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Teoria e prática

NA

EDUCAÇÃO INFANTIL
LUCIANA DE LUCA DALLA VALLE
Teoria e prática na
Educação Infantil

Luciana de Luca Dalla Valle

IESDE BRASIL
2023
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Luciana de Luca Mestra em Engenharia de Produção pela Universidade
Federal de Santa Catarina (Ufsc). Especialista em Educação
Dalla Valle Infantil e em Psicopedagogia e graduada em Pedagogia
pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Autora de livros para formação de professores e sobre
desenvolvimento infantil. Vencedora do Prêmio Jabuti
na categoria material didático. Docente e pesquisadora
na área de capacitação de professores na graduação
e ­pós-graduação. Foi professora de Educação Básica,
professora universitária, coordenadora pedagógica e
diretora de instituição de Educação Superior.
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SUMÁRIO
1 Concepções sobre infância e aprendizagem 9
1.1 Primeiras concepções sobre a infância 10
1.2 Precursores da Educação Infantil 15
1.3 Um olhar sobre o desenvolvimento das crianças 22

2 Educação das crianças pequenas no Brasil 30


2.1 A visão da assistência e da compensação 31
2.2 Responsabilidades na educação de crianças 37
2.3 Cuidados, educação e brincadeiras 46

3 A Educação Infantil segundo a BNCC 52


3.1 Reconhecimento, currículo e direitos de aprendizagem 53
3.2 Campos de experiência e seus objetivos 59
3.3 Avaliação e transição para Ensino Fundamental 64

4 Organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil 71


4.1 Planejamento na Educação Infantil 72
4.2 Organização do ambiente e do tempo 77
4.3 Organização dos materiais 84

5 Responsabilidades do professor 93
5.1 Construção de vínculos afetivos com a criança e sua família 93
5.2 Inclusão e respeito às diferenças 100
5.3 Formação continuada 105

Resolução das atividades 110


Vídeo
APRESENTAÇÃO
Esta obra é destinada a todos aqueles que se dedicam
à educação de crianças de 0 a 5 anos. A Educação Infantil é
um período muito importante de desenvolvimento humano,
por isso a escola dessa etapa precisa proporcionar às
crianças oportunidades para explorar o mundo ao seu redor,
desenvolver sua curiosidade e criatividade, além de oferecer
condições e ajuda para que os pequenos se relacionem com
outras crianças e adultos de maneira respeitosa e colaborativa.
Além disso, a Educação Infantil é uma etapa da educação
que tem passado por transformações importantes, como a
implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
e as novas abordagens pedagógicas. Portanto, é fundamental
que os professores estejam atualizados sobre as novas
tendências e as demandas contemporâneas da Educação
Infantil para desenvolver práticas pedagógicas mais efetivas.
Para iniciar nossa jornada de estudos, o primeiro capítulo
oferece condições de reflexão sobre as concepções de
infância e aprendizagem, buscando compreender como
as diferentes ideias sobre a infância foram surgindo e
influenciam a prática educativa na Educação Infantil até
os dias atuais. Destacamos autores que são precursores
das ideias e concepções de criança e como suas teorias
influenciam as atividades educativas até hoje.
O segundo capítulo permite reflexões sobre as visões
que integram o horizonte da Educação Infantil, bem como
o conhecimento de documentos que embasam a Educação
Infantil brasileira, focando a responsabilidade de educar
crianças pequenas e compreender a tríade que sustenta a
Educação Infantil na atualidade: o cuidar, o educar e o brincar.
O terceiro capítulo, ao abordar a Educação Infantil segundo
a BNCC, esclarece como as diretrizes e os objetivos propostos
pela Base podem ser trabalhados na prática, contribuindo para
o desenvolvimento pleno das crianças.
Em seguida, o quarto capítulo propõe uma reflexão sobre a organização
do trabalho pedagógico na Educação Infantil, ressaltando a importância de
um bom planejamento do ambiente e do tempo nesse nível escolar. Com
ideias e reflexões, você poderá compreender a importância de se propor um
universo diferente e organizado para otimizar a aprendizagem das crianças.
Por fim, o quinto capítulo trata das responsabilidades do professor na
Educação Infantil, destacando a importância do seu papel como mediador
entre as crianças e o conhecimento, e como cuidador, que deve garantir o
­bem-estar e a segurança dos pequenos. Também são propostas ideias para
ação e continuação da sua formação.
Esta obra é fundamental para todos os educadores e profissionais
que atuam na Educação Infantil, auxiliando no aprimoramento da prática
pedagógica e contribuindo para o desenvolvimento pleno das crianças com
respeito, diversão, cuidado e muita aprendizagem.

8 Teoria e prática na Educação Infantil


1
Concepções sobre infância
e aprendizagem
Quem foram os teóricos cujas ideias embasam a Educação Infantil
atual? Qual o papel dos professores na aprendizagem das crianças? Essas
reflexões têm uma resposta apoiada no seu tempo histórico e foram sen-
do construídas ao longo do tempo.
Hoje em dia muitos estudos de áreas correlatas à educação (como
a filosofia, a sociologia, a pediatria, a psicologia) ajudam a compreender
como as crianças aprendem, e assim podemos definir como precisamos
ensiná-las. Por isso, dizemos que a concepção que temos sobre a infân-
cia, que inclui o desenvolvimento e as relações sociais necessárias, é um
ponto relevante para montarmos as opções pedagógicas para o trabalho
com as crianças.
No entanto, como a concepção de infância atual foi construída?
Qual o papel de estudiosos nesse contexto? Quem são os autores mais
relevantes? São essas perguntas que buscaremos responder ao longo
deste capítulo.

Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• conhecer diferentes concepções de infância analisando-as em seu
tempo histórico;

• analisar teorias e pensadores cujas ideias fundamentam as con-


cepções de infância e da educação de crianças pequenas;

• reconhecer pensadores que transformaram a visão de aprendiza-


gem na Educação Infantil.

Concepções sobre infância e aprendizagem 9


1.1 Primeiras concepções sobre a infância
Vídeo
Em diferentes tempos históricos o conceito de infância adotado
pelas sociedades esteve diretamente ligado ao contexto histórico, às
crenças e aos conhecimentos de cada povo.

No entanto, não é nosso objetivo analisar profundamente as épocas


históricas vividas pela humanidade, mas teorizar sobre elas para que
seja possível compreendermos de modo geral como as crianças foram
consideradas durante muito tempo. Portanto, a questão histórica tra-
duz para a atualidade as direções seguidas no tratamento das crianças
pequenas e como evoluímos com relação a isso.

A forma como conceituamos a infância atualmente é fruto de uma cons-


trução histórica de como os povos, através dos tempos, trataram o tema.

Nosso recorte histórico começa na Idade Média. Para compreen-


dermos como as crianças eram consideradas nessa época é preciso
contextualizarmos: a Idade Média foi um período histórico que com-
preendeu o recorte cronológico entre os séculos V e XV. Nesse período,
três posições merecem destaque: o clero (a Igreja católica) tinha muito
poder e governava junto com os reis; os reis dividiam suas terras em
feudos (pedaços de terra); e as famílias se organizavam nesses feudos
para trabalhar a terra e oferecer sustento ao reino.

De modo geral, as crianças menos favorecidas até os seus sete


anos de idade ficavam envoltas das famílias, realizando um ou outro
trabalho, ajudando na realização das tarefas diárias, mas tão logo com-
pletassem sete anos elas eram inseridas na rotina real de trabalho do-
méstico ou do campo (ARIÈS, 1987).

Já os filhos da nobreza eram apartados da família e criados em cor-


tes estrangeiras. Os responsáveis pela sua criação poderiam agir com
a mesma autoridade da família biológica. Então, retornavam ao seio
familiar aproximadamente aos 14 anos de idade para consumarem ca-
samentos arranjados (CABRERA SÁNCHEZ, 2008).

Nos seus primeiros anos de vida, a criança era considerada um ser


engraçadinho, que divertia os adultos. Não havia um apego por parte
da mãe ou demais familiares.

10 Teoria e prática na Educação Infantil


Com base nisso, na perspectiva de Ariès (1987, p. 10), Filme
O filme Oliver Twist dá conta
Um sentimento superficial era reservado à criança em seus pri-
de representar a realidade
meiros anos de vida, enquanto ela era uma coisinha engraçadi- das crianças no período
nha e as pessoas se divertiam com ela [...] como um animalzinho. da Primeira Revolução In-
Se ela morresse então, como muitas vezes acontecia, alguns po- dustrial. Feito com base no
livro homônimo de Charles
diam até ficar desolados, mas a regra geral era não fazer muito Dickens, acompanhamos as
caso pois uma outra logo a substituiria. desventuras do órfão Oliver
pelas ruas da Londres do
Durante a Idade Média, a criança era considerada uma miniatura de século XIX e as opressões a
que foi submetido.
adulto. Não havia nada que indicasse que precisava ser tratada de for-
Direção: Roman Polanski. Reino
ma diferente – exceção feita nos primeiros anos de vida em que havia
Unido: R. P. Productions; Runteam II
as paparicações e mimos – ou qualquer relação de seu desenvolvimen- Ltd.; ETIC Films, 2005.
to com sua faixa etária e com as atividades que lhe eram propostas.
Com isso, as crianças não eram percebidas por suas especificidades,
vivendo misturadas aos adultos sem atenção diferenciada, inclusive
tendo que trabalhar como os adultos.

Por sua vez, no contexto agrário, as crianças plantavam, colhiam


e moíam os grãos como qualquer outro adulto e eram submetidas à
mesma rotina de trabalho – em alguns casos, isso significava de 12 a 18
horas de trabalho diárias.

Diante disso, a mortalidade infantil nessa época era muito alta face
às condições de higiene precárias em que viviam, mas esse não era um
fato que causava estranhamento na sociedade (ARIÈS, 1987).

