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REVISTA

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Semanal | 9.2.2024

Mand a n t e s d o
golpe n a m i r a
da PF

97
/ Capa
MANDANTES DO GOLPE NA MIRA DA PF
3 | O dia em que a casa caiu..., por Henrique
Rodrigues

/ Política
edição #97

15 | Bolsonaro é preso: quão próximos


estamos de ler essa manchete?, por Ivan
Longo
24 | Bolsonaro ou Lira, quem tem mais
conteúdo |

acusações de crimes no Brasil?, por Antonio


Mello
28 | Ramagem e as milícias, por Mauro Lopes

/ Global
41 | Quem foi Sebastián Piñera, por Raphael
Sanz

/ Brasil
51 | É carnaval!, por Francisco Fernandes Ladeira

/ Crônica
58 | Aquele velho amor do passado... outra
vez, por Antonio Mello

63 / Expediente
Foto capa: Montagem
Capa

O DIA
Foto Valter Campanato/Agência Brasil

EM QUE
A CASA
CAIU...
por Henrique Rodrigues
Agora, as figuras que quase afundaram
o Brasil numa ditadura têm nome, CPF e
endereço; quem diz é a PF, após mapear toda
a trama golpista de Jair Bolsonaro

U
ma das mais recorrentes reclamações
dos brasileiros desde o encerramento
do governo de Jair Bolsonaro (PL) é
sobre quando, finalmente, os verdadeiros
articuladores da tentativa de golpe de Estado
frustrada contra o presidente Lula (PT) entrarão
na mira da Justiça. Agora, essa “era” uma
recorrente reclamação, pois o dia chegou.
Quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024. A Polícia
Federal (PF) estava nas ruas de vários estados
brasileiros com dezenas de mandados de
busca e apreensão, além de ordens de prisão,
contra mais de 30 alvos, entre eles as principais
figuras, civis e militares, do antigo “regime” que
sequer conseguiu se instalar para “fora das
quatro linhas da Constituição”, como gosta de
dizer o eterno candidato a tirano.
Era a Operação Tempus Veritatis. Para além
do latim mofado e em bom português, “Hora
da Verdade”. O novo inquérito instaurado foi
Foto Geraldo Magela/Agência Senado
Mauro Cid,
ex-ajudante de
ordens
de Bolsonaro

baseado nas extensas provas obtidas nos


meses de investigação da PF e, sobretudo,
na delação do tenente-coronel Mauro Cesar
Barbosa Cid, o ex-ajudante de ordens de
Bolsonaro que espanou e abriu o bico após
passar muito tempo na cadeia.
Nas primeiras horas da manhã, o Brasil foi
surpreendido com a notícia de que os federais
estavam batendo às portas dos generais
Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da
Casa Civil e que foi candidato a vice na chapa
derrotada de Bolsonaro, e Augusto Heleno,
ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI). Acostumados à segurança
de suas fardas amedalhadas sem saber o que
é um front de verdade à frente do nariz, os dois
Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil

Foto Marcos Oliveira/Agência Senado


Walter Braga Netto,
ex-ministro da
Defesa e da General Heleno,
Casa Civil ex-ministro-chefe
do GSI

acordaram com mandados expedidos pelo


ministro Alexandre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal (STF).
Na conta dos dois, mensagens e mais
mensagens tramando o golpe, incitando
uma “virada de mesa”, ordens para atacar e
infernizar militares que não embarcaram na
aventura ilegal e toda sorte de banditismo
para tentar manter o líder da extrema direita
brasileira com a faixa presidencial no peito.
Mas a lista não parou por aí.
Filipe Martins — o jovem ultrarreacionário
e seguidor do astrólogo autodidata Olavo de
Carvalho —, que foi assessor para assuntos
internacionais de Jair Bolsonaro durante seu
governo, e um dos responsáveis pela caipiragem
tosca e vexatória daqueles anos no campo da
diplomacia, também foi acordado bem cedo
Foto Geraldo Magela/Agência Senado
Filipe Martins,
Foto Reprodução

ex-assessor para
asssuntos
Anderson Torres,
internacionais
ex-ministro
de Bolsonaro
da Justiça
pela PF. Ele dormia na casa da namorada, em
Ponta Grossa (PR), quando a lei resolveu cobrá-
lo. A famigerada minuta golpista que fecharia
o país numa prisão autoritária, aquela mesma
apreendida com o ex-ministro Anderson Torres,
chegou ao Palácio do Planalto pelas mãos
do pupilo que singelamente fez um sinal de
supremacia branca numa sessão no Senado da
República há alguns anos. Ele foi preso.
Aliás, por falar em Anderson Torres, o ex-
chefe da pasta da Justiça no governo passado
e que comandava [à distância, dos Estados
Unidos] a Secretaria de Segurança Pública do
Distrito Federal quando os ataques de 8 de
janeiro de 2023 aconteceram, voltou a receber
a visita da PF por conta da Tempus Veritatis.
Ele já ficou preso por vários meses por seu
envolvimento no esquema golpista.
Fotos Reprodução
Marcelo Câmara, Rafael Martins e Bernardo Romão

Quem também foi ver o sol nascer quadrado


foi o coronel Marcelo Câmara, igualmente ex-
ajudante de ordens de Bolsonaro e que até
pouco tempo seguia sendo seu “assessor
especial” fora da Presidência, e ainda Rafael
Martins, um major das Forças Especiais do
Exército. Um terceiro mandado de prisão não
pôde ser cumprido e foi expedido em desfavor
do coronel Bernardo Romão Corrêa Netto,
também das Forças Especiais, e que desde
o final de 2022 estaria nos Estados Unidos,
num cargo de adido em Washington. Os
três foram apontados como integrantes do
chamado “Núcleo Operacional de Apoio às
Ações Golpistas”. Na prática, o setor do golpe
responsável pelas técnicas militares profissionais
passadas à horda de celerados que incendiou
o país e que atacou Brasília no 8 de janeiro.
Fotos Reprodução
Almirante Almir Garnier e os generais Paulo Sérgio Nogueira
e Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira

