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Resumos – História da Cultura na Época Moderna

O que carateriza e diferencia as duas épocas:


Idade Média:
➢ Universalismo
➢ Objetivismo
➢ Clericalismo
➢ Feudalismo
Idade Moderna:
➢ Nacionalismo
➢ Subjetivismo
➢ Laicismo
➢ Absolutismo
Universalismo medieval
Os povos constituem, na baixa Idade Média, uma família espiritual sob a
autoridade do Papa e do Imperador. Deste modo, existiam dois poderes (unidos pela
república cristiana), isto é, o poder temporal e o poder espiritual: Papa e Imperador
unidos, não existindo uma separação clara entre os poderes.
A cultura e os homens cultos exprimem-se numa só língua: o Latim! Uma só fé e
uma só cultura marcada pelo cristianismo, que tem a si associado uma só cultura que
deriva dele próprio.
Nacionalismo moderno
A autoridade dos imperadores deixa de ser reconhecida pelos reis e diminui a
autoridade pontifícia – o Papa já não é a figura que legitima os poderes. A família
europeia, consubstanciada na república cristiana, cede lugar à Europa das nações
(marca transitória importante para se entender a Época Moderna).
Objetivismo medieval
Os dogmas cristãos eram recebidos e aceites de formas objetivas, ou seja, não
se podia discutir nem questionar o dogma. É um universo mental em que a crítica
primava pela ausência e em que a filosofia cristã resultava de uma herança pagã que
não colidia com o dogmatismo cristão.
Subjetivismo moderno
As questões já são analisadas de forma racional e este racionalismo não admite
a hierarquia e a autoridade, sem que estas sejam filtradas pela razão individual em busca
da razão das coisas.

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A síntese tomista (São Tomás de Aquino) desaparece, a filosofia e a
espiritualidade são invadidas pelo subjetivismo e tem lugar, definitivamente, a devoção
privada.
Clericalismo medieval
Predomínio do clero na vida intelectual, cultural e social! Os clérigos eram os
únicos que tinham acesso à cultura e, consequentemente, os únicos que sabiam ler e
escrever – ser clérigo igualava a ser culto. Mesmo em certas escolas, para se ensinar,
era necessário ser clérigo.
O Papa era uma autoridade incontestada, o direito canónico tinha paridade com
o direito civil e a teologia era a rainha das ciências (a filosofia só era aceite como parte
da teologia).
Laicismo moderno
A cultura deixa de ser exclusiva dos clérigos e tem início a secularização. A
filosofia adquire estatuto autónomo.
A leitura laica
A passagem no mundo das letras latinas de uma cultura monástica (oral) a uma
cultura escolástica (visual), teve um efeito limitado sobre a sociedade laica até meados
do séc. XIV, sobretudo na Europa do Norte, onde não havia muita gente a assimilar estar
mudança. Só por si, muitos reis e nobres não sabiam ler.
Raramente praticavam uma leitura solitária e silenciosa. Muitos não sabiam ler
e mesmo os que sabiam eram poucos. São Luís, em França, por exemplo, liam em voz
alta no seio de pequenos grupos.
As sebentas eram os “apontamentos” daquilo que o mestre dizia e que permitam
aos alunos estudar em casa.
A cronografia também vai começar a dar nota desta mudança. Na “Cena da
anunciação a nossa senhora”, a virgem está vestida como uma dama da época e é
invariavelmente representada, em leitura silenciosa, no momento da aparição do anjo
que, em vez de lhe anunciar a vinda do filho de deus oralmente, (???)
O que liam as pessoas?
➢ Textos bíblicos;
➢ Canções de gesta;
➢ Romances;
➢ Crónicas - davam a conhecer os feitos dos antepassados e formatavam o
comportamento das novas elites.
Os títulos de sucesso, na altura, foram o romance de Lancelot, história antiga até
César (importante para conhecer a evolução). Os nobres deviam escutar os grandes
feitos dos seus predecessores ou de heróis antigos para os poderem imitar e

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aprenderem dos mesmos. A função pedagógica desta leitura era considerada
importante.
A prática da leitura silenciosa, entre os laicos, nasceu em Itália, em inícios do séc.
XV, meio século antes da Europa do Norte – ainda não era o farol da cultura europeia
nem do mundo europeia, isso acontecia mais no Sul (macroestrutura eclesiástica – no
cimo esta o Papa)
Esta viragem resultou das transformações, ao nível da escrita, na literatura feita
por laicos que vão abandonar a letra gótica de elaboração difícil e demorada e muito
floreada e passam a usar a letra humanista incluindo já a pontuação (muito importante
na leitura silenciosa para fazer pausas).
A letra humanista é semelhante à que hoje utilizamos e que vai marcar a Idade
Moderna (não obedece as regras que a letra gótica obrigava). Escrevemos mais
rapidamente, sem preocupação com detalhe e pode ser lido por outros com facilidade:
era uma letra encadeada, pois a caneta não era levantada. Até o uso dos parenteses
remete para esta época, servindo para deixar o conteúdo à imaginação do leitor.
A evolução, nos séc. XVI-XVII, provoca liberdade no doctus que leva à letra
encadeada. A escrita era feita sempre em vernáculo, ou seja, em latim corrompido ao
alcance de um número crescente de almas. É também esta nova leitura e escrita que
começa, pela sua vulgarização, a favorecer não só o nascimento, mas a difusão de ideias
subversivas que ameaçam a autoridade politica secular.
A nova intimidade permitida pela leitura e escrita silenciosas teve, como
veremos, efeitos consideráveis ao nível da espiritualidade. A razão na busca da essência
das coisas, isto é, o uso da racionalidade. Favoreceu o renascimento de um género
antigo de literatura e de arte eróticas, hoje passível de ser classificada como licenciosa.
Em Roma, sabemo-lo, este género de obras era lido oralmente e a arte era abertamente
exposta. Numa sociedade pagã a tolerância era maior.
Em Franca, no séc. XV, estes textos estavam terminantemente proibidos de
circular. No entanto, a leitura individual encorajou a produção e circulação deste tipo de
obras (falta matéria)
A leitura silenciosa permitiu, no mundo laico, a composição autográfica que
facultava a multiplicação dos textos religiosos e laicos, prenunciando a necessidade da
imprensa, cujo papel na reforma religiosa do séc. XVI também abordaremos.
Montagem da tipografia
Da ideia à invenção. Há duas condições para que qualquer ideia criadora se
transforme numa invenção útil:
- Existência de condições materiais para dar à ideia forma real
(falta matéria)

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Ao contrário do que se possa pensar, trata-se de um período particularmente
rico da história da cultura europeia. Os espíritos, nesta época, foram tornando uns
curiosos, ávidos de saber.
Os eruditos do tempo estudavam os textos cristãos, mas também os clássicos
pagãos de herança grega e latina. Muitos sábios fugidos de Bizâncio (Constantinopla)
eram portadores dos tesouros da literatura grega e latina – portadores da herança
cultural da humanidade. Despontava a curiosidade e a exploração que viria a traduzir-
se no movimento renascentista do séc. XV e de finais do séc. XVI.
Os monges ocidentais começam a preocupar-se com a divulgação de obras
manuscritas existentes nos seus scriptoriuns, pois não sabiam que obras eram nem o
seu significado, apenas sabiam copiar.
Veiculadoras de uma nova piedade, destacam-se duas ordens fundadas por
Gerard Groot: Congregação de Windesheim (Alemanha) e Os Irmãos da Vida Comum
(Holanda). A emergência do protestantismo surge mais intensamente nestes espaços.
Eram cónegos regrantes de Santo Agostinho e tinha como objetivos:
➢ A produção e a divulgação da literatura: obras de erudição, livros de orações,
compêndios escolares e manuais escolares. Algo que servisse a cultura
emergente.
Atividades caraterísticas do séc. XV que conduziram na descoberta de um
método aperfeiçoado de fazer livros. Muitas vezes, interpretavam mal as obras ou até
deixavam lá a sua opinião própria, resultando numa deturpação dos textos e dai a
necessidade de um método para produzir textos sem alterações.
A noite medieval que Leopoldo Jenico preferia designar como névoa medieval e
mesmo essa se ia desvanecendo. A necessidade social da imprensa contribuiu para
dissipar essa nevoa: os livros tornam-se acessíveis a mais pessoas que os possam ler.
De facto, a imprensa, como todos os grandes inventos e criações do Homem,
nasceu de uma necessidade social e é sentida como necessidade social, nuns países mais
do que noutros.
Na primeira metade do séc. XV, dá-se a multiplicação de livros indispensáveis à
divulgação de uma nova espiritualidade emergente. Contudo, para que a imprensa
pudesse emergir são necessários novos meios materiais:
➢ Substância abundante e fácil de obter: o papel.
▪ Aqui, coloca-se um problema: não era uma invenção ocidental (China).
▪ Não era fácil de obter: a sua fabricação vai caminhando lentamente para
ocidente.
▪ É no coração do mundo muçulmano que se desenvolve o papel, passando
para Marrocos, depois para Espanha e a partir dai para Itália.

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▪A invenção do fabrico do papel chega pelo mundo muçulmano e a igreja
católica continua a utilizar pergaminho para os principais documentos
e livros (questão mental).
➢ Uma tinta aplicável a superfícies metálicas: tinta a óleo.
➢ Uma prensa para premir o metal tintado contra o papel.
➢ Evolução da fundição de metal que permitisse a confeção de matrizes para
moldes.
▪ Os primeiros tipos cortavam o papel quando se imprimia e quando se
fazia pressão sobre o papel.
▪ Começam a ser desenvolvidos por ourives (na sua maioria judeus). A
tipografia era exercida de forma itinerante.
Todos estes elementos são anteriores ao séc. XV e, em vez do papel, podia-se
continuar a utilizar o pergaminho velino e, em vez das tintas a óleo (desenvolvidas pela
escola artística flamenga em 1410), poder-se-ia continuar a utilizar os pigmentos que
serviram para xilogravar (xilogravura – produção de textos chineses. Escrita
hidrográfica)
Quanto ás prensas eram conhecidas:
➢ Prensas para esmagar uvas;
➢ Prensas para o azeite;
➢ Prensas utilizadas na industria têxtil – estamparia
Mesmos os carateres moveis eram conhecidos
➢ Processos de fundição de pequenos objetos de metal eram comuna na arte da
ourivesaria;
➢ Tipos moveis metálicos eram utilizados pelos encadernadores para gravarem os
títulos nas capas dos livros
O inventor da tipografia tinha, mais ou menos, tudo á mão. A todos os elementos
da imprensa, o seu génio juntou-lhe dois elementos fundamentais:
➢ Desenvolveu um método capaz de produzir tipos separados de quadratura tão
exata que se pudessem juntar, seguramente, para fazer impressões sucessivas;
➢ Devolveu um método capaz de recuperar esses tipos e redistribui-los de forma
a obter outros texto a imprimir.
Em suma, Gutenberg associou todos os elementos disponíveis e deu-lhe uma
arrumação capaz de corresponder ao seu objetivo: imprimir em quantidade e
qualidade, rapidez e a preço reduzido. Associou os meios materiais existentes com a
necessidade social de mais livros a preços acessíveis.
Por volta de 1439, o seu nome é citado judicialmente, num processo em que se
opõe ao irmão de um dos seus sócios numa firma de artes, ação que viria a ser anulada.
Em 1441, o seu empreendimento devia ter absorvido grande quantidade de dinheiro, já
que Gutenberg, nesta data, pede a um ourives de Mogúncia (Johann Fust) 800 florins.

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Soma a que junta, em 1452, mais 800 florins – o que leva o prestamista Fust a se tornar
sócio do empreendimento de Gutenberg.
Fust, em 1455, tenta reaver todo o dinheiro judicialmente e, no processo judicial,
faz-se referência a papel tinta, despesas com salários e dinheiro destinado a “trabalho
de livros”. Tudo leva a crer que, nesta altura, embora sem sucesso, Gutenberg tivesse á
despendido grandes somas com o desenvolvimento prático do seu invento, mas sem
retorno comercial.
A 17 de janeiro de 1465, o arcebispo de Mogúncia nomeia Gutenberg seu
servidor e cortesão para toda a vida. Motivos:
➢ Gratidão pelo serviço já prestado ao arcebispo e à sua ordem. Contudo, suspeita-
se que seja pelos serviços que lhe pode vir a prestar e há-de prestar no futuro –
serviços políticos ou serviço em trabalho de arte tipográfica?
Sabe-se que, numa carta de quitação emitida em 1468, em nome do arcebispo
de Mogúncia, se referem certos moldes, letras, instrumentos e ferramentas
pertencentes ao trabalho de tipografia que Johann Gutenberg deixou depois do seu
falecimento.
Entre a comunicação científica, não é pacífico que Gutenberg tenha sido o autor
da invenção da imprensa. Muitos outos pretendentes a esta distinção apareceram e das
mais diversas nacionalidades, mais baseados no espírito nacionalista do que na
realidade histórica. No entanto, há um caso que merece reflexão: o do holandês Lourens
Janszoon Coster, de Harlemo.
Segundo se diz, este pioneiro da arte mágica de imprimir, começou a fazê-lo por
volta de 1430. Primeiro gravou tipos móveis feitos de casca de árvore e, posteriormente,
premiu alguns desses tipos sobre papel. Verificou que o resultado lhe poderia
proporcionar imprimir, desde que com uma tinta mais consistente do que a utilizada
nas primeiras experiências desenvolvidas. Com a ajuda do seu genro conseguiu,
igualmente, produzir tipos em chumbo, em vez de manter os de faia e, mais tarde,
fundiu tipos de estanho (mais resistentes). O seu negócio de imprimir prosperou e
Coster teve de admitir aprendizes. Segundo alguns testemunhos coevos, foi este o
grande candidato a inventor da imprensa.
Todavia, um dos seus aprendizes roubou-lhe os tipos e fugiu primeiro para
Amesterdão, daí para Colónia e depois instalou-se em Mogúncia. Nesta última cidade,
abriu uma tipografia e colheu os frutos do roubo. Aí terá desenvolvido a arte de
imprimir, ao ponto de se pensar que a invenção da nova técnica tenha aqui acontecido.
O caso italiano: Pamfilo Castaldi. Foi inventor de tipos móveis, segundo uma
crónica do séc. XVII. Sabe-se ter sido o primeiro impressor de Milão, mas não se provou
ter sido percursor de Gutenberg.
Há hoje uma quase unanimidade entre os especialistas e bibliófilos em atribuir a
descoberta da tipografia a Gutenberg.

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➢ A localização da primeira imprensa – Mogúncia
➢ A data – entre 1440-1450
➢ A primeira obra conhecida atribuível a Gutenberg
▪ O Julgamento do Mundo – 74 páginas (1444-1447)
▪ Gramática Latina de Éladio Donato (1458)
▪ A Bíblia de 42 linhas
Além de Mogúncia, Bamberga e Estrasburgo foram as primeiras cidades em que
se introduziu o novo maquinismo: a imprensa. Há a hipótese de que a Bíblia de 42 linhas
de Gutenberg tenha sido impressa em Bamberga (1460).
1460 – Johann Mentelin (Estrasburgo): 7 volumes foram aí impressos e com
caraterísticas mais robustas.
1461 – Pfister: imprimiu, em Bamberga, 10 títulos. Na sua maior parte, obras
destinadas ás camadas populares (caraterizam-nos a fraca qualidade da impressão).
1468 – Heinrich Eggestein: foi o primeiro impressor a receber o privilégio de
impressão. Questões religiosas como a “Guerra dos Bispos” fizeram com que, em
Mogúncia, muitos tipógrafos conhecedores do método (mas sem trabalho) emigrassem
para França, Itália e Espanha. Por isso, os primeiros impressores destes países têm
nomes alemães.
Itália
➢ 1465 – Conrad Sweynheym e Arnold Pannartz: imprimem em Roma “De Oratore
de Cícero”, o mais antigo livro impresso em Itália.
➢ Em 1472 tinham já impresso, em Roma, cerca de 40 obras em edições de 275 e
300 exemplares de tiragem, sobretudo clássicos latinos.
➢ Quando em 1477 morre o último destes impressores, já trabalhavam em Roma
12 impressores (todos alemães).
Veneza
➢ Foi outro dos centros primitivos da expansão da tipografia, em Itália.
➢ Principal empório comercial europeu, do séc. XV.
➢ João de Epira foi o primeiro impressor a exercer em Veneza – o primeiro livro
data de 1469.
▪ Carateriza-o a vontade de monopolizar o exercício da atividade, naquela que
viria a ser a capital da imprensa, na Europa.
▪ Obtinha licenças de exclusivo de impressão para 5 anos, privilégio este
concedido até à sua morte. Depois desta, muitos mestres impressores
instalaram-se em Veneza.
Suíça
➢ Depois da Itália, a Suíça recebeu a tipografia. Se bem que, no séc. XV, Basileia
estivesse sob o domínio germânico:
▪ 1474 – Data do primeiro livro impresso em Basileia, por Bernhard Richel.

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▪ É bem provável que, no entanto, desde 1474, a arte de imprimir fosse
praticada em Basileia. Os autores, para o afirmarem, baseiam-se no facto de
os primeiros impressores suíços não datarem os seus livros.
Maquiavel (1469-1527) – defende o poder dos soberanos.
É descendente da alta burguesia florentina, tendo desempenhado diversos
cargos políticos e diplomáticos, como secretário da segunda chancelaria (1498).
Contudo, a restauração dos Médicis afastou-o.
Será, no entanto, a Lourenço de Urbino que Maquiavel dedicará “O Príncipe”,
escrito em 1513. Os Médicis acabaram por lhe entregar as funções de historiógrafo
oficial, em face dos seus preciosos conselhos.
Nesta obra procurou, reportando-se à situação italiana, descobrir uma maneira
de fazer reinar a ordem e de instituir um estado duradouro. Para ele, a Itália não podia
seguir o modelo francês e devia afastar a monarquia hereditária.
As condições de anarquia da Itália: a presença da Santa Sé requeria que o
príncipe tivesse outras qualidades, que fosse um homem hábil e favorecido pela
fortuna..., mas isso não bastava. Só se conseguiria manter no poder através da virtude,
ou seja, uma energia brutal, simultaneamente prudente e calculista, estranha a
qualquer preocupação ética vulgar.
Para tanto:
➢ O príncipe devia deixar aos subalternos, o mais possível, o encargo e tomar as
medidas governativas desagradáveis;
➢ Escolher cautelosamente os seus conselheiros;
➢ Evitar alienar a mínima parcela de autoridade, pois esta deve ser defendida e
aumentada por todos os meios, mesmo recorrendo ao crime: “Mais vale ser
temido do que amado”;
➢ Deve preocupar-se com a sua reputação, uma vez que a sua maior fortaleza é o
amor do povo (preocupação com a opinião pública);
➢ A hipocrisia torna-se um dever para o príncipe, ou seja, a política deve ser um
misto subtil de brutalidade e de dissimulação, em que apenas o resultado conta,
não o olhar a meios para atingir os fins;
➢ Para conseguir conservar a vida e o estado, todos os meios eram válidos e justos
para o príncipe;
➢ Nas relações externas defende a igual posição do príncipe: um tratado, uma
promessa, um compromisso… só têm valor se permanecerem conforme o
interesse do príncipe, casa contrário devem ser violados;
➢ A expansão à custa de outros estados era legítima, mas sempre junto de casa,
pois isso favorecia o centralismo;
➢ Admirador da república romana, é partidário de que a ditadura do príncipe
constituiu o fator de união para se poder partir para governo civil;
➢ É anti cesarista;

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➢ Afasta o modelo racionalista da história: “os homens podem muito bem ajudar
a sorte, mas nunca se opor aos seus desígnios”, ou seja, apresenta uma visão
fatalista da história.
Com ele, a política seculariza-se, desprezando o governo dos padres e o poder
temporal da Santa Sé. Esquematiza, para lá da laicização do estado, a subordinação da
religião concebida apenas como instrumento de poder e de coesão social. Era mais
anticristão do que antirreligioso!
Censura a deformação do evangelho pelos padres, dizendo que o autêntico
cristianismo é cívico e guerreiro e que as novas leituras exaltam apenas os humildes
contemplativos e não os homens que se integram na vida ativa.
Expulsa a política e a metafisica, é uma época de mudança – movimentos
culturais de natureza elitista.
Renascimento
O renascimento foi um movimento cultural surgido em Itália no séc. XV, que
recusa as conceções teocêntricas medievais e passa a colocar o homem no centro de
todos os interesses, visando recuperar alguns valores estéticos das letras e das artes
clássicas.
A sua validade implica um conceito de Idade Média, como época obscurantista e
decadente (conceito posto em causa desde o séc. XIX… entende-se até que nada morreu
da antiguidade clássica). Na própria época, os homens tomam consciência de que algo
renascia (para se distinguirem da época anterior). É um movimento de grande
amplitude cronológica e contempla os valores clássicos que distinguem o renascimento
da Idade Média. Coincide com a passagem do teocentrismo (Deus centro do universo)
para o antropocentrismo (homem como o centro do universo).
Apesar de revolucionária, no período em que surge, esta conceção não era
completamente nova, pois já a antiga civilização greco-romana defendia a liberdade e
dignidade do homem na busca do “homem ideal”, do ponto de vista cívico, intelectual
e físico.
Neste movimento existe uma amplitude civilizacional, plasmada no titulo da obra
de Jean Delumeau “A Civilização do Renascimento”.
Aspetos evolutivos neste período conhecem-se em áreas como:
➢ Economia – novos mercados, novas regras;
➢ Religião, o protestantismo;
➢ Demografia;
➢ Inovação técnica
Contextualização do renascimento:
Geográfica: Itália.