Nesse período, não havia distinção entre criança e adultos tanto nos Livro
aspectos pedagógicos quanto nos aspectos motores. Afinal, partia-se Um dos clássicos da
literatura sobre a história
do pressuposto que a diferenciação entre uma criança e um adulto era
da infância foi escrito por
apenas o corpo. Porém, a capacidade cognitiva, intelectual e de discer- Ariès em História social
da criança e da família.
nimento eram consideradas as mesmas, inclusive os castigos aplicados
Por meio de estudos, fei-
a um adulto poderiam ser infligidos a uma criança. Desse modo, estava tos por ele, que incluíam
a análise de imagens
vigente uma concepção de infância que a considerava como um adulto
religiosas, cartas, regis-
em miniatura (CABRERA SÁNCHEZ, 2008). tros de batismo, diários
de famílias, dossiês
Havia algum documento de registro do desenvolvimento infantil, familiares, o autor teceu
principalmente registros médicos, mas eram direcionados a um gru- uma representação da
criança na sociedade dos
po seleto de crianças – sobretudo infantes (como eram chamadas na séculos XII ao XVII.
época), príncipes e filhos de nobres. Eles eram o alvo de preocupação ARIÈS, P. 2. ed. Rio de Janeiro:
constante de seus progenitores, que mobilizavam recursos humanos e Zahar, 1987.

materiais para garantirem a sobrevivência desse grupo nos primeiros


anos de vida.

Concepções sobre infância e aprendizagem 11


As crianças oriundas das camadas pobres da sociedade não tinham
qualquer registro sobre sua criação e instrução nem sobre o seu desen-
volvimento físico ou motor. De fato, a infância não era uma preocupa-
ção social na época medieval, mesmo entre os mais abastados, sendo
considerada apenas quando havia questões políticas de sucessão do
trono e a garantia de existência da linhagem de determinadas famílias
da alta nobreza (CABRERA SÁNCHEZ, 2008).

Ao final da Idade Média, inicia-se o período da Idade Moderna com


transformações na economia, na política, na cultura, na mentalidade e,
consequentemente, no estilo de vida das pessoas.

Com isso, a imprensa é inventada, os reis aumentam seu poder, ou-


tras ordens religiosas são criadas, e as grandes navegações iniciam um
processo de colonizações em outros países, com práticas de mercan-
tilismo – sistema econômico no qual as nações europeias enriqueciam
a partir da exploração de riquezas em outros continentes que foram
colonizados por navegações (CAMBI, 1999). Inclusive, o Brasil é um dos
países que foi colonizado nesse período, fruto do mercantilismo.

Um ponto significativo na infância tanto na Idade Média quanto na


Idade Moderna diz respeito à morte de crianças, seja ela por infanticí-
dio (se a criança apresentasse alguma deficiência ou incapacidade para
o trabalho que pudesse influenciar no desenvolvimento de tarefas da-
quele grupo familiar, era sacrificada) ou por morte natural (decorrente
das condições insalubres a que era submetida).

Conforme Ariès (1987) explica, a morte de crianças era considerada


normal, e somente após o século XVII a Igreja começa a condenar o
infanticídio e a incutir nas famílias a obrigação de as crianças serem cui-
dadas por mulheres, sejam parteiras, amas ou suas mães, a depender
do grau financeiro de cada grupo familiar – quanto mais pobre, menos
opções de cuidado com as crianças.

Na sequência dos acontecimentos, a sociedade deixa de ser majorita-


riamente agrária para iniciar uma época de desenvolvimento de máquinas,
de criação de manufaturas, da invenção do trem a vapor e, até mesmo, de
busca de mão de obra para trabalhar nas indústrias recém-criadas.

Essa realidade iniciada na Inglaterra foi intensificada no século XVIII


com o desenvolvimento da indústria têxtil. Conhecida como Revolução

12 Teoria e prática na Educação Infantil


Industrial, ela é considerada um momento de mudança histórica no
curso e nos processos de desenvolvimento da humanidade.

As ideias da Revolução Industrial chegaram ao Brasil em 1930, ou seja,


no século XX, e do mesmo modo como ocorreu na Inglaterra, as crianças
brasileiras participaram massivamente do processo de trabalho. No contex-
to industrial que estava sendo formado a ideia vigente era melhorar cada
vez mais a produção, o que significava aumentar os ganhos e os lucros.

Com o aumento da demanda, a busca por profissionais para a rea-


lização do trabalho alcançou, além das crianças, também as mulheres,
porque os homens destinados ao trabalho nem sempre conseguiam
aprender as novas técnicas, além de que não eram fáceis de se sub-
meterem à disciplina necessária (e imposta) pelo novo processo de
produção, agora industrial. Portanto, o recrutamento de trabalhadores
precisou buscar alternativas e, especialmente nesse contexto, as crian-
ças tornaram-se uma alternativa eficaz.

Quanto a isso, na perspectiva de Vigário (2004, p. 45): “As crianças


foram consideradas perfeitas para o efeito, dado constituírem mão-de-
-obra barata e serem sociáveis e afáveis, para além de terem dedos
ágeis capazes de desempenhar as tarefas simples exigidas”.

De fato, o emprego das crianças na produção gerava um ganho


significativo ao empregador, pois reduzia o custo da produção crian-
do vantagem sobre a concorrência por conta da rapidez com que os
pequenos realizavam as tarefas e pelo pouco ordenado que recebiam.
Além disso, não havia nenhum preceito moral ou jurídico que impedis-
se a prática de empregar crianças (GOMES; GOTTSCHALK, 2006).

Naquela época, pensava-se haver vantagens significativas em utili-


zar mão de obra infantil nas fábricas: as crianças obedeciam a ordens
que um adulto dificilmente obedeceria; eram controladas com facili-
dade; recebiam salários menores, que em muitos casos se traduziam
em alojamento e alimentação; dessa forma empregar crianças custava
menos (MELLO; CESTARI, 2016).

Um dos problemas vivenciados na época da Revolução Industrial


era a pobreza em que uma grande parcela da população vivia. Essas
crianças que viviam em condições extremamente precárias eram ex-
ploradas. Além disso, elas eram obrigadas a trabalhar até 14 horas por
dia, ao longo da semana, a partir dos seis anos de idade.

Concepções sobre infância e aprendizagem 13


Leitura Essas crianças eram chamadas de aprendizes, e a justificativa para
Para perceber como seu trabalho se dava no âmbito social, como se o trabalho que rea-
a questão do trabalho
infantil data de muito lizavam pudesse funcionar como um treino para aprenderem algum
tempo, recomenda-se ofício e, desse modo, fossem capazes de se autossustentarem quando
a leitura do texto O
trabalho infantil no Brasil, estivessem na idade adulta (VIGÁRIO, 2004).
que apresenta uma
exploração desse tema
As primeiras concepções sobre a infância mostravam as crianças
com profundas raízes sendo vistas como substituíveis (considerando a alta mortalidade) e to-
históricas que precisa
ser objeto de preocupa-
talmente incluídas na rotina de seu grupo – seja nas festas, reuniões ou
ção e de responsabilida- jogos (inclusive sexuais) –, bem como destacavam a importância da sua
de em nosso país.
produtividade, que era útil na economia familiar.
Disponível em: https://www.
ilo.org/brasilia/temas/trabalho- Assim, a criança devia acompanhar seus pais e irmãos no ofício que
infantil/WCMS_565212/lang--pt/
lhes era cabido, mesmo em seus trabalhos, desta forma cumprindo seu
index.htm. Acesso em: 27 jan. 2023.
papel dentro da sociedade. No entanto, ela não era vista individual-
mente, apenas na coletividade.

Com isso, a história nos mostra que as crianças pequenas estiveram


sob a responsabilidade de suas famílias e sociedade sem diferenciação
dos adultos, pois entendia-se que era nesse convívio que elas aprende-
riam as normas e as regras de sua vida e cultura.

Ao apresentarmos a visão que as sociedades antigas tinham com re-


lação à infância, percebemos que não havia de fato a compreensão de
que essa era uma fase diferenciada no desenvolvimento das pessoas,
com características próprias e necessidades particulares, muito menos
com escolas apropriadas ao seu desenvolvimento, como entendemos
tudo isso agora.

Desse modo, cabe refletirmos a análise sobre a etimologia da pala-


vra infância. Por trás da palavra há o sentido de “aquele que não fala”,
“aquele que não consegue manifestar o que deseja”. Com isso, perce-
bemos como a concepção de criança, amparada pelo termo infância,
apresenta o conceito de um ser indefeso que precisa de cuidados en-
quanto não pode se manter sozinho.

Portanto, a infância, nesse sentido, é considerada um período que vai


acontecer e passar, sem desenvolvimento, sem opções a não ser esperar
pelo crescimento da criança. É dito que a criança era um “vir a ser”, alguém
que seria, mas que ainda não era. Desse modo, as primeiras concepções
sobre a infância, que duraram muitos séculos, indicavam que ela era de
fato considerada um período da vida sem significado.

14 Teoria e prática na Educação Infantil


1.2 Precursores da Educação Infantil
Vídeo
As ideias sobre a infância começaram a mudar com os estudos de
pensadores que destacaram esse período como uma etapa importante
da vida, cada um a seu modo e dentro da sua época.

Com isso, conhecemos atualmente alguns teóricos importantes que


foram precursores da Educação Infantil, uma vez que seus estudos al-
teraram o que sabíamos sobre crianças.

Comenius
(1592-1670)
Morphart Creation/Shutterstock

Nascido na República Tcheca, Jan Amós Komenský


(Comenius, em português) é o primeiro estudioso
de quem se tem notícias a tratar sobre a
aprendizagem de crianças menores de seis anos.
Em seu livro A escola da infância (COMENIUS, 2011),
ele destacou a importância do colo da mãe como
sendo o primeiro nível de ensino.

Com uma inclinação fortemente religiosa, que ressaltava o fato de


ser bispo protestante, Comenius escreveu mais de 100 tratados e livros
educacionais sobre vários assuntos. Tanto que suas ideias ampliaram
o pensamento sobre a infância ao ele preconizar que é relevante con-
siderarmos os sentimentos das crianças e oferecermos uma educação
não autoritária (PILETTI; PILETTI, 2002).

O livro mais famoso de Comenius chama-se Didática Magna – tam-


bém conhecido como Tratado da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos.
Nesse livro, o autor demonstra todas as suas ideias para a educação.
Sobre elas, para oferecermos uma visão daquilo que Comenius propôs,
abordamos a seguir as quatro partes do livro, destacando aquilo que
o pensador do século XVI apresentava de ideias e como elas são perti-
nentes até hoje (PILETTI; PILETTI, 2002).

I
A finalidade da educação: buscar a felicidade do homem, o encontro
com Deus. Esse caminho é feito em consonância com a natureza e não
pela destruição dos desejos, dos instintos e das emoções naturais, con-
forme estava sendo feito.

(Continua)

Concepções sobre infância e aprendizagem 15


II O conteúdo da educação: ela é o conhecimento de tudo. Comenius
afirmava que era importante ensinar a todos os fundamentos, razões e
objetivos de todas as coisas principais.

