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Direito educacional
o quê? para quê? e para quem?

Direito educacional: o quê? para quê? e para quem?

Nelson Joaquim

Publicado em 05/2005. Atualizado em 05/2006.

1.CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Pretendemos apresentar as relações existentes entre educação e direito,


analisando as contribuições de educadores, juristas e cientistas dos diferentes
ramos das ciências humanas e sociais. Para tanto, com o objetivo de superar a fase
legislativa do ensino, temos o propósito inicial, de contribuir para construção de
uma teoria e prática do Direito Educacional e promover um debate com os
educadores e profissionais do direito sobre a relação do Direito com a Educação.

No primeiro momento, vamos apresentar as diferentes concepções, conceitos e


objetivos do direito educacional, bem como tratar de duas questões básicas: as
fontes do direito educacional e a discussão sobre direito subjetivo à educação,
considerando o direito à educação como direito subjetivo privado, mas destacando
a importância o direito subjetivo público à educação, como norma-princípio de
ordem pública e cogente. Em seguida, destacar os instrumentos e mecanismos
colocados à disposição do cidadão comum, dos operadores do direito, alunos e/ou
responsáveis, gestores educacionais e/ou estabelecimentos de ensino e o poder
público, em matéria educacional e, finalmente, propor uma especialização desse
novo ramo do saber jurídico. Afinal, o que? Para que? E para quem o
Direito Educacional? – Cabe aos educadores e juristas contextualizarem essas
indagações, como contribuições efetivas para a educação brasileira.

2. DIREITO EDUCACIONAL

A discussão dos juristas e educadores em relação ao direito educacional iniciou-se,


em termos efetivos, em outubro de 1977 no 1º Seminário de Direito Educacional,
realizado em Campinas. Além disso, o primeiro importante trabalho para
sistematização do direito educacional foi publicado em 1981, pelo educador e
jurista Alberto Teodoro Di Dio "Contribuição à sistematização do direito
educacional". E aqui, nas palavras de PAULO NADER, tal a presença da
educação no Direito Positivo, que já se fala na existência de um Direito
Educacional. 1

A questão crucial do Direito Educacional, segundo o jurista Lourival Vila nova, é a


possibilidade desse novo ramo da ciência jurídica desdobrar-se em duas questões
correlacionadas. Uma, a da existência de normas, cujo conteúdo é dado pelas
relações sociais na espécie de relação educacional; outra, a da construção
sistematizada de conhecimentos, que tenham por objeto tais normas. Ele sustenta,
ainda, que há relações sociais educacionais como há relações econômicas de
produção, de consumo, de trabalho, de família e de poder; quer sob a forma de
relações de administração dos grupos não-políticos, ou relações de administração
e governo nos grupos políticos. 2

O trabalho dos profissionais do direito, gestores educacionais e todos aqueles que


lidam com a legislação educacional consiste em qualificar as relações educacionais
em conformidade com o Direito Educacional e a legislação de ensino.

2.1. Conceito e objetivos do Direito Educacional

Uma questão, que logo se apresenta, é sem dúvida, a escolha da expressão "direito
educacional". E, num segundo momento, a definição ou conceito desse novo ramo
da ciência jurídica. 3 Aliás, todo conhecimento jurídico necessita do conceito de
direito, embora não se tem conseguido um conceito único de direito e tampouco
de direito educacional.

Renato Alberto Teodoro Di Dio, precursor do Direito Educacional


brasileiro, afirma que o mais apropriado seria a expressão direito da educação,
direito educacional ou direito educativo. Os puristas optariam por direito
educativo, uma vez que o adjetivo educacional soaria a galicismo. De outro lado,
no linguajar comum, educativo carrega a conotação de algo que educa, ao passo
que educacional seria o direito que trata da educação. Consciente das possíveis
objeções, que, segundo ele, podem ser feitas ao termo; usaremos a expressão
Direito Educacional, à espera de que o uso e os especialistas consagrem a
melhor denominação. 4

"Direito Educacional é o conjunto de normas, princípios, leis e


regulamentos que versam sobre as relações de alunos, professores,
administradores, especialistas e técnicos, enquanto envolvidos, mediata
ou imediatamente, no processo ensino-aprendizagem." 5