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➢ Manda de retalhos no plano politico;
➢ Centro profundamente ligado, durante a Idade Média; ao mundo oriental.
Nesse espaço conviviam republicas citadinas (Génova, Veneza, Ragusa),
principados…
Alguns dos pensadores e escritores renascentistas que mais se destacam são, por
isso: os italianos Pico Della Mirandola e Baltazar de Castiglione, o inglês Tomas Moro e
o holandês Erasmo de Roterdão.
Nas artes:
➢ O renascimento trouxe a rejeição do estilo gótico medieval;
➢ Substitui a profunda inspiração religiosa que lhe estava subjacente, por um novo
estilo que funde elementos pagãos de inspiração clássica e elementos
religiosos e da vida quotidiana.
Principais vultos das artes renascentistas: os italianos Leonardo da Vinci, Miguel
Ângelo, Rafael, Donatello e Botticelli, os flamengos Jerónimo Bosh e Brueghel, os
portugueses Nuno Gonçalves e Grão Vasco e o espanhol El Greco.
Petrarca
Nasce em Arezzo, filho de um notário de florença, que se fixa naquela cidade, na
sequência das suas posições de defesa da superioridade do poder papel ao poder
temporal. Estuda direito e torna-se capelão de uma família poderoso – os Colouna.
Nessa qualidade, conhece a Europa: França, Flandres, Alemanha, etc.
É partidário da reconstrução da Itália como império unificado – ligado a Cola Di
Rienzo. Usa vários géneros literários em prosa e em poesia e, em Roma (1330), recebe
a coroa de louros, símbolo do rei da poesia. Desenvolve uma intensa atividade na
descoberta de textos clássicos e medievais para os fazer renascer naquilo que têm na
sua essência.
Liga-se a figuras conhecidas do humanismo italiano, como Boccacio, Leonardo
Bruni…
Em 1350 fixa-se em Milão sob a proteção dos Visconti, indo contra o conselho
dos seus correligionários partidários de um poder democrático, nas cidades italianas,
que contrastava com autocracia dos Visconti: contudo, não cedeu. Esta era, afinal, a
oportunidade que buscava de poder para se dedicar, a tempo inteiro, à atividade
intelectual.
No seu tempo de vida conviveu com a Guerra dos 100 Anos, com a peste negra,
com a decadência da Escolástica, com as lutas políticas internas pela unificação da Itália
e, como era de esperar, a sua obra vai refletir estas vivências.
“Itália Mia” (1345): é uma compilação de poesia em linguagem vulgar, muito
divulgada em círculos sociais e intelectuais do seu tempo. É um pranto a Itália, inserido
na oratória lírica fúnebre.

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➢ Divergem nos métodos: os escolásticos compilam máximas filosóficas, manuais,
traduções, comentários.
➢ O Humanismo: procura as fontes originais, daí o aparecimento dos colégios
trilingues (grego, latim e árabe)
➢ Petrarca: legitima uma nova via de conhecimento através da continuidade entre
classicismo e cristianismo.

Programa Objeto Objetivos Vias Métodos


Escolástico Mundo Descobrir, Aristotelismo Manuais
natural, através do Filosofia Natural Traduções
Animais; mundo Teologia Florilégios
Plantas; natural, os Comentários
Cosmos mistérios de
Deus
Humanista O Homem Conhecimento; Filosofia moral, Fontes
de Destinos recurso aos clássicos: originais
Petrarca humanos; Cícero, Platão, Sto. Filológica
Conseguir a Agostinho
formação Os clássicos são
moral do apresentados como
Homem profetas do
cristianismo
Pico de la Mirandola
Entre 1477-1479 estudou direito sobre a influência escolástica. Em Florença,
frequentou a academia neoplatónica de Marcílio Ficino. Entre 1486-1488 tomou
contacto com o método cabalístico (símbolo e números, mística isotérica de origem
judia que fundamenta na ligação de Deus a Adão e Moisés)
➢ Desenvolve-se entre os séc. XI-XVI, mas existe desde os primórdios do
cristianismo.
➢ Método através de livros secretos: o Zoar, redigido em Espanha no séc. XIII,
mediante a atribuição de um valor numérico as letras hebraicas e (falta matéria).
Defende, em disputa pública, 900 teses e mais de 10.000 proposições (teses que
não chegaram a vincar) que sistematiza e publica em Roma. Como algumas dessas teses
e proposições foram classificadas como menos ortodoxas, foi preso em França.
“Oratio de Omnis Dignitate” – texto prólogo à discussão pública das suas teses e
proposições.
As ressonâncias do seu pensamento, em Portugal, estão nas obras:
➢ “Leal Conselheiro” – D. Duarte
▪ Conjura livre arbítrio e astrologia, sob a eventual influência da ordem
cósmica.
➢ “Virtuosa Benfeitoria” – Infante D. Pedro

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▪ Influência do zodíaco, no destino do Homem. Pico é crítico da astrologia
vulgar e as obras em pauta refletem a incorporação parcial das suas
ideias.
Objetivo de Omnis Dignitate:
➢ Objeto: o homem, privilegiando a sua dignidade e centralidade. Para Pico de la
Mirandola trata-se de:
▪ Um ser excecional dotado de um estatuto de liberdade, capaz de criar a
sai própria condição.
▪ Liberdade enquadrada no livre arbítrio – ou se eleva ou cai na
materialidade.
Para Pico de la Mirandola, o Homem está no centro de uma cosmogonia, a partir
da qual define e sai a antropologia. Petrarca coloca o Homem no centro de um universo
social.
O objetivo do conhecimento era direcionar a liberdade humana no sentido da
conquista da dignidade humana: uma das vias era desvendar os mistérios da terra e do
céu.
➢ Via contemplativa: abstraindo-se do seu próprio corpo ideal monástico.
➢ Via disciplinar: teologia como via de salvação, filosofa natural, dialética, moral
Método especulativo: escolas filosóficas.
Sincretismo: as 900 teses fazem convergir o que de comum há nas diversas
escolas filosóficas (a influência escolástica faz o mesmo, mas filtrado pela lente do
cristianismo)
Concilia o aristotelismo e o platonismo, mas não é original, pois Sto. Agostinho
já o havia feito – através da cabalística (falta matéria). Se entendermos como
caraterística principal do humanismos, o antropocentrismo e o classicismo, Pico de la
Mirandola é um humanista.
Pico de la Mirandola

Objeto Objetivo Vias de Metodologia


Conhecimento
Homem Direcionar a Contemplativa Especulação
Dignidade atividade humana Disciplinar – Sincretismo –
Centralidade para a conquista da filosofia cultural, conciliação entre o
Condição dignidade. dialética, moral. Aristotelismo e o
Estatuto Desvendar os Platonismo, a que
Liberdade mistérios de Deus e associa a
da Terra. Cabalística
conciliando
Cristianismo e
Judaísmo. Magia e

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Mitologia são via
auxiliares da
Filosofia Natural.

Petrarca

Programa Objeto Objetivos Vias Métodos


Humanista de O Homem Conhecer os Filosofia Moral Fontes
Petrarca destinos Recurso aos originais
humanos e clássicos: Filológica
conseguir a Cícero, Sto.
formação Agostinho
moral do Os clássicos
Homem são
apresentados
como profetas
do cristianismo

Erasmo de Roterdão
Foi o maior humanista europeu e o seu prestígio difundiu-se desde a Polónia até
à Península Ibérica. Aos 18 anos, entra no mosteiro de EMAUS, pelos dotes e organista
(falta matéria). Faz-se monge agostinho e ordena-se aos 13 anos.
Ideias politicas do humanismo cristão:
➢ Ocupam um lugar secundário na sua obra;
➢ Os seus juízos políticos derivam de conceções que ultrapassam em muito a
esfera política.
➢ Os seus pensamentos, acerca do estado, seguem ordem inversa à de Maquiavel,
ou seja, parte de imperativos morais e religiosos para prescrever as regras de
ação.
“Institutio Principis Christiani” – 1517
➢ Crítica a moral e a pedagogia: abusos, crueldades, loucuras dos governantes em
tempos passados
A aplicação dos preceitos evangélicos deve ser imposta, tanto na vida privada
como na vida pública – é condição de prosperidade e ordem a todos os níveis. Para
fazer reinar a ordem evangélica, Erasmo conta com a virtude cristã do Príncipe.
Convém educar o Príncipe com o maior cuidado:
➢ Escolher bem as leituras;
➢ Não abusar da história (está cheia de maus exemplos);
➢ Traçar um quadro formativo do Príncipe em várias áreas: legislação, finanças,
economia, ensino, mecenato;

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➢ Desprezo pela opulência, amar a justiça “antes abandonar o trono, do que
cometer uma injustiça”
A liberdade cristã:
➢ Dá preferência a um tipo misto que combine os 3 regimes políticos;
➢ A eleição do soberano é preferível à hereditariedade
➢ Elogia os Países Baixos por limitarem a arbitrariedade leal – os súbditos estão
representados em assembleias democráticas
Face ás tiranias que combate, escreveu em 1530 “será mesmo legítimo conspirar
contra os príncipes”
Quanto à guerra:
➢ Censura veemente os padres da igreja, neste domínio:
▪ A guerra é contra o ideal apostólico, por isso critica certos papas;
▪ Denuncia, em 1517, o absurdo da argumentação que condiz à guerra;
▪ Ridiculariza arranjos diplomáticos e as comédias conjugais;
▪ Denuncia o esconder, através da diversão da guerra expansionista (falta
matéria).
Aponta remédios:
➢ Fixação das fronteiras;
➢ Regulamento da ordem das sucessões;
➢ Arbitragem dos diferendos pelas mais altas instâncias morais e religiosas;
➢ Apela à fraternidade cristã
Admite apenas a guerra justa:
➢ Na defesa contra uma agressão;
➢ É contra a cruzada, porque nela se misturam aspetos pouco espirituais;
➢ Erasmo recusa a ideia de império universal – a república cristã é defendida como
uma espécie de federação de estados distintos.
“Contemptus Mundi” – obra acerca do desprezo do mundo.
“Enquiridien” (1503-1504) – vai ser editado por várias vezes e foi traduzido em
espanhol, checo, italiano, francês e inglês (por isso se fala de Erasmismo).
Razões do estrondoso êxito do “Enquiridien”:
➢ Tratou-se de uma obra em tom popular, com o objetivo de corresponder às
expectativas de interioridade da época.
➢ O facto de o original ter sido escrito em latim, também ajudou à sua circulação e
difusão.
➢ Contou com o desenvolvimento do mecanismo de produção do livro em série: a
imprensa.

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Objetivos da Obra:
➢ Orientar práticas, atitudes e condutas cristãs.
➢ Preconiza, por isso, uma reforma doutrinal da devoção e da piedade. Uma nova
eclesiologia, ou seja, uma nova hierarquia da Igreja.
➢ Renovação Doutrinal
➢ Evangelismo Humanista – procura que a sua ação seja entendida dentro dos
parâmetros que definem a ortodoxia, por isso, as autoridades e fontes de fé são,
para Erasmo:
▪ A Bíblia (lida no original) assente no método segundo o qual, a palavra de
Deus, tinha sido tornada escrita, em determinada altura: a palavra
humana.
▪ Competia agora, à filologia histórica, descodificar o sentido da sagrada
escritura.
▪ Desde logo, o Papa aparece subvalorizado como intérprete do escrito
sagrado, com todas as consequências…
➢ Renovação da devoção e da piedade – através da rejeição da exterioridade
cultural, ritualismo, materialismo da prática religiosa, Erasmo propõe, inspirado
na Devotio Moderna, uma nova espiritualidade que apela à interioridade (oração
privada).
▪ Cristocentrismo – imitação de Cristo na relação individual com Deus.
Logo, o papel dos intermediários entre Cristo, Deus e o Homem é
diminuído.
➢ Propõe uma nova eclesiologia
▪ Baseado no Paulinismo (São Paulo): defensor da igualdade de todos os
Cristãos, apesar da diversidade de funções na Igreja.
▪ Apenas se destaca a cabeça, isto é, Cristo.
▪ Não há lugar para hierarquia, na Igreja, mas para a horizontalidade. Deste
modo, a Igreja não é detentora da palavra de Deus, pois esta está na
Bíblia.
A Igreja não é o único intermediário, pois o crente pode comunicar diretamente
com Deus – eclesiologia horizontal. Passa das letras profanas às letras sagradas.
O Humanismo Renascentista Português
À semelhança do que sucedeu um pouco por toda a Europa, o renascimento, em
Portugal, assumiu um carácter de porta de saída da Idade Média para a Modernidade –
o que não significa uma rutura, mas antes uma “continuidade descontínua…”
Os Descobrimentos foram um vetor fundamental do renascimento português e
europeu, traçando novas fronteiras:
➢ Fronteira histórica e geográfica: novos mercados, novos mundos ao mundo
conhecido…
➢ Fronteira epistemológica: trazem dados novos para a reformulação do
pensamento e do saber.

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O Humanismo, ao aproximar-se excessivamente do classicismo, leva a uma
credulidade (ausência de crítica), não se separando o que é útil e não útil no classicismo.
O humanismo português ganhou uma especificidade própria, precisamente porque é
crítico relativamente ao conhecimento clássico
Identificam-se 3 vias do renascimento português:
➢ Humanista;
➢ Escolástica;
➢ Racionalista, pragmática ou experimental
As vias humanista e escolástica eram mais próximas do poder da Universidade
de Coimbra e intelectuais da corte como André de Resende e Pedro Nunes. Já a via
racionalista, pragmática ou experimental, situa-se fora das esferas de poder.
Manifesta-se na literatura de viagens:
➢ Crónicas;
➢ Descrições de países;
➢ Jornais de bordo;
➢ Roteiros;
➢ Guias Náuticos.
Manifesta-se ainda na literatura científica:
➢ Tratados de medicina – Garcia da Horta;
➢ Tratados de matemática – Pedro Nunes;
➢ Tratados de astronomia – D. João de Castro
A via racionalista, pragmática e experimental do humanismo renascentista
português
As opiniões dividem-se:
➢ Para uns, os textos destes autores constituíram uma autêntica revolução
científica no século XVI e é desta forma que os autores brasileiros leem os textos
portugueses.
➢ Para outros, faltou experimentação e matematização, pelo que o século XVI
português não se pode considerar como revolucionário. no plano científico.
Duarte Pacheco Pereira
Nasceu e morreu em Lisboa (1460-1533). Foi militar e cosmógrafo de D. João II.
Viajou às costas da Guiné nas explorações da costa africana e participou na equipa de
trabalho que delineou os limites definidos no Tratado de Tordesilhas (1494).
Atribui-se-lhe uma missão secreta para avaliar com rigor os efeitos dos limites de
Tordesilhas, altura em que descobriu o Brasil (1498) que só oficialmente Pedro Álvares
Cabral encontraria em 1500.

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Obra:
➢ Esmeraldo de Situ Orbis (1505 a 1508) – “a experiência é madre de todas as
cousas...”
➢ Trata-se de uma obra em que a experiência surge já como critério de verdade,
rigor e fonte de conhecimento, mas antes dominava a experiência empírica;
➢ Conceito de Natureza: diviniza a natureza e é nela que se manifestam os
desígnios de Deus. Não é um universo físico, mas um universo divino.
➢ Quanto à matematização da realidade há, pelo menos, duas correntes
interpretativas:
▪ Uma aponta para que, no conteúdo desta obra, existem já preocupações
nesse domínio, uma vez que o autor, nas suas quantificações, mostra
preocupação com o rigor usando, por isso, a numeração árabe em vez da
romana.
▪ Outra entende que o critério anterior é insuficiente, ou seja, no espaço
peninsular o uso da numeração árabe é medievo. De resto, no século
XIV, havia sido publicado um almanaque de astronomia em numeração
árabe.
Outro critério aferidor é o da relação proposta por Duarte Pacheco Pereira entre
antigos e modernos. As fontes em que se baseia são Virgílio, Homero e Estrabão...
Apesar disso, não lê os originais...
Opõe, no entanto, a experiência do saber dos contemporâneos ao saber dos
antigos. Contudo, na sua obra está ainda presente o ideal cruzadístico – a redução à
unidade, a recusa da especificidade, o eurocentrismo medievo.
Garcia da Horta
Foi um médico e naturalista que nasceu em Castelo de Vide (1500) e morreu em
Goa (1568). Estudou em Salamanca e em Alcalá de Henares: Artes, Medicina e Filosofia
Natural e, em Lisboa, obteve a cadeira de Filosofia Natural. Viveu na Índia onde se
tornou comerciante de drogas orientais e pedras preciosas.
Escreveu a obra “Colóquios dos Simples e Drogas e Cousas Medicinais da Índia”
(1563). Trata-se de uma obra fundamental - um marco na História da Medicina – onde
descreve doenças consideradas exóticas como a cólera e os métodos terapêuticos
destinados à sua cura, até então desconhecidos…
Em paralelo, encontram-se descritas numerosas plantas asiáticas, bem como
drogas do reino vegetal e animal. Incluí ainda a primeira poesia de Luís Vaz de Camões,
o que pode parecer estranho, mas era comum, nas edições da ápoca, a mistura de textos
vários no mesmo livro.
Relação entre antigos e modernos, em Garcia da Horta:
Rejeita a autoridade dos antigos face a uma verdade encontrada pela via da
experiência. Está aqui presente a especificidade do Humanismo Português, muito

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ligada à expansão no século XV. Há, no entanto, uma diferença relativamente a Duarte
Pacheco Pereira: este socorre-se da presença de Deus para justificar o seu
conhecimento, enquanto que Garcia de Orta não recorre tanto a explicações divinas
para sustentar o seu saber.
O homem pode penetrar no domínio divino como ser científico, ou seja, situa-se
na fronteira entre ciência e teologia.
Na sua perspetiva antropológica:
➢ Demonstra fascínio pela diversidade linguística;
➢ Na sua obra está ausente a referência aos bárbaros;
➢ Aceita a diferença entre a civilização Ocidental e Oriental;
➢ É, também ele, eurocentrista.
D. João de Castro
Nasceu em Lisboa (1500) e morreu em Goa (1548). Foi Vice-rei da Índia e
astrónomo. Da sua obra fazem parte os Roteiros das viagens que efetuou no Oriente.
Obra – “Tratado da Esfera - Perguntas e Respostas”
Conceito de experiência: manifesta-o em várias vertentes
➢ Verificação através de cálculos matemáticos;
➢ Complementaridade entre as suas observações empíricas com a teoria;
➢ A razão deve filtrar a experiência e comprová-la.
➢ Apesar disto, afirma: “a terra não se move porque eu não a sinto mexer...”
Conceito de Natureza: entende-a como um todo criado por Deus
➢ Procura o estudo da natureza física a partir da matemática;
➢ No foro divino, considera o homem é apenas usufrutuário;
➢ No plano físico - um construtor intelectual (pode transformar a natureza)
Matematização da Realidade: imperam os números árabes na sua obra
➢ Profunda matematização do real
Relação entre antigos e modernos:
Coloca a experiência acima do saber clássico:
➢ Navegações dos portugueses tiveram aqui papel primordial;
➢ Contudo o seu modelo literário é clássico.
A perspetiva antropológica está ausente na sua obra.
Relação entre humanismo renascentista e reforma protestante
No século XVI, surge um fenómeno de grande repercussão a vários níveis: a
reforma ou protestantismo. Que consequências teve em Portugal?

