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Revista Portuguesa de Psicossomática

ISSN: 0874-4696
revista@sppsicossomatica.org
Sociedade Portuguesa de Psicossomática
Portugal

Ferreira Marçal, Nuno M. F.; Guerra, Miguel; Soares, Fortunato


Comportamento alimentar bases neuropsíquicas e endócrinas
Revista Portuguesa de Psicossomática, vol. 6, núm. 2, julho-dezembro, 2004, pp. 57-70
Sociedade Portuguesa de Psicossomática
Porto, Portugal

Available in: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=28760205

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COMPORTAMENTO ALIMENTAR. BASES NEUROPSÍQUICAS E ENDÓCRINAS 57

COMPORTAMENTO ALIMENTAR
BASES NEUROPSÍQUICAS E ENDÓCRINAS

Nuno M. F. Marçal Ferreira*, Miguel Guerra**, Soares-Fortunato***

Resumo regulação de curto prazo são muitas ve-


O comportamento alimentar de um zes designados por factores de saciedade
indivíduo é determinante para a sua so- uma vez que se originam no decorrer
brevivência. A alimentação é um aspec- da refeição e levam à interrupção desta.
to fundamental da homeostase energé- Entre estes está a CCK, que desempe-
tica, o processo através do qual a ener- nha o papel mais relevante. Os factores
gia armazenada no organismo sob a envolvidos na regulação a longo prazo
forma de tecido adiposo é mantida cons- têm a seu cargo o controlo de todo o ar-
tante ao longo de grandes períodos de mazenamento de energia e do equilí-
tempo. brio energético. Pensa-se que a leptina é
O cérebro desempenha um impor- o factor lipostático com maior relevância
tante papel na regulação da homeostase no controlo do equilíbrio energético, e fá-
energética, e fá-lo principalmente atra- -lo através de um sistema de feedback-
vés de três acções fisiológicas: controlo da -negativo com origem no tecido adiposo e
fome e da saciedade, controlo do consu- que exerce a sua influência a nível de
mo de energia, e regulação da secreção centros hipotlâmicos no SNC.
de hormonas envolvidas no armazena- Outros intervenientes são a insuli-
mento das reservas energéticas. O hipo- na, o Neuropeptídeo Y (NPY) e o Trans-
tálamo, o local do SNC mais envolvido no crito Regulado pela Cocaína e
controlo do metabolismo energético, inte- Anfetamina (CART). A insulina é uma
gra uma grande variedade de sinais in- hormona pancreática produzida pelas
ternos e externos e produz sinais eferentes células beta, e a sua concentração na cir-
que promovem as alterações apropriadas culação é proporcional à glicemia e à
do balanço energético. massa adiposa. O excesso de insulina es-
As aferências aos centros cerebrais e timula a ingestão de alimentos através
respectivas respostas que regulam o ba- da aceleração do armazenamento de
lanço energético podem ser divididas em glicose nos tecidos periféricos, sinalizan-
duas categorias: regulação a curto e a do um défice de glicose ao cérebro. O
longo prazo. Os peptídeos envolvidos na NPY está contido numa pequena popu-
lação de neurónios hipotlâmicos no nú-
cleo arqueado. A partir daqui estes neu-
* Aluno da Faculdade de Medicina da Universi- rónios projectam-se extensamente para
dade do Porto (FMUP).
outras regiões do hipotálamo. A admi-
** Monitor de Fisiologia FMUP. nistração, a nível central, de NPY pro-
*** Regente de Fisiologia da FMUP. move um balanço energético positivo e
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um aumento do armazenamento de tante ao longo de grandes períodos de


gordura. O CART é expresso em áreas tempo(2).
hipotalâmicas consideradas influentes O apetite, o balanço energético e o peso
no controlo da ingestão de alimentos. corporal são modulados por uma grande
Esta hormona tem a capacidade de re- diversidade de sinais neuroquímicos e
duzir a quantidade de alimento. Este neuro- -endócrinos que têm origem em
efeito é em parte conseguido através da diferentes órgãos e diferentes regiões do
“downregu-lation” da produção de sistema nervoso central. O hipotálamo as-
RNA mensageiros de NPY no núcleo ar- sume uma importante função de integra-
queado, e através da “upregulation” da ção de todo este processo, agindo através
expressão de RNAm de CART. A redun- de uma variedade de sistemas que envol-
dância e a plasticidade parecem ser im- vem uma íntima interacção entre nutrien-
portantes na homeostase energética. tes, aminas, neuropeptídeos e hormonas.
Falta ainda saber se todas estas molé- Estes sistemas têm por base a normal in-
culas representam múltiplos sistemas gestão e metabolismo dos nutrientes, e
que se sobrepõem ou se existe uma hie- pensa-se que sejam os responsáveis pelas
rarquia entre eles. alterações no comportamento alimentar
Palavras-chave: Comportamento nos ciclos circadianos bem como pelas flu-
alimentar; Massa adiposa; Insulina; tuações que se observam entre as diferen-
Leptina; CART; Neuropeptídeo Y. tes idades e sexos. Pensa-se actualmente
que alterações nestes sistemas neuroquí-
micos-neuroendócrinos estão relacionados
I. INTRODUÇÃO com padrões anormais de alimentação,
como por exemplo a anorexia nervosa, a
O cérebro constitui o centro de contro- bulimia e a obesidade. A compreensão dos
lo que monitoriza as condições internas e mecanismos envolvidos na regulação da
que regula a actividade dos principais ór- ingestão de alimentos pode fornecer a base
gãos, como por exemplo o coração, o fíga- de conhecimentos necessários para o tra-
do, os rins, assim como controla o compor- tamento destas doenças(3).
tamento alimentar de modo a assegurar as
condições internas adequadas(1).
O comportamento alimentar de um II. NEUROENDOCRINOLOGIA
indivíduo é determinante para a sua so-
brevivência. Para além de fornecer todos Tradicionalmente, o sistema endócrino
os macronutrientes ao organismo tem sido distinguido do sistema nervoso
(hidratos de carbono, lipídeos e proteínas) pelo facto deste último estar em contacto
e grande parte dos micronutrientes (mi- com os locais-alvo da sua acção através de
nerais e vitaminas), a alimentação é um células muito especializadas – os neuróni-
aspecto fundamental da homeostase os. Estas células transportam e transmitem
energética, o processo através do qual a sinais químicos às células sobre as quais ac-
energia armazenada no organismo sob a tuam. O neurotransmissor, o qual medeia
forma de tecido adiposo é mantida cons- a transmissão sináptica entre dois neuró-
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nios, é sintetizado no corpo celular (soma) mentar principalmente através do eixo