Para Edivaldo Machado Boaventura, "O Direito Educacional, como disciplina


nova que é, não pode ser visto e estudado tão somente dentro dos limites da
legislação. Muito ao contrário, deve ser tratado à luz das diretrizes que
lastreiam a educação e os princípios, que informam todo o ordenamento
jurídico. Tanto no caso das relações de trabalho como nos relacionamentos da
educação, legislação seria apenas um corpo sem alma; continua Susseking; uma
coleção de leis esparsas e não um sistema jurídico dotado de unidade doutrinária
e precisos objetivos, o que contraria uma inquestionável realidade.6

Para nós, não é tarefa fácil conceituar Direito Educacional. Este tem natureza
híbrida e interdisciplinar, com regras de direito público e privada. Defendemos a
existência de um direito misto, que tutela tanto os interesses públicos como
privados. Aqui, sugerimos um conceito, que pode ser contextualizado e
aprimorado pelos educadores e juristas.

"Conjunto de normas, princípios, institutos juspedagógicos, doutrinas e


procedimentos, que disciplinam as relações entre alunos e/ou
responsáveis, professores, administradores, estabelecimento de ensino e
o poder público, enquanto envolvidos diretamente ou indiretamente no
processo de ensino-aprendizagem, bem como investiga as interfaces
com outros ramos da ciência jurídica e do conhecimento".

O Direito Educacional tem duplo objetivo: de um lado atua preventivamente, no


âmbito administrativo; por outro lado, atua na solução judicial, no âmbito judicial.
Neste caso, o Direito Educacional, como veremos no item 2.4. deste trabalho,
disponibiliza instrumentos ou mecanismo preventivo administrativos e
mecanismo ou instrumentos judiciais.

2.2. Fontes e princípios

A expressão fonte significa a origem, a procedência, a nascente, o lugar onde nasce


alguma coisa. No caso do Direito Educacional usamos a expressão para designar
os meios, formas de expressões ou de produção do direito ou da norma jurídica
educacional. Devido as limitações e os propósitos do presente trabalho, vamos
apresentar breves considerações sobre o tema.

As fontes do direito podem ser materiais ou formais. A primeira surge da própria


realidade social, representadas pelas correlações de forças sociais, econômicas,
políticas, religiosas, cultural, educacional e valores da sociedade. A segunda é
representada pelos diferentes meios ou formas de expressão ou produção do
Direito como, por exemplo: lei, costume, jurisprudência e doutrina. E aqui,
tratam-se das fontes formais tradicionais do Direito, quer vamos tratar.

Apesar de quase toda doutrina afirmar que os princípios do direito não constituem
fontes do direito, e sim elemento de integração do direito, vale lembrar que com
advento da Constituição Federal de 1988 e a nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, os princípios da educação e de ensino, como veremos
no item 2.2.5, assumiram funções normativas e específicas (Vide art. 206 da
Constituição Federal e art. 3º da LDB).

2.2.1. Lei
No caso brasileiro, ao contrário do direito de tradição Anglo-americana
(jurisprudencial), a principal fonte do direito é a lei. A palavra lei pode significar
tanto norma geral emanada do Poder Legislativo, como qualquer norma de direito
escrito, desde a Constituição até um decreto regulamentar ou mesmo decreto
individualizado. A forma escrita é manifestação mais característica da lei.
Igualmente, está é a concepção adotada pelo Direito Educacional: Lei em sentido
amplo; Lei em sentido estrito.

O Direito Educacional tem como fonte várias legislações no sentido amplo:


decretos, portarias, regulamento, regimento escolar, resoluções e pareceres
normativos dos conselhos de educação, tratados e convenções internacionais. 7

Contudo, a fonte primeira e fundamental do Direito Educacional brasileiro está na


Constituição federal. Trata-se do Título VIII, da Ordem Social, Capítulo III,
intitulado Da Educação, da Cultura e do Desporto, com uma soma de dez artigos
dedicados à educação (art. 205 a 214), com os princípios do Direito Educacional