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No plano cultural, a Inquisição é aprovada e com ela os índices de livros
proibidos. Erasmo de Roterdão é interdito: até ao aparecimento da Reforma era bem
aceite, a partir do aparecimento da Reforma Protestante, os seus livros são incluídos no
Índex. É identificado como Martinho Lutero, ao longo da segunda metade do séc. XVI.
Essa identificação não é correta no plano doutrinal, só existem semelhanças entre os
autores, nos aspetos críticos relativos à disciplina eclesiástica.
Reforma – a designação foi avançada pelo historiador alemão Leopoldo Von
Rank, no século XIX. Para este protestante, a reforma foi o manifesto lançado pelo
monge agostinho, Martinho Lutero.
Este movimento nasce na Alemanha, em 1517 e estendeu-se até à França
(Calvino), à Suíça (Zuinglio), à Inglaterra (Henrique VIII) e à Escócia (John Knox). É um
movimento que se apresenta contra a Igreja de Roma, ao que esta responde através do
Concílio de Trento: define mudanças na Igreja romana.
Reforma – O Conceito
Posição marxista – o protestantismo aparece como superestrutura, resultante
de mudanças na infraestrutura económica. Passagem do feudalismo para o capitalismo
comercial e financeiro. Max Weber defende uma posição contrária.
A moral protestante foi responsável pelo desenvolvimento do espírito
capitalista. Calvino legitimou o juro e associou a ideia de predestinação: só o sucesso
nesta vida garantiria sucesso na “outra vida”. Foram estes fatores que estiveram na
base do desenvolvimento do capitalismo. Por isso, foi mais tardio nos países católicos
e teve mais êxito nos países protestantes.
Martinho Lutero
Nasceu em 1483 e morreu em 1546, era filho de um pequeno empresário de
minas. Teve uma educação austera na Escola Catedral de Magdeburgo – Irmãos da Vida
Comum. Bacharel em Artes, estudou em Erfurt e, em 1505, obteve o grau de mestre em
Filosofia. Quando se preparava para cursar Direito - numa viagem entre Mansfeld e
Erfurt, amedrontado por uma forte tempestade, fez voto a Santa Ana de se tornar
monge.
Cumpriu o seu voto entrando para o convento dos Eremitas de Santo Agostinho
de Erfurt, mesmo contra a vontade do pai. Ordenou-se sacerdote e durante o almoço
de ordenamento fala ao seu pai do carácter divino da sua vocação e este observa-lhe
“queira Deus não seja apelo do diabo”. No mosteiro, mostra-se um monge escrupuloso
e observador da regra. Procura, através das boas obras, conseguir o perdão dos seus
pecados. Liberta-se quando, “por inspiração de Deus”, entende que a salvação se
encontra na fé e não nas obras – máxima que viria a enformar toda a sua doutrina.
Passados poucos anos fixa-se em Wittenberg, a norte de Lipsig e no ano de 1517,
afixa na porta da capela de Wittenberg as 95 Teses ou Proposições. Nelas questiona as

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indulgências, cuja receita se destinava a construir a basílica de São Pedro no Vaticano,
o que deu origem a alguns abusos:
➢ Contesta o poder do Papa para conceder indulgências
➢ Contesta os abusos a que a sua concessão se prestava
O que é uma indulgência?
Perdão total ou parcial da pena temporal devida a Deus pelos pecados
perdoados, quanto à culpa através da confissão e da sequente penitência. As receitas
das indulgências revertiam a favor do tesouro da Igreja. Esta doutrina é posta em causa
por Lutero, chegando em 1520 à rutura com o Papa de Roma.
Motivações que justificam a eclosão do protestantismo.
➢ Diminuição da autoridade papal em finais da Idade Média;
➢ Papado de Avinhão;
➢ Cisma do Ocidente - 3 Papas;
➢ Vida de alguns Papas do século XV – desprestigiaram a função;
➢ Decadência da Teologia Escolástica;
➢ Nominalismo - Guilherme Okan “Discussões Dialéticas”;
➢ Divisão em escolas: Tomistas, realistas, etc.;
➢ Época de nacionalismo exacerbado;
➢ Má vontade contra a Cúria Romana resultante do fiscalismo;
➢ Reserva de nomeação dos Bispos Alemanha colocava alguns reparos;
➢ Situação política alemã;
➢ Poder fragmentado por vários senhores autónomos;
➢ Abusos do alto e baixo clero;
➢ Época de medo: a literatura ascética insistia em temas como a morte, o juízo
final, o diabo (Lutero foi um apavorado)
Obra de Lutero
Em 1517 publica as 95 teses ou proposições e em 1520 publica “O Papado de
Roma”. Aqui defende uma nova eclesiologia (à semelhança de Erasmo de Roterdão).
Princípios gerais da nova eclesiologia luterana:
➢ O Reino de Deus está no interior de cada homem;
➢ A Igreja é o conjunto dos crentes e batizados, logo, é também no interior da
Igreja que está a cristandade espiritual (Igreja invisível fundada por Cristo), ou
seja, não é na Igreja visível, governada pelos Bispos e Padres – é uma criação
humana que se opõe ao corpo místico de Cristo
Em 1520 escreve o “Apelo à Nobreza Cristã da Nação Alemã”. Princípios gerais:
➢ Lança um apelo aos príncipes alemães para que levem a cabo as reformas que a
Igreja de Roma não era capaz de fazer: para tanto, sugere ser necessário
derrubar 3 muros da romanidade:
▪ Vencer a pretensa superioridade do poder espiritual ao poder temporal

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▪ Eliminar o privilégio papel de único intérprete da sagada escritura e
contrapõe-lhe o livre exame: cada fiel, ao ler a sagrada escritura, era
diretamente inspirado pelo espírito santo, na sua interpretação.
▪ Colocar um fim à superioridade papel sobre os concílios
➢ Nesta obra defende ainda o sacerdócio universal para a Igreja Católica
A doutrina Católica estabelece diferenças entre o sacerdócio batismal e o
sacerdócio ministerial, mas segundo a posição de Lutero, todo o cristão batizado é
sacerdote.
Em 1520 escreve o “Cativeiro Babilónico da Igreja”: no que se refere aos
sacramentos, refere que Roma se servia como mecanismo de apertado controle de toda
a Igreja. Por isso, os sacramentos deviam reduzir-se apenas a dois: o batismo e a
eucaristia, preconizando a abolição dos restantes e negando a utilidade das missas por
sufrágio, aniversário, etc. Levanta ainda a questão de os fiéis terem sido privados do
cálice (comunhão em espécie)
Nesse mesmo ano escreve ainda “Da Liberdade do cristão”, considerada a mais
bela obra de Martinho Lutero. O cristão é um homem livre, senhor de todas as coisas e
não estando submetido a ninguém, é servidor obediente de todos. A alma, ao ser
iluminada pela fé, recebe a certeza da completa libertação e liberta-se de tudo o que
não é de Deus (= fortaleza da alma). Esta liberdade estava ameaçada pelo egoísmo do
homem, a salvação estava, pois, na fé e no seu fortalecimento, e não nos exercícios da
ascese. Promovia a confiança nos méritos de Cristo como via de Salvação (Devotio
Moderna): Deus não via o pecado do Homem, mas os méritos de Cristo. Para a Igreja
Católica, o Homem livrara-se do pecado pela paixão e pela morte de Cristo.
Em 1521 escreve o “Acerca dos Monásticos”, uma posição muito radical para
quem foi monge, pois nega qualquer valor aos votos eclesiásticos e,
consequentemente, os mosteiros devem esvaziar-se. Ele próprio casou com Catarina de
Bora, antiga religiosa.
Principais elementos doutrinários de Lutero:
A concupiscência é invencível. As obras eram inúteis em função da
invencibilidade da concupiscência, uma vez que a salvação só vinha através da fé. A
natureza humana era sempre má e essencialmente corrompida, pois o pecado original
tinha eliminado qualquer possibilidade de o homem fazer o bem. Não há livre arbítrio
no Homem e este inclinava-se sempre para o mal (pessimismo).
Foi sobretudo na questão do livre arbítrio, que Lutero e Erasmo de Roterdão se
desentenderam. Contornos de um conflito: Lutero não foi um humanista, mas um
teólogo, por isso, esta visão pessimista acerca da natureza humana contrasta com a de
Erasmo de Roterdão.
Chegam a trocar correspondência. Lutero procura que Erasmo nada escreva
contra os seus princípios: em 1519, chega a manifestar-lhe admiração e pede-lhe que
adira à sua doutrina, contudo, o humanista não cede, condenando a reforma pelos

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apelos que faz à revolta. Lutero, em 1524, escreveu novamente a Erasmo, voltando a
insistir para que nada escreva a condená-lo, adiantando que tomará recíproca posição,
mas Erasmo não cede.
Responde com a escrita do livro “De Libero Arbítrio”. Inspira-se em Santo
Agostinho, defendendo a liberdade do homem para o bem e é nessa altura que Lutero
responde com “De Servo Arbítrio”: defende a posição contrária, que o pecado original
marcou o homem para o mal.
Na sequência deste desentendimento Lutero acabou a classificar Erasmo de
venenosa, sacrilégio e sofista. Contudo, em atitude que deve pautar a relação entre os
intelectuais, reconheceu que afinal este tinha sido o único que tinha entendido a sua
doutrina de forma mais profunda.
Calvino
Nasceu em Noyon, em 1509 e morreu em Genebra, em 1564. Estudou Filosofia,
Direito e Humanidades em Paris, Orleães e Bruges. Converteu-se ao protestantismo em
1533-1534, unindo-se aos círculos evangélicos franceses. Foi perseguido em França,
sendo obrigado a emigrar e fixa-se em Genebra (1541).
Linhas essenciais da doutrina calvinista
Defende uma religião baseada no temor e na austeridade, defendendo o
teocentrismo (afasta-se de Lutero, um adepto do cristocentrismo). Para Calvino Deus é
um senhor absoluto que inspira temor: visão recolhida do Antigo Testamento. Já o
Novo Testamento apresenta Deus como sinónimo de Amor.
Na questão do livre arbítrio, mostra uma conceção Luterana e na questão da
Salvação também segue Lutero: só através da Fé se encontra a salvação. No que se
refere à sagrada escritura, entende-a com única norma de fé: assim, os padres da Igreja,
as determinações conciliares, etc. não deveriam ser tidas em conta. A Igreja Católica só
tinha duas fontes de revelação: a tradição e a sagrada escritura.
Quanto aos sacramentos, segue Lutero e valida apenas o batismo e a ceia
(Eucaristia), instituídos durante a vida de Cristo. Todos os outros são criação posterior.
A sua perspetiva eclesiológica apresenta uma conceção espiritual, ou seja, também não
admite intermediários entre Deus e o Homem.
Defende uma posição radical e diversa da de Lutero: defende a substituição da
Igreja pelo poder civil. Calvino defende que o Estado deve ser absorvido pela Igreja, ou
seja, defende uma teocracia – em Genebra instala mesmo um poder teocrático.
A Bíblia impera e Calvino apresenta uma espécie de fundamentalismo:
condenações à morte por adultério ou idolatria; revistam-se residências em busca de
provas comprometedoras de ligações ao catolicismo; proíbem-se espetáculos;
queimam-se pinturas...
Como é que as escolas historiográficas analisam este período?

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Weber contra Marxistas
Este foi um período particularmente importante da evolução do ocidente! É no
séc. XVI que surge, em força, a expansão europeia ao mesmo tempo que se frutificam
as mudanças na estrutura económica, social e política da Europa. Por isso, surgem duas
teses de análise da evolução europeia deste período: as teses marxistas e a tese do
sociólogo Max Weber.
Os autores marxistas explicam o aparecimento do protestantismo como
consequência das mudanças verificadas na estrutura económica, que se traduzem em
mudanças na superestrutura ideológica:
➢ Passagem de um modo de produção feudal para o modo capitalista que
correspondeu, no plano político, à passagem da monarquia feudal para a
monarquia absoluta;
➢ No plano da superestrutura ideológica, a religião católica cede espaço ao
protestantismo;
Max Weber, um sociólogo alemão do séc. XIX, apresenta explicações bem
diferentes: o protestantismo, na sua vertente calvinista, é que foi responsável pela
emergência do capitalismo, ou seja, pela mudança na superestrutura ideológica.
Motivo? O juro que na Idade Média a Igreja Católica proibia, uma vez que o
dinheiro era improdutivo. Calvino tem posição bem diferente ao admitir tipos de
empréstimo para consumo (não havia lugar a juro) e para investimento, pois este era
rendível para quem o contraía, legitimando uma compensação ao prestamista através
do juro.
Para Max Weber, é o surgimento deste mecanismo que facilita o
desenvolvimento do capitalismo. De resto, a própria Igreja Católica revê as suas
posições extremistas a partir do séc. XVI, no que diz respeito a esta matéria, admitindo
o juro em determinadas circunstâncias.
Não abriu em demasia, receosa de que o mecanismo legitimasse um sistema
exploratório descontrolado. Um perigo que o próprio Calvino percebeu ao criticar os
judeus por praticarem apenas com os estrangeiros e não com os seus pares e ao
defender o controle do juro pelas entidades oficiais.
Weber considerou que, nos países aderentes ao protestantismo calvinista, o
capitalismo se desenvolve muito mais, já que as minorias católicas não se entregam a
atividades comerciais e industriais. Nos países católicos, o atraso no desenvolvimento
capitalista é notório, pois neles, quem mais consegue prosperar, são as minorias
protestantes: frases como “tempo é dinheiro”, “crédito é dinheiro” ou “dinheiro
multiplica-se”, são aí mais pronunciadas.
O ideal de predestinação que o luteranismo radical, na versão calvinista, acentua,
ou seja, a ideia de que o sucesso nesta vida é sinal de alcance da salvação na vida pós
mortem, acaba a transformar o dinamismo capitalista, o que nos países protestantes é

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mais notório. Daí a prosperidade dos países do norte europeu, em contraste com os
países do sul do continente europeu.
A resposta católica – a Contrarreforma ou a Reforma Católica
A reforma católica tende a dar resposta, pela positiva e pela negativa, a alguns
dos problemas que a Igreja do séc. XVII enfrentava e que vinham já do século
precedente, para os quais humanistas e protestantes, com destaque para o pioneirismo
de Martinho Lutero, recensearam.
A forma encontrada foi aquela que, institucionalmente, a Igreja sempre utilizou,
ou seja, uma forma conciliar – O Concílio de Trento! Trata-se de um Concílio ecuménico,
que reúne a Igreja Universal através da representação dos seus principais líderes.
Designa-se Trento por ter sido realizado na cidade italiana do mesmo nome. É aberto
em 154, mas só em 1546 realizou a primeira sessão de trabalho e a última data de 1563,
embora tenha havido interrupções.
Abriu uma nova época na História do Ocidente. De facto, as determinações
tridentinas mantiveram intacta a ligação trono-altar, entre os séculos XVI a XVIII, só
maculada no século XIX,
Principais pontos sobre os quais se debruça o Concílio Tridentino.
Matérias doutrinais:
A sessão IV dispõe-se sobre o texto da Sagrada Escritura e sobre o seu uso e
interpretação. Trata-se de matéria questionada pelos reformadores e aceita-se como
autêntica a vulgata (tradução da Bíblia para latim, por São Jerónimo), o texto mais
autêntico entre o grande número de traduções do texto sagrado.
Isto não significou que outros textos não fossem admitidos, mas este era
considerado o que menos deficiências apresentava na tradução. Erasmo era contrário a
esta orientação, apoiado na filologia histórica.
Estabelecem-se normas sobre a edição de livros sagrados.
➢ Obrigatoriedade de submeter tais edições a teólogos indicados pela autoridade
eclesiástica, com o fim de evitar heterodoxia;
➢ Determina-se o lançamento de uma edição depurada da vulgata;
➢ Proíbe-se, sob pena de excomunhão, a impressão total ou parcial da sagrada
escritura;
➢ Proíbe-se a publicação de obras anónimas (numa palavra, reforça-se a vigilância
censória sobre livros – censura intelectual). O português Frei Francisco Foreiro
colaborou na elaboração do Índex.
A sessão V tratou-se da questão do pecado original e das normas para o ensino
da Teologia, da Sagrada Escritura e da pregação. Erasmo criticava os malabarismos do
ensino da Teologia (Elogio da Loucura). Sobre esta matéria, o concílio determina que os

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arciprestes, párocos e sacerdotes se deviam dedicar à pregação, pelo menos aos
domingos e dias santos.
A primeira interrupção do concílio teve lugar em 1549, por Paulo III. Só é
reaberto em 1551, pelo Papa Júlio III. Nesta segunda etapa trata-se, sobretudo, dos
sacramentos (uma questão que, vimo-lo separava católicos e protestantes). A segunda
interrupção termina em 1563.
Nesta terceira etapa, proclama-se a doutrina do purgatório, o que origina a
devoção às almas do purgatório. A origem em todas as paróquias das confrarias das
almas está nesta sessão tridentina e vão-se multiplicar as populares alminhas.
Insiste-se na ajuda que os fiéis podem dar aos defuntos estantes no purgatória
através das boas obras. Determina-se sobre a evocação das relíquias dos santos e a
veneração das imagens (2º decreto). Ordena-se que se evitem abusos introduzidos e
praticados; determina-se a eliminação da superstição no culto e reafirma-se o combate
à bruxaria.
O 3º decreto determina-se sobre a reforma monástica. Procura-se a reforma das
ordens monásticas antigas, com a intenção fazê-las regressar ao espírito primitivo do
fundador. É conhecido o caso de Cister (1531-1532) – a Geral da Ordem Cisterciense,
veio a Portugal visitar as casas da referida ordem, acompanhou-o um secretário que
deixou um relato pormenorizado do que observou e não gostou, particularmente nos
eremitérios das cercanias de São João de Tarouca. Aí o desregramento era maior e
contrastava com casas de vida monástica séria.
Em 1563 publica-se o decreto sobre as indulgências, a clarificação. Estabelecem-
se os dias de jejum, abstinência e festivos. Confia-se ao Papa a publicação de: um missal
e um breviário, um índex de livros proibidos e um catecismo – obras que vão ter papel
relevante na formação dos crentes.
Consequências do Concílio de Trento
Os bispos e os párocos que antes se faziam substituir nas paróquias e nos
bispados, foram obrigados a neles residir. Os Seminários são impostos ao clero secular
para uma melhor preparação moral e intelectual dos padres. Havia, no entanto, abades
que continuaram a não saber ler e escrever.
Ao nível das práticas populares, avultam manifestações do universo mental
arcaico (pré-cristão), nos séculos XVI e XVII. Entende-se que corpos mortos corpos vivos.
São animados de “alma” e “espírito”, não se distingue natural de sobrenatural…
Gera-se angústia e insegurança do homem perante o mundo. Distingue-se mal
o visível do invisível. No séc. XVII, certas ervas eram consideradas mágicas. Na Bretanha
orava-se à Lua. Prestava-se culto a fontes (virtudes curativas). Os suicidas eram retirados
de casa pela janela e não pela porta de casa e de rosto virado para o solo, baseavam-se
na crença de que o morto era mau e se saísse pela porta aprenderia o caminho e poderia
voltar.