III O método: Comenius listou nove princípios que constituem uma incrível
mudança nos processos educativos.

As ideias devem ser

3
Tudo que é ensinado

1 2
Tudo deve ser
apresentadas às crianças ensinado com base deve ser feito
não por meio de em sua aplicação abertamente, sem ser
símbolo ou forma, mas prática e uma utilidade obscuro ou complicado.
diretamente. específica.

6
Para aprender qualquer Todas as partes de um

4 5
Tudo que é ensinado
conteúdo, primeiro objeto, sem exceção,
deve ser relacionado com
deve-se compreender devem ser apresentadas
suas causas, ou seja, sua
os princípios gerais e, em ordem, em posição e
verdadeira origem.
depois, os detalhes. em relação às demais.

Todas as coisas devem Os conhecimentos do

7 8
Não mudar de

9
ser ensinadas na sua assunto antes de ter o conteúdo devem ser
devida ordem e nunca primeiro devidamente evidentes para que
mais de uma coisa de compreendido. sejam acentuadas as
uma única vez. diferenças entre eles.

IV A organização das escolas: antecipava o que seria criado dois sé-


culos depois. As escolas maternais (ou escola da infância), a escola
vernácula (sequência de estudos para crianças mais velhas), a escola
latina (equivalente à etapa do Ensino Médio) e a universidade. Como
continuação da universidade, ele propôs a escola da Luz, que seria uma
instituição dedicada ao estudo científico de todo e qualquer assunto.

Além disso, um outro ponto da teoria de Comenius destacava o


fato de a educação de crianças pequenas necessariamente dispor de
passeios, materiais apropriados, contato com a natureza e valorização
da experimentação – todos esses itens fazem parte do currículo da
Educação Infantil atualmente.

16 Teoria e prática na Educação Infantil


Portanto, Comenius e suas ideias representaram à época uma nova Para refletir
perspectiva de olhar para a educação das crianças. Seus estudos e posi- As principais ideias
de Comenius para a
cionamentos acerca da educação para todos, da questão da contextua-
educação estão no livro
lização dos ensinamentos e, principalmente, de um novo olhar para a Didactica Magna publicado
em 1657. O item 6 do
relação do professor com seus alunos trouxeram novas possibilidades
capítulo XI discorre sobre
para a educação de crianças, que serviram de inspiração para outros a importância do método
utilizado para ensinar
estudos e teorias no mundo todo, inclusive no Brasil.
crianças. A partir disso,
reflita: não é sugerido exa-
tamente o que fazemos
Jean Jacques Rousseau hoje em dia?

(1712-1778) Disponível em: https://www.


Luca Mendieta/Shutterstock

ebooksbrasil.org/eLibris/didaticamagna.
html. Acesso em: 27 jan. 2023.
Nascido em Genebra, na Suíça foi filósofo e
escritor. Educado na religião protestante, tornou-se
católico e retornou ao protestantismo. Com isso, a
religiosidade impactou a sua obra.

Suas ideias defendiam basicamente que o homem nasce bom e a Leitura


sociedade o perverte. Essa é a primeira ideia de nascimento bom da Rousseau não escreveu
somente para a educação
humanidade, a qual seguia suas premissas religiosas que pregavam de crianças pequenas, ele
que tudo que vem do Criador é perfeito. Porém, quando o homem co- também apresentou pro-
postas para a educação
meçava a fazer parte da sociedade, acabava pervertido pela maldade. de jovens de até 20 anos.
Caso queira saber mais
Com essa ideia, escreveu o livro Emílio em 1762 no qual narra a his-
sobre isso, recomenda-se
tória de uma criança (Emílio) que é retirada dos pais, da escola e da so- a leitura das páginas 121
a 122 da obra Filosofia e
ciedade e entregue a um professor ideal que a educa em contato com
história da educação, de
a natureza. Para muitas pessoas, Emílio é a própria teoria da educação Piletti e Piletti.

que Rousseau acreditava. PILETTI, C.; PILETTI, N. 15. ed. São


Paulo: Ática, 2002.
No entanto, é preciso lembrarmo-nos de que, na época que o
Rousseau defendia suas ideias, as crianças eram consideradas a par-
tir do ponto de vista do adulto, inclusive com tratamento semelhante
no trabalho e nos castigos que sofria. Então, suas ideias eram real-
mente muito revolucionárias, especialmente para as crianças da Edu-
cação Infantil.

Desse modo, vejamos como é destacado aquilo que ele condenava no


tratamento de crianças de um a cinco anos (PILETTI; PILETTI, 2002, p. 121):
• A restrição à qual a criança era submetida.
• Uso de roupas desconfortáveis (em excesso e apertadas).

Concepções sobre infância e aprendizagem 17


• Falta de liberdade, a vida fechada em casa.
• Repressão às inclinações naturais.
• Punição sem que a criança consiga entender o erro e o motivo.

Além disso, quatro ideias de Rousseau influenciaram e ainda in-


fluenciam fortemente a educação (MONROE, 1983).

1 Educação natural: a educação deve respeitar o desenvolvimento da


criança, não comparando-a ou tratando-a como um adulto.

2 Educação como um processo: ela é um processo contínuo que dura a


vida toda. Por isso, há tempo para aprender. Desse modo, não é preci-
so forçar a criança a aprender coisas de adulto. É preciso transformar
o processo de aprendizagem em uma vida agradável, equilibrada e
natural.

3 Simplificação do processo educativo: a educação deve ser tão simples


quanto é a natureza. Por exemplo, geografia se aprende nos bosques e
campos, e a botânica em contato com as plantas. Em geral, nunca se
deve substituir o objeto pela representação dele.

4 A importância da criança: Rousseau foi um dos primeiros a consi-


derar a criança como um ser que tinha sentimentos, desejos e ideias
próprias, diferentes de um adulto. Já naquela época, destacava eta-
pas do desenvolvimento da criança e a necessidade de uma educação
diferente para cada fase.

Para refletir
Desse modo, as ideias de Rousseau influenciaram muitos movimen-
Na sua perspectiva,
as quatro propostas tos na educação e, ainda hoje, ele é referenciado por suas ideias acerca
parecem comuns? Pois da educação de crianças.
considere que elas são
de quatro séculos atrás.
Com isso, é possível
afirmar que Rousseau era
Johann Heinrich Pestalozzi
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realmente um visionário (1746-1827)


e contribuiu muito para
Educador suíço, nascido em Zurich. Seu trabalho foi
a educação das crianças.
diretamente influenciado pelas ideias de Rousseau.
Agora, reflita: você conse-
gue encontrar ideias de Montou e dirigiu a primeira escola profissional para
Rousseau na sua prática pobres (1775 a 1780) e em seus escritos defendia
pedagógica ou de alguma a educação como fator de reforma social (PILETTI;
escola que você conhece? PILETTI, 2002).

18 Teoria e prática na Educação Infantil


São princípios gerais dos métodos propostos por Pestalozzi (­MONROE,
1983):

1 A observação é a base da instrução.

2 A linguagem deve estar ligada à observação, ao objeto e ao conteúdo.

3 A época de aprender não é a época de julgamento e crítica.

4 O ensino deve começar pelos elementos mais simples e proceder gra-


dualmente conforme seja o desenvolvimento das crianças.

5 Há necessidade de tempo para que o aluno tenha dominado o conteúdo.

6 O ensino deve ter como base o conteúdo e não a exposição.

7 O mestre deve respeitar a individualidade do aluno.

8 O fim principal do ensino é desenvolver a inteligência dos alunos, não


ministrar conhecimento.

9 O saber é o poder, e a aprendizagem é a técnica para isso.

10 As relações educacionais entre professor e aluno devem ser baseadas


no amor.

11 A instrução deve levar em conta o fim mais elevado da educação.

Além disso, publicou dois livros bastante lidos na época. O primeiro,


Leonardo e Gertrudes, de 1781, descreve a vida simples de um povo que foi

Concepções sobre infância e aprendizagem 19


transformado pela inteligência de uma mulher, Gertrudes. Já o segundo
livro, Como Gertrudes ensina seus filhos, de 1801, determinava quais conhe-
cimentos uma criança deveria aprender e como isso deveria ser ensinado.

Desse modo, Pestalozzi preconizava que a escola ideal deveria ser


muito afetiva, como também seria a relação da criança com seus pais e
familiares (PILETTI; PILETTI, 2002).

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Friedrich Froebel
(1782-1852)
Nasceu em Oberweissbach, na Alemanha, e
era filho de um pastor protestante. Além disso,
Froebel é reconhecido como autor que enfatizou
a importância da educação das crianças, das
atividades destinadas a ela e da escola das
crianças pequenas. Para ele, a escola é o lugar por
natureza onde a criança vai se desenvolver.

Para refletir Com base nisso, Monroe (1983, p. 306) destaca: “Na escola, a crian-
Quantas vezes você já falou ça deve aprender as coisas mais importantes da vida, os elementos
o termo jardim de infância
referindo-se à escola de essenciais da verdade, da justiça, da personalidade livre, da responsa-
crianças? Talvez você tenha bilidade, da iniciativa, das relações causais e outras semelhantes. Não
escutado o termo enquanto
estudava em um jardim de estudando-as, mas vivenciando-as”.
infância. Mesmo que hoje
em dia a terminologia não Partindo da natureza como metáfora, Froebel concebe as crianças
seja mais essa no Brasil, ela como plantinhas que são dispostas à mercê do professor, que atua-
ainda é bastante usada.
ria como jardineiro. Para que as plantas floresçam, o jardineiro precisa
adubar, regar, cuidar. Assim, para a escola das crianças ele escolheu o
nome kindergarten (em alemão, kind– significa criança, e –garten signi-
fica jardim); já em português ficou conhecido como jardim de infância.

Froebel reforça que a maneira de ensinar as crianças precisa par-


Livro
tir do centro de interesses delas, e o primeiro papel dos professores
O livro de Alessandra
Arce, A pedagogia na
seria respeitá-los.
“era das revoluções”: uma
análise do pensamento
Além disso, uma das maneiras mais eficientes de ensino é por meio
de Pestalozzi e Froebel, é de jogos e de brincadeiras. Desse modo, um destaque importante nas
uma leitura essencial para
entender a época e as im-
propostas de Froebel para a Educação Infantil é o interesse. Conforme
plicações de pensar sobre Arce (2002) explicita, para Froebel quanto mais interessante a criança
educação de crianças em
um período tão inóspito
percebesse o que lhe era ensinado, mais rapidamente ela aprenderia.
ao universo infantil.
Por conta de tanta contribuição ao universo infantil, até hoje Froe-
ARCE, A. Campinas: Autores bel é considerado o pai da pré-escola. Afinal, temos que considerar que
Associados, 2002.
tanto Pestalozzi quanto Froebel, cada um no seu país, viveram a época

20 Teoria e prática na Educação Infantil


da Revolução Industrial, em que as crianças eram consideradas como
adultos em miniatura, mandados ao trabalho com as mesmas tarefas e
responsabilidades que os adultos.