Vale lembrar que, dentre as muitas leis que fluem da Constituição de 1988 em
direção ao ordenamento jurídico-educacional, podemos destacar: as Leis de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996),
que estrutura a administração, declara princípios e procedimentos, regulamenta
os currículos, o ano escolar, os conteúdos programáticos e a duração dos cursos;
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990); Código
de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078, de 11 de setembro de 1990); Conselho
Nacional de Educação (Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995); Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental de Valorização do
Magistério (Lei 9.424, de 24 de dezembro de 1996); Decreto 3274/99; Anuidades
Escolares (Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999); Direito Ambiental (Lei nº
9.797, de 27 de abril de 1999); Plano Nacional de Educação (Lei 10.172, de nove de
janeiro de 2001); "Bolsa Escola" (Lei nº 10.219, de 11 de abril de 2001); Decreto nº
3.860, de 9 de julho de 2001, que dispõe sobre a organização do ensino superior e
avaliação de cursos e instituições; Programa de Diversidade na Universidade (Lei
10.558, de 13 de novembro de 2002); LEI N° 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE
2003, que altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir no
currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e
Cultura Afro-Brasileira: Programa de Complementação ao Atendimento
Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência (Lei nº 10.845, de
cinco de março de 2004), Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
(Lei 10.861, de 14 de abril de 2004); PROUNI (Lei 11.096, de 13 de janeiro de
2005).

Quando a educação a distanciar (EAD) temos o art. 80 da LDB, cujos


regulamentos estão disciplinados nos Dec. 2.494, de 10 de fevereiro de 1998, Dec.
256, de 27 de abril de 1998, Portaria Ministerial 301, de 7de abril de 1998 e
Portaria 2.253, de 18 de outubro de 2001.8 Aqui, a EAD pode oferecer relevante
contribuição como instrumento de inclusão digital e educacional daqueles que
historicamente foram discriminados pelo poder público e pela sociedade. Para
tanto, se faz necessária à democratização do acesso às tecnologias da comunicação
e da informação, bem como a implementação de uma cultura digital no contexto
educacional.

Por fim, consagração do direito à educação tem sido constantemente lembrada nas
declarações, tratados, convenções, cartas de princípios, compromissos, protocolos
e acordos internacionais, que buscam a internacionalização do direito à educação.
Esta tem como paradigma a Declaração Universal dos Direitos do Homem,
aprovada em Resolução da III Sessão Ordinária da Assembléia Geral das Nações
Unidas, em 1948.

2.2.2. Costumes

Para PAULO NADER enquanto a lei é um processo intelectual que se baseia em


fatos e expressa a opinião do Estado, o costume é uma prática gerada
espontaneamente pelas forças sociais.9 Na nossa visão, para consolidação do
costume como norma obrigatória se fazem necessárias uma consciência social e
jurídica da sua necessidade no contexto social. O mesmo aplica-se ao Direito
Educacional

O Direito Educacional estão presentes vários costumes, por exemplo, o pedido de


revisão de prova e de 2ª chamada; conteúdos mínimos para o ensino; indicadores
para currículo; pedido de documentos escolares etc.10 É oportuno lembrar que
alguns desses costumes já foram incorporados na Constituição de 1988, Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, Estatuto da criança e do Adolescente e Lei das
Anuidades Escolares.

Portanto, a lei e os costumes são formas de expressão do Direito Educacional. A lei


seria a forma fundamental, principal e formal, enquanto o costume uma das
formas complementares, secundárias e materiais. Em seguida, à jurisprudência, à
doutrina e aos princípios gerais do direito.

2.2.3. Jurisprudência

O Direito Educacional no Brasil tem na jurisprudência uma das suas principais


fontes, uma vez que os conflitos juspedagógicos vêm marcando as relações entre
governo, alunos e estabelecimento de ensino. Para João Roberto Moreira Alves,
presidente do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação:

"As fontes jurisprudenciais do Direito Educacional estão presentes nas


decisões dos tribunais, ou seja, na esfera jurídica com os acórdãos e as
súmulas, também chamadas de enunciados. Igualmente, nas decisões
dos colegiados (Conselho de Educação), no campo administrativo com
os pareceres das entidades educacionais, que têm força de
jurisprudência (jurisprudência administrativa)".24
Como tema atual, a responsabilidade civil dos estabelecimentos de ensino vem se
destacando nas decisões dos tribunais, ou seja, na esfera jurídica.

2.2.4. Doutrina

Muitos autores há, que excluem a doutrina como fonte do Direito. Miguel Reale
não reconhece doutrina como fonte do direito. Porém, em análise última
acrescenta: "A doutrina não é fonte do Direito, mas nem por isso deixa de ser
uma das molas propulsoras e a mais racional das forças diretoras do
ordenamento jurídico.11 Ao contrário, A. L. Machado Neto sustenta que a doutrina
tem o caráter de fonte do direito. Por doutrina, como fonte jurídica, entende-se a
obra científica dos jurisprudentes ou juristas, comentando a legislação, os
costumes ou a jurisprudência, procurando realizar a necessária coerência dos
sistemas jurídicos e construir os intuitos à base das disposições normativas
vigentes. 12

No caso do Direito Educacional, por se tratar de um ramo novo do direito com


carência de pesquisa, entendemos que a doutrina, como fonte jurídica, é
fundamental para a construção da teoria, sistematização e autonomia do Direito
Educacional. Para nós, trata-se, aqui, da possibilidade efetiva de reunir doutrinas,
em corpos mais ou menos homogêneos no contexto da ciência jurídica
educacional.