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Outras expressões da mentalidade arcaica dizem respeito ao sangue menstrual,
esperma, unhas, cabelos, pois entendia-se que tudo o que era proveniente do corpo
continha parte da alma. Estas crenças e práticas são proibidas pelas constituições
sinodais, ainda assim enraizaram-se na mentalidade da época. Tendência no século XVI
XVII para a folclorização das festividades cristãs. Festa do Corpo de Deus, por exemplo.
A procissão do Porto, ou de Ponte de Lima é disso mostra…
Atitudes e práticas ainda hoje seguidas: mo São João, colhiam-se ervas mágicas
(erva cidreira) e faziam-se fogueiras para afastar os maus espíritos, lançam-se gatos
(animais considerados diabólicos). Acreditava-se que os banhos evitavam as febres por
um ano…
Multiplicam-se crenças sobre: lavadeiras da noite, deslocações dos marcos
delimitativos das propriedades, mortos sem sepultura, números mágicos ímpares (3
pessoas, Santíssima Trindade, 7 pecados mortais). Multiplica-se o culto dos santos e os
exorcismos, ou seja, e para terminar, uma nova mentalidade surge na sequência das
deliberações do Concílio de Trento que marcará o mundo católico.
Cultura e Censura
Até ao século XVI foi prática corrente serem os prelados ou as universidades,
através das respetivas Faculdades de Teologia, a tomarem posição em matéria de
censura de livros heréticos.
Em 1529, a bula de Paulo III autorizou Carlos V a usar, no seu Império, um índice
de livros proibidos. No ano de 1540, este índex foi adotado pela Universidade de
Lovaina, no território da atual Bélgica e passou também a ser utilizado em Espanha. Foi
este índex que inspirou o primeiro rol de livros proibidos que circulou em Portugal
(1547).
Caraterísticas deste 1º rol português:
Era um manuscrito que integra 160 títulos de livros de leitura interdita. Sob o
ponto de vista das suas temáticas, dirige-se contra os livros que veiculassem o
progresso das igrejas protestantes e contra o erasmismo, evitando a disseminação dos
escritos favoráveis a estas correntes.
O 2º rol português data de 1551, com o título: “Rol dos Livros Defesos”. Reproduz
um outro rol publicado em Espanha por Carlos V, organizado ainda pela Faculdade de
Teologia de Lovaina. Trata-se de um rol muito mais volumoso que o primeiro (1547) e
integra 495 títulos. É um trabalho ao qual os censores portugueses conferem já alguma
originalidade: não se limitaram à reprodução da fonte inspiradora e acrescentaram-lhe
um apêndice de obras consideradas incómodas para a Igreja.
Escritores reformistas como Lefevre D’Etaples (precursor da Reforma
Protestante em França) foram incluídos, bem como sete autos de Gil Vicente. A
originalidade do índex de 1551 levou mesmo à proibição de obras recomendadas aos
estudantes da Universidade de Lovaina. Começou aqui o zelo censório português que

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não mais se perdeu e que marcou a originalidade da nossa vida cultural, por mais de 300
anos. A Europa de então admirou este nosso cuidado.
O 3º Índex de livros proibidos (1559) trata-se do ano da publicação do primeiro
índex romano, pelo Papa Paulo IV. Coimbra foi a única cidade não italiana ou papal a
reproduzi-lo através da imprensa da universidade.
Com o 4º índex de livros proibidos (1561) a censura portuguesa atingiu grande
apuro: para além do índex, o texto integra um conjunto de regras gerais a seguir como
critério para justificar as condenações.
Tratado completo de legislação inquisitorial sobre livros:
Este índex de 1561 transformou os censores portugueses em verdadeiros
especialistas na matéria. É graças a ele que Frei Francisco Foreiro é chamado ao Concílio
de Trento para colaborar na revisão do índex de Paulo IV e elaborar as bases do índex
tridentino.
O 5º índex de livros proibidos (1564) é precisamente a adoção em Portugal do
índex aprovado em 1563 “Index Librorum Prohibitorum Cum Regulis Confectis a
Tridentino Synodo Delectos”, ou seja, o rol tridentino a cujas bases deu contributo Frei
Francisco Foreiro.
Caraterísticas Gerais do Rol de Trento:
Não apresenta grandes avanços relativamente ao de 1561. Contudo, as obras de
Gil Vicente deixaram de figurar entre os textos interditos, o que parece revelar algum
recuo do brio censório.
A importância maior deste índex reside no facto de se ter transformado num
código legislativo sobre a censura de livros: define 10 regras básicas que precedem a
descrição das obras proibidas; confere aos bispos e aos inquisidores poderes para
recusarem ou autorizarem, nos seus territórios, a leitura do livro sagrado. A questão do
livre exame, levantada pelo protestantismo, é preocupação.
Mesmo os membros do clero regular só podiam ler a Bíblia depois de autorizados
pelos seus superiores seculares. A aquisição da Bíblia passar a ser precedida por uma
autorização escrita, sucedendo o mesmo com a sua leitura (incluem-se os livreiros).
Livros que tratassem matérias lascivas ou desonestas (exceção feitas a alguns textos
clássicos) deviam ser incluídos no rol.
Os livros de astrologia só podiam circular os que tivessem aplicação prática nas
navegações, agricultura e medicina, ou seja, assuntos em constante evolução e
atualização na época. Os livros que contivessem matéria supersticiosa deveriam ser dela
expurgados, antes de circularem. Os autores surgem, pela primeira vez, neste índice
divididos em dois grupos/categorias:
➢ Os que vim todos os seus livros interditos – condenação nominal;
➢ Os que só alguns títulos eram expurgados ou indexados.

27
O rigor desde índex chegou ao pormenor de aconselhar cuidados especiais com
as obras de “bons autores”, ou seja, católicos, mas sumariados, glosados ou prefaciados
por autores “reprovados”.
Em suma: livros de propaganda herética, veiculadores de artes ocultas e
atentatórios dos bons costumes e do texto sagrados. Foram estas as principais
categorias que o índex de 1564 enquadrou.
Impõe-se a pergunta: este rigor teve aplicação prática?
A sua aplicação foi rigorosa, em Portugal. Os oficiais do Santo Ofício da
Inquisição, algumas vezes por ano, passaram a visitar as tendas dos livreiros. Os
revedores e familiares daquele tribunal, à mesma hora e de surpresa, vistoriavam as
livrarias de Lisboa e apreendiam livros suspeitos de conterem matérias melindrosas.
Preocupava-se, sobretudo, com os livros estrangeiros, veiculadores da heresia e do
“erro”.
Foi mesmo criado o cargo de visitadores das naus estrangeiras, em todas as
cidades costeiras. As livrarias particulares também não escaparam a este zelo, eram
vistoriadas com regularidade.
Sempre que alguém deixava o mundo dos vivos, os seus herdeiros só podiam
apropriar-se dos livros que colecionou após uma visita do revedor do santo ofício, que
sequestrava os exemplares que entendia por suspeitos. Este 5º índex deixou fama no
reino.
O 6º índex de livros proibidos (1581) foi imprimido por D. Jorge de Almeida que
traduz, de forma rigorosa, o de 1564, no que se refere às 10 regras do catálogo
tridentino, mas, no final, Frei Bartolomeu Ferreira acrescentou-lhe a “lista de avisos e
lembranças para o negócio e reformação dos livros”. Foi com base nestas lembranças
que a edição de “Os Lusíadas”, de 1584, foi mutilada. Sob o ponto de vista bibliográfico
é hoje uma raridade valiosa.
O 7º índex de livros proibidos (1597) trata-se da cópia de um novo índex romano
que continha regras há muito tempo seguidas em Portugal, nesta matéria. Afinal, desde
1547, que Portugal se constituí como “uma fortaleza inexpugnável contra a heresia e a
imortalidade literárias”.
O 8º índex de livros proibidos (1624) foi o último índex da chamada censura
inquisitorial e foi também o índice que mais tempo vigorou entre nós: só foi
abandonado, mesmo assim, parcialmente, quando se criou a Real Mesa Censória
(1768). Foi, por isso, um precioso instrumento de trabalho para a censura portuguesa
pré-pombalina.
Mas a tradição censória portuguesa manteve-se. Este índex também continha,
para além do índex romano em vigor em todo o mundo católico, um apêndice com livros
interditos, especificamente, em Portugal, alinhando assim com o costume iniciado pelo

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índex de 1551 e inovou com o acrescento de um índex de expressões a eliminar de
obras autorizadas.
Até 1769, vigorou a censura inquisitorial e este era o seu procedimento:
Ao longo do século XVI, o papel dos bispos em matéria censória foi colocado em
segundo plano, isto apesar de os concílios de Latão e de Trento lhes conferirem papel
primordial nesta matéria. A ação dos prelados esbateu-se a uma mútua colaboração
entre santo ofício da inquisição e bispos diocesanos, na elaboração dos índexes ou na
tramitação processual de exame e censura dos livros. A informação dos bispos precedia
a decisão dos inquisidores, mas, contudo, no século XVI a chancela episcopal não
aparece nas portadas dos livros a conceder autorização.
No século XVII, a tendência de alguns bispos para reivindicarem a sua autoridade,
fez avultar o papel do ordinário no exame dos livros. As edições na portada ou página
de título fazem já alusão à autorização por parte dos bispos e que dizer da autoridade
civil?
Em Portugal assistiu-se, ao longo do século XVI, a uma neutralização da
autoridade régia nesta matéria. Ela acontece na medida exata do agigantar do aparelho
inquisitorial, considerado pelos poderes públicos como muito eficaz na matéria. Mas
este alheamento aparente da coroa foi quebrado no decurso do reinado de D. Sebastião:
de facto, a 26 de junho de 1571, publica-se a “ley sobre os livros de hereges e defesos”.
Argumentos invocados para a sua publicação:
➢ “Conservação dos “Reynos e Senhorios na pureza da nossa Sancta Fée Catholica”;
➢ “Impedir as astucias que o demónio usa pera perverter o entendimento dos
catholicos”;
➢ Tomando por lição “Os grandes males que se seguiram em muitas partes da
Christandade por nellas se meterem livros luteranos, heréticos, etc., reprovados”;
➢ E apesar de o monarca reconhecer que em seus “reinos aja muito cuidado e
vigilancia, em inquirir dos herejes, e os ponir e castigar pollos officiaes do Sancto
Oficio da Inquisição”
D. Sebastião entende que “como a liçam dos livros he cousa que se muito deve
temer, por poderem vir os ditos livros secretamente de fora do Reyno”, torna-se
imperioso aumentar a vigilância: a Lei publicada, reforça as medidas punitivas contra
quem ler ou possuir livros defesos, destacando os autores mais temidos: Lutero, Zuinglio
Calvino, Melancton, Colampadio.
Ninguém goza dos privilégios de isenção no que se refere ao cumprimento desta
lei: “qualquer pessoa de qualquer preeminência que seja que os tiver ou possuir, os
trouxer, ou mandar trazer de fora do Reyno, ou os venda, ou emprestar, ou em sua casa
tiver ou os ler, sabendo que livros sam...”
Morrerá de morte natural, diz a lei. Consequentemente, era espoliado dos seus
bens. O método era a delação premiada, como hoje se diz: no caso de os acusados não

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terem meios para pagar aos delatores, a coroa assumia os encargos, os escravos ou
cativos receberiam a liberdade por troca da delação. A lei também contemplava
algumas atenuantes: pessoas que embora possuidoras destes livros “não entemdam,
nem possam entender que livros são, nem pera alguma via o saibam”; os Santos Padres
da Inquisição; os licenciados pelos Prelados Ordinários. Após este diploma, torna-se
obrigatório o exame prévio do paço sobre os livros.
A censura laica
Ocorre no período da governação de D. José I, influenciada pelo Marquês de
Pombal, período habitualmente designado pela historiografia portuguesa como
pombalismo. A nova conjuntura doutrinária exige preparação adequada das
mentalidades: a proibição de leituras contrárias à nova filosofia de poder e a
disseminação das luzes da mudança na vida pública nacional, sobretudo após 1755.
Há uma preocupação com as formulações políticas atentatórios da autocracia,
em detrimento do combate à heresia, preocupação primeira da censura inquisitorial.
Pombal era um homem informado e não lhe escaparam os sinais propagadores
das correntes racionalistas, que ganham raízes na Europa do seu tempo e que
questionavam os poderes absolutos e despóticos. Déspota esclarecido, Pombal beliscou
o compromisso de séculos existente entre o trono e o altar.
Significa relaxamento censório? Ou o seu reforço?
Pombal preserva o “cimento” religioso que continuou a usar a censura como
arma de defesa, apenas com uma diferença: até meados do séc. XVIII, coube ao Papa
nomear as autoridades censórias, mas a partir desta altura, essa competência é
transferida para o Estado. Esta postura decorre da publicação da “Dedução
Chronológica e Analítica” (obra atribuída a Pombal que circulou sob o pseudónimo de
José Seabra da Silva, em 1767).
Nela se considera que o Governo monárquico é “aquele em que o Supremo Poder
reside inteiramente na Pessoa de hum só Homem: o qual (Homem) ainda que se deve
conduzir pela razão, não reconhece com tudo outro Superior (no Temporal) que não seja
o mesmo Deus: o qual (Homem) deputa as Pessoas que lhe parece mais próprias para
exercitarem nos differentes Ministérios do Governo; E o qual (homem, finalmente) faz as
leis e as derroga, quando bem lhe parece” (604º).
Por isso é que a mesma Dedução refere a “falsa, e detestavel seita dos
Monarchomacos republicanos Jezuitas seus sequazes” homens “que se procurão fazer
célebres no Mundo com invenções exquisitas, sem repararem nas consequências delas”
(633º). As doutrinas de Velasco são consideradas “destructivas de toda a união Christã”
e de toda a Sociedade Civil”, revelando uma “crassissima ignorancia de Direito” (588º).
Trata-se, aliás, de um “informe, absurdo, e ignorante livro” (658º). E isto porque,
segundo a mesma “podem os Reynos, e Póvos, privar os Reys intrusos, e tyrannos;

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negandolhes a obediencia” (588º), quando, como dizia o profeta Samuel “não havia
contra os mesmos Reys mais recurso que o do soffrimento” (658º)
Em matéria censória, a coroa portuguesa liberta-se assim da tutela de Roma,
depois da publicação, em 1768, do Alvará da criação da Real Mesa Censória. Determina
o beneplácito régio ou “régio exequátur”.
Novo organigrama da censura: é agora constituído por 20 deputados (10
deputados ordinários e 10 deputados extraordinários). A primeira categoria integrava 6
laicos e 4 religiosos, a segunda categoria integrava 4 laicos e 6 religiosos. Os laicos, na
prática, estavam sempre em maioria, já que os extraordinários só eram chamados
quando faltava algum dos deputados ordinários na mesa.
Competências da nova mesa:
➢ Levar a cabo o exame simples ou conferência e o exame formal (o primeiro para
reedições e o segundo para livros novos);
➢ Autorizar a leitura de livros defesos;
➢ Validar documentos pontifícios para circulação;
➢ Elaborar um novo índex para substituir o de 1624 e define as regras a seguir: o
novo catálogo deveria integrar
▪ obras de autores ateus;
▪ Idolatras;
▪ Apologistas da religião natural;
▪ Protestantes;
▪ Obras que dissimulassem a superstição, o fanatismo e o excesso de zelo
religioso;
▪ Livros obscenos e sátiras infamatórias;
▪ Livros de cariz político, perturbadores do Estado;
▪ Livros em que se misturassem dogmas da fé e disciplina, que direta ou
indiretamente, pusessem em causa leis, costumes e privilégios da coroa;
▪ Livros de filosofia conducentes ao pirronismo, credulidade, impiedade e
libertinagem;
▪ Obras anónimas, sobretudo as editadas na Suíça (área como vimos,
quando falamos da imprensa de grande concentração de tipógrafos);
▪ Autores jesuítas que, ao invés de utilizares a boa razão nos seus escritos,
usavam a razão particular;
▪ O índice deveria integrar, também, todos os livros que não fossem
recomendados para serem utilizados nas escolas menores.
Em suma:
As baterias da nova censura estavam agora direcionadas contra os livros que
versassem matéria religiosa e política, com ligeira vantagem dos primeiros. A cultura
e a moral parecem ser as duas grandes preocupações da censura laica.

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Cultura laica e emergência do pensamento moderno: Racionalismo Filosófico e as
“Luzes”
Apesar do desenvolvimento do pensamento crítico, nos séculos XV-XVI, o
humanismo e a reforma influenciaram a cultura ocidental, mas há valores que
permaneceram: a religião e o saber greco-latino.
O homem do séc. XVIII alterna esta situação, através de dois vetores: a fé no
progresso e o sentimento da necessidade de reformas. No século das luzes, o homem
é conquistado por estes aspetos. O Iluminismo, sendo um movimento elitista (como
todos os movimentos culturais) teve, no entanto, reflexos sociais amplos. Procurou-se,
sobretudo, a clareza racional. O Iluminismo identifica-se, assim, com:
➢ Racionalismo: exaltação da razão enquanto manifestação do espírito do
homem. Secularização resultante de uma nova filosofia que limita o
transcendente, fazem-se mesmo concessões ao ateísmo (o materialismo do séc.
XIX é preparado no séc. XVIII).
Falamos de uma época de euforia do saber! Os filósofos pensam ter encontrado
todas as verdades.
Coordenadas do movimento:
➢ O homem estava num estado cognitivo superior;
➢ Época de algum antagonismo com o classicismo;
➢ Cortam-se as ligações à tradição;
➢ Procura-se uma ligação com o pensamento científico: nasce a fé na ciência;
➢ O homem podia dominar a matéria (a natureza), tendo em vista a sua felicidade.
Sociologicamente, afirma-se uma nova classe dirigente, a raiz burguesa, ou seja,
abandona-se a velha aristocracia.
Cronologia:
Os primeiros sinais surgem na segunda metade do séc. XVII, todavia, alguns
autores fazem recuar as suas origens ainda ao período medieval.
Geografia do movimento:
1. Países Baixos – dado haver uma maior expressão crítica, liberdade religiosa e
mais literacia;
2. Inglaterra – acompanha a Holanda;
3. França – o movimento é mais tardio, mas aqui “as luzes brilharam com maior
intensidade”;
4. Europa Oriental;
5. Península Ibérica (mais fechada);
6. Nas colónias.

