Você está na página 1de 6

21º Congresso Brasileiro de Sociologia

11 a 14 de julho de 2023
UFPA

Grupo de Trabalho: Sociologias Emergentes, Estudos Culturais e


Pós(De)Coloniais

"VAMOS QUILOMBAR NA EDUCAÇÃO":

EPISTEMOLOGIA NEGRA, POLÍTICAS PÚBLICAS E A APLICAÇÃO DA LEI


10.639/2003.

Hermana Cecília Oliveira Ferreira1

RESUMO

Em 9 de janeiro de 2023 a Lei nº 10.639/2003 completou vinte anos no Brasil.


Esta legislação estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e inclui
no currículo oficial da rede básica de ensino a obrigatoriedade da temática
"História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”. Diante deste fato, e o tomando
enquanto pressuposto analítico, o presente trabalho visa analisar e discutir
alguns dos resultados primordiais produzidos a partir da tese de doutorado em
andamento que discute: processos de elaboração de pedagogias decoloniais
em suas relações com as demandas democráticas articuladas entre sociedade
civil e políticas públicas para a educação. Assim, na interface com os saberes
produzidos pelas comunidades tradicionais a partir do Brasil, serão discutidos
alguns dos meandros relacionados à: produção e reconhecimento epistêmico
específicos, bem como, sobre os modos de incorporação de saberes
tradicionais no repertório dos parâmetros curriculares oficiais da educação
institucional formal brasileira.

1
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba
(PPGS/UFPB). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
PALAVRAS-CHAVE: GEOPOLÍTICA DO CONHECIMENTO - RACISMO
EPISTÊMICO - CRÍTICA FEMINISTA NEGRA - EDUCAÇÃO
AFROCENTRADA.

LAROYÊ EXU!
Do ano que nasci até o presente momento, alguns acontecimentos se
relacionam com a minha trajetória de vida e formação acadêmica. Dentre estes
estão: o encerramento do regime Apartheid na África do Sul; a publicação do
livro ‘Black Feminist Thought’ de Patricia Hill-Collins nos Estados Unidos e o
surgimento do conceito de interseccionalidade com Crenshaw; a ampliação das
vagas para o ensino superior em Universidades públicas do Brasil e a criação
da lei de cotas raciais em 2003; a criação da Lei 10.639/2003 e a
obrigatoriedade do ensino da história afrobrasileira e africana na educação
básica; o assassinato da vereadora negra e socióloga, Marielle Franco, no
centro do Rio de Janeiro em 2018; e a criação do Ministério da Igualdade
Racial no Brasil no ano de 2023.

A partir destes fatos oriundos da necropolítica perpetrada

A população negra do Brasil, apesar de constituir-se enquanto maioria em


termos numéricos, tem sido tratada desde a abolição do regime escravocrata
de pelos governos republicanos

Pela perspectiva crítica decolonial, o principal argumento do estudo se


dedica a partir de fragmentos de pesquisa para elaboração de tese em
andamento: analisar de que modos, parte substancial da luta antirracista do
movimento negro e suas principais ações enquanto sociedade civil tem sido
liderada por mulheres negras no país, o que inclui a relação dessas lideranças
com os terreiros de matriz africana através da incorporação de um repertório
cultural, simbólico e epistêmico de resistência decolonial, emancipação e
inovação democrática, produzindo, portanto, políticas públicas para a
educação.

Em consonância com o campo da pesquisa encontra-se no pensamento


de Kimberlé Crenshaw (1989) o conceito de interseccionalidade, de modo que
a partir da afirmativa seguinte compreendemos a necessidade de realocar
categorias analíticas e teóricas no que tange ao estudo daqueles sujeitos
sociais historicamente apagados das análises que se proponham abordar estes
‘problemas sociais’:

Thus, for feminist theory and antiracist policy discourse to embrace


the experiences and concerns of Black women, the entire framework
that has been used as a basis for translating "women's experience" or
"the Black experience" into concrete policy demands must be
rethought and recast. (CRENSHAW, 1989:140).

Na contracorrente daquilo que ‘a razão instrumental universal impõe em


sua presunção de totalidade sobre o mundo’, (SILVA, 2019:1) e, a partir da
experiência possível através da proximidade enquanto pesquisadora inserida1
em Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e praticante de Candomblé,
relacionarei os conceitos oriundos da crítica negra e feminista à colonialidade
com os artefatos da cultura negra no país, considerando o universo simbólico e
de pesquisa amplo, favorável e satisfatório no que tange aos instrumentos
heurísticos e de criatividade política, somados à articulação entre: a
capacidade das populações negras de protagonizarem junto a organizações da
sociedade civil e movimentos sociais mais amplos.
Itan de Oxóssi.

O caçador de uma flecha só.2

Ọ̀ ṣọ́ ọ̀ sì (pronúncia: Òxóssi). O Senhor da caça, o Senhor da comunidade, o


Senhor do Silêncio. Aquele que está sempre alerta e que sempre observa tudo
o que está à sua volta. Aquele que nada deixa escapar. Nós não podemos
negar, somos caçadores. E um deles, aonde ele ia ele levava a sua mãe. E a
mãe viu o terror que outros jovens estavam passando e lembrou que o filho
dela só tinha uma flecha. Ela corre, vai até Ifá, e diz: “Senhor! Senhor! Salve
meu único filho”. E Ifá disse: “E então, se você quiser salvar o seu filho. Se faça
uma oferenda no pé do Iroko pelo seu filho. Esta oferenda tornará a vida dele
muito diferente”. E a mãe correu e fez o sacrifício. No momento em que ela
arriou o sacrifício no pé do Iroko, o seu filho, onde ele estava, próximo à corte
do rei, atirou a sua única flecha. E a flecha foi direto no coração daquela
grande ave que foi diminuindo, diminuindo, diminuindo e caiu no pé do rei.
Transpassada. E tudo voltou a ser como era antes. O dia ficou claro, e todos
ficaram alegres e todo mundo começou a fazer festa. Então o rei chamou
Ọ̀ ṣọ́ tókaṣoṣo (pronúncia: Óxótókanxoxô), o caçador de uma flecha só e disse:
“Ó, você com uma flecha só me livrou dessa feiticeira. Eu ofereço o que eu
tinha dito pra você. Para quem matasse essas feiticeiras eu daria muitos
búzios. Muitos búzios, muitos búzios”. E então o jovem disse: Eu preferiria
outra coisa, que o senhor perdoasse a vida dos outros caçadores, meus
irmãos”. Aí o rei: “Claro. Então estão todos perdoados”. E quando a

2
Itan: História ou conto Yorubá. Tais histórias são consideradas sagradas e passadas oralmente de
geração a geração, seguindo a tradição iniciática de cada religião de Matriz Africana.
comunidade viu que Oxóssi tinha salvo os outros caçadores, todos começaram
a dizer: “Òòxóóssi! Òòxóóssi! Òòxóóssi!”.

Itan de Oxóssi. O caçador de uma flecha só.

Você também pode gostar