Podemos citar alguns doutrinadores e estudiosos do Direito Educacional: Renato


Alberto Teodoro Di Dio, João Roberto Moreira Alves, Edivaldo Boaventura, Pedro
Sancho da Silva, Paulo Nathanael Pereira Souza, Horácio Wanderlei Rodrigues,
João Roberto Covac, Helder Martinez Dal Col, Elias Motta de Oliveira, Carlos
Alberto Bittar, Dâmares Ferreira, Aurélio Wander Bastos, Maria Regina Muniz,
Messias Costa, Célio Muller, Jorge Saboya, Rita de Cássia Borges de M. Amaral,
Murilo José Digiácomo, Carlos Alberto Lima de Almeida, Selma Aragão.

Podemos destacar três temas que estão sendo construído pela doutrina jurídica: 1º
Responsabilidade Civil dos Estabelecimentos de Ensino; 2º Contratos nas
Relações Jurídicas Educacionais e 3º Direito à educação como direito
personalíssimo.

2.2.5. Princípios do Direito

Toda disciplina jurídica autônoma corresponde a um conjunto sistematizado de


princípios e normas. O Direito Educacional, como ramo da ciência jurídica,
também tem os seus princípios, tanto que, as legislações quer sejam
constitucionais ou infraconstitucionais mencionam princípios.

Para Luiz Roberto Barroso, já se encontra superada a distinção que outrora se


fazia entre norma e princípio. A dogmática moderna avaliza o entendimento de
que as normas jurídicas em geral e as normas constitucionais em particular podem
ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas-princípio e as normas-
disposição.29 Igualmente, os princípios estão inclusos tanto no conceito de lei,
quanto no de princípios gerais do direito. Essa tendência, que tem sido chamada
de pós-positivista, entende os princípios como normas jurídicas vinculantes,
dotados de efetiva juridicidade, como outros preceitos encontráveis na ordem
jurídica. 13

Essa nova tendência que se introduziu no Direito Educacional com o advento da


Constituição de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Aliás, nesse
sentido, os princípios assumiram funções normativas específicas, reforçando-se os
princípios doutrinários educacional (art. 206 CF e arts 2ª e 3ª LDB).

2.3. Direito Subjetivo e o Direito à Educação

"Todas as grandes conquistas da história do direito, como a abolição da


escravatura e da escravidão, a livre aquisição da propriedade territorial, a
liberdade de profissão e de consciência, só puderam ser alcançada através de
séculos de lutas intensas e ininterruptas. O caminho percorrido pelo direito em
busca de tais conquistas, (...) sempre pelos direitos subjetivos pisoteados, (...)
violado o direito subjetivo, o titular defronta-se com uma indagação: deve
defender seu direito, resistir ao agressor, em outras palavras, deve lutar, ou deve
abandonar o direito para escapar à luta? A decisão a este respeito só a ele
pertence".(Rudolf Von Ihering, 1891: p. 8-13-15)14 Para nós, no caso do direito
subjetivo à educação, tendo como paradigma os artigos 205, 208 e 209 da
Constituição Federal, a decisão, também, nos pertence. E mais ainda, devido à
responsabilidade social do poder público, da família, da instituição de ensino e da
sociedade na garantir o direito à educação.

Vale lembrar, que Pontes de Miranda foi o primeiro jurista a discutir, a defender e
a definir o direito à educação como um direito público subjetivo. A propósito, ele,
com sua larga e profunda cultura filosófica e jurídica, avançou tanto ou mais do
que os educadores na defesa dos direitos educacionais de natureza constitucional.
15 Da mesma forma, o educador Anísio Teixeira foi um dos primeiros a defender o
direito à educação como direito de interesse público, promovido pela lei: "O
direito à educação faz-se um direito de todos, porque a educação já não é um
processo de especialização de alguns para certas funções na sociedade, mas a
formação de cada um e de todos para a sua contribuição à sociedade integrada e
nacional, que se está constituindo com a modificação do tipo de trabalho e do
tipo de relações humanas. Dizer-se que a educação é um direito é o
reconhecimento formal e expresso de que a educação é um interesse público a ser
promovido pela lei. (ANISIO TEIXEIRA. Educação é um direito: p.60)16