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Este movimento do progresso contra a tradição ganhou áreas de influência
diversas, dentro de cada país, marcando assimetrias regionais.
Encerra uma renovação cultural assente:
➢ O homem deve recusar a ideia da inexplicabilidade do dogmatismo;
➢ Libertação intelectual com a filosofia e o exercício da razão, as ideias precedem
as ações;
➢ As mudanças no pensamento conferem dignidade à razão.
Autores que se debruçaram sobre as raízes deste movimento: Albert Soubul –
“Understanding the French Revolution” (1988); Paul Hazer – “The Crisis of the European
Mind” (1680-1715); Pierre Chaunu – “La Civilisation de l’Europe des Lumières” (1971).
O Racionalismo
Descartes (1596-1650), colocou em causa todo o pensamento tradicional. Busca
verdades absolutas irrefutáveis, claras e distintas de que ninguém possa duvidas, isto é,
verdades universais.
Método Cartesiano – A Dúvida Metódica: a falácia dos sentidos e a indistinção
entre vigília e sono (só não afeta verdades matemáticas). A primeira verdade que
reconhece é “Penso, logo existo”.
O pensamento é para ele fruta das ideias adventícias, factícias e inatas. Nas
ideias inatas coloca:
➢ A Ideia de Deus: ligando-a à ideia de infinidade;
➢ A Ideia de Mundo: chega a ela através da causalidade –” Deus um ser perfeito,
mais perfeito do que o qual outro não pode existir” logo, não o poderia enganar
acerca da verdade da ideia de mundo.
Propositadamente, deixa de fora a revelação e a política, apesar disso, a filosofia
ganhou uma maior independência com Descartes.
Na sua obra, Pierre Bayle (1646 – 1706) molda todo o pensamento crítico das
luzes: a objetividade e a imparcialidade. Denuncia o sectarismo e a intolerância,
procura tudo conhecer para tudo criticar! A sua obra principal, “Historical and Critical
Dictionary” (1697):
➢ Denuncia erros e falsidades do conhecimento tradicional, ultrapassando os
limites cartesianos;
➢ Alarga a sua critica à religião e à política;
➢ Nega o dogmatismo e incita o confronto com os religionários.
Com Espinosa (1632 – 1677), a heterodoxia atinge expressão significativa. De
ascendência judaica/peninsular, foi influenciado por: fontes hebraicas; pela Escolástica;
por pensadores judeus medievais; pela filosofia grega (estoicismo); pelo pensamento da
Renascença (Pico de La Mirandola).

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Também ultrapassa os limites cartesianos, por isso, amplia o criticismo racional
à política (cidade dos homens) e à religião (cidade de Deus). Obras de Espinosa: “Tratado
Teológico Político” (1670) e “Ética” (1677).
Paul Hazard refere que a publicação da obra de 1670, trazia consigo novidades
bastantes para subverter a sociedade que o acolheu. Foi publicado na Holanda (maior
liberdade), na época da autoridade régia reforçada de Luís XIV em França. Foi obra
editada sob falsos título e perseguida, uma vez que ultrapassa os limites cartesianos e
pretende-se nela uma separação entre filosofia e teologia com a finalidade de salvar a
liberdade do homem.
Crítica da religião:
➢ O Antigo Testamento era a história dos judeus, por isso, uma história igual à de
outros povos;
➢ Uma obra humana repleta de erros, hesitações e contradições (como todas as
obras humanas);
➢ A religião cristã é representada como um meto fenómeno histórico, explicável
pelas circunstâncias em que nasce e se prolonga. Por isso, confere ao
cristianismo um caráter transitório e não eterno;
➢ Considera que a religião cristã está eivada de formalismos e preconceitos que
embrutecem o homem e inibem o exercício da razão. Daí a preocupação em
denunciar as construções ilógicas: cidade de Deus e cidade dos Reis;
➢ Deus é uma divindade infinita, igual à matéria, ou seja, igual à natureza;
➢ Deus é tudo aquilo que existe e tudo o que existe não passa de manifestações
de Deus; Deus é natureza, todas as coisas procedem de Deus, então Deus não
cria nada distinto dele. Assim, tudo se manifesta na natureza que se identifica
com Deus.
Ao contrário do que pensaram os seus contemporâneos, Espinosa não era pagão,
mas sim panteísta, que influenciou o agnosticismo do séc.
No plano da política, considera o político como o ponto de chegada da crítica
teológica: não era mais do que a aplicação da razão filosófica aos problemas da vida
concreta do homem.
Na política não havia lugar para utopias e para fazer face à insegurança natural,
devia proceder-se à criação do Estado (Estado = Contrato). Isso seria feito através de
um ato racional, em que o homem transfere o seu poder individual para o Estado
(entidade colética), multiplicando-o pela junção ao poder individual dos outros homens.
Por isso, o Estado não devia temer a liberdade de opinião, pois esta era garante da
moral e da paz (mais tarde, Kant, na “Crítica da Razão Pura” vai igualmente usar a
moral).
Assim sendo, critica fortemente as monarquias absolutas, acusando-as de
explorarem, em proveito próprio, o preconceito religioso (a arte de enganar os homens).

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Em contrapartida, advoga o Estado Contrato, uma delegação de poderes consentida
pelos indivíduos.
A democracia era entendia como a melhor forma de governo, porque era mais
próxima do direito natural, de Deus, da natureza… Fórmula explosiva para o séc. XVII
(1670).
A doutrina Spinosiana tinha uma dimensão moral: a felicidade humana não era
a satisfação plena de todas as paixões e de todos os desejos, mas também não era a
recusa de todos os prazeres do mundo. Antes, a felicidade é o conhecimento da
verdade e da adesão às leis da ordem universal. O homem é livre quando conhece a
ordem da natureza e a aceita – aqui aproxima-se dos princípios estoicos grecos de
liberdade ser sinónimo de obediência a Deus.
Escola Empirista
Francis Bacon (1561-1626) foi uma personalidade política do período isabelino,
bem como um dos primeiros teorizadores do método indutivo (evidência). Raciocínio
que, após considerar um número suficiente de casos particulares, conclui uma verdade
geral: a indução, ao contrário da dedução, parte da experiência sensível, dos dados
particulares.
Na sua obra “Novum Organum” manifesta o medo de errar e para o combater
usa a crítica como arma. Afasta do pensamento os preconceitos multisseculares, une
saber a fazer e coloca a paridade entre o intelecto e a ação da mão. Une, assim, o saber
especulativo ao saber técnico: este princípio é responsável pela evolução tecnológica
inglesa e pelo arrastamento de toda a evolução técnica da Europa (génese da idade
industrial).
[Conhecimento é poder!]
Se mão e intelecto estão ao serviço do saber, o homem deve subordinar-se às
exigências do mundo que o envolve. Só se vence a natureza, obedecendo-lhe – o
domínio do mundo era o objetivo desta doutrina.
Thomas Hobbes (1588 – 1697) foi um filósofo e um matemático inglês. A
temática da sua obra é o homem enquanto ser individual e ser social. Recorre à
antropologia e à psicologia.
A sua obra: “O Leviathan” (1651). Muito influenciado pela reforma anglicana,
parte do pressuposto de que, no estado natural, os homens são iguais entre si, todos
desejam, legitimamente, o mesmo. Neste processo de obtenção dos mesmos objetos e
objetivos, o homem gera sentimento como: o ódio, a competição, a inimizade e a
desconfiança. Para se proteger, a atitude natural é a de ataque – para Hobbes, no
estado natural, o homem está em guerra permanente.
Solução proposta: a construção do Estado por transferência voluntária da
liberdade de cada um para um só homem. Transita do Estado da natureza para o Estado
civilizacional. Para ele, o modelo de estado ideal para libertar o homem da guerra

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permanente, é o estado absoluto que tudo controla e sobre tudo delibera: moral,
política, religião…
Este Estado é comparado a uma máquina devoradora, o Leviathan, o monstro
bíblico que deu título à sua obra. Nesta mesma, existe um pessimismo quanto à análise
da natureza humana (protestantismo): é este pessimismo que sustenta toda a sua
teoria. Termina numa conceção autoritária e absolutista do poder.
Gerou dois tipos de reação: a defesa da monarquia absoluta de direito divino e a
defesa da monarquia representativa que surgem em Inglaterra com a gloriosa revolução
(1688): queda de Jaime I (católico) e subida ao trono de Maria II.
No pensamento de Hobbes, Deus quase não aparece. Nega a imortalidade da
alma, é um filósofo materialista.
Na obra de Hobbes, existe um pessimismo quanto á analise da natureza humana,
que o aproxima do protestantismo, pois este também não vê bondade no homem, como
vimos na perspetiva de Lutero.
Esta obra gerou dois tipos de reação: a defesa da monarquia absoluta de direito
divino e a defesa da monarquia representativa. Parte de uma delegação que surge em
Inglaterra com a gloriosa revolução de 1688 e que coincide com a queda Jaime II e a
subida ao poder de Maria II, protestante.
John Locke (1632-1704) foi um filosofo inglês e um ideólogo do próprio
liberalismo. É exemplo de alguém que, ainda no séc. XVII, manteve em cuidados a sua
livraria particular, onde reuniu 3641 títulos, ou seja, uma grande biblioteca particular
para aquela época. Mostra também uma grande preocupação em organizar o catálogo
dos seus livros, sendo talvez os primeiros catálogos a ser organizado de forma coerente
e de forma sistemática, de uma livraria particular.
Cada livro tinha já a sua assinatura, como sinal de apropriação do livro. Na 11º
pagina, indicava o preço de cada respetivo livro, o que constitui mais um sinal privado
deixado nos livros. John Locke foi um dos grandes teorizadores da monarquia
representativa e o primeiro grande filósofo moderno liberal. Foi conselheiro e
perceptor de famílias aristocráticas inglesas, já que funcionou como médico de algumas
delas.
Defende que qualquer religião deveria ser tolerada, desde que não minasse a
segurança do reino. Não via com bons olhos a intromissão da igreja nas questões
fundamentais da autoridade régia, mas mostra-se tolerante com todas as religiões,
desde que estas não fizessem prática de interferência daquilo que era o estado.
Os católicos eram aqueles que menos se deviam tolerar, pois tinham minado a
segurança da própria coroa inglesa: os papistas colocavam a lealdade ao Papa, acima da
constituição Inglesa (Common Law) e os católicos que onde detêm o poder, a liberdade
religiosa é negada aos outros (minorias étnico-religiosas, com particular destaque para
os protestantes, bem como muçulmanos e judeus).

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A obra de John Locke
“Cartas sobre a tolerância” (1687)
➢ Nestas cartas, apela à tolerância mesmo entre cristãos;
➢ Encerra críticas aos governantes que promovem a religião sob a força e mostra-
se contrario a todas as formas de fanatismo;
➢ Defendia a complementaridade entre o trono e o altar como forma de preservar
a paz.
“An essay concerning human understanding” (1690) – Um ensaio sobre o
entendimento humano.
➢ Nega o inatismo cartesiano e diz que a origem do conhecimento provém,
unicamente, da experiência, pois o espírito é uma tábua rasa e não existem
ideias inatas quando nascemos.
➢ É através das precessões, das sensações, das reflexões que se chegam ás ideias
simples e destas chegamos às ideias complexas por associação de umas com
outras – através do mecanismo da memória. É a memoria que vai processar
ideias simples com outras entre si, chegando-se a ideias complexas;
➢ Mesmo a ideia de Deus não é inata.
“Two treatises of government” – Dois tratados de governo civil
➢ Pelo seu índice, podemos perceber a sua importância na época em que foi
concebida: o primeiro capitulo é introdutório e no segundo fala já num estado
de natureza, isto é, a natureza passa a ter uma grande importância.
➢ Também fala do estado de guerra e assuntos polémicos para a época, bem como
dos inícios das sociedades politicas e dos seus fins e objetivos que devem nortear
a sociedade politica e o governo (semente do bom governo);
➢ Remete, ainda, para as formas de riqueza comum, da extensão do poder
legislativo e na sua separação do executivo;
➢ Mencionada o poder federativo da riqueza comum, onde reflete sobre as
organizações que gerem a riqueza que é de todos;
➢ Fala da subordinação dos poderes à riqueza comum; da questão das
prerrogativas (começa a distinguir e a discutir a questão do privilégio); das
conquistas e da sua legitimidade e da tirania;
➢ Finalmente, fala da dissolução do governo, ou seja, em que modos se pode
dissolver o governo. Exemplo: a tirania.
Parte da sua posição particular para o geral. Do seu dever para com o seu rei,
passado do dever dos homens para os seus respetivos governantes.
O poder dos governantes não vem de Deus, mas de contratos entre homens.
Com isto, opõe-se a uma monarquia de direito divino, pois são os humanos que, face á
necessidade da lei e da ordem, levam à escolha dos governantes, com o objetivo de
preservação da vida, das liberdades e da propriedade privada.

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Baseia o direito dos governantes na confiança dos governados: é uma prova de
confiança nestes governantes e caso essa confiança fosse traída, os que delegaram essa
autoridade no corpo político podiam retira-la. Assim, legitima a rebelião, de certa
forma para preservar as vidas, liberdades e propriedades privadas (fazendas).
Foi também campeão da autoridade, defendendo que a lei e a ordem deveriam
ser, a todo o custo, mantidas. O iluminismo tem, por trás de si, todas estas ideologias
que vão culminar na revolução francesa. A lei estava acima da liberdade
Paul Hazard – contrasta a Época Clássica com a Época das Luzes.
O espírito clássico ama a continuidade, ou seja, a estabilidade. As Luzes
questionam o edifício clássico, cujos pilares são o pensamento grego e a Bíblia. Instala-
se, necessariamente, a mudança.
Indicadores desta mudança:
1. Gosto crescente pela viagem, devido, por exemplo, à curiosidade, ao querer
saber mais, conhecer melhor… A mobilidade era mais reduzida, mas evidencia-se um
aumento crescente no decorrer dos séculos.
De facto, os homens do séc. XVIII viajam muito! Os próprios manuais de
pedagogia apelavam à viagem – há um incremente da publicação de itinerários e guias
de viagem, a par de catálogos de museus e de monografia histórica.
2. Gosto pelo exótico: as civilizações, até então desconhecidas, atraem. É disso
exemplo a civilização chinesa, muçulmana, egípcia. As suas leis, os costumes, a religião
e os regimes políticos são analisas e alvo de curiosidade. Apender com elas modelos que
depois aplicam na própria Europa.
3. O interesse pelo outro torna inviável a redução a um arquétipo universal.
Impõe o individual que, até então, aparecia ao homem como transcendente e
extravagante. Encontra justificação no meio que o produz.
4. Barbárie – civilização/ quase se chega à subversão dos conceitos. É o conceito
barbárie que, ao ser estudado, conduz ao conceito de relatividade universal. Daí que
os homens, que preferem a estabilidade, olhem a viagem como uma forma de corrupção
do mundo. Os índexes integraram muita literatura de viagens nos países católicos.
De facto, a observação dos povos primitivos atuais (do séc. XVIII), conduz à
constatação da sua bondade e generosidade naturais – mito do bom selvagem (J. J.
Rousseau). Todos os homens são bons, a sociedade é que os vai perverter em função
da sua orgânica. Radicaliza, dizendo que os selvagens vivem segundo as leis naturais e
que os bárbaros são os povos civilizados. A simpatia por estas constatações tem uma
virtude: conduz ao espanto perante o outro, à tolerância e à heterodoxia.
Pode traduzir-se na expressão “Moderno versus Antigo”. Sequentemente, os
“grandes mortos” são, paulatinamente, abandonados em favor dos modernos.

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No séc. XVIII surge uma valorização da vida terrena, que mesmo efémera vai
começando pelo conhecimento que dela se tem e pela potencialidade da razão a que
está associada. Desvirtua-se aquilo que era considerado eterno e o conhecimento
renascentista já não é tão valorizado.
Surgem disciplinas auxiliares da história que são instrumentos de valorização do
conhecimento histórico e até instrumentos operativos:
➢ Cronologia: instrumento de ordenamento dos factos no tempo, o que garante
alguma cientificidade ao conhecimento histórico;
➢ Erudição: utilização da memória. Sem memória não há história. Conhecer muito
sobre vários aspetos da evolução da vida dos homens do tempo;
➢ Crítica textual: ler os textos na sua autenticidade;
➢ Crítica documental: olhar para os documentos, não para produzir o que neles
está escrito, mas sim compreender as razões da sua escrita e os propósitos de
quem o escreveu.
Há uma renovação histórica, em função desta realidade e uma certa
especialização em determinadas áreas ou cronologias da história: Inglaterra, por
exemplo, dedicou-se bastante ao estudo da Grécia Antiga; a Holanda dedicou-se mais à
cultura latina; França dedica-se à história eclesiástica e à hagiografia (segundo os
mesmos princípios) e Itália estuda o seu passado clássico e o seu passado recente ligada
ao Humanismo.
O primado que antes era do espírito latino (interesse pelo mundo pré-clássico,
clássico, grego e romano), agora foca-se nos países nórdicos. Contudo, tudo isto é
preparado pelas correntes de pensamento de finais do séc. XVII, correntes essas que, de
alguma maneira, abrem caminho ao Iluminismo setecentista. Todas as certezas, em
todos os campos do saber, são abaladas e a Terra deixou de ser o centro do universo, a
Europa deixa de ser o centro da Terra. Abandona-se aquilo que caraterizava a Europa,
isto é, o europocentrismo.
Há uma publicação de livros importantes como “Ensaio sobre a pluralidade dos
Mundos” de Fontenelle (finais séc. XVII), que nos fala de vários mundos, no sentido de
que não existe apenas a Europa.
O nacionalismo põe em causa os princípios do cristianismo e entra-se no período
em que a libertinagem do espirito é consubstanciada no questionar dos valores. Para
haver progresso, não é compatível o saciar da liberdade.
Caraterísticas das Luzes:
➢ Crença desmesurada no progresso, ou seja, o Homem do séc. XVIII acha que o
progresso é ilimitado, porque a razão foi libertada e essa critica racional aplicada
a tudo o que diz respeito ao homem, não tem limites. O progresso a vários
títulos, seja tecnológico, seja produtivo, seja do conhecimento… não terá
limitações;
➢ Tudo é passível de ser objeto da análise da razão: racionalismo total;