Além disso, ainda existia uma grande parte da população no campo, por
isso os autores remetem seus escritos à natureza, assim como a necessida-
de de deixar a criança aprender e viver na natureza que, para eles, era uma
grande escola. Porém, isso não acontecia na realidade, pois muitas vezes
elas estavam trabalhando, seja no campo ou nas indústrias. Desse modo,
conforme destaca Arce (2002), elas passavam o tempo servindo aos adultos.

Maria Montessori
(1870-1952)
Foi a primeira mulher a se formar médica na
andrew1998/Shutterstock

Itália, foi também educadora e pedagoga. Sua


carreira na educação começa quase que sem
querer ao trabalhar em uma clínica de psiquiatria
da Universidade de Roma e percebe o péssimo
tratamento a que as crianças desse local eram
submetidas, pois elas foram retiradas dos seus
lares e internadas nessa instituição por não terem
seu desenvolvimento considerado normal.

Por sua vez, os adultos cuidadores relatavam que as crianças eram sujas,
insaciáveis e que se jogavam no chão para brincar com as migalhas de comi-
da. Isso fez com que Montessori percebesse que elas não tinham nada do
universo infantil, nenhum brinquedo, nada além de suas camas.

Então, conforme relata Salomão (2022), Montessori ocupou-se de desen-


volver materiais para que as crianças pudessem manipular, brincar, explo- Vídeo
rar. O sucesso desses materiais e das orientações de Montessori quanto ao Estudar medicina no
desenvolvimento infantil nessa instituição foram espetaculares. Inclusive, século XIV em um campo
que era majoritariamente
ela conseguiu que as crianças internadas obtivessem resultados tão eficien- masculino não foi uma
tes quanto as crianças que frequentavam as escolas consideradas normais. ação muito fácil para essa
mulher determinada cha-
A partir disso, Montessori começou o seu trabalho mudando o trata- mada Maria M ­ ontessori.
O vídeo Pensadores na
mento dado às crianças no âmbito da educação. Ofereceu a elas diver-
educação: Montessori e
sos materiais para que experimentassem, brincassem e explorassem, a criança no centro, do
Instituto Claro, é uma
entendendo que isso era fundamental para a aprendizagem delas, o
aula essencial sobre essa
que se mostrou verdadeiro, pois as crianças internadas responderam memorável mulher.

com rapidez e com resultados surpreendentes no campo da aprendiza- Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=LnLt24ypGDc. Acesso
gem e do relacionamento entre elas e seus cuidadores, tudo isso resul-
em: 27 jan. 2023.
tante de materiais e da relação adequada à idade delas.

Concepções sobre infância e aprendizagem 21


Ao perceber que as crianças que ela atendia aprendiam muito mais com
o uso de materiais, Montessori abriu as portas para o uso desses materiais
pelas crianças que não tinham nenhuma dificuldade, alcançando igualmen-
te ótimos resultados. Desse modo, o precedente aberto por ela até hoje faz
parte dos estudos da pedagogia, pois ela provou que com o uso de mate-
riais adequados à idade das crianças, os quais desafiam suas certezas e são
manipuláveis e coloridos, era possível que as crianças aprendessem muito
mais manipulando, criando, testando e confirmando suas hipóteses. Por-
tanto, pode parecer evidente nos tempos atuais, mas não nos esqueçamos
de que, ao propor isso, ela estava indo contra a prática educacional vigente
que privilegiava a repetição e a memorização.
Site
Com isso, em 1907, Montessori abre uma escola de Educação Infantil
A história de Maria
Montessori é belíssima e chamada Casa de Bambini (casa das crianças), na Itália, para atender crian-
suas contribuições para a
ças de baixa renda. Os princípios educativos dessa escola encantaram to-
educação são inúmeras,
inclusive no Brasil. Com dos os continentes, mostrando a importância da Educação Infantil com
isso, para conhecer o de-
materiais adequados e necessários para a infância. Hoje os livros de Maria
senvolvimento das ideias
de Maria Montessori no Montessori estão presentes praticamente no mundo todo.
Brasil, é sugerido o acesso
ao site da Organização Dessa maneira, cada vez que um professor usa materiais didáticos,
Montessori do Brasil.
manipuláveis, sensoriais e apropriados para a faixa etária das crianças
Disponível em: http://omb.org.br/. de zero a cinco anos, ele acaba por fazer referência ao trabalho que se
Acesso em: 27 jan. 2023.
iniciou com Maria Montessori.

1.3 Um olhar sobre o desenvolvimento


Vídeo das crianças
Ao longo dos tempos, as crianças foram submetidas a diferentes
formatos de tratamento que, por um lado, entendiam-nas como um
adulto em miniatura, dando ênfase ao tratamento igual sem distinção
de idade e, por outro, privilegiavam a sua pureza, dando ênfase à reli-
giosidade. Desse modo, é preciso compreendermos que não existia um
compromisso com a educação das crianças nos séculos. Além disso,
muitas vezes, esses pequenos seres eram abandonados à própria sor-
te, em lugares imundos onde morriam sem tratamento ou sem ajuda.

Para contrapor essa realidade, no século XVIII foram criadas as


rodas dos enjeitados em monastérios e conventos. A roda tinha um
formato cilíndrico, como se fosse uma janela na qual a criança era co-
locada e, ao girar, a criança ficaria dentro do local. Isso funcionava ba-

22 Teoria e prática na Educação Infantil


sicamente como um local onde os bebês eram abandonados, sendo Leitura
ou criados pelos religiosos daquela instituição ou adotados por outras No Brasil, a primeira roda
dos enjeitados foi implan-
famílias. Percebamos que isso era uma normalização do abandono, da tada na Bahia, em 1734,
não responsabilidade com a infância. com o nome de roda dos
expostos. Depois seguiram
Muitas vezes, a educação da infância (terminologia usada na época) as rodas do Rio de
Janeiro, Olinda, São Paulo
foi entendida como uma medida necessária para reparar danos sociais e espalharam-se pelo país
aos quais os pequenos eram submetidos, principalmente na questão todo. A última versão da
roda dos expostos fun-
da pobreza, déficit de alimentação e cuidados de higiene. Desse modo, cionou até dezembro de
a ideia de uma educação assistencialista começou há séculos e perdu- 1950, em pleno século XX.
Para conhecer mais sobre
rou por muitos anos, inclusive no Brasil. esse assunto, inclusive
com fotos e documentos
Todas as formas de educação e o arranjo destinado à educação das históricos, leia a matéria
crianças acompanharam a concepção de infância que se tinha naquela Roda dos expostos da San-
ta Casa de São Paulo.
época. Dessa maneira, é importante considerarmos a época e o local
Disponível em: https://www.
para entendermos o pensamento vigente, porque mesmo com as con-
santacasasp.org.br/portal/museu-
cepções sendo alteradas, em alguns locais a evolução do pensamento curiosidades/. Acesso em: 30 jan. 2023.
não acontece da mesma forma que em outros.

Por sua vez, a perspectiva da Educação Infantil começa a sofre alte-


rações quando os estudos indicam como o desenvolvimento das crian-
ças é processado. A partir dos estudos desenvolvidos no final do século
XIX e no início do século XX, compreendeu-se que as crianças passavam
por fases de desenvolvimento sequenciais e que era possível – e neces-
sário – usar essa ideia na educação que seria proposta a essas crianças.

Com isso, elencamos alguns dos psicólogos que influenciaram a


educação das crianças com suas contribuições, sendo eles Jean Piaget,
Lev Vygotsky e Henry Wallon.

Jean Piaget
(1896-1980)
O famoso psicólogo suíço teve sua formação inicial
em Biologia, foi professor por muitos anos e criou
uma teoria de desenvolvimento na qual afirma que
todas as pessoas passam por fases sequenciais de
desenvolvimento e tais fases regem sua forma de
aprendizagem e de conhecimento de mundo.

É importante ressaltarmos que Piaget não escreveu sua teoria


para o ambiente escolar nem para crianças pequenas, assim como
não escreveu nenhum método de educação. Na verdade, sua pes-

Concepções sobre infância e aprendizagem 23


Vídeo quisa foi referente à parte biológica que rege o conhecimento. Des-
Hoje há muito valor nos se modo, essa teoria ajudou muitas pessoas a entenderem como as
processos de aprendiza-
gem das crianças, mas não crianças aprendem. Portanto, para Piaget, a parte da aprendizagem
foi sempre assim. Para das pessoas não pode ser dissociada da parte do desenvolvimento do
conhecer mais sobre as
contribuições de Piaget, organismo como um todo.
assista ao vídeo Pensadores
na educação: Jean Piaget,
Por isso Jean Piaget é uma das maiores referências mundiais quan-
do Instituto Claro. do se fala em educação, o que faz com que não seja possível descrever
Disponível em: https:// em alguns parágrafos a complexidade de suas ideias. No entanto, apre-
www.youtube.com/
watch?v=MwKEO2pkLP8. Acesso
sentamos o Quadro 1 com a divisão proposta por Piaget para classificar
em: 23 dez. 2022. os estágios de desenvolvimento humano.
Quadro 1
Estágios de desenvolvimento humano

Estágio Idade aproximada Característica


Todas as atividades da criança são movi-
das pela sensação e pelo movimento, e a
exploração de objetos é a forma com que
Sensório-motor 0 a 2 anos ela se relaciona com seu mundo. Nesse
período a criança não tem a representa-
ção mental do objeto, apenas age sobre
ele quando o objeto se faz presente.
O fator linguagem é muito importan-
te nesse período; a criança já consegue
compreender uma imagem, palavra ou
Pré-operatório 2 a 6 anos
símbolo como representação de algo
real. A ludicidade manifesta-se com extre-
ma relevância.
A criança começa a perceber que uma
situação pode ser vista por vários ângu-
los, começa a incorporar valores morais,
Operatório
6 a 12 anos já consegue compreender conserva-
concreto
ções e representações de peso, número
e substância e atua com flexibilidade de
pensamento.
Essa é a fase do raciocínio abstrato, fase
Operatório
12 anos em diante em que é possível levantar hipóteses, que
formal
permite raciocínios diversos.