do neurónio e depois é transportado atra- hipotálamo-hipofisário.
vés do axónio onde é armazenado em
vesículas e libertado após despolarização da II.1 Hipotálamo
membrana. O hipotálamo é a divisão do diencéfalo
A interacção entre os neurónios veri- que se relaciona com as funções viscerais,
fica-se na fenda sináptica, onde o neuro- autónomas e endócrinas. Todas estas fun-
transmissor é libertado e se liga a recepto- ções estão intimamente relacionadas com
res específicos na membrana pós-sinápti- o comportamento afectivo e emocional. A
ca. Assim os neurotransmissores não são protrusão anterior do hipotálamo e o ter-
transportados na circulação e actuam de ceiro recesso ventricular formam o
uma forma parácrina. Isto permite ao sis- infundíbulo. A porção mais distal do pro-
tema nervoso libertar elevadas concentra- cesso infundibular é a neuro-hipófise. A
ções de neurotransmissor para um alvo eminência média representa o ponto de
sem afectar outros loci. convergência final das vias originadas no
Em contraste com estas características, sistema nervoso central e no sistema en-
o sistema endócrino utiliza hormonas,que dócrino periférico. A eminência média é
através da circulação são distribuídas a to- uma interface anatómica entre o cérebro e
dos os tecidos. Neste caso temos que con- a adeno-hipófise. O hipotálamo desempe-
fiar nos receptores específicos existentes nha um importante papel na regulação da
nas células-alvo, pois são eles que vão re- actividade do lobo anterior da hipófise atra-
conhecer a hormonas e gerar as respos- vés do sistema porta-hipofisário, ou seja,
tas(4). As hormonas actuam como mensa- os factores hipofisotróficos libertados nos
geiros que conduzem informações dos di- terminais neuronais na eminência media-
ferentes órgãos para o sistema nervoso na são transmitidos para a adeno-hipófise
central (SNC) e que levam do SNC ordens através de uma restrita rede vascular, de-
para os órgãos(1). terminando assim a sua actividade(5).
A Neuroendocrinologia é a ciência Em alguns núcleos hipotlâmicos pro-
cujo objecto de estudo é constituído pela duzem-se neurotransmissores relaciona-
interacção entre os sistemas nervoso e en- dos com as sensações de fome e sacieda-
dócrino. A mesma molécula pode ser um de. As experiências realizadas têm vindo
neurotransmissor ou uma hormona; por a demonstrar que duas áreas hipotalámi-
exemplo, as catecolaminas quando liber- cas parecem estar primariamente relacio-
tadas pela medula adrenal constituem nadas com a ingestão de alimentos; uma
hormonas e quando libertadas pelos ter- localizada no hipotálamo lateral e consi-
minais nervosos constituem neurotrans- derada o centro da fome, a outra consti-
missores. O próprio sistema nervoso cen- tuída pelo núcleo ventromediano e con-
tral produz um certo número de hormo- siderada o centro da saciedade. A estimu-
nas, como por exemplo: TRH, CRH, etc.(4). lação no hipotálamo lateral faz um ani-
As interacções entre estes dois importan- mal comer vorazmente e uma lesão nesta
tes sistemas vão constituir o principal área causa anorexia grave e letal. A esti-
meio de regulação do comportamento ali- mulação do núcleo ventromediano do hi-
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potálamo causa saciedade e, mesmo, na do hipotálamo foram identificados como


