ingênua. Mas essas são pessoas boas. Heróis. Certamente

podemos conversar com eles.”

“Não existem pessoas boas”, disse Davriel. “Apenas incentivos e respostas.” Uma luz

vermelha brilhante passou pela janela. “Ah! Eles trouxeram um piromante. Isso pode ser

conveniente. Além disso, protejan-se.”

Ele se virou e correu para os bancos mais próximos, saltando sobre eles com uma agilidade

chocante. Senhorita Highwater o seguiu e Tacenda ficou boquiaberta por um momento, depois

correu.

A porta explodiu.

A onda de choque bateu Tacenda contra um banco de madeira. Um borrifo de farpas em

chamas flutuou pela sala, arrastando fumaça. Crunchgnar suportou sem vacilar, seu escudo

bloqueando alguns dos destroços.

Soldados carregando o novo símbolo da igreja – na forma de uma cabeça de garça - inundaram

a sala. Eles usavam fortes tabardos brancos, amarrados na cintura com fivelas grossas.

Crunchgnar e Yledris os engajaram imediatamente, e embora em menor número, os demônios

pairavam sobre os humanos menores.

Davriel limpou algumas lascas de suas roupas, depois se acomodou em uma cadeira ao lado

da fonte – uma com vista para a luta – e pôs os pés para cima.

Tacenda correu até ele, seus ouvidos ecoando pela explosão. “Você não vai fazer alguma

coisa? Você não pode congelá-los, como você fez comigo?”

“Esse feitiço desapareceu”, disse ele. “Preciso roubar algo novo antes de poder intervir

nisso.”

Um baque soou do lado de fora quando o outro demônio voador – Gutmorn – pousou e atacou

os soldados por trás, fazendo com que os mais próximos da porta se virassem, gritando. A

maioria dos soldados estava vestida com uniformes semelhantes, embora seu líder fosse

obviamente aquela mulher com o longo cabelo preto e o casaco com forro de prata. Ela foi

para o lado dos demônios, segurando uma espada longa, procurando por uma abertura.
Ao lado dela, um homem usando couro carregava uma grande vasilha nas costas, brilhando

com uma luz vermelha profunda. Tacenda nunca tinha visto nada assim antes, mas tubos

estendiam-se dele ao longo dos braços, até as mãos. O piromante?

Eu tenho que fazer algo para parar isso, Tacenda pensou como Crunchgnar varreu um soldado

de lado com seu escudo, depois cortou o outro – matando a pobre mulher. O demônio tomou

uma lança no lado do seu corpo, no entanto, e gritou em agonia.

“Pare!” Tacenda gritou, embora sua voz estivesse perdida no tumulto. “Pare! Deixe-me

explicar!” A mulher de cabelo comprido olhou para ela, depois apontou. “Lide com aquele

servo.”

Um soldado correu em direção a Tacenda. Ela recuou alguns passos, ansiosa. “Ouça-me”,

disse ela. “Lorde Davriel não fez isso. Estamos tentando descobrir o que aconteceu. Apenas

ouça-”

O soldado tentou acertar a espada em Tacenda, que se afastou, recuando para um banco. “Por

favor”, disse ela. “Apenas ouça.”

O homem contornou os bancos. Perto dali, um corpo foi passando, jogado por um dos

demônios. Todo o edifício da igreja era uma cacofonia de demônios grunindo, homens

gritando ao som do metal das armas. Eles lutaram sem tomar nota dos corpos dos aldeões no

chão, a não ser para tropeçar neles ocasionalmente. Foi uma loucura!

O soldado atacou Tacenda novamente, mas ela ficou entre os bancos, mais rápido do que ele.

Ele parou no corredor, depois segurou a mão para o lado, a luz se reunindo ali. Tacenda ficou

paralisada, preocupada. Magia?

O homem gritou de repente, a luz em sua mão desaparecendo. Ele caiu de joelhos, segurando

a cabeça em agonia.

“Ah!” Davriel disse. “Curioso.”

Tacenda olhou para ele, notando a fumaça vermelha desaparecendo de seus olhos. Ela olhou

para o soldado. Davriel roubou um feitiço ou talento? Da mente do homem?

Ela recuou, parando perto do assento de Davriel.


“O que você conseguiu?” senhorita Highwater estava perguntando.

“Um feitiço de convocação”, disse ele. “Não é terrivelmente poderoso, mas flexível. Traz a

última arma tocada recentemente à mão. Suspeito que o soldado estivesse convocando uma

besta para lidar com a senhorita Verlasen.”

Outra rodada de gritos veio dos soldados, que recuaram quando Yledris subiu com sua lança.

Três homens com bestas, no entanto, lançaram uma fileira de flechas com correntes estranhas,

para danificar as asas. Isso derrubou Yledris de volta ao chão, onde os homens vieram em seus

longos machados.

Davriel estreitou os olhos, depois apontou para um dos homens, que tropeçou e gritou,

segurando a cabeça.

Gutmorn veio e atravessou a espada no homem pelo pescoço.

Tacenda se virou de lado, estremecendo. “Nós não deveríamos ter que fazer isso”, disse ela.

“Eles estão do nosso lado.”

“Eles viram demônios, criança”, disse Davriel. “Eles não vão falar ou ouvir agora.”

“Eles são boas pessoas.” Quando ele começou a responder, ela o interrompeu. “Existe tal

coisa. Eu conheço muitas pessoas boas e humildes.”

“Produtos de condicionamento social e incentivos morais”, disse Davriel distraidamente. Ele

apontou novamente e outro homem gritou.

“Alguma coisa boa?” A senhorita Highwater perguntou.

“Não”, disse Davriel. “As mentes deles são tão úteis quanto colheres tortas.” Davriel olhou

para o homem com a máquina incêndiaria e apontou diretamente para ele. Nada parecia

acontecer e Davriel grunhiu.


“O quê?”, Perguntou a senhorita Highwater.

“Ele tem proteções em sua mente”, disse Davriel, franzindo a testa. “Aqueles que parecem

especificamente destinados a me bloquear.”

Crunchgnar rugiu quando deu um golpe nas costas e sangue escuro escorreu pela armadura

de couro. A maioria dos soldados ainda lutava neste espaço aberto nos fundos da sala, entre as

portas e os bancos, onde os três demônios lutavam com crescente desespero enquanto estavam

cercados.

“Eles estão sendo feridos”, disse Tacenda. “Os soldados estão matando eles!”

“Sim, isso é literalmente porque eu os mantenho por perto”, disse Davriel. Ele se levantou e

apontou mais uma vez para o homem com o equipamento de piromancia, mas novamente nada

parecia acontecer.

“Você pode até roubar alguma coisa dele?” Tacenda perguntou. “Ele está usando máquinas”.

“Ele está aumentando seu poder com o geistflame, mas ele terá poder inato para controlar e

talvez acender o fogo”, disse Davriel. “Minha melhor chance será no momento da ignição…”

“Dav”, disse a senhorita Highwater. “Lá na parte de trás, perto das portas. Você vê aquele

homem barbado?”

Tacenda apertou os olhos, escolhendo um homem que havia entrado na igreja por trás da luta,

depois colocou um enorme volume no chão diante dele. “Aquele é chamado Gutmorn”, o

velho gritou, sua voz se elevando sobre o barulho da briga. “O alado com a perna ferida. Ele é

um demônio das profundezas de Devrik! Sobre almas, atormentador dos sete príncipes!”

“Eles trouxeram um diabolista da igreja”, disse Davriel. “Que fofo.”


“Inferno”, disse a senhorita Highwater. “Alguém o mate. Crunchgnar! Apunhale esse cara de

barba!”

Mas Crunchgnar estava sinalizando. Totalmente metade dos soldados foram derrubados, mas

ele estava muito ferido. Os outros dois demônios se colocaram de costas um para o outro,

atacando com lanças, mas também estavam diminuindo a velocidade. Sangrando sangue

escuro no chão.

“Aquele é Yledris Bloodslave!” O velho gritou. “O outro demônio alado, também das

profundezas de Devrik . Eles não são imunes ao fogo, Grart! O tomo está certo!”

Tanta morte. Muita dor. Mais uma vez, ameaçou dominá-la. Incerto sobre o que fazer, Tacenda

deu um passo à frente e viu-se cantarolando. Talvez… talvez ajudasse? Cantar?

“Você só vai vê-los mortos se fizer isso”, disse Davriel. “Sua guarda do pântano vai atordoar

os demônios e deixar que os soldados acabem com eles. Um demônio não tem alma; se

destruí-lo, ele se vai para sempre.”

Tacenda hesitou. Certamente havia uma maneira de parar isso. Certamente havia uma

maneira de fazê-los-

Mãos a agarraram e a empurraram para o chão. Ela engasgou – ela estava tão focada nos

demônios, ela não tinha visto a mulher com o cabelo comprido, que tinha se esgueirado ao

longo dos bancos. Atordoada, Tacenda se virou quando a mulher enfiou as mãos na direção de

Davriel, seus olhos brilhando, uma poderosa luz azul e branca se formando na frente dela.

Davriel empurrou a senhorita Highwater pro lado. Uma rajada de luz explodiu do caçador de

demônios e ilumino-a, como uma coluna de pureza, ligeiramente tingida de azul.

“E agora você deve finalmente descansar, monstro imortal!” A mulher gritou.

A luz desapareceu, deixando Davriel de pé em sua camisa fofa, gravata roxa e longa capa. Ele

piscou várias vezes, seus olhos lacrimejando. “Bem, isso foi desagradável.”
A mulher ficou boquiaberta, abaixando as mãos.

“Infelizmente para você”, ele disse, “sou bastante humano.”

“Lá!” Disse o velho homem com o livro, apontando para a senhorita Highwater, que tropeçou

e caiu quando Davriel a empurrou para fora do caminho. “Não ignore o demônio que tem a

forma de uma mulher graciosa! Isso é Voluptara, Fatiadora de homens! Conhecido como um

dos mais perigosos e astutos demônios da extensão da Chama de Nexrix!”

Tacenda piscou, sentando-se. “Vol… Voluptara?”

“Oh, inferno”, disse a senhorita Highwater. “Ele encontrou.”

Um calor estrondoso veio de trás de Tacenda, e ela se virou, ficando de pé. O homem de

vermelho – finalmente na posição certa para não bater em nenhum de seus amigos – tinha se

acendido com fogo. Ele gargalhou, lançando uma chama de suas mãos.

Ele envolveu Yledris completamente. Um jato de infernal terrível e furioso que, quando

finalmente desapareceu, deixou apenas ossos e algumas fivelas. Gutmorn gritou em agonia,

um som chocantemente humano, enquanto os soldados restantes aplaudiram.

Seu líder voltou a encarar Davriel novamente e levantou as mãos para chamar sua luz, como se

tentasse provar a si mesma que funcionaria dessa vez.

“Eu acredito”, disse Davriel, “isso é o suficiente.”

Ele apontou, apunhalando os dedos na direção da mulher principal. Sua luz se apagou e ela

gritou, caindo de joelhos. Mais uma vez, Tacenda notou que o próprio Davriel estremecia de

dor ao roubar o poder da mulher – como se compartilhasse sua agonia.

Davriel lidou com a dor muito melhor do que a mulher. Ele a chutou para o lado e a senhorita

Highwater saltou para frente, produzindo uma faca no cinto. Ela lidou com a mulher infeliz, e

Davriel seguiu em direção aos demônios.

Outro soldado veio para Davriel, mas ele estalou os dedos – fumaça vermelha nublando seus

olhos - e sua bengala apareceu em sua mão.


O feitiço de convocação, Tacenda pensou, recuando. Aquele que lhe traz uma arma. Ele

convocou a bengala de onde ele a deixou ao lado do altar. Com um movimento suave, Davriel

tirou a bainha, revelando uma lâmina longa e delgada por dentro.

O soldado apunhalou Davriel, que não se esquivou, mas, em vez disso, lançou-se para a frente

em uma postura de duelo, conduzindo sua espada diretamente através do pescoço do soldado.

O homem marcou um golpe em Davriel, esfaqueando-o pelo lado, mas Davriel não pareceu se

importar. Ele deslizou a espada do pescoço do homem quando ele tropeçou e morreu.

O piromante rugiu, virando a arma para Davriel. Mas o lorde parecia estar esperando por isso

– pois, enquanto o piromante se concentrava em acender suas chamas, Davriel apontou os

dedos para o homem.

O fogo se apagou e o homem tropeçou como se tivesse levado um soco. Então ele pareceu

confuso enquanto inspecionava seus tubos. Um segundo depois, uma explosão de chamas da

mão de Davriel o vaporizou, junto com uma grande área de bancos atrás.

Os três soldados restantes tinham visto o suficiente. Eles saíram correndo pela porta,

deixando um Crunchgnar e Gutmorn sangrando entre os cadáveres. Os demônios caíram sob

o peso de suas feridas, suspirando. Isso deixava apenas o velho com seu tomo, que ainda

estava ajoelhado no chão, folheando freneticamente as páginas. Ele diminuiu a velocidade

quando ele olhou para cima e encontrou Davriel de pé acima dele.

A igreja novamente ficou quieta. Silenciosa, exceto pelo crepitar das chamas dos bancos

queimados. Davriel se aproximou do velho, depois esfregou os dedos, fazendo uma pequena

chama se erguer entre eles.

Tacenda engasgou, depois atravessou a sala e agarrou Davriel pelo braço. “Não”, disse ela.

“Apenas deixe-o ir.”

Davriel não respondeu. Seus olhos estavam vermelhos, sem pupilas, e ele parecia um demônio

em pé ali.

“O que você ganha matando ele?” Tacenda perguntou.

“Suas palavras me custaram um servo valioso”, disse Davriel. “Estou simplesmente

respondendo a incentivos. Vamos ver se você tem algum talento útil, meu velho.”
Ele esticou os dedos para a frente e o velho gritou, segurando a cabeça. Desta vez, Davriel não

vacilou. Mas ele também manteve o momento, como se continuasse a invadir a mente do

homem, levando a dor cada vez mais fundo. O velho se contorceu em agonia.

“Por favor”, disse Tacenda. “Por favor.”

Davriel olhou para ela, segurando por um momento, seus olhos nublando um profundo cinza

escuro. Então ele estalou os dedos.

O velho desmaiou, gemendo, mas sua dor imediata parecia ter terminado.

Davriel pegou o velho tomo e entregou-o a senhorita Highwater, que estava escondendo a faca.

O velho conseguiu se levantar e Davriel não fez nada para impedi-lo de fugir.

CAPÍTULO 9: Tacenda

Tacenda se obrigou a continuar em movimento e tentar não pensar muito sobre o que havia

acontecido. Em vez disso, ela decidiu verificar os corpos dos aldeões e dos sacerdotes,

enquanto os demônios cuidavam de seus ferimentos na frente da antiga igreja.

Ainda assim, ela não conseguia se impedir de olhar para os corpos dos soldados mortos e, a

cada vez que o fazia, sentia-se mal. Ela estava acostumada com as dificuldades da vida nas

proximidades, mas havia algo perturbadoramente brutal nesses cadáveres. Homens e

mulheres mortos em batalha.

Quantos horrores ela poderia testemunhar em uma noite antes que ela desabasse sob tudo

isso?

Apenas continue. Ajude aqueles que você puder, ela pensou, rolando Ulric o sapateiro e

acomodando-o ao lado de sua família. Não pense em como, sob quaisquer outras circunstâncias,

você teria saudado os caçadores de demônios como heróis…

Ela fechou os olhos e respirou fundo algumas vezes. Ela continuaria. Ela teria que continuar.

Ela era a protetora da aldeia. Ela foi escolhida para isso.

Ela abriu os olhos e sentou-se no chão de madeira. Até onde ela sabia, nenhum dos moradores

em coma havia sido prejudicado durante o conflito. O mais próximo que qualquer um tinha

chegado ao perigo foi quando Davriel desencadeou sua piromancia roubada. Ela usava o

manto de Ulric para vencer as chamas nas redondezas.


Perto dali, Gutmorn mancava pelas cinzas, a perna envolta em um curativo. O demônio magro

ajoelhou-se, levantando carinhosamente algo do carvão negro – um crânio demoníaco com

chifres. As cinzas cairam quando Gutmorn levantou-a para a altura do seu rosto e um gemido

baixo escapou de sua garganta. Um som cru e angustiado. Seus olhos terríveis se fecharam,

sua cabeça descansou levemente contra o crânio, e sua postura desabou em uma inclinação.

Tacenda quase podia ver a humanidade na pobre criatura.

"Gutmorn", disse Davriel na frente da igreja, “sua ferida na perna está sangrando através da

bandagem. O corte é mais profundo do que você indicou.”

O demônio não se mexeu.

“Volte para a mansão”, disse Davriel. “Costure essa ferida e avise Grindelin que alguns dos

caçadores nos escaparam. Eles poderiam decidir procurar presas fáceis na mansão.”

Gutmorn levantou-se. Sem palavras – ainda segurando o crânio – ele mancou da igreja

quebrada. A senhorita Highwater estendeu a mão e pousou a mão em seu ombro quando ele

passou, e embora o demônio mais alto não olhasse para ela, ele hesitou ao lado dela.

Tacenda sentiu como se estivesse se intrometendo em um momento pessoal em que ela não

pertencia.

Gutmorn finalmente desapareceu na noite, e o som de asas batendo anunciou sua retirada.

Davriel atravessou a sala e inspecionou Crunchgnar. O demônio corpulento e que não voava

estava cuidadosamente envolvendo seu antebraço em um curativo. Ele tomou muito mais

danos do que Gutmorn, mas parecia indiferente às suas feridas.

“Nem pense em me mandar embora”, ele rosnou para Davriel. “Eu vou curar isso dentro de

uma hora, e eu não vou te deixar em paz. Você acabará sendo morto cedo e quebrará nosso

contrato.”

“Infelizmente, você descobriu o meu plano”, disse Davriel. “Sempre foi minha intenção

buscar o suicídio meramente como um meio de incomodar você.”


Crunchgnar rosnou, como se acreditasse que fosse verdade.

“Até agora” acrescentou Davriel “o ar nocivo de sua presença não foi suficiente para me

influenciar, mas não sou nada se não determinado, por isso vou encontrar outro método.” Ele

se voltou para Tacenda. “Você precisa de mais tempo para a recuperação, senhorita

Verlasen?”

“Estou bem”, ela mentiu, levantando-se.

“Você não estaria conosco se isso fosse verdade.” disse Davriel, em seguida, apontou para a

noite com sua bengala. “Mas vamos embora. Não há mais a aprender com os mortos. Pelo

menos não do tipo que não sabe falar.”

Eles entraram na noite, senhorita Highwater carregando as lamparinas. A antiga relutância de

Davriel parecia ter desaparecido. De fato, enquanto ele liderava o caminho através da aldeia

de volta para a carruagem, sua bengala de cavaleiro bateu no chão com um vigor que Tacenda

poderia considerar ansiosa em outra pessoa.

“Onde agora?” Ela perguntou a ele.

“Aqueles homens obviamente vieram pelo priorado a caminho daqui”, disse Davriel. “Alguns

tinham proteções em suas mentes para proteger contra meus talentos. Eu já estava decidido a

visitar o priorado – tanto para perguntar a esse padre que afirma ter me visto como para ver a

sacerdotisa. Ela tem talentos mágicos que ajudam na interação com os espíritos. A chegada

desses caçadores reforça minha decisão. Tenho várias perguntas que a sacerdotisa deve me

responder.”

“Você… não vai matá-la, vai?”

“Eu acho que vai depender muito de suas respostas.”


Ele diminuiu a velocidade durante a noite e Tacenda se aproximou confusa – até que viu a

carruagem à frente. Ou, mais precisamente, a figura macabra ao lado. O pobre Brerig – o

pequeno e simplório demônio – havia sido descoberto pelos caçadores, provavelmente antes

de seu ataque à igreja. Seu cadáver deformado havia sido pregado em uma porta próxima, a

cabeça removida e colocada ao lado da lamparina bruxuleante no chão. A boca tinha sido

recheada com o que parecia ser alho.

Davriel não fez barulho, embora sua mão sobre a maçaneta de sua bengala se apertasse até que

ela tremesse os nós dos dedos brancos.

“Estes”, ele disse suavemente, “são suas ‘pessoas boas,’ senhorita Verlasen? Será que os

deuses acima e os demônios abaixo poderiam me proteger de pessoas boas? Um homem

apelidado de mal vai pegar sua bolsa, mas um homem chamado ‘bom’ não ficará contente até

ter arrancado o seu próprio coração.”

Ela recuou. Não havia ameaça à sua voz – na verdade, ele falava com o mesmo tom alegre de

sempre. E ainda…

E ainda.

Desde o estranho encontro, ela perdera a maior parte do medo dele – até aquele momento. De

pé na estrada, a luz das lamparinas de alguma forma não alcançavam seu rosto. Naquele

momento, ele parecia tornar-se uma sombra, tão fria a ponto de sufocar todo o calor. Então ele

girou, a capa estranha flutuando ao redor dele, e caminhou até a carruagem, seus cavalos –

felizmente – nem feridos, nem roubados.

Tacenda seguiu, hesitante, dando uma última olhada no cadáver de Brerig. Ela iria enterrá-lo,

ela decidiu, uma vez que sua aldeia tivesse sido resgatada. O pequeno demônio tinha sido

gentil com ela. Certamente, ele não merecia tal destino.

Ele não merecia? Ela pensou, subindo na carruagem. Ele era um demônio. Quem sabe que

horrores ele cometeu ao longo de sua vida?

Ela não sabia e nem os caçadores. Talvez fosse isso que a deixasse tão desconfortável. Mas o

que eles deveriam fazer? Peça a um demônio para listar seus crimes antes de destruí-lo? Nesta

terra, você não tinha tempo para tais sutilezas. Se você não atacasse rapidamente, as coisas que

se moviam na floresta reivindicariam sua vida antes que você tivesse a chance de falar.

E assim, a noite fez monstros com todos eles.

O Crunchgnar já estava melhorando. Ele sentou-se no assento do motorista, fazendo a

carruagem rangir sob seu peso quando se acomodou. A senhorita Highwater sentou-se
novamente dentro da carruagem, com uma pequena lamparina pendendo ao lado de sua

cabeça iluminando o livro de anotações e começando a escrever.

Tacenda subiu por último, verificando sua viola, que ela deixou no assento. A carruagem

começou a se mover e Tacenda encontrou o seguinte silêncio. Ela procurou alguma coisa para

dizer e deixou escapar a primeira coisa que lhe ocorreu – embora, após reflexão, possa não ter

sido uma escolha sábia.

“Então”, disse ela. “Voluptara?”

Senhorita Highwater fez uma pausa em sua escrita e Davriel – sentado no banco ao lado de

Tacenda – riu baixinho.

“Você ouviu isso, não é?”, Perguntou a senhorita Highwater.

“Eles se nomeiam”, disse Davriel, inclinando-se para Tacenda. “Se você não conseguiu

adivinhar isso de 'Crunchgnar' e seu bom, apelido extremamente criativo.”

“Eu era jovem”, disse a senhorita Highwater. “Parecia impressionante.”

“Para um garoto de dezesseis anos, talvez”, disse Davriel.

“Qual foi exatamente o ponto? Lembre-se, eu tinha apenas doze dias de idade. Eu gostaria de

ter visto você fazer melhor.”

“Sulterix”, disse Davriel à toa. “Lusciousori.”

“Podemos parar a carruagem?”, Disse a senhorita Highwater. “Eu preciso ir encontrar esse

demonologista e pregar sua língua em alguma coisa.”

“Bosomheavia—”
“Oh, pare”, a senhorita Highwater interrompeu. “Você está fazendo a criança corar. Olha, por

que você não me diz a resposta para o enigma de Brerig? Os demônios têm uma piscina de

apostas.”

“Oh, isso?” Davriel disse. “Era uma rocha específica que eu vi uma vez em Cabralin, em

forma de cabaça.”

“Isso é… estranhamente decepcionante”, disse a senhorita Highwater. “Como ele poderia ter

adivinhado isso?”

“Ele não poderia ter, esse era o ponto.” Daviel olhou para Tacenda, e sua confusão deve ter

sido óbvia, pois ele continuou. “Cada um dos demônios tem um contrato comigo, e aquele

cujas condições são satisfeitas primeiro recebe a minha alma. Crunchgnar, por exemplo, só

ganha minha alma se eu viver até os sessenta e cinco anos sem morrer.”

“O que é inteligente”, disse a senhorita Highwater, “porque dá à Crunchgnar uma ampla

razão para protegê-lo”.

“Brerig conseguiria reivindicar minha alma se ele responder ao enigma que eu dei a ele”,

disse Davriel. “Ele não colocou estipulações sobre o que o enigma poderia ser, infelizmente

para ele.”

“Eu ainda acho que isso foi intencional”, disse a senhorita Highwater. “Ele sempre foi mais

feliz quando tinha um mestre para servir a longo prazo. Isso lhe deu propósito.”

“O enigma”, disse Davriel. “O que eu estou pensando agora?”

“Isso não é um enigma”, disse Tacenda.

“Ele aceitou como um”, disse Davriel. “Por isso, satisfez o contrato.”
“Mas não há pistas!”, Disse Tacenda. “Não existe nenhum contexto! Pode ser literalmente

qualquer coisa. Ou, tecnicamente, nada. E você poderia apenas mudar a resposta se ele

acertasse.”

“Isso, pelo menos, ele não podia fazer”, disse senhorita Highwater. “Davriel teve que escrever

a resposta no contrato antes de queimá-lo para selar o pacto. Qualquer outra pessoa que

convocasse o contrato para ler acharia aquele ponto indecifrável – mas, se Brerig tivesse

adivinhado, ele teria sabido instantaneamente. Dito isso, ele só recebeu cinco palpites oficiais

por dia. E, é claro, Davriel escolheu algo praticamente impossível para acertar. Ela balançou a

cabeça.”