O inquérito da PF identificou pelo menos seis


“núcleos” diferentes na estratégia golpista
montada pelo ex-presidente.
O ex-comandante da Marinha, o almirante de
esquadra Almir Garnier, que topou o golpe [o
único entre os chefes das três Forças Armadas],
colocando suas tropas à disposição do
levante criminoso, despertou antes do horário
também. Com os agentes da PF dentro de sua
residência, coube a ele mandar mensagem a
interlocutores dizendo-se vítima de uma injustiça
e clamando vergonhosamente a Jesus Cristo
e ao Espírito Santo, o que, convenhamos, não
parece ser muito habitual para uma liderança
militar de alta patente que reivindica honra e
coragem infinitas.
Outros oficiais-generais também foram
alvos da Tempus Veritatis, uma operação
sem precedentes na história do Brasil, e que
colocou no olho do furacão, e sob os olhos
da Justiça, gente graúda da caserna. Os
generais Paulo Sérgio Nogueira e Estevam
Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira foram outros
dois que precisaram abrir a porta após as
batidas da PF. O primeiro foi comandante do
Exército e ministro da Defesa e é apontado no
inquérito como o autor do relatório burlesco e
fraudulento que visava colocar a credibilidade
das urnas eletrônicas, e por consequência a
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em xeque,
enquanto o segundo, ex-chefe do Comando
de Operações Terrestres do Exército, foi um
agitador e articulador do golpe que se reunia
com Bolsonaro na calada da noite para
costurar a sublevação criminosa. Acredita-se
que Theóphilo já tinha, inclusive, um “plano de
guerra” pronto para pôr o golpe em marcha,
operacionalmente falando.
No âmbito político, Valdemar Costa Neto, o
burocrata poderoso que controla o PL, partido
de Bolsonaro, foi outro a ser procurado
logo ao amanhecer pelas autoridades. Ele
foi encontrado na suíte de um hotel onde
vive em Brasília e acabou sendo preso, já
que nas buscas realizadas em sua suntuosa
residência, fora da capital federal, os federais
encontraram uma arma com registro vencido
Valdemar Costa

Foto Beto Barata/ PL


Neto, presidente
do PL

em nome de seu filho. Posse ilegal de arma


de fogo. A regra é clara: prisão em flagrante.
Em meio às buscas, uma pepita de ouro
avaliada em R$ 11 mil, oriunda de um
garimpo ilegal, também foi localizada.
Aliás, na sede do Partido Liberal, em Brasília,
a PF encontrou a maior das excrescências da
verve golpista dos investigados. Uma “carta”
que seria lida por Jair Bolsonaro em uma
transmissão pela internet, assim como em
cadeia de rádio e TV, anunciando o triunfo
de seu golpe de Estado. Recheada das
bobajadas e vícios de linguagem típicos de
seu vocabulário, o texto acusaria a cúpula
do Judiciário de interferir no Poder Executivo
e de colaborar para “a situação do Brasil”, o
que teria levado o então presidente a decretar
uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem),
colocando tropas na rua e impedindo a posse
do presidente eleito.

Foto Reprodução vídeo


A cereja do bolo, já para o fim da quinta-
feira (8), ficaria mesmo com a divulgação de um
vídeo de uma reunião golpista. Desafiando os
limites da estupidez humana, Jair Bolsonaro e
seu séquito palaciano e militar golpista se reunia
em salões oficiais, com o brasão da República,
e gravava todos os crimes pretendidos. Heleno
prometendo ações da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin) com técnicas de infiltração
em campanhas políticas adversárias,
comandantes militares prometendo descumprir
a Constituição Federal e jurando lealdade à
sublevação criminosa, Bolsonaro admitindo
que “a esquerda iria ganhar” e implorando por
uma ação direta para “virar a mesa”. Enfim,
um registro histórico e que mostra o nível de
imbecilidade da caterva que conspirou contra a
democracia brasileira.
Ainda não se sabe onde tudo isso vai
parar. O Alto Comando do Exército estaria em
polvorosa com a inédita ação da Polícia Federal,
com amparo e anuência da Procuradoria-
Geral da República e autorização do Supremo
Tribunal Federal. A situação é incômoda, já que
essa casta cheia de regalias e arrotadora de
uma farsesca moral divina quer seguir intocada
e privilegiada, ainda que não possa disfarçar
que a intenção criminosa de golpe era real, com
direito a pilhas de documentos, mensagens,
áudios e vídeos. O jeito, por ora, é aguardar
pelos próximos capítulos para mensurar quais
serão os rumos do inquérito que não só revelou
ao Brasil os perigos de um golpe que quase
se consumou, mas também o cinismo de uma
horda de sociopatas que se jactam de um
patriotismo cínico para conspirarem contra a
nação, seu povo e seu sistema democrático.w

u Clique aqui e assista ao Fórum Onze e


Meia: “Perdeu, general! Operação da PF mira
assessores militares de Bolsonaro”.

u Clique aqui e assista ao vídeo da reunião do


golpe de Bolsonaro na íntegra.

u Clique aqui e assista ao Jornal da Fórum: “Iara


Vidal explica quem é quem no golpe”.
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FILMES

Direção
Luiz Carlos Azenha

EP.3
Contragolpe
Foto Valter Campanato/Agência Brasil
Política

Bolsonaro
é preso
Quão próximos estamos de ler essa
manchete? Juristas e advogados ouvidos pela
Fórum avaliam impactos da megaoperação da
PF que atinge em cheio o ex-presidente
por Ivan Longo

A
megaoperação da Polícia Federal (PF)
deflagrada na quinta-feira (8), a Tempus
Veritatis, que mirou Jair Bolsonaro, ex-
assessores e militares próximos ao ex-presidente,
inclusive com prisões de três dos investigados,
reacendeu no debate público uma pergunta
que há muito vem sendo feita: Bolsonaro vai ser
preso? Em caso afirmativo, quando?
No despacho em que autorizou
a operação, o ministro
Alexandre de Moraes, do
Supremo Tribunal Federal
(STF), destacou trechos
do relatório da PF sobre a
investigação e, no documento,
há fartas evidências e até mesmo
provas materiais de que Jair Bolsonaro, de fato,
articulou uma tentativa de golpe de Estado que,
felizmente, não obteve êxito.
No relatório consta, por exemplo, que
Bolsonaro pediu e aprovou alterações em uma
minuta de decreto que buscava implementar o
golpe. A “minuta do golpe” previa a prisão de
autoridades, como os ministros do STF Alexandre
de Moraes e Gilmar Mendes e o presidente do
Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), intervenção das Forças Armadas no
Judiciário e, finalmente, a convocação de novas
eleições, cujo objetivo era manter o ex-presidente
no poder mesmo após a vitória eleitoral do
presidente Lula em outubro de 2022.


Trecho da manifestação da PF
sobre as investigações diz:
“Após a apresentação da nova minuta
modificada, JAIR BOLSONARO teria
concordado com os termos ajustados e
convocado uma reunião com os Comandantes
das Forças Militares para apresentar a minuta e
pressioná-los a aderirem ao golpe de Estado.”

