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Polyana Muniz
Capa e Ilustrações
Evelyn Duerre
Texto
Polyana Muniz
Edição e Montagem
Polyana Muniz
Revisão
Profª. Drª. Adriana Zierer
A autora.
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Introdução
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O historiador italiano Umberto Eco nos aju-
da a compreender o que a Idade Média NÃO é:
Não é um período exclusivamente Europeu :
Ocidente e Oriente e suas diversas culturas (árabe,
bizantina, hebraica, cristã, germânicas, célticas)
estavam em constante troca, conflitos e contatos.
Não é um século:
o período medieval, segundo a divisão tradicional europeia,
inicia-se no século V e termina no século XV. São 10 séculos
de muitos acontecimentos, culturas e modos de vida. Não é
possível resumir muitos anos de história em poucas definições.
Portanto, para saber como as mulheres viviam e como se
relacionavam devemos levar em consideração as mudanças
e movimentos históricos de um longo período do passado.
11
Muito prazer, sou ...
Christine escrevendo em sua biblioteca. 1413, British Library, Harley, 4431, folio 4.
Christine de Pizan (1364-1430)
A italiana Christine de Pizan é um grande exemplo
de mulher medieval que merece reconhecimento: após
se tornar viúva, encontrou na escrita um meio de
sustento. Autora, editora e publicadora de obras, ela
pode ser considerada a primeira mulher que se tornou
escritora profissionalmente no Ocidente. Ela produziu
mais de 40 obras! Elas tinham temas diversos, que iam
desde tratados filosóficos e políticos a textos voltados
a defesa das mulheres e suas virtudes. Quem disse que
escrever não é coisa de mulher?
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A esposa sobrenatural
e a linhagem exemplar
I
magine que você se encontra em uma grande biblioteca.
Por todos os lados que olhar, você verá estantes altas com
muitos livros, pergaminhos e artefatos curiosos. Você não
sabe quão antigo é esse lugar, e pelo que você consegue
notar o espaço se estende por muitos e muitos metros.
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Livro de Linhagens do Conde D. Pedro. III conde de Barcelos, 1314-1354; João Rodrigues de Sá e
Meneses, 1461-1576. Livraria da Alcobaça, 1601- 1700. Cota antiga: CDLXVIII.
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O Livro de Linhagens do Conde D. Pedro é uma importante
fonte histórica sobre a região ibérica (onde hoje estão os países
Portugal e Espanha) ambientada nos séculos XIII ao XV, ou seja,
no período da Baixa Idade Média. Essa obra foi produzida entre as
décadas de 1340 a 1380.
Minha linhagem
#DESAFIO
GENEALÓGICO
Conversando com as
pessoas da sua família,
pesquisando na
internet ou no arquivo
público de sua cidade,
você pode fazer a sua
genealogia.
Colete os nomes
dos seus parentes e
aprenda mais sobre
sobre o seu grupo
desenhando a árvore
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que os representa.
Durante a Idade Média esse tipo de registro foi utilizado para
comprovar o merecimento e prestígio das linhagens de famílias
nobres. Portanto, não eram todos os homens e mulheres que
tinham seus nomes escritos em livros genealógicos. Esse era um
modo de identificação da nobreza. Por isso, esses livros também
ficaram conhecidos como nobiliários, registros do patrimônio,
títulos e símbolos (brasão, sobrenome, hierarquias) da nobreza
de uma região.
Muito mais do que uma listagem de nomes, o Livro de Linhagens
do conde d. Pedro relata diferentes temas religiosos, morais,
anedotas, histórias e lendas. Diversas informações e temas foram
retirados de outros livros e fontes, além de serem inspirados em
histórias que circulavam oralmente.
Até a invenção da prensa, no século
XV, todos os “livros” existentes
eram manuscritos, ou seja, feitos a
mão. A maior parte dos usuários e
leitores eram homens e mulheres
de instituições religiosas, conventos
ou mosteiros. muitos livros eram
escritos em latim, um idioma que
nem todos falavam. Uma pessoa
para possuir um livro tinha que ser
muito rica. Ter um livro enquanto
indivíduo era muito caro e
incomum, pois era considerado um
Detalhe da capa do Livro de Linhagens, objeto de luxo.
edição de 1601-1700. Livraria de Alcobaça.