“Você estava torcendo por ele, não estava?” Davriel disse, divertido. Ele não parecia se

importar que eles estavam discutindo o destino de sua alma.”

“Teria sido hilário se Brerig tivesse adivinhado”, ela respondeu. “Eu gostaria de ver a reação

do Crunchgnar. Você sabe, eu meio que esperava que você desse a resposta a Brerig um dia

antes do seu sexagésimo quinto aniversário, só para fazer Crunchgnar explodir de

frustração.”

“Ah?” Davriel disse, então falou muito suavemente, olhando para cima na direção da posição

da carruagem do motorista. “Minha querida, você realmente acha que eu iria assinar um

contrato que desse a Crunchgnar uma chance de ter a minha alma, mesmo que eu fizesse

chegar a sessenta e cinco?”

“Eu li o contrato”, disse a senhorita Highwater. "É hermético. As definições são específicas. O

contrato gasta duas páginas na definição de tempos, medidas e idades! Você…"

Ela parou quando Davriel se acomodou de volta, sorrindo.

“Como?” Ela sussurrou, “Como você o enganou?”


“Ele fica com a minha alma”, sussurrou Davriel, “se eu viver até os sessenta e cinco anos sem

morrer”.

“Ah, inferno…”, disse a senhorita Highwater, arregalando os olhos. “Você já morreu uma vez,

não é? Como?”

Davriel apenas continuou a sorrir.

“Toda essa conversa de tempos e medidas no contrato”, disse a senhorita Highwater, “foi

apenas uma distração, não foi? Eu nunca percebi… Fogo do inferno! E eles nos chamam de

demônios.”

Tacenda olhou de um para o outro quando a carruagem saltou por cima de uma ponte. Que

conversa bizarra. “Então…” ela disse, franzindo a testa. “Qual é a sua estipulação, senhorita

Highwater?”

“Hm?” Ela disse, voltando-se para o seu livro. “Oh, posso reivindicar a alma de Davriel assim

que conseguir seduzi-lo.”

Tacenda sentiu uma pontada de surpresa, depois corou furiosamente. Ela agarrou a viola,

depois olhou de Davriel para senhorita Highwater. Eles pareciam nem um pouco

incomodados com a ideia.

“Ele é muito teimoso”, continuou a senhorita Highwater. “Eu assumi que eu teria sua alma

em menos de um dia. No entanto, aqui estou eu, quatro anos depois. Fazendo seus livros.”

“Talvez eu simplesmente não goste de mulheres”, disse Davriel levemente.

“Por favor. Você acha que sou tão inconsciente?” Ela apunhalou seu livro com uma marca de

pontuação particularmente nítida depois olhou para cima. “Você é algo completamente

diferente.”
“Você já considerou que talvez você não seja tão atraente quanto você sempre imaginou?”,

Disse Davriel.

“Eu reivindiquei muitas almas usando essa estipulação contratual exata. Ambos homens e

mulheres.”

“E foi tão gentil deles ter pena de você”, disse Davriel. “Realmente, eles devem ser

parabenizados por reforçar sua autoestima vendo a verdadeira beleza dentro de você. Pessoas

louváveis, todas elas.”

Senhorita Highwater suspirou, olhando para Tacenda. “Você vê o que eu tenho que aturar?”

Tacenda abaixou a cabeça em uma tentativa de esconder seu profundo rubor.

“Olha o que você fez”, disse a senhorita Highwater a Davriel. “Escandalizar a pobrezinha.”

“Você…” Tacenda disse. “Você realmente… quero dizer…”

“Não é a única maneira de reivindicar almas”, disse a Senhorita Highwater. “Mas funcionou

bem para mim no passado. E, eu admito, é meio que esperado de mim neste momento. Não

fiquei nada surpresa quando Davriel sugeriu isso durante o processo de convocação e

vinculação. Mas, eu estava interessada, já que uma pessoa que já tinha um contrato em sua

alma ousaria tentar fazer outro. Davriel é um caso especial embora. Ele é muito persuasivo.

Irritantemente assim.”

“Mas… antes, você estava tão envergonhada pelo seu nome…”

“Porque é bobo. Isso não significa que estou envergonhada de quem eu sou.” Ela olhou para

Davriel. “Eu estou apenas enferrujada, isso é tudo. Passei anos presas naquela estúpida prisão

de prata.”

“Você poderia ter praticado suas artes de sedução nos outros demônios”, observou Davriel.
“Por favor, você viu como é a maioria deles?” Ela olhou para Tacenda novamente, que não

podia acreditar que esta conversa ainda estava acontecendo. “Crunchgnar tem uma aparência

boa para um demônio, criança. Confie em mim. Alguns dos outros têm ganchos nas mãos.

Literalmente ganchos.”

“Eu sempre quis saber sobre isso”, disse Davriel. “Parece terrivelmente impraticável.

‘Thornbrak, você vai me passar aquele jarro de sangue humano? Oh espere, eu esqueci. Você

não tem polegares. Ou dedos.’”

Eles deixaram a conversa morrer, finalmente, a Senhorita Highwater voltando a escrever. Uma

rápida olhada mostrou que ela estava anotando o que descobriram na aldeia.

Geists criados a partir das almas do povo. Voltam para atacar seus amigos e familiares, então eles

vão embora.

Traidor provavelmente envolvido, matando o padre que estava protegendo a igreja. Verifique para

ver se algum corpo está faltando na aldeia?

O pântano parece estar envolvido. O que é isso, verdadeiramente?

Alguém – provavelmente o traidor – estava na aldeia fisicamente mais cedo hoje. Tacenda ouviu

passos. Por que eles não a atacaram?

Tacenda determinou que não quebrasse o silêncio com outra pergunta estúpida. Em vez disso,

ela puxou a cortina da janela e observou a floresta escura lá fora.

Um erudito estudioso de Thraben chegou a desenhar mapas das proximidades. Ele tentou

nomear as florestas mais próximas a eles “A Floresta Verlasen”, mas eles o forçaram a cortá-

la. Os bosques não eram deles. Ninguém poderia possuir essas madeiras.

“Os soldados não deveriam ter matado Brerig”, Tacenda disse suavemente. “Talvez nós

humanos tenhamos sido caçados por tanto tempo, nós aprendemos a sobreviver às custas de

lembrar o que significa ser humano. Ser justo e bom.”

Davriel bufou. “Ser bom’ é simplesmente um método usado para sinalizar que alguém está

disposto a se conformar às normas sociais. Acordos com a multidão. Olhe para qualquer livro
de história e você descobrirá que o limite para uma conformação aceitável varia muito,

dependendo do grupo.”

“Você mesmo disse que roubar talentos de pessoas boas é mais difícil para você”, disse

Tacenda. “Então a bondade deve existir.”

“Eu disse que é mais doloroso para mim usar talentos sugados por pessoas que se consideram

puras. O que é uma coisa totalmente diferente.”

“Eu conhecia pessoas boas”, Tacenda disse suavemente. “Na Vila.”

“A mesma aldeia que colocava você pra fora à noite?” Davriel disse. “Deixar uma criança para

enfrentar os horrores da floresta sozinha?”

“Foi o meu destino”, disse Tacenda. “Fui escolhida pelo pântano e tenho que seguir meu

destino.”

“Destino?” Davriel disse. “Você precisa aprender a abandonar esse absurdo, criança. Vocês

colocam muitas coisas no destino – você deve escolher seu próprio caminho, fazer seu próprio

destino. Levante-se e aproveite a vida!”

“Levante-se?”, Disse Tacenda. “Aproveitar a vida? Como você faz, sentado, sozinho em sua

mansão? Aproveitando seus cochilos ocasionais?”

Senhorita Highwater reprimiu uma risada, ganhando um olhar de Davriel. Ele olhou de volta

para Tacenda. “Às vezes, a escolha mais ‘honrosa’ que um homem pode fazer é não fazer

nada.”

“Isso é contraditório”, disse Tacenda. “Você quer justificar ser impassível enquanto pessoas

melhores morrem. Você quer fingir que ninguém é bom para que você não se sinta culpado

por ignorar sua dor. Você -”


“Isso já é suficiente, criança”, disse ele.

Ela se afastou dele, olhando pela janela mais uma vez. Mas ele estava errado. Ela conhecia

pessoas que eram boas. Seus pais e seu simples amor de fazer roupas. Willia, que estava

decidida a aprender como lutar contra a escuridão, para que nunca mais assustasse ninguém.

De um jeito ou de outro, esta noite Tacenda veria Willia – e os outros – restaurados.

CAPÍTULO 10: Davriel

Segundo o relógio de bolso de Davriel, já eram quase duas da manhã quando chegaram à

última estrada, aproximando-se do priorado. Davriel esperava que a garota cochilasse em

algum momento durante a viagem, mas continuou olhando para as árvores e os padrões de

sombra feitos pela passagem deles.

Claro, viajar em silêncio não significava que Davriel ficou sozinho.

Não podemos nos esconder por muito mais tempo, disse a Entidade. Precisamos nos preparar

para o que fazer quando formos descobertos.

Você tem dito isso há meses, Davriel respondeu em sua mente. E eis que aqui estamos nós. Ainda

seguro. Ainda sozinho.

Eles te caçam. Eles vão encontrar o seu esconderijo.

Então eu vou procurar outro.

Davriel podia sentir a Entidade se mexendo dentro de sua mente. Davriel sentiu o cheiro de

fumaça e sua visão desapareceu. A Entidade estava brincando com seus sentidos novamente.

Você não se lembra da emoção, da glória da conquista? Disse. Você não se lembra do poder

daquele dia?

Eu lembro, Davriel respondeu, com fumaça grossa em suas narinas, percebendo que eu tinha

atraído muita atenção. Que a força que eu tive, não importa quão gloriosa, não seria suficiente.

Que aqueles que desejassem reivindicar você me derrotariam facilmente se eu ficasse sozinho

diante deles.

Sim, a Entidade disse. Sim, havia… sabedoria nessa percepção.

Davriel inclinou a cabeça, depois baniu os toques da Entidade em seus sentidos. O que? Ele

pensou nisso. Você concorda que eu não deveria ter usado você mais naquele momento?

Sim, a Entidade disse. Sim.


Estranho. A Entidade normalmente queria que ele recorre-se a ela, que a usa-se para seu

verdadeiro propósito – como um vasto reservatório para alimentar seus feitiços. Com a

Entidade, ele poderia fazer suas habilidades roubadas durar semanas sob uso constante.

Normalmente, os feitiços que ele rouba das mentes dos outros geralmente desapareciam

algumas horas depois que ele os empregou pela primeira vez. Alguns duraram mais e outros

desapareceram depois de alguns minutos, principalmente se ele os segurava por um tempo

antes do primeiro uso.

Você ainda não está pronto, a Entidade disse. Eu vi isso. Eu tenho trabalhado em uma solução. O

multiverso ferve na sua ausência. Forças colidem e as fronteiras entre os planos tremem.

Eventualmente, o conflito vai te encontrar. Eu terei você pronto e preparado. Pronto para se

levantar e reivindicar a posição que é legitimamente sua…

Ele ficou em silêncio, e não respondeu quando ele o cutucou. O que ele estava planejando? Ou

foram apenas promessas e ameaças mais ociosas?

Sentindo-se gelado pela conversa, Davriel voltou sua atenção para a tarefa em mãos. Ele

roubou várias habilidades dos caçadores da igreja. Embora – mesmo quando ele os

considerava – era difícil não perceber como eles pareciam tão insignificantes em comparação

com o poder da Entidade.

Esqueça isso. Do líder dos caçadores, ele roubou um feitiço de banimento muito interessante.

Era forte, mas – como provado por sua tentativa de usá-lo contra ele – não poderia afetar um

humano. Ele poderia usá-lo para dispensar uma criatura mágica, como um geist ou até mesmo

um anjo, embora os efeitos fossem temporários.

A piromancia, é claro, também se mostraria útil – embora agora que a usasse uma vez, sua

força desapareceria até deixá-lo inteiramente. Ele esperava algo útil na mente do velho

diabolista, mas o único talento que ele encontrou no crânio daquele homem era o feitiço de

tinta de um escriba – por fazer as palavras aparecerem em uma superfície como você

imaginava. Dificilmente usaria em combate. Porém, ele também ainda tinha o feitiço de

invocação de armas. Isso duraria, como a piromancia, por algumas horas.

Não um arsenal particularmente poderoso, mas ele sobrevivera com menos – e ele deveria

acrescentar os talentos da sacerdotisa em breve. De fato, a luz a frente na velha estrada da

floresta indicava que eles estavam próximos. Tacenda se endireitou em seu assento. Ela era

durona, embora isso não fosse incomum para as pessoas das proximidades. Tão resistentes

quanto rochas e tão teimosos quanto javalis – com tanto sentido quanto qualquer um. Caso

contrário, eles teriam encontrado outro lugar para morar.

É claro que Davriel pensava ociosamente, o que isso diz sobre mim, um homem que veio

morar aqui – de todos os lugares – por um capricho?

Você não veio por um capricho, a Entidade disse a ele. Eu te trouxe aqui deliberadamente.
Davriel sentiu um súbito pico de alarme. Ele endireitou-se, fazendo com que a senhorita

Highwater – no assento em frente a ele – fecha-se seu livro e ficasse alerta.

O que? Davriel exigiu. O que você acabou de dizer?

A Entidade se acalmou novamente, em silêncio.

Você não me trouxe aqui, Davriel pensou nisso. Eu vim para Innistrad por vontade própria. Por

causa da população demoníaca desse plano.

Mais uma vez, a Entidade não disse nada. Senhorita Highwater olhou em volta, tentando

descobrir o que o preocupava. Davriel se obrigou a colar uma expressão despreocupada no

rosto. Certamente… certamente a Entidade estava meramente zombando dele.

E, no entanto, ele nunca soubera dizer nada que, no mínimo, não acreditava que fosse verdade.

A carruagem desacelerou quando se aproximou das luzes – duas enormes lamparinas cobertas

de vidro, óleo queimando. Fogo: o sinal universal de que a civilização está além.

“Ho, a carruagem!”, Gritou uma voz amiga.

Tacenda se animou. “Eu conheço esse homem, Davriel. É Rom. Ele está-”

" Eu estou familiarizado com ele", disse Davriel. “Obrigado.”

A senhorita Highwater puxou a cortina da janela, revelando o velho monge ao se aproximar

do veículo.

Rom fez uma reverência – um pouco instável em seus pés – por Davriel. “O próprio homem!

Senhor Davriel Greystone! Acho que deveríamos ter esperado ver você está noite.”

“Minha visita tornou-se inevitável assim que os caçadores foram enviados, Rom”, disse

Davriel.

“Sim, suponho que seja verdade”, disse Rom, olhando para a estrada em direção ao priorado,

visível à distância com a luz saindo de suas janelas. “Bem, isso é uma preocupação para os
homens mais jovens.” Ele se virou para a carruagem e acenou para a senhorita Highwater.

“Fatiadora de homens”.

“Rom”, ela disse de volta. “Você está bem.”

“Você sempre diz isso, senhorita”, disse Rom. “Mas enquanto você não mudou em um piscar

de quarenta anos, eu sei bem, que me transformei em um pedaço de couro deixado por muito

tempo no sol.”

“Os mortais envelhecem, Rom”, disse ela. “É o seu caminho. Mas eu preferiria apostar no

pedaço de couro que tem sido resistente por quarenta anos do que a uma nova peça não

testada.”

O velho sorriu, mostrando alguns dentes perdidos. Ele olhou para Crunchgnar – que, a julgar

pela forma como a carruagem rangiu sob seu peso – se aproximou para observar o velho

caçador.

“Bem, vamos levá-lo para a sacerdotisa, senhor”, disse Rom a Davriel. “Desde que cheguei e

disse a ela sobre a aldeia, ela estava querendo falar com…” Ele parou, apertando os olhos na

carruagem. Então ele coçou a cabeça, notando Tacenda no assento pela primeira vez.

“Senhorita Tacenda? Ora, você disse que ia ficar na minha cabana!”

“Eu sinto muito, Rom.”

“Eu a encontrei no meu banheiro”, observou Davriel. “Com um olho por vingança e um

instrumento enferrujado na mão. Arruinou uma das minhas camisas favoritas quando ela me

esfaqueou.”

“E essa agora!” Rom disse. Davriel poderia ter esperado que o homem ficasse chocado, mas ao

invés disso ele apenas riu e deu um tapa na perna dele. “Bem, isso foi feito bravamente,

senhorita Tacenda! Eu poderia ter dito que seria inútil, mas, esfaqueando o próprio homem?

O pântano deve estar bem orgulhoso de você!”


“Um… obrigada”, ela disse.

“Bem, eu estou feliz em ver você segura, senhorita! Eu estava voltando para ver você, depois

de dizer à sacerdotisa o que você me disse. Mas ela disse que precisava de todos os soldados

aqui, mesmo um velho como eu. Apenas no caso de algo acontecer. Então ela me deixou

olhando a estrada.”

Rom abriu a porta para deixar a senhorita Highwater sair. Normalmente, quando Davriel

visitava, ela e os outros demônios esperavam do lado de fora do priorado. Em vez disso, um

dos monges ou padres conduziria Davriel e a carruagem para dentro. Hoje à noite, no entanto,

Davriel os impediu para que os demônios conduzissem a carruagem.

“Dav?”, Perguntou a senhorita Highwater.

“Eu quero você aqui fora, com a carruagem”, disse ele. “Se algo acontecer, eu talvez precise

que você se junte a mim rapidamente.”

“Vocês poderiam simplesmente entrar”, disse Rom. “Perdão, meu senhor, mas eles poderiam,

se quisessem.”

“Tenho certeza de que a sacerdotisa adoraria isso.” disse Davriel.

“Ela não é o senhor desta terra,” disse Rom. “Perdão, mas é a própria verdade do arcanjo que

ela não é. E se você está preocupado com a luz destruidora, bem, eu não acho que nenhum

desses filhotes aqui tenha poder suficiente para você temer – e minha própria habilidade não

é suficiente para fazer mal a um diabo hoje em dia.”

Davriel olhou para a senhorita Highwater e ela balançou a cabeça. Crunchgnar provavelmente

teria apreciado a chance de pisar em solo sagrado e profanar um altar ou dois, mas Davriel

não perguntou a ele. Em vez disso, ele acenou para que Tacenda se juntasse a ele. A jovem

mulher saiu, trazendo sua viola.


Davriel deixou sua bengala-espada, confiante de que poderia invocá-la com seu feitiço recém-

adquirido. “Esteja pronto”, disse ele a Crunchgnar. Então ele acenou com a cabeça para Rom,

que liderou o caminho ao longo da estrada, em direção ao priorado.

Folhas rangiam sob os pés e as coisas se agitavam nas árvores. Provavelmente apenas animais

da floresta. Um número incomum deles vivia perto do priorado. Davriel passou entre as

lamparinas queimando ao longo da estrada, entrando na clareira onde – no centro de uma

suave encosta – o priorado se erguia orgulhoso sob a lua. A longa construção de um único

andar sempre parecia solitário para ele.

Tacenda olhou por cima do ombro, de volta aos demônios. “Eu não entendo”, ela disse

suavemente para Davriel. “Rom age de forma amigável com você, mas, ao mesmo tempo, eu

sinto que estamos caminhando para uma batalha.”

“Meu relacionamento com o priorado é… complexo”, disse Davriel. “Quanto a Rom, vou

deixá-lo falar por si mesmo.”

“Senhor?” Rom disse, olhando para trás na frente deles. “Eu não tenho nada para dizer que

vale a pena ouvir”. Eu fico fora disso ultimamente. Eu tive o suficiente dessa tolice quando

mais jovem.”

“Você conhece a senhorita Highwater”, disse Tacenda.

“Eu tentei por dez anos destruir esse demônio”, disse Rom, em seguida, resmungou. “A

maldita quase me matou meia dúzia de vezes nessa busca idiota. Eu finalmente aprendi, nunca

caçar um demônio mais esperto do que você é. Fique com os burros. Há muitos para manter

um caçador ocupado a vida inteira.”

“Eu pensei que você caçou lobisomens quando era mais jovem”, disse Tacenda.

“Eu caçava o que tentasse caçar homens, senhorita. Primeiro foi demônios. Então lobos.” Sua

voz ficou mais suave. “Então anjos. Bem, isso quebrou homens mais fortes que eu. Quando

tudo se acalmou, descobri que tinha me tornado um homem velho, os melhores anos da minha

vida, passados até os joelhos em sangue. Veio aqui para tentar fugir disso, descansar um

pouco, passar algum tempo caçando ervas daninhas em vez disso…”


“Você conhece um padre chamado Edwin?” Davriel perguntou.

“Claro”, disse Rom. “Um pouco ansioso. Jovem.”

“Fale-me dele” incitou Davriel.

“Sua cabeça está cheia da conversa da inquisição justa. Fala das mentes mais zelosas de volta

ao coração das terras humanas. Ele já começou a seguir um caminho, o tipo que você nunca

percebe que só dá certo…” Ele olhou de volta para Davriel. “Eu não deveria dizer mais. Fale

com a sacerdotisa.”

Alguns cátaros do priorado aguardavam às portas da entrada do sudeste. Casacos brancos por

cima de couros, com grandes colares e chapéus pontiagudos que escondiam seus rostos. Eles

olharam para Davriel.

“Belos chapéus”, ele notou enquanto entrava no priorado. A igreja realmente tinha a melhor

chapelaria.

Rom conduziu o caminho por um pequeno corredor, e Davriel o seguiu, sua capa ondulando

enquanto escova as duas paredes. O priorado era um lugar humilde. A sacerdotisa evitava a

ornamentação, preferindo os sombrios corredores de madeira pintados de branco. Eles

passaram pelos degraus até as catacumbas, onde guardaram aquele artefato tolo que disseram

ter sido dado a eles por um anjo.

A passagem de Davriel atraiu alguma atenção – cabeças espiando do lado de fora, outras

correndo para espalhar a notícia de que o Homem estava visitando. Ninguém o interrompeu,

pelo menos não até que ele se aproximou da porta da sacerdotisa. Pouco antes de ele chegar,

um padre se exaltou em um corredor lateral e, em seguida, com rosto vermelho de quem fez

uma corrida rápida, posicionou-se entre Davriel e seu destino.

Ele era um homem jovem, com cabelos negros, mas parecia um homem com o dobro de sua

idade. Ele não usava armadura, apenas as vestes de sua posição, mas ele imediatamente puxou

sua espada longa e nivelou-a em Davriel.

“Parado ai, demônio!” O jovem disse.


Davriel levantou uma sobrancelha e olhou para Rom. “Edwin?”

“Sim, vossa senhoria”, disse Rom.

“Eu não suportarei seu reinado de terror”, disse Edwin. “Todo mundo sabe o que você fez.

Uma vila inteira? Você pode assustar os outros, mas eu fui treinado para defender o que era

certo.”

Davriel estudou o jovem, cuja mãozinha começou a brilhar. Era frequentemente o primeiro

instinto deles, tentar acertá-lo com a luz destruidora. Eles estavam tão certos que secretamente

ele era algum tipo de monstro não natural – ao invés de apenas um homem, o monstro mais

natural de todos eles.

“Edwin”, disse Rom. “Acalme-se, rapaz. Isso não vai ser bom para você.”

“Eu não posso acreditar que você o deixou entrar aqui, Rom. Você esqueceu nossas primeiras

lições! Não fale com os monstros, não discuta com eles e, o mais importante, não os convide.”

“Você diz que me viu na estrada há sete dias”, disse Davriel. “Você diz que eu estava lá, com

dois geists, atacando alguns mercadores. Como eu estava?”

“Eu não tenho que responder a você!” Edwin disse, segurando a espada para cima, a luz da

lamparina brilhando em seu comprimento.

“Você viu a minha máscara?”

“Eu… Você fugiu para a floresta antes que eu pudesse ver!”

“Eu fugi? A pé? Eu não usei uma carruagem? E você acabou de me deixar ir?”
“Você… você desapareceu na floresta com seus geists. Eu não vi sua máscara, mas a capa é

óbvia. E eu não fui atrás, porque eu precisava checar suas vítimas!”

“Então você disse a todos que você me viu”, Davriel retrucou, “quando tudo o que você

realmente viu foi uma figura indistinta e disfarçada?”

“Eu… eu sabia o que você era…” Edwin disse, vacilando. “Os inquisidores falaram sobre

senhores como você! Alimentando-se de inocentes. Procurando aldeias desprotegidas para

dominar. Seu tipo é uma praga sobre nossa terra!”

“Você estava procurando um motivo para me culpar por algo”, disse Davriel. “Esta foi apenas

a primeira chance que você encontrou. Garoto tolo. Quão alta era essa figura que você viu?”

“Eu…” Ele parecia estar reconsiderando sua acusação.

Davriel levantou a mão e esfregou os dedos, evocando a piromancia roubada. O poder ainda

estava com ele, embora desaparecendo. Ele fez chamas dançarem ao redor de seus dedos.

Edwin estava mentindo de propósito ou não? Poderia Edwin ter planejado matar os pais de

Tacenda por algum motivo, então deixar a irmã escapar para que ela pudesse identificar o

assassino como Davriel? Teria ele atacado os mercadores e usado o ataque para focar todo

mundo em Davriel?

Talvez ele pudesse espantar a verdade.

“Rom”, disse Davriel, “você deve buscar um pouco de água. Eu odiaria queimar o lugar por

acidente. E talvez consiga um esfregão para lidar com o que resta desse jovem.”

“Sim, vossa senhoria”, disse Rom. Ele pegou Tacenda pelo braço, afastando-a do conflito,

mais adiante no corredor.

Edwin ficou com a cara pálida – mas, para seu crédito, tentou atacar Davriel. Contudo, não foi

uma má manobra. A capa de Davriel, no entanto, produzia pós-imagens que confundiam

todos, exceto os espadachins mais precisos. O ataque do garoto foi para a direita. Davriel se

afastou, depois bateu de leve na lâmina com um movimento de seu dedo.