Fonte: Elaborado pela autora com base em Piaget, 1983.

Justamente por abordar a questão do desenvolvimento humano


enfocando as características das fases descritas e o formato que as
pessoas usam para aprender, a teoria de Piaget influenciou muitas
escolas ao redor do mundo, inclusive no Brasil.

24 Teoria e prática na Educação Infantil


No entanto, é necessário destacarmos que as fases não correspon- Livro
dem à idade absoluta das crianças, podendo variar conforme a estimu- É importante conhecer
mais sobre os estudos
lação, mas as fases sempre serão sequenciais. Assim, todas as crianças de Piaget, para que você
passam por todas essas fases e na sequência descrita. possa embasar suas ações
pedagógicas em propostas
Em uma perspectiva piagetiana, a aprendizagem se dá pela ação coerentes que levem em
conta as reais possibilida-
do sujeito em relação ao seu objeto de conhecimento. Portanto, se des de aprendizagem das
é necessária uma ação para aprender, as práticas que incluem me- crianças. Um material com
vários exemplos disso é
morização e repetição são inapropriadas, porque elas não ensinam, o Piaget: o diálogo com a
apenas fazem repetir, o que na maioria das vezes faz com que o aluno criança e o desenvolvimento
do raciocínio, de Maria da
não entenda o que repete ou memoriza. Glória Seber.

SEBER, M. G. São Paulo: Scipione, 1997.


Lev Vygotsky
(1986-1934)
Foi um psicólogo russo que escreveu uma teoria
de desenvolvimento humano, sendo ela conhecida
e utilizada nos meios educacionais, tendo como
base de pesquisa a ideia de que a construção
da linguagem e a formação do pensamento
das pessoas é realizada com base nas relações
humanas. Assim, toda a obra de Vygotsky
destaca a importância das relações sociais para a
formação das pessoas, especialmente a relação
das crianças com seus professores.

Suas ideias provocaram uma revolução com relação à importância


da linguagem na elaboração do pensamento infantil, pois a visão de
mundo de Vygotsky não prevê uma criança globalizada ou com desen-
volvimento único independentemente do local onde estejam.
Livro
Justamente um dos pontos mais importantes da pesquisa dele diz Sem dúvida é preciso
respeito à interação das crianças com quem está ao seu lado, o que conhecer a teoria de
Vygotsky. Afinal, suas
implica reconhecer a força do ambiente social próximo – aquele que propostas são a base de
está no entorno da criança – na aprendizagem individual dela. muitos trabalhos educati-
vos realizados em nosso
Com isso, o conceito de interação é um dos elementos principais país. Justamente pela
abrangência de ideias, é
da teoria de Vygotsky, pois em contato com outras pessoas, as crian-
essencial a leitura do livro
ças aprendem a defender suas ideias, a observar diferentes pontos Vygotsky: aprendizado e de-
senvolvimento um processo
de vista para formar o seu e a argumentar. Portanto, a linguagem é o
sócio-histórico de Marta
elemento propulsor do desenvolvimento (VYGOTSKY, 1987). Kohl de Oliveira.

Além disso, Vygotsky (VIGOTSKI; LURIA; LEONTIEV, 1998) afirma OLIVEIRA, M. K. 2. ed. São Paulo:
Scipione, 1995.
que há dois níveis de aprendizagem: o real e o potencial.

Concepções sobre infância e aprendizagem 25


1
No nível real estão aquelas aprendizagens que já foram efetivadas, ou
seja, aquilo que as pessoas já sabem fazer, não só na aprendizagem
escolar, mas na aprendizagem da vida também. Quando falamos de
crianças a aprendizagem real se dá naquilo que a criança já é capaz de
fazer sozinha.

2
Já o nível de desenvolvimento potencial é definido pelo autor como
aquilo que a criança (ou o adulto) precisa de ajuda para realizar, o que
ainda não é capaz de realizar sozinho, mas apresenta potencial para
aprender, está no processo.

Entre o nível real e o potencial existe um espaço, o qual Vygotsky


chama de zona de desenvolvimento proximal (ZDP). Esse é o espaço que
deve ter toda a atenção do professor, pois nele vão incidir as ações e
propostas pedagógicas, baseando-se naquilo que o aluno ainda não
sabe, mas está próximo do que ele já sabe.

Para entendermos melhor a ZDP, façamos uso da analogia do ovo


frito.

nugrahadey/Shutterstock
A clara frita é a zona de
desenvolvimento proximal.

A gema representa o real.

A ponta da clara é o potencial.

Todo novo ensinamento, então, precisa partir do que o aluno já


sabe, de algo que esteja na aprendizagem real dele; desse modo, é mui-
to mais fácil aprender.

No entanto, devemos observar que diariamente estamos aprenden-


do alguma coisa e, por isso, esse conceito de ZDP é totalmente moldá-
vel, ou seja, ele não é inerte.

Nas palavras de Vygotsky (VIGOTSKI; LURIA; LEONTIEV, 1988, p. 15):


“Aquilo que é zona de desenvolvimento proximal hoje será o nível de

26 Teoria e prática na Educação Infantil


desenvolvimento real amanhã, ou seja, aquilo que uma criança pode Vídeo
fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã”. Para conhecimentos ge-
rais da obra de Vygotsky e
Com isso, na teoria de Vygotsky, o professor tem um papel fundamen- compreensão da figura do
professor como mediador
tal para que aprendizagem dos alunos seja efetivada. É esse profissional da aprendizagem, assista
que fará as escolhas metodológicas, as propostas pedagógicas e que esta- ao vídeo Pensadores na
educação: Vygotsky, do
rá junto às crianças fazendo os questionamentos que farão com que elas Instituto Claro.
reflitam sobre o que estão fazendo. Portanto, a mediação realizada pelo Disponível em: https://www.youtube.
professor é um conceito fundamental dentro dessa teoria. com/watch?v=BS8o_B5M9Zs&t=3s.
Acesso em: 30 jan. 2023.
Dessa maneira, Vygotsky é considerado um dos pensadores mais
influentes na educação brasileira, tendo as suas ideias muito utilizadas
como referências em documentos oficiais e em práticas educacionais
por todo país.

Henry Wallon
(1879-1962)
O psicólogo francês Henry Wallon influenciou
as propostas educativas da escola de Educação
Infantil. Em linhas gerais, suas ideias sustentam a
importância do afeto nas propostas educativas.
Para ele, a emoção, os sentimentos e os
desejos necessitam ser levados em conta para
a efetivação da verdadeira aprendizagem e,
consequentemente, do desenvolvimento infantil.

Quando Wallon fala em emoção, ele não se refere somente às boas


emoções, mas também às manifestações emocionais que envolvem o
choro, algo muito comum, por exemplo, às crianças pequenas.

Com base nisso, ele ressalta que o choro funciona como uma ma- Livro
neira de comunicação para a criança, pois ela chora indicando alguma Um dos importantes livros
de educação apresenta
necessidade. Com isso, ela tem essa necessidade atendida, entendendo a perspectiva de Piaget,
que foi capaz de comunicar uma mensagem ao adulto (GALVÃO, 2002). Vygotsky e Wallon e
oportuniza ao leitor a
Desse modo, com o tempo e a interação, as crianças vão transfor- formação de conceitos e
aprofundamento na obra
mando suas maneiras de comunicação, mas todas elas terão relação dos pensadores. O livro
com o afeto conforme Wallon defende. Piaget, Vygotsky, Wallon:
teorias psicogenéticas em
Portanto, o autor apresenta a importância do afeto para a Educação discussão, de La Taille,
­Oliveira e Dantas é um
Infantil, de levar em conta os sentimentos da criança quando ao pro- clássico sobre o assunto, e
por que ela busque, pesquise e aprenda. Com isso, vemos que a teoria sua leitura é indispensável.

de Wallon derruba as práticas pedagógicas que priorizavam obediência LA TAILLE, Y.; OLIVEIRA, M. K.; DANTAS,
H. São Paulo: Sammus, 1992.
extrema e o seguir regras sem manifestar sua opinião. Além disso, ao

Concepções sobre infância e aprendizagem 27


destacar que a emoção é parte importante da aprendizagem, Wallon
imprime também o caráter do respeito à emoção, do sentimento e das
percepções afetivas à aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Trazer à tona ideias do pensamento de autores que são considerados
os precursores da Educação Infantil nos faz ver quanto foi importante o
que disseram e perpetuaram. Eles não só foram contra o que era enten-
dido como certo na época, como fortaleceram suas ideias com pesquisas
e desenvolvimento de acordo com o que a época permitia.
Desse modo, as suas ideias sobre a educação de crianças foram mui-
to além do que eles puderam pensar, influenciando até hoje escolas do
mundo todo.
Então, se hoje pensamos a criança pequena como um ser com direitos
e em uma etapa da vida que requer cuidado e atenção, além da educação,
devemos isso aos precursores das ideias, que nos abriram as portas do
conhecimento sobre esse tema.

ATIVIDADES
Atividade 1
Por que é necessário conhecer as diferentes concepções de infân-
cia ao longo do tempo?

Atividade 2
Em linhas gerais, qual é o ponto principal da teoria de Henry
­Wallon e como ela influencia a Educação Infantil?

Atividade 3
O professor tem um papel relevante na teoria de Vygotsky? Por quê?

28 Teoria e prática na Educação Infantil


REFERÊNCIAS
ARCE, A. A pedagogia na “era das revoluções”: uma análise do pensamento de Pestalozzi e
Froebel. Campinas: Autores Associados, 2002.
ARIÈS, P. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar,1987.
CABRERA SANCHÉZ, M. La muerte de los niños de sangre real durante el medievo:
aproximación al tema a través de las crónicas. En la España Medieval, v. 31, 2008.
CAMBI, F. História da pedagogia. São Paulo: Unesp, 1999.
COMENIUS, J. A. A escola da infância. São Paulo: Unesp, 2011.
GALVÃO, I. Uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. São Paulo: Vozes, 2002.
GOMES, O.; GOTTSCHALK, E. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
MELLO, R. M.; CESTARI, M. A. Trabalho infantil: um comparativo entre a Revolução Industrial
e os dias atuais. Cadernos PDE, v. 1, 2016.
MONROE, P. História da educação. 6. ed. São Paulo: Nacional, 1983.
PIAGET, J. A epistemologia genética. 2. ed. São Paulo: Abril cultural, 1983. (Coleção Os
pensadores).
PILETTI, C.; PILETTI, N. Filosofia e história da educação. 15. ed. São Paulo: Ática, 2002.
SALOMÃO, G. Maria Montessori: biografia. Lar Montessori, 2022. Disponível em: https://
larmontessori.com/maria-montessori-biografia-2/. Acesso em: 27 jan. 2023.
VIGÁRIO, S. M. P. Crianças sem infância: o trabalho infantil na indústria têxtil e os limpa-
chaminés (1780-1878). 2004. Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Letras e
Ciências Humanas, Universidade do Minho, Braga.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
VIGOTSKI, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 6.
ed. São Paulo: Edusp, 1998.