presença de alimentos apetitosos, o ani- estando envolvidos em mecanismos de
mal recusa-se a comer se esta área for es- controlo do apetite para determinados ma-
timulada. Uma lesão no centro da sacie- cronutrientes, além de afectarem o equilí-
dade produz um efeito semelhante ao brio energético e o peso do indivíduo(3).
produzido por estimulação do centro da
fome, ou seja, a ingestão voraz e contínua II.2 Relações entre os sistemas ner-
de alimento, o que naturalmente faz com voso e endócrino
que o animal se torne extremamente obe- A interface neuroendócrina é realiza-
so. Verificou-se também que a glicose tem da, como já foi referido, entre o hipotála-
efeitos opostos na activação dos neuróni- mo e a hipófise. O hipotálamo é constituí-
os destas duas áreas; por isso foi proposto do por uma variedade de núcleos, que
que a descida dos níveis de glicose, em contêm grupos de células especializados
consequência da privação de alimento, na produção de determinada(s) hor-
poderá regular o comportamento alimen- mona(s). O hipotálamo contém dois gran-
tar. No entanto, outras áreas do sistema des grupos de células neurosecretoras que
nervoso central têm que estar envolvidas propagam potenciais de acção, libertam
no controlo da ingestão de alimentos, hormonas, e são reguladas pelas informa-
uma vez que lesões a nível da área lateral ções hormonais e nervosas que chegam
do hipotálamo e do núcleo ventromedia- ao cérebro. Os axónios magnocelulaes li-
no não impedem respostas alimentares bertam vasopressina (ADH) e oxitocina
compensatórias quando expostas à (OT) através dos seus terminais nervosos
fome(6,7). directamente na porção posterior da hi-
Assim, a integração da informação en- pófise, neuro-hipófise. Os neurónios hi-
dócrino-metabólica proveniente da perife- pofisotróficos libertam diversas hormonas
ria requer o envolvimento de múltiplas a nível da eminência mediana e a partir
funções especializadas de diversas áreas do daqui elas são transportadas pelos vasos
cérebro. No entanto, o hipotálamo parece do sistema porta-hipofisário para a por-
realizar a função crítica na sequência de ção anterior da hipófise, adeno-hipófise.
acontecimentos. Esta estrutura, devido à Grande parte das hormonas envolvidas
sua extensa vascularização e às suas pro- nestas interacções vão estar integradas
jecções neuronais, permite um íntimo con- nos sistemas de regulação da ingestão de
tacto com as hormonas e nutrientes alimentos, como veremos posteriormen-
circulantes, e com os sinais neuronais pro- te(4).
venientes da periferia. Esta informação
tem um profundo impacto na actividade III. Comportamento Alimentar e Me-
dos sistemas neuroquímicos e neuroendó- canismos de Regulação
crinos do hipotálamo, que por sua vez O cérebro desempenha um importan-
transmite sinais que afectam processos fisi- te papel na regulação da homeostase ener-
ológicos e comportamentais. Diversos sis- gética, e fá-lo principalmente através de
temas neuroquímicos e neuroendócrinos três acções fisiológicas: controlo da fome e
da saciedade, controlo do consumo de
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energia, e regulação da secreção de hor- As aferências aos centros cerebrais que


monas envolvidas na formação das reser- regulam o balanço podem ser divididas
vas energéticas. O hipotálamo, o local do em duas categorias. Há sinais relaciona-
SNC mais envolvido na regulação do me- dos com as refeições ou com situações es-
tabolismo energético, integra uma grande pecificas, e que podem ter origem interna
variedade de sinais internos e externos e (ex. estômago), origem externa (suges-
envia sinais eferentes que promovem as tões alimentares existentes no meio que
alterações apropriadas do balanço energé- nos rodeia), ou origem em centros cere-
tico(8). Estes sinais podem ser: os nutrientes brais relacionados com os aspectos
transportados no sangue, nomeadamente cognitivos e emocionais relacionados com
glicose, ácidos gordos e aminoácidos; mo- a alimentação. Estes sinais influenciam
léculas neurotransmissoras clássicas, que principalmente o tamanho e o número de
permitem uma rápida comunicação na re- refeições. Sinais relacionados com as re-
gulação a curto prazo; neuropeptídeos de servas energéticas do organismo, consti-
maiores dimensões que permitem uma co- tuem um sistema de regulação a longo
municação mais lenta e que são importan- prazo que permite minimizar o impacto
tes na regulação a longo prazo; e hormo- das flutuações a curto prazo do balanço
nas que intervêm tanto nos processos neu- energético sobre a massa adiposa, permi-
romodulatórios como nos metabólicos. te também através da sua acção central
Estes sinais, que ajudam a coordenar a acoplar a ingestão alimentar e o gasto
componente comportamental da ingestão energético com a quantidade de reservas
de alimentos, derivam de diferentes ór- energéticas existentes no organismo. Ele-
gãos periféricos (ex. fígado, pâncreas, mentos críticos deste sistema são os sinais
tracto gastrintestinal, etc.) e também de de adiposidade, como a leptina e os seus
diferentes áreas do sistema nervoso cen- alvos hipotlâmicos(8,10).
tral. Além disso, estes sinais são modula- Os aspectos moleculares dos mecanis-
dos por outras secreções internas; por mos através dos quais os sinais periféricos
exemplo, os esteróides gonadais são res- influenciam as eferências do SNC só ago-
ponsáveis pelas diferenças entre os dois ra começaram a ser conhecidos.
sexos verificadas a nível dos padrões ali-
mentares, da composição corporal e con-
tribuem para as alterações alimentares IV. REGULAÇÃO DO NÚMERO DE
verificadas em determinadas idades e es- REFEIÇÕES E DO SEU VOLUME
(REGULAÇÃO A CURTO PRAZO)
tados fisiológicos como a gravidez(3). As-
sim, a alteração dos mecanismos hipotlâ-
Há sinais gerados pelos alimentos que
micos que controlam a ingestão de ali-
se acumulam durante a refeição e contri-
mentos e o gasto de energia, e consequen-
buem para o término da mesma, deter-
temente a homeostase energética, é hoje
minando assim a quantidade de alimen-
em dia considerado como elemento cha-
tos ingeridos, isto é, o tamanho da refei-
ve na perda de peso e no desenvolvi-
ção. A eficácia destes factores em afecta-
mento de obesidade(9).
rem o tamanho da refeição é modulada