O jovem se virou, rosnando, depois se lançou novamente. Davriel, por sua vez, ativou o feitiço

de invocação de armas. Fazer isso enviou um pequeno pico de dor em sua mente. Feitiço

estúpido. Ainda assim, funcionou, trazendo para a mão a última arma que ele havia tocado:

neste caso, a espada do jovem padre.

Edwin tropeçou, desequilibrado quando sua arma desapareceu, depois reapareceu na mão de

Davriel.

Davriel levantou a outra mão, deixando as chamas se erguerem ao redor de seus dedos. “Diga-

me, criança”, disse ele. “Você realmente acha que eu fugiria de você?”

O jovem padre tropeçou para trás, tremendo – mas arrancou a adaga do cinto.

“Você realmente acha”, disse Davriel, “que eu levaria almas em segredo? Se eu precisasse

deles, eu as exigiria!”

Ele precisava de algo para melhorar o momento. Talvez esse feitiço de tinta que ele roubou do

velho demonologista? Mal dava a Davriel uma pontada de dor ao usá-lo para pintar as paredes

de preto, como tinta acumulada. Fez cartas eldritch partirem do corpo principal da escuridão

e atravessar o chão em direção a Edwin. Eles corriam como sombras, escritas em Ulgrothan

Velho.

O jovem padre começou a tremer visivelmente e recuou diante do rabisco arcano.

“Eu não matei essas pessoas”, disse Davriel. “Eles me serviram bem. Mas sua acusação causou

um dano incrível. Quem está realmente por trás disso, fugiu e usou você como uma distração.

Então, responda minhas perguntas. Como é essa pessoa?”

“Ele… ele era menor que você”, Edwin sussurrou. “Mais magro, eu acho. Eu… eu tinha tanta

certeza de que era você…” Seus olhos se abriram de alguma forma, enquanto as letras

avançavam em sua direção. “Anjo sem nome, me perdoe!”

Ele se virou e fugiu.

Davriel observou o jovem ir, abaixando a mão, banindo a piromancia. Ele não sabia ao certo,

mas seus instintos disseram que este Edwin não era um mentor criminoso oculto. Ele tinha

visto um ataque na estrada, talvez um intencionalmente projetado para fornecer uma


testemunha. De fato, parecia provável que o ataque aos pais de Tacenda tivesse deixado a irmã

viva pelo mesmo motivo – então ela correria e diria às pessoas o que ela tinha visto.

Será que quem estava por trás sabia que desaparecimentos súbitos causariam a disseminação

de rumores e traria caçadores para investigar? Os primeiros ataques poderiam ter sido sobre

fornecer cobertura, desviando a atenção para Davriel.

Mais baixo do que eu, pensou Davriel. Ele tinha cinco pés e dez polegadas. E mais magro. Isso

não significa muito, porque com o seu manto, as pessoas geralmente o viam como sendo maior

do que ele é.

“Você já terminou?” Uma voz exigiu ao lado dele.

Davriel virou-se para encontrar a sacerdotisa parada na porta do quarto dela. Com a pele

enrugada e uma cabeça enfeitada por um coque prateado, ela estava envelhecida como uma

velha cadeira que você encontrou no sótão – a lógica dizia que ela deve ter sido nova, mas, na

verdade, você tinha dificuldade em imaginar que alguma vez estivera em grande estilo.

Roupas brancas simples envolviam seu corpo e seus lábios estavam marcados por uma

carranca perpétua.

“Pare de ameaçar meus padres”, disse ela. “Você está aqui por mim. Se você deve reivindicar

uma alma, tome a minha. Se você puder.”

“Eu vou ter vingança pelo que você me custou, velha”, disse Davriel.

Ele encontrou os olhos dela, e os dois se encararam por um longo período. Sussurros

preocupados vieram do outro lado do corredor, onde monges e padres se reuniram para

assistir.

Finalmente, a sacerdotisa recuou e deixou Davriel entrar na pequena sala. Ele entrou e,

chutando a porta, jogou fora a espada.

Então ele caiu na cadeira atrás da mesa. “Nós”, ele retrucou à sacerdotisa, “deveríamos ter

um acordo, Merlinde.”
CAPÍTULO 11: Davriel

A sacerdotisa caminhou até porta, cutucando algumas das letras que ele tinha colocado nas

paredes pelo lado de fora – elas tinham sangrado através das rachaduras em torno da porta e

no quarto.

“Elas vão sair?” Ela perguntou.

“Eu realmente não sei”, respondeu Davriel. “Espero que ninguém no seu priorado possa ler

Ulgrothan. Eu escolhi as letras porque elas parecem intimidadoras, mas, na verdade, eu só

aprendi algumas frases quando era mais jovem – principalmente como uma brincadeira. O

que escrevi lá fora é uma receita de bolinhos amanteigados.”

A sacerdotisa se virou para ele, cruzando os braços. “Esse é o meu assento, Greystone.”

“Sim, eu sei”, ele disse, mudando de posição e tentando se acomodar na cadeira de madeira

dura e não almofadada. Ele finalmente chegou em uma posição onde ele poderia incliná-lo de

volta e colocar os pés em sua área de trabalho. “Será que mataria um dos seus tipos religiosos

por se sentar em um assento confortável? Você realmente tem medo de ser feliz?”

“Minha alegria”, disse ela, sentando-se em uma cadeira do outro lado da mesa, “vem de

outros confortos”.

“Tais como quebrar contratos solenemente jurados?”

Ela olhou para a porta. “Não fale tão alto. A inquisição pode ter acabado, mas suas brasas

ainda estão queimando. Edwin não é a único impetuoso residente no priorado; vários

membros da minha equipe me amarrariam se tivessem em mente que eu estava consorciando

com demônios ou com seu mestre.”


“Isso presumindo que eu não a amarraria primeiro.” Davriel colocou os pés para baixo, em

seguida, levantou-se, pairando sobre a mesa e a mulher sentada do outro lado. “Eu direi

novamente. Eu não levo a quebra de contratos de ânimo leve.”

A sacerdotisa deslizou uma pequena xícara da escrivaninha, depois a levou aos lábios,

tomando um gole de algo escuro e quente. A mulher tola sempre se recusou a ser devidamente

intimidada. Honestamente, era parte do motivo pelo qual ele gostava dela.

“Você matou todos esses caçadores, então?” Ela perguntou.

Davriel suspirou. “Alguns escaparam. O velho homem. Os escudeiros.”

“Eu vejo.”

“Eu tenho sido paciente, Merlinde. Eu ignorei o caçador ocasional, e até mesmo aquele

paladino na semana passada… ‘Ela não deve saber que eles estavam me atacando’, eu disse a

mim mesmo. Ou talvez eles não tenham passado no priorado primeiro. Mas toda uma força-

tarefa de caçadores de demônios, vários com proteções em suas mentes? Nossos termos eram

claros. Você deveria dissuadir esses grupos.”

A sacerdotisa olhou para o chá. “Você espera que eu honre uma promessa em face do que vem

acontecendo? Uma aldeia inteira foi assassinada hoje.”

“Alguns de seus padres são estúpidos, mas você não é. Você me conhece bem o suficiente para

reconhecer que eu não estava envolvido. Então, por que você ajudaria um bando de assassinos

empenhados em me matar?”

A sacerdotisa tomou outro gole de chá.

“Isso é dustwillow de Verlasen?” Davriel perguntou, ainda pairando sobre ela enquanto ele

estava ao lado da mesa.


“O melhor”, disse ela. “Nada é melhor em acalmar os nervos. Esta é, infelizmente, a minha

última taça.”

Ele grunhiu. Figurado.

“Talvez”, ela finalmente disse, “Eu esperava que os caçadores te acordassem, Greystone. Seu

povo sofre e você mal percebe. Eu lhe escrevo sobre suas dores e dificuldades, apenas para

receber mensagens incoerentes reclamando sobre como seus dedos ficam frios à noite.”

“Sinceramente, esperava melhores babás de um povo que vive num outono perpétuo.”

“A única coisa que você responde é a uma interrupção.”

“Qual foi o nosso acordo?”, disse Davriel, cada vez mais frustrado. Ele passou por ela,

andando de um lado para o outro na sala. “Eu deixo as pessoas das proximidades sozinhas.

Eu não exijo mais do que comida e presentes ocasionais de mercadorias! Por sua vez, você

deveria impedir as pessoas de me incomodarem.

“O sofrimento deles é tão incômodo, não é?”

“Bah. Você preferiria que outra pessoa fosse seu senhor? Talvez algum tirano de duas caras

que esmague suas vontades durante o dia, então uiva para a lua durante a noite? Ou prefere

voltar a um herdeiro sugador de sangue da Casa Markov, como o que eu matei quando

cheguei? Mulher tola. Você deveria pregar diariamente para as pessoas quão boas são suas

vidas.”

Ele parou de andar perto do fundo da pequena sala, onde notou uma foto emoldurada no

chão, de frente para a parede. Ele inclinou-se para ele e encontrou uma pintura do arcanjo

Avacyn.

“Eu...” Merlinde disse. “Eu achei que fosse você. Até ouvi-lo interrogar Edwin agora, pensei

que você deve ter sido aquele que levou as almas dos aldeões.”
Ele olhou para ela.

“Depois que os comerciantes foram atacados, investiguei”, disse ela. “Meu talento para

sensorear espíritos revelou que os geists estavam envolvidos, como Edwin disse. Isso fazia

sentido. Você é a única coisa nessa floresta que eu tenho certeza que tem força para desafiar

aquele maldito pântano. Eu pensei que deveria ter sido você quem tomou as almas das

pessoas.”

“E você não fez nada?”

“Claro que fiz alguma coisa”, disse Merlinde. “Eu enviei para uma mensagem para a igreja de

Thraben, implorando por seus caçadores mais fortes. Eu pedi homens e mulheres

especificamente talentosos em matar demônios, e os avisei que você poderia invadir suas

mentes. Eu estava… preocupada há algum tempo que você eventualmente mostraria um

segundo rosto. O rosto oculto que tantos senhores têm.”

“Idiota”, disse Davriel. “Você foi usada por um tolo.”

“Eu percebo isso agora”, disse ela, tomando seu chá. “Se você fosse o homem que eu temia,

você teria destruído o priorado em vez de entrar para exigir respostas. Mas… o que está

acontecendo?”

“Eu pensei que talvez fosse Edwin”, disse Davriel. “Alguém fisicamente esfaqueou um dos

seus padres na aldeia ontem à noite. Eles deixaram quem quer que fosse entrar na igreja,

então seus padres devem ter confiado neles. Quem quer que tenha sido matou o padre. Com

uma faca, não foi o ato de um geist.”

“Qual… qual deles?”

“Qual geist? Como eu deveria saber?”


“Não, Greystone. Qual padre? Quem foi esfaqueado?”

Ele olhou para ela, franzindo a testa. A sacerdotisa era uma mulher dura, mas ela se inclinou

para frente em seu assento, segurando sua xícara e parecendo… culpada. Os padres que ela

enviou, ele pensou. Ela está pensando como ela os enviou para a morte.

“Eu não sei. O mais velho, com a barba.”

“Notker. Que anjos abençoem sua alma, meu amigo.” Ela respirou fundo. “Eu duvido que

Edwin esteja por trás disso. Ele é difícil de administrar, mas ele é sincero em sua fé. Suponho

que, talvez, pudéssemos levá-lo para você abrir sua mente, de modo que pudesse dizer com

certeza.”

“Eu não posso ler mentes. Não é assim que minhas habilidades funcionam.” Davriel girou a

pintura do arcanjo no seu canto, pensando. “E seus outros padres? Quando eu era um jovem

contador que trabalhava para o banco, uma das primeiras coisas que eles nos ensinaram foi

encontrar desvios traçando motivações. Nós deveríamos procurar a pessoa com a mistura

única de oportunidade e incentivo. Uma súbita pressão financeira ou notícias em sua vida que

os deixaram desesperados. A mudança é o verdadeiro catalisador da crise.”

“Eu não posso falar de cada um dos meus padres especificamente”, disse a sacerdotisa. “Mas

eu não acho que alguém teve oportunidade ou incentivo. Estamos aqui para salvar as pessoas,

não para matá-las – e certamente não nos associamos a espíritos malignos.”

“Mas você vai consorciar com homens maus?” Davriel disse.

Ela olhou para ele. “Isso depende de quanta esperança temos neles, suponho.” Ela balançou a

cabeça. “Acho que você está ignorando o verdadeiro culpado disso. A resposta óbvia Quando

vi a trilha dos geists que faziam isso, a luz estava tingida de verde doentio. Eu moro aqui há

quase 20 anos; Eu posso reconhecer o toque do pântano quando o vejo.”

“Alguém esfaqueou aquele padre, lembra-se. E Tacenda afirma ter ouvido passos. Alguém

estava controlando os geists.”


“Aquela menina”, disse a sacerdotisa. “Ela e sua irmã são um… caso estranho. Eu li relatos do

passado delas e não consigo encontrar nada parecido com a maldição da cegueira. Eu estava

progredindo com o povo das proximidades há dez anos, trazendo-as à luz do Anjo – e então

elas começaram a manifestar poderes. Isso fez com que as pessoas seguissem o pântano

novamente, derrubando quase tudo que eu havia feito desde que cheguei aqui.”

“A irmã foi reivindicada pelos Whisperers”, disse Davriel. “Mas Tacenda disse que não a

quiseram. Eu quero saber porque.”

“A resposta é óbvia”, respondeu a sacerdotisa. “Eu consegui chegar até Willia. Ela estava

treinando para se tornar um cátara. Willia se virou contra o pântano, e por isso a matou. Eu

nunca consegui chegar a Tacenda embora…”

“Eu sinto que deve haver mais”, disse Davriel. “Algo que eu estou sentindo falta nessa

bagunça.”

“Talvez o pântano tenha deixado Tacenda porque tem outro propósito para ela”, disse a

sacerdotisa. “Você diz que acha que essa pessoa estava controlando os geists – mas talvez você

tenha errado. O pântano poderia estar controlando os espíritos diretamente, mas também

usando um ou dois peões vivos para realizar suas tarefas. Os sacerdotes poderiam ter deixado

um aldeão, clamando por ajuda, entrar na igreja. De qualquer maneira, o pântano é o

verdadeiro mal aqui.”

“Mas por que ele mataria seus próprios seguidores?”, Disse Davriel.

“O mal muitas vezes não tem motivos para o que faz.”

Não, ele pensou. O mal tem as razões mais óbvias.


Ele não disse isso, porque ele não tinha energia para um argumento prolongado. Mas não

foram as pessoas sem moral que confundiram Davriel – tendiam a se alinhar melhor com seus

incentivos e eram muito mais fáceis de ler.

Foi a pessoa moral que agiu de forma irregular, contra o seu interesse próprio.

Ainda assim, a sacerdotisa tinha razão. Múltiplas trilhas apontam para o pântano. “Você sabe

o que ele é?” Ele perguntou a ela. “Mesmo?”

“Um falso deus”, disse ela. “Alguma coisa horrível que se esconde sob as águas, consumindo

oferendas. Quando cheguei pela primeira vez – enviada a essa região para ensinar às pessoas o

caminho correto da fé –, enfrentei isso. Eu fui para aquele pântano e olhei para ele, usando

meus poderes. Lá encontrei algo terrível, vasto e antigo.”

“Eu soube então que não podia combatê-lo com orações ou alas convencionais. Era muito

forte. Eu construí este priorado no topo dessas catacumbas e dediquei tudo o que tinha para

converter as pessoas das proximidades Senti que, se conseguisse impedi-los de dar suas almas

aquela coisa, acabaria o enfraquecendo e morrendo.”

“Você converteu Willia”, disse Davriel, pensativo. “Um de seus campeões escolhidos. Talvez

isso tenha provocado tudo isso.”

"É possível. Eu não posso dizer com certeza.” Ela hesitou. “No início, presumi que você

tivesse vindo aqui para estudar ou controlar o pântano. Talvez fosse por isso que eu fui tão

rápida em acreditar que você estava por trás dessas mortes. Parecia uma coincidência

impossível que uma pessoa com seus talentos viesse a se instalar em um lugar tão remoto.”

“Eu não sabia sobre o pântano antes de chegar”, disse Davriel.

Ah, a Entidade disse em sua mente, mas eu sabia disso.

O que? Você sabia?


“Seja o que for”, dizia a sacerdotisa, “está com fome. O pântano consome as almas daqueles

que morrem aqui. Mesmo a influência do Seelenstone pode dificilmente resistir a ele, apesar

de ser dada a nós pelo Anjo Sem Nome especificamente para esse propósito.”

O que você sabe sobre o pântano? Davriel perguntou à Entidade. Você insinua que você me levou

aqui. Para qual propósito?

Por Poder, a Entidade disse. Você verá…

Davriel franziu a testa, depois olhou para a sacerdotisa. “Parece, infelizmente, que sou forçado

a enfrentar o pântano. Que incômodo. Ainda assim, se eu puder encontrar a causa dessas

manifestações, estou razoavelmente certo de que posso devolver as almas para as pessoas da

aldeia. Ou pelo menos um número aceitável deles, considerando as circunstâncias.”

A sacerdotisa se animou, depois se virou na cadeira para olhar para onde ele estava, ainda no

fundo da sala, girando a imagem de Avacyn.

“Salvá-los”, ela perguntou. “É possível?”

“Se isso foi feito, então eu posso vê-lo desfeito.”

“Eu não acho que isso seja sempre verdade. Mas será o suficiente se você tentar. O que você

quer de mim?”

“Uma vez que isso acabar, você deve viajar para Thraben e fazer o que for preciso para ter

certeza de que os tolos que estão lá acreditem que eu tenha morrido, ou deixado este lugar, ou

sido humilhado ao ponto de me esconder.”

“Eu poderia fazer melhor”, disse ela. “Eu poderia dizer a eles que eu estava errada e que você

nos salvou! Se você trouxer as pessoas de volta, eu vou chorar nos degraus da grande catedral!

Eu vou te proclamar um herói e…”

“Não”, disse ele. Ele largou a pintura e caminhou até seu assento, pairando sobre ela. “Não.

Eu não devo ser considerado nada especial. Apenas um senhor que reivindicou uma fatia
insignificante de terra que ninguém se importa. Um homem indigno de atenção ou nota. Nada

especial. Nada para se importar.”

Ela assentiu devagar.

“Por enquanto”, ele continuou, estendendo a mão, “eu vou precisar pegar emprestado seu

talento para sentir e ancorar espíritos.”

“Você o terá de bom grado”, disse ela, colocando a mão envelhecida na dele.

“Vai ser doloroso”, ele avisou. “Nossas naturezas não se alinham. E você ficará sem acesso à

capacidade por um curto período de tempo, talvez até um dia.”

“Que assim seja.”

Ele rangeu os dentes, depois perfurou sua mente. Por sua vez, ele sentiu uma pontada

imediata de dor no crânio. Inferno, essa mulher era saudável. Ele não podia ver seus

pensamentos, mas ele foi atraído, como sempre, ao poder. A energia dentro dela, o brilho de

habilidade, força, magia.

Ele a soltou, estremecendo com a sensação terrível. Isso concedia um novo feitiço, cru e

radiante: um que o deixaria rastrear os movimentos dos espíritos e, se necessário, forçá-los a

permanecer corpóreos.

A sacerdotisa caiu em seu assento. Ele segurou-a pelo braço, impedindo-a de escorregar para

o chão. Ela era um cão velho e resistente e, até certo ponto, ele reconhecia a importância de

seu trabalho. As pessoas precisavam de algo para acreditar. Algo para proporcionar conforto e

evitar que fossem esmagadas pelas realidades da existência humana.

A verdade era uma coisa perigosa, melhor deixar para aqueles que poderiam explorá-la

realisticamente.

A sacerdotisa finalmente se recuperou e apertou o braço em agradecimento por apoiá-la. Ele

acenou com a cabeça uma vez e se virou para sair, sofrendo – ainda – da lança de dor

atravessando sua mente.


“Você foi incitado a agir”, disse ela por trás. “Mas você parece relutante ainda. O que seria

necessário, Greystone? Para fazer você realmente se importar?”

Cadáveres. Morte. Memória.

“Não pergunte isso”, disse ele, voltando para o corredor. “Esta terra não está pronta para uma

versão de mim que se preocupa com outra coisa senão sua próxima soneca.”
TERCEIRA PARTE
Capítulo 12: Tacenda

Tacenda sempre ouvira falar da Seelenstone no tom mais estranho e contraditório.

Os aldeões abençoariam o Anjo Sem Nome por conceder-lhe as proximidades. Eles pareciam

orgulhosos da relíquia, que acalmava as almas dos seguidores da igreja, impedindo-os de se

levantarem contra eles como um geist ou outra criatura imunda.

Mas também impediu que qualquer alma retornasse ao pântano. E assim, enquanto o povo das

proximidades estavam orgulhosos da bênção do Anjo, a maioria resistiu à conversão para a

igreja. Tacenda entendeu. A Seelenstone era uma incrível bênção – mas era como um boi

superdotado quando você não tinha carro para puxar ou nenhum campo para arar. De alguma

forma, ela era ao mesmo tempo grata por aquela coisa e ficava desconfortável com ela também.

Ela não imaginou que eles a guardariam nas catacumbas. Rom conduziu-a por um degrau

apertado e em espiral, sua lamparina iluminando pedras antigas, desgastadas não pelo vento

ou pela chuva, mas pela passagem infinita de passos humanos. O ar ficou frio, úmido e eles

entraram em um reino de raízes, vermes e outras coisas sem visão. No fundo, eles não

encontraram nenhuma porta, mas um estranho mural de pedra retratando os anjos em fuga.

Rom pressionou uma parte específica da pedra – uma pequena maçaneta, disfarçada como

uma pequena cabeça de anjo, que afundou no resto. Algum mecanismo antigo fez a pedra se

abrir. Não era como se fosse uma barreira – qualquer um com tempo suficiente provavelmente

poderia ter encontrado a peça que deveria empurrar – mas era um lembrete. Mesmo no mais

santo dos lugares, mesmo na casa de um artefato destinado a parar espíritos, era sábio manter

uma porta trancada entre você e seus mortos.

Eles passaram pela abertura e entraram nas catacumbas – o que antecedeu a existência do

priorado em sua forma atual. Tacenda esperava crânios, mas encontrou apenas passagens

estreitas. As paredes estavam cheias de fileiras de pedras estranhas, talvez com três amplas

palmas de mão de comprimento. Em forma de hexágonos, muitos foram marcados com o

símbolo do Anjo Sem Nome.

“Não tem ossos?” ela perguntou quando Rom a levou para a direita.

“Não”, disse ele. “Ninguém aqui quer colocar corpos em exposição. Essas pessoas merecem

descanso, não espetáculo. Essas pedras nas paredes podem ser removidas, cada uma

revelando um longo buraco escavado na parede. Colocamos o corpo numa rampa,

empurramos e depois selamos.”


Ela assentiu, seguindo em silêncio.

“Há muito espaço aqui”, disse Rom. “Quem construiu estas catacumbas fez muito espaço para

corpos. Mas seu povo não escolhe muitas vezes ser enterrado aqui, como é apropriado.”

“Nós…” Mas como ela poderia responder a isso? Era verdade. “O pântano é nossa herança.

Eu sinto Muito.”

“Seu povo”, disse ele, “equilíbrio entre duas religiões. Eu acho que você quer adorar os dois

ao mesmo tempo, falando com os padres quando eles visitam, mas depois vai dar sua

verdadeira devoção ao Pântano. Isso incomoda a sacerdotisa, eu sei, mas não estou em posição

de repreender. Eu segui dois deuses, você poderia dizer. A maior parte da minha vida, não foi

virtude – mas a emoção da caça – esse era meu mestre.”

Ele a conduziu por um túnel curvo, depois pousou a mão em um símbolo gravado em um dos

túmulos. As asas ascendentes, o símbolo do Anjo Sem Nome. A mesma que envolve o pulso de

Tacenda, acima da mão onde ela carregava sua viola.

“Eu ouvi sobre esse seu pântano”, disse Rom, “antes de vir. Então eu não fiquei surpreso com

isso. Mas este Anjo Sem Nome… muitos dos sacerdotes locais preferem usar seu símbolo do

que o da igreja.”

“Avacyn é… foi o Arcanjo”, disse Tacenda. “E ela presidiu exercitos inteiros de outros anjos.

É… era… a igreja dela, mas ela sempre foi uma divindade distante. Os fiéis aqui, como minha

irmã, sempre preferiram um anjo mais pessoal.”

“Você me confunde”, disse Rom. “Fiquei feliz em encontrá-la. Depois da traição de Avacyn,

encontrar notícias de outro anjo que ainda amava seu povo… bem, isso me deu esperança.

Espero que até mesmo um caçador manchado de sangue como eu possa encontrar paz.”
Seus lábios se voltaram para baixo quando ele disse a última parte, por algum motivo, mas

então ele apenas balançou a cabeça e conduziu um dos muitos caminhos de ramificações nas

catacumbas. Ele estava certo – havia muito espaço aqui embaixo. Ela sempre imaginou

algumas pequenas criptas, não essa rede de túneis. Finalmente, chegaram a uma pequena sala

de pedra com bancos acolchoados ao longo dos lados.

E ali estava a Seelenstone: uma pedra branca como um grande ovo de ganso, decorando um

pedestal no centro. Rom fechou as persianas da lamparina para mostrar que a pedra brilhava

com sua própria luz suave. Um brilho radiante e leitoso, como as cores do óleo na água. Eles

giravam em um padrão sereno, como se a Seelenstone fosse preenchida com diferentes

líquidos iridescentes, fluindo em uma procissão circular eterna.

A respiração de Tacenda ficou presa. Ela é linda.