Concepções sobre infância e aprendizagem 29


2
Educação das crianças
pequenas no Brasil
Escola maternal, escola da infância, jardim de infância, pré-escolar,
ou centro de Educação Infantil – várias foram as designações que a
educação de crianças de 0 a 5 anos recebeu ao longo dos tempos.
Cada uma dessas designações remonta à concepção que se tinha
sobre a infância, muitas delas apoiadas em ideias de assistência e
compensação. No entanto, as terminologias mudaram, assim como as
concepções mudaram e os documentos que asseguram a educação
dessas crianças também foram se atualizando.
A partir disso, refletimos sobre as visões que integram o horizon-
te da Educação Infantil a fim de conhecermos os documentos que
embasam a Educação Infantil brasileira. Também refletimos sobre
a responsabilidade de educar crianças pequenas, compreendendo
a tríade que sustenta a Educação Infantil da atualidade: o cuidar, o
educar e o brincar.
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• compreender a diferença entre assistencialismo e educação e como
isso impacta a ação educativa proposta para crianças pequenas;

• conhecer os documentos brasileiros criados ao longo dos anos para


regulamentar e fundamentar a educação das crianças pequenas;

• reconhecer na tríade cuidar, educar e brincar a Educação Infantil


da atualidade.

30 Teoria e prática na Educação Infantil


2.1 A visão da assistência e
Vídeo da compensação
Ao final do século XIX, no mundo todo, o conceito de infância co-
meçou a adquirir outros significados, e tal mudança foi causada princi-
palmente pelas grandes transformações econômicas, políticas e sociais
impressas pelo modo capitalista que emergia. Não havia preocupação
social com as crianças até então, que ora eram abandonadas ou rejei-
tadas pelos pais, ora eram deixadas em orfanatos, ora viviam sendo
consideradas como adultos em miniaturas.

Observemos que a infância não era considerada importante como uma


fase, mas por aquilo que a criança seria e não o que ela era naquele mo-
mento. Isso continuava a ideia de que a criança era um “vir a ser”, expressão
usada para designar aquilo que ainda não era, mas poderia ser no futuro.

Acontece que o futuro das crianças nascidas nessa época não era
tão garantido como aparentava. Afinal, havia um alto índice de morta-
lidade, principalmente pelas questões de higiene e pobreza que impe-
ravam. Esse era um grande problema social enfrentado no nosso país,
embora isso também fosse uma realidade em boa parte do mundo.

Uma grande parte das crianças pobres do final do século XIX e início
do século XX tinha como destino as associações mantidas pelo estado.
Ou seja, os pais e as mães em extrema pobreza preferiam destinar seus
filhos para que fossem tutoreados pelo estado como órfãs e abandoná-
-los, por não terem condições de criá-los. Até a década de 1980, muitas
crianças passaram suas infâncias nessas instituições (RIZZINI, 1997).

Para entendermos a razão pela qual a infância era pensada dessa ma-
neira, precisamos compreender qual era o contexto brasileiro na época:
uma crescente onda de nacionalização do Brasil, que finalmente se liber-
tara das amarras da colonização e se erguia como um país. Um dos pontos
para essa mudança era a questão da pobreza e da saúde. Sob esse ponto
de vista, a infância era percebida como um compromisso do Estado, ou seja,
um problema social que ecoava no projeto de Brasil que estava nascendo.

Analisemos que o que estava sendo discutido era o futuro das pes-
soas que fariam o Brasil como uma nação soberana e com ideias e traba-
lho próprio. Assim, as crianças da época eram tidas como essas pessoas
do futuro. Logo, nada mais justo, sob o ponto de vista da época, que hou-

Educação das crianças pequenas no Brasil 31


Biografia vesse uma atenção especial a essas crianças para garantir que seriam
O senador Lopes Trovão pessoas de bem, trabalhadores que fariam a nação Brasil. Com isso, a
era médico e jornalista.
Crítico da monarquia, preocupação com o desenvolvimento social do país resvalava na ques-
participou de movimentos tão da infância e, por isso, essa época passou a ser importante para os
que defendiam a república
e, depois da instauração políticos, tornando-se o mote para o desenvolvimento do país.
desta, foi eleito Deputado
no Congresso Federal. Em
Com base nisso, leiamos as palavras do Senador Lopes Trovão
1895 elegeu-se senador (WESTIN, 2015):
da República.
Temos uma pátria a reconstituir, uma nação a formar, um povo
a fazer. Para empreender essa tarefa, que elemento mais dúctil e
moldável a trabalhar do que a infância? [...] Preparemos na crian-
ça o futuro cidadão capaz de efetuar a grandeza da pátria dentro
da verdade do regime republicano.

Um movimento que se realizou no final do século XIX é conhecido


como higienismo infantil. Ele basicamente fortalecia a ideia de investir na
infância para uma atuação melhor do adulto que se formaria a partir da
intervenção de um profissional chamado higienista. Porém, a visão desse
higienista – um médico – era a de atuar na família para ensinar as noções
básicas de higiene e saúde, tanto no caráter físico quanto moral, para
que a base familiar pudesse atuar na criança (RIZZINI, 1997).

Com isso, a principal proposta do movimento higienista, também


conhecido como movimento sanitarista, vinha da ideologia de entender
Livro
o homem como um capital do país. Dessa maneira, cuidando bem das
Com seus estudos, Sonia
Kramer ajudou muito na pessoas, o país poderia crescer e prosperar.
compreensão das dife-
rentes concepções que É importante considerarmos que, no contexto da época, a educa-
permearam a Educação ção era vista principalmente como uma compensação pelas dificul-
Infantil, bem como das
políticas públicas que dades sociais vivenciadas.
foram se sucedendo para
atender as crianças meno- Sonia Kramer (2013, p. 55), uma importante pesquisadora da área
res de cinco anos. No livro da Educação Infantil, destaca que a chamada educação compensatória
A política do pré-escolar no
Brasil: a arte do disfarce ela também pôde ser encontrada na Europa:
oferece uma perspectiva
Em Froebel, e nos primeiros jardins de infância fundados nas
aprofundada e pertinente
sobre o início das políticas favelas alemãs, em pleno advento da Revolução Industrial; em
públicas brasileiras para Montessori e suas “Casas dei Bambini” em favelas italianas; [...] e
a educação das crianças na ênfase que se dava à necessidade não só de assistência médi-
pequenas, o que torna a
obra um clássico da litera-
ca e dentária, mas também de estimulação cognitiva para que as
tura sobre o assunto. deficiências das crianças fossem compensadas.
KRAMER, S. 9. ed. Rio de Janeiro:
Estamos tratando de um contexto em que a infância se associava
Cortez, 2013.
à pobreza, a doenças, a estruturas familiares muito frágeis, pois era

32 Teoria e prática na Educação Infantil


comum que o pai de família tivesse diversos outros filhos fora do ca- Saiba mais
samento. Por sua vez, esses filhos não eram reconhecidos por ele e, A corrente de influência
médico-higienista foi
muitas vezes, nem pela sociedade, não sendo raro que essas crianças fortemente influenciada
acabassem mortas ou abandonadas, ou os dois (FREIRE; LEONY, 2011). pelas mulheres da alta
sociedade que desejavam
Nesse contexto, o atendimento às crianças abandonadas se fazia ne- um espaço para que suas
empregadas domésticas
cessário, pois, além das péssimas condições de higiene da população, a deixassem seus filhos
pobreza extrema acabava por deixar as crianças frágeis, o que aumenta- enquanto trabalhavam
em suas casas. Diferen-
va muito o número de óbitos. temente do restante do
mundo ocidental, no
No final do século XIX, começaram a surgir as creches como espa- Brasil as creches não
ços para crianças que necessitavam de assistência, e esta se resumia nasceram somente para
ajudar as mães que foram
basicamente a ofertar alimentação e abrigo. As chamadas instituições trabalhar por causa da
pré-escolares assistencialistas (como as creches eram conhecidas à épo- Revolução Industrial. Na
verdade, o atendimento à
ca) eram influenciadas por três correntes: (i) a jurídico-policial – que criança pequena começou
defendia a infância moralmente abandonada; (ii) a médico-higienista por pressão da elite, pois
muitas das empregadas
e (iii) a religiosa – as duas com o caráter de assegurar, por meio de domésticas haviam sido
instruções de higiene e resgate da caridade, a moralidade das crianças. escravizadas, e beneficia-
das pelas legislações an-
Todas essas correntes eram um modo de combater o alto índice de tiescravagistas da época
mortalidade infantil da época (KUHLMANN JR., 2010). (KUHLMANN JR., 2010).

No entanto, não havia uma responsabilidade governamental na cria-


ção das instituições de atendimento à infância. Por conta disso, também
havia instituições privadas que eram mantidas por instituições de cari-
dade sem vínculo governamental, normalmente religiosas, apesar de
também existirem as não religiosas, criadas cada uma por sua demanda
imediata: pobreza, atendimento às crianças, higiene, puericultura.

A primeira delas foi o Instituto de Proteção e Assistência à Infância


do Brasil (Ipaib), com a sua primeira sede na cidade do Rio de Janeiro
e criado pelo médico Arthur Moncorvo Filho. O Dr. Moncorvo era um
fervoroso defensor da assistência às famílias pobres, de maneira que
estruturou o atendimento na sua clínica para as mulheres grávidas e os
bebês, contando com distribuição gratuita de leite, bem como a higieni-
zação e a vacinação dos bebês.

O Ipaib foi uma das instituições assistencialistas mais importantes do


Brasil. Depois dele, outras foram criadas, ainda dentro da perspectiva de
que era necessário dar assistência aos que sofriam com a desigualdade
social, especialmente as vítimas infantis (KUHLMANN JR., 2010).