A reunião citada pela PF foi gravada em


vídeo, apreendido na casa do ex-ajudante de
ordens da Presidência Mauro Cid, e o material
tornou-se uma peça-chave na investigação.
Na gravação, Bolsonaro e ministros discutem
estratégias para disseminar fake news sobre as
urnas eletrônicas antes mesmo das eleições de
2022, prevendo uma possível derrota.
No encontro, realizado em 5 de julho,
Bolsonaro, segundo a PF, pressionou seus
ministros a disseminarem desinformação,
mencionando a “PEC da Bondade” como forma
de ganhar votos. Ele também instruiu ataques
contra Lula, sugerindo falsas acusações de
envolvimento com o narcotráfico e alegada
manipulação de pesquisas eleitorais.
O ápice foi a ameaça do ex-presidente de
usar força militar em caso de derrota nas urnas,
direcionada ao então ministro da Defesa. A PF
afirma que o objetivo da reunião era coagir os
presentes a aderirem à desinformação para
minar a estabilidade democrática.
Para compreender quais as chances de
Bolsonaro, apresentados todos esses fatos,
ser alvo de uma ordem de prisão, Fórum ouviu
advogados e juristas renomados. A maior parte
deles aponta que uma eventual condenação
do ex-presidente é cada vez mais iminente
e explica quais fatores poderiam ensejar seu
encarceramento neste momento.

O QUE DIZEM OS JURISTAS

Amanda Cunha
Especialista em ciências penais e
direito eleitoral; coordenadora da
Academia Brasileira de Direito Eleitoral
e Político (Abradep)

“Considerando as
operações da Polícia Federal
no dia de hoje (8), com alvos
sobre ex-ministros do governo
do ex-presidente Jair Bolsonaro e demais
pessoas de sua confiança, o risco de sua
prisão torna-se cada vez mais concreto.
As operações são um desdobramento das
investigações sobre os atos que ocorreram na
capital federal em 8/1 e a minuta de golpe de
Estado encontrada na casa do ex-ministro da
Justiça Anderson Torres.
Entre os principais indícios de participação de
Bolsonaro e da cúpula de seu governo está a
gravação de uma reunião em que supostamente
o ex-presidente e seus ministros articulavam
uma tentativa de golpe contra o resultado das
eleições de 2022. Essa gravação teria sido
encontrada na casa do tenente-coronel Mauro
Cid, seu ajudante de ordens, também alvo
das investigações e que já realizou delação
premiada com a Polícia Federal.
Caso seja comprovada a intenção de dar um
golpe de Estado, impedir ou restringir o exercício
dos poderes constitucionais, destacadamente
o Legislativo e o Judiciário, o ex-presidente e
demais envolvidos podem, sim, responder por
um ou mais crimes, tendo em vista que o Código
Penal pune esses casos desde a tentativa.
Ou seja, não precisa que os atos cheguem
a ser cometidos ou um golpe de Estado seja
efetivamente concretizado, bastando inclusive
somente a ameaça de fazê-lo.
Além disso, comprovado o conluio de quatro
ou mais pessoas com esse objetivo, podem
também responder pelo crime de organização
criminosa. As penas dos crimes variam
isoladamente entre 4 e 12 anos e, somadas,
podem chegar a ainda mais anos de prisão.”
Pedro Serrano
Advogado, jurista e professor de
direito constitucional e teoria geral do
direito na PUC-SP

“Vi na imprensa que há até


mesmo filmagens de reuniões
discutindo sobre o golpe,
entre outras coisas. Se isso
for verdade, a defesa terá dificuldades em
evitar a condenação dos participantes dessas
reuniões. No entanto, eu acho que a prisão
preventiva no Brasil é banalizada. Quarenta
por cento da nossa população carcerária
está detida preventivamente, ou seja, sem
ter tido ainda direito de defesa, constituição
da culpa, entre outros procedimentos. Isso
é muito preocupante, não é? Não é porque
40% da população carcerária está detida
preventivamente que justifica estender essa
injustiça ao ex-presidente da República.
Precisamos universalizar os direitos, não
universalizar as injustiças no Brasil.
Então, eu acho que só seria justificável
a prisão preventiva de Bolsonaro se for
demonstrado, na minha opinião, que de
alguma forma ele está prejudicando o bom
andamento das investigações e do processo
penal. Se isso for comprovado, seria legítimo
prendê-lo preventivamente. Caso contrário,
não seria uma prisão legítima, em minha
opinião. Não vou afirmar se haverá ou não
prisão, isso é... Pode ocorrer uma prisão
abusiva, podem surgir diversas situações
imprevisíveis. E também pode ser que uma
prisão dele seja correta, não sei.
Estou te dizendo o que posso prever com
base no exercício da minha profissão, ou seja,
qual a legislação aplicável. Na minha opinião, só
seria legítima uma prisão dele se fosse feita para
se preservar o processo e as investigações. Por
outro motivo, acredito que a prisão cautelar ou
preventiva não seria legítima. Agora, se esse
conjunto de provas que estão mencionando
realmente existir, ele muito provavelmente será
condenado e com penas graves. Mas vamos
aguardar, vamos acompanhar para verificar
exatamente o que está ocorrendo.”

Fernando Fernandes
Advogado criminalista, especialista
em direito penal e cientista político

“Ao serem aplicadas


medidas restritivas, como a
impossibilidade de deixar o
país e de se comunicar com
outros investigados, o ministro
Alexandre de Moraes entendeu que estavam
presentes os pressupostos para a prisão
preventiva, pois essas medidas são substitutivas
à prisão. O STF considerou essas medidas
necessárias no momento. No entanto, se forem
descumpridas ou se Bolsonaro persistir nos
ataques ao STF e continuar cometendo delitos,
como em sua recente live atacando as eleições,
o ministro pode determinar sua prisão.”

Kakay
Advogado criminalista e jurista

“Desde o início desta


operação, tenho afirmado que
o curso dos acontecimentos
tem seguido exatamente
como era previsto. Primeiro,
houve a prisão de várias pessoas envolvidas
no planejamento do ato, que buscavam a
ocupação militar para, em seguida, promover
uma GLO e concretizar o golpe.
A progressão da operação tem
mostrado os desdobramentos esperados.
Os financiadores foram identificados
aproximadamente duas semanas atrás,
seguidos pelos militares e políticos, e agora,
inevitavelmente, os beneficiários, incluindo
Bolsonaro, sua família e seus colaboradores
mais próximos, estão sob escrutínio.
Considero a decisão de hoje extremamente
importante, pois atingiu 16 militares de alta
patente, incluindo alguns generais. Tudo
isso sugere que estamos nos aproximando
do desfecho dessa operação, com o devido
processo e, espero, denúncias semelhantes
àquelas feitas contra os responsáveis por atacar
o Supremo e o Congresso.
Acredito que a próxima fase da operação
provavelmente focará no grupo político. Ainda
não sei se Bolsonaro estará diretamente
envolvido nesse grupo político ou se será
considerado separadamente como um dos
maiores beneficiários.”w

u Clique aqui e assista ao Fala, Rovai:


“Bolsonaro preso: a única saída democrática”.