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18
V
em
compreender
essas frases? Elas
estão
galego-português,
linguagem utilizada
escritas
a
na
Idade Média nas regiões
de Portugal e Galiza. Esse
idioma se destacou por
ser utilizado nas poesias
trovadorescas, importante
expressão literária medieval.
19
A Dama do Pé de Cabra
20
uando comiam juntos Dom Diego
21
A Dona Marinha
O
primeiro foi um cavaleiro bom de
nome Dom Froiam, que era caça-
dor e cavaleiro. Andando um dia
em seu cavalo pelas margens da
praia achou uma mulher marinha dormin-
do na ribeira. Quando ela os percebeu, ele e
mais três escudeiros seus, tentou se escon-
der no mar, mas eles a perseguiram e a for-
çaram antes que ela fugisse. Depois que a
prenderam, os homens a colocaram em um
cavalo e a levaram para casa.
E ela era muito formosa e ele a batizou com
um nome muito apropriado: Marinha, pois
ela saíra do mar. Assim foi posto, e a cha-
maram de dona Marinha. Ele teve filhos
com ela, dos quais um chamou João Froiaz
Marinho.
E esta dona Marinha não falava coisa algu-
ma. Dom Froiam amava-a muito e tentou
de várias formas a fazer falar.
22
U
m dia mandou fazer uma grande
fogueira em sua casa, e ela vindo
com seu filho consigo, filho que
amava com todo seu coração. E
Dom Froiam pegou o filho seu e dela, e fez
como se fosse jogá-lo no fogo. Ela, com rai-
va, esforçou-se para gritar e com o esforço
cuspiu um pedaço de carne de sua boca, e
dali em diante falou. E Dom Froiam a rece-
beu como mulher e se casou com ela.
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R e s p o n da :
#desafio on line:
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uma tradição dos seres humanos registrar as memórias
Se as figuras sobrenaturais
femininas elevam a família de seus
maridos, o que isso pode nos dizer
sobre a condição das mulheres
medievais?
Se você tivesse a chance, que figura
mítica ou sobrenatural escolheria
para ser a fundadora de sua
família?
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Muito prazer, sou ...
O segredo de Melusina descoberto, do O Romance de Melusina de Jean d’Arras, 1450–1500. Biblioteca Nacional da França.
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Os contos melusinianos
1. Encontro
Homem mortal encontra uma mulher misteriosa
e bela em um espaço natural: floresta, montanha
etc. próxima a uma fonte, rio, meio aquático. Ele
se encanta pela sedutora figura.
2. Proibição/Pacto
O homem apaixonado faz um pedido de casa-
mento, que só é aceito diante de uma condição
proibitiva. No exemplo mais famoso, a Melusina
francesa, o marido não deve olhá-la no banho,
pois é quando ela assume sua forma monstruosa.
3. União e Prosperidade
A união gera filhos e grandes
poderes à linhagem que
acolheu a dama misteriosa.
4. Desobediência
O marido, por fim, tende
a desobedecer o pacto
e faz a ação proibida.
5.Desaparecimento
A mulher assume suas
formas originais e vai
embora, as vezes levando
embora tudo o que deu
ao marido.
Rainha serpente. Padre Ulmannus, Livro da Santíssima Trindade,
Franconia,1470. (Munique, Bayerische Staatsbibliothek, Cgm 598, fol. 78)
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odemos explorar algumas das imagens e símbolos que
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A Serpente
A mulher-pecado é represen-
tada por uma serpente, cau-
sadora da destruição do ho-
mem. Os mênstruos, impuros,
foram associados ao veneno
das cobras, capazes de enve-
nenar. As serpentes são ani-
mais complexos, conectadas
aos diferentes elementos na-
turais, fogo, água, terra e ar.
Além da relação com a história
da criação cristã, as serpentes
aparecem em outras mitolo-
gias e culturas representando
o conhecimento do futuro,
dos mistérios do universo etc.
É um animal que retrata a sa-
bedoria, a renovação da vida e
o equilíbrio entre os opostos. Detalhe da impressão de O Romance de Melusina,
impressão de Philippe Le Noir, Paris, 1525.