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➢ Liberdade a todos os títulos: não se pode limitar o olhar crítico sobre que tema
for;
➢ Libertinagem: ousadia de pensar, de aplicar áquilo que são os fenómenos que
condicionam a nossa existência;
➢ Ataque sistemático a todos os tipos de autoridade: só se aceita a autoridade,
depois da razão universal determinar ou justificar ou suportar a legitimação
dessa mesma autoridade. A autoridade religiosa e a autoridade política também
foram alvo destes ataques;
➢ Recusa-se o dogmatismo: os dogmas não se explicam pela razão. Leva ao
desenvolvimento da irreligião (pessoas sem qualquer tipo de religião) e ao
agnosticismo;
➢ Afirmação da inexistência de provas da imortalidade da alma e de Deus.
Transformações no domínio religioso:
Surge uma crítica muito forte às chamadas religiões reveladas ou religiões do
livro (judaísmo, cristianismo e o islamismo) que são fundadas em dogmas, um objeto de
fé e não de razão. Acredita-se numa nova religião: o Deísmo ou religião natural, que se
rege mais conforme as necessidades humanas, que aos desígnios de Deus.
Existe uma ligação entre Iluminismo e Humanismo, nesta nova religião. Quando
o Homem sai da europa, passa a dar uma importância muito grande à Natureza e leva
muitos a confundi-la com Deus – esse é o caso do Deísmo, que consegue compreender
facilmente esta conclusão. Acredita que quando o homem se afasta da Natureza, está-
se a afastar de Deus.
O Deísmo teve origem no renascimento italiano e propagou-se por toda a França
do séc. XV e chega a Inglaterra no séc. XVII, destacando-se o Barão de Cherry (1583-
1648), fazendo uma crítica às religiões históricas: considera-as fantasias poéticas,
ideologias ao serviço das classes eclesiásticas.
John Toland – “Christianity not mysterious” (1690). É uma obra apologética do
Deísmo – o cristianismo não tem mistério
O que é o Deísmo?
➢ Insurge-se contra todas as formas de constrangimento, levadas a efeito pelas
classes sacerdotais – não devem ser tolerados;
➢ São contra os sacramentos – são formas de constranger as pessoas a acreditar
ou a seguir os seus ditames;
➢ Mostra-se contrários aos ritos, mortificações e mandamentos
Não se propõe a destruir Deus, mas atenuar a sua presença que é, por vezes,
tragicamente sentida pelo homem, uma vez que estas religiões reveladas o apresentam
como um ser constrangedor em relação à própria liberdade humana,

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Defende uma religião sem mistérios. A lei eterna que é ditada pelos livros
sagrados passa a ser a lei natural. Defende o livre pensamento, a justiça e a verdade e,
deste modo, estão a ameaçar as religiões reveladas.
Se Deus é designado como ser supremo (o arquiteto do universo), então Deus é
quem criou a natureza. Inspirou o Homem na virtude, na piedade, no dever e no
arrependimento dos pecados – contributo da escola empirista.
Deus quase que aparece perdido e, apesar do afastamento da teologia, continua
a existir para os deístas, mas é um Deus inacessível. A razão não pode fazer teologia,
mas sabe que Deus existe, porque este está na natureza: é o solo da mente intelectual
do séc. XVIII. Reduz-se o poder de Deus e nasce a crença inabalável do Homem nas suas
potencialidades, o que conduz à crença no progresso sem recuo.
Assalto do Homem das Luzes às religiões reveladas – consequências:
➢ Crítica sistemática ao catolicismo;
➢ Crítica à hierarquia católica.
A Igreja Católica não poderia ficar indiferente a este movimento e mostra uma
reação agressiva a estas formas de ataque que vai sofrer e, com isto, apresenta as suas
debilidades e a sua própria fragilidade. Não tendo a coesão interna de outros tempos,
no séc. XVIII torna-se mais evidente as divisões no seio da Igreja. Os católicos foram
perdendo convicção e perderam, simultaneamente, prestígio intelectual.
Ainda assim, os países católicos continuaram a se defender, bem como a Igreja
Católica:
➢ Reforçam a Inquisição: criticada pelos intelectuais das Luzes (instrumento usado
pela Igreja para manter o seu domínio sobre as pessoas);
➢ Revoga-se o Édito de Nantes: conferiu liberdade aos protestantes – hugnotes –
franceses, na sequência da matança de São Bartolomeu);
➢ Publica-se a Bula Unigenitus: condenatória das 101 Proposições do padre
oratório francês Pasquier Quesnel, publicadas em 1695.
A Querela Jansenista
Nasce no seio da Igreja Católica baseando-se no rigor religioso e opondo-se ao
laxismo católico. Entendem que os sacramento não deviam ser tão frequentes, sob
pena de se banalizarem. Por exemplo, a comunhão:
➢ Os primeiros cristãos só comungavam diariamente enquanto conservavam
intacta a graças batismal. Os penitentes saíam da celebração eucarística e os que
cometiam pecado mortal afastavam-se da comunhão durante muitos dias ou
mesmo anos;
➢ Antes de comungar, portanto, era necessário afastarem-se durante algum
tempo e purificarem-se pela oração e pela penitência.

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Este movimento tomou o nome do primeiro Bispo da Igreja Católica que
enunciou estas ideias: Bispo de Ypres, Cornelius Otto Jansen.
A dúvidas instala-se entre os católicos: o católico deve aceitar o que lhe é ditado
pela hierarquia ou o que lhe indica a sua razão? Tratou-se de um estímulo para que cada
vez mais católicos lessem autores protestantes em temáticas de contestação ao Papa e
de contestação à hierarquia da Igreja. Surge uma nova eclesiologia e surge aquilo a que
muitos autores classificam de descristianização.
Paul Hazard refere que as componentes geradoras da dúvida foram:
➢ O racionalismo – contribui para gerar a dúvida entre os católicos e os intelectuais
católicos;
➢ A recuso da orgânica cosmogonia cristã;
➢ Libertinagem intelectual.
Já Pierre Chaunu entende que esta crise radica antes no abrandamento do
antigo pensamento cristão, na perda gradual de convicção e atração da mensagem
cristã. Há um decréscimo do número de vocações eclesiásticas e um avanço da ciência.
Tudo conduziu a uma nova cosmogonia.
Instala-se a dúvida entre os espíritos cultos da época.
A ciência e o pensamento filosófico dos séc. XVI e XVII encontram-se imbricados
entre si e, analisados de per si, resultam incompreensíveis, ou seja, a ciência moderna
é simultaneamente raiz e fruto. Esta revolução espiritual é visível e explicada de forma
diferente em vários domínios:
➢ Substituição do mundo geocêntrico pela visão do mundo desconcentrado; a
ideia cartesiana de Deus não pode ter centro;
➢ Passagem de uma ciência contemplativa a uma ciência ativa. Sir Francis Bacon:
“knowledge is power”;
➢ Outros pensam estar-se perante a secularização das consciências. O Homem dá
mais valor à imanência que à transcendência.
Tudo isto contribuiu para a chamada revolução cientifica, capaz de transformar
o mundo antigo (finito) e bem ordenado, num universo infinito
Testemunhos:
▪ Copérnico (1543): de revolutionibus orbium celestiun;
▪ O saber aristotélico ptolemaico – o egocentrismo cai para dar lugar ao
heliocentrismo;
▪ Galileu (1623);
▪ Saggiatore apresenta o método cientifico matemático: o homem descobrindo as
relações matemáticas que existem entre os fenómenos naturais, pode apropriar-
se do sistema do mundo.

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Esta revolução espiritual é visível e explicada, de forma diferente, em vários
domínios e põe-se em causa a ideia cartesiana de Deus, ou seja, Deus já não é o centro
e a ciência não pode ser contemplativa, mas sim ativa.
Kepller conseguiu dar o seu contributo através do “Tercius Interveniens”. É um
critico daqueles que atacavam a astrologia, defendendo-a como modo de explicação
do mundo. Diz-nos como se processa a relação entre os astros e os acontecimentos
terrestres, ou seja, passamos da superstição imanente para a astronomia cientifica.
A astronomia afasta o mistério ligado ao céu, para o transformar num espaço
físico. Quer Kepller, quer Galileu contrapõe, à estática, a dinâmica que importa ao
conhecimento cientifico. O Céu e a Terra regem-se pelas mesmas leis, com todas as
implicações no domínio religioso.
Isaac Newton
É um autêntico revolucionário no campo do pensamento cientifico. A sua
afirmação foi precoce em três países: Inglaterra, Holanda e Grança. Em 1738 são
publicados, em francês, os seus contributos para a ciência moderna e, de facto,
“Princípios Matemáticos de uma Filosofia Natural” é um dos seus livros mais
importantes, que merece referência quando se fala deste pensador.
Nesta obra, demonstra a teoria da gravitação universal. Kepler e Galileu tinham
afirmado que uma única e mesma força, rege as posições e os movimentos dos planetas
e respetivos satélites, nas suas órbitas. Essa força rege a queda dos corpos e é isso que
nos demonstra Newton. Descobre também, juntamente com Libnniz, o cálculo
infinitesimal.
Com Newton, a física emancipa-se. É um dos grandes responsáveis pela
transformação dos quadros de pensamento acerca do mundo e da Europa do seu
tempo. A sua influência faz-se sentir, sobretudo, em Inglaterra.
Voltaire escreveu a propósito de Newton e dos seus elementos de filosofia
natural, já depois da obra do filósofo ter sido traduzia para francês. Questiona qual seria
o papel de Newton, nesse sistema da compreensão do mundo e vai, de alguma maneira,
conseguir dar continuidade o trabalho de Newton.
O sistema newtoniano:
Recorre a um poder inteligente, que impulsiona os planetas e a mecânica ligada
a uma teologia:
➢ O principio de Deus não esta posto de lado, pois este é o geómetra, o arquiteto
que deu o primeiro impulso, mas não poderia ter ficado por aqui. É um soberano
do universo que sabe tudo, é infinito, está presente em todo o espaço e em todo
o tempo;
➢ Aproxima Deus do arquiteto do próprio Deus bíblico: de um Deus patente, para
um Deus encarado como inteligência extra mundo.

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La Place apresenta a Napoleão a obra “Exposição Sobre o Sistema do Mundo”,
onde é possível perceber, sem o recurso a Deus, como é que funciona o mundo. É uma
obra sobre a evolução cientifica do pensamento iluminista.
Alexendre Koyré escreve a obra “Do Mundo Fechado ao Universo Infinito” e aqui
a astronomia é apresentada como algo que evolui de forma muito considerável, em
finais do séc. XVIII. Foi impulsionada pelo princípio de Newton e ajudada pelo telescópio
de Hershel, bem como o desenvolvimento da física e da matemática que vai ser muito
útil, nesta época, e vai permitir a afirmação do pensamento das ciências.
Fala-nos também da física, uma outra área do pensamento cientifico e desta
ciência, que evolui entre o séc. XVII e o XVIII. Assim:
➢ Descobre-se o termómetro de Fahrenheit e de Celcius;
➢ A calorimetria surge como ciência e a eletricidade surge nesta altura com
Benjamim Franklin (para-raios);
➢ França e Inglaterra começam a montar os seus próprios laboratórios, que vão
dar os seus furtos no avanço da ciência;
➢ Os fenómenos que eram vistos como a ira de Deus (tempestades, vulcões ou
terramotos) vão ser explicados de uma forma cientifica, a partir da física e do
seu estudo.
Fala também da matemática, onde inclui o calculo infinitesimal aplicado na
mecânica e na astronomia. A álgebra e geometria conhecem novos avanços por
Dalembert, um dos impulsionadores da Enciclopédia, a suma cientifica do séc. XVIII.
Já a geodesia tinha quer alterada, pois a medição da terra conhecia novos
progressos resultantes do progresso da matemática da astronomia e da física. Se os
renascentistas começaram a duvidar das medições gregas, agora os resultados chegam
à concretização daquilo que, de facto, era a medida da Terra! As primeiras experiencias
levam os homens até à Lapónia, constando-se o cálculo do achatamento dos polos (a
esfera terreste não é perfeita, mas é possível medir esse achatamento polar).
A química estava associada à alquimia e os seus resultados não foram tão
significativos, uma vez que era muito ligada à prática de natureza supersticiosa e tinha
levado muitas pessoas à fogueira, acusadas de bruxaria. Ainda assim, com Lavoisier, a
química ganhou foros de ciência.
Revela que, no séc. XVII, a astronomia criou uma certa paixão pelo céu (não o
lugar onde estará Deus, mas o céu explorado pela astronomia científica), mas no séc.
XVII surge uma paixão pela Terra, gerada pelos avanços da geodesia e da medição da
Terra, pelos avanços da história natural e da descrição da Terra. A progressiva utilização
dos métodos experimentais conduziu ao inconformismo cientifico contemporâneo.
Buffon escreveu “História Natural”, uma obra em 32 volumes, onde vão surgir
novos ramos de saber já sedimentados: geologia, zoologia, antropologia, etnografia e
paleontologia.

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O fixismo passa para o transformismo: nada é fixo, nada é eterno, mas a ciência,
isto é, a progressiva utilização dos métodos racionalistas e experimentais que conduz ao
inconformismo cientifico, leva a que se passe de um certo fixismo a um transformismo,
a tudo o que diz respeito à natureza.
Com a geologia abandona-se o fixismo tradicional, pois comprova-se que as
rochas evoluem e transformam-se. Buffon refere várias etapas na evolução da Terra:
1. As aves, as primeiras povoadoras da terra;
2. História natural dos minerais;
3. História natural dos peixes;
4. História natural dos quadrupedes;
5. História natural dos ovíparos
6. História natural das serpentes
Buffon vai ser uma grande influencia de duas grandes gerações de naturalistas,
entre os quais se conta Charles Darwin e Jean Baptiste Lamarck!
A evolução da terra assentava em dois fatores:
➢ A evolução perpetua (não parou nunca de evoluir), que arrastou consigo
transformações lentas. Na zoologia, por exemplo, instala-se a polémica sobre a
geração espontânea: quem é que nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Há algum
aspeto que nos escapa?
➢ A biogénese é teoria hoje desacreditada, pois é uma teoria que defende a origem
dos seres vivos a partir de matéria não viva. Só com Pasteur (bacteriologia) é que
se abandonou a responsabilização pela formação de microrganismos derivados
de material orgânico inerte.
Até ao séc. XVIII acreditava-se que os animais e as plantas podiam surgir por
geração espontânea:
➢ Avançou-se na dissecação de cadáveres animais para estudo, mas depois
cadáveres humanos (necessidade de reformar o estudo na Universidade de
Coimbra);
➢ Avançou-se na classificação das espécies animais;
➢ Multiplicaram-se laboratórios de estudos zoológicos
A alta aristocracia e os monarcas ficaram fascinados por este mundo, o que
explica o facto de serem movimentos elitista: para que alguém se debruce sobre isto, é
preciso tempo e disponibilidade de espírito, bem como ter alguma cultura e interesse.
Os monarcas reforçam as instituições que levam a cabo a ciência, mais nuns países do
que noutros. Este pensamento das luzes oscila entre dois polos: o polo de Deus e o polo
da Natureza.
A natureza é encarada, consensualmente, como o sistema das coisas existentes
e descobrir as leis da natureza é a preocupação dos filósofos. A natureza é também algo
acessível à própria razão, isto é, a uma razão aplicada ao conhecimento da natureza e

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não procura explica-la por razões fora dessa mesma natureza, da qual Deus era o
responsável. Existe um conjunto de leis que regem o universo que é ordenado, inteligível
e o séc. XVIII marca:
➢ A generalização da atitude científica;
➢ Liberalização da pesquisa e da reflexão: livre para investigar e refletir sobre o
que vai conhecer. Mais mitigada nos países do sul da Europa (católicos) e menos
mitigada nos países protestantes;
➢ Religião e a metafisica deixam de ser entraves à ciência;
➢ Há uma nova ética científica: o otimismo vai tornar o próprio homem num
mestre da natureza, que olha a natureza numa perspetiva extremamente
otimista. Este aspeto vai desagradar às estruturas mais conservadoras e agradar
à dinâmica do conhecimento científica.
➢ O homem pode usufruir de todas as riquezas da natureza e dá um passo no
caminho da sua felicidade (procurada pelas Luzes, através da revolução
científica).
Os homens começam a solidarizar-se entre si e a criar aquilo que se chama fóruns
de discussão própria, abertos e que vão fazer progredir o conhecimento científico.
Academias de Ciência
O alfobre de tudo isto! São elas que dinamizam a ciência, em discussão entre os
académicos, para depois a fazerem levar aos não académicos ou a colocarem ao serviço
da própria sociedade.
José António Maravall escreve “La Cultura del Barroco”.
A ostentação da cidade do séc. XVII compreendia, ainda, as Academias em que
se celebravam certames inspirados pelo poder:
➢ Louvavam-se as qualidades de reis, príncipes e senhores;
➢ Exaltava-se a excelência de uma batalha;
➢ Ampliavam-se os efeitos de um sucesso marcante para a sociedade;
➢ Se esta perspetiva sobre o movimento académico se adequa à realidade
portuguesa daquele século, não se passa o mesmo noutros países europeus. Os
académicos já não acreditam muito nestas “histórias de encantar” e começa-se
a discutir, em saraus, a saber de outras coisas e procurar saber mais a fundo
dessas mesmas coisas.
Nasciam, no século XVII, em paralelo com estes saraus, as Academias de
Ciência, que vão usar a expressão Academia, normalmente direcionada apenas para
definir a Universidade. Estas academias procuram saber mais do que aquilo que já
se sabe na Universidade, utilizando métodos científicos, experimentais e racionais
que fujam ao ambiente fechado da própria universidade. Desde meados do século
XVII que se estabelecem na Europa. A mais antiga é a “Academia Florentina de
Cimento” (1657), vocacionada para assuntos literários.

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Outras academias vão surgindo e vão ter uma postura importante na validação
do conhecimento científica. Por exemplo, a Fundação Royal Society (1662), é criada com
vários objetivos:
➢ Melhorar as artes úteis (associação da ciência às artes, do conhecimento à
prática, ao saber fazer). Apresentavam todas as novidades no âmbito do
conhecimento, que melhorasse as artes uteis, como a revolução industrial;
➢ Registam-se invenções e criações;
➢ Prestavam bons serviços à revolução industrial, que estava a dar os primeiros
passos.
Locke e Newton foram membros desta academia, que apresentava já um
formato de ter uma publicação própria para a difusão das novidades, no âmbito do
conhecimento. A revista “Philosophical Transactions” vai ser o veiculo de difusão dessas
mesmas novidades e esta publicação cientifica é a mais prestigiada da Europa, bem
como a primeira revista cientifica. Dava a conhecer os primeiros passos de uma
investigação.
Leeuwenboeck (1632-1723) foi um construtor neerlandês de microscópios que
escreveu, neste periódico, 375 artigos sobre o seu invento e acerca das análises de
sangue, sémen etc. Visava uma aplicação prática da ciência e esta revista foi um dos
veículos de comunicação destes eventos que este cientista fez.
Este movimento não se ficou só por Londres. Paris, em 1666, criou a sua
academia, a Académie des Sciences, que tinha a mesma filosofia. Esta foi subordinada
às diretrizes de Colbert e dotada, por isso, de menor liberdade de investigação. Numa
fase posterior, assume a metodologia de lançar concursos anuais sobre os temas que
se devem investigar (promoção através de prémios). Publica uma revista: “Journal des
Savants”, uma crónica da vida cientifica francesa.
Estas academias (inglesa e francesa) serviram de modelo às academias
científicas da europa. As academias existiam, também, em países de caráter mais
regionalista e de menor dimensão, mais importantes na dinâmica investigativa do século
XVIII.
Academias Regionais
A Academia de Dijon, em França, na qual Rousseau foi membro com o seu
trabalho: “Discours sur les Sciences et les Arts”. A Academia de Lipsih, na Alemanha, na
qual a sua componente burguesa se vai interessar por estas academias. Esta academia
alemã publica “Acta Eruditorum”, uma revista científica mensal (publicada
ininterruptamente entre 1682-1782), fazendo publicidade àquilo que são os seus
conhecimentos e os seus avanços científicos.
Pierre Bayle (Províncias Unidas) publica “Nouvelle de la Republique des Lettres”
(1687-1718), com várias interrupções.