“Eles dizem que fica mais claro a cada vez que alguém das proximidades se entrega à igreja”,

disse Rom.

“Posso… posso tocá-la?”

“Melhor não, jovem senhorita”, ele disse. “Mas você pode olhar. Aqui, sente-se e observe os

padrões.”

Incapaz de desviar os olhos do curso transfixante de cores, Tacenda recuou até encontrar um

dos bancos, depois sentou-se, colocando sua viola no colo.

“Eles sempre colocam os novos padres aqui, como um dos primeiros deveres, para vigiar a

pedra” disse Rom suavemente. “Nós não guardamos isso sempre, mas é uma boa prática para

alguém meditar aqui, enquanto permanece em alerta a noite toda. Já faz um tempinho desde

que eu tive esse trabalho. Mas lembro-me de estar aqui por noites a fio, apenas olhando e

pensando. Sobre todos os anos que esta pedra viu.”

“Primeiro foi dado a um padre solitário, que o manteve em um santuário. Então uma igreja foi

construída para isso, e as catacumbas para abrigar os mortos. Finalmente, a sacerdotisa veio –

e ela finalmente viu um lugar apropriado aqui. A pedra viu tudo isso e muito mais. Talvez eu

não deva ser presunçoso, senhorita, mas esta é a mas esta é sua herança tanto quanto esse

pântano.”
“Lorde Davriel me disse mais cedo que meu povo fala demais sobre o destino. Ele disse que

eu deveria me levantar e decidir o meu próprio caminho, ao invés de acreditar em coisas

como o destino.”

Ela olhou na direção de Rom e encontrou a luz da Seelenstone fluindo em seu rosto. “O que

você acha?”, Ele perguntou.

“Eu não sei”, disse ela. “Parece-me que basicamente é impossível escolher por si mesmo.

Quero dizer… se eu fizer o que Davriel diz, como isso é diferente de fazer o que minha aldeia

me diz? Isso não é independência. É só escolher uma influência diferente.”

Rom grunhiu e Tacenda continuou observando as luzes que se moviam. Ela reconheceu que

Rom a trouxera aqui para evitar que ela fosse pega no conflito entre Davriel e a sacerdotisa.

Em vez de buscar água, ele só perguntou se ela estava interessada em ver a pedra.

Davriel... ela se lembrou daquele olhar em seus olhos, aquela sombra, quando eles

encontraram Brerig morto. Davriel teve uma segunda escuridão em seus olhos. Um vazio para

consumir toda a vida e deixar o mundo tão frio como ele era…

“Rom?” Ela perguntou. “Você já pensou nos demônios que matou quando era mais jovem?

Você se preocupou com a dor que estava causando?”

“Não”, disse o velho caçador. “Não, quando eu era jovem, não posso dizer que sim.”

“Oh.”

“Quando eu era mais velho, porém”, ele disse, “e os anjos ficaram loucos? Sim, pensei nisso

então. Eu imaginei, toda a minha vida poderia ser resumida em assassinatos? Não havia como

parar? Faça um mundo onde os homens não precisem temer a escuridão ou a luz?”

“Você encontrou alguma resposta?”

“Não. É por isso que eu finalmente fui embora.” Ele olhou para cima, depois acenou para ela,

gesticulando. “Venha, vamos ver qual foi o dano causado no andar de cima.”
Tacenda assentiu, pegando sua viola e se juntando a ele. Quando saíram, no entanto, ela notou

algo que ela perdeu no começo. Ela estava tão focada no Seelenstone, ela não tinha visto que

havia um mural na parede aqui também – pedra esculpida, descrevendo a derrota de um

demônio terrível de uma história que ela não conhecia.

“Aquele mural”, ela disse. “Há um botão como o que você empurrou, sob os pés do demônio.

É uma porta secreta também?”

“Sim”, disse Rom. “Você vai encontrar mais alguns deles aqui embaixo. A maioria leva a nada

para se notar – pequenas câmaras onde armazenamos equipamentos de embalsamamento ou

caixas com poeira..”

“Oh”

“Aquela embora”, continuou ele. “Isso leva a um túnel para fora das catacumbas, para a

floresta. Este lugar aqui embaixo, não é só para os mortos. É um lugar para barricar a nós

mesmos, se algo atacar. Nós podemos nos esconder aqui embaixo, e sair por uma das

passagens secretas.”

Ela assentiu, pensando sobre isso. Até mesmo o priorado – talvez em particular o priorado -

precisava de um local de retirada, caso um ataque ocorresse. Todos os edifícios e aldeias eram

realmente apenas fortalezas na escuridão, com o cuidado de fechar seus portões e trancá-los

firmemente à noite.

Quando saíram, ela olhou por cima do ombro uma última vez na pedra iridescente. Estranho

que ela tenha vivido em Verlasen toda a sua vida, mas nunca tinha vindo aqui para ver o

presente do Anjo Sem Nome.

E quem é ela para você? Você já a viu? Talvez fosse melhor que o Anjo Sem Nome tivesse

desaparecido há muito tempo. Histórias haviam sido suficientes para Willia – que se sentiu

atraída por qualquer coisa que falava em lutar contra a escuridão – mas nunca por Tacenda.

Ela correu atrás de Rom, mas quando eles voltaram para as escadas, ela notou a luz vindo de

um dos outros corredores. Ela bateu no ombro de Rom, então apontou.


“Oh”, ele disse. “Aquilo? Apenas onde nós preparamos os corpos dos mortos e os mantemos

até a hora do enterro.”

Ela congelou quando Rom continuou. Os corpos dos mortos, esperando pelo enterro? Assim

como…

Tacenda não conseguiu evitar. Ela se virou naquele corredor. Rom chamou atrás dela, mas ela

o ignorou.

Logo ela entrou em outra pequena câmara, esta iluminada por velas bruxuleantes sobre

montes de cera descartada. A parede do fundo continha um relevo esculpido do Anjo Sem

Nome – seu rosto escondido atrás do braço – segurando um entalhe da Seelenstone.

Três corpos, em suas vestes de enterro, estavam em lajes ao longo da parede. Uma era uma

jovem de cabelos curtos.

Embora outros confundissem as duas, Tacenda não entendia como. Willia era mais magra e

mais forte que Tacenda, o cabelo mais curto, mas de alguma forma mais dourado. E Willia era

a mais bonita – apesar do fato de que elas tinham o mesmo rosto.

Rom tropeçou, então notou os corpos. “Oh! Que idiota eu sou, jovem senhorita. Eu deveria ter

percebido.”

Tacenda se aproximou de Willia, segurando sua viola em uma mão, tocando com a outra na

bochecha do cadáver. Não, não é um cadáver – apenas um corpo. A alma de Willia ainda

estava lá fora, recuperável. Assim como o de Jorl e Kari, cujos corpos também adornavam o

quarto.

Willia parecia tão forte, mesmo na morte. Enquanto os rostos dos outros eram máscaras

congeladas de terror, ela apenas parecia que estava dormindo. Tacenda segurou a mão na

bochecha de Willia, tentando transmitir um pouco de seu calor ao corpo em coma – como

fizera ao cantar para sua irmã durante longas noites frias, antes que qualquer uma das duas

conhecesse a extensão de seus poderes.

Você deve escolher seu próprio caminho, fazer seu próprio destino, dissera Davriel. Aquilo parecia

uma platitude fácil quando você era um lorde poderoso – quando você não tinha uma aldeia

para cuidar ou uma família para proteger. Talvez não tenha sido o destino que manteve

Tacenda em seu lugar junto à cisterna, cantando a primeira escuridão. Talvez tenha sido algo

mais forte.
“Então é aqui que você estava?”, Disse uma voz aguda. Davriel entrou no quarto e sua capa

esvoaçou ao redor dele, como se esticando os braços após a caminhada apertada pelos

corredores.

“Senhor!” Rom disse, curvando-se. “A sacerdotisa… quero dizer…”

“Merlinde e eu chegamos a um acordo amigável”, disse Davriel. “Em que ela concordou que

estava errada e eu concordei que matá-la seria muito trabalhoso. Tacenda, eu já tenho o que eu

vim procurar. Eu desejo estar longe deste lugar antes que seu fedor comece a se apegar à

minha roupa.”

Ela afastou a mão da bochecha de Willia. A melhor maneira de ajudá-la – a única maneira –

era ir com esse homem. “Viemos ver o Seelenstone”, disse ela, seguindo-o. “Você acha que

talvez possa nos ajudar de alguma forma?”

“Da última vez que olhei,” respondeu Davriel, “não era nada mais do que um lindo pedaço de

rocha com uma simples barreira decadente sobre ele. Suas músicas são ordens severas de

magnitude mais potentes.”

"É uma relíquia poderosa", ela disse, sentindo um pico de proteção. “Dado a nós pelo próprio

Anjo Sem Nome!”

“Um anjo que ninguém viu por décadas”, disse ele com uma fungada. “A velha história é um

absurdo. Eu não sei de onde a pedra se originou, mas duvido que seja de um anjo. Por que ela

daria uma relíquia supostamente poderosa a um insignificante e pequeno grupo de aldeias?

Seria muito mais eficaz em um centro populacional maior.”

“Nem tudo é apenas sobre números brutos.”

“Claro que não”, disse Davriel, alcançando os degraus. “A verdadeira importância está em

como esses números se somam.”


Ele subiu as escadas. Por que ele estava de repente tão impaciente? Ela praticamente teve que

suborná-lo para que ele começasse investigar em primeiro lugar.

Tacenda ficou para trás com Rom, que subiu os degraus com um passo mais lento e mais

deliberado, segurando o corrimão com força.

“Ele está errado”, disse Rom. “A magia do Seelenstone pode não ser poderosa, mas não

precisa ser. Está aqui para abrigar as almas dos fiéis, e a sua aparência simples não significa

que isso não seja importante. Assim como a fé. Não quero falar mal de seu senhorio, mas esse

é o problema de ser esperto como ele é. Você se acostuma a imaginar as coisas na sua cabeça,

e quando o mundo real não combina, você inventa desculpas.”

No topo da escada, ela notou um lugar mais abaixo no corredor, onde as paredes brancas

estavam marcadas por terríveis símbolos negros, em formas que faziam seus olhos se

contorcerem. Teria ele convocado demônios no meio do priorado?

Eles chegaram até a porta. “Obrigado Rom,” Davriel disse, “pelo seu serviço. Se eu for

forçado a exterminar os membros deste priorado, vou matar você por último. Senhorita

Verlasen, estamos de saída.”

Ele saiu em direção a luz. Rom levantou a lamparina apressadamente. “Meu senhor, você vai

querer...”

Davriel estendeu a mão e convocou um jato de chamas para iluminar seu caminho enquanto

atravessava as terras do priorado.

Vendo isso, Rom suspirou. "É melhor eu dar uma olhada na sacerdotisa", disse ele a Tacenda.

“Cuide-se esta noite, jovem senhorita. É uma escuridão perigosa que está nos observando. Isto

é.”

Ela acenou para ele em agradecimento, depois correu atrás de Davriel. Embora ele não

parecesse notar o calor da chama em sua mão, fez seu rosto começar a suar.

“Por que estamos tão apressados, de repente?”, Perguntou ela. “Você descobriu algo útil?”

“Não realmente.”
“Então por que você está tão ansioso?”

Os demônios os viram chegando, e Crunchgnar posicionou a carruagem até eles ao longo da

estrada escura. “Eu,” Davriel declarou quando chegou, “decidi que vou tirar uma soneca.”

Capítulo 13: Tacenda

Ele quis dizer isso.

No meio da sua busca para salvar a aldeia – enquanto a noite estava passando e a cada

momento trazendo Tacenda para mais perto de perder sua visão – Lorde Davriel Cane tirou

uma soneca.

Depois de viajar alguns quilômetros do priorado, Davriel chutou Tacenda e os demônios para

fora da carruagem, abaixou as persianas e se enrolou em sua capa. Senhorita Highwater

fechou a porta com um clique, balançando a cabeça e sorrindo.

“Eu não posso acreditar nisso”, disse Tacenda.

“São duas e meia da manhã”, disse a senhorita Highwater. “Ele é um homem poderoso

quando decide que quer ser um, mas ainda é mortal. Ele precisa dormir, e hoje à noite os

preparativos para dormir foram interrompidos por uma criança com uma adaga

improvisada.”

Dentro da carruagem, Davriel começou a roncar baixinho.

Crunchgnar e senhorita Highwater se moveram para um buraco ao lado da estrada onde

alguém empilhara pedras para fazer uma fogueira. Era provavelmente uma parada comum no

caminho para o pântano. Ela poderia ter parado aqui antes por si mesma, mas suas viagens

nessa direção sempre tinham sido durante o dia – quando ela estava cega.

Os demônios pegaram um pouco de madeira e Crunchgnar tocou a testa por um momento,

acendendo uma pequena chama na ponta do dedo. Logo ele teve um fogo convidativo

crepitando naquele monte de madeira. Senhorita Highwater sentou-se com a lamparina atrás
dela, sentado primordialmente em uma pedra e olhando através de seu livro, depois

escrevendo algumas anotações.

Tacenda sentou-se perto das chamas e encontrou fadiga sobre ela também. Ela estava

acostumada a ficar acordada a noite toda, mas… tinha sido uma noite longa. Exaustão, mental

e emocional. Ela não queria se deixar cochilar, não quando sozinha com os demônios,

particularmente Crunchgnar.

Ainda assim, apesar de seu rosto torcido, chifres proeminentes e olhos vermelho sangue, até

ele parecia de alguma forma… humano enquanto se agachava ao lado do fogo, se aquecendo.

“Eu nunca gostei do mundo superior”, ele murmurou. “Muito frio. Eu não entendo como

vocês humanos podem viver assim, meio congelados a cada noite.”

Tacenda encolheu os ombros. “Nós realmente não temos muita escolha. Embora eu suponha,

se realmente quiséssemos ir a algum lugar mais quente, você ficaria feliz em nos levar…”

Crunchgnar sorriu. “Eu duvido que o fogo do inferno fosse do seu agrado, garota. Demônios

menores como eu são geralmente forçados a desistir de nossos prêmios para nossos senhores.

Eu reivindiquei as almas de oito pessoas durante a minha existência, mas só recebi uma

pequena porção de cada uma delas.”

“Você nunca se sentiu mal com isso? Empatia pelas almas que você está tomando? Culpa pelo

que você fez?”

“É o que eu fui criado para fazer. É o meu lugar no mundo. Por que eu deveria sentir culpa?”

“Você poderia ser outra coisa. Algo melhor.”

“Eu não posso ignorar a minha natureza, mais do que você pode, menina.” Crunchgnar

apontou com a cabeça em direção à carruagem. “Ele gosta de fingir que qualquer um pode

escolher seu próprio caminho, mas eventualmente ele terá que pagar as dívidas que ele deve.

E sua ‘liberdade’ durará tanto quanto uma brasa ao se separar de seu fogo.”

Tacenda se mexeu na rocha. As palavras pareciam desconfortavelmente parecidas com o que

ela dissera para Davriel antes.


Eu fui escolhida pelo pântano. Eu devo seguir meu destino…

“Você entende”, disse Crunchgnar. Inferno, aqueles olhos dele eram desconcertantes. Pelo

menos a senhorita Highwater tinha pupilas, mesmo que fossem vermelhas. Os olhos de

Crunchgnar estavam carmesins. “Você é mais esperta do que ele, por toda sua confiança.”

“EU…”

“Nós poderíamos fazer um acordo”, disse Crunchgnar. - Devo manter Davriel vivo por mais

dezesseis anos, mas talvez pudéssemos encontrar uma maneira de atordoá-lo. Mantê-lo em

cativeiro. Ele age poderoso, mas não tem poder próprio – apenas o que rouba. Nós

poderíamos aprisioná-lo e você poderia se tornar a Senhora da Mansão. Governe em seu

lugar.” O demônio estava parado, ao lado do fogo. Iluminado por sua luz, lançou uma longa e

terrível sombra na floresta. “Eu serviria você e lidaria com qualquer um que questionasse suas

regras. Eu não faria nenhuma tentativa pela sua alma; Eu quero apenas a dele. Em dezesseis

anos, eu te deixaria. Sem truques.”

Crunchgnar aproximou-se e Tacenda se encolheu diante dele. Ela mordeu o lábio e começou a

cantarolar. Ele se encolheu ao som da Canção de Proteção. “Não há necessidade para isso”,

ele rosnou.

Tacenda cantarolou mais alto e as cordas da sua viola começaram a vibrar.

“Crunchgnar,” senhorita Highwater disse: “Alguma criatura está fazendo sons ao norte. Você

deveria ir ver o que é.”

“Pense na minha oferta” disse ele a Tacenda, depois apontou para senhorita Highwater. “E

ignore-a se ela fingir te oferecer um negócio melhor. Ela mal vale a pena ser chamada de

demônio hoje em dia.”

“E você mal vale a pena ser chamado de sapiente”, disse senhorita Highwater. “Mas nós não

esfregamos isso em seu nariz, esfregamos? Seja um bom menino e faça o que lhe digo.”
Ele rosnou baixinho, mas saiu para o mato baixo. Uma vez fora da luz, ele se moveu com um

silêncio que surpreendeu Tacenda. Apesar de todo o seu tamanho, havia uma graça perigosa

sobre ele.

Tacenda deixou sua música morrer e sua viola ficou imóvel. “Obrigada”, disse ela à senhorita

Highwater.

“A música estava me machucando também, criança”, ela respondeu. “Pena, como a música

parece envolvente. Eu gostaria de ouvir você cantar uma música completa, algo que não

procuraria me destruir.”

Tacenda olhou para o fogo, lembrando-se de dias melhores. Dias em que ela cantou outras

músicas, a Willia para encorajá-la. Canções de alegria para os trabalhadores nos campos, ou

cantadas quando ela sentiu o calor do abraço de sua mãe. Canções agora mortas.

Tacenda se inclinou para frente, aquecendo as mãos em uma fogueira iniciada pelo calor da

chama de um demônio. “Você… você concorda com o Crunchgnar? Sobre a sua natureza?”

A senhorita Highwater bateu em sua bochecha com o lápis. Seus olhos refletiam a luz do fogo,

parecendo queimar. “Você sabia”, ela finalmente disse, “que eu era o primeiro demônio que

ele convocou, uma vez que ele chegou a esta terra?”

Tacenda balançou negativamente a cabeça.

“Nenhum de nós jamais ouviu falar dele. Nós estávamos recentemente livres da nossa prisão,

onde passamos o que pareceu uma eternidade, apesar de ter sido um tempo relativamente

curto. Uma vez livres, começamos a procurar ansiosamente por contratos com os mortais.”

“Eu pensei em fazer um trabalho rápido com essa roupa exagerada e a maneira preguiçosa de

falar. Corri para o contrato e me dediquei totalmente a seduzi-lo. Mas ele mal olhou para mim

antes de me mandar para contar as moedas no cofre do antigo lorde. Nos dias seguintes, tentei

todos os truques que conhecia. Mas toda vez que ele me via, ele me dava outra tarefa.”

“Oh, senhorita Taria, aí está você”, ele dizia – como se isso fosse de alguma forma meu

sobrenome. “Eu tenho procurado os recibos dos impostos da aldeia, e parece que muitos deles

têm pago em bens. Barganhar faz meu cérebro doer. Você veria ver se esta contabilidade está

certa?” Ela balançou a cabeça, como se ainda não conseguisse acreditar que isso tivesse
acontecido. “Lá estou eu – parecendo positivamente radiante – e ele simplesmente passa e me

entrega uma lista com os preços do gado!”

“Isso… deve ter sido frustrante, eu acho?” Tacenda disse, tentando não corar muito

profundamente.

“Foi absolutamente irritante”, disse a senhorita Highwater. “Eu finalmente exigi saber por

que ele me escolheu, de todos os demônios, para este trabalho. Ele convocou a Fatiadora de

homens para equilibrar suas contas? E você sabe o que ele fez? Ele tirou alguns papéis. Cópias

dos contratos que fiz no passado. Os demonologistas fazem isso, você sabe – eles convocam o

contrato, fazem uma cópia e depois leem os detalhes para estudar sua arte.”

“Bem, ele tinha cerca de dez dos meus contratos antigos, e ele absolutamente ficou em cima

deles. Falou sobre o quão inteligente meu texto tinha sido, como ordenadamente eu tinha

enlaçado meus mestres anteriores. Para ele, os contratos eram coisas da verdadeira beleza.”

A senhorita Highwater sorriu, e parecia haver uma verdadeira predileção na expressão

enquanto olhava para a carruagem de Davriel. “Ele não se importava com o que eu parecia.

Ele me convocou especificamente porque achava que eu seria boa em fazer seus livros. E ele

estava certo. Eu sou boa em contratos; Eu sempre me orgulhei disso. Isso me fez uma

excelente criada.”

“Eu não tenho vergonha do que sou ou de como pareço. Mas é bom ser reconhecida por outra

coisa. Uma coisa que eu sempre me orgulhei, mas praticamente todas as outras pessoas –

mortais e demoníacas – ignoraram. Então não, eu não acho que o Crunchgnar esteja

completamente certo. Talvez todos nós tenhamos sido criados para um propósito específico,

mas isso também não nos impede de encontrar outros propósitos.”

Tacenda assentiu e olhou para as chamas, considerando que até um som na floresta próxima a

fez pular. Foi só Crunchgnar voltando à luz.

“Banshee”, disse ele, passando a mão no ombro. “Não parece perigoso. Eu o assustei, mas

podemos querer despertar Davriel de qualquer maneira.”

“Vamos dar a ele mais alguns minutos”, disse a senhorita Highwater. “Esse feitiço da

sacerdotisa teve ter sido doloroso de se absorver, e ele poderia usar o resto se nós vamos

enfrentar o pântano.”
“Tem certeza”, disse Crunchgnar, “ele não convocou você para ser sua mãe em vez de sua

amante?”

“Felizmente para mim, você já assumiu a posição de cão de estimação.”

Tacenda estremeceu com os insultos trocados, mas felizmente os demônios ficaram em

silêncio enquanto Crunchgnar acrescentava alguns troncos ao fogo. Eles não pareciam muito

preocupados que um monstro como uma banshee estivesse se escondendo na floresta - mas,

novamente, quem poderia dizer o que assustaria um demônio?

Não parecia certo estar sentado aqui sem fazer música. Embora tivesse passado muitas noites

sozinha, iluminada por um fogo solitário, ela passara aquelas horas pelo menos tirando uma

variação da Canção da Guarda.

Ela manifestou isso pela primeira vez ao proteger sua família. Tinha vindo sem que ela

precisasse aprender – simplesmente acontecera. As músicas eram uma parte instintiva dela.

Não foi prova suficiente do seu destino? Que a razão pela qual ela existia era cantar essa

música?

Isso… uma voz parecia sussurrar dentro dela. E mais…

Eventualmente, Tacenda levantou sua viola e começou a arrancar uma melodia suave. Não o

Canto da Guarda, mas algo mais doloroso, mais solene. Crunchgnar olhou para ela quando ela

começou a cantar, mas essa melodia não era para afastá-los. Era uma música que ela nunca

cantou, mas uma que parecia certa no momento.

Ela fechou os olhos e se deixou absorver pela música. Nesse estado, as canções pareciam

passar por ela, como se a alma dela fosse o instrumento, e a sua viola fosse apenas um

amplificador. O tempo, o lugar e ela mesma se juntaram quando a música começou a vibrar as

cordas por conta própria.

Ela cantou sobre perda. Da morte e do progresso do tempo. De árvores imutáveis que

observavam aldeias crescerem e caírem, as fés queimando brilhantemente e morrem, as

crianças crescem até os antigos, então são esquecidas como gerações empilhadas umas sobre

as outras e fogos infinitos queimando até virarem cinzas. De uma garota que foi forçada a

parar sua música alegre, e em vez disso começou a cantar apenas pela noite.

A música se expandiu dela, e a viola não foi seu único receptáculo. Os galhos das árvores

vibravam, as pedras zumbiam, a carruagem sacudia como uma silenciosa percussão. Sua
música encontrou qualquer caminho disponível, e ela seria tão capaz de controlá-la quanto

seria capaz de controlar o vento ou a lua.

Mas lentamente… isso mudou. Ela estava aproximando-se mais da música que ela conhecia:

aquela que sua irmã amava.

Tacenda estendeu a mão, mas achou… achou nada.

Ela parou, os restos da música ecoando em sua mente. Ela suspirou, depois olhou para cima.

Os demônios estavam boquiabertos com ela. O livro de registros da senhorita Highwater tinha

caído de seus dedos e caído sem ser notado no chão. Crunchgnar olhou para ela, sua

mandíbula frouxa.

“O que aconteceu?”, Perguntou a senhorita Highwater. “Eu senti que estava voando…”

“Eu…” Crunchgnar sussurrou. “Eu estava ajoelhado nas poças de lava de Dawnhearth, e os

fogos… fogos estavam saindo…” Ele sentiu seu corpo, então olhou ao redor, como se estivesse

surpreso por encontrar-se na floresta.

A porta da carruagem se abriu e Davriel saiu, deixando a capa para trás. Ele andou em direção

a Tacenda, com os olhos arregalados.

Ela recuou quando ele a agarrou pelos ombros.

“O que foi isso?” Ele exigiu. “O que você fez?”

“Eu… eu só… cantei…”

“Isso não foi uma simples defesa”, ele disse, e ela viu seus olhos se embaçarem com fumaça

branca. “O que você é?”

Algo bateu na mente de Tacenda. Uma força esmagadora. Ela sentiu as mãos alcançando seu

cérebro, tomando conta de sua alma. Ela sentiu-

NÃO.
A música surgiu nela e ela gritou. Uma explosão de luz brilhou dela – espalhando fragmentos

como faíscas no céu noturno – quando ela pôs Davriel pra longe dela. Ele foi jogado para trás

cerca de três metros antes de bater na lateral da carruagem, estilhaçando a madeira. Ele caiu

no chão da floresta com um baque surdo.

