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Ensino jurídico: o embate entre a formação docente e o

pacto de mediocridade

ENSINO JURÍDICO: O EMBATE ENTRE A FORMAÇÃO DOCENTE E O PACTO


DE MEDIOCRIDADE
Revista de Direito Educacional | vol. 3/2011 | p. 189 - 207 | Jan - Jun / 2011
DTR\2011\2509

Fabiano Lepre Marques


Mestrando em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória.
Conselheiro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-ES. Professor Universitário.
Advogado.

Área do Direito: Educação


Resumo: O presente trabalho se propõe a apresentar a crise do ensino jurídico brasileiro
e oferecer uma tentativa de superação a partir do rompimento com o pacto de
mediocridade. Inicialmente explicitam-se as principais características dos cursos jurídicos
brasileiros com a finalidade de se buscar mecanismos para superação de um ensino
jurídico acrítico e não reflexivo. Em seguida, como alternativa de superação da crise do
ensino jurídico brasileiro, analisa-se a educação dos tempos atuais em seu enfoque
mercado-lógio. Por fim, busca-se através da formação docente, apresentar uma
proposta de afastamento do pacto de mediocridade.

Palavras-chave: Crise - Pacto de mediocridade - Formação docente.


Abstract: This article intends to present the crisis of the Brazilian legal education and an
attempt to overcoming since the break of the pact of mediocrity. At first, the main
features of the Brazilian law courses are demonstrated with the aim of seeking
mechanisms to overcome an uncritical and non reflexive legal education. Then, as an
option to overcoming this crisis, the article analyzes the education of current times in its
marketing approach. Finally seeks, through teacher formation, to present a proposal for
the pact of mediocrity removal.

Keywords: Crisis - Pact of mediocrity - Teacher formation.


Sumário:

1. Introdução - 2. A necessidade de reformulação do ensino jurídico como forma de


rompimento com o pacto de mediocridade - 3. A educação jurídica em tempos
modernos: os cursos de direito como investimento - 4. O processo de formação do
professor - 5. Considerações finais - 6. Referências bibliográficas

1. Introdução

Nitidamente marcado por forte tendência positivista, o ensino jurídico brasileiro fora
concebido tendo por base os parâmetros curriculares utilizados na Universidade de
Coimbra. De cunho pouco reflexivo e baseado em conteúdos acumulados nas chamadas
aula-conferência, competia ao aluno a tarefa de memorizar o conteúdo passado pelo
professor de forma acrítica, tendo em vista a superficial abordagem utilizada.

No entanto, como resposta a esta singular necessidade de aperfeiçoamento do ensino


jurídico, fora editada, pelo Ministério da Educação, em 1994, a Portaria 1.886, que
promoveu uma vasta mudança estrutural dos cursos jurídicos. Como prova disso decorre
a implementação do tripé ensino, pesquisa e extensão, a busca pela
interdisciplinariedade, a instalação de estágio curricular nos núcleos de prática jurídica e
a necessidade de elaboração de monografia final de curso. Apesar das significativas
mudanças, as novas exigências constantes da Portaria não romperam definitivamente
com nossas experiências. Revelaram, entretanto, uma insatisfação com relação a um
ensino jurídico pautado pelo formalismo e pela ausência de criticidade. Buscou-se,
através de sua edição, formar não somente profissionais tecnicamente preparados, mas,
sobretudo, cidadãos comprometidos com as transformações decorrentes de seu tempo,
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com responsabilidade social e com a dignidade do ser humano.

Posteriormente, com a criação da Lei 9.131, de 24.11.1995 (Lei que instituiu o Exame
Nacional de Cursos) e da Lei 9.394, de 20.12.1996 (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional) buscou-se desburocratizar o ensino superior e implementar
instrumentos controladores da qualidade de ensino.

Atualmente marcado pela adoção de técnicas e métodos antipedagógicos, o modelo de


ensino jurídico brasileiro vive um momento de crise, revelando-se antidialogal, e sendo
tratado, especialmente na última década, diante da explosão de cursos jurídicos pelo
país, como fonte de renda de grupos econômicos, que injetam capital e projetam lucros.

Considerando que a reformulação do ensino jurídico visa conferir-lhe credibilidade,


respeito e formação jurídica crítica, busca-se neste artigo, apresentar o pacto de
mediocridade como manifestação da crise do ensino jurídico, bem como expor suas
principais características e desdobramentos. Analisa-se, então, de que forma vem sendo
entendida a educação no Brasil, e discute-se acerca da necessidade de reformulação dos
cursos jurídicos e de investimento no processo de formação do professor. Para tanto,
debate-se a contribuição dada pelo discente na manutenção do pacto de mediocridade e
na perpetuação de uma pedagogia do fingimento. Por fim, perquire-se o papel da
educação na sociedade e na formação do indivíduo, com o fito de, ao final, verificar se o
rompimento com o pacto de mediocridade permitirá um eficaz desenvolvimento do
ensino-aprendizagem e uma melhora na qualidade do ensino jurídico brasileiro.