u Clique aqui e assista ao Fórum Café:


“Bolsonaro foi o chefe do golpe”.

u Clique aqui e assista ao Fórum Global: “O


mundo chocado com o golpe no Brasil”.
Foto Marcos Corrêa/PR
Política

Bolsonaro ou Lira,
quem tem mais
acusações de crimes
no Brasil?
Em que pé estão as acusações contra
o ex-presidente Bolsonaro e o
presidente da Câmara
por Antonio Mello

P
áreo duro. Jogo difícil, embora o ex-
presidente Bolsonaro tenha longa
carreira de acusações contra si, como
as rachadinhas, a Wal do Açaí, o crime de
pesca em área protegida (que ele reverteu,
mas voltou a valer), além de todos os outros
que teriam sido cometidos durante seu
período na Presidência.
As acusações contra Arthur Lira começam
de sua ex-mulher, Jullyene Lins,
que o acusa de tê-la agredido,
estuprado e feito alienação
parental dos filhos, além
de comandar esquema de
corrupção em Alagoas. Sem
contar vários documentos
atestados em cartório que ela diz
provarem que Lira sonegou bens à Receita
Federal e ao TSE, o que acarretaria, de início,
cassação de seu mandato.
A Agência Pública fez longa reportagem e
o site De Olho nos Ruralistas, um dossiê que
confirmariam as acusações da ex-esposa de
Lira. O único resultado das reportagens foi a
censura a ambas, a pedido da defesa de Lira,
embora a censura esteja oficialmente extinta
no Brasil.
No entanto, os dois continuam por aí,
como se as acusações se referissem a outro
Bolsonaro e a outro Lira, não aos dois.
O ex-presidente, agora sem a caneta do
poder, na frente de padaria acenando para os
poucos carros que passam, como boneco de
posto, e lançando produtos como curso e até
um calendário, segundo alguns como forma de
Foto Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
Presidente da Câmara, Arthur Lira segue ameaçando o governo

esquentar dinheiro.
Lira, ainda presidente da Câmara, segue
ameaçando o governo, querendo comandar
o orçamento do país. Encosta o governo na
parede, recusa-se a ir a cerimônias oficiais,
ameaça ministros, como se ele fosse o
escolhido com seus pouco mais de 200 mil
votos para governar o país, e não o presidente
Lula com seus mais de 60 milhões de votos.
Deve muito disso à incompetência com
que foi conduzida a investigação do caso
de corrupção escancarada do kit robótica
em Alagoas, que acabou tendo todas as
provas anuladas pelo ministro Gilmar Mendes,
atendendo orientação da PGR (Procuradoria-
Geral da República) de [Augusto] Aras, a pedido
Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil

Foto Carlos Moura/SCO/STF


O ex-PGR Augusto Aras e o ministro do STF Gilmar Mendes

da defesa de Lira.
As provas foram anuladas, mas os crimes
não. Se eles existem — e parecem abundantes
no caso do kit robótica —, que as investigações
sejam feitas agora por quem tem competência
para isso, a Polícia Federal (PF). O que não
pode é ficar impune.
O caso das fazendas que teriam sido
sonegadas, também. Os documentos da
senhora Jullyene Lins são verdadeiros? Houve
sonegação de Lira à Receita e ao TSE?
O que estão esperando? Uma nova crise
institucional? É esse o objetivo? Emparedar
novamente um governo popular para voltar
ao reino do mercado patrão, da continência à
bandeira dos Estados Unidos?w
Foto Marcos Oliveira/Agência Senado
Política

Ramagem e
as milícias
Polícia Federal encontra indícios de
que Alexandre Ramagem contratou milicianos
para sua campanha eleitoral com verba
secreta da Abin
por Mauro Lopes

A
s suspeitas são antigas, mas a história
só agora começa a ser conhecida
mais amplamente.
A primeira vez que o tema subiu à tona foi em
junho de 2022, em pleno governo Bolsonaro,
numa reportagem do jornalista Rodrigo Rangel
no Metrópoles: “Abin usou verba secreta para
atuar em área cobiçada por milícias no RJ”.
Nela, relatava-se uma operação sob
comando de Alexandre Ramagem, delegado
da Polícia Federal (PF) do núcleo duro do
bolsonarismo, durante seu tempo à frente da
Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ele
despejara recursos da verba secreta da agência
supostamente “para pagar informantes em
comunidades do Rio de Janeiro dominadas pelo
tráfico de drogas – e onde as milícias que atuam
na cidade têm interesse de entrar”.
A ação foi registrada como “Plano de
Operações 06/2021” nos controles da Abin e hoje
é conhecida nos meios políticos e de segurança/
inteligência apenas como “Operação 06”.
Na reportagem, Rangel apontou o tamanho
e o caráter encoberto da ação: “Como a
operação é custeada com verba secreta, é
difícil rastrear o caminho do dinheiro que está
sendo gasto na operação. A coluna apurou que
o valor total empregado até agora [à época da
reportagem, em 2022] se aproxima de R$ 1,5
milhão — uma cifra considerada alta para os
padrões da agência em ações de campo”.
No fim do texto, o jornalista plantou a
semente de um tema que agora se tornou
uma árvore gigantesca com as investigações
da Polícia Federal: era uma operação eleitoral
Fotos Reprodução vídeo Instagram
Alexandre Ramagem em campanha para deputado federal em 2022

clandestina. “Em conversas internas, agentes


chegaram a aventar a hipótese – grave – de que
a Abin estaria agindo por interesse eleitoral, na
intenção de abrir caminho para que grupos de
policiais ligados ao bolsonarismo possam entrar
nessas regiões e agir em favor de candidatos
aliados do presidente nas próximas eleições (...).
Para além dos interesses eleitorais da própria
família presidencial, Ramagem, que deixou
a direção da Abin no fim de março, é pré-
candidato a deputado federal pelo Rio”.
Publicada em junho de 2022, o tema da
reportagem ficou de lado, pela urgência de
outras pautas, e a apuração aberta por Rangel
não foi adiante.
Mas voltou agora, semente tornada árvore
frondosa.
Na terça-feira (6), a jornalista Natália
Portinari revelou, no UOL, que a PF teria
encontrado na casa de Ramagem, na busca
e apreensão realizada em 25 de janeiro deste
ano, documentos referentes exatamente à
Operação 06. Segundo Portinari, “os papéis
encontrados na casa de Ramagem estavam
descaracterizados, sem logo ou identificação da
Abin, e sem data”.