A Sereia
As damas sobrenaturais estão associadas as sereias: seres aquáticos,
que usam sua voz musical para seduzir. Elas representam, na mitologia
grega, uma armadilha mortal. No medievo, elas estão associadas
à vaidade e à luxúria, sempre de cabelos soltos e seios desnudos.
No entanto, essa criatura é muito comum em diversas culturas e
podemos achar equivalentes aqui no Brasil: a Iara, senhora dos rios.
A cabra
A cabra é animal
simbolicamente traduzido
como demoníaco. Assim
como o bode, foi associada à
luxúria e à servidão ao Diabo.
Para o cristianismo medieval,
são animais impuros, signos
da maldição. Associados à
fecundidade e a deuses como
Pã, Dionísio e Thor, possuíam
pesos simbólicos diferentes
nas culturas da Antiguidade.
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A dama do Pé de Cabra, por José Garcês, (Tintin, 1980.)
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casamento com as damas sobrenaturais, descrito
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#desafio literário:
Agora que você conhece o enredo que caracteriza os contos
melusinianos, pode criar a sua própria versão na forma que
quiser (texto em prosa, poesia, música, quadrinhos):
#pesquise:
Quais são as figuras mitológicas femininas da cultura
do seu estado? Qual a origem dessas lendas?
Qual dessas lendas possui uma origem medieval?
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Modelos femininos na Idade Média
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Duas representações femininas prevaleceram na Idade Média:
Maria, a redentora x Eva, a pecadora.
Árvore da vida ladeada por Maria e Eva. Missal de Salzburgo, 1480. Biblioteca
Estadual da Baviera, Munique, Alemanha.
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Observe os elementos e oposições da imagem ao lado do quadro
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Muito prazer, sou ...
Representação de uma rainha portuguesa. Óleo de José Malhoa (1855-1933), Museu José Ma-
lhoa
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O jurista italiano Francesco de Barberino (1262-
1348) escreveu uma obra chamada Reggimento
e costumi di donna (Regimento e costumes da
mulher), onde ele classifica as mulheres em
diferentes categorias: meninas e moças em
idade de casamento, mulheres que são mais
velhas que os maridos, as que casam tarde e
as mulheres casadas. Isso se detalha conforme
a origem da família: reis ou imperadores,
nobres e cavaleiros, juízes ou médicos, Aponte a câmera do
mercadores ou artesãos, camponeses e simples celular e leia esse
trabalhadores, as viúvas. As mulheres que código de barras para
praticam vida religiosa, freiras, reclusas, damas acessar um vídeo que
de companhia ou criadas, amas e servas. Além demonstra como era o
processo de se vestir no
disso, inclui as barbeiras, padeiras, vendedoras
século XIV. Inspirado
de frutas, tecedeiras, moleiras, vendedoras de
nas imagens do Saltério
aves de criação, mendigas, hospedeiras, mas
de Lutrell, a companhia
exclui as prostitutas, por não as achar dignas Crowseye Productions
de menção. (CASAGRANDE, 1990, p. 103) encenou o processo
diário de se vestir
enquanto mulheres.
Alternativamente, é
possível acessar o link:
rebrand.ly/85rhx4d
Observe o quadro ao
lado: ele retrata uma
cena privada, um parto.
Esse foi, por muito
tempo, um ambiente
exclusivamente
feminino. Essa imagem
cotidiana contém três
mulheres de condições
sociais diferentes.
Uma senhora rica, sua
serva e a parteira.
Que aspectos as
difereciam?
O nascimento de Maria. Altar de Eggelsberger, pintura 41
sobre madeira, 1481.
As mulheres medievais na região ibérica
43
ssim como na cultura cristã medieval, as mulheres
Detalhes das margens de mulheres caçando coelhos. Saltério da Rainha Maria, 1310-1320, Royal MS B VII, f.
155v.
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esmo que sujeitas às leis proibitivas, às
Mulher de véu ajudando a trançar o cabelo de outra, com espelho e pente. Saltério de
Lutrell, 1325-1340. British Library, f. 63r
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A vida da mulher
comum, seja de
qualquer estrato da
sociedade acontecia
principalmente na
esfera privada. As
mulheres, inclusive
as mais ricas,
estavam ausentes
das assembléias das
cortes, pois não havia
nomeação feminina
para esse tipo de
cargo. A historiadora
Manuela Santos Silva
Mullheres vendendo pão e manteiga no manuscrito Tacuinum Sanita-
tis, tradução de um tratado árabe. Biblioteca Nacional da França. nos conta que a casa
deveria ser o único
palco aceito e nela,
as mulheres tinham
ampla liberdade de
ação.