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pela massa corporal. Os peptídeos envol- refeição. Estas observações levaram a pro-
vidos neste mecanismo sinalizam o siste- por-se a CCK como um factor de sacieda-
ma nervoso central através de nervos pe- de endógeno, segregado durante a refei-
riféricos, como o nervo vago. Apesar des- ção e que teria como função limitar a in-
tes peptídeos poderem afectar o tamanho gestão de alimentos. Mais tarde, outras in-
de refeições individuais, a sua administra- vestigações vieram mostrar que a CCK era
ção repetida não altera o peso corporal(11). mais eficaz na inibição da ingestão de ali-
Os peptídeos envolvidos na regulação mentos quando havia comida no estôma-
a curto prazo são muitas vezes designados go do que quando o estômago se encon-
por factores de saciedade. Estes podem ser tra vazio(1). Verificou- -se também que a
considerados em dois grupos: factores me- administração intraperitoneal era mais
tabólicos e peptídeos gastrointestinais. A eficaz que a administração intravenosa,
colecistocinina (CCK), a bombesina, a so- sendo necessário que o nervo vago esteja
matostanina e o glucagon são alguns intacto para se verificar a redução da in-
exemplos de factores de saciedade. Des- gestão alimentar; conclui-se assim a im-
tes, aquele que tem o papel fisiológico portância dos aferentes vagais que con-
mais evidente e melhor determinado ex- duzem a informação até ao hipotálamo(8).
perimentalmente é a colecistocinina(8). Verificou-se que a administração de
CCK em doses que afectam o comporta-
IV.1 Colecistocinina mento alimentar poderá provocar náu-
A CCK é um peptídeo libertado no sea, sensação esta que levava o animal a
tracto gastrointestinal após a ingestão de não ingerir alimentos por considerar que
uma dieta rica em gorduras e proteínas. A eram estes que estavam na origem do
CCK influencia as secreções exócrinas do mal-estar(1). No entanto, mais tarde, ex-
pâncreas, a contracção da vesícula biliar e periências com doses de CCK que produ-
também estimula a secreção de insulina(1). ziam modestas reduções no tamanho das
Além de diversas funções metabólicas, di- refeições verificou-se que não ocorriam
gestivas e de absorção, este peptídeo tam- náuseas(2).
bém transmite ao SNC, através do nervo Apesar dos peptídeos "de saciedade"
vago, informação relacionada com a saci- terem a capacidade de alterar o volume
edade e com o término da refeição. A in- das refeições individuais, a sua repetida
formação relativa à sa-ciedade é transmi- administração, não tem a capacidade de
tida inicialmente ao núcleo do tracto soli- alterar o peso corporal. Uma vez que os
tário que integra sinais aferentes proveni- animais compensam este facto aumen-
entes da língua (gosto) e do tracto gastrin- tando o número de refeições realiza-
testinal. A informação neuronal aferente das(2,11).
passa depois para o hipotálamo(2). A acção destes factores de saciedade é
Experiências realizadas em cobaias de- modulada pela actividade dos peptídeos
monstraram que a administração de CCK envolvidos na regulação a longo prazo da
dava origem a padrões de comportamen- massa corporal.
to semelhantes aos adoptados após uma

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V. REGULAÇÃO DA HOMEOSTASIA V.1 Leptina