Crunchgnar se levantou, sua mão indo para a espada – mas foi senhorita Highwater quem

chegou primeiro, pressionando uma adaga fria na garganta de Tacenda.

“O que você fez?” A mulher demônio sibilou.

“Eu…” Tacenda disse. “Eu não…”

Davriel se mexeu. Ele letargicamente se levantou do chão. Com folhas grudadas na camisa, ele

balançou a cabeça.

Tacenda sentiu-se em pânico crescente, com uma faca no pescoço.

Davriel se levantou e limpou a poeira, depois se espreguiçou. “Ai”, ele observou, depois olhou

para a carruagem. “Senhorita Highwater, eu acredito que eu estraguei essa madeira com a

batida feita pelo meu crânio.”

“Nenhuma surpresa”, ela respondeu. “Sempre foi óbvio para mim qual dos dois era mais

difícil de quebrar.” Ela não removeu a faca do pescoço de Tacenda.

Crunchgnar tardiamente desembainhou a espada. “Hum… eu deveria matá-la?”

“Por mais divertido que seja assistir a magia dela te despedaçar – disse Davriel –, ainda posso

usar você. Então não.”

Ele caminhou até Tacenda. Sentia-se tão nervosa que tinha certeza de que a batida forte do

coração faria com que a adaga da senhorita Highwater escorregasse e tirasse sangue.

Davriel assentiu fracamente para o lado, e a senhorita Highwater afastou a adaga, fazendo com

que ela desaparecesse em uma bainha em seu cinto. Ela pegou seu livro como se nada tivesse

acontecido.
Davriel, no entanto, se ajoelhou diante de Tacenda. “Você tem alguma ideia do que é que se

esconde dentro de sua mente?”

“As músicas”, disse Tacenda. “Você tentou roubá-las! Você tentou tomar meus poderes, como

você fez com aqueles caçadores!”

“Isso foi todo o que eu peguei de você.” Davriel estalou os dedos, fumaça verde escura

colorindo os olhos. Uma pequena luz brilhou, formando uma espécie de escudo de energia

verde brilhante acima de sua mão. “Eu roubei uma proteção simples, que é o que eu esperava

encontrar dentro de você. Mas quando eu a toquei, encontrei algo por trás disso, algo mais

profundo. Algo grandioso.” Ele olhou para Tacenda, fazendo o escudo desaparecer. “Eu

repito. Você tem alguma ideia do que é isso?”

Ela balançou a cabeça negativamente.

“Ele falou com você?” Ele perguntou.

“Claro que não”, disse ela. “A menos que… a menos que você conte as músicas. Eles parecem

falar através de mim.”

Ele franziu a testa, depois se levantou e voltou-se para a carruagem.

“Davriel?” Tacenda disse, levantando-se.

“Não me lembro de lhe dar permissão para usar meu primeiro nome, garota.”

“Não me lembro de lhe dar permissão para entrar em minha mente.”

Ele fez uma pausa, depois olhou para trás. Ao seu lado, a senhorita Highwater riu.

“Você sabe o que é?”, Perguntou Tacenda. “A coisa que você diz que sentiu dentro de mim?”
Ele subiu de volta na carruagem. “Venha. É hora de visitar seu pântano.”

CAPÍTULO 14: Davriel

Davriel usara o poder da Entidade apenas uma vez.

Faz cinco anos. Naquela época em sua vida, ele estava confortável com seus poderes e com sua

estranha capacidade de andar entre diferentes planos de existência. Ele passou anos viajando,

explorando, aprendendo o quão enorme era o multiverso. Ele sofreu com a escravidão e

encontrou vingança. Ele se tornou especialista em lidar com demônios. Ele tinha percebido o

quão especial ele era.

E ele decidiu, finalmente, reivindicar para si um trono. Tinha sido durante essa luta – um

confronto climático desesperado entre exércitos e ideologias – que ele finalmente cedeu e

recorreu à Entidade.

Enquanto cavalgavam em direção ao pântano, ele deixou a Entidade controlar seus sentidos.

Em vez de ver o interior da carruagem, viu-se de pé em um campo de cadáveres. Homens e

mulheres de vermelho brilhante estavam espalhados em montões, vistos aqui e ali com os

tabardes pretos e dourados de sua guarda. Estandartes batiam ao vento, um som desesperado.

O ar cheirava a fumaça, um cheiro que mal cobria o fedor de sangue.

Inimigos vieram para esmagar seu exército defensor. E então, em desespero, ele pegou o

poder. Mesmo ele não estava preparado para o resultado.

Eu posso te dar tudo, a Entidade prometeu. Mundos sobre mundos podem ser seus.

Estando em pé naquele campo ensanguentado que Davriel sentira pela primeira vez que

outros o caçavam. Eles chegaram no campo de batalha, atraídos para o plano pelo uso desse

poder. Como mariposas para uma chama.

Ele não sabia quem eles eram. Provavelmente, eles eram aliados do moribundo de cuja mente

Davriel originalmente roubara a Entidade. Mas ele sabia que quem quer que fossem, eles o

perseguiriam por toda a eternidade por causa desse poder. Eles o destruiriam.

E assim ele fugiu e deixou os cadáveres de ambos que se opuseram a ele e aqueles que

acreditaram nele. Seu sangue se misturando em um campo de batalha que não conheceria um

enterro.
A carruagem balançou, sacudindo Davriel de seu devaneio. A memória desapareceu,

deixando-o apenas com a sensação de ter usado a Entidade para alimentar seus feitiços. A

sensação súbita e inspiradora de força que veio de tocar algo muito maior do que ele.

Ele sentiu exatamente essa emoção minutos atrás, depois de alcançar a mente da garota. Sua

cabeça doía daquele encontro, mas as ramificações eram muito mais perturbadoras do que a

dor.

Ele olhou para Tacenda, que estava sentada no banco em frente a ele, com as pernas dobradas

debaixo dela. A senhorita Highwater fingia estar lendo um livro, mas suspeitava, pela

infrequência de folhar as suas páginas, que estava realmente vigiando Tacenda. Com um bom

motivo.

Há outro de você, ele pensou para a Entidade. E ele está dentro da garota.

Sim, a Entidade disse. Parte disso é, pelo menos. Não está totalmente vivo. Não pode falar com

ela, exceto nas formas mais cruéis.

Por que você não me disse que havia outro de você? Davriel exigiu. Todos esses anos e você nunca

disse nada!

Os outros não deveriam ser importantes, disse a Entidade. Eu sou o mais forte Mas depois de

sentir o que você fez – que aqueles que nos caçaram o destruiriam – percebi. Você precisava mais

do que apenas eu. Por mais forte que eu sou, tenho fraquezas.

Você me trouxe aqui, percebeu Davriel. Você plantou a ideia na minha cabeça – você queria que

eu viesse onde outro de você se escondia. Então, eu levaria esse poder também.

Sim, a Entidade respondeu. Essa Entidade, como eu, é o remanescente de um plano antigo.

Destruído, consumido, seu poder condensado. É a alma de uma terra inteira, você poderia dizer. A

maioria de seu poder se esconde no pântano. Você pode tomá-lo e se tornar poderoso o suficiente

para que ninguém ouse desafiar você.

Você ainda não respondeu à minha pergunta, Davriel pensou com frustração. Por que você não

me disse que havia dois de você?

Estou obrigado a protegê-lo, disse a Entidade. Você é meu mestre e meu hospedeiro. Mas foi…

difícil admitir que devo compartilhar você com outro.

Você ainda poderia ter me dito.

Talvez você tivesse fugido novamente. Eu não entendo você. Reivindicar-me, usar-me, é obviamente

o seu destino. E ainda assim você hesita. Eu posso sentir sua ambição. Eu sei que você entende a

glória que espera por você. Suas hesitações me confundem. Então esperei a crise certa chegar, fazer

você se mexer, agir.


Um pico de preocupação atingiu Davriel. Você está por trás disso? Ele demandou. Você matou o

povo de Verlasen?

Não, a Entidade disse. Mas esse é o momento. Quando você confrontar o pântano, você verá. Você

recorrerá a mim e juntos consumiremos e absorveremos o poder da segunda Entidade.

E a garota? Davriel perguntou.

Ela tem apenas um pouco do poder, a Entidade respondeu. Eu me preocupei, no começo, que ela

tivesse todo o poder – mas quando você olhou dentro dela a pouco, eu sabia a verdade. Ela tem

uma fração do poder. Eu não sei porque… ou porque as almas dessas pessoas estão agindo assim.

Talvez a Entidade do Pântano sinta que estamos vindo para pegá-lo. Mas uma vez que nos o

confrontamos e reivindicamos seu poder como o nosso, podemos lidar com a criança.

As implicações da conversa abalaram Davriel. Talvez, então, ele estivesse por trás de tudo isso.

Poderia o pântano ter atacado a aldeia para reunir seu poder? Estava se preparando para lutar

contra Davriel?

Ele poderia realmente confrontar e derrotar uma Entidade como aquela em sua mente? Um

poder desonesto? A fração dentro da garota foi suficiente para arremessá-lo com força. Como

ele ganharia uma luta contra um poder ainda maior?

Você precisará da minha ajuda, a Entidade disse. Você fará a escolha, finalmente. Você se tornará

como um deus.

Essas pessoas, Davriel pensou, já tem deuses o suficiente.

Uma escolha, a Entidade repetiu, sua voz sumiu quando a carruagem começou a desacelerar.

Tacenda se animou. Com o movimento súbito, a mão da senhorita Highwater moveu-se –

levemente – para a faca.

“Estamos aqui”, disse Tacenda, abrindo a porta antes que Crunchgnar tivesse tempo de parar

o veículo. A luz se derramava, iluminando a cabana de um velho guarda e um fosso escuro e

úmido.

Tacenda desceu, o vestido pegando a vegetação rasteira enquanto se encaminhava para o

pântano. Davriel saiu quando o veículo parou, depois pousou a mão no local onde seu corpo

se espatifara contra a madeira.

Ele não gostou da ideia de um conflito. Ele estava exausto e sua cabeça latejava. A Entidade

poderia curar doenças mais normais, mas nunca removeu dores de cabeça. Talvez Davriel

precisasse do lembrete de que, apesar de tudo, ele realmente era humano.

Os pés de Crunchgnar bateram no chão quando ele saltou de seu lugar no alto da carruagem.

O corpo dele curou a um ritmo incrível – as feridas que ele havia tomado na igreja haviam se
reduzido a meros arranhões, pouco visíveis quando o demônio ergueu sua lamparina e banhou

a área em luz laranja.

“Eu sabia que acabaríamos aqui”, Tacenda disse de mais perto do pântano. “Eu sabia de

alguma forma.” Ela se virou para ele nas sombras. “Você também, não é?”

Davriel aproximou-se do pântano, puxado como que por correntes invisíveis. Tacenda se

ajoelhou ao lado do poço negro, olhando para as águas – que não refletiam a luz como a água

deveria. Nenhuma luz penetrou. O pântano parecia, de algum modo, ficar fora do alcance da

iluminação.

Feitiços, Davriel precisava de feitiços. Mas o que ele tem? Alguns pequenos encantos? Alguma

piromancia que estava morrendo, mal forte o suficiente para acender uma vela neste

momento? Ele deveria ter se preparado por meses, sugando e guardando a magia mais

poderosa do multiverso para confrontar isso.

Você não precisa de nada disso, disse a Entidade. Você me tem. O poder que você tirou da

sacerdotisa pode conter entidades desonestas, como espíritos – e isso funcionará aqui. Com minha

força potencializando essa habilidade, podemos conter a Entidade do Pântano.

Fugir. Os instintos de Davriel gritaram para ele fugir. Para se arrastar de volta para sua

carruagem e correr os cavalos para sua mansão. Ou, melhor ainda, ele deveria deixar esse

plano amaldiçoado.

Deixe alguém lidar com o pântano. Que sejam heróis ou tiranos; ambos eram praticamente os

mesmos. Números em uma tabela, um com um sinal de adição antes dele e o outro um sinal de

subtração. E esta terra? O que foi para ele? Uma casa temporária. Ele poderia encontrar

qualquer número de domínios idênticos em todo o multiverso. Ele deveria deixar isso. Aqui e

agora.

E ainda.

E ainda assim… ele continuou em frente, passando por cima de um tronco caído, para se

juntar à garota na beira do pântano. Como um vazio negro, um buraco perfurando a realidade.

“Eu sabia que acabaríamos aqui”, repetiu Tacenda. “Era o nosso destino.”
“Eu não tenho destino”, disse Davriel, “A não ser o que eu faço para mim mesmo.” Ele

levantou as mãos, reunindo seu poder. “Mas sua aldeia é minha. Essas pessoas são minhas. É

hora do pântano entender quem governa as proximidades. Melhor você se afastar.”

Ela não recuou, apesar de Crunchgnar e senhorita Highwater forem sábios em ficar perto da

carruagem. Adapte-se, pensou Davriel. Ele respirou fundo e mergulhou seus sentidos mágicos

no pântano.

E achou o vazio.

Capítulo 15: Davriel

Uma Entidade viveu aqui uma vez. Davriel podia sentir seus restos, como um cheiro

persistente. A força poderosa havia distorcido a realidade em torno dela, deixando a

localização mudada para sempre.

Mas esse poder foi embora agora. Vazio como um túmulo.

Isso está errado, a Entidade disse. Foi aqui… deveria estar aqui… O que aconteceu?

Eu não sei, Davriel pensou, ajoelhando-se e mergulhando os dedos na água, sentindo os restos

do poder. Não havia nada aqui para ele lutar. Não havia nada para ele roubar.

Ele olhou para cima e expressou o talento da sacerdotisa: a capacidade de ver onde os

espíritos estavam e depois ancorá-los. Isso lhe causou dor, outra dor de cabeça – mas permitiu

que ele visse um resíduo verde brilhante por perto.

Os Whisperers estavam aqui, tem trilhas verdes, como a sacerdotisa dissera. E havia algo mais,

algo mais antigo… uma trilha que levava para a aldeia de Verlasen. Ele só podia distingui-lo

porque estava familiarizado com a Entidade dentro dele, e isso era semelhante.

O poder havia se movido. Há esquerda, há muito tempo. Talvez… duas décadas atrás? Talvez

um pouco menos. O poder não poderia dizer a ele com precisão.

“A coisa que viveu no pântano se foi”, disse ele. “E tem sido há anos.”

“O quê?” Tacenda disse ao lado dele.


“Parte dele está dentro de você”, disse Davriel. “A Entidade do Pântano residiu aqui por

séculos, infundindo tudo na área com seu odor. Ele penetrou em suas almas – como veneno

entrando em seus corpos através de águas subterrâneas – e amarrou seu povo a ele. Então,

quem tem esse poder está controlando os geists.”

Isso é ruim, a Entidade disse dentro dele. Eu não estava esperando enfrentar um anfitrião

treinado no poder, usando-o para ampliar seus talentos. Ainda podemos vencer, mas será perigoso.

“Eles me deixaram sozinha”, disse Tacenda. “Porque…”

“Porque os geists podem sentir o poder do pântano dentro de você”, disse Davriel. “Eles

provavelmente confundiram você com seu mestre. Eu teria pensado que você poderia

controlá-los, mas por algum motivo, sua música não faz isso.”

Davriel franziu a testa quando a senhorita Highwater se aproximou, farfalhando a vegetação

rasteira. “Então, onde isso nos deixa?” Ela perguntou.

“Preocupado”, disse Davriel. “Por que a Entidade deixaria o pântano?”

“Estava com medo”, Tacenda sussurrou enquanto se ajoelhava ao lado das águas, seus olhos

parecendo vítreos.

“Medo?” Davriel disse. “O que poderia causar algo tão poderoso para deixá-lo com medo?”

“Fé”, ela sussurrou.

“O que-”

“Cane!”, Gritou Crunchgnar.


Davriel se virou para a carruagem, onde Crunchgnar havia puxado sua espada. Ele apontou

com a arma na direção da estrada. “Nós temos um problema! Venha pra cá!”

Davriel correu para a carruagem, seguido por senhorita Highwater. A luz da lamparina de

Crunchgnar mal iluminava a noite, mas não precisava, pois os geists que se aproximavam ao

longo da estrada emitiam uma iluminação verde doentia. Havia centenas deles, suas

mandíbulas caídas, seus rostos distorcidos e desumanos. Eles fluíram através de árvores e

moitas, avançando com um passo firme.

Uma figura desarticulada mais ha frente levantou o dedo, apontando para Davriel, e sua boca

se estendeu ainda mais em um grito silencioso.

Dezenas de olhos mortos olharam pra ele. Então suas bocas se retorceram como, uma a uma,

eles o reconheceram.

Capítulo 16: Tacenda

Tacenda ajoelhou-se perto do pântano. Davriel tinha que estar errado. Ela acreditou no

pântano toda a sua vida. Não poderia estar apenas vazio, poderia?

Tacenda… A voz que sussurrou tinha o som do farfalhar das folhas. Ela olhou para as águas

vítreas e encontrou – refletida de volta para ela – o rosto de sua mãe. Como se submerso nas

profundezas de tinta.

Tacenda estendeu a mão, as pontas dos dedos tocando o topo da superfície do pântano. A água

estava inesperadamente quente, como sangue.

Uma mão a agarrou pelo ombro. A senhorita Highwater – seu aperto firme e chocante - puxou

Tacenda a seus pés, em seguida, puxou-a para a carruagem. O que-

Geists Eles fluíram pela floresta. Criaturas terríveis e retorcidas, apenas vagamente moldadas

como pessoas. E no vento, ela ouviu seus terríveis sussurros. Tacenda ficou boquiaberta,

congelando no lugar, mas a senhorita Highwater a enfiou na carruagem. Davriel já estava lá

dentro, batendo no telhado e gritando por Crunchgnar para colocá-los em movimento.

A carruagem cambaleava enquanto os cavalos disparavam. As árvores tornaram-se um borrão

de escuridão fora da janela. Tacenda sentiu cada batida e balanço na estrada, a carruagem

sacudindo era algo terrível a essa velocidade.


“Senhorita Highwater” gritou Davriel “qual camponês está encarregado de cuidar dessa

estrada? Se acontecer de nós sobrevivermos, eu gostaria que ele fosse açoitado.”

“Bem”, disse a senhorita Highwater. “Você se lembra daquela reunião que tivemos sobre

alocação de receita fiscal para manutenção da infraestrutura?”

“Não, mas parece chato.”

“Você-”

“Vamos nos comprometer”, disse Davriel, “e concordar que é culpa do Crunchgnar”.

Tacenda enfiou a cabeça pela outra janela e olhou de volta ao longo da estrada. O vento

soprava em seus cabelos, chicoteando-os.

Os Whisperers estavam em perseguição. Sua luz fantasma passou sobre troncos de árvores e

vegetação rasteira – obstruções que os espíritos ignoraram. Eles correram atrás da carruagem

a uma velocidade notável e, mesmo sobre o ruído da carruagem, ela ouviu as vozes deles.

Sussurros, sobrepondo um ao outro.

Essas são as pessoas da minha aldeia, ela pensou, tremendo. Tomados por alguma força e

transformados em geists.

A alma de sua irmã estava entre eles, então? Torcida além do reconhecimento? Teria Willia

vindo com os outros e reivindicado a vida de Verlasen enquanto Tacenda tocava com seus

dedos crus?

“Senhorita Verlasen!” Davriel disse.

Tacenda puxou a cabeça para dentro da carruagem enquanto Davriel pegava sua viola e a

entregava a ela. “Talvez uma música possa colocar alguma ordem nisso?” Ele perguntou.

“Não funciona nos Whisperers!” Ela disse, pegando sua viola em mãos flácidas. “Esse é o

problema que começou tudo isso!”


“Eles são construções do poder que você tem”, Davriel gritou de volta. “Existe uma Entidade

dentro de você que potencializa suas músicas. Essa força deve ser capaz de controlá-los de

alguma forma!”

“Você mesmo disse que eu tenho apenas uma parte do poder! Algo mais forte do que eu está

por trás disso!”

Ele cerrou os dentes, apoiando-se quando eles viraram em uma curva um pouco fechada.

“Mais cedo”, ele gritou para ela, “você me disse que sabia o que assustara a Entidade do

Pântano – disse a palavra '‘fé’'. Por quê?”

“Eu não sei”, ela disse. “Apenas pareceu ser isso!”

“Essa não é uma resposta aceitável!” Ele se segurou novamente quando a carruagem outra

curva. Desta vez foi uma curva ainda mais acentuada, e Tacenda foi esmagado na madeira,

grunhindo. Um momento depois, eles viraram na outra direção, e ela deslizou pelo banco e

bateu na senhorita Highwater.

“Esse idiota vai bater em uma árvore a essa velocidade”, disse a senhorita Highwater.

Uma luz verde brilhava pela janela. Tacenda avistou visões fantasmagóricas na mata,

acompanhando a carruagem. Eles eram rápidos. Crunchgnar não tinha muita escolha – ou ele

tomava as curvas do caminho da floresta a velocidades perigosas, ou deixava os geistas pegá-

los. De fato, ele teria que acelerar, como os Whisperers estavam…

Tacenda bateu na parede enquanto tomavam outra curva.

Davriel rosnou e segurou a maçaneta da porta. “Está emperrada!” Ele disse. “Nós vamos-”

Algo se quebrou embaixo da carruagem. O veículo deu uma trepidada.

Naquele exato momento, Davriel abriu a porta. Tacenda perdeu a noção dele quando sentiu

uma sensação de revirar o estômago, depois uma sacudida repentina quando o veículo tombou

de lado.
Tacenda caiu na carruagem, tentando freneticamente proteger sua viola. Senhorita Highwater

deslizou em cima dela com um grunhido. O veículo tombou contra a estrada, arrastou-se

brevemente de lado, a terra e a vegetação rastejando pela janela de Tacenda.

Finalmente, a carruagem parou. Tacenda gemeu, tentando se desvencilhar da senhorita

Highwater, que estava amaldiçoando baixinho. Lá fora, os cavalos relinchavam e bufavam de

ansiedade, e ela pensou ter ouvido Crunchgnar tentando acalmá-los.

Senhorita Highwater conseguiu ficar de pé, então ela agarrou a porta acima deles. Desde que a

carruagem veio tombar de lado, uma porta estava abaixo deles, a outra acima. Não havia sinal

de Davriel, embora Tacenda achasse que o vislumbrara saltando do veículo.

Tacenda gemeu e checou sua viola. Notavelmente, o instrumento estava em uma só peça. Ela

embalou sua viola enquanto subia no assento lateral, então – com esforço – puxou-se para o

que era agora o topo da carruagem. Ela estava coberta de sujeira, o cabelo uma bagunça

emaranhada, e senhorita Highwater parecia um pouco melhor.

Davriel aterrissou sem ferimentos aparentes. Ele estava no centro da estrada e – com um

floreio – puxou sua longa capa. Ele parecia notavelmente seguro quando se virou, em relação

aos Whisperers que se aproximavam. Seus olhos sangraram para um branco puro, os lábios

dele puxados como se de dor, e um lampejo de poder explodiu dele.

O lampejo brilhante quase a cegou durante a noite, e isso fez os Whisperers diminuírem sua

aproximação. Eles circularam a carruagem caída, rostos retorcidos murmurando de um modo

agitado. Eles pareciam desconfiar de Davriel de repente.

“O poder da sacerdotisa”, disse a senhorita Highwater ao lado de Tacenda, ambas ainda

agachadas em cima da carruagem caída. “Ele pode ancorar esses geists, forçá-los a serem

corpóreos.”

Por mais ridícula que fosse a emoção em um momento como aquele, Tacenda se viu zangada

com o senhor. Era claramente injusto que ele tivesse sido capaz de escapar sem ficar

enroscado ou coberto de sujeira. Como foi que esse homem conseguiu parecer tão composto o

tempo todo, apesar de ser tão inútil?

“Senhorita Highwater” disse Davriel, virando-se enquanto os Whisperers começavam a se

aproximar “solte os cavalos e tente controlá-los. Crunchgnar, sua espada provavelmente será

necessária.”
O grande demônio grunhiu e se aproximou de Davriel, olhando para os espíritos. A julgar

pelos arranhões recentes em seu braço, Crunchgnar caiu quando a carruagem quebrou.

Senhorita Highwater fez o que ordenaram, saltando da carruagem e fazendo assobios

calmantes em direção aos cavalos, que estavam emaranhados em seus freios retorcidos.

Tacenda permaneceu no mesmo lugar, em cima da carruagem, que parecia o local mais

seguro para ela.

No início, os Whisperers formaram um anel de cerca de seis metros entre eles e a carruagem –

e um testou ir para a frente. Este ato parecia dar permissão aos outros, quando eles se

aproximaram de Davriel em massa. Aqueles terríveis sussurros os acompanhavam, um som

enlouquecedor, tão próximo de ser compreensível.

Ela procurou naqueles rostos torcidos por sinais de algo que ela reconhecesse. Se estes fossem

realmente seus amigos e vizinhos, ela não deveria saber? Infelizmente, os rostos estavam tão

distorcidos que eram quase irreconhecíveis como humanos.

Crunchgnar começou a se movimentar, batendo a espada em espírito após espírito.

O feitiço de Davriel os tornara físicos, e a arma os acertava – fazendo com que seus corpos se

espalhassem e se dissolvessem em fumaça verde que se acumulava no chão, em vez de se

evaporar. Tacenda sentiu um pouco de preocupação – essas eram as almas das pessoas que ela

amava. Esses ataques os machucariam permanentemente? Esperançosamente, o fato de que a

fumaça se acumulou no chão e permaneceu indicou que eles não estavam sendo destruídos

completamente.

A senhorita Highwater freneticamente cortou os arreios emaranhados dos cavalos. Davriel

moveu a mão para o lado para invocar uma arma.