2. A necessidade de reformulação do ensino jurídico como forma de rompimento com o


pacto de mediocridade

Com a evolução social e a consequente mudança das concepções da sociedade


provenientes do processo de instalação da corte portuguesa no Brasil, vis-lumbrou-se a
necessidade de serem implementados cursos jurídicos no território nacional,
notadamente com a finalidade de formar intelectuais destinados à composição da
burocracia estatal (Francischetto, 2010, p. 13). Desde então muito se discutiu acerca da
viabilidade de tal implementação, sendo certo que, para a metrópole, o Brasil constituia
mera colônia de exploração, e a formação de uma cultura jurídica própria poderia ser
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traduzida como uma manifestação de independência política. Superadas as oposições,
em 11.08.1827, foram criados os primeiros cursos de direito brasileiros, em São Paulo e
em Olinda, que foram instalados com forte influência dos parâmetros curriculares
utilizados na Universidade de Coimbra.

De cunho meramente expositivo e baseada em uma visão positivista, a metodologia


adotada era a da aula-conferência coimbrã, consistente em mera exposição do conteúdo
pelo professor, que era quem detinha o conhecimento. Em estreita síntese, o papel do
discente limitava-se a acumular as informações proferidas pelo professor, sem qualquer
exigência reflexiva quanto ao conteúdo acumulado (Francischetto, 2010, p. 15).

Os primeiros anos de funcionamento dos cursos jurídicos no país foram marcados pela
precariedade, tanto do ponto de vista da estrutura curricular, quanto do ponto de vista
das instalações físicas, na medida em que as duas primeiras faculdades de direito do
Brasil foram inicialmente instaladas em Conventos – em Olinda, no Convento de São
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Bento, enquanto que em São Paulo, no Convento de São Francisco.

Nesta esteira, a estrutura curricular adotada copiava a utilizada no curso de direito da


Universidade de Coimbra. Acerca das disciplinas a serem cursadas, Lilia Moritz Schwarcz
(1993, p. 13) assinala que: “No primeiro ano estudavam-se as cadeiras de direito
natural, público, análise da Constituição do Império, além de direito das gentes e
diplomacia. No segundo ano havia a continuação das matérias do ano anterior, bem
como o estudo de direito público eclesiástico. No terceiro ano estudava-se direito civil
pátrio e direito pátrio criminal, com a teoria do processo criminal. Já no quarto ano havia
a continuação do direito civil pátrio, além do direito mercantil e marítimo. Finalmente, no
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quinto ano estudavam-se teoria e prática do processo adotado pelas leis do império
(…)”.

Nesta esteira, a estrutura curricular adotada nos cursos jurídicos brasileiros refletia uma
ideologia ligada às raízes portuguesas, de modo que a cultura jurídica brasileira da
primeira metade do século XIX não havia ainda se desenvolvido a ponto de revelar
identidade e autonomia.

Diante de tal contexto, adveio o Dec. 1.386/1854, como instrumento de inauguração de


uma nova cultura jurídica. Foram estabelecidas novas regras disciplinares aos discentes
e promovida uma extensa reforma, cuja intenção era dar maior rigidez ao ensino,
superando uma fase anterior marcada por impasses e precariedade (Venâncio Filho,
1977, p. 54). A partir das alterações promovidas pelo Dec. 1.386/1854, constatou-se
que os cursos jurídicos brasileiros buscavam desenvolver uma identidade própria e
desvinculada dos parâmetros utilizados na Universidade de Coimbra.

Como forma de romper com o antigo paradigma português, a Constituição Federal de


1988, em seu art. 205, referiu-se expressamente à educação como direito de todos e
dever do Estado e da família, cujo objetivo é o desenvolvimento da pessoa, o preparo
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para o exercício da cidadania e a qualificação para o mercado de trabalho. Como se vê,
a Constituição Federal (LGL\1988\3) garantiu status de direito fundamental (direito
social) à educação, cabendo à legislação infra-constitucional o desenvolvimento de
políticas públicas de desburocratização e controle do ensino.

As políticas de reestrututuração da educação foram tratadas diretamente na Lei


9.394/1996, que implementou as diretrizes e bases da educação brasileira, e, no campo
do ensino superior, com a Lei 9.131/1995, que instituiu o Exame Nacional de Cursos.

Apesar das inúmeras tentativas de reestruturação dos cursos jurídicos promovidas pelo
legislador, eles ainda permanecem vinculados a uma visão acrítica, não reflexiva,
afastados da realidade social e nitidamente caracterizados por uma formação positivista
e a um extremado apego à codificação.

Manifestando-se acerca do exagerado apego ao positivismo jurídico, Fernando Frederico


de Almeida Jr. (2008, p. 261) assinala: “Assim, para evitar problemas futuros, ou a
manutenção das dificuldades atuais, faz-se mister valorizar a construção de cidadãos
com uma formação geral, humanística, crítica e reflexiva, execrando a desvinculação
existente entre o que se fala nos cursos de direito e a real situação política, social e
econômica do país, evitando cada vez mais uma formação meramente técnica,
exacerbadamente legalista, positivista e dogmática, que cria a pessoa neutra e a
transforma em instrumento das elites dominates. Os profissionais do direito, com raras
exceções (raras especialmente porque se leva em conta a grande quantidade de
profissionais na área e porque alguns deles realmente desempenharam papéis
importantes no cenário político e social do país), nunca foram verdadeiros agentes da
mudança social, função sempre melhor exercida por educadores, sociólogos e
economistas, e tal fato se deve ao enclausuramento dos cursos de direito no exame
exclusivo da realidade jurídica, como se esta fosse independente e não tivesse relação
com a realidade social global”.