ENERGÉTICA (REGULAÇÃO A
A quantidade da gordura corporal
LONGO PRAZO)
pode ser regulada por vários sinais
hormonais periféricos. Pensa-se que a lep-
Os factores envolvidos na regulação a
tina é o factor lipostático com maior rele-
longo-prazo têm a seu cargo o controlo
vância no controlo do equilíbrio energéti-
de todo o armazenamento de energia e
co, e fá-lo através de um sistema de
do equilíbrio energético(8).
feedback negativo com origem no tecido
A homeostasia energética é consegui-
adiposo e que exerce a sua influência a
da através de um sistema neuro-humoral,
nível de centros hipotlâmicos(9).
altamente integrante e redundante, que
Kennedy(12) foi o primeiro a formular a
minimiza as flutuações produzidas pelos
teoria lipostática da regulação do peso cor-
factores de regulação a curto-prazo. Ele-
poral. A existência de um factor circulante
mentos críticos deste sistema de controlo
no controlo do consumo alimentar foi evi-
são as hormonas segregadas em propor-
denciada em expe-riências de parabiose re-
ção com a adiposidade corporal, incluin-
alizadas entre dois camundongos geneti-
do a leptina e a insulina, e os alvos no sis-
camente obesos (Coleman)(13). A parabio-
tema nervoso central sobre os quais eles
se entre os dois camundongos revelou que,
actuam. Os locais do SNC sobre os quais
enquanto o camundongo db/db (diabético)
eles actuam têm a capacidade de provo-
não era afectado, o camundongo ob/ob
car uma potente alteração unidireccional
(obeso) tornou-se hipofágico e morreu.
no equilíbrio energético em resposta a
Isto sugeriu que os dois camundongos
uma alteração na massa adiposa. Estas
apresentavam mutações em genes distin-
respostas incluem aquelas que estimulam
tos, que davam origem a fenótipos seme-
a ingestão alimentar e promovem au-
lhantes, e que o camundongo db/db pro-
mento de peso (vias anabólicas), como
duzia um factor circulante, o qual regula
por exemplo o eixo hipotalâmico do
o consumo de alimentos nos camundon-
neuropeptídeo Y; incluem também aque-
gos ob/ob. Assim, o camundongo ob/ob re-
las que levam à redução da ingestão de
age a um sinal de saciedade que é ineficaz
alimentos e provocam perda de peso (vias
nos camundongos db/db. Zhang et al.(14)
catabólicas), como por exemplo o sistema
identificaram e caracterizaram o gene ob
hipotlâmico da melanocortina. As hor-
do camundongo e o seu homólogo hu-
monas que regulam a quantidade de teci-
mano. A proteína por ele produzida de-
do adiposo (leptina e insulina) inibem as
signa-se por leptina. O gene db é respon-
vias centrais anabólicas e estimulam as
sável pela produção do receptor da lepti-
catabólicas(2).
na(15).
Além destas vias e substâncias já referi-
A nível do cérebro o principal local de
das existem igualmente outras que se pensa
acção da leptina parece ser o hipotálamo.
terem importância na regulação da
Esta estrutura diencefálica, tem nos ma-
homeostasia energética.
míferos um papel chave na regulação do
apetite e verificou-se que a isoforma lon-

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ga do receptor de leptina tem aqui grande endócrinas do núcleo paraventricular, es-


expressão. Estes receptores são encontra- truturas corticais mais altas têm que estar
dos em vários núcleos, mas a sua concen- envolvidas na regulação do comportamen-
tração é especialmente elevada no núcleo to alimentar pela leptina(10). A área hipo-
arqueado, no núcleo ventromediano, no talâmica lateral parece ser a região mais
núcleo dorsomediano e no núcleo ven- provável a estabelecer esta ligação. Esta
tral pré-mamilar(16). área possui neurónios que se projectam
A leptina actua, no hipotálamo, direc- monossinapticamente para diversas regi-
tamente através dos receptores de ões do córtex cerebral. Incluídos nestas
isoforma longa, activando o STAT3 (signal projecções estão neurónios que contêm a
transducers and activators of transcription) hormona de concentração da melanina
uma proteína mensageira que se segue ao (MCH). Outra família de peptídeos hipo-
receptor da leptina na cascata de transdu- talâmicos que tem uma distribuição ana-
ção. A administração intravenosa, intra- tómica semelhante a esta são as orexinas.
-peritoneal e intraventricular activa diver- Estes peptídeos são encontrados exclusi-
sas áreas hipotalâmicas, mas activa tam- vamente nos corpos celulares dos neuró-
bém células do núcleo parabraquial, loca- nios da área lateral do hipotálamo e, tal
lizado na protuberância. Estes neurónios como a MCH, as fibras destes neurónios
contêm CCK e projectam-se para os nú- são encontradas por todo o cérebro. Os
cleos ventromediano e dorsomediano. A padrões de projecção dos neurónios da
leptina e a CCK inibem sinergicamente a área lateral do hipotálamo sugerem que a
ingestão de alimentos, sugerindo assim sua acção pode ser crítica no comporta-
uma interacção entre a regulação a lon- mento alimentar(7).
go-prazo e a regulação a curto-prazo. Um aspecto interessante, da resposta
As melhores provas de que a leptina catabólica à leptina, é o facto da sua admi-
afecta a actividade neuronal foram obti- nistração, poder virtualmente eliminar as
das através de estudos electrofisiológicos reservas adiposas de um organismo devi-
em ratos. Verifica-se que a leptina modu- do ao aumento da taxa metabólica acom-
la rapidamente a actividade sináptica, re- panhada por uma redução da captação de
duzindo as correntes pós-sinápicas energia.
excitatórias no núcleo arqueado. Além A leptina é portanto um elo de ligação
disso verifica-se que a leptina hiperpolari- fundamental entre os sinais metabólicos
za os neurónios hipotlâmicos sensíveis às periféricos e o cérebro(10).
concentrações de glicose através da acti- Apesar da maior parte do interesse ac-
vação dos canais potássio ATPase depen- tual se centrar nas acções da leptina, temos
dentes. também que considerar a insulina como
Dados recentes sugerem que múltiplas um importante factor de feedback-negativo
vias paralelas respondem simultaneamen- no sistema de sinalização do SNC(9).
te à leptina circulante, e a activação destas
vias está na base da regulação da ingestão V.2 Insulina
de alimentos. Além das eferências autóno- A insulina é uma hormona pancreáti-
mas (simpáticas e parassimpáticas) e ca produzida pelas células beta, e a sua
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concentração na circulação é proporcio- está anormalmente aumentada. Uma vez