A viola desapareceu das mãos de Tacenda. Ela gritou surpresa quando se reformou na mão

estendida de Davriel, que ele então empurrou em direção a um espírito. Na metade da

manobra, ele pareceu perceber que não estava segurando uma espada. Ele congelou, em

seguida, lançou a Tacenda um olhar fulminante, como se fosse de alguma forma culpa dela

que ele tocou sua viola mais cedo.

Ele jogou a viola pro lado, fazendo-a gritar em cima da carruagem. Mas então, ela engasgou

quando Davriel foi cercado por figuras verdes brilhantes. Eles se agarraram a ele, mas em vez

de estragar sua pele, seus dedos afundaram em seu rosto. Ele ficou rígido, outros segurando

os braços e a capa.

Horrorizada, Tacenda observou quando uma luz verde começou a sangrar do rosto de Davriel.

Eles estão tentando tirar a alma do corpo dele!

Por um momento, ela estava de volta à aldeia, gritando na segunda escuridão e no terrível

sussurro.
Ouvindo como as pessoas que ela amava eram levadas uma de cada vez. Ouvindo como-

Não!

Tacenda se atirou do topo da carruagem e aterrissou na terra macia ao lado da estrada. Ela

não tinha arma além da voz, então começou a cantar a Canção de Proteção. Crunchgnar rugiu

de dor, mas os Whisperers – como sempre – ignoraram. Frustrada, ela parou de cantar e

pegou uma pedra afiada do chão. Usou-o como uma clava, batendo-a na parte de trás de uma

figura verde brilhante, tentando freneticamente abrir caminho até Davriel.

Ela teve pouco efeito. Os espíritos nem pareciam notar ela lá.

Não ele também! Ela pensou. Ele é a única esperança que tenho!

Ela bateu no espírito ha frente dela, sua forma derretendo para a fumaça verde escura, mas

outros pressionaram e os sussurros a cercaram. Ela se debateu, tentando lutar – e novamente

se sentiu impotente.

Os espíritos não a atacaram, mas levariam todos ao seu redor. Todo mundo que ela amava ou

até mesmo conhecia. Deixando-a sozinha na escuridão infinita e pura.

Uma rajada de luz tomou conta dela, uma parede azul de força, dissolvendo espíritos em um

anel. Ela tropeçava até parar, com a pedra apertada em seus dedos, para encontrar Davriel

agachado no centro. Ele se levantou, fumaça azul colorindo seus olhos. Quando outro espírito

entrou – a cabeça em ângulo torto, a boca aberta é o antebraço –, Davriel levantou a mão e

soltou uma rajada de luz azul.

“Como?” Tacenda disse. “Eu os vi tomando sua alma!”

“O feitiço que tirei da sua mente agiu como um escudo para a minha alma, uma vez que a

ativei”, ele disse. Embora sua voz fosse calma, seu rosto estava pálido e ele tremia. “Feito isso,

era simples usar o feitiço de dissipação que eu tinha tirado daqueles caçadores.” Ele enxugou

a testa com a mão trêmula. “Você estava preocupada comigo? Criança tola. Eu, claro, nunca

estive em perigo…”
Ele olhou para baixo, para a fumaça verde fluindo. Uma cabeça se esticou, com uma boca

torcida e muito larga. Mãos esticadas, se reformando.

“Fogo do inferno”, disse ele, enviando um anel de luz azul para dissipar os espíritos

novamente. Este lampejo parecia menor do que seu uso anterior, e os geists quase

imediatamente começaram a se formar a partir do solo.

“Inútil, caçadores idiotas”, Davriel amaldiçoou. “Eu vi demônios com magia mais eficiente.

Vai! Vá para os cavalos.”

Ele empurrou Tacenda na direção da carruagem, e ela se moveu ao lado do veículo, olhando

de volta para Davriel quando ele enviou uma rajada de luz para ajudar Crunchgnar. O

demônio alto não tinha alma a perder – e os espíritos não estavam puxando luz verde dele –

mas eles estavam arranhando-o, cortando os braços e tentando forçá-lo ao chão.

As explosões de Davriel incapacitaram muitos dos Whisperers, embora os retardatários

estivessem flutuando da floresta. Tacenda percebeu que alguns deles pararam na beira da

estrada, onde estavam olhando para ela. Cabeças muito longas se retorciam em ângulos

estranhos em seus ombros enquanto a olhavam, depois uma levantou a mão, apontando.

Ela sentiu um tremor por dentro. Esses recém-chegados conseguiram vê-la? O que mudou?

“Davriel!”, Gritou ela, apoiando-se ao longo da carruagem caída, perto das rodas. “Senhorita

Highwater!” Ela estendeu a pedra de uma maneira ameaçadora.

Os geists pararam no lugar. Eles… eles estavam com medo de sua rocha?

Não. Era o colar que ela enrolou no pulso mais cedo. Os geists olhavam para ele. Enquanto

três apenas ficaram parados ali, o último mudou, os olhos se voltaram para tamanhos

humanos mais normais. Sua forma trêmula se estabilizou e o rosto quase se tornou humano,

reconhecível.

Ele recuou, colocando as mãos no rosto.

Senhorita Highwater saltou entre Tacenda e os geists, batendo a adaga na lateral da cabeça de

um espírito, fazendo com que ela tropeçasse e começasse a se desintegrar. Ela puxou Tacenda

em direção a um cavalo nervoso com um freio simples, cortado dos arreios da carruagem.
“Hem!” senhorita Highwater disse. “Você pode montar?”

“Sim. Meu pai me ensinou, uma noite após…”

“Menos história. Mais dando o fora daqui. Dav! Estamos prontos!”

Ele emergiu do outro lado da carruagem caída, parecendo um tanto abatido quando atacou um

par de geists que estavam olhando para Tacenda. Aquele cuja face momentaneamente

começou a se formar não estava entre eles. Ele havia se arrastado para a floresta; ela podia ver

sua luz verde se movendo entre as árvores.

Crunchgnar – sangrando com cortes ao longo de seus braços – se jogou nas costas de um

cavalo e chutou a coitada para se mover. O animal mau conteve seu peso. Senhorita Highwater

segurava as rédeas de outro cavalo para Davriel enquanto ele se preparava para subir nas

costas do animal.

“Davriel” disse Tacenda, deixando o cavalo e agarrando o braço dele. “A algo estranho sobre

um desses espíritos!”

“Qual deles?” ele disse imediatamente, examinando a área. Seu feitiço e as espadas de

Crunchgnar deixaram a maioria dos Whisperers sem forma, mas o revestimento de fumaça

verde no chão tremeu, mãos e rostos se formaram novamente.

Tacenda apontou para a floresta. “Um grupo deles veio atrás de mim – os únicos que tentaram

me atacar. Mas quando viram o símbolo do Anjo Sem Nome, pararam. Um correu para a

floresta!”

Davriel franziu a testa. “Senhorita Highwater, mantenha os cavalos prontos. Eu voltarei em

breve.” Ele então entrou na floresta.

Tacenda hesitou, depois correu atrás dele.

“O quê?” senhorita Highwater gritou atrás deles. “Você está louco?”


Mover-se pela floresta à noite foi difícil. Sempre parecia haver algum galho invisível

arranhando seu vestido, ou alguma armadilha onde o chão estava a trinta centímetros de onde

ela esperava. A primeira escuridão logo os cercou, mas Davriel convocou uma luz na forma de

uma pequena chama de seu dedo – a última parte restante de sua piromancia.

Ela manteve-se com ele, perseguindo a luz verde brilhante, que havia parado de se mover. Eles

chegaram ao geist, que se ajoelhou ao lado de uma árvore, a cabeça inclinada. Começou a se

transformar novamente, a sua forma distorcida.

“O símbolo”, disse Davriel, acenando com a mão livre para Tacenda.

Ela retirou o colar de Willia de seu pulso e entregou a ele. Davriel contornou o geist e o

apresentou. A coisa olhou para cima, fixando-se no símbolo – a forma de asas abertas.

“É o poder da igreja?” Tacenda perguntou.

“Não”, disse Davriel. “É o poder da familiaridade. Lembra o que eu te disse? Espíritos como

esses podem às vezes ser recuperados por meio de um lembrete de algo que eles conheciam na

vida.”

O geist estendeu os dedos reverentes e tocou o símbolo do Anjo Sem Nome. O rosto mudou de

monstruoso para humano. Humano agonizado. Embora não pudesse derramar lágrimas, essa

coisa estava chorando.

Isto… Isto é o Rom.

O velho caçador que virou jardineiro era um geist agora? Mas como? Ele não era da aldeia.

“O que…” sussurrou o espírito de Rom. “O que você fez comigo, senhor?”

“O que você lembra?” Davriel disse, a voz suave, até gentilmente. “A última coisa que você

lembra?”

“Eu vi você na noite”, disse o espírito. “Eu estava cansado e voltei para o meu quarto para

dormir. Eu não pude. Como de costume. Lembrando de todos aqueles que eu matei…” O
espírito brilhante piscou, então olhou para as mãos dele. “Oh, Anjo. Eu pensei que ia

encontrar paz aqui. Mas não… nunca à paz…”

“Por que um padre se tornou um Whisperer?”, Disse Tacenda. “O que está acontecendo?”

“O priorado foi atacado desde que saímos”, disse Davriel. “As almas dos sacerdotes

transformaram-se em geists. Eu me preocupo que quem quer que esteja por trás disso tenha

percebido que os espíritos da sua aldeia não vão nos prejudicar, então eles começaram a

procurar as almas das pessoas intocadas pelo Pântano.” Ele soltou o símbolo.

“Aparentemente, o Anjo não ajudou em nada.”

“Eu a vi”, sussurrou Rom. “Quando eu cheguei aqui. É por isso que… porque eles me

pediram para vir… ela enlouqueceu, como os outros…” O espírito abaixou a cabeça, chorando

baixinho.

“Rom”, disse Davriel. “Algo aconteceu um pouco menos de vinte anos atrás, no pântano. A

Entidade dentro dele fugiu por algum motivo.”

“Vinte anos atrás…” Rom disse. “Eu nem estava aqui então. Eu estava matando demônios.”

“Davriel”, disse Tacenda. “Um pouco menos de vinte anos? Nós sabemos algo que aconteceu.

Quinze anos atrás.” Ela gesticulou para si mesma. “Eu nasci.”

Davriel franziu o cenho com as palavras, depois olhou de volta para a estrada – onde o

exército de espíritos havia se recuperado. Eles agora estavam vindo para a floresta. “Venha.”

Ele rapidamente começou a se afastar dos geists. Ela chegou ha ir em direção a Rom, mas o

espírito trêmulo começava a distorcer novamente, murmurando sobre seus assassinatos.

Sentindo um calafrio, Tacenda se mexeu depois de Davriel. Ela empurrou o mato, tropeçando,

praticamente em mãos e joelhos.


“Seu poder de defesa não é simplesmente o mais forte que tem sido em gerações”, disse

Davriel. A Entidade do Pântano mudou-se para você e sua irmã. O que sobrou disso, pelo

menos. Estava com medo, talvez sendo desfeito por alguma coisa.”

“A igreja”, disse Tacenda, grunhindo quando ela pulou sobre um tronco. “Você não vê? A

sacerdotisa chegou há duas décadas e os sacerdotes chegaram em força. As almas começaram

a ser convertidas e se entregaram ao Anjo em vez do Pântano. O Seelenstone!”

“O Seelenstone é uma bugiganga com um encanto de glamour de quinta categoria”, disse

Davriel. “Bom apenas para impressionar os camponeses. Ainda almas, mas por outro lado…”

Ele parou na floresta à frente dela. Ela olhou por cima do ombro, sentindo frio quando a luz

verde de geists se aproximava correndo em direção a eles.

“Você me disse” disse Tacenda “que o poder do pântano se infiltrou nas almas das pessoas

daqui. O que teria acontecido àquele poder quando as pessoas morreram?”

“Eu acho que normalmente, ele teria retornado ao pântano.”

“A menos que algum dispositivo – alguma bugiganga mágica – estivesse colecionando essas

almas em vez disso? Poderia começar a reunir a força do pântano, desviá-lo pra si? Então a

força da Entidade no Pântano diminuiu, até ficar desesperada o suficiente para tentar algo

novo? Puxar o resto de si e procurar um anfitrião?”

“Dois anfitriões”, disse Davriel. “Por acidente. Ela procurou um ventre, uma criança

nascendo, mas acabou dividida entre irmãs gêmeas. Quem está por trás disso deve ter

percebido a fonte do seu poder, e matou sua irmã para pegar a metade dela. Mas não podia

tocar em você. Por quê?”

Atrás, os espíritos corriam em torno do Rom ajoelhado, que segurava o símbolo do Anjo Sem

Nome em seus dedos. Tacenda pensou tê-lo visto soltar o colar e se levantar, seu rosto se

distorcendo completamente.
“Venha”, disse Davriel, puxando-a junto com ele. Eles emergiram ao ar livre, alcançando a

estrada. Ele tecia um curso sinuoso aqui, e eles cortavam a floresta para emergir em outra

parte dela.

“Devemos voltar para a mansão”, disse Davriel.

“O poder”, disse Tacenda. “O resto disso… A Entidade que vive dentro de mim. Está no

priorado. Dentro da pedra.”

“Estava no priorado. Alguém obviamente reivindicou ela.” Sua expressão escureceu ao luar.

“Eu juro, se de alguma forma eu fui usado como peão pela sacerdotisa depois de tudo…”

Tacenda olhou para a floresta. Aqueles espíritos estavam chegando mais e mais rápido. “Eles

estão acelerando”, disse ela. “Temos que tentar fugir deles!”

“Senhorita Verlasen”, disse ele, horrorizado. “Correr? Eu?”

Ela o pegou pelo braço, mas ele permaneceu firme. O que ele estava esperando? Quando ela

estava prestes a correr pela estrada, ouviu o bater de cascos.

Um momento depois, a senhorita Highwater rasgou a curva à frente, cavalgando em pelo em

um dos cavalos. Visível pela luz da lamparina que ela carregava em uma mão, ela parecia ter

cortado a saia na frente e atrás para cavalgar. Ela conduziu dois outros cavalos atrás dela em

uma corda e foi seguida por Crunchgnar em seu animal sitiado, que parecia um pônei em

comparação a seu tamanho.

A senhorita Highwater puxou o cavalo, forçando a fazer uma parada nervosa perto de Davriel.

“Excelente momento”, disse ele. “E com um toque próprio, também.”

“Eu estou cobrando por esta saia”, disse ela. “Você tem sorte de ter eu ido tentar interceptá-lo

do outro lado. Crunchgnar queria esperar como você pediu.”


Tacenda avidamente subiu em um dos cavalos, sem perceber a falta de uma sela. “O que fez

você decidir vir para nós em vez de esperar?”

“Se meus anos de serviço me ensinaram uma coisa”, disse a senhorita Highwater, “é para

nunca contar com Davriel para chegar a tempo para uma consulta sem minha ajuda.” Ela

virou o cavalo, lutando para manter sob controle a fera. Ela parecia ter escolhido o mais difícil

dos animais para si mesma; A imponente égua negra de Davriel permaneceu placidamente

enquanto ele a montava.

“Em direção à mansão?” disse a senhorita Highwater, apontando para a longa da estrada na

direção oposta aos espíritos, que estavam começando a inundar a floresta.

“Não”, disse Davriel. Ele respirou fundo. “De volta pelo caminho que viemos. Para o

priorado.”

“Mas-”

Ele fez o cavalo se mover, direto para a massa de geists, e Tacenda se juntou a ele. Senhorita

Highwater amaldiçoou em voz alta, mas depois seguiu, assim como Crunchgnar – cujo cavalo

estava fazendo um incrível esforço para não desmoronar sob seu peso.

Quando chegaram aos espíritos, Davriel soltou uma rajada de luz azul. Desta vez, apenas os

mais próximos dos espíritos se desintegraram. Felizmente, os outros hesitaram por um

momento, como se estivessem atordoados.

Tacenda e os outros entraram na multidão de espiritos. Ela tinha certeza de que sentiu o toque

de dedos fantasmagóricos roçar a pele de suas pernas. Era tão gelado que parecia atingir sua

alma, gelando uma parte dela que até então só conhecia o calor.

Então ela saiu, trovejando atrás de Davriel, agarrada ao cavalo. Ela não precisava fazer muita

coisa – ela soltou o animal e tentou se segurar com os joelhos.

Demorou mais de uma hora para eles chegarem ao pântano do priorado – mas eles pararam

para tirar o cochilo de Davriel durante o trajeto, e tinham andado o resto do caminho em um

ritmo vagaroso. Seu retorno levou uma fração do tempo.


O passeio fazia com que cada pobre cavalo se transformasse em espuma de tão cansados, mas

em nenhuma vez Tacenda precisou incitar sua montaria para andar. Os espíritos sussurrantes

os perseguiam o caminho todo, e parecia que, não importava o quanto os cavalos corriam, os

geists sempre ficavam um passo atras. Fluindo através da floresta, permanecendo fora de

alcance – a tal ponto que Tacenda se preocupava que estava sendo conduzida nessa direção.

Eles finalmente galoparam da floresta para os terrenos do priorado. O céu subitamente aberto

apresentava um campo de estrelas – a lua começara a se pôr. Isso atingiu uma súbita nota de

terror dentro de Tacenda. Ela olhou por cima do ombro, passando pelos fantasmas, em

direção ao céu do leste. O horizonte estava obscurecido pelas árvores como sempre. Mas ela

viu um brilho fraco, anunciando o amanhecer.

Eles ficaram investigando a noite toda. Logo, quando o sol nascesse, Tacenda ficaria cega de

novo.

Ela se virou, tentando controlar seu cavalo quando se aproximaram do priorado. Só então ela

percebeu que todas as janelas estavam escuras. As fogueiras e as lamparinas no perímetro

haviam se apagado, e nem uma única vela parecia acesa em nenhum lugar do edifício.

Senhorita Highwater fez seu cavalo parar e desceu. Davriel não se incomodou com nada disso.

Ele apenas desceu do cavalo e bateu o pé no chão, derrapando até parar. Como em nome de

Avacyn ele conseguiu isso sem tropeçar? Tacenda era muito menos habilidosa quando

acidentalmente fez seu cavalo erguer-se quando parou. Ela escorregou em uma tentativa

intencional de desmontar e atingiu um monte de terra no chão macio.

Crunchgnar chegou em último lugar, seu cavalo mal troteava. Ele desceu, resmungando

baixinho sobre seu ódio por cavalos – embora o pobre animal tivesse sofrido. Ele, como os

outros, decolou em um galope suado enquanto um monte brilhante de espíritos corria da

floresta.

Em vez de avançar, os Whisperers se espalharam, fazendo um anel ao redor da clareira. Nós

vamos ficar presos aqui, pensou Tacenda. Eu tenho nos levado a nossas mortes?

Davriel deixou os cavalos irem embora sem um segundo olhar. Talvez ele soubesse que depois

desse passeio tão difícil, eles estariam exaustos demais para mais uma cavalgada. Os pobres

animais teriam sorte se sobrevivessem à noite.

Assim como nós, pensou Tacenda.

Crunchgnar abriu o caminho até o priorado, desembainhando a espada, verificando

cuidadosamente um caminho, depois o outro. Davriel seguiu, depois a senhorita Highwater

com sua única lamparina.


O corredor estava escuro, vazio – mas dois cadáveres estavam lá dentro. Guardas da igreja,

caídos onde estavam, olhos abertos e bocas congeladas no meio do grito. Eles se pareciam com

as primeiras vítimas dos Whisperers que a aldeia havia encontrado.

Davriel acenou com a cabeça para a direita e Crunchgnar abriu o caminho – pisando com um

silêncio que parecia estar em desacordo com sua estatura. Senhorita Highwater tirou algumas

velas meio derretidas do peitoril da janela e as acendeu na lamparina. Tacenda pegou uma,

embora a luz trêmula que ela proporcionava parecesse frágil.

Eles passaram por mais alguns corpos – jovens servos, que eram padres em treinamento –

embora a maioria deles provavelmente estivesse na cama quando foram levados. O coração de

Tacenda trovejou em seus ouvidos e ela se sentiu ansiosa a andar tão devagar depois da pressa

de chegar. Um olhar pela janela mostrou os geists se aproximando do priorado, cercando-o

em um anel cada vez mais apertado.

Crunchgnar chegou a um ponto no corredor onde as runas perturbadoras de Davriel cobriam

as paredes, depois abriu a porta para o escritório da sacerdotisa. Eles encontraram o corpo da

mulher idosa caído em sua mesa – congelada como os outros.

Davriel amaldiçoou suavemente. “Poderia ter sido mais fácil se ela estivesse por trás disso”,

ele disse, “enquanto eu suguei seus poderes mais cedo.”

Tacenda estremeceu, olhando ao redor do corredor escuro. Os soldados daqui teriam sido

capazes de revidar se Davriel não tivesse roubado as habilidades da sacerdotisa?

“E agora?”, Perguntou a senhorita Highwater.

Como se em resposta a sua pergunta, uma leve vibração atingiu o edifício, zumbindo através

das pedras.

Algo sobre isso… havia um tom no som. Como se… fosse parte de uma música que Tacenda

sabia…

“Pra baixo,” Davriel disse, virando e liderando o caminho em direção às escadas para as

catacumbas. Eles alcançaram os degraus de pedra, um buraco escavando a terra. A forma,

desde o patamar, parecia reminiscente do modo como as bocas dos espíritos haviam se

retorciam ao gritar.
“Eu inspecionei o Seelenstone logo depois de chegar a esta terra”, disse Davriel, começando a

descer as escadas. “Eu reconheci as proteções que tinha, mas não senti nenhum poder como

você descreveu, senhorita Verlasen. Ainda assim, acredito que você deve estar certa em alguns

pontos. A Entidade de pântano procurou um hospedeiro em você, depois de ter sido ameaçado

ao longo do tempo pela expansão da igreja aqui.”

“Mas como foi dividido pelo nascimento de gêmeas, a Entidade não estava completa e,

portanto, não pode se comunicar com você. As Entidades podem afetar os sentidos, no entanto

– o que poderia ser a explicação para por que às vezes você fica cega. Talvez esteja tentando, e

falhando, sobrepor sua visão como uma maneira de se comunicar. Eu não pode explicar

porque a perda seria tão regular.”

“Como você sabe tanto sobre isso?” Tacenda perguntou.

“Digamos que eu mesmo tenha encontrado uma circunstância semelhante”, disse ele. “Eu…”

Ele parou de falar, parando na escada, inclinando a cabeça. Tacenda olhou para cima,

passando pelos dois demônios.

Sussurros.

Ela podia ouvi-los ecoando acima, suave, mas assombrosa. Os geists entraram no priorado.

Davriel continuou a descer, e Tacenda o perseguiu, segurando a vela e protegendo-a com a

mão do vento da rápida descida.

“Nosso foco deve estar em seus talentos”, disse Davriel. “Embora envolta em superstição, é

provável que haja uma semente de verdade nas histórias que seu povo conta sobre esse Anjo

Sem Nome. Eu só posso supor que eu deixei passar algo sobre essa pedra.”

Eles alcançaram as catacumbas e Davriel abriu a porta sem precisar saber onde empurrar. Ele

virou à direita, seguindo o caminho sinuoso em direção a sala com a Seelenstone. Logo,

Tacenda avistou suas paredes e teto brilhantes, iluminando o caminho.

Eles entraram na sala onde a pedra estava, sem ser perturbada, em seu pedestal. Alguém se

sentou no fundo da sala, olhando para a pedra com suas cores rodopiantes. Uma jovem

mulher com cabelo dourado e pele pálida.


Willia.

Capítulo 17: Uníssono

Willia.

Willia estava viva.

Tacenda tentou entrar correndo na sala para abraçar sua irmã, mas Davriel a agarrou pelo

ombro, seu aperto forte e firme. E… algo estava errado com Willia. O jeito que ela brilhava, o

poder que Tacenda sentia emanando dela. Ela não era uma geist

Ela… ela era quem os controlava.

“Willia?” Tacenda implorou. “O que é que você fez?”

Willia se levantou, vestindo seu vestido branco de enterro. “Eles me colocaram aqui embaixo,

você sabe. Guardar a pedra é um dos deveres que eles dão aos novos acólitos. Eu os fiz dar-me

esse dever durante os dias, porque eu não queria estar neste lugar da morte quando a pura

escuridão me leva-se. Você conhece essa escuridão, não é Tacenda?”

Willia olhou para a luz da pedra. “Ele falou comigo”, ela sussurrou. “Disse-me do poder que

eu mantive, que nós mantivemos. Poder para parar a escuridão. Eu só tinha que fazer tudo.

Encontre as outras peças espalhadas pelas pessoas das proximidades. Cada um com uma

pequena lasca…”

Aquela voz doce era tão familiar. E ainda assim, a margem disso – a crueza – estava tão

terrivelmente errada.

“Willia”, sussurrou Tacenda. “O que você fez com nossos pais?”


Willia finalmente olhou para ela. E ela podia ver. Era noite, mas ela podia ver? Pela primeira

vez em sua vida, Tacenda olhou nos olhos da irmã e Willia olhou para trás.

“Eu não pretendia levá-los, Tacenda”, disse Willia. “Eles estavam levando oferendas para o

Pântano – o que eu pensava ser um falso deus. Eu gritei e argumentei, mas não pretendia

matá-los. Mas o poder que eu tirei da pedra, combinou com o meu poder, e clamou por mais.

No final, eu soltei esse poder neles e… e aconteceu.”

“Você os matou.”

“Não mortos. Reclamados.” Willia deu um passo à frente, as cores inconstantes do

Seelenstone refletiam em seus olhos. “No começo, achei que a voz no Seelenstone era ela, você

sabe. O anjo? Eu pensei que ela era o único sussurrando para mim. Eu não sabia que ela já

estava morta.”