Assim, tradicionalmente enclausurados em seus escritórios e gabinetes, os profissionais


da área jurídica limitam-se a reproduzir conhecimentos já positivados e codificados, os
quais foram inculcados durante todo seu processo de formação acadêmica, e que os
impede de promover significativas alterações no cenário político social em que estão
inseridos. Dessa forma, não demonstrando qualquer preocupação com seu entorno social
e estando somente comprometidos com os textos legais, os cursos jurídicos devem ser
modificados com vistas a apresentar alternativas que revelem uma maior preocupação
com o processo de formação do discente. Somente através da aproximação do direito
com as demais áreas do conhecimento, tais como a Economia, a Sociologia, a Filosofia, a
Ciência Política, dentre outras, é que o profissional do direito poderá ser um promotor de
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uma mudança social.

Gilsilene Passon Picoretti Francischetto (2010, p. 26) ao tratar da necessidade da


interdisciplinariedade e da deficiência do profissional do direito de lidar com problemas
sociais acrescenta: “As faculdades de direito precisam pensar seus projetos pedagógicos
tendo em vista que a interdisciplinariedade não pode estar presente apenas na teoria. Ao
contrário, é preciso criar-se um canal continuamente aberto entre os professores das
várias disciplinas para que se possa travar um diálogo efetivo e que consiga inserir o
aluno dentro de uma preocupação maior em torno do conhecimento. Foi justamente em
decorrência da unidisciplinariedade imposta aos alunos de direito até hoje que, em maior
ou menor intensidade, tais profissionais não conseguem lidar com um contexto cada vez
mais célere de transformações sociais, no qual o direito não tem dado respostas
satisfatórias”.

A forma equivocada com que o ensino jurídico tem sido abordado nas faculdades de
direito brasileiras tem possibilitado o seu distanciamento com a realidade social e
causado um grave entrave à solução dos problemas sociais.

Como resposta à manifesta crise do ensino jurídico, e ciente de que por décadas os
cursos jurídicos preocuparam-se exclusivamente em resolver os problemas jurídicos, a
Ordem dos Advogados do Brasil – OAB – tomou para si o papel de protagonista na busca
da reformulação dos cursos de direito, demonstrando uma maior preocupação no sentido
de priorizar um ensino jurídico reflexivo e com foco na formação jurídica
problematizadora.

“A partir do final da década de 80 podemos afirmar que a OAB deu o primeiro passo para
a institucionalização do debate: no dia 09.08.1991, o então Presidente do Conselho
Federal da OAB, Marcelo Lavenére Machado, criou a Comissão de Ciência e Ensino
Jurídico através da Res. 13/1991, composta inicialmente pelos advogados Álvaro Villaça
Azevedo, Edmundo Arruda Lima Jr., José Geraldo de Souza Jr., Paulo Diniz Neto Lobo,
Sérgio Ferraz e Roberto Aguiar, com a seguinte justificativa: ‘Considerando notórias as
deficiências do ensino jurídico, que precisa se adequar à realidade e às necessidades do
país; e considerando que o ensino jurídico não se esgota na transmissão de uma técnica,
sendo indissociável de uma visão crítica do Direito (…)’” (Capellari, 2001, p. 25).

Como resultado obtido através das reuniões da Comissão de Ciência e Ensino Jurídico da
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Ordem dos Advogados do Brasil foram publicados relatórios que possibilitaram a
classificação dos cursos jurídicos em bons/excelentes, regulares e insuficientes. Tal
classificação se deu mediante a análise do corpo docente, da infraestrutura, da estrutura
acadêmica, do desenvolvimento de programas de pós-graduação e da avaliação do
discente.

A Ordem dos Advogados do Brasil acentuou sua preocupação com a avaliação dos cursos
jurídicos criando o programa OAB Recomenda, nascido em 07.12.1999, no qual, a cada
três anos é atribuído um selo de qualidade aos cursos jurídicos que se destacarem em
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cada Estado da federação.

Percebe-se, portanto, que a participação da Ordem dos Advogados do Brasil é


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significativa para o aperfeiçoamento do ensino jurídico e para a sua avaliação, o que
não excluiu a legitimidade conferida ao Ministério da Educação de fazê-la, ante a
expressa previsão legal (Lei de Diretrizes e Bases).

Todas as medidas adotadas pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelo Ministério da
Educação revelaram a necessidade de se repensar o ensino jurídico brasileiro, que ainda
não está habilitado a formar profissionais capacitados para resolver os problemas sociais
de seu tempo. Portanto, que a busca pela reflexão e o despertar da criticidade
tornem-se consequentes lógicos do rompimento de uma arcaica formação técnica
meramente positivista.

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“(…) o professor fala de códigos, e o aluno aprende (quando aprende) em códigos (…) a
pesquisa juridica nas faculdades de direito, na graduação e na pós-graduação, é
exclusivamente bibliográfica, como exclusivamente bibliográfica e legalista é a
jurisprudência de nossos próprios tribunais (…). Os juizes decidem com os que
doutrinam, os professores falam da sua convivência casuística com os que decidem, os
que doutrinam não reconhecem decisões. Esse é o trágico e paradoxal círculo vicioso da
‘pesquisa’ jurídica tradicional: alienada dos processos legislativos (debates
parlamentares, quando houve, a outra tragédia do autoritarismo), desconhece o
fundamento de interesse das leis; alienadas das decisões continuadas dos tribunais,
desconhece os resíduos dos problemas e do desespero forense do homem; alienada da
verificação empírica, desconhece as inclinações e tendências da sociedade brasileira
moderna” (Faria, 1988, p. 18).