nal aos níveis de glicemia e à adiposidade que a insulina é necessária tanto para o
do organismo(2). armazenamento como para a utilização
Um efeito directo da insulina sobre a de hidratos de carbono, os ratos com dia-
alimentação foi pela primeira vez consi- betes devoram grandes quantidades de
derado há mais de cinquenta anos, após comida sem que haja um aproveitamen-
se ter observado que injecções de insulina to equitativo. Apesar do referido, os ratos
originavam fome em humanos e outros diabéticos consomem quantidades nor-
animais. O excesso de insulina estimula a mais de alimento quando submetidos a
ingestão de alimentos através da acelera- dietas ricas em gorduras, uma vez que es-
ção do armazenamento de glicose nos te- tas contêm os nutrientes que eles podem
cidos periféricos, causando hipoglicemia. utilizar e armazenar mesmo na ausência
O SNC detecta o decréscimo de glicose e de insulina. É portanto possível atingir a
origina a sensação de fome. De um modo saciedade sem a insulina(1).
semelhante, a ingestão de alimentos é es- A leptina e a insulina, como sinais de
timulada quando há uma descida nos ní- adiposidade, têm uma série de caracterís-
veis de glicose cerebral, produzida pela ticas em comum. Apesar da insulina ser
administração de drogas que especifica- produzida nas células beta do pâncreas e
mente inibem o metabolismo de glicose não nos adipócitos, a sua concentração na
sem aumentar os níveis de insulina no circulação é proporcional à quantidade de
sangue e sem baixar a concentração de tecido adiposo existente no organismo.
glicose no sangue. Assim como a leptina, a insulina também
São três as principais respostas do or- atinge as estruturas-alvo do sistema ner-
ganismo, quando detecta níveis baixos de voso central através de mecanismos de
glicose a nível cerebral: (1)uma grande transporte mediados por receptores
descarga do sistema nervoso simpático, saturáveis, existentes a nível das células
que estimula a mobilização da glicose a endoteliais dos capilares cerebrais. Além
partir dos seus locais de armazenamento, disso, os receptores de insulina estão loca-
ao mesmo tempo que inibe a secreção lizados nas mesmas áreas hipotalâmicas
pancreática da insulina; (2) aumento da que têm uma função chave na acção da
velocidade de esvaziamento do estôma- leptina. A outra característica comum é
go, e consequentemente o aumento da que quando administradas directamente
velocidade de absorção a nível do cólon no SNC, nenhuma das duas hormonas
dos nutrientes ingeridos; (3) um aumen- provoca indisposição.
to da sensação de fome e aumento da in- A administração sistemática de insuli-
gestão de alimentos, comportamentos na como forma de provocar a perda de
que permitem a captação de nutrientes. peso do organismo não constitui uma op-
Estas constituem as respostas do organis- ção viável devido às suas acções periféri-
mo a uma emergência que não é excep- cas, que provocam um aumento das re-
cional – a hipoglicemia. servas de gordura e uma redução dos ní-
Verifica-se também que, nos indivídu- veis de glicose no sangue. Além disso,
os com diabetes, a ingestão de alimentos sabe-se que pelo menos algumas formas
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de obesidade estão associadas à resistên- mento de gordura. Verificou-se que o local