O direito à educação, como direito subjetivo público, é um direito social


fundamental (art. 6º c/c art. 205 CF), com três objetivos definidos na Constituição
Federal, que estão diretamente relacionados com os fundamentos do Estado
brasileiro (art. 1º c/c art; 3º da CF): a) pleno desenvolvimento da pessoa; b)
preparo da pessoa para o exercício da cidadania; c) qualificação da pessoa para o
trabalho. Além disso, por um lado, o acesso ao ensino fundamental, obrigatório e
gratuito é um direito subjetivo; por outro lado, é um dever jurídico do Estado
oferecer o referido ensino, caso contrário, ou seja, o não-oferecimento ou sua
oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente (art. 208 § 2º
da CF; art. 5º § 4º da LDB; art. 54 § 1º e § 2º do ECA). Contudo, o direito à
educação, como direito subjetivo privado, apresenta características dos direitos da
personalidade (art. 11 do Código Civil). A propósito, quando ele é violado poderá
acarretar danos irreparáveis para pessoa, o Estado e a sociedade. E aqui, segundo
Eduardo Bittar, o direito á educação carrega em si as características dos direitos
da personalidade, pois é um direito natural, imanente, absoluto, oponível erga
omnes, inalienável, impenhorável, imprescritível, irrenunciável. não se sujeitando
aos caprichos do Estado ou à vontade do legislador, pois se trata de algo ínsito à
personalidade humana desenvolver, conforme a própria estrutura e constituição
humana. 17

Existem outros instrumentos extrajudiciais ou judiciais que podem ser acionados


para garantir o direito à educação? Sim, em seguida vamos apresentar alguns
mecanismos institucionais, extrajudiciais e judiciais, que disciplinam as relações
jurídicas educacionais.

2.4. Instrumentos de tutela à educação

As instituições de ensino privadas ou/e públicas deparam-se com grandes


mudanças de concepções na área da educação, quer sejam legislativas ou da
própria sociedade, que estão provocando o aumento de conflitos nas relações
educacionais. Nesse contexto, surgem os instrumentos preventivos institucionais
ou extrajudiciais e instrumentos judiciais, que veremos a seguir. É bom lembrar
que o Direito Educacional serve muito mais para prevenir e orientar as relações
educacionais, do que apresentar soluções judiciais diante dos conflitos de
interesses entre os atores das relações jurídicas educacionais.

E aqui, no primeiro momento, como instrumento preventivo é conveniente utilizar


os procedimentos da própria estrutura administrativa do estabelecimento de
ensino: elaborar o contrato de prestação de serviço educacional com clareza,
precisão e de acordo com a lei vigente; disponibilizar aos alunos o regimento
interno ou escolar da instituição de ensino (carta magna do estabelecimento de
ensino); divulgar o projeto pedagógico do curso, o plano de curso e os
procedimentos acadêmicos; criar mecanismos administrativos conciliatórios
como, por exemplo, uma ouvidoria, e aplicar, se necessário, penalidades
pedagógicas. Acrescenta-se, que o Ministério Público, o Conselho Tutelar e os
Conselhos Municipais de Educação atuam, também, preventivamente, buscando o
entendimento com a pessoa ou autoridade, até porque é dever de todos prevenir a
ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente (arts. 70
a 73 do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90). Aliás, nem todos os
mecanismos de proteção ao direito à educação são judiciais, ou seja, acionados
junto ao Poder Judiciário.
No segundo momento, esgotadas todas as possibilidades de compor os conflitos
nas relações jurídicas educacionais, surgem os mecanismo ou instrumentos
judiciais, ou seja, a presença do Estado-juiz, para apreciar e apresentar uma
solução judicial.18 Para tanto, a ordem jurídica coloca à disposição mecanismos
judiciais, inclusive remédios constitucionais mais específicos para as questões
educacionais. Em primeiro lugar, o acesso à justiça, que significa o acesso à ordem
jurídica justa (art. 5°, XXXV da CF; art. 141 do ECA) e o direito de petição, que
cabe a qualquer pessoa, pois pode ser exercido perante qualquer órgão público,
embora não podemos confundir com o direito de obter decisão judicial, que
depende da presença do advogado ou defensor público. (art. 5º,XXXIV da CF; art.
53, V do ECA). Em segundo lugar, temos ação de rito sumário, (art. 208, § 2º da
CF; art. 5º, "caput" e § § 3º e 4º da LDB); ação civil pública (art. 129, III da CF;
art. 201, V do ECA); mandado de segurança (art.5º, LXIX da CF); mandado de
injunção (art. 5º, LXXXI da CF).