O atual ensino jurídico tornou-se um processo de repetição de conteúdos já


pré-determinados e codificados, que baseados em uma interpretação meramente
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legalista, traduzem verdades absolutas e inquestionáveis. Em face dessa problemática,
constata-se que o ensino jurídico baseado na simples leitura de textos de lei não
capacita seus operadores a enfrentarem os novos problemas sociais, constituindo, dessa
forma, uma verdadeira farsa na qual o professor finge que ensina e os alunos
representam que aprendem.

É justamente nesse contexto que ganha destaque o pacto de mediocridade, que nas
palavras de Hamilton Werneck (1992, p. 15) assim se caracteriza: “O professor
enrolador, nada ensinando durante o ano letivo, chega ao final sem material concreto
para exigir. Sofrerá, irremediavelmente, pressões dos alunos para dar uma prova mais
fácil, dado o estado de total desleixo do profissional. Para não criar confusão, as
questões são preparadas com um grau de facilidade muito elevado, possibilitando notas
altas, evitando-se maiores reclamações junto à direção da escola. Geralmente, quando o
professor finge que ensina, e, depois, nada exige, os alunos fingem que aprendem e
nada falam. Quando, porém, não se leciona e se exige depois um grau de dificuldade
incompatível, os alunos, fingindo-se de interessados, procuram a direção, reclamam do
mau desempenho do professor e desejam da escola uma satisfação para melhorar o
nível”.

Tomando por base o exposto, são fatores que alimentam o pacto de mediocridade: a
ausência de processo seletivo sério para a composição dos bancos acadêmicos; a má
remuneração do professor, que mesmo especializado, submete-se a receber o piso
salarial da categoria; a falta de incentivo à pesquisa; o receio por parte do docente de
ser demitido por conta de seu maior rigor; a redução das exigências escolares; a
generosidade na avaliação dos alunos; a tolerância com o plágio, dentre outros.

“O resultado dessa recíproca ausência de cobranças leva o professor a uma atitude


cômoda que resulta em sua estagnação teórica e pessoal. Ele não é desafiado e nem
desafia. O mundo contraditório e denso não penetra em suas reflexões e tudo se dá no
interior de uma redoma que preserva a alienação feliz e a reprodutividade satisfeita.
Quanto aos alunos, o mesmo acontece. Eles até pensam que estão dando conta das
exigências, mas sua condenação inexorável é a de serem ainda piores que os docentes”
(Aguiar, 1999, p. 85).

A resultante de todas as características acima delineadas realça a crise do ensino jurídico


brasileiro e revela o pacto de mediocridade como consequência de um modelo
educacional que conduz à estagnação jurídica, em que os atores do processo de
ensino-aprendizagem concorrem para um ritual marcado pela farsa, e que somente
poderá ser enfrentado com uma reformulação do ensino jurídico e, em especial, com a
capacitação do docente.

3. A educação jurídica em tempos modernos: os cursos de direito como investimento

Considerados investimentos de baixo custo por parte de grupos econômicos, grande


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parcela dos cursos jurídicos criados a partir da década de 90, não revela preocupação
com a construção de uma educação crítica e reflexiva. Inúmeros fatores contribuem para
a difusão deste novo modelo de ensino jurídico no país, dentre os quais se destacam a
ausência de um contínuo processo de controle de qualidade dos cursos de direito por
parte do Ministério da Educação e a existência de um mercado em constante
crescimento econômico.

No tocante à ausência de fiscalização, a falta de compromisso com a educação é digna


de nota. Nesse sentido, com o intuito de alcançarem seus objetivos, como, por exemplo,
o reconhecimento do curso de direito, as instituições, cientes de que serão fiscalizadas
por educadores do Ministério da Educação, celebram contratos com empresas que
promovem aluguel de livros para compor o acervo da biblioteca por tempo determinado;
contratam profissionais da área da educação com titulação de mestre ou doutor para
assumir a função de coordenador de curso; promovem ações sociais, permitindo assim o
contato da instituição com seu entorno social etc.

O grande problema é que, após serem avaliadas, as instituições devolvem os livros


alugados e não adquirem novos; dispensam os profissionais contratados para compor o
quadro de mestres e de doutores da instituição por tempo determinado e contratam
novos professores com reduzidos valores de hora-aula e não promovem novas ações
sociais.

Outro fator determinante para a manutenção do pacto de mediocridade é a existência de


um mercado em constante crescimento econômico. Como resultado de uma visão
meramente capitalista, a mercantilização do ensino jurídico permite aos novos
educadores (antigos investidores) considerável retorno pecuniário.