cia aos efeitos desta substância no cére- mais sensível a esta aplicação é o núcleo pa-
bro. Em ratos geneticamente obesos, com raventricular do hipotálamo, onde os recep-
uma mutação no gene que codifica o re- tores deste peptídeo são abundantes(18). A
ceptor da leptina, a administração de in- injecção de NPY no SNC também reduz o
sulina intracerebroventricular não produz gasto de energia e simultaneamente au-
uma redução na quantidade de comida menta a expressão de enzimas envolvidas
ingerida. Isto sugere que a acção central na lipogénese, que ocorre a nível do tecido
da leptina pode ser necessária para que a adiposo branco. Assim a aplicação central
insulina produza o seu efeito a nível do de NPY aumenta o armazenamento de
SNC(2). energia, diminui os gastos energéticos a ní-
Os sinais periféricos actuam no hipo- vel do tecido adiposo castanho e aumenta a
tálamo desencadeando uma série de re- lipogénese a nível do tecido adiposo branco.
acções que envolvem uma grande diver- A administração repetida de NPY a nível do
sidade de neuropeptídeos. A seguir são núcleo paraventricular produz obesidade
descritos alguns dos mais importantes e em poucos dias(2).
dos quais já existem informações concre- Pensa-se que os neurónios contendo
tas. NPY são um dos principais alvos da lepti-
na. Foi sugerido que esta hormona pode-
V.3 Neuropeptídeo Y rá inibir circunstancialmente os neuróni-
O neuropeptídeo Y (NPY) é largamen- os que contêm NPY(10).
te distribuído nas regiões do cérebro. É um O NPY é único entre os neurotrans-
dos neuropeptídeos mais abundantes do missores que provocam um aumento da
sistema nervoso, tanto a nível central ingestão alimentar, pois a sua contínua
como periférico. A nível do hipotálamo administração no cérebro reproduz os pa-
existe uma via bem definida que implica drões normais de alimentação intermiten-
o NPY na regulação da homeostase ener- te em animais saciados, sem desenvolver
gética. O neuropeptídeo Y está contido tolerância, e acelera o ganho de peso cul-
numa pequena população de neurónios minando em obesidade idêntica à produ-
hipotlâmicos no núcleo arqueado. A par- zida em modelos geneticamente modifi-
tir daqui estes neurónios projectam-se ex- cados(9).
tensamente para outras regiões do hipo- A via do NPY é activada como resposta
tálamo originando uma intricada aos sinais associados com o declínio das re-
enervação desta estrutura diencefálica. servas de gordura. Esta resposta ocorre
Uma das principais áreas para a qual estes quando o organismo é privado de alimento
neurónios se projectam é o núcleo para- assim como nos indivíduos com deficiência
ventricular. O NPY tem um poderoso efei- de insulina em consequência da diabetes
to sobre o comportamento alimentar, a mellitus (quando não controlada). Esta res-
nível do hipotálamo(17). posta consiste num aumento da expressão
A administração, a nível central, de NPY do gene do NPY a nível do núcleo arqueado
promove um estado positivo no balanço e o consequente aumento da libertação de
energético e um aumento no armazena- NPY a nível do núcleo paraventricular. A
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actividade deste peptídeo e da respectiva via túrbios na actividade endógena de


de acção está aumentada em outras situa- esteróides e outros mediadores podem
ções associadas à perda de peso, como por contribuir para o desenvolvimento e ma-
exemplo a restrição calórica, a lactação e o nutenção de padrões anormais de alimen-
exercício físico. Esta resposta é imediata, tação e de ganho de peso. Entre estas subs-
pelo menos em parte, através da redução tâncias encontram-se a noradrenalina, o
do feedback negativo da insulina e da lepti- NPY, o GABA e a corticosterona. A injec-
na(2). ção hipotalâmica de noradrenalina ou cor-
A leptina inibe a actividade neuronal ticosterona provoca uma resposta nos ani-
me-diada pelo NPY no hipotálamo; além mais que consiste no aumento do consu-
disso reduz os níveis de RNA mensageiro mo de hidratos de carbono, o que leva a
de NPY no núcleo arqueado e os níveis de um aumento das reservas de gordura e um
NPY nos núcleos paraventricular, consequente aumento de peso(3).
dorsomediano e arqueado. Recentemen- Conclui-se que o NPY desempenha um
te foi demonstrada a co-expressão dos papel de algum relevo no balanço energé-
RNA mensageiros dos receptores de lepti- tico. No entanto, experiências realizadas
na e de NPY no núcleo arqueado(19). A lep- com ratos knockout em relação ao gene res-
tina inibe a transmissão sináptica nos neu- ponsável pelo NPY demonstraram que es-
rónios do núcleo arqueado que contêm tes eram fenotipicamente normais, e que
NPY e inibe também a actividade dos neu- além disso são sensíveis aos efeitos
rónios sensíveis à glicose nos núcleos ven- anoréxicos da leptina. Isto leva-nos a crer
tromediano e arqueado através da sua ac- que a leptina é capaz de actuar através de
ção sobre os canais de K+ ATPase-depen- outras vias para além daquela que envolve
dentes. Pensa-se que a leptina poderá o NPY(9).
também ter uma acção pós-sináptica uma
vez que atenua a hiperfagia induzida pela V.4 CART (Cocaine and ampheta-
injecção de NPY no hipotálamo. Nos ani- mine regulated transcript)
mais com deficiência na produção de lep- Outros locais que se pensa serem alvo
tina (mutantes ob/ob) e naqueles resisten- da acção da leptina são os neurónios con-
tes à leptina (mutantes db/db) verifica-se tendo CART. Neurónios que contêm este
uma produção excessiva de NPY, o que peptídeo são encontrados espalhados por
contribui para o síndroma de obesidade. todo o SNC, incluindo o núcleo arquea-
A leptina inibe também a expressão exa- do. É aqui que se pensa que ocorre a inte-
gerada a nível hipotlâmico do gene que racção(10).
codifica o NPY. Verificou-se que o CART é expresso
A interacção do NPY com os glicocorti- em áreas hipotalâmicas consideradas in-
cóides parece também ocupar um papel fluentes no controlo da ingestão de ali-
importante nas respostas geradas por este mentos, nomeadamente os núcleos
neuropeptídeo, podendo-se verificar a dorsal, ventromediano, lateral, paraven-
existência de uma curva de feedback positi- tricular e núcleo arqueado(20). Pensa-se
vo entre NPY e glicocorticóides(9). Uma existir um papel específico para o CART
grande variedade de dados sugere que dis- no controlo alimentar, o que advém de
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experiências que demonstram que a in- manece ainda em aberto a hipótese do