Embora não tenhamos
muitos registros sobre
as mulheres mais
pobres, sabemos que
a mulher trabalhava
ao lado do homem nas
empresas familiares,
como artesãs,
comerciantes ou nas
atividades camponesas.
Homem e mulher com baldes na cabeça. Saltério de Lutrell, 1325-
1340. British Library.
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# D E S C R E VA
Escolha um de seus filmes, livros, novelas ou
jogos favoritos ambientados/inspirados no
período medieval. Prepare um texto contando
o enredo, os personagens principais e
explique de que forma essa obra se aproxima
ou se distancia da Idade Média histórica.
P ro b l e m at i z a n d o :
Você sabe o que significa as palavras
sexismo, misoginia, feminicídio? Aponte sua
camera para o código abaixo ou acesse o link
para assistir o vídeo do canal Nerdologia,
que trata das questões mais urgentes da
violência contra as mulheres. #ficaadica
https://youtu.be/cpnJ4psOoZc
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Muito prazer, sou ...
O espião Zambur leva Mahiya para Tawariq. Detalhe de uma página do livro Hamzanama,
1570, Metropolitan Museum of Art, Nova York.
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Netas de bruxas
T
odas as sociedades humanas possuem suas próprias
crenças do é ‘ser mulher’ e ‘ser homem’. No medievo
essas concepções eram criadas principalmente a partir
das visões religiosas e morais, presentes nas culturas
cristãs, judaicas e mulçumanas.
As divisões e oposições entre os gêneros feminino e masculino
não são “naturais”, elas são construídas socialmente. Nós não
nascemos sabendo como ser um homem ou uma mulher. Nós
aprendemos, assim como aprendemos a falar português, ou a
andar.
Alguns desses jogos se
praticam a cavalo [...] Há
outros que se praticam a
pé [...] Há ainda outros
jogos que se praticam
sentados como o xadrez,
tábulas, dados e muitos
outros jogos de tabuleiro.
E ainda que todos esses
jogos sejam muito bons,
cada um no seu lugar
e tempo adequados, os
que se jogam sentados
são cotidianos e podem
ser realizados tanto de
noite como de dia, como
podem também ser
praticados pelas mulheres
- que não cavalgam
e ficam em casa (...)
(Libro del Acedrex
de D. Alfonso, o
Sábio,1221-1284, rei
de Leão e Castela.)
Quais são as mulheres que você mais admira? Quais são suas
autoras, cantoras, atrizes ou profissionais preferidas?
#desafio detetive:
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As mulheres sobrenaturais no presente
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Observe a passagem em que o marido, D. Diego descumpre o
pacto e se benze:
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A Dama Pé-de-Cabra, por Jorge Magalhães (texto) e Augusto Trigo (desenho)
Lendas de Portugal, 1.º volume (Edições Asa, 1989).
55
A Idade Média em Cordel
56
nquanto estudantes do Brasil nós tentamos enxergar as
PM
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Glossário
Anedota: Breve relato histórico ou fato curioso, geralmen-
te relacionado com a vida de personagem célebre ou lendário.
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Referências
Fonte:
Livro de Linhagens do Conde de D. Pedro. Ed. Crítica de José
Mattoso, et el. Portugaliae Monumenta Historica a Saeculo Octavo
Post Christium Usque ad Quintumdecimum. Lisboa: 1980, v.I/II
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PERROT, Michelle (orgs.). História das mulheres no Ocidente.
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e mulçumanos. Alfragide: Dom Quixote, 2010.
LE GOFF, Jacques. Heróis e maravilhas da Idade
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_______. Maravilhoso. In: LE GOFF, Jacques;
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SCHAUS, Margareth (org.). Women and gender in Medieval
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VERDE, Rafael Lima; ABU, Marquinho. Bestiário Nordestino:
um olhar sobre a gravura fantástica. Fortaleza: Expressão, 2018.
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