Roberto A. R. de Aguiar (1999, p. 84) ao tratar do tema ensina que: “Hoje, em grande
parte dos cursos jurídicos, não se cursam disciplinas, mas ‘compram-se’ créditos. É uma
clara relação de compra e venda. O objeto de compra não é o conhecimento, mas o
título cartorial que vai possibilitar determinado exercício profissional. Esse objeto é
comprado pelo dinheiro das mensalidades e pelas avaliações favoráveis que devem ser
alcançadas a qualquer preço. Assim, a relação educacional tornou-se mercantil, tanto no
que se refere à venda dos servicos educacionais pelas instituições privadas, quanto às
relações creditícias que regem a composição curricular de cada um dos estudantes.
Logo, podemos dizer que os cursos jurídicos tornam-se um balcão de vendas, em que
todas as características da mercadoria estão presentes. Há um constante dolus bonus
em que o professor aparece como melhor do que realmente é e os alunos procuram
pressioná-lo a fim de obter com maior rapidez a mercadoria que está sendo comprada a
prazo”.

Conforme anteriormente exposto, implementados sob uma ótica capitalista, os grandes


grupos detentores do capital monopolizam o ensino jurídico e perpetuam uma política de
formação acadêmica pautada pela transmissão meramente positivista do direito e alheia
à realidade social. Vinculados a uma forte política mercadológica, os ativos financeiros
das instituições de ensino superior tornaram-se atrativos do mercado, em especial, nas
bolsas de valores.

Afastados dos ideais constantes de seus projetos político-pedagógicos, os novos


educadores não desenvolvem as propostas inicialmente articuladas como metas a serem
alcançadas com a implementação do curso de direito. Normalmente engavetados e
esquecidos em armários de difícil acesso, os projetos político-pedagógicos, em grande
parte das faculdades de direito são encomendados e não cumpridos por seus gestores.

Por outro giro, seduzidos pelo sonho de se tornarem futuros doutores e operadores do
direito, os discentes ingressam em um sistema mercantil maqueado de sistema
educacional. Vistos como indispensáveis para a manutenção da instituição, os alunos são
tratados como verdadeiros clientes.

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Nesse turno, a educação vem sendo entendida nos tempos modernos como uma
verdadeira relação de compra e venda, na qual o cliente (aluno), ao efetuar o
pagamento das mensalidades, exige a entrega do produto (título de bacharel em
direito).

Nota-se, portanto, que na incessante busca pelos lucros, os investidores descobriram


nos cursos jurídicos um locus privilegiado para o investimento de capital. Focados na
obtenção de capital, os empresários não contribuem para o processo de
ensino/aprendizagem e, consequentemente, concorrem para a manutenção do pacto de
mediocridade.

Nos últimos anos a criação de cursos jurídicos viu-se fomentada por uma forte política
de publicidade. Os investidores, utilizando as experiências já acumuladas ao longo de
anos de atuação no mercado, desenvolvem políticas publicitárias de descontos para
matrícula de grandes grupos de alunos; veiculam na mídia possuir o melhor preço entre
as faculdades de direito, criam outdoors, papers e folders com informações acerca de
descontos; patrocinam eventos esportivos com repercussão nacional e internacional etc.

Diante da visão mercadológica do ensino, as faculdades de direito estão assumindo


novas prioridades e cada vez mais se afastando de seu real objetivo: a construção de
um profissional crítico, problematizador, reflexivo e capaz de ser instrumento de
transformação social através da utilização do direito. Tratada como uma relação
mercantil, a relação professor/aluno nem sempre se desenvolve de forma harmônica, já
que, inseridos no sistema já definido pela instituição de ensino jurídico, os discentes
julgam possuir o direito de se formar sem qualquer dificuldade aparente. Nem sempre
dispostos a compactuar com as novas diretrizes educacionais propostas, os professores
problematizadores e desvinculados da visão mercadológica de ensino não conseguem
desenvolver suas atividades e colocar em prática os objetivos constantes de seus planos
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de ensino.

Como consequência desse novo modelo de gestão educacional, os docentes são


catequizados quanto à metodologia de ensino a ser aplicada em sala de aula, o que
limita sua atuação profissional e condiciona sua atuação a padrões já pré-concebidos.

Em que pese a visão moderna do ensino jurídico, não se pode tratar a educação, assim
entendida de forma ampla, como investimento. Não se quer aqui imprimir uma visão
pessimista dos rumos do ensino jurídico brasileiro. No entanto, devem ser repelidas as
abomináveis práticas supra-aludidas, que se traduzem, como resultado final, em notória
queda na qualidade de ensino.

Tem-se, portanto, que a desvinculação do ensino jurídico de uma visão mercadológica


constitui o primeiro passo para a construção de um ensino jurídico de qualidade. Nesse
mesmo sentido, o incentivo à pesquisa; a parceria professor/aluno no processo de
aprendizagem e a boa formação acadêmica e pedagógica do professor, atualmente em
desuso, revelam novas alternativas e expectativas para se romper com o pacto de
medicoridade no ensino jurídico.

4. O processo de formação do professor

Os professores dos cursos jurídicos brasileiros, normalmente especializados do ponto de


vista de sua área de formação, não possuem qualquer especialização no âmbito
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pedagógico, o que, para a manutenção do pacto de mediocridade, se torna muito
interessante.

Considerado peça fundamental para o afastamento do pacto de mediocridade do ensino


jurídico, deve o professor do curso de direito enxergar na sala de aula um ambiente de
reflexão e transformação; abandonar os velhos exemplos constantes dos arcaicos
manuais jurídicos; evitar utilizar uma linguagem rebuscada que o distancie de seus
alunos; excluir de seu discurso piadas e antigas histórias e substituir o argumento da
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força pela força do argumento.

