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Eduardo Sabel
Universidade Federal de Santa Catarina
eduardosabelmatematica@gmail.coml
Everaldo Silveira
Universidade Federal de Santa Catarina
derelst@hotmail.com
Resumo
A presente pesquisa investiga os significados pretendidos pelos livros didáticos dos anos
iniciais do Ensino Fundamental em relação ao sistema de numeração decimal. O estudo
partiu da análise dos livros em busca de extratos que contivessem representações do Bloco
Base Dez. Na sequência, os dados obtidos foram apresentados e discutidos por meio da
ferramenta da Configuração Epistêmica, que integra o Enfoque Ontossemiótico. E por
fim, identificamos os significados institucionais presentes nas representações do Bloco
Base Dez no material didático selecionado, quais sejam: representar e organizar
quantidades no QVL; trocas e agrupamentos de dez; algoritmo do campo aditivo;
algoritmo da multiplicação; e induzir o cálculo mental e a estimativa.
1. INTRODUÇÃO
Enfoque Ontossemiótico
O educador e matemático espanhol Dr. Juan Díaz Godino tem sido um dos
principais pesquisadores no desenvolvimento de um modelo teórico de conhecimento e
instrução matemática. Com a colaboração de outros pesquisadores, vem desenvolvendo
o Enfoque Ontossemiótico (EOS), que se destaca pela habilidade em articular as facetas
pessoais e institucionais do conhecimento matemático. Ou seja, o EOS reconhece a
interdependência entre as esferas pessoal e institucional como o eixo principal da
antropologia cognitiva (LOPES; GUSMÃO; FONT, 2022).
O EOS surge como uma abordagem teórica na investigação em Educação
Matemática, e apresenta uma base sólida em semiótica, antropologia e cognição
(GODINO; BATANERO; FONT, 2008). Essa abordagem também promove um olhar
antropológico e filosófico sobre a matemática, embasado na compreensão da linguagem
como promotora de significados na atividade humana.
Dentre as ferramentas teóricas que compõem o EOS, utilizamos, neste estudo, a
Configuração Epistêmica, voltada a analisar os significados institucionais dos objetos
matemáticos.
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A análise se deteve nos LD das três primeiras séries dos Anos Iniciais. Contudo, no LD do 1º ano, não
encontramos nenhuma representação do BBD.
Figura 3 – Observar registro
Figura 5 – Agrupamentos
Por meio dos exemplos acima, identificamos que o significado pretendido pelo
LD se refere ao algoritmo da multiplicação, mais especificamente, à multiplicação como
somas sucessivas. Analisando os componentes da Configuração Epistêmica, temos:
Situações-problema: solicita a multiplicação de dois números em que o BBD é
utilizado em conjunto com a explicação do algoritmo.
Linguagem: representação das peças do material sendo usadas dentro do QVL2,
articulado com o registro simbólico (Figura 9), e também, a palavra “vezes”, empregada
como um sinônimo para a multiplicação (Figura 10).
Conceitos: estão relacionados com a forma que pensamos na multiplicação do
SND com trocas (Figura 9) e sem trocas (Figura 10), assim como a multiplicação definida
como uma soma de parcelas iguais.
Procedimentos: envolvidos implicam resolver o cálculo utilizando o algoritmo
tradicional.
Proposições e argumentos: pressupõe-se que para a multiplicação, podemos
efetuar a soma de parcelas iguais (representadas pelas peças do BBD) e ao final, soma-se
as peças para obter o resultado.
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Esse tipo de indicação do BBD usado dentro do QVL é considerado inadequado e conflituoso, conforme
se encontra em Silveira (2014, 2016, 2018, 2021).
Outra utilização do BBD diz respeito ao uso de pontos de referência para a
preparação voltada ao cálculo mental, e também para realizar estimativas (Figuras 11 e
12):
Figura 11 – Cálculo mental
Figura 12 – Estimativas
Algumas considerações
Por meio de uma análise epistêmica a partir das ferramentas teóricas do EOS nos
foi permitido uma visão minuciosa dos elementos fundamentais envolvidos em um
sistema de práticas, incluindo propostas de ensino presentes em LD. Como objetivo,
buscamos identificar os significados institucionais presentes nas representações do Bloco
Base Dez no material didático selecionado. Como categorias de análise, utilizamos os
componentes da configuração epistêmica.
As situações-problema propostas consistiram em relacionar as peças do BBD, nas
respectivas posições no QVL, agrupando unidades para formar dezenas e realizando
reagrupamentos de unidades, dezenas e centenas. Esse processo visa organizar as peças
de forma a simular os algoritmos tradicionais e introduzi-los no cálculo mental.
A linguagem utilizada nesse contexto incluiu o uso das letras U, D e C para
representar, respectivamente, Unidades, Dezenas e Centenas. Além disso, foram
utilizados registros simbólicos (algarismos), linguagem natural, setas e expressões
específicas da matemática, como “maior que”, “menor que”, “vezes”, entre outras.
Os conceitos considerados englobaram classes numéricas (unidade, dezena e
centena), os agrupamentos de dez em dez, as trocas com reagrupamento, os algoritmos
do campo aditivo, os algoritmos da multiplicação com e sem trocas, as noções de
estimativas e aproximações e a organização posicional dos números.
Os procedimentos envolveram as ações que os alunos deveriam realizar,
estabelecendo relações com as peças do BBD para resolver as atividades propostas. Era
necessário identificar as quantidades representadas por cada peça e, por meio de
tratamentos adequados, converter esses valores para a representação simbólica,
geralmente exigida nas respostas.
As proposições e argumentos se referiram ao funcionamento do BBD como um
material manipulativo que apresenta uma relação entre suas peças didaticamente
planejadas para o ensino do SND. Além disso, motivou explicações matemáticas para
justificar e validar os procedimentos realizados nas atividades.
A partir dessa análise, organizada pelos componentes da configuração epistêmica
da EOS, foram identificados cinco significados institucionais pretendidos pelo LD, a
saber: (1) representar e organizar quantidades no QVL; (2) trocas e agrupamentos de dez;
(3) algoritmo do campo aditivo; (4) algoritmo da multiplicação; e (5) induzir o cálculo
mental e a estimativa.
Consideramos, portanto, que este tipo de pesquisa contribui para o campo da
Educação Matemática, visto que oferece compreensões acerca dos conhecimentos
matemáticos mobilizados pelos livros. Por meio deste trabalho, as ferramentas de análise
do EOS mostraram ter potencial teórico e metodológico para conduzir estudos nessa
perspectiva.
Referências
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