Crunchgnar deslizou com cuidado para o quarto. Davriel segurou Tacenda, bloqueando o

caminho para fora da pequena câmara, senhorita Highwater parada logo atrás dele. A

preocupação de Tacenda aumentou quando notou Crunchgnar removendo a espada de sua

bainha.

“Não!” Tacenda disse. “Pare. Willia, Lord Cane pode restaurar as almas aos seus corpos se

você os libertar. Então vai ficar tudo bem. Nós podemos consertar isso.”

“Você acha que eu quero.” Willia olhou para Crunchgnar, então tirou a Seelenstone de seu

pedestal, enviando-a para o chão, onde ela se quebrou. “Eu não tenho mais que me esconder

da escuridão, Tacenda. Eu não tenho que me esconder atrás de sua música.” Ela levantou as

mãos, e um brilho profundo e poderoso começou a surgir de dentro dela. “É hora de a

escuridão me temer.”

§
Davriel ouvira o suficiente. Ele atacou, perfurando a mente da jovem, procurando por seu

talento. Talvez ela fosse nova o suficiente para seus poderes que ele pudesse alcançar lá dentro,

arrancar a Entidade que ela segurava, e—

Davriel bateu em algo. Uma força impossível, ainda mais vasta do que ele encontrou em

Tacenda.

Willia rejeitou Davriel com um golpe mental quase indiferente. Ele foi forçado a voltar para sua

própria mente com um grunhido, uma terrível dor de cabeça o apunhalando bem atrás de seus

olhos. E então, Willia soltou uma coluna de energia branco esverdeada, tão brilhante que

pintou as paredes da sala iridescente.

NÃO!

Davriel convocou os remanescentes do poder que ele tirara de Tacenda – o feitiço de proteção.

A dor dividiu sua cabeça enquanto ele a usava, elevando o poder como um escudo. A barreira

verde brilhante que ele criou bloqueou o incrível raio de luz de Willia, formando uma bolha de

segurança na qual Davriel abrigou a surpresa senhorita Highwater.

Crunchgnar, no entanto, foi vaporizado em um piscar de olhos. A espada do demônio – que ele

estava levantando para atacar Willia – caiu no chão. Tacenda gritou e caiu de joelhos, mas esse

poder era como uma versão crua e condensada de sua Canção de Proteção. Não prejudicaria

um humano como ela.

Pedaços de cinzas do cadáver de Crunchgnar se espalharam em torno de Davriel, que grunhiu,

segurando firme sua proteção.

A Luz bateu contra seu escudo como uma força física, pulverização em torno dele como um rio,

enchendo o corredor atrás dele. Apenas o pequeno espaço atrás dele estava a salvo.

“Fogo do Inferno!” disse a senhorita Highwater, ficando mais perto dele quando seu dedo

tocou o fluxo de luz e se queimou. “Dav?”

“Eu acredito”, disse ele com esforço, “que eu posso ter julgado mal a força do nosso

oponente.” Ele tropeçou sob a força da luz. Seu escudo era feito do mesmo poder, mas estava

fraco, muito mais fraco.

Aqui estamos finalmente, a Entidade disse em sua mente, parecendo satisfeita. A luta como te

prometi. Aqui, nós nos provamos melhores e reivindicamos uma segunda força como a nossa.

Davriel grunhiu, suor escorrendo pelos lados de seu rosto enquanto ele espremia cada gota de

força de sua proteção. Não ia ser o suficiente; ele podia ver isso facilmente.

Use-me, a Entidade disse. Me use agora. Como você fez uma vez antes.
Não! Davriel pensou.

Por quê? Por que você resiste? Este é o seu momento! Aproveite!

Davriel se virou, com esforço, para considerar a senhorita Highwater. Ela se aconchegou perto

dele enquanto seu escudo mágico se desgastava. Os dois ficaram na porta da sala, o corredor

atrás deles completamente inundado de luz. Não havia nenhum lugar para ela correr. Se ele

deixasse o escudo cair, ela seria vaporizada.

“Eu ainda tenho o feitiço de dissolvição”, ele sussurrou para ela. “Um pouco disso. Deve

funcionar em você, como você é uma criatura mágica.”

“Eu…” Ela olhou para o escudo verde de força, que estava desmoronando nas bordas.

“Você deve se reformar, como os geists,”, disse Davriel. “A dissolvição teve um efeito

temporário neles.” Ele olhou em seus profundos olhos vermelhos, o suor escorrendo pelo

rosto. “É tudo que tenho.”

Ela assentiu. “Faça.”

Ele preparou o feitiço, o poder se reunindo, o quarto tingindo de azul enquanto seus olhos

inundavam com ele.

A senhorita Highwater pegou sua camisa logo abaixo do colarinho e depois aproximou o rosto

dele. “Você não deve morrer, Davriel Cane”, ela sussurrou. “Eu não terminei com você ainda.”

Ele sorriu, depois grunhiu novamente sob a força. “Lembre-se. Eu queria. Ficar. Com vocês por

toda a noite.”

Ele usou o feitiço de dissolvição. Um pedaço dela rachou quando sua pele cinzenta se dissolveu

em fumaça negra, seu livro caindo no chão enquanto ela desaparecia.

Davriel gritou quando sua proteção se despedaçou, então a luz tomou conta dele. Cegou-o,

puxou fracamente sua alma como uma criança puxando sua capa. Mas isso não o machucou.

Ele era, ainda assim, humano.


A luz finalmente desapareceu, mas o deixou cego. Davriel ficou de pé, girando, piscando e

tentando recuperar sua visão. Vendo apenas o branco, ele ativou seu feitiço de invocação de

armas, para, pelo menos, ter uma espada.

O objeto que se formou em sua mão, no entanto, era de uma forma de madeira desajeitada.

Aquela maldita viola novamente.

Fogo do inferno. Por que a magia a considerou uma arma?

Willia não o atacou em seu momento de fraqueza, embora ele a ouvisse sussurrando. Ordens?

Sons distantes soaram nos salões de catacumbas, ecoando sua voz.

Ela estava trazendo esses geists para ele. Como provado com os sacerdotes, eles podiam

reivindicar almas de forasteiros tão facilmente como quando aconteceu com o povo das

proximidades. Com a Entidade alimentando tais habilidades, quanto tempo levaria para que

todo esse plano estivesse ocupado com nada mais do que terríveis espíritos verdes sussurrando

uns para os outros?

Você nunca vai derrotar outra Entidade por conta própria, a Entidade disse dentro de sua mente.

Ela vai te destruir. A menos que você a destrua primeiro e tome o poder para si mesmo.

Uma mão agarrou a de Davriel.

“Por aqui”, disse Tacenda. No momento, ele quase a esqueceu. A jovem mulher puxou-o para

longe do quarto e – ainda cego pela luz – ele se virou e fugiu com ela.

Capítulo 18: Uníssono

A manhã chegou quando Tacenda conduziu Davriel para longe do quarto. E com o sol se

aproximando, sua visão – já confusa da luz que Willia havia lançado – escapou. A segunda

escuridão desceu e ela se viu descendo o corredor pelo toque, puxando Davriel atrás dela.

Os passos de Willia os seguiram. “Eu deveria ter sido forte o suficiente para matar você eu

mesma”, disse a menina, sua voz ecoando contra as paredes da catacumba. “Eu não tive

problemas para esfaquear o padre, então meus espíritos podiam entrar na igreja. Depois, fiquei

atrás de você na aldeia, com a faca na mão… e ouvi você começar a cantar. Eu sempre amei sua

música, Tacenda.”
Tacenda se recompôs, sentindo com uma mão as criptas da parede, levando Davriel com a

outra.

Pedra lisa e polida, fria sob os dedos. Túmulo após túmulo.

“Willia”, ela disse, “isso é insano. Você não é assim!”

“Como eu sou, Tacenda? Eu sou a garota confiante que todo mundo via? Ou eu sou a aterrorizada

que você via? Aquela que sabia que toda noite, a escuridão viria para ela de novo…”

“Não, Willia”, disse Tacenda, chegando a um cruzamento nas catacumbas. As escadas eram para a

esquerda… mas sussurros vinham daquela direção. Ela se virou na escuridão em direção à voz de

Willia. “Por favor.”

“Isso é o que sempre fomos feitos para ser, Tacenda”, disse Willia. “Nós duas somos uma alma. E

o nosso poder… sempre foi apenas uma parte do que poderia ter sido. Eu precisava das almas dos

outros para juntar as peças da Entidade. Eu não preciso me sentir mal por fazer isso. Isso era

inevitável. O destino da Entidade era se tornar inteiro novamente.”

“E os padres?” Tacenda exigiu. “Qual é a sua desculpa para matá-los?”

Silêncio, além de Davriel se aproximando dela, depois xingando baixinho. Ele parecia recuperar

a visão – pelo menos, ele começou a andar em direção às escadas, mas depois parou, como se

tivesse visto os geists naquela direção.

“Eu não vou ser fraca de novo, Tacenda”, disse Willia. “Cada pedacinho que eu reivindico me dá

mais luz. No momento, estou cega por apenas algumas horas por volta da meia-noite. Se eu

colocar a Entidade de volta, ficarei inteira. Eu nunca mais vou ter que ficar presa nessa escuridão

terrível e insuportável.”

Aquela frieza parecia tão estranha de se ouvir na voz de sua irmã.


“Venha”, disse Davriel, puxando-a pela mão longe dos Whisperers que se aproximavam. Tacenda

resistiu. Certamente ela poderia fazer Willia ver. Certamente…

“Eu conheço esse tom de voz”, disse Davriel. “Ela ouviu as promessas da Entidade por tempo

suficiente para começar a acreditar nelas. Venha.”

Tacenda cedeu, deixando que ele a puxasse por um corredor lateral das catacumbas. Foi sem

esperança. Os Whisperers inundariam a área. Logo ela e Davriel se juntariam àquela multidão

terrível e sussurrante.

Ainda assim, ela seguiu na escuridão. E quando ela fez, ela pensou que… ouviu algo sobre os

sussurros. Uma música que parecia ao mesmo tempo distante e próxima. Algo que ela sabia, de

alguma forma, que ela só podia ouvir enquanto na segunda escuridão.

Distante, por causa de sua suavidade efêmera e fora de alcance. Perto, porque perfurou todos os

outros sons e fez algo se agitar dentro dela.

Qual foi essa música?

Davriel correu pelo corredor, puxando Tacenda com ele. Sua visão se recuperou, mas a maldição

de Tacenda obviamente a tomou.

Homem tolo, ele pensou consigo mesmo. Você deveria ter visto esse resultado. Ele reconheceu que o

poder de Tacenda deveria tê-la deixado influenciar os geists – mas ele não havia colocado junto

que a gêmea supostamente morta estaria em uma posição ainda melhor para fazê-lo. Talvez tenha

começado tão inocentemente quanto ela insistiu, matando seus pais por acidente. Então ela

precisava de um bode expiatório para seus assassinatos. E quem melhor do que o homem da

mansão?

Ela poderia ter parado naquilo, e provavelmente ninguém jamais saberia. Mas a Entidade

sussurrou que ela precisava de mais. E assim, o ataque aos mercadores – testemunhado por um

padre. Ela tinha arranjado para ele estar lá, para colaborar com sua história de que Davriel era o

culpado? De qualquer forma, ele deveria ter visto. Alguém havia costurado uma fantasia para

imitá-lo, e ele não se perguntou se poderia ser a filha dos alfaiates da aldeia?
“Davriel” Tacenda disse quando ele a puxou pelo outro corredor. “Procure murais nas paredes.

Rom disse que alguns deles levam a saídas escondidas das catacumbas. Havia um na sala com o

Seelenstone.”

Ele parou quando a luz verde acendeu a outra extremidade do corredor. Fogo do inferno. Eles

vem dessa direção também? Ele se virou, puxando Tacenda por um corredor lateral.

Use-me, a Entidade disse. Está ficando sem tempo.

Ele ignorou a Entidade, em vez disso, pesquisou seus recursos. Ele não tinha muito mais. A

piromancia sumiu, assim como o feitiço de dissolvição. O feitiço de convocação de armas

permaneceu, mas seria inútil, assim como o feitiço para fazer tinta aparecer em uma página.

Caso contrário, o remanescente do poder da sacerdotisa era a única coisa que ele havia deixado.

Bem, isso e seu último recurso – sua habilidade de deixar o plano e caminhar pelas Eternidades

Cegas para outro reino. Ele não podia levar nada com ele, no entanto, e assim abandonaria tudo o

que ele construiu aqui.

Você correria como um covarde? A Entidade perguntou. Antes de me usar Por quê?

Ele arriscou um olhar por cima do ombro. Geists em tom verde doentio fluíram dentro e fora das

paredes, movendo-se em direção a eles. A jovem – a irmã de Tacenda – estava no fundo de suas

fileiras, apenas uma sombra.

Certo. Sua única chance era encontrar uma saída desse labirinto e fugir para a mansão e reunir

reforços. Para esse fim, ele enfiou a mão para a frente – preparou-se para a dor terrível – e usou o

talento da sacerdotisa para forçar os geists a permanecerem corpóreos.

Um lampejo de luz o deixou, viajando por todas as catacumbas. Os Whisperers estremeceram

quando o poder os forçou a sair das paredes e entrar nos corredores, onde, de repente, físicos,

colidiram um com o outro e entupiram o caminho a frente. Suas bocas se contorciam de formas

terríveis, embora não gritassem nem gemessem. Apenas proferindo seus sussurros.

Alguns dos geists na frente escaparam do amontoado, por isso Davriel agarrou a mão de Tacenda

novamente, conduzindo-a por outro corredor, alinhado com marcadores nas paredes. O caminho

estava iluminado por velas, que estavam queimando baixo agora que todos do priorado haviam

caído.

Ele puxou Tacenda para dentro de um canto e sibilou para que ela ficasse quieta – então ele usou

o feitiço de tinta, pintando uma parede com escuridão para se parecer com sombras, estendendo-
se mais para o corredor à direita. Ele segurou a respiração, esperando enquanto os geists se

aproximavam. Felizmente, eles morderam a isca e correram para longe, correndo em direção às

sombras.

Ele puxou Tacenda com a mão para fora do canto e se dirigiu para a direita, esperando que esse

caminho os leva-se para a sala com a Seelenstone. Sussurros terríveis ecoaram pelos túneis,

parecendo vir de todas as direções.

“Willia deve saber sobre as saídas secretas”, sussurrou Tacenda. “Deve ser assim que ela entrou e

saiu depois que trouxeram seu corpo para cá. Seja cuidadoso.”

“Ela posicionou geists para nos impedir de ir por este caminho”, Davriel sussurrou, espiando em

torno de um canto. “Alguma idéia de como contorná-los?”

“Não”, sussurrou Tacenda. Ela olhou fixamente à frente. “Ela realmente poderia ter feito essas

coisas terríveis? Ela… ela fingiu sua morte, não foi? Ela fingiu ter sido tomada pelos Whisperers,

talvez para a suspeita não cair sobre ela. Ela sabia que eles a levariam para o priorado, em vez de

devolvê-la ao pântano. Mas como ela nos enganou?”

“Overdose intencional de dustwillow, eu suspeito”, disse Davriel. “As folhas são um sedativo;

Coma-os, e isso vai induzir um estado catatônico em seu corpo. Aconteceu algumas vezes aos

fazendeiros, foi-me dito.”

Davriel se virou e puxou-a para outro túnel, mas ela puxou de volta. “Você ouve essa música?”

Ela perguntou.

“Não”, disse Davriel. “Eu só ouço os geists.”

Ele puxou-a à força atrás dele, em outro canto – depois parou. Luz verde iluminava os geists que

fluem em direção a ele daquela direção.

Certo. Ele correu de volta pelo caminho que eles vieram, virando outro canto. Então parou

também. Uma figura alta estava no fim daquele túnel, bloqueando o caminho para as escadas,

iluminada pelos lados por espíritos sussurrantes verdes.


Ele estava tentado evitá-la. Ela era apenas uma garota de quinze anos. Mas ele reconheceu a luz

refletida nos olhos dela. Poder. Poder imaginável. Mesmo que ele pudesse alcançá-la através dos

geists, a Entidade dentro dela a protegeria de simples feridas físicas.

“O que você faria?”, Perguntou a menina. “Para saber que você nunca mais vai ter medo? Saber

que você nunca mais seria caçado? Para banir para sempre as coisas que arranharam à sua

porta à noite? Para, - por uma vez, - governar em vez de ser governado?”

“Eu sei como você se sente”, disse Davriel de volta, cheirando sangue e fumaça. “Mas sempre

há um preço. Às vezes é muito alto para pagar. Isso é economia simples.”

Está na hora! A Entidade disse. Por que você hesita?

Willia gesticulou e os geists correram pelo corredor, com cuidado – desta vez – para não

tropeçarem um ao outro. Davriel moveu-se para correr para a esquerda, mas Tacenda puxou a

mão para um corredor diferente.

“Não”, disse ela. “Deste jeito. Para a música.”

“Isso é um beco sem saída”, disse ele. “Visitamos a câmara mais cedo hoje à noite.”

“Tinha um mural”, disse ela. “Talvez uma saída?”

Ela se soltou e correu para lá. Enquanto os geists entravam pelo corredor, Davriel xingou e

relutantemente a seguiu.

§
Pedra áspera sobre os dedos. Ar frio e empoeirado. A segunda escuridão, engolindo-a. E uma

música. Uma música doce, linda e triste.

Tacenda sentiu o túnel terminar em uma sala aberta, circular. Ela se lembrava daquele lugar – era

onde eles mantinham os corpos à espera do enterro. Tremendo, ela se sentiu ao redor da sala até

chegar à laje vazia onde a irmã estivera uma vez.

Naquele momento, Tacenda finalmente aceitou o que havia acontecido. Sua irmã era uma

assassina.

Pobre Willia. Aterrorizada pela segunda escuridão. Ela se escondeu até que, finalmente, a

reivindicou como sendo sua. Apenas não da maneira que qualquer um deles temia.

“Você pode abrir o túnel secreto?” Davriel disse, suas botas raspando a pedra quando ele entrou

na câmara.

Aquela melodia….. Tão assombrosa …

A música estava mais perto agora. Tacenda sentiu ao redor da sala até que tocou uma parte

esculpida da parede dos fundos. Um relevo representando o Anjo Sem Nome.

“O homem da mansão.” A voz de Willia ecoou contra a pedra. Tacenda pensou que estava se

aproximando pelo túnel que levava a essa sala. Os sussurros caminhavam com ela, suas vozes se

sobrepondo. “Sua reputação provou ser útil. Todos estavam tão ansiosos para acreditar que você

era um assassino.”

“Vamos fazer um acordo, criança”, disse Davriel. “Eu não vou te insultar com uma oferta de

riquezas, mas eu valho mais do que simples lucro. Me deixe viver. Eu posso te dizer muitas coisas

sobre essa voz dentro de sua cabeça.”

“Ele dizia que você tentaria fazer um acordo”, Willia sussurrou. “Mas também me disse que você

tem algo que eu preciso. Algo que me fará tão forte que ninguém nunca mais será capaz de me

desafiar.”

Tacenda sentiu a escultura, seguindo os contornos da pedra. Ela sentiu a mão do Anjo, que

continha uma versão esculpida do Seelenstone. Lá, esse era o botão.


“Você mataria sua própria irmã?” Davriel perguntou. “Verdadeiramente? Você é tão sem

coração?”

Willia ficou em silêncio por um momento. Tacenda podia ouvir sua respiração, que tinha uma

ponta irregular. Ela estava perto. Talvez em pé no túnel fora da câmara.

“Tacenda”, disse Willia, com a voz gelada e fria, “sempre teve a voz de um anjo. E você sabe o que

os anjos fizeram para nós, homem da mansão? A mesma coisa que todo senhor, diabo e demônio

desta terra fizeram. Eles nos sangraram. Então nós os sangramos de volta.”

Tacenda apertou a escultura de maneira certa, como ela viu Rom fazer. A parede clicou, então seu

peso fez com que ela se abaixasse, pedra se esfregando na pedra. Ela empurrou para dentro da

câmara escondida, a fonte da música.

Atrás dela, Davriel engasgou.

“O quê?” Ela perguntou. “O que você vê?”

“É… ela.”

Capítulo 19: Uníssono

Era um anjo.

Com as asas pregadas na parede.

Uma bela – ainda de outro mundo – figura pálida, pele selênica e de cabelos em tons leves.

Vestida com um manto vermelho e branco, que estava caída no chão da câmara sem graça.

Colorido de encontro ao cinza, como uma rosa em um túmulo. A cabeça baixa, suas asas estavam

estendidas atrás dela como estandartes de batalha abertas – mas elas haviam sido perfuradas por
grossas estacas de ferro que haviam sido pregadas diretamente em rachaduras na parede de

pedra.

Transfixado, Davriel esqueceu os geists. A dor de suas dores de cabeça combinadas. Raiva,

frustração, até mesmo uma pitada de medo – cada um deles sangrou ante dessa incrível visão.

O Anjo Sem Nome. Ela era real. Ela estava aqui. Ela estava fascinante.

E ela estava morta.

A figura não se mexeu quando Tacenda entrou na sala, depois se ajoelhou. Ela estendeu a

mão, acariciando o rosto de boneca do Anjo, em seguida, segurou-o e levantou-o em suas mãos

– sentindo a pele. Desde que a visão da garota desapareceu, ela não pareceu notar que a

garganta do Anjo tinha sido cortada. Esse manto deve ter sido branco puro – a cor escarlate

era sangue.

Que desperdício incrível. Que injustiça que algo tão bonito tenha sido arruinado aqui, nesta

prisão grosseira. Este era um lugar onde homens morreram. Algo tão celestial não deveria ter

sido forçado a sofrer um destino tão mundano.

Tolo, pensou Davriel, zangado consigo mesmo. Sua mortalidade te trai. Essa coisa não era pura,

grandiosa ou boa – foi criada simplesmente para evocar essas emoções em você.

De qualquer forma, isso não era uma passagem secreta. A porta de pedra escondida que

Tacenda abrira deu apenas para aquela pequena caixa de uma prisão.

Ele se virou para Willia. A jovem estava na porta da pequena câmara funerária, com espíritos

verdes que se aglomeravam à sua volta para iluminar o corredor. Velas cintilaram em suas

alcovas, lançando um brilho inconsistente sobre os corpos dos recém-mortos que esperavam o

enterro.

Willia olhou para ele, em direção ao Anjo. “Ela não se decompõe. Ninguém sabe porque. O

sangue ficou molhado todos esses meses. Eles fizeram o Rom fazer isso, você sabe. Eles a

trancaram, quando a loucura a atingiu. E Rom, ele veio ao priorado para escapar do sangue.

Mas assim que ele chegou aqui, eles o fizeram matar nosso deus.”

Ela olhou para cima, assombrada, encontrando os olhos de Davriel. “Voltei para cá, depois

daquela primeira vez que usei o poder. Depois que eu peguei meus pais. Eu não disse o que

tinha feito, mas implorei para os padres me prometerem, prometa-me que o anjo era real. Eles

me deram falsas garantias, mas Rom….. Eu não acho que ele aguentaria. Ele me trouxe aqui e

me mostrou. E foi quando eu soube Ninguém pode me proteger. Eu tenho que fazer isso

sozinha.”
“A Entidade vai te consumir”, Davriel disse. “Ele vai alimentar seus poderes até que eles

destruam tudo o que você já amou.”

“Eu não me importo”, disse ela.

“Eu sei que você não se importa agora. Mas você irá.”

Willia apontou, e os geists – que pararam do lado de fora perto dela – inundaram a sala em

direção a Davriel.

Fogo do inferno. O que lhe restou – o feitiço para invocar uma arma? Sem utilidade. Poder de

proteção da Tacenda? Apenas uma parte dela permaneceu. O feitiço de tinta? Ele poderia

escrever seu último testamento nas paredes enquanto seu espírito era arrancado de seu corpo.

Ele tinha apenas duas cartas para jogar. A Entidade.

E o poder de sair.

Davriel recuou, logo esbarrando em Tacenda, que ainda estava ajoelhada diante do anjo

morto. Ela estava chorando baixinho, uma canção triste deixando seus lábios.

Uma parte de Davriel sabia que ele tinha que correr. Deixar este plano, passar pelas

Eternidades Cegas, fujir. No fundo, ele sabia que essa última habilidade que ele tinha era a

fonte de sua confiança. Se as coisas ficassem muito ruins, ele poderia sempre correr.

Você… você realmente é apenas um covarde, a Entidade disse dentro dele, como se estivesse

surpresa. Eu pensei que quando você fugiu antes, era sabedoria. Você viu que aqueles que

caçavam eram muito poderosos. Mas agora… agora você poderia ter força suficiente para derrotá-

los, se quisesse. E ainda assim, você pensa em fugir?

Davriel reuniu sua concentração e – afastando a Entidade e os pensamentos de fugir – bateu

sua vontade na mente de Willia. Ele imaginou sua força como uma espada perfurando seu

crânio.

Willia grunhiu, cambaleando para trás. Seu controle falhou. Ela não era treinada, não

praticava. Então, por um momento, Davriel tocou o poder que espreitava dentro dela.

Fogo do inferno…
A mente de Davriel se expandiu como uma explosão. Em um piscar de olhos, ele viu uma

centena de planos diferentes.

Ele viu milhões de pessoas vivendo e amando e comendo e dormindo e respirando e

morrendo e nunca sabendo o quão pequenas elas eram.

A mesma coisa aconteceu com ele quando ele tocou pela primeira vez a Entidade todos

aqueles anos atrás.

A maioria das pessoas era tão insignificante. Mas alguns… alguns indivíduos mudaram de

mundo. Alguns indivíduos criaram mundos. Ele queria desesperadamente ser um desses.