Nesse terceiro milênio, não podemos deixar de destacar a importâncias das


chamas "Ações Afirmativas na Educação", que atualmente são o centro das
discussões no âmbito legislativo, acadêmico e na comunidade em geral. O termo
surgiu nos Estados Unidos, no pós-guerra, já na década de 1960, quando as
sociedades ocidentais cobravam a presença de critérios mais justo na
reestruturação dos Estados de Direito.19 Para Joaquim Barbosa Gomes, ações
afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e
privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com
vistas ao combate à discriminação racial de gênero e de origem nacional, bem
como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado,
tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens
fundamentais como a educação e o emprego.20

A sociedade brasileira demorou a perceber que o princípio da igualdade de todos


perante a lei não é suficiente para que o direito à educação seja um direito de
todos, pois não eliminava as desigualdades que foram acumuladas, principalmente
em relação ao negro no Brasil. Hoje, percebe-se que a ação afirmativa quer seja
pública ou privada, promove a cidadania ativa dos segmentos excluídos no
mercado de trabalho e no sistema educacional. Por isso, a Constituição Federal de
1988 estabelecer proteção especial de trabalho à mulher; prevê no art. 37, VIII
percentual de cargos para portadores de deficiência física, o Decreto nº
4.228/2002 cria o Programa Nacional de Ações afirmativas no âmbito da
administração Pública, Programa de Ação Afirmativa do Ministério da Justiça, que
reserva 20% de seus cargos de direção e assessoramento superior (DAS) a
afrodescendentes (Portaria 1.156/2001), o Programa de Ação Afirmativa do
Supremo Tribunal Federal, que estabelece cota de 20% de afrodescendentes nas
empresas que prestam serviços autorizados a essa Corte. Atualmente, como ações
afirmativas na educação temos as experiências da Universidade Nacional de
Brasília, Universidade Nacional do Estado da Bahia, Universidade Estadual do Rio
de Janeiro e Universidade do Estado do Norte Fluminense Darcy Vargas – nova
Lei nº 4. 151/2003, que iniciou uma segunda etapa das ações afirmativas, reserva
em cada curso de graduação: 20% das vagas para estudantes oriundos da rede
pública de ensino; 20% das vagas para estudantes oriundos da rede pública de
ensino; 20% para negros; e 5º para pessoas com deficiência física, juntamente
com integrantes de minorias raciais.

Contudo, é oportuno lembrar, que se podem implementar ações afirmativas, sem


utilização de cota, pois esta é apenas uma modalidade ou forma de ação
afirmativa. É o caso, da iniciativa do Frei David, que em diversos bairros da
baixada fluminense criou o chamado pré-vestibular para negros e carente (PVNC).
Este movimento ganhou tamanha dimensão que, em 1994, a PUC-RIO resolveu
dar bolsas de estudos para alunos provenientes do PVNC, que passassem no
vestibular. 21

Enfim, ações afirmativas podem ser pública e privadas. Aqui, as instituições de


ensino superior da rede privada de ensino, também, estão implementando ações
afirmativas, com programas de inclusão social no ensino, oferecendo bolsas de
estudos parciais, para alunos carentes de recursos e outras iniciativas. No caso do
Direito Educacional, como instrumento pedagógico e jurídico de tutela à
educação, além de disponibilizar os instrumento preventivos extrajudiciais e
instrumento judiciais, vem discutindo as relações entre educação, cidadania e
inclusão social na educação, como o propósito de fortalecer o sistema educacional
brasileiro, como é o caso do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atendendo ao nosso propósito inicial, realizamos uma breve investigação sobre as


relações entre educação e, em relação ao Direito Educacional, respondendo as
indagações: o quê; para quê? E para quem? Tudo com o propósito de
contribuir para a sistematizar e prática Direito Educacional, mantendo as
contribuições recíprocas de educadores, juristas e dos diferentes ramos do
conhecimento. Do ponto de vista real, aumentaram os conflitos específicos entre
os atores do cenário: instituições de ensino, alunos ou responsáveis pelos alunos,
professores e governo. Por conseguinte, se faz necessário o conhecimento do
Direito Educacional na gestão educacional, como aprimoramento ou
especialização profissional.