Em 1919, visto que não existia por parte do poder público outro
órgão que atendesse às necessidades das crianças, foi criado pelo

Educação das crianças pequenas no Brasil 33


Dr. Moncorvo o que ele chamou de departamento das crianças. Com
o tempo, o departamento das crianças foi prestando consultoria aos
governos nas esferas federal, estadual e municipal, mas o foco do mé-
dico era que o Estado assumisse o atendimento e ofertasse a toda a
população um atendimento digno. É importante destacarmos que esse
departamento foi criado com gastos por conta do médico, não houve
investimento do governo. Em 1929, 30 anos após sua criação, o Ipaib já
contava com vinte filiais ao longo de todo o país.

Desde o início do século até a década de 1950, a educação das crian-


ças pequenas não foi considerada como dever do Estado, mesmo que a
necessidade dela tenha sido criada por uma situação social. Na verda-
de, era comum o discurso de que a Educação Infantil era um favor para
os menos favorecidos e que eles deveriam ser gratos por isso, afinal
era responsabilidade desse grupo o cuidado com os filhos.

A roda viva da situação imperava: os pais precisavam sair para traba-


lhar e não tinham como deixar seus filhos sozinhos – ou muitas vezes dei-
xavam os filhos maiores cuidando dos menores, ou em arranjos familiares
– e o Estado se eximia da responsabilidade do cuidado e da educação,
atuando como que em uma tentativa de culpar os menos favorecidos pelo
seu próprio desfavorecimento. Além disso, havia a situação de os pais não
terem oportunidade de trabalho, o que colocava as crianças em situação
de vulnerabilidade semelhante à dos adultos.

A visão assistencialista da educação das crianças era, portanto, um


pseudopoder do Estado sobre aquele que mais precisava dele, ou seja,
era entendido como um favor prestado ao menos favorecido.

Com base nisso, na perspectiva de Khulmann Jr. (2010, p. 54), o


assistencialismo
foi configurado como uma proposta educacional específica para
esse setor, dirigida para a submissão não só das famílias, mas
também das crianças das classes populares. A pedagogia das ins-
tituições educacionais para os pobres é uma pedagogia da sub-
missão, uma educação assistencialista marcada pela arrogância
Para refletir que humilha para depois oferecer o atendimento como dádiva,
como favor aos poucos selecionados para o receber.
Será que as considerações
da educação de crianças
pequenas como um as-
Com a expansão da industrialização e a consequente implantação da
sistencialismo estão total- mão de obra feminina no mercado de trabalho, a necessidade de aten-
mente afastadas da nossa
realidade educacional?
dimento às crianças pequenas ficou mais evidente. Com isso, os traba-
lhadores também lutavam pelo direito de ter um local apropriado onde

34 Teoria e prática na Educação Infantil


seus filhos pudessem estar na hora do trabalho e, com essa pressão, Leitura
muitos donos de empresas organizaram creches em locais de trabalho. Com informações da
Organização das Nações
Novamente vemos a educação das crianças ser pontuada apenas Unidas (ONU), o artigo
História dos direitos da
como um espaço feito para “depositar” as crianças – inclusive essa ex- criança ajuda a compreen-
pressão é usada para definir esse período: as creches ou asilos eram der a linha do tempo
do reconhecimento de
depósitos de crianças, locais sem compromisso com o desenvolvimen- direitos das crianças
to delas, apenas com alimentação e abrigo. pequenas no mundo,
com datas em que foram
Além disso, segundo Oliveira et al. (2011, p. 18): “O fato de os filhos criados movimentos que
trabalharam para que isso
das operárias estarem sendo atendidos em creches, escolas maternais fosse realidade.
e jardins de infância, montadas pelas fábricas, passou a ser reconhe- Sua leitura é essencial
cido por alguns empresários como vantajoso, pois mais satisfeitas, as para compreender
rapidamente como a
mães operárias produziam melhor”. questão da educação da
infância, no mundo todo,
Assim, foram criadas salas de amamentação em indústrias, cre- passa por uma sequência
ches para o atendimento das crianças cujos pais e mães precisavam de atitudes até chegar à
forma como é concebida
trabalhar. Como a maioria das instituições era privada, vinculada ao atualmente.
ambiente de trabalho, não havia gerência do governo, nem legislação Disponível em: https://www.unicef.
que protegesse as crianças, tampouco que oferecesse a elas educa- org/brazil/historia-dos-direitos-da-
crianca. Acesso em: 15 mar. 2023.
ção apropriada para sua idade. Além disso, havia ainda as crianças que
eram cuidadas por meio de arranjos alternativos: vizinhos, pessoas da
família ou ainda crianças mais velhas que cuidavam dos menores.

Muitas dessas ideias que predominavam na educação das crianças


pequenas daquela época fazem parte da nossa sociedade até hoje, em-
bora lidemos com um conjunto de leis diferenciado. Tomemos como
exemplo a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, em 1930. Leitura
Só o nome do órgão já demonstra que a educação era vista atrelada à Criado em 1948, o De-
partamento Nacional das
saúde, sendo que os maiores investimentos eram na saúde. Crianças era um órgão do
Ministério da Educação
De certa forma, era como conceber a saúde como primordial, criando um
e da Saúde Pública que
desenvolvimento educacional que pudesse aplacar as diferentes realidades tinha por função a coor-
denação de todas as ativi-
sociais. Nas creches, por sua vez, o trabalho era desenvolvido com ações que
dades nacionais relativas
priorizavam o atendimento às demandas de saúde dos pequenos. Portanto, à proteção à maternidade,
à infância e à adoles-
as creches eram consideradas um “mal necessário” (OLIVEIRA, 2018, p. 100).
cência. É importante
conhecer mais sobre esse
Somente em 1948 foi criado um departamento dentro do Ministé-
departamento a partir da
rio da Educação e da Saúde Pública para concentrar o atendimento às leitura do decreto que
instituiu a sua criação.
crianças. Com isso, é relevante destacarmos que a ação desse órgão
ainda era voltada para a questão da manutenção da saúde das crian- Disponível em: https://legis.
senado.leg.br/norma/526656/
ças, adolescentes, mães e gestantes. No entanto, mesmo sendo vincu- publicacao/15709510. Acesso em:
lado ao Ministério da Educação, o foco principal era a saúde. 15 mar. 2023.

Educação das crianças pequenas no Brasil 35


Com base na proposta de Kramer (2013), apresentamos as quatro
fases que situam historicamente o atendimento dado à criança peque-
na no Brasil.
A palavra de ordem era caridade. Os jesuítas foram os primeiros a educar as crianças
indígenas, em parte por haver resistência da população indígena quanto à educação
Primeira fase (ou seja, catequização) dos adultos. Para os padres jesuítas, educar as crianças era
(1500-1874) mais fácil, pois elas eram mais maleáveis. Nessa época, a proposta vigente era de que
a criança era uma folha em branco (ou uma tábula rasa) em que se podia escrever
tudo e moldá-la como quisesse.
Neste período, algumas escolas de Educação Infantil foram montadas, mas somente
para assistir os filhos da elites brasileiras, e primordialmente os de gênero mascu-
lino. A proposta pedagógica era embasada nas ideias de Froebel. As creches foram
Segunda fase criadas para a assistência das crianças menos favorecidas, para que pudessem ser
(1874-1889) moralizadas basicamente pelos padrões europeus (KUHLMANN JR., 2010). Portanto,
a questão financeira e de posição social alterava o atendimento destinado às crian-
ças, que tanto podia ser feito na pré-escola (para os mais abastados) quanto nas
creches (para os pobres).
É o período do Brasil República, também chamado de República Velha. A economia
brasileira era predominantemente agrária e se concentrava em Minas Gerais, São
Terceira fase Paulo e Rio de Janeiro. Nesse momento histórico, houve a criação de instituições as-
(1889-1930) sistencialistas privadas para a infância (as creches nos locais de trabalho). Destaque
para o movimento higienista que pretendia ensinar novos hábitos à população para
a preservação da saúde e o combate à mortalidade infantil.
No início dessa fase, há algum aumento de oferta de atendimento às crianças pe-
quenas, mas não se fala em educação de crianças de zero a seis anos, só em atendi-
Quarta fase
mento. Toda oferta era assistencialista. Ao longo desse período, muitas percepções
(1930-1990)
mudaram e a estrutura da educação de crianças foi ganhando outro delineado, es-
pecialmente a partir da Constituição de 1988.

Portanto, acompanhando a história da Educação Infantil brasileira,


podemos compreender que a base de sua criação foi essencialmente
assistencialista e, muitas vezes, compensatória.

De certo modo, o avanço dos estudos sobre desenvolvimento huma-


no apresentou ao mundo outras visões sobre a infância que acabaram por
fortalecer ideias de que o desenvolvimento das pessoas (que começa na
Atenção infância) precisa de estímulos apropriados. Isso trouxe contribuições à edu-
Os jardins de infância
cação das pessoas de um modo geral, mas especificamente à educação das
eram direcionados crianças, iniciando um movimento de que era relevante destinar a elas uma
às crianças da classe
burguesa e apresentavam
educação em consonância com sua idade cronológica (GOUVEIA, 2008).
características educacio-
nais. Já as creches tinham
Há mudanças importantes na maneira de pensar. Ficam para trás as
a função primordial de ideias de que a infância era inexistente, apenas uma versão em tama-
guarda e eram destinadas
às classes populares.
nho menor de uma pessoa adulta. Assim, começam a nascer as ideias
sobre a importância da educação das crianças, pois elas eram as pri-

36 Teoria e prática na Educação Infantil


meiras formas de desenvolvimento humano. Então, educar as crianças
também era, de certa maneira, educar os adultos que elas viriam a ser.

Além disso, os estudos sobre desenvolvimento humano serviram para


articular a ideia de conceito idade mental versus educação, e para trazer à
tona a ideia de que, se a vida era feita em desenvolvimentos sequenciais, as-
sim também devia ser a escola, de modo seriado, dividida em classes anuais
e de acordo com a idade cronológica do aluno (GOUVEIA, 2008).

Portanto, pouco a pouco, foi estruturada no Brasil uma educação des-


tinada às crianças pequenas, com legislação própria e estudos para sua
fundamentação, apesar de a questão do assistencialismo e da educação
como compensação ao desfavorecimento, mesmo que em menor núme-
ro, ainda permanecer presente e intrínseca a muitas políticas públicas.