Comissão Mista de
Controle das Atividades
de Inteligência

Foto Agência Senado

O que descobri
Na quarta-feira (6), apurei mais informações
que avançam em relação às descobertas de
Rangel e Portinari.
De fato, a Operação 06, iniciada em 2021 e
que teve seu auge em 2022, era uma operação
eleitoral clandestina. Ramagem teria mobilizado
agentes no início de 2022 para contratarem
milicianos da Zona Oeste do Rio de Janeiro para
serem cabos eleitorais de futura campanha.
É o que indicam as investigações recentes da
Polícia Federal.
As desconfianças sobre o caráter da
Operação 06 são partilhadas por diversos
parlamentares integrantes da CCAI (Comissão
Mista de Controle das Atividades de
Inteligência). A comissão deveria exercer
rigoroso controle externo sobre a Abin, mas a
fragilidade do arcabouço institucional brasileiro
faz com que a CCAI não chegue
aos pés de suas congêneres
em outros parlamentos.
Em março de 2023, o
senador Renan Calheiros,
integrante da comissão e
que assumirá sua presidência
nas próximas semanas, enviou um
ofício ao ministro Rui Costa, chefe da Casa Civil,
a que está subordinada a Abin, com uma série
de questionamentos sobre a Operação 06.
Leia:
“Nos termos do artigo 6º da Lei nº 9.883,
de 7 de dezembro de 1999, que determina o
controle e fiscalização externos das atividades
de inteligência pelo Poder Legislativo, bem
como com base nos artigos 3º, I, 16 e 17, da
Resolução nº 2-CN, integrante do Regimento
Comum do Congresso Nacional, que dispõe
sobre a Comissão Mista de Controle das
Atividades de Inteligência (CCAI), REQUEIRO
ao Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da
Presidência da República:

1 – cópia integral do Plano de Operação


06/21 – Abin;
2 – cópias integrais de todos os relatórios
produzidos pelos órgãos do Sistema Brasileiro
de Informações (SISBIN) sobre - Plano 06/21 da
Abin;
3 – indicação precisa de todos os
destinatários das informações produzidas no
âmbito do Plano 06/21 da Abin;
4 – dados orçamentários e financeiros, até
o nível de elemento de despesa, de todas as
atividades do Plano 06/21 da Abin;
5 – objetivos, metas e resultados obtidos do
Plano 06/21 da Abin;
6 – Atividades do Plano 06/21, no exercício
de 2022, ou de plano sucedâneo (até
30/04/2023), com as dotações orçamentárias e
respectivas execuções;
7 – relação completa de todas as autoridades
e servidores responsáveis pela formulação,
execução e controle do Plano 06/21, ou de
plano sucedâneo (até 30/04/2023), inclusive na
esfera orçamentária e financeira.”
Até hoje a comissão espera pelos dados
solicitados. Segundo um deputado que teve
acesso às respostas da Abin, “elas são um
amontoado de informações desencontradas
que não explicam nada”.
A CCAI é uma comissão mista, integrada
por senadores e deputados. Acredite se quiser:
Alexandre Ramagem é integrante do órgão
até hoje! Os senadores têm mandato de dois
anos na CCAI; os deputados, um. Vários dos
integrantes da CCAI esperam que a Câmara
tenha o bom senso de não reconduzir o
deputado bolsonarista. Desde o início de 2023,
Ramagem tem tido acesso privilegiado a tudo
o que tramita na comissão sobre diversas
operações em que ele é investigado. Uma
situação anômala, absurda, mas que faz parte
da barafunda institucional brasileira.

Uma explicação à margem da lei


Com a publicação da reportagem do UOL,
na terça, o delegado-deputado
Ramagem vestiu o terno da
indignação e saiu-se com
uma explicação estapafúrdia
em seu perfil no ex-Twitter:
“Estão revelando trabalho de
inteligência contra tráfico de
drogas e milícias no Rio de Janeiro.
Narrativas não conseguirão negar que havia
trabalho contra essas organizações criminosas
iniciado e desenvolvido na minha gestão”.
Parece uma explicação impecável. Quem,
afinal, seria contra o trabalho da Abin para
desbaratar milícias e quadrilhas de traficantes?
O roteiro é ótimo para agitar as inflamadas redes
bolsonaristas. Mas é uma explicação que afronta
a legislação. A Abin não tem competência legal
para combater nem o tráfico nem as milícias.
Fazer isso significa usurpar atribuição de outras
instituições e cometer ato afrontosamente ilegal.
Seria o mesmo, mutatis mutandis, que um
dentista fazer uma cirurgia cardíaca.
Imagino que Ramagem tenha lido em algum
momento a Lei 9.983, de 1999, que criou a
Abin e estabeleceu suas atribuições legais:

“I - planejar e executar ações, inclusive


sigilosas, relativas à obtenção e análise de
dados para a produção de conhecimentos
destinados a assessorar o Presidente da
República;
II - planejar e executar a proteção de
conhecimentos sensíveis, relativos aos
interesses e à segurança do Estado e da
sociedade;
III - avaliar as ameaças, internas e externas, à
ordem constitucional;
IV - promover o desenvolvimento de recursos
humanos e da doutrina de inteligência, e
realizar estudos e pesquisas para o exercício e
aprimoramento da atividade de inteligência”.

A infiltração de agentes da Abin em


quadrilhas e milícias está longe das funções
definidas pela agência. Ramagem sabe disso,
mas seu texto tem a pretensão de ser uma
cortina de fumaça a tentar causar confusão —
em vão nesta altura dos acontecimentos, ao
que tudo indica.

Zona Oeste
do Rio de Janeiro

Foto Tânia Rêgo/Agência Brasil

Uma operação eleitoral clandestina:


milicianos cabos eleitorais
As investigações da PF sobre a Operação 06
de fato apontam para as milícias. Mas não para
o combate a elas. Tratou-se, segundo indícios
apurados pelos policiais, de um esquema de
contratação clandestina de cabos eleitorais
ligados às milícias para a campanha de
Alexandre Ramagem à Câmara dos Deputados
em 2022.
Se era grande o valor da operação para os
padrões da Abin (R$ 1,5 milhão) segundo a
apuração de Rodrigo Rangel em junho de 2022,
o fato é que não se sabe até agora o montante
aplicado no projeto eleitoral clandestino. O que
foi investido na operação “elege Ramagem”
ao longo do ano e até as eleições? Esse é um
mistério que poderá ser desvendado pela PF.
Não é uma investigação que caminhe
celeremente e sem obstáculos. Não se trata de
policiais federais investigarem funcionários de
carreira da Abin. Os agentes aparentemente
mobilizados na Operação 6 por Ramagem
seriam bolsonaristas dos quadros da PF
requisitados para a Abin. Ou seja, a PF tem
que cortar na própria carne para levar adiante o
caso — o que, sob o manto do corporativismo
que impregna vastos segmentos do país, do
Judiciário ao Legislativo passando pelas polícias
e agências de todo tipo, é uma tarefa titânica.
Como inferir com maior precisão o caráter
da Operação 6? Minhas fontes no entorno
da investigação não apresentaram qualquer
documento que comprove cabalmente, apenas
a informação.
O que fiz? Examinei em detalhes o mapa da
eleição de Ramagem, escrutinando cada zona
eleitoral e seção. Verifiquei que:

1. Ramagem foi um “candidato de opinião”


do bolsonarismo. Ou seja, pingaram votos para
ele em praticamente todas as seções do Rio de
Janeiro. Dois votos aqui, quatro ali…

Foto Reprodução Instagram


Ramagem com Jair
e Carlos Bolsonaro

2. Houve duas regiões de concentração de


seus votos, com números expressivos: a) a
primeira, a Zona Oeste da cidade do Rio de
Janeiro, área sob controle das milícias. É na
Zona Oeste que se concentra tradicionalmente
a votação do clã Bolsonaro; é lá também
a região sob influência de outro clã com
conhecidas ligações com as milícias, o dos
irmãos Brazão (Domingos, Chiquinho e Pedro).
A Zona Oeste é o território do agora largamente
conhecido Escritório do Crime; b) a segunda,
a cidade de Campos dos Goitacazes, no norte
do estado, município de grande penetração da
extrema direita desde os longínquos tempos do
grupo católico Tradição, Família e Propriedade
(TFP). De lá saíram vários ônibus para a
tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023;
lá foram presas várias lideranças golpistas-
bolsonaristas no fim daquele mês, dentre elas
o líder de extrema direita Carlos
Victor de Carvalho, o CVC,
que chamou o deputado
Carlos Jordy (PL-RJ) de
“meu líder” em conversas
pelo WhatsApp flagradas pela
PF, e o subtenente do Corpo
de Bombeiros Roberto Henrique
de Souza Júnior, suspeito de ser miliciano.
As investigações precisam avançar. Há
ainda muito a ser revelado sobre uma operação
clandestina que poderá expor as entranhas
da Abin, a conexão da agência com o núcleo
bolsonarista na PF e as milícias do Rio de Janeiro.w
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Foto CHILEAN PRESIDENCY
Global

Quem foi
Sebastián Piñera
Ex-presidente do Chile morreu após
queda do helicóptero que pilotava
por Raphael Sanz

M
iguel Juan Sebastián Piñera Echenique,
ou apenas Sebastián Piñera, morreu na
terça-feira (6) após o helicóptero que ele
próprio pilotava cair no lago Ranco, na região
central do Chile. Ele voltava de encontro com
um amigo e, quando o resgate chegou ao local,
a aeronave já estava totalmente submersa. A 40
metros de profundidade foi encontrado o corpo
do ex-presidente que revoltou os chilenos a
partir de 2019.
Piñera tinha 74 anos de uma vida muito
bem vivida com uma fortuna avaliada em 15,4
bilhões de reais (o equivalente a 2,8 bilhões de
dólares) segundo dados de 2021 da revista
Forbes. Empresário e político, chegou a
ocupar por duas vezes a Presidência do Chile,
de 2010 a 2014 e de 2018 a 2022. Entre os
dois mandatos, foi o primeiro presidente pro
tempore da Comunidade dos Estados Latino-
Americanos e Caribenhos (Celac) e, após seu
último mandato, foi presidente pro tempore do
Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da
América do Sul (Prosul), cargo que ocupava até
o óbito.
Formado em economia em 1971 pela
Universidade Católica do Chile, o magnata foi
professor de economia política até 1988. Em
1989 entrou para a política e foi o chefe de
campanha de Hernán Büchi, ex-ministro das
finanças do ditador Augusto Pinochet. Seu
primeiro cargo viria logo em seguida. Foi uma
cadeira no Senado do Chile, ocupada entre 1990
e 1998. Antes disso, dedicava-se aos negócios.
Foi dono da Chilevisión, a terceira rede de
televisão mais antiga do país, entre 2005 e
2010. No mesmo período foi dono de 26% da
LAN Airlines e manteve participação acionária
em uma série de empresas. Entre elas a ABSA,
de logística, com sede em Campinas, no interior
de São Paulo. Ainda nesse sentido foi dono
de 13,77% da Sociedad Blanco y Negro, a
controladora do Colo-Colo, o clube de futebol
mais popular do Chile.

Foto Reprodução

Primeiro mandato:
conflito de interesses e terremoto
Ele vendeu quase todas as suas
participações em ações em 2010, logo que foi
eleito presidente. Menos uma. Seus títulos da
Axxion tiveram uma alta de 52,73% logo no
primeiro mês do seu primeiro mandato e ele foi
criticado por não as ter vendido antes.
Mas seu primeiro mandato não foi criticado
apenas pela questão dos conflitos de interesses
em relação ao cargo e sua posição como player
financeiro. Em 27 de fevereiro de 2010, no seu
segundo mês à frente do país, um terremoto
assolou o Chile. Ele colocou em marcha um
exitoso plano de construir 30 mil novas casas
para os atingidos. O problema é que mais de
1,5 milhão de casas e prédios foram destruídos
na tragédia que deixou pelo menos 800 mortos.