Enfim, o desenvolvimento desse novo ramo do saber jurídico é um terreno fértil


para os jovens pesquisadores, por seu caráter inovador. Interdisciplinar e
contribuição para a prática juspedagógica. Cabe, então, aos educadores, gestores
educacionais, profissionais envolvidos na formação de docentes e na capacitação
para educação à distância, profissionais do direito, poder público, instituições de
ensino e as demais instituições do terceiro setor, comprometidas com a educação,
participarem e contribuírem efetivamente para a aplicação do Direito
Educacional, como instrumento de transformação e inclusão social na área
educacional.

NOTAS:

1.NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito – Rio de Janeiro: Forense, 2005.


P.57.

2.VILANOVA, Lourival. O direito educacional como possível ramo da ciência


jurídica.Mensagem da Revista do Conselho de Educação do Ceará. Fortaleza,
1982, p.47.

3.Para o educador e consultor jurídico na área educacional Elias de Oliveira Motta,


"não há como confundir Legislação do Ensino com Direito Educacional. Enquanto
aquela se limita ao estudo do conjunto de normas sobre educação, este tem um
campo muito mais abrangente e pode ser entendido como um conjunto de
técnicas, regras e instrumentos jurídicos sistematizados, que objetivam disciplinar
o comportamento humano relacionado à educação", como conceituou Álvaro Melo
Filho (Cf. MOTTA, Elias de Oliveira. Direito educacional e educação no século
XXI. Brasília: UNESCO, 1997. P. 51).

4.DI DIO, Renato Alberto Teodoro. Contribuição à sistematização do direito


educacional. São Paulo, 1981. Tese (Livre-docência) – Faculdade de Educação,
Universidade de São Paulo. P. 25.

5.Idem, p. 24.

6.BOAVENTURA, Edivaldo Machado. A educação brasileira e o direito. Belo


Horizonte: Nova Alvorada, 1977. P. 30.

7.BOAVENTURA, Edivaldo Machado. op. cit., p. 77.

8.Educação a distância: análise dos parâmetros legais e normativos / Roberto


Fragale Filho (org.) Rio de Janeiro: PD&A,2003. p.57.

9.NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito – Rio de Janeiro. Forense,


2005.pp. 156/157.

10.BOAVENTURA, Edivaldo Machado. op. cit., p. 86.

11.REALE, Miguel. Op.cit. p. 176.

12.MACHADO NETO, Antônio Luís. op. cit., p. 214.

13.BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2. ed. São


Paulo: Saraiva. 1998. p. 141.
14.IHERING, Rudolf Von. Tradução de Richard Paul Neto. A luta pelo Directo -
Rio de Janeiro – Editora Rio, 1978. pp. 8-13-15.

15.Apud REALE, Miguel. Op. Cit. P. 273

16.TEIXEIRA, Anísio. Educação é um direito, apresentação de Clarice Nunes, 2ª


edição. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. p. 60.

17.BITTAR, Eduardo C. B. Direito e ensino jurídico: legislação educacional. São


Paulo: Atlas, 2001. p. 158.

18.LIBERATI, Wilson Donizetti. Direito á educação uma questão de justiça. São


Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 342.

19.Programa Política da Cor na Educação Brasileira. Laboratório de Políticas


Públicas. Coordenador Geral Emir Sader. Rio de Janeiro: UERJ, 2004. pp. 8-16.

20.GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da


igualdade: (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência
dos EUA). Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 40.

21.SISS. Ahyas. Afro-brasileiros, cotas e ação afirmativa: razões históricas. Rio de


Janeiro: Quartet; Niterói: PENESB, 2003. p. 157.

Autor
Nelson Joaquim

advogado, mestre em Direito pela UGF, especialista em


Direito Civil, Romano e Comparado, professor da
Universidade Estácio de Sá

Informações sobre o texto

Texto extraído da dissertação de mestrado do autor, intitulada "Educação à Luz do


Direito", pela Universidade Gama Filho (RJ), em 2000.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JOAQUIM, Nelson. Direito educacional: o quê? para quê? e para quem?. Revista
Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 693, 29 maio 2005.
Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6794. Acesso em: 9 fev. 2022.

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