É justamente nesse sentido que merece destaque a contribuição dada pela pedagogia ao
processo de formação do professor. Como forma de se romper com o pacto de
mediocridade no ensino jurídico, busca-se através do constante diálogo entre a
pedagogia e o direito, uma formação docente problematizadora e adequada à nossa
realidade social.

Em que pese a necessidade de tal aproximação, os professores do curso de direito ainda


demonstram resistência, pois são altamente apegados aos discursos característicos da
aula-conferência coimbrã. Destarte, devem conciliar aos métodos já utilizados as novas
técnicas de ensino, dentre as quais se destacam: o estudo de texto; o estudo dirigido; o
estudo de caso; o grupo de observação vs. grupo de verbalização (GVGO); o estudo de
meio; o estudo de filmes; seminários, dentre outros.

Tem-se, portanto, que o ato de ensinar não pode ser aleatório nem desorganizado. Cabe
ao professor a adoção de novos métodos de ensino capazes de despertar nos alunos o
interesse pelo aprendizado, pela criticidade, bem como pelo afastamento de uma visão
individualista e descontextualizada. Através destes novos artifícios metodológicos
busca-se repelir uma educação meramente bancária, na qual os alunos são considerados
verdadeiros depósitos onde os professores armazenam as informações, que serão
posteriormente verificadas através da avaliação. Paulo Freire (1987, p. 59) apresenta as
principais características da educação bancária: “a) o educador é o que educa; os
educandos, os que são educados; b) o educador é o que sabe; os educandos os que não
sabem; c) o educador é o que pensa; os educandos, os pensados; d) o educador é o que
diz a palavra; os educandos, os que escutam docilmente; e) o educador é o que
disciplina; os educandos, os disciplinados; f) o educador é o que opta e prescreve sua
ação; os educandos, os que seguem a presrição; g) o educador é o que atua; os
educandos, os que têm ilusão de que atuam, na atuação do educador; h) o educador
escolhe o conteúdo programático; os educandos jamais são ouvidos nesta escolha e se
acomodam a ela; i) o educador identifica a autoridade do saber como sua autoridade
funcional, que se opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem
adaptar-se às determinações daquele; j) o educador, finalmente, é o sujeito do
processo; os educandos, meros objetos”.

Na busca de uma educação libertadora e problematizadora, critica-se o papel secundário


ocupado pelos alunos, bem como se repudia o modelo de educação bancária no qual o
professor é o único dententor do conhecimento. Nesse sentido, acolhendo a contribuição
da pedagogia ao direito, devem os professores dos cursos jurídicos se preocupar menos
com o processso mecânico de transmissão da informação e desenvolverem técnicas de
aprendizado capazes de aperfeiçoar sua docência; de dar um significado para aquilo que
é objeto de estudo e de desenvolver nos alunos a capacidade de construir seu próprio
conhecimento.

Como forma de alcançar tais objetivos, torna-se necessária uma sensível mudança no
perfil do docente. Para que se possa exercer a docência com o profissionalismo que a
função exige, devem os professores dos cursos de direito desenvolver competências
técnicas, pedagógicas e políticas.

Do ponto de vista da formação técnica do professor, tem-se que o simples domínio dos
conhecimentos básicos de sua área de atuação não é suficiente para a promoção de um
ensino problematizador.

“Essa competência significa, em primeiro lugar, um domínio dos conhecimentos básicos


em determinada área, bem como experiência profissional de campo, domínio este que se
adquire, em geral, por meio dos cursos de bacharelado que se realizam nas unidades
e/ou faculdades e alguns anos de exercício profissional.

No entanto, esse domínio cognitivo é muito pouco. Exige-se de quem pretende lecionar
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que seus conhecimento e suas práticas profissionais sejam atualizados constantemente


por intermédio de participações em cursos de aperfeiçoamento, especializações, em
congressos e simpósios, em intercâmbios com especialistas etc.” (Masetto, 2003, p. 26).

A formação técnica dos professores da área jurídica dever ser contínua, pois somente
dessa forma poderá o professor universitário repensar os problemas sociais de seu
tempo e buscar, através da aplicação do direito, resposta para estes e para eventuais
outros problemas que possam surgir com a evolução da sociedade. Nesse sentido,
torna-se indispensável que o professor universitário se submeta constantemente a um
processo de reciclagem, e de acúmulo de novos referenciais teóricos.

No que se refere à formação pedagógica do professor universitário, Marcos Tarciso


Masetto (2003, p. 27) salienta que “em geral, esse é o ponto mais carente de nossos
professores universitários, quando vamos falar em profissionalismo na docência. Seja
porque nunca tiveram oportunidade de entrar em contato com essa área, seja porque
veem-na como algo supérfluo ou desnecessário para sua atividade de ensino”. “No
entanto, dificilmente poderemos falar de profissionais do processo de
ensino-aprendizagem que não dominem, no mínimo, quatro grandes eixos do mesmo: o
próprio conceito de processo de ensino-aprendizagem, o professor como conceptor e
gestor do currículo, a compreensão da relação professor-aluno e aluno-aluno no
processo e a teoria e prática básica da tecnologia educacional.”