Foto Reprodução

Ultraliberalismo e herança de Pinochet


Entre 2001 e 2004, Piñera foi o presidente
da Renovação Nacional, fruto de três diferentes
grupos de direita que estiveram em atividade
no país ao longo dos anos 1980. A ideologia
ultraliberal na economia e conservadora nos
costumes ficou evidente logo no começo do
seu segundo mandato, em 2018, quando ele
propôs a “Agenda Mulher” como resposta
institucional às manifestações feministas que
tomavam o Chile.
O pacote foi muito criticado por oferecer
uma visão conservadora sobre o papel da
mulher na sociedade chilena, basicamente
como progenitoras, além de oferecer soluções
liberalizantes, como a criação de conselhos de
paridade de gênero em empresas, que pouco
tocavam a situação de precariedade registrada
à época no mercado de trabalho feminino. Na
ocasião, 31% das mulheres trabalhavam sem
contrato, proteção social ou acesso à saúde.
Mas, para além do pacote insosso, a
situação foi alimentada durante décadas pelo
desmonte dos direitos e garantias sociais e
trabalhistas realizado pela ditadura do general
Augusto Pinochet e revalidada com o advento
da nova democracia. Trocando em miúdos,
instituições como a previdência social e o
sistema público de saúde estiveram nas mãos
das famigeradas associações de fundos de
pensão (AFPs).
“O sistema das AFPs não cumpriu a
sua promessa. A promessa era simples: o
participante desse modelo poderia aposentar-
se com 70% do seu último salário. A média
do que o sistema paga, hoje, é de 35%. Muito
abaixo do prometido. Especialistas em fundos
de pensão dizem que, com a atual estrutura,
o sistema não tem como melhorar, pois não
superará tais números”, disse Andras Uthoff,
ex-assessor da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), em 2019, aos jornalistas Felipe
Bianchi e Leonardo Wexell Severo.
“O atual sistema de aposentadoria chileno
tem 38 anos e foi imposto pela ditadura de
Augusto Pinochet, em 1981. Não houve
discussão. O parlamento era uma junta
militar, composta por um
representante de cada
segmento das Forças
Armadas. Os generais e
o ministro do Trabalho
da época, José Piñera,
irmão do [então] atual
presidente do Chile, Sebastián
Piñera, criaram as AFPs. Hoje, a capitalização
faz nossos idosos morrerem trabalhando e
a taxa de suicídio bater recorde”, afirmou,
na mesma época e aos mesmos jornalistas
supracitados, o representante do movimento
No+AFP (Chega de AFP), Mario Villanueva.
O dirigente condenava “a perversão de um
sistema desenhado para que grandes grupos
econômicos e seguradoras transnacionais
ampliem seus lucros se aproveitando do
sacrifício de milhões de aposentados”.
E foi justamente nesse contexto – em que
a juventude chilena, ao olhar tal sistema de
aposentadorias, previa um futuro de “trabalho
até a morte” – que as revoltas de 2019 tomaram
o Chile. E Piñera foi um dos principais alvos.
Foto Reprodução
Repressão aos protestos
Os protestos contra a catástrofe ultraliberal
chilena irromperam em 18 de outubro de
2019 com dezenas de milhares de pessoas
ocupando as ruas da capital e das principais
cidades do país. De início, os carabineros –
versão “chilensis” da nossa PM – reprimiriam
duramente a massa, mas também encontraram
forte resistência, principalmente dos jovens
oriundos das favelas e de movimentos mais
radicalizados das cidades, que empreenderam
uma rebelião direta contra a ordem vigente.
Foram meses de protestos, que atravessaram
inclusive a própria pandemia, e desembocaram
na Constituinte que desarmou a política
econômica oriunda da ditadura. Também
contribuiu, indiretamente, para um aumento de
hegemonia do pensamento de esquerda que
levou à eleição de Gabriel Boric em 2022.
Fora das instituições, a revolta teve um
forte caráter anticapitalista e se opunha a
tarifaços no transporte público, aumento
do custo de vida, desigualdade de renda
e aumento do desemprego. Pautavam,
ainda, o acesso à saúde e direitos sociais e
o impeachment de Piñera, pego de calças
curtas pelo Panama Papers, (em português:
Documentos do Panamá).
Cerca de 40 pessoas foram mortas nos
protestos, segundo o Instituto Nacional de
Direitos Humanos do Chile. Mais de 3 mil civis
foram hospitalizados e 2 mil policiais registraram
ferimentos decorrentes da violenta repressão
que recaiu sobre a juventude pobre do país. Foto Marcos Corrêa/PR

Panama Papers
Nos Panama Papers, Piñera apareceu
em mais um conflito de interesses. Segundo
reportagens baseadas nos documentos e
publicadas à época, em 2021, ele teria usado
de informação privilegiada na venda da Minera
Dominga em 2010, uma mineradora que
pertencia à família. O Ministério Público chileno
pediu investigações sobre o caso enquanto as
ruas se mobilizavam pelo seu impeachment.
Em troca do negócio, o comprador, que
era seu amigo próximo, pediu a Piñera a não
criação de uma área ambiental na zona de
operação da empresa, a fim de não atrapalhar
a exploração de minérios. A transação
movimentou o equivalente a R$ 838 milhões e
a área em disputa, é claro, não foi demarcada
como sendo de proteção ambiental. Os acordos
foram realizados na Ilhas Virgens Britânicas, um
famoso paraíso fiscal no Caribe.w
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Brasil

É
CARNAVAL!
Foto Riotur

40 anos do sambódromo carioca: um


histórico de desfiles engajados
por Francisco Fernandes Ladeira

N
este ano, o Sambódromo da Marquês
de Sapucaí (oficialmente denominado
“Passarela do Samba Professor Darcy
Ribeiro”, em homenagem a um de nossos
grandes intelectuais) completa quatro décadas.
Trata-se de um dos principais palcos de uma
das maiores manifestações populares do Brasil.
Como tudo que é popular por aqui, o Carnaval
historicamente é atacado por setores da
intelligentsia nacional. Sobretudo em fevereiro,
não é raro ouvirmos a falaciosa associação entre
alienação das massas e carnaval ou a acusação
(não menos falsa) de que a festa de Momo tem
um caráter despolitizado.
No entanto, os 40 anos de desfiles na
Marquês de Sapucaí nos apresentaram uma
realidade totalmente diferente do que apregoam
os detratores do Carnaval.

Foto Reprodução

Aliás, como bem lembrou o jornalista Leo


Lupi, em texto publicado no site Disparada,
a própria criação do sambódromo, durante o
governo de Leonel Brizola, é essencialmente
política, porque, para além de sediar os desfiles
durante o carnaval carioca, o local foi pensado
para abrigar 160 salas de aula.
Por outro lado, o Grupo Globo, oposição
ferrenha ao então governador, colocou-se contra
a construção da passarela do samba. Na época,
os veículos de comunicação da família Marinho
noticiaram que a obra não ficaria pronta para o
carnaval, ou que teria problemas em sua estrutura.
Desde sua inauguração, o Sambódromo
da Marquês de Sapucaí presenciou inúmeras
manifestações políticas.

Foto Reprodução

Mangueira e Vila Isabel no carnaval de 1988

Em 1988, centenário da abolição da


escravatura, escolas de samba como Mangueira
e Vila Isabel não conceberam a libertação
dos escravos como um gesto benevolente da
elite branca, mas ressaltaram a resistência da
população negra ao cativeiro e denunciaram
a pobreza vivida pelos descendentes dos
escravizados em comunidades carentes.
Um ano depois, a Beija-Flor de Nilópolis
Foto Reprodução
A Beija-Flor de Nilópolis fez história com o enredo “Ratos, Urubus,
Larguem a Minha Fantasia” em 1989

abordava as desigualdades sociais com o


enredo “Ratos e Urubus, Larguem a Minha
Fantasia”. Já em 1990, a São Clemente alertava
para a crescente mercantilização do carnaval,
com a exclusão da população pobre e o
destaque concedido às chamadas celebridades.
Em meados da década de 2000, foi a vez de a
Vila Isabel cantar a latinidade, sentimento que,
ao contrário do que ocorre em outras nações,
está pouco presente entre os brasileiros.
Como não poderia deixar de ser, os
retrocessos políticos e sociais no Brasil dos
últimos anos também foram contemplados nos
desfiles na Marquês de Sapucaí.
Foto Reprodução
“Vampiro Neoliberalista” da Paraíso do Tuiuti em 2018, em clara
referência ao ex-presidente Michel Temer