Uma pessoa que controlava o destino, em vez de viver por ele. Foi a grande contradição de sua

vida, talvez toda a vida. Ele reconheceu que o mundo funcionava por incentivos. Em seu

núcleo, as pessoas eram criaturas de instinto.

No entanto, Davriel Cane queria acreditar que ele era diferente.

Seu controle falhou. Ele estava muito cansado e o poder dentro de Willia era muito grande. A

menos que ele usasse sua Entidade, ele nunca seria capaz de derrotá-la. Davriel foi forçado a

voltar e consciência do quarto retornou.

Os geists o cercaram. Eles se agarraram a ele, suas mãos geladas afundando em sua pele,

escavando sua alma. Davriel gemeu, cedendo, sustentado pela multiplicidade de mãos

espectrais. Eles pegavam seu espírito como corvos no intestino dos mortos no campo de

batalha.

A música de Tacenda ficou mais alta. Um canto fúnebre para o caído.

Davriel grunhiu sob o toque daqueles sussurrantes e sentiu sua alma – seu próprio ser –

saindo de seu corpo. Ele usou a última parte do poder de Tacenda para resistir a eles, e isso

apenas impediu que sua alma fosse tomada. Mas nesse momento, ele tentou fugir. Ele tentou

se enviar para as Eternidades Cegas e sair desse plano.

Ele falhou.

Os Whisperers seguraram sua alma e o toque deles o ancorou neste lugar. Ele tentou

novamente e falhou novamente.

Pela primeira vez em anos, Davriel Cane sentiu um verdadeiro pânico.

Chegou a hora, a Entidade disse. Você sabe que é.


Não, Davriel pensou, cheirando sangue e fumaça.

Por quê? A Entidade exigiu. Por que você resiste? Me use!

Não!

Por quê? Por que você escolheria a morte?

“Eu”, gritou Davriel, “não serei aquele homem novamente!” Ele fechou os olhos, esperando

pelo inevitável.

Eu vejo, a Entidade disse. Você não é a pessoa que eu pensei que você fosse. Que assim seja. Morra

então. Eu vou encontrar outro.

Com a força esgotada, as opções perdidas, Davriel caiu sobre as garras dos geists. E, no

entanto, seus dedos em sua alma se afrouxaram.

Ele abriu os olhos. Ao redor dele, os geists pararam de se mover, retirando suas mãos. Eles

estavam olhando para o lado, em direção ao anjo morto?

Não, em direção a Tacenda. Sua voz cantarolada subiu no quarto. A música nunca havia

funcionado nessas criaturas.

Ele não entendeu completamente o porquê ou o que mudou agora.

É a música dela, ele pensou. Aquela que ela está cantarolando. É diferente?

Exausto, ele procurou dentro de si e encontrou um dos únicos feitiços que havia deixado e

usou. Um simples feitiço de evocação.

A viola apareceu em sua mão. “Tacenda”, disse ele. “O que quer que você esteja fazendo,

continue.”
§

Tacenda embalou o rosto do anjo morto, cantarolando a música. O que ela ouviu ao longe,

levando-a aqui. Ao redor dela, os sons dos Whisperers se desvaneceram. Ela ouviu sua viola

em algum lugar, respondendo de repente a sua música – como uma ligação e uma resposta.

Tudo ao seu redor era a segunda escuridão. E, no entanto, ela olhou para cima e algo pareceu

brilhar – brilhando acima dela. Uma figura, feita de pura luz branca, com asas que pareciam

se estender para a eternidade.

“Tacenda”, disse Davriel. Ela sentiu ele subir até ela, rastejando pelo chão de pedra. “Essa

música… é diferente. Os Whisperers congelaram enquanto ouvem. Até sua irmã parece

transfixada.”

"É uma música que eu não sei", ela sussurrou, interrompendo-a. “Eu esqueci isso.”

“Isso não faz sentido! Apenas volte a cantar!”

Em vez disso, Tacenda subiu em direção à luz. A figura estendeu a mão, tocando a dela.

“A alma do anjo”, sussurrou Tacenda. “Ainda está aqui. Presos como os dos fiéis…”

“Isso é um absurdo”, disse Davriel. “Anjos são criações de magia. Como os demônios, eles

não têm alma.” E ainda assim, Tacenda tocou a luz.

Criança, uma voz familiar disse, por que você parou de cantar?

“Como eu posso cantar essa música?” Ela sussurrou. “Quando eles estão todos mortos?

Quando esqueci o calor do sol? Quando perdi minha irmã para a verdadeira escuridão? Como

eu posso cantar agora?”


Porque é quando as músicas são mais necessárias.

“O A guarda do pântano não funciona. É o que eles precisavam, mas não os salvou.” Ela

abaixou a cabeça. “Não há mais luz. E eu não posso ver.”

Esse é o segredo, Tacenda. O que você faz quando a noite esfria e a escuridão vem até você?

Ela olhou para cima.

Que música você cantaria, a voz perguntou, se você fosse escolher?

“Isso importa?”

Isso sempre importava. Ouça a música, criança. Ouça isso. E cante.

Tacenda começou a cantarolar. Mais uma vez a viola respondeu, a encorajando. Algo mexeu

dentro dela e ela se levantou, descansando os dedos no ombro de Davriel. Ela pegou a viola

com cuidado de suas mãos, então recuou para a câmara funerária.

Ela andou como se fosse um vento frio. Entre os espíritos dos mortos. Estes Whisperers

tinham sido seu povo. Eles não eram monstros. Eles eram seus amigos, sua família, pessoas

que ela amava. Eles simplesmente esqueceram isso.

Era hora de lembrá-los.

Tacenda abriu a boca e cantou. Não a Canção da guarda do pântano – que sempre foi a canção da

primeira escuridão, cantada enquanto as pessoas dormiam. Uma canção de lugares assombrados e

portas barradas. Quando ela sentiu os dedos em sua pele, ela cantou uma música diferente. A

música de sua juventude, a canção que ela cantou para eles enquanto eles trabalhavam.

A canção das vidas vividas. Uma música alegre, uma emoção que se acendeu quando ela soltou.

Dedos frios em sua pele pareciam se aquecer enquanto ela se lembrava de dias ao sol, uma luz que

ela não podia ver, mas podia sentir, no entanto. Dias cantando músicas alegres para os

trabalhadores, as mulheres da aldeia, as crianças que dançavam ao seu redor.


Foi tão difícil encontrar calor na escuridão. Mas quando a noite ficou fria e a escuridão veio para

você, foi aí que você precisou acender o fogo.

E faça sua própria luz.

Davriel recuou contra a parede. Ele estava cansado demais para se levantar, cansado demais para

fazer qualquer coisa além de rastejar em direção à garota.

A música de Tacenda passava pela sala, um som incongruente – quase impossivelmente – alegre.

Não era uma música que se esperava em uma cripta ou em uma noite passada fugindo de

fantasmas.

Os geists ficaram hipnotizados diante dessa estranha e quase esquecida emoção. O mestre deles, a

irmã de Tacenda, virou a cabeça e fechou os olhos – como se confrontado por uma súbita luz

insuportável, embora Davriel não visse tal coisa.

Os rostos dos geists começaram a derreter. Ou… não, eles começaram a se desfazer. Tremores

cessaram. Distorções se revertendo. Os olhos vazios piscaram com a consciência, e as bocas se

encolheram, dos dentes escancarados em sorrisos cautelosos. Ao redor dele, os terrores da noite

se tornavam lavadeiras, fazendeiros, ferreiros e crianças.

Nunca em sua vida ele estivera tão feliz em ver um grupo de camponeses.

Essa música encheu a câmara. Fazia pedras chocalhar como percussão. Ele passou por Davriel,

uma melodia exultante e alegre. Ele se viu de pé, sua fadiga perdida antes daquele som incrível e

exultante.

Willia, no entanto, rosnou. Ela parecia tremer visivelmente quando ela gritou de raiva, lutando

para frente, perdendo toda a aparência de controle. Ela estendeu a mão para a irmã, como se para

pegar Tacenda e estrangulá-la – ou puxar o poder dela pela força.

Não, você não vai, Davriel pensou, apontando para ela e convocando os últimos remanescentes de

um feitiço que se desvanecia dentro de sua mente. O feitiço de tinta.

Com isso, ele pintou os olhos de Willia de preto.


Ela gritou imediatamente, tropeçando e caindo no chão. “A escuridão? Não, eu bani você!” Ela

tremia, estendendo as mãos, incapaz de vê-las. “A segunda escuridão…”

Fogo do inferno. A música de Tacenda dominou os choros tristes de Willia. A melodia foi tão

explosivamente otimista, que o fez querer dançar. Ele. Davriel resistiu ao impulso quando a

música infundiu as catacumbas. As criptas vibravam com a melodia entusiástica e ansiosa, e até os

ossos pareciam estar cheios de excitação.

Os geists começaram a andar em direção a Tacenda, pulsando com uma luz verde que estava de

alguma forma mais viva do que o brilho doentio que eles haviam expressado antes. Um por um,

eles se fundiram em Tacenda, sua luz somando-se a um que crescia ao redor dela. Dezenas e

dezenas delas entraram na sala, movendo-se com maior velocidade, unindo-se àquela luz pulsante.

Até que finalmente, Tacenda ficou sozinha acima da forma encolhida de sua irmã.

“Eu não entendo”, disse Willia, arranhando seu rosto, tentando se fazer ver. “O que aconteceu

com os geists?”

“Eles se lembravam de quem eram”, disse Tacenda.

“Essa música,” Willia olhou para cima. “Eu me lembro dessa música. Tacenda… Eu só quero

fugir da escuridão.”

“Eu sei. Mas você não deveria ter feito isso banindo todos do seu redor.” Tacenda estendeu a mão

e tocou sua irmã. “Eu sinto Muito. Mas para você, Willia, deve haver uma terceira escuridão.”

Tacenda empurrou sua irmã levemente, e o corpo de Willia caiu para trás, então uma nuvem de

luz emergiu dela. Uma alma doente e verde. Ele se distorceu, depois silenciosamente dissipou,

desaparecendo.

Assim que Willia morreu, uma segunda luz verde – muito mais poderosa – explodiu de seu

cadáver e fluiu para Tacenda. Tacenda inclinou a cabeça para trás, abrindo os olhos, enquanto a

luz a envolvia.

Esta é sua última chance, disse a Entidade dentro de Davriel. Ela será superada pelo poder por um

curto período e seu talento lhe dará uma oportunidade ideal. Estenda a mão e tome seu poder, Davriel.

Você ainda pode ter nós dois!


A Entidade estava certa. Por instinto, Davriel estendeu a mão – e descobriu que o poder completo

do pântano estava se instalando dentro de Tacenda. Não o rejeitou como antes. No momento,

estava tão confuso quanto ela.

Ele poderia aguentar. Naquele momento, ele se viu como o portador de ambas as Entidades. Ele

se tornaria um ser com força inigualável. Ele viu reinos se curvando à sua vontade. Ele via a si

mesmo com poder sobre o destino, sobre o destino, milhões de vidas.

Tanto poder! Tal poder incrível!

E essa miséria. Corpos quebrados até onde os olhos podiam ver. Ele se viu como aquele homem

terrível, sentado em um trono. Ele se viu forçado a destruir rival após rival.

Não há tempo para descansar. Não há tempo para brincar com quebra-cabeças de palavras.

Nenhuma noite tranquila passada lendo enquanto senhorita Highwater tentava descobrir como

cozinhar comida humana.

Davriel Cane não era um herói. Mas ele sabia o que queria da vida. Ele descobriu essa verdade

depois de uma terrível experiência pessoal.

Ele não se tornaria aquele homem novamente. E então ele retirou a mão e deixou o poder sozinho.

A visão de Tacenda retornou.

Ela engasgou quando a luz floresceu dentro dela. Uma luz maravilhosa, pura e verde – uma luz

que parecia tão poderosa que brilhava através das pedras como se fossem papel.
Você foi escolhida, uma voz disse em sua mente. E você tem feito bem.

Tacenda caiu de joelhos diante do poder, que de alguma forma ela já conhecia intimamente. Esse

poder que a criou e deu seu propósito. O poder que eles chamavam de pântano. O segredo das

proximidades.

O destino dela.

“Você…” ela sussurrou. “Você estava em todos nós. Todos nas proximidades. Mas mais forte em

minha irmã e eu. Um acidente, separando-se entre nós?”

Não. Muitas vezes eu procuro o anfitrião mais forte, disse a Entidade. Embora uma vez que o

priorado começou a sugar meu poder, tive que acelerar o processo.

A luz cresceu, consumindo tudo o que ela viu. Sua alma vibrou com a beleza pura de sua música.

E dentro da Entidade, ela viu as almas de milhares que foram nutridas aqui nas proximidades. A

Entidade, semeando seu poder entre eles, deixando-a crescer com suas almas, em seguida,

recuperando-a novamente – aprimorada e envelhecida – quando as pessoas morreram.

“Minha irmã”, disse ela. “Podemos restaurá-la? Podemos fazer as coisas voltarem… de volta ao

que eram antes?”

Não. As escolhas de sua irmã mudaram ela e as pessoas ao seu redor, para sempre. Isso é vida e

crescimento.

“Eu não gosto disso”, disse Tacenda. “Eu redescobri a Canção da Alegria. Não deveria isso

melhorar as coisas?”

Diferente sim. Mas “melhor” é uma questão de percepção humana. Independentemente disso, não vou

forçá-la a me suportar. Se você deseja me liberar para outro, você pode fazer isso. Ou, por sua vez, você

pode me manter e usar minha força como seu poder.


“O que… O que isso vai fazer comigo?” Ela perguntou. “Vou me tornar má, como Willia se

tornou?”

Isso depende das suas escolhas. Mas você não pode voltar a ser o que era, de qualquer forma. Você

pode voltar para sua aldeia sem mim e ser mudada para sempre. Ou você pode me levar. E ser

mudada para sempre.

Pois somente os mortos param de mudar.

Tacenda hesitou, depois tomou uma decisão.

Eu suportarei este poder.

A perspectiva bateu nela com o peso de uma montanha. Ela viu… viu mundos. Centenas e

centenas deles. Tantas pessoas.

O poder a permeava. Ela sabia, instantaneamente, as gerações que tinham vivido nas

proximidades. Memórias das eras, a essência de todos aqueles que vieram antes. Ela engasgou sob

o peso disso, tornando-se uma pessoa com dez mil almas.

E então… ela deixou alguns irem. A Entidade não gostou, mas ela era a dona. Ela não manteria as

almas daqueles que ainda poderiam viver. Ela devolveu Jorgo e sua família. Dakna a professora.

Miller Hedvika. Rom e os sacerdotes. Todas as pessoas cujos corpos ainda viviam, esperando o

espírito retornar.

Isso não incluía os pais dela, que não tinham corpos para os quais pudessem retornar. Aquelas

almas se aconchegaram contra o dela própria, quentes e suaves. Mas não a alma da irmã dela.

Tacenda havia recuperado o poder que ela possuía, mas a pobre Willia… ela acabara de sair.

O brilho de Tacenda se expandiu. Ela era o poder, as almas. A Entidade do Pântano, Tacenda de

Verlasen e mil outros de uma só vez.

Tacenda se virou, olhando para o pobre cadáver na prisão, suas asas pregadas na parede. “Eu vi a

alma do anjo. Eu a toquei.”

Eu não sei nada disso, disse a Entidade. Eu não acho isso possível.
No entanto, era verdade. Ela era uma criança de dois mundos, dois deuses, dois ideais. Enquanto

ela considerava, algo profundo dentro dela explodiu, despertando no poder.

Espera.

Ela se aproximou de Davriel, que na verdade parecia abatido. Ela chegou e tocou o lado do rosto

dele.

“Obrigada”, ela disse, sua voz se sobrepondo aos próprios ouvidos, como se mil pessoas tivessem

dito isso. Então ela apunhalou seu poder em sua cabeça e retirou o pequeno pedaço de sua força

que ele tirou dela mais cedo na noite. “Mas nunca mais tente entrar na minha mente novamente.”

Então, completa pela primeira vez em sua vida – Tacenda desapareceu.


Epílogo

Para Davriel, as dores de cabeça eram um tipo de dor familiar.

O tipo de dor que um membro da família poderia infligir. O tipo de dor que você conheceu por

tanto tempo, às vezes você a acolheu porque você a conhece muito bem. O tipo de dor que você

quase confundiu com algo completamente diferente.

Ele se sentou na cadeira da sacerdotisa, atrás de sua mesa, suspirando e segurando sua xícara de

chá. Ele trabalhou um pouco mais no contrato antes disso, escrito em escrita demoníaca – mas

aquela dor de cabeça dificultava.

Por que você não pode consertar dores de cabeça novamente? Ele perguntou à Entidade.

Ela não respondeu.

Ainda está de mau humor? Ele perguntou. Porque eu não peguei o poder?

Contemplando, disse suavemente. Eu sempre supus que algum dia você acordaria. Eu fui forçado a

ver que não pode ser o caso. Você não é digno de mim e nunca foi.

Não seja assim, respondeu Davriel. Pense como você ficaria com ciúmes de outra Entidade dividindo

minha atenção.

Você falhou muito, Davriel Cane, ela disse. Você saberá o custo deste dia. Você vai se amaldiçoar

quando aquilo que você ama queima, não porque você tem muito poder. Mas porque você não teve

forças para parar seus inimigos.

Davriel estremeceu. Havia algo no modo como a Entidade falava… uma hostilidade que ele
nunca conhecera antes.
Eles virão por você, a Entidade advertiu. Aqueles que procurarem por você ouvirão o que aconteceu

aqui. Você acabou de garantir que nunca mais conseguirá se esconder novamente.

Ele ficou em silêncio. Davriel suspirou suavemente, depois tomou um gole de chá. No momento

– aquele delicioso sabor floral em sua boca – ele não se importava com a Entidade. Ele

alegremente sentiu o chá acalmá-lo. Sempre ajudara com as dores de cabeça.

No chão em frente à mesa, um corpo se mexeu. A sacerdotisa abriu os olhos. Em outros lugares

do priorado, Davriel ouviu os chamados, quando os outros padres começaram a acordar. A garota

havia restaurado suas almas antes de sair – ele descobriu que quando ele verificou a respiração

da sacerdotisa – mas parecia que demorou um pouco para que seus corpos se recuperassem.

A sacerdotisa se sentou, colocando a mão na cabeça. Ela olhou para cima e franziu a testa,

notando Davriel em sua mesa.

“Você mentiu para mim, Merlinde” disse Davriel suavemente. “Você manteve segredos terríveis

de mim.”

“EU…”

Ele levantou o chá. “Encontrei uma lata inteira de dustwillow de Verlasen no seu armário”, disse

ele. “Espero que você se explique de forma imediata.”

Ela franziu a testa.


“Além disso,” observou Davriel, “há a pequena questão de um anjo preso e morto em suas

catacumbas – um anjo que estava lentamente tirando o poder do pântano, construindo uma

crescente força inexplorada que implorava a algum tolo mortal para abusar dele. Mas realmente,

vamos manter nossa atenção nos problemas sérios. Você me disse explicitamente que estava sem

chá.”

Ela se levantou e olhou pela janela para o sol nascente. “O que aconteceu?”

“Hmm?” Davriel disse, tomando o chá. “Oh. Willia Verlasen matou seus pais por acidente,

depois de recuperar o poder trancado nas catacumbas. Ela voltou aqui, com a intenção de

confessar – então perdeu a fé quando descobriu que você havia assassinado seu deus. Em vez

disso, ela começou a reunir o poder do pântano e, fascinada por suas promessas, começou a tirar

as almas do povo de Verlasen.”

“Fogo do Inferno”, a sacerdotisa murmurou. “A jovem Willia? Você tem certeza?”

“Bem, nas primeiras vezes que ela tentou me matar na noite passada, eu estava um pouco incerto.

Mas quando ela ativamente comandou um exército de geists para arrancar minha alma do corpo,

a verdade finalmente me ocorreu.” Ele tomou um gole de chá. “Eu a parei, a propósito. Não há

de quê.”

“Era seu dever”, disse ela. “Como o Senhor das proximidades.”


“Eu realmente deveria ter lido o contrato inteiro”, disse Davriel. “Onde estava a parte de limpar

sua bagunça? Logo depois dos artigos que eu tomo suas advertências, presumo?”

Ela não respondeu, em vez disso, ela ficou sobre a luz do sol e fechou os olhos, depois soltou um

longo suspiro.

Davriel descansou os dedos em uma espada que ele colocou sobre a mesa – longa, curvada e

perversa. Pobre Crunchgnar. Era estranho que Davriel sentisse falta do tolo azedo? Ele nunca

encontraria outro demônio que fosse divertido de provocar.

“Vamos precisar nos preparar”, disse Daviel, tomando seu chá. “Depois dos acontecimentos da

noite passada e desta manhã, podemos ver um aumento de… perguntas sobre mim. E tera

algumas que não será fácil de se esquivar.”

Ela olhou para ele.

“Eu não quero que outros de fora venham encontrar um deus morto em seu porão, Merlinde.”

“Ela não era o nosso deus”, disse a sacerdotisa. “Mais do que o pântano era. Ela era nosso fardo.

Ambos eram.”

“Bem, agora eles são o fardo de outra pessoa”, disse Davriel. “Pobre garota.”
“O que você quer dizer?”, Perguntou a sacerdotisa, virando-se. Então ela empalideceu, olhando

para o que ele estava escrevendo. “Você esteve profanando meu priorado com magia demoníaca,

Cane? Como você ousa-”

Ele olhou para cima, apontando a caneta para ela. “Nem comece. Apenas não. Além disso, isso é

quase mágico. É mais um documento legal que encoraja as forças das trevas, lembrando a elas

que há uma que provavelmente ganhará minha alma acima de todas as outras.”

Esperançosamente. Quase, ele rezaria para aquele anjo morto, se ele pensasse que ajudaria.

Por favor…

Seu coração pulou quando ele ouviu um grupo de gritos assustados ecoando de baixo. Ele ficou

de pé, enfiando um pacote debaixo do braço e correndo para o corredor. A sacerdotisa o seguiu

enquanto ele descia os degraus, seguindo os gritos e entrando nas catacumbas.

Ele rapidamente caminhou até a pequena câmara onde o Seelenstone havia sido mantido. Vários

jovens padres estavam na sala, gritando de medo, provavelmente eles estavam tentando encontrar

uma maneira de juntar os pedaços de volta. Mas então, eles foram interrompidos por uma figura

escura que se formou da fumaça na frente deles.

Davriel rapidamente tirou a capa e colocou-a na forma escura quando ela tomou forma. Não foi

totalmente cobrindo, no entanto, e assim a sacerdotisa ofegou quando senhorita Highwater

apareceu. Um dos padres realmente desmaiou.

“Não fiquem de boca aberta”, disse Davriel aos outros. “Isso só a encoraja.”
O demônio chamou sua atenção, então sorriu.

Alívio inundou através dele. Foi o sorriso dela. Ele estava com medo que uma nova criatura fosse

criada para cumprir as instruções que ele havia escrito.

“Nós vencemos?” Ela perguntou a ele.

“Honestamente, não tenho certeza”, respondeu Davriel. “Meus camponeses estão de volta, mas

nossa pequena garota música fugiu com um poder antigo e incalculavelmente valioso.”

Senhorita Highwater, em sua verdadeira forma, estendeu a mão com expectativa. Ele sorriu,

então desembrulhou o livro do pacote de roupas que estava segurando e entregou a ela.

Ela olhou para os padres, que estavam tentando sair da sala. A sacerdotisa, mostrando bom senso,

tinha cruzado os braços, mas não parecia que ela iria fazer qualquer exigência dele.

“Só um desmaiou” murmurou a senhorita Highwater. “Eu realmente estou perdendo meu toque,

não estou? E você. Você deixa a garota escapar com o poder do pântano? Mesmo?”

“Eu estava ocupado lamentando o falecimento prematuro de Crunchgnar.”

“Você lamenta.”, disse ela, folheando o seu livro e fazendo anotações na parte de trás. “Brinque o

quanto você quiser, mas sei que vai sentir falta dele. Mais alguma coisa que eu deveria saber?”
“Os sacerdotes estavam escondendo um anjo. Eles a trancaram quando ela enlouqueceu – então

fizeram o pobre Rom cortar sua garganta.”

“Fofo”, ela disse. “E eu que deveria ser o demônio.”

“Eles podem estar no mercado para um novo objeto de adoração”, disse Davriel. “Você poderia

aplicar.”

“O que você acha que a política deles é sobre nudez?”

“Eu acho que em algum lugar entre 'De jeito nenhum' e 'Oh, anjos acima, meu cérebro está

derretendo.' Mas lembre-se, eles têm bons chapéus.”

Ela riu. “Vou passar. Eu acredito que ainda tenho um contrato não cumprido com um certo

diabolista intencional. Quanto a Tacenda, suponho que preciso localizá-la. Realmente, Dav.

Como você deixou ela roubar esse poder de você?”

“Talvez eu simplesmente não quisesse.”

A senhorita Highwater fechou o livro, estreitando os olhos para ele.


“Tacenda realmente merecia a Entidade”, disse ele. “Ela fez a maior parte do trabalho –

cantando e recuperando as almas dos aldeões. Você deveria tê-la visto. Foi muito heroico.”

“Você não acredita em heroísmo.”

“Bobagem”, disse ele. “Eu absolutamente aceito que é um atributo que outros acreditam que eles

possuem. Quanto à senhorita Verlasen, bem, a verdade é que eu precisava provar um ponto.”

“Não fazendo nada?”

“Nada é a coisa em que eu sou mais adequado.” Ele estendeu o braço para ela, e ela aceitou.

“Venha. Você acha que podemos esperar que os camponeses voltem para a colheita hoje? Eles

passaram um dia inteiro mortos, então eles devem estar bem descansados, e eu pareço estar com

uma única lata de chá…”

FIM

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