Aplicando as lições de Masetto ao que a realidade jurídica apresenta, tem-se que os


docentes dos cursos de direito brasileiros revelam forte resistência ao acúmulo de
conhecimentos provenientes de outras áreas do saber humano. Vistos como supérfluos
ou considerados como perfumaria, os docentes do curso de direito acreditam que os
conhecimentos oriundos de outras áreas do conhecimento humano devem ocupar um
local de menor destaque. Esquecem, todavia, que o direito, como fenômeno social,
enriquece com o acúmulo de conhecimentos provenientes das mais diversas áreas do
saber e que a atividade docente constitui um exercício de permanente renovação, no
qual o professor ensina aprendendo e com o passar do tempo aprende de fato a ensinar.

Nesse contexto, a implementação, nas faculdades de direito, de núcleos permanentes de


formação docente surge como alternativa para o aprimoramento dos docentes da seara
12
jurídica. Estruturado a partir de um viés pedagógico, o núcleo deve permitir ao
docente uma modernização do ensino e uma nova abordagem do direito desenvolvida a
partir de um gradativo e contínuo processo de transmissão de conteúdos. Ainda como
forma de aperfeiçoamento profissional, deve o professor universitário exercer uma
dimensão política da docência.

“O professor ao entrar na sala de aula para ensinar uma disciplina não deixa de ser um
cidadão, alguém que faz parte de um povo, de uma nação, que se encontra em um
processo histórico e dialético, participando da construção da vida e da história de seu
povo.

Ele tem uma visão de homem, de mundo, de sociedade, de cultura, de educação que
dirige suas opções e suas ações mais ou menos conscientemente. Ele é um cidadão, um
‘político’, alguém compromissado com seu tempo, sua civilização e sua comunidade, e
isso não se desprega de sua pele no instante em que entra em sala de aula. Pode até
querer omitir tal aspecto em nome da ciência que ele deve transmitir. Talvez,
ingenuamente, entenda que possa fazê-lo de uma forma neutra. Mas o professor
continua cidadão e político; e como profissional da docência não poderá deixar de sê-lo.

Como cidadão, o professor estará aberto para o que se passa na sociedade, fora da
universidade ou faculdade, suas transformações, evoluções, mudanças; atento para
novas formas de participação, as novas conquistas, os novos valores emergentes, as
novas descobertas, novas proposições visando inclusive abrir espaço para discussão e
debate com seus alunos sobre tais aspectos na medida em que afetem a formação e o
exercício profissionais” (Masetto, 2003, p. 31).
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Ensino jurídico: o embate entre a formação docente e o
pacto de mediocridade

Tem-se, pois, que, como forma de desenvolver o conhecimento científico, deve o


docente conciliar o saber técnico com o ético, e isto decorre de um aprofundamento de
uma dimensão política. Nesse turno, somente através do debate entre professores e
alunos acerca dos aspectos políticos que estes últimos saberão se posicionar como
cidadãos e futuros bons profissionais. Somente conhecendo a história da ciência, seu
processo de formação e sua evolução ao longo dos anos que o professor poderá
possibilitar a seus alunos uma visão jurídica crítica, problematizadora e contextualizada.

Não se quer aqui considerar louvável a atitude do discente que profere semanalmente
discursos políticos e até mesmo político-partidários de cunho ideológico. Quer-se,
somente dizer que, a partir do enfoque político, possa o docente tornar-se mais crítico e,
por via de consequência, transmitir essa criticidade para seus alunos.

Capacitados do ponto de vista de sua formação técnica, pedagógica e política, devem os


docentes do curso de direito motivar seus alunos a romper com os antigos costumes
jurídicos até os dias de hoje utilizados. Sabe-se que o conservadorismo e o
tradicionalismo são marcas características do curso de direito, entretanto, sabe-se
também que justamente em decorrência desta estagnação técnica, pedagógica e política
que o pacto de mediocridade se entranhou nos cursos de direito brasileiros.

Cumpre ainda destacar que, acomodados e não questionadores, os discentes também


concorrem para a perpetuação do pacto de mediocridade. Adeptos de uma conduta
passiva e domesticados em moldes bancários, os alunos dos cursos jurídicos de hoje
serão os futuros “papagaios jurídicos” de amanhã, que preocupados somente em
propalar o conhecido inculcado através de um arbitrário cultural pelos seus mestres, irão
perpetuar o pacto de mediocridade.

“Talvez seja por isso que, dizem, o curso jurídico atrai os alunos acomodados, os
carneirinhos dóceis, os bonecos que falam com a voz do ventríloquo oficial, os
secretários e office boys engalanados de um só legislador, que representa a ordem dos
interesses estabelecidos. O uso do cachimbo dogmático entorta a boca, ensinada a
recitar, apenas, artigos, parágrafos e alíneas de ‘direito oficial’” (Lyra Filho, 1980, p. 28).

Conclui-se, assim, que, se de fato os discentes são acomodados e acríticos, para tanto
foram condicionados por seus professores, que, em sua grande maioria, não possuem o
domínio necessário da dimensão técnica, pedagógia e política. Portanto, somente a partir
da tomada de consciência do professor universitário que o pacto de mediocridade
perderá força no ensino jurídico brasileiro. Por conseguinte, com a formação de novos
profissionais, tecnicamente habilitados e formados sobre uma perspectiva
problematizadora, novos horizontes poderão ser projetados no ensino jurídico brasileiro.