Em 2018, a Paraíso do Tuiuti escancarou


para o mundo o golpe de Estado contra
a presidenta Dilma Rousseff, com um
enredo que fazia ligações entre o período
escravocrata e o desmonte da CLT promovido
pelo governo Temer. Personagens como
“Guerreiros da CLT”, “Vampiro Neoliberalista”
(alusão a Temer) e “Manifestoches” (referência
à classe média que foi às ruas pedir o golpe)
entraram para a história.
No último carnaval antes da pandemia
de covid-19, a Acadêmicos de Vigário Geral
apresentou um palhaço gigante com uma
faixa presidencial, fazendo sinal de arma com
a mão, e a Mangueira questionou em seu
Foto Reprodução
O palhaço “fazendo arminha” da Acadêmicos de Vigário Geral, 2020

desfile: E se Jesus tivesse nascido nos dias


de hoje? Negro, pobre, favelado, indígena,
LGBT ou mulher? Como ele seria tratado
pelas classes mais abastadas, pela polícia e
pelos “profetas da intolerância”?
Diante desse histórico (apresentado bem
resumidamente neste texto), não é por acaso
que as mentes mais conservadoras odeiam o
carnaval. A festa é uma excelente oportunidade
para questionar o status quo.
Em última instância, é muito melhor ver o
povão brincando, pulando, divertindo-se (e
também protestando) na Marquês de Sapucaí
do que ver os “manifestoches” indo às ruas
para reivindicar pautas retrógradas. Estes, sim,
são extremamente alienados!w
CLIQUE
AQUI
Crônica
Colagem Marcos Guinoza

Aquele velho amor


do passado...
outra vez
por Antonio Mello
H
á tempos não se viam. Para ser preciso,
vinte anos, dois meses, dezoito dias e —
caso usasse relógio ou olhasse o celular
— três horas e doze minutos, desde aquele dia
em que ela chorou desesperadamente — e ele,
não —, lágrimas saltando, e pôs um ponto final
na história deles para sempre.
Ficaram anos juntos — anos da passagem
da adolescência para a vida adulta — e
aquela separação o colocou de frente com
uma nova realidade.
Nunca fora “apaixonado” por ela; achava
mesmo que nem gostava muito dela. Era um
namoro de circunstância, provocado por ela, que
o parou na praia, apresentou-se, e desde aquele
dia em diante, até o do fim, ficaram juntos.
Mas aquela separação de surpresa trouxe
a ele uma revelação surpreendente: era louco
por ela. Louco mesmo. Como nunca havia
percebido isso?
Mas isso tudo já não importava. Agora, tanto
tempo depois, ela o reconheceu, encontrou em
algum lugar dele aquele amor dela de há mais
de vinte anos (dois meses, dezoito dias e três
horas e agora quinze minutos).
Ela estava muito feliz, o abraçou com força,
como fazia antigamente, e a sensação que ele
teve foi de que o tempo não havia passado.
Eram dois rolos de um filme que foram unidos
na mesa de montagem, e a vida seguia como
se nunca houvesse a separação. Era assim
que sentia.
Ela falava e sorria, com um sorriso tão especial
dela, e ele a ouvia, mas, ao mesmo tempo,
contabilizava os mortos no tempo passado.
Quando ela disse “vamos a algum lugar?”,
ele pensou que quase todos os lugares que
frequentavam não existiam mais. O Rick,
onde comiam crepe. O Helsingor, de comida
dinamarquesa, onde ele comia tartar com
cebola frita. O Salsichão Alemão, do chili com
carne. O Luna’s Bar, onde tomavam chopes —
melhor, ele tomava; grande parte do tempo em
que namoraram ela era menor de idade.
Não existem mais também o Chaika, o
cinema Miramar. Tanta coisa que fazia parte
da história dos dois e que passou pela cabeça
dele, enquanto pensava numa resposta para a
pergunta dela.
Estava assim tão atônito que, quando
percebeu, se viu sentado no banco do carona,
com ela ao volante, exatamente como era. Ele
sempre admirou a destreza dela ao volante.
Colagem Marcos Guinoza
Andava a toda velocidade, descobria atalhos
no trânsito, e apertava firme o acelerador com
seus pés mínimos — calçava 34 —, e logo
veio à cabeça dele o dia em que estavam num
barzinho que já não existe mais nem em sua
memória, com as paredes feitas de cascos
de garrafas, em que ela, com ciúme de uma
amiga que o cumprimentou à mesa, lhe deu
um chute forte na canela com uma botinha que
ele lhe dera.
Estavam na festa de aniversário de
uma amiga. “Não, não é festa, é só uma
reuniãozinha, dou um beijo nela e a gente
sai”, quando ele não estava ligando para nada
daquilo, feliz com aquele encontro e com o
que estava acontecendo, como não se sentira
nunca antes.
De repente, um grupo se dirige a eles, que
estavam um pouco à parte na festa. Um dos
jovens traz dois pedaços de torta. Oferece um
a ela e o outro coloca em suas mãos, impondo
não só a fatia de torta como sua presença.
Eles não se conhecem e ele não simpatiza
com o jovem de cara. Logo, chegam outros
atrás dele, falam alto, riem mais alto ainda.
E ele sente que andaram fazendo uma
brincadeira em algum lugar... Todos são jovens,
como ele e ela foram.
Até que o jovem que ofereceu a torta pede
que ele feche os olhos.
Ele olha pra ela. Ela também ri, como quem
diz: participa, assim eles vão logo embora.
Ele entra no jogo. Por ela. Fecha os olhos.
Escuta-o dizer: conta até dez.
Ele vai contando, enquanto pensa no que
farão. Não vê a hora de ficar sozinho com ela
novamente. Mas antes precisa passar por essa
prova. E pensa: o que farão?
Vão tirar a torta? O que colocarão no lugar?
O quanto será feito de idiota, apenas para
poder ficar novamente a sós com ela?
Até que diz “dez”, e abre os olhos. Se
quiserem pegar a torta, que peguem.
Mas não foi só a torta que o jovem pegou.
Foi a festa toda. Inclusive ela.
Estava sozinho em casa. Há vinte anos, dois
meses, dezoito dias e...
Pra que contar?
O amor tem dessas coisas.w
REVISTA

expediente | edição #97

Diretor de Redação
_ Renato Rovai

Editora executiva
_ Dri Delorenzo

Textos desta edição:


_ Henrique Rodrigues
_ Ivan Longo
_ Antonio Mello
_ Mauro Lopes
_ Raphael Sanz
_ Francisco Fernandes Ladeira

Designer Revisão
_ Marcos Guinoza _ Laura Pequeno

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