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Este movimento não deixou, naturalmente, a Igreja indiferente. Muitos dos
discursos destas academias, acabavam por se traduzir, de alguma maneira, em alguns
remoques contra a ortodoxia religiosa.
A Companhia de Jesus publica “Journal de Trévoux” ou “Mémoires pour l'Histoire
des Sciences & des beaux-Arts, de modo a acompanhar o movimento academista laico.
Conhecidas pelos intelectuais e os homens da ciência por Mémoires de Trévoux, para
dar mais enfase e significado a este jornal.
Este movimento do academismo foi pacífico em Inglaterra e nos Países Baixos,
mas nos Países do Sul isto não aconteceu. A ortodoxia católica era detentora das
universidades e faz chocar estas academias com o próprio pensamento católico, sendo
a sua convivência foi bem mais difícil. Contudo, graças a estas instituições podemos
dizer que acabou por recuar a teologia e avançar a ciência e a técnica.
Pierre Chaunu – “La Civilisation de l'Europe des Lumières” (1917)
Para Chaunu, o principal fator de multiplicação das academias foi o aumento de
número de livros em circulação, entre 1680 e 1780. Este aumento contribuiu para o
aumento do academismo e do melhoramento da vida das sociedades europeias, bem
como para a diminuição do analfabetismo, nos principais países da Europa.
Era uma nova geografia do livro, que dava uma certa vantagem do Norte sobre
o Sul da Europa, no acesso à leitura e pelas obras que veiculam serem revolucionárias,
causando um maior interesse pelo academismo e pela constituição destes fóruns de
discussão, que é corrente na Europa desta época.
1ª Etapa: 1620-1650
➢ Descartes: Discurso do Método (1637)
➢ Descartes: Dúvida Metódica (1639)
➢ Galileu E Kepler: Teoria Heliocêntrica
2ª Etapa: 1650-1680
➢ Violação dos limites cartesianos
➢ A teorização e a aliança trono/altar
➢ John Locke: Tratado de Governo Civil
➢ Espinosa: Tratado Teológico Político
➢ Época de grande salto para a abstração (1670-1680): para Chaunu, é nesta
década que acontece a segunda revolução científica com Newton e Libniz
(cálculo infinitesimal e a teoria da gravitação universal)
3ª Etapa: 1680 em diante
➢ A ciência das luzes fragmento o conhecimento em áreas autónomas e descobre
a técnica, mas Francis Bacon, Descartes e Galileu foram percursores.
➢ Promove, socialmente, os agentes do desenvolvimento tecnológico enquanto
contribuintes para se atingir a felicidade humana

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Albert Sobous: “La Civilisation et la Révolution française: La crise de l'ancien
regime”
Vai encarar a revolução científica numa perspetiva mais humanista, onde o
homem é visto como particular e universal:
O Homem Particular: é visto e estudado no séc. XVIII, adquirindo a noção de
relatividade, consubstanciada na literatura de viagens e no nascimento da etnologia, em
que no plano individual se atende aos particularismos.
O Homem Universal: tal como o sistema do mundo se rege segundo as suas
próprias leis, também o homem, enquanto ser universal, se rege por leis naturais gerais
e imutáveis, que visam a conservação da humanidade e que contribuem para a
felicidade.
Esta perspetiva choca com a tradição de olhar o homem marcado pelo pecado
original. Assim, substitui-se a noção de condenação pela noção de confiança na
natureza humana.
“O Homem é naturalmente bom” – obra de Rousseau
Encara-se a vida, não como preparação para a morte, mas sim para se atingir a
felicidade terrena, deixando-se de colocar o acento tónico no viver a pensar na vida
enquanto caminho para o fim, com todas as caraterísticas que levaram à Devotio
Moderna. O homem volta-se para a sua própria felicidade terrena e é isso que o homem
das luzes procura. Constitui-se como a sua própria providencia, dado que é ele que
organiza a sua vivência terrena, tendo esta a ver com a felicidade – princípios que
norteiam a filosofia das luzes.
Academismo em Portugal
Else Maria Henny Vonk Matias – “Guia ilustrativo das academias literárias
portuguesas dos séculos XVII e XVIII”.
Aponta uma pluralidade de significados para o academismo português: começa
por estudar o termo academia e no caso português podia significar uma instituição com
estatutos, mas também apenas um curso ou uma aula e mesmo aquilo que podemos
considerar uma instituição fingida. Encontrou estas academias fingidas não só em
Lisboa, mas também em Santarém, Porto, Torre de Moncorvo e Ponte de Lima.
Instituição fingida: academias que não podiam aparecer aos olhos de todos com
o perfil que era a sua essência e, para tal, tinham que se disfarçar. A Academia dos
Sapateiros, por exemplo, tratava-se de alguém que procura, sob este nome, desenvolver
atividade de primeira linha no que diz respeito ao pensamento e reflexão dos problemas
que afligiam a gente daquela época)
Várias tipologias:

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Academias: literárias, religiosas, escolares, de louvor (louvar determinada linha
de pensamento ou linha filosófica), filológicas ou outras não claramente identificadas
quanto aos seus objetivos e finalidades. Ainda as intitula de academias ‘fingidas’, pois
muitas tinham nomes diferentes daquilo que verdadeiramente faziam, com medo de
ameaças eclesiásticas ou políticas.
Reportando-nos a esta subdivisão e à dispersão de academias pelo reino,
poderemos constatar que a importância do movimento académico ultrapassa a visão
que dele retiveram os séculos seguintes e remete-nos para modalidades de transmissão
da cultura e do saber no Portugal de seiscentos.
As academias estavam submetidas à influência dos governantes e ao controle
das autoridades eclesiásticas e, no seu conjunto, procuraram encontrar o melhor
método para um desenvolvimento espiritual que evitasse os conflitos. Não podemos
esquecer que Portugal vivia, na segunda metade do séc. XVII, a Restauração, em que os
Jesuítas e a Inquisição dominavam, sendo condicionantes aos avanços científicos,
filosóficos e tecnológicos, que iam moldando a face da Europa culta mais a norte
(iluminismo).
Considerando o termo academia enquanto reunião de letrados, mais ou menos
regulada por preceitos ou estatutos e com objetivos determinados, também não é claro
para nós hoje o género de instituição para a qual aponta a palavra ‘academia’, mas, às
vezes, confunde-se a academia instituição com uma reunião de letrados para discutir
determinados assuntos.
Tomemos por ponto de partida a breve definição que Teófilo Braga deixou na
História da Literatura Portuguesa:
“Dava-se na Itália o nome de Academia a uma simples reunião de poetas e
cantores; assim começou também em Portugal a Academia dos Generosos, porventura
como efeito do grande desenvolvimento que a música teve na corte de D. João IV”.
Esta academia assemelhava-se às academias italianas, simples reuniões de
poetas e cantores, sem o peso que o academismo tinha nos países europeus mais
avançados no campo da literacia. No fundo, desta definição, percebe-se que as
academias que funcionavam no Portugal do século XVII, eram como uma imitação dos
atos de poder das grandes monarquias europeias, perante as quais Portugal se queria
afirmar.
D. João IV carecia de legitimação e as Academias ajudavam. O Rei desejava
acompanhar o seu tempo e reproduzir modelos vindos do exterior, como caminho de
afirmação e de identidade própria conjugado com o esforço militar exigido pela
Restauração.
O facto de uma parcela significativa da nobreza portuguesa se ter colocado ao
lado da causa filipina, deixou espaço aberto para que uma fidalguia mediana apoiasse o
Duque de Bragança. As Academias representaram igualmente uma forma de afirmação

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dessa fidalguia que aproveitou o movimento para conseguir alguma emancipação e
competir com a universidade.
Saber complementar ou antagónico a esta instituição pública? Mais antagónico,
porque, nessa altura, a Universidade Portuguesa estava longe, muito longe dos avanços
culturais, filosóficos e científicos da época. Em 1772, Pombal teve essa clarividência
para ajustar a Universidade portuguesa àquilo que era o formato das universidades mais
desenvolvidas do tempo.
O século de Shakespeare, Descartes, Libniz, Locke, Hobbes, etc. ainda foi de
“trevas” em Portugal, um país prisioneiro mental aos preceitos religiosos de Trento, de
grande influência jesuítica.
Rafael Bluteau foi uma figura central da cultura portuguesa do século XVII. Filho
de pais franceses, cultivou o seu espírito na cultura francófona. Formou-se nas
Universidades de Verona, Roma, Paris e doutorou-se em teologia pela universidade de
Roma.
Em Portugal, uniu-se ao movimento académico patrocinado pelo Conde da
Ericeira (D. Francisco Xavier de Meneses), por Dona Maria Francisca de Saboia, mulher
de Afonso VI e depois por D. Pedro II que o protegeu na corte.
Destacou-se, precisamente, nas Conferências Discretas e Eruditas (academismo
informal sem estatuto, mas uma forma de academismo, talvez a primeiro que
conhecemos no nosso país) que se celebravam na casa do Conde da Ericeira e na
Academia dos Generosos, como divulgador da atividade científica das grandes
academias europeias. Discutia-se a astronomia moderna e seus diversos sistemas,
preocupando-se ainda com as questões relativas à duração da terra, na ocasião intenso
foco de polémica.
Bluteau acusa a lógica da Escolástica de especulativa, formalista e inútil, em
nome de uma nova orientação. Privou com Duarte Ribeiro de Macedo (um dos
primeiros economistas portugueses), de quem colheu o gosto pelas questões
económicas. O estudo da linguística ocupou-o igualmente. Foi ele quem trouxe às
Conferências Discretas e Eruditas a Art poétique de Bolieu que pensava assim:
"O tempo que tudo transforma, transforma também o nosso temperamento.
Cada idade tem os seus prazeres, o seu espírito e os seus hábitos.” ou "Fazei amigos
sempre dispostos a censurar-vos!”; "O mais sensato é aquele que não pensa sê-lo."
Manuel de Azevedo Fortes
Grande divulgador, em Portugal, do pensamento científico do século XVII. É o
primeiro engenheiro português. Na sua “Oração Académica” de 1739, ocupa-se de
demonstrações astronómicas: eclipses dos astros (teorias de caráter providencialista,
mas tinham uma explicação científica), dimensões dos satélites. Chocava com as
explicações da Igreja, que muitas vezes utilizavam estes fenómenos para explicar
algumas atitudes.

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Ocupando-se do Observatório do Colégio de Santo Antão em Lisboa, defende
que a lógica escolástica servia mais para: “…embaraçar as nossas ideias do que para
aperfeiçoar as operações do entendimento”.
Jacob de Castro Sarmento
Descendente de Cristão Novos, é incumbido por D. João V de reformar os
estudos médicos em Portugal. O primeiro a ser incumbido de alterar os currículos de
medicina da universidade portuguesa. Em 1737, escreveu a “Theorica Verdadeira Das
Marés”, conforme à Philosophia do incomparável cavalheiro Isaac Newton.
Trata-se do primeiro livro em português onde se introduzem as teorias de
Newton, de resto, a explicação das marés é precedida de uma longa notícia sobre
Newton, a filosofia natura, experimental e demonstrativa.
A influência mais direta para a redação deste livro parece ter sido um curso de
filosofia experimental e mecânica dado em Bath, por John Theophilus Desaguliers
(1683-1744), que Jacob de Castro Sarmento apresenta como o seu bom amigo da Royal
Society de Londres. Esse curso acabou por lhe dar acesso a estes conhecimentos, mas
também a ter acesso a figuras que estavam muito ligadas à Royal Society, sob o ponto
de vista institucional e formal, com estatutos, etc.
A primeira academia fundada em Portugal, foi a Academia dos Singulares
(pensam de maneira diferente), fundada em 1628. Contudo, a mais importante
agremiação do séc. XVII português foi a Academia dos Generosos, em 1647, à qual,
como vimos, pertenceu Rafael Bluteau.
D. António Alvares da Cunha foi o seu fundador. Era um homem culto e que
ficou como seu secretário perpétuo. Teve as suas sessões (ou academias, como se dizia
então) no palácio dos Cunhas, em Lisboa, situado no local onde foi erigido do edifício da
sociedade de geografia da cidade.
A Real Academia Médico Cirúrgica-Portopolitana
Esta instituição foi fundada em 1749, no Porto, pelo cirurgião Manuel Gomes de
Lima (1727-1806) e começou por se chamar Academia dos Escondidos ou dos
Imitadores da Natureza: por se debruçar sobre assuntos que colidiam com a forma
como os mesmos eram abradados, na Universidade de Coimbra
Os primeiros estatutos foram aprovados pelo irmão do Rei, o Arcebispo de Braga
D. José de Bragança, protetor da Academia. Além de Manuel Gomes de Lima, a
Academia contou com a presença de João Mendes Sachetti Barbosa, autor dos
estatutos da Faculdade de Medicina elaborados a quando da reforma da Universidade
1772 (Pombal determina a reforma da Universidade de Coimbra, para a qual chama
especialistas). Fazer alinhar a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra pelo
pensamento no âmbito medico cirúrgico, do mais desenvolvido que se conhecia na
Europa. Esta revolução é lenta e que custou a entrar na Universidade de Coimbra e é
graças a esta academia de se começa a desenvolver.

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Envolvia pessoas de vários estatutos sociais, destacando-se os burgueses,
mercadores enriquecidos, pessoas que tinham contactos com o exterior e que tinham
noção do que se passava lá foram. Deste modo, colocaram o seu espírito e dinheiro em
quem procurava trazer a inovação para o nosso país.
Jacob de Castro Sarmento e António Ribeiro Sanches foram membros desta
agremiação portuense. Era uma academia de médicos, cirurgiões e boticários (estas
funções estão ligadas), com membros distribuídos pelo Porto, Braga, Lisboa, Évora,
Brasil e Espanha.
Continuação do Iluminismo
Voltaire considerava que, para além do instinto de conservação que os animais
possuem, os homens possuíam igualmente uma benevolência natural que não era
comum em relação às restantes espécies.
Existiam leis fundamentais baseadas na teoria de que nada na sociedade
pertencia a ninguém, exceto as coisas verdadeiramente necessárias para o ser humano,
como bens essenciais. De certa forma, surge uma oposição à propriedade privada,
inserindo o homem num ambiente natural, em que tudo o que é necessário para a
sobrevivência é fornecido pela natureza. Segundo as leis sagradas, nada deveria ser
vendido ou trocado entre os cidadãos, pois a natureza já fornecia o que fosse preciso.
É, efetivamente, um dos grandes espíritos do iluminismo e recusa o pessimismo
acerca da natureza humana. O homem não nascia mau ou vicioso, é o ambiente em que
este se desenvolve que o vai transformar e retirar dele a vontade natural que o imana.
O Homem é fundamento da religião e a religião é o regulamento da sua conduta, ou
seja, naturalmente, o homem é bom. A ideia de Deus que leva o homem a fazer o bem
e de resto também refere que, à medida que se apaga a ideia de bem fazer, corrompe-
se a ideia de Deus.
Afasta-se, cada vez mais, do pecado original, pois não é o pecado original que
nos conduz ao longo da vida, quase como uma condenação feita sobre o homem. Sendo
o homem naturalmente bom, este pecado original não terá tido o efeito que, por vezes,
exercia sobre o humano.
Condorcet, nos finais do séc. XVII, escreve o “Ensaio do quadro histórico da
evolução do espírito humano”. Neste ensaio, defende que a natureza dotou o homem
de princípios rigorosos de pureza e de justiça que lhe incutem uma bondade ativa e
esclarecida, isto é, bondade natural existente no Homem. Afirma a existência de uma
harmonia universal que regulava as relações entre os homens em sociedade, que radica
nesta bondade natural do homem.
É certo que cada homem persegue os seus interesses particulares, no entanto,
em sociedade, cada homem, ao perseguir os seus próprios interesses, acredita que
dessa forma está a contribuir para o bem comum. Não importa se trabalha mais ou
menos ou se produz mais ou menos. Cada um, com as suas capacidades individuais, em

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sociedade, acredita que pela sua ação está a contribuir para o bem comum. São opiniões
veiculadas por estes espíritos das luzes, com Condorcet e Voltaire.
São partidários de que os vícios, mesmo as partes negativas, contribuem para o
bem coletivo, pois nós só temos a perceção do que é realmente bom, se formos
confrontados com aquilo que é negativo. Abençoado o homem com o contentamento
e a honestidade, acaba decaindo num estado de empatia paralisadora. É preciso
contratempos para, efetivamente, nos fazerem sentir o outro lado da bondade natural.
Virtudes morais são uma mera hipocrisia. Os vícios privados são benefícios públicos,
pois é desta pluralidade que é constituída a sociedade.
Como afirmaria Leibniz, defende que vivíamos no melhor dos mundos possíveis
em função desta posição que é reservada ao homem de acordo com a natureza que lhe
incute a bondade natural e que os vícios têm lugar para reafirmar esta bondade natural.
Não quer negar a existência do mal, pois este precisa de existir para resultar o bem geral.
Há uma espécie de liberdade e de determinação: liberdade de ação do homem
que determina aquilo que, individualmente, ele vem a ser, bem como a própria
sociedade. Diz-nos, ainda, que existe uma série de causas eficientes para determinar o
agir do homem dentro da cadeia causal do mundo natural: corpo e aos seus atos.
Contudo, paralela a esta série, há uma segunda série das causas finais: uma infinidade
de pequenas inclinações e disposições de alma, presentes e passadas, que conduziam
ao agir do homem no seu quotidiano.
É uma corrente otimista que segue todo o caminho das luzes, até finais do século
XVIII. Otimismo exagerado da condição humana, mas é este otimismo que incentiva
estes filosóficos. Todos estes filósofos vão aprofundar aquilo que o renascimento já
tinha levantado (o homem é colocado pela primeira vez no centro do universo, o
conhecimento humano é o principal dos conhecimentos). O enfoque é cada vez maior
sobre o conhecimento humano.
Alexander Pope escreve “Um ensaio sobre o Homem” e, nesta obra, diz que
quanto ao homem, seja qual for o mal que nos vejamos nele, deve ser bem em relação
ao todo. Assim sendo, mesmo o homem, quando procede mal, esse mal deve ser
entendido como contributo de bem em relação ao todo. Acredita-se que, mesmo com
este mal, o homem tende para a felicidade por impulso da própria natureza: uma
natureza em busca constante da felicidade.
Esta nova filosofia iluminista do séc. XVIII vai retirar um certo papel à Graça e
este toque da Graça (beneficio divino) vai, progressivamente, dar lugar à razão.
Evidenciamos uma transformação no plano moral, uma vez que já não é a Graça divina
que importa, mas sim a razão e a capacidade do Homem racionalizar os fenómenos
que condicionam a sua existência. Até no plano moral, o Homem aceita uma moral
natural e, se dúvidas haviam em relação a todos a princípios como o deísmo ou a religião
natural, a filosofia iluminista acredita mesmo nesta religião natural. Os homens, como
seres inteligentes, não podem provir de um ser insensível, mas de um ser também ele

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inteligente e até dotado de uma inteligência superior. A razão do homem é a prova da
existência de deus e este principio de Voltaire é notável.
A capacidade do homem de racionalizar é, segundo Voltaire, a prova da
existência de Deus. Os deístas atribuem à divindade natureza várias caraterísticas:

• Justiça;
• Bondade natural;
• Conformidade geral com os princípios morais do Homem;
• Transversalidade da natureza (declaração universal dos direitos do Homem = lei
natural).
É desta ligação do homem à natureza que surge o sentimento da fraternidade
humana, que é independente da moral que seja intrínseca a esta moral natural. Há uma
grande mudança mental: a mudança de uma piedade tradicional para a ideia de que
não é a Igreja que lidera o processo da piedade dos homens, mas sim a nova filantropia.
Os legados pios deixam de ser feitos às Igrejas e passa a ser feitos às instituições laicas
de solidariedade pública, que começam a proliferar (umas enquadradas pelos próprios
estados e outras desenquadrados dos poderes públicos, mas que praticam a
solidariedade sem as caraterísticas da piedade tradicional).
A esta filantropia liga-se ao antropocentrismo das luzes e a ideia de que o
homem está no centro. Montesquieu defende que é através desta filantropia e da
utilidade social das suas ações, que o homem consegue agradar à divindade. Num
amplo espectro, a filantropia é a capacidade de poder ajudar os outros, no plano da
utilidade social.
A razão humana surge como suficiente para distinguir o bem e o mal, é quase
um pensamento com muita idade: podemos radicar este pensamento logo na filosofia
grega (maniqueísmo grego). É neste sentido que se multiplicam as críticas ao convento
e ao mosteiro, porque estes não contribuem para o todo social, ou seja, os frades e as
freiras, afinal, não têm muita utilidade social. Dependem mais da sociedade, do que
beneficiam a sociedade, isto numa altura em que se discute, por toda a Europa, o
excessivo número de freiras e frades. Um dos seus críticos é Alexandre Herculano.
Cria-se, assim, uma profunda ligação entre a religião e a felicidade humana.
Admite-se mesmo a existência de um código moral que não está escrito, mas é comum
a toda a humanidade: vai traduzir-se numa palavra “solidariedade”. É neste contexto
que radicam os direitos naturais do Homem, elementos que garantem a harmonia
entre o interesse individual e a moral universal.
O veículo mais forte de transmissão destas ideias foi a religião natural, que leva
à crença no otimismo que, apesar de tudo, ainda assenta em fundamento religiosos. É
um pensamento que vai formar, ainda hoje, a nossa vida e acaba por disputar para
temas como o próprio estado.