5. Considerações finais

Após estas breves considerações, pode-se concluir que o ensino jurídico brasileiro
atravessa um momento de crise, marcado pela existência de um pacto de mediocridade,
que clama por mudança. Desta forma, na busca por seu aperfeiçoamento, deve-se
afastar o pacto de mediocridade atualmente vigente nos cursos de direito e
implementar-se uma cultura jurídica reflexiva, crítica, problematizadora através do
processo de capacitação e formação docente.

Lamentavelmente vistos como investimento e sobre uma perspectiva mercadológica, os


cursos jurídicos são considerados projetos de baixo custo por parte de grupos
econômicos, que não se encontram preocupados com a construção de uma educação
crítica e reflexiva e que, por via de consequência, não contribuem para o bom
desenvolvimento do processo de ensino/aprendizagem.

Como forma de apresentar as primeiras respostas aos problemas decorrentes do ensino


jurídico foram editados o Dec. 1.386/1854, que buscou desenvolver uma identidade
jurídica própria de nosso país e desvinculdada dos padrões portugueses, a Portaria MEC
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Ensino jurídico: o embate entre a formação docente e o
pacto de mediocridade

1.886/1994, que promoveu uma vasta mudança na estrutura dos cursos jurídicos, a Lei
9.131/1995, que instituiu o Exame Nacional de Cursos e a Lei 9.394/1996, que criou as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Com igual intuito, a Ordem dos Advogados do Brasil exerceu um importante papel na
busca de um ensino jurídico de qualidade. O protagonismo adotado pela Comissão de
Ciência e Ensino Jurídico aliado a uma mudança comportamental quanto ao papel social
da OAB na busca pelo aperfeiçoamento do ensino jurídico, realçaram a necessidade de
se repensar o ensino jurídico brasileiro.

Nesse sentido, resta clara a intenção de se afastar uma visão meramente positivista do
direito, bem como de promover uma maior aproximação dos conteúdos estudados em
sala de aula com a realidade social dos alunos, repelindo-se de igual modo um discurso
dogmático, unidisciplinar e conservador.

Capacitados do ponto de vista da formação técnica, pedagógica e política, o professor


deve ocupar papel de destaque no processo de ruptura com o pacto de mediocridade.
Ciente de que o direito, como fenômeno social, não pode estar desvinculado das demais
áreas do conhecimento, cabe ao professor abandonar os antigos métodos de ensino
caracterizados por um modelo de educação bancária, para, a partir de então, buscar o
desenvolvimento da aprendizagem através da integração de diferentes áreas do saber.

De igual modo merece destaque o papel do aluno, que ciente da importância de obter
uma formação jurídica reflexiva, deve visualizar no professor um aliado para seu
processo de formação.

Buscou-se, portanto, a partir do presente trabalho traçar as primeiras linhas


características do pacto de mediocridade, bem como revelar que o mesmo pode ser
superado através do processo de formação docente, o qual irá exigir um contínuo
processo de aperfeiçoamento, cujo resultado somente poderá ser alcançado através da
cooperação professor/aluno.

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______. Como vencer na vida sendo professor. Petrópolis: Vozes, 2010.

1 Era estrategicamente importante para Portugal que as colônias não tivessem centros
de formação superior.

2 Consta, inclusive, que os frades foram obrigados a deixar o prédio após a instalação da
faculdade, o que gerou uma relação nada amistosa com os estudantes.

3 “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

4 Tradicionalmente os profissionais da área jurídica têm horror às disciplinas


preparatórias das disciplinas jurídicas, assim consideradas propedêuticas.

5 Em 1992 fora publicado o relatório: “OAB/Ensino Jurídico: diagnóstico, perspectivas e


propostas” e em 1993 o relatório denominado: “OAB – Ensino Jurídico: parâmetros para
elevação da qualidade de ensino”.

6 No Estado do Espírito Santo a Faculdade de Direito de Vitória – FDV – já recebeu o


selo OAB Recomenda.

7 Nesse sentido, fora criado em 1994, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos


Advogados do Brasil, que prevê a obrigatoriedade do Exame de Ordem como requisito
para ingresso na advocacia.
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Ensino jurídico: o embate entre a formação docente e o
pacto de mediocridade

8 Como prova do total afastamento dos problemas sociais, os exemplos utilizados pelos
professores em sala de aula revelam-se mirabolantes e descontextualizados das relações
sociais.

9 Vale salientar que, devido à forma pela qual são concebidos os cursos jurídicos,
torna-se difícil esgotar os conteúdos constantes da ementa ao longo do semestre, o que
faz com que as instituições promovam cursos e semanas de atualização com tal
finalidade. Tais cursos são pagos.

10 Inúmeros são os motivos que contribuem para a ausência de capacitação pedagógica,


dentre os quais se destaca a falta de interesse do docente e da própria instituição a que
está vinculado.

11 Lamentavelmente, determinados professores, tementes de questionamentos


complexos, ficam nervosos, falam alto e se impõem de forma agressiva frente ao aluno
de forma a constrangê-los a realizar novos apontamentos.

12 Durante a reunião de colegiado dos professores do curso de direito da Faculdade


Batista de Vitória – Fabavi, realizada em 21.12.2010, fora feita a proposta de criação do
núcleo permanente de formação docente com atuação experimental específica no curso
de direito. Neste núcleo podem ser debatidos temas como: como motivar o aluno, como
se preparar uma aula multidisciplinar, como utlizar os novos métodos de ensino etc.

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