jecção intracerebroventricular de anticor- CART provocar uma acção hipofágica se-
pos específicos do CART estimula a inges- lectiva que é obscurecida pelas alterações
tão de alimentos(21). Na tentativa de expli- motoras do comportamento(23).
car a capacidade do CART em reduzir a
quantidade de alimentos ingeridos, reali- V.5 Outras substâncias
zaram-se estudos em torno do CART hi- Existe uma série de outros peptídeos
potalâmico. No seguimento destes estu- hipotlâmicos e de hormonas segregadas
dos passou a considerar-se o CART a nível na periferia que hoje se pensa poderem
do núcleo arqueado como um dos media- também estar envolvidas na regulação hi-
dores dos efeitos anoréxicos da leptina. potalâmica da função alimentar. Entre as
Esta hormona tem a capacidade de redu- moléculas que estimulam a ingestão de
zir a quantidade de alimento. Este efeito é alimentos podemos encontrar: galanina,
em parte conseguido através da orexina, GABA, noradrenalina, opióides,
"downregulation" da produção de RNA o factor de libertação da hormona de cres-
mensageiros de NPY no núcleo arqueado, cimento (GRF),MCH, etc.. Entre as subs-
e através da "upregulation" da expressão tâncias que potencialmente inibem a in-
de RNAm de CART e de pré-ópiomelano- gestão de alimentos temos: dopamina,
-cortina também no núcleo arqueado mas serotonina, histamina, neurotensina,
em grupos de neurónios diferentes. A interleucina 1, etc..
produção de CART está reduzida nos ra- Como é óbvio, não é possível abordar
tos deficientes em leptina (ob/ob) expos- todas as substâncias intervenientes neste
tos à fome, e está aumentada após trata- complexo processo, por isso foram selec-
mento com leptina. cionadas aquelas que são mais relevantes
Outro dado obtido experimentalmen- e que, por conseguinte, estão mais estu-
te foi o facto de o CART, ao contrário de dadas, logo o papel por elas desempenha-
outros peptídeos que afectam o tamanho do melhor conhecido.
da refeição, não afectar a duração da re- A redundância e a plasticidade pare-
feição. Verifica-se também que o CART cem ser importantes na homeostasia
pode ter efeitos sobre as capacidades mo- energética. Falta ainda saber se todas es-
toras. Em conjunto estes dados sugerem tas moléculas representam múltiplos sis-
que os efeitos do CART na ingestão de ali- temas que se sobrepõem ou se existe uma
mentos pode ser secundário a uma afec- hierarquia entre eles.
tação das capacidades motoras(22).
Apesar destas observações, recentes
investigações vieram mostrar que possui VI. PERSPECTIVAS
um poderoso efeito de inibição da fase
oral, ao invés de um efeito na saciedade. Parece assim consubstanciar-se uma ou
Assim torna-se mais provável que o efei- várias bases neuroquímicas e reflexas para
to anoréxico produzido pela injecção in- justificar a influência no comportamento
tracerebroventricular de CART seja devi- alimentar de situações como o stress, os es-
do a alterações motoras. No entanto, per- tados inflamatórios ou neoplásicos, a ansi-
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edade, a depressão ou circunstâncias am- Long term factors have a main role
bientais, culturais, hedónicas ou compulsi- in caloric homeostasis. Leptin is a rel-
vas. evant lipostatic factor controlling ener-
A importância antropológica adaptati- getic equilibrium by a feedback mecha-
va e evolutiva, no sentido da conservação nism originated in fat mass with coor-
do ser e da espécie, de moléculas como a dinating effects in hypothalamus.
leptina que simultaneamente assegura re- Other agents are insulin,
servas calóricas para períodos de carência e Neuropep-tide Y (NPY) and Cocaine
intervém na função reprodutora, abre no- and Amphetamine Regulated Tran-
vos conceitos à comunidade científica. script (CART). Insulin secretion is trig-
gered by glycemic increase and modu-
lated by fat mass excess. Insulin in-
Abstract creases glucose uptake in peripheral tis-
Feeding behaviour is an anthropo- sues provoking a deficit of glucose dis-
logic determinant of survival and evo- posable to cerebral neurons. The
lution. From it depends the energetic neuropeptide Y gene is expressed in a
homeostasis in which the formation of small population of arcuate neurons,
energetic pools in liver and fat mass from where it is transported to other
maintained during long periods if there hypothalamic sites. NPY central infu-
is a negative energetic balance. sion enhances a net energetic gain and
The brain has a fundamental role fat mass accumulation. CART is ex-
in this homeostasis through three physi- pressed in hypothalamic areas that in-
ological mechanisms: duce saciety by “downregulation” of
– Hunger/ saciety control; NPY related RNA in the arcuate.
– Caloric waste; Redundancy and synaptic plasticity
– Anabolic and catabolic regulation have an important role in energetic
by autonomous nervous system and homeostasis. Further studies will decide
hormones. if these molecules represent multiple sys-
The hypothalamus is the main lo- tems or if they are hierarchyred.
cal of central nervous system in the en- Key Words: Feeding behaviour;
ergetic metabolism coordination; it in- Fat mass; Insulin; Leptin; CART;
tegrates a great variety of external and Neuropep-tide Y.
internal signalling and generates neu-
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