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Esse antropocentrismo é perfeitamente assumido e conduz ao desenvolvimento
de estudos sobre o homem: se o homem é o centro de todas as coisas, é preciso saber
mais sobre ele. Rousseau diz que o mais útil e avançado dos conhecimentos é o do
homem. No sec. XVIII multiplicam-se os estudos sobre o homem, mesmo como
elemento da teoria do conhecimento. Procura-se, de facto, conhecer o homem nas suas
circunstancias. A ação humana prossupõe o conhecimento das circunstancias que
determinam as suas ações.
Condillac debruça-se sobre o homem que conhece. É esta ideia de conhecer
melhor o homem que avança em várias ciências como a medicina, por exemplo: avança-
se na classificação das doenças (entendimento sobre o homem), começam a fazer-se
estudos para se produzirem vacinas e busca-se o prolongamento da vida, criando uma
nova atitude perante a morte, uma atitude de não resignação (esperança na vida).
Fracionam-se as áreas do saber sobre o homem:

• Linguística:
▪ A evolução das línguas para se perceber melhor os documentos escritos
e o que estes querem dize);
• Direito:
▪ Forma de enquadramento da evolução social e da evolução do Homem,
sem esquecer a importância do direito consuetudinário;
▪ Procura uma justiça o mais justa possível;
• Economia Política:
▪ É preciso saber o que rege, sobre o ponto de vista económico, a
sociedade dos humanos);
• Sociologia;
• História:
▪ Reconstitui a vida do Homem no tempo;
▪ Ganha novos métodos, pois já não se faz uma história acontecimental,
meramente cronológica ou uma historia que assenta na sucessão no
tempo de vários acontecimentos.
Condillac vai procurar a exploração do globo, assente nos prossupostos que a
compartimentação dos saberes do homem conduz os europeus para uma ideia de que
são civilizados. À medida que se explora o globo, o eurocentrismo aparece como fator
que leva à quase divisão entre civilizados e não civilizados. Com o conhecimento
decorrente da exploração do globo, este conceito eurocêntrico vai perdendo a sua força
e é criticado: o estatuto de civilizados que antes era apenas dos europeus, é
gradualmente posto em causa, porque o estatuto de civilizados começa a ser apropriado
e torna-se extensivo aos povos não Europeus.
Esta exploração pelo passado através do conhecimento do homem fez-se em
paralelo com a exploração do globo. É nesta segunda metade do sec. XVIII que surgem
as primeiras histórias universais.

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Condorcet, na sua obra, sintetiza o progresso do iluminismo. De resto, faz um
balanço do racionalismo moderno e tudo apontava para que o Homem continuasse na
senda do progresso, embalado por este otimismo do pensamento iluminista.
“A natureza não colocou nenhum termo ás nossas esperanças”, abria-se um
caminho e um progresso. Condensa esta esperança e este otimismo no Homem,
tratando-se de uma nova religião em que a crença é no progresso. Um progresso
definido como algo do qual a humanidade não podia fugir, só podia caminhar no sentido
do aperfeiçoamento.
Assim, surge uma nova escatologia, ou seja, no caminho do Homem para o fim,
este só poderia progredir. Condorcet anuncia que a humanidade havia ultrapassado
nove etapas, neste caminhar e estava, no séc. XVIII, a tentar vencer a décima etapa: a
Era do Progresso que só o futuro podia reservar e não uma Era de Retrocesso. Para se
elaborar estas etapas e para se considerar que esta etapa era de progresso. há uma
mistura entre história e utopia.
Neste percurso, Condorcet diz que o Homem teve acidentes que foram
indispensáveis para atingir o tempo do progresso e da fé no futuro, conduzido pela
razão, pelas ciências e pelo conhecimento do próprio homem. Havia uma tendência
para se tentar atingir a Idade do Ouro. Nesta obra, encontramos um certo
maniqueísmo: o bem era o avanço das luzes, rumo a uma nova civilização, por oposição
ao obscurantismo. Neste caminhar para o fim, o Homem só podia tornar-se mais feliz e
a Idade do Ouro representa bem esta felicidade.
Em 1791, Herder (1744-1803) ocupa um lugar importante na história da
literatura alemã pelo movimento que provocou e pelo impulso que deu à nova geração.
Todo o universo poderia ser entendido a partir de uma perspetiva histórico-evolutiva,
que estará na base da teoria escrita por Darwin, a teoria da evolução das espécies:
naturalmente, só sobrevivem as espécies que tiverem melhores capacidades de
resistência.
Considerava que a história humana estava regida por um princípio imanente de
uma bondade inteligente, isto é, o homem era dotado de uma bondade inteligente que
o fazia evoluir. Procurou estabelecer as leis gerais do desenvolvimento da história da
comunidade, mas também faz estudos particulares sobre certos povos. Parte de um
princípio muito avançado para o seu tempo de que, na raça humana, há uma certa
unicidade: todos os humanos são dotados pelos mesmos princípios.
O criador prometeu um desenvolvimento e um aperfeiçoamento constantes,
no sentido de caminhar para a felicidade crescente. Esta posição resulta da combinação
do providencialismo com racionalismo do séc. XVIII: a crença no progresso através do
conhecimento do próprio Homem e a promessa que Deus fez à humanidade. Empresta
à história um sentido teológico, tudo caminha para um fim e nesse caminhar há
determinadas etapas. São quatro as etapas que o Homem teve de ultrapassar, até
chegar ao seu tempo:

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1. Etapa da Domesticação Animal:
▪ O Homem deixou a sua posição de caçador que o aproximava da
animalidade, um sinal de que o homem saltou para fora da barbárie (o
ato de caçar).
2. Etapa do Desenvolvimento do Comércio:
▪ O comércio assenta em algo que nos conduz à abstração;
▪ Começa a fazer-se sem a existência de uma moeda, mas, rapidamente,
torna-se impossível trocar somente bens. Deste modo, o homem cria a
moeda (uma abstração à qual atribuímos um valor).
▪ Esta abstração traz a capacidade ao homem de filosofar, de se abstrair.
3. Etapa do Desenvolvimento Científico (séc. XVII e primeira metade séc. XVIII):
▪ Vitória do racionalismo na persecução do desenvolvimento da ciência,
não no sentido meramente teórico, mas no sentido mais pragmático
ligado à técnica.
4. Etapa da Organização Política:
▪ Permite a passagem para a perfeição total;
▪ Permite à humanidade atingir o progresso que as Luzes defendem e a
felicidade do homem.
Condorcet defende que nesta luta entre o bem (luzes) e o mal (obscurantismo),
o bem saíra vencedor.
Em 1750, a célebre Academia de Dijon lança um concurso com a pergunta: “O
estabelecimento das ciências e das artes, contribui para o aperfeiçoamento dos
costumes?” e “Qual a origem da desigualdade entre os homens e é ela autorizada pela
lei natural?”. Rousseau responde com o “Discurso sobre as Ciências e as Artes” e com
o “Discurso sobre a Origem e o Fundamento da Desigualdade entre os Homens”. A tese
deste último trabalho diz que o Homem é naturalmente bom e que a sociedade é que o
corrompe. Condorcet discorda, defendo que a sociedade é uma crise necessária no
caminho da humanidade.
Voltaire não se sente seguro de que o homem viva no melhor dos mundos e na
sua obra “Cândido”, não é tão otimista em relação às luzes quanto Condorcet, mas diz
que cada um deve cultivar o seu objetivo.
O otimismo e a fé é o que carateriza o movimento das Luzes, apesar de todas as
críticas e oposições feitas. Neste contexto, insere-se o mito da igualdade natural entre
os Homens: através desta igualdade (posta com muita acuidade), parte-se para o
universalismo, pois se há igualdade esta é universal.
Montesquieu defende a ideia de que poderia haver uma monarquia universal
europeia, um pensamento que já nasce nesta altura, partindo da humanidade em
progresso e no ideal eurocentrismo. Contudo, Voltaire descrevia já uma Europa
partilhada em vários estados. Esta ideia de República Cultural para a Europa comporta
fragilidade, pois está na base de movimentos pré-românticos. Surgem também os
nacionalismos que são uma reação a esta ideia de República europeia fundada na

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mesma cultura, numa humanidade que progride de acordo com a evolução do
pensamento racional e da ciência.
No séc. XVIII, são criados instrumentos que visam dar corpo a esta república
cultural, como:
▪ A figura do filósofo: herdada deste período;
▪ O salão: lugar de debate e de reflexão sobre o que se conhece e o que pode a vir
transformar o nosso futuro. Espaço da leitura partilhada e em voz alta;
▪ O café: fomentava também as discussões, onde se conhecia as novidades dos
jornais lidas em voz alta;
▪ As Academias: espaço de maior racionalização sobre os fenómenos que vão
acontecendo e onde se questiona a própria ciência;
▪ As gazetas/jornais: emprestam a ideia de república natural, pois é no espaço
europeu que estas coisas se materializam com maior facilidade.
A Europa apresenta-se com uma parte do mundo com um relativo avanço
civilizacional, que não se encontra noutras parte do globo. Na Enciclopédia, a entrada
“Europa” é perentória a este respeito: “A história nada pode comparar acima dela,
apesar da sua pequenez.”. Fala abertamente da superioridade europeia a nível
espiritual, intelectual, material, navegação (comércio) e industrial (a revolução industrial
já entra na sua segunda vaga).
O Dicionário de Trévoux diz que os europeus são os mais civilizados, valorosos
e prudentes humanos. Há uma superioridade antropológica assumida em publicações
cientificas de valor. Os iluministas assumem o primado da Europa nos escritos quando
colocam o binómio entre bárbaros e civilizados e contrapõe-lhe o trinómio selvagem (o
que desconhece qualquer civilização), bárbaro (o que desconhece a civilização das
Luzes) e civilizado (iluministas). Condorcet defende que as Luzes representam a
civilização contra a barbárie e por isso a Europa é apresentava como o centro do
mundo.
O anticlericalismo que os países do Sul conhecem, radica nestas constatações:
contestação do papado, do clero regular e do clero secular. A ortodoxia católica é vista
como um obstáculo ao progresso das luzes. Por isso, não se admira que esta
contestação seja uma consequência direta deste pensamento das luzes. Curiosamente,
alguns dos principais iluministas são clérigos (Frei Francisco de São Luís Saraiva e Frei
Manuel do Cenáculo).
Importância que, neste contexto, teve a forma de divulgação das ideias que
marcam o Iluminismo. Ideias com suporte fundamental na razão. Não foi apenas por
uma via (os livros e a imprensa). Quando chegamos a este período, foram indispensáveis
os livros, mas também a ação dos homens que estiveram ligados à edição, nesta época.
Esta filosofia das luzes, de uma forma ás vezes discretas e noutras diretas, serviram-se
dos livros para alcançar as pessoas. Não basta criar, pensar ou racionalizar, é preciso
fazer passas as mensagens que constituem o amago daquilo a que chamamos de
pensamento iluminista.

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O iluminismo foi divulgado por diversas formas literárias. O próprio romance
assumiu uma importância, nesta divulgação. A poesia serviu de veiculo de comunicação
de ideias, poesia que vai colocar em causa o otimismo que as Luzes trazem acerca do
homem, da sua existência e do seu futuro enquanto ser individual e enquanto membro
de uma sociedade que caminha para um fim e que é animada por um certo otimismo
movido pela razão. Ao colocar em cauda, quer pela via do romantismo quer pela via da
mensagem que transporta, é um veiculo do iluminismo.
Também o estilo epistolar é usado no séc. XVIII para veicular o espirito das luzes.
Frade Barbadinho Luis António Verney – o verdadeiro método de estudar que haveria
de servir a reforma da Universidade de Coimbra e alteração profunda dos estudos na
dita universidade, essa obra foi feito em estilo epistolar, ou seja, foram cartas que este
padre enviou para a Universidade, no sentido de denunciar aquilo que eram os erros
das ciências que então se ensinavam, os métodos pelos quais ensinavam e avançava
com novas ideias baseadas em princípios movidos pela razão iluminista que acabaram
por triunfar na universidade portuguesa.
O estilo panfletário – divulgação de ideias através de panfletos, de forma
telegráfica. Esta forma de comunicação está ligada à imprensa, com letras dirigidas a um
público pouco habituado a ler e com alguma dificuldade de perceção de mensagens mais
elaboradas.
Os dicionários surgem neste contexto do iluminismo. Uma das caraterísticas do
homem das luzes é o “saber de tudo um pouco” e para isso é preciso ter à mão um
dicionário, com entradas organizadas por ordem alfabética – é uma necessidade posta
pelo homem das luzes. Conhecimentos atualizados de acordo com o espirito do século.
O homem é efetivamente aquilo que interessa melhor conhecer, a esta gente do
pensamento iluminista e por isso escrevem dicionários sobre as mais variadas questões
que dizem respeito ao homem. Tudo isto culminou na Enciclopédia – o grande veiculo
de divulgação das luzes. A substituta da suma teológica, é um depósito de
conhecimento. É uma grande novidade em livro!
O que carateriza o iluminista é o ecletismo cultural – não é aquilo que hoje se vai
privilegiando, ou seja, a especialização. O iluminista tem que saber um pouco de tudo,
não pode especializar-se somente num assunto e deixar que lhe passe à margem tudo o
resto.
Temáticas na biblioteca de Frei Francisco de São Luís Saraiva:
História – área importante que os iluministas querem fomentar. O mais
importante de todos os saberes é o homem. O Homem que não se conhece a si próprio,
tem dificuldade em conhecer a sua sociedade, a sua evolução e em situar-se nessa
sociedade.
História profana antiga (gregos, romanos, toda a panóplia informativa que
continha a história antiga destes povos), História Profana Moderna, História Eclesiastica
Portuguesa, História Profana Portuguesa.

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Forma de fazer história – o que hoje traduzimos por métodos e técnicas de
investigação para chegar à conclusão de como fazer história. A história devia ser feita
com o uso da razão, como se de qualquer outra ciência se tratasse. Há preocupações
que já se nutrem por uma história autêntica, não uma historia somatória de facto e
conhecimento. Uma história mais explicativa.
Arquivos, cronologia, dicionários de história.
História genealógica – história das famílias, como se ligam umas às outras,
elaboração de uma história que se alimento de factos verdadeiros.
Ainda se inclui a geografia, no séc. XVIII. Coleções de correspondência – vida dos
homens e das mulheres do tempo com algum rigor. Heráldica. Histórias universais –
devem ser incluídos todos os povos, tendo o cuidado de aperfeiçoar, cada vez mais, a
história dos mais variados ramos, recorrendo à história universal.
Paleografia – indispensável para não cair em anacronismos. As viagens.
Quando entramos no capitulo das ciências e das artes, este frade apresenta 65
livros classificados como filosofia, a ciência das ciências. Como base fundamental das
ciências surge, em primeiro plano, a filosofia. Depois aparecem livros das mais variadas
áreas do saber (ecletismo). Livros de retórica, de química, de música, de moral, sobre
metafísica, sobre medicina, de matemática, de hermenêutica, de história natural, de
física, sobre educação (entendida em várias dimensões, não é apenas a educação
escolar, mas também a educação política, por exemplo, a revisão dos programas do
ensino secundário e dos manuais para preparar os alunos para o acesso à universidade),
ciência económica, diplomática (documentos e diplomas para se compreender a sua
existência e eficácia ao longo do tempo), botânica, astronomia, etc.
Literatura: teatro, poesia, panegíricos, oratória, novelas
História da literatura, gramática (saber comunicar, a mais importante forma de
comunicação era a escrita), filologia (perceber as línguas e sua evolução para se poder
ler textos de outras línguas e entender os textos de acordo com a sua época).
O maior instrumento de difusão do iluminismo foi a Enciclopédia (a sumo
filosófica do séc. XVIII por oposição à suma teológica). É uma obra de conjunto destinada
a substituir a teologia do séc. XVII. Lugar para a filosofia explicar, através da razão, os
fenómenos.
Uma obra que podemos classificar como um ponto de chegada das luzes e
simultaneamente um ponto de partida. Nada está terminado, tudo é verdade até à
mudança de paradigma.
Espelha, ela própria, a cultura burguesa. Os burgueses têm necessidade de saber
mais. É também uma arma ideológica contra o pensamento escolástico tradicional,
contrapondo o saber fundamentado na razão – afirmação das ciências no séc. XVIII.

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Agregou 130 colaboradores de diversas áreas e formações de conhecimento e
cientificas. Grande número da nobreza de toga (homens de leis), bem como alguma
nobreza tradicional (participação quase mínima).
Espirito burgues racionalista, positivo, pragmático (resolver problemas sem
grandes discussões).
Evidência e clareza da razão – a razão transcende-se, quase que temos a
sensação de que a razão pode, atinge e julga tudo.
A enciclopédia respondia à laicização.
A cultura enciclopédica vai trazer uma nova visão do mundo desconcentrado ou
de vários mundos que coexistem e devem ser olhados no seu próprio tempo e na sua
evolução.
Combate a filosofia tradicional, aquilo que ficou conhecido como o “mestre
disse” e todos devem seguir. É assente no bom uso da razão que assiste ao
conhecimento cientifico. Combate os dogmas e a superstição. Propõe, em alternativa, o
livre uso da razão baseada na observação, na analise, na critica… propõe ciência.

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