2.2 Responsabilidades na
Vídeo educação de crianças
Somente em 1988, com a promulgação da Constituição Federal,
houve uma definição que determinou as responsabilidades no atendi-
mento às crianças da Educação Infantil.

A constituição define o atendimento institucionalizado às crianças


como direito social. Até então, todas as outras legislações sobre a edu-
cação não incluíam a faixa etária de 0 a 3 anos, como se a criança só
fosse cidadã a partir dessa idade. Isso mudou somente com o artigo
208, inciso IV, da CF (BRASIL, 1988).

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante


a garantia de:
IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis
anos de idade.
Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constitui-
cao-1988-5-outubro-1988-322142-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 15
mar. 2023.

No momento da escrita do documento, o público da Educação In-


fantil eram as crianças de 0 a 6 anos. Depois, o texto foi alterado pela

Educação das crianças pequenas no Brasil 37


Emenda Constitucional n. 53, de 2006, e as crianças da Educação Infan-
til passaram a ser as de 0 a 5 anos (BRASIL, 2006a).

É importante destacarmos que a legislação brasileira define a edu-


cação como um direito de todo cidadão. O texto legal colocar nele as
crianças de 0 a 5 anos é considerá-las cidadãs desde que nascem e res-
ponsabilizar o Estado para com elas. Portanto, esse é um ponto muito
importante: definir as crianças como sujeitos de direitos.

No artigo 227 da CF de 1988 fica especificado o dever no cuidado e


educação das crianças.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à


criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao-
compilado.htm. Acesso em: 15 mar. 2023.

Para refletir Analisando pelo ponto de vista educacional, podemos perceber que
Você vê coerência na ideia as garantias de atendimento e cuidado, além da educação, são com-
de que a educação das
partilhadas pelo Estado e pela família das crianças pequenas. Portanto,
crianças pequenas seja
realizada em parceria com a educação deve ser feita em consonância com a assistência de saúde.
o atendimento a elas? Faz
sentido a parceria entre Os documentos que vieram após a CF de 1988 ajudaram a compor o
saúde e educação para a cenário da Educação Infantil brasileira atual, inclusive a BNCC. A partir da-
Educação Infantil?
qui, tratamos de cada um desses documentos compreendidos no período
entre 1998 e 2010, por ordem de promulgação, visto que eles ajudaram a
formar as premissas pelas quais a BNCC foi concebida.

1988 | CF 1996| LDB 2018| BNCC


Constituição Federal Lei de Diretrizes e Bases da Base Nacional
Educação Nacional Curricular Comum

1990 | ECA 2010| DCNEI


Estatuto da Criança Diretrizes Curriculares Nacionais
e do Adolescente para a Educação Infantil

38 Teoria e prática na Educação Infantil


Estatuto da Criança e do Adolescente
Em primeiro lugar, precisamos pontuar que o ECA é a Lei n. 8.069
de 1990 (BRASIL, 1990). Portanto, por ser uma legislação, ela deve ser
cumprida por todos os cidadãos.

Por sua vez, o ECA considera criança aquela que tem de 0 a 12 anos.
Sendo assim, ela tem as prerrogativas de direitos fundamentais, garan-
tidos em seu artigo 3º.

Art. 3. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos funda-


mentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral
de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios,
todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desen-
volvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em:
15 mar. 2023.

Fora o artigo, destacamos também o parágrafo único dessa legislação.

Parágrafo único.
Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e
adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar,
idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição
Leitura
pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica,
ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que dife- O Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA)
rencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.
é uma legislação muito
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: comentada e utilizada
15 mar. 2023. no nosso país. Muitas
vezes, há confronto
entre o texto escrito e a
realidade, mas todos os
Nesses dois pequenos recortes do texto do ECA, podemos encontrar
professores precisam co-
os avanços consideráveis à educação de crianças pequenas. Observe- nhecê-la para identificar
qual é a parte que lhes
mos que a lei assegura que elas tenham oportunidades de desenvolvi-
cabe dessa legislação. A
mento, em condições de dignidade. Isso é muito diferente do que existia leitura do documento é
essencial, especialmente
e de como a educação das crianças era considerada no Brasil.
a do Capítulo IV.
Na verdade, analisando mais a fundo, isso é muito diferente de Disponível em: https://www.
como a própria infância era considerada antigamente. Atualmente, planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.
htm. Acesso em: 15 mar. 2023.
esse tempo da vida é reconhecido como um espaço de direito da pró-

Educação das crianças pequenas no Brasil 39


pria criança – uma cidadã –, não mais para que o pai e/ou a mãe dela
possam trabalhar. Portanto, a diferença entre uma concepção e outra
é muito grande.

Além disso, nos dias atuais, a Educação Infantil oferece às crianças


uma equabilidade de direitos e de possibilidades de aprendizagem, in-
dependentemente de sua origem, grupo social, religião e/ou qualquer
outro diferencial.

Destacamos que não estamos querendo, com isso, descaracterizar


a atual realidade brasileira, que infelizmente ainda não cumpre com
todos os direitos para com todas as crianças. Na verdade, estamos re-
forçando o posicionamento de que as crianças brasileiras têm direitos
assegurados em lei e que os adultos responsáveis por elas precisam
fazer voz para garantir esses direitos às crianças.

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


A LDB é a legislação mais importante sobre a educação brasileira. A
Lei n. 9.394 foi promulgada em 20 de dezembro de 1996. É ela que tra-
ta de todo o sistema de educação do nosso país, da Educação Infantil
ao Ensino Superior, indicando as normas para atuação, distribuição de
recursos, tratando sobre os profissionais da educação e muito mais.
Portanto, ela é a legislação que regula toda a educação brasileira, seja
ela pública ou privada.

É uma legislação muito relevante para a Educação Infantil, pois é a


primeira a definir esse nível de educação como parte da Educação Básica
– composta por Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Vejamos o que dispõe o artigo 29 dessa lei (BRASIL, 1996).

Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem


como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco)
anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, com-
plementando a ação da família e da comunidade.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em:
15 mar. 2023.

40 Teoria e prática na Educação Infantil


Para a educação de crianças pequenas, o descrito no artigo 29 é um Leitura
grande avanço, pois, além de elas estarem reconhecidas no texto da lei, está A Educação Básica é
obrigatória e gratuita dos
também reconhecido que a Educação Infantil é um período de educação e 4 aos 17 anos em nosso
não mais somente de assistência à criança. Portanto, é uma legislação cuja país, conforme o artigo
4º da Lei de Diretrizes e
concepção assume a infância como uma etapa do desenvolvimento huma- Base da Educação Nacio-
no, que reconhece que as crianças têm direitos como quaisquer outras pes- nal (LDB). Essa e outras
tantas informações que
soas de outras idades e assegura que seja ofertada a elas uma educação fazem parte da vida do
coerente para que seu desenvolvimento seja de fato integral. professor estão contidas
no documento que tam-
A LDB ainda prevê que a Educação Infantil seja realizada em espaços bém é conhecido como a
Lei da Educação.
denominados creches para crianças de 0 a 3 anos e educação pré-escolar
Disponível em: https://www.
para crianças de 4 a 5 anos. É importante lembrarmo-nos de que, a partir planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.
dos 4 anos de idade, a educação passa a ser obrigatória. htm. Acesso em: 15 mar. 2023.

Neste momento, cabe refletirmos sobre os dois termos utilizados


na lei: creche e pré-escola. Eles são termos antigos que agora possuem
um significado repaginado.

Anteriormente, a creche era um local de assistência em que as


crianças ficavam e lhes era ofertado abrigo e alimentação, já atualmen-
te a sua proposta é muito diferente: tem função educativa e nela de-
vem estar presentes profissionais para planejar atividades que levem
em conta tanto o desenvolvimento da criança quanto as habilidades e
competências que ela vai adquirir e desenvolver. Assim, todas as cre-
ches, públicas ou privadas, precisam seguir a mesma legislação e atuar
como ambiente educativo. Então, mesmo com o termo permanecendo
igual, a creche descrita na atualidade é muito diferente daquelas pre-
sentes em décadas anteriores (OLIVEIRA et al., 2011).

Já o uso do termo pré-escola fortaleceu-se na educação brasileira ao Livro


longo das décadas como sendo uma etapa anterior à escola propria- O livro Creches: crianças,
mente dita, como se a pré-escola fosse um período de preparação para faz de conta e cia é muito
interessante para conhe-
o que viria quando a criança estivesse na escola de fato. Isso retirava cer mais sobre a função
da pré-escola a concepção de espaço educativo e até a importância do educativa das creches.
Além disso, ele apresenta
tempo investido na formação do indivíduo.
propostas pedagógicas
para a educação de
Essas ideias estão totalmente equivocadas atualmente. A concepção
crianças pequenas, com
da pré-escola é outra, embasada agora nos conhecimentos sobre desen- base nas ideias Vygotsky,
Wallon, Piaget e outros.
volvimento e potencialidades das crianças dessa idade, pois esse é um
tempo importante e há muito a se fazer nessa faixa etária compreendida OLIVEIRA, Z. M. R. et al. Petrópolis:
Vozes, 2011.
entre 4 e 5 anos para o desenvolvimento integral das crianças.

Educação das crianças pequenas no Brasil 41


Então, mesmo que o termo pré-escola ainda esteja registrado na le-
gislação e possa remeter a interpretações equivocadas, é necessário evi-
denciarmos que atualmente ele representa a própria escola, e não uma
etapa anterior a ela. Portanto, pré-escola não é o antes, mas o atual.

Também é importante considerarmos que, para a etapa da Educação


Infantil, seja na creche ou na pré-escola, são admitidas outras nomencla-
turas desde que mantida a classificação de trabalho atrelada à idade das
crianças. Então, encontramos os Centros Municipais de Educação Infantil
(CMEI), além de nomes fantasia para as pré-escolas e creches particula-
res. Fora isso, temos também a divisão de classes: pré-1, pré-2, maternal,
minimaternal, berçário, Educação Infantil 1, entre outros. Com isso, ve-
mos que são muitos nomes para denominar a educação das crianças pe-
quenas no universo da Educação Infantil compreendido entre 0 e 5 anos.

Quanto à responsabilidade da oferta da Educação Infantil, ela é dos


municípios brasileiros, conforme o artigo 31 da LDB, no qual estão listadas
as regras comuns para que a Educação Infantil seja processada e efetivada.

Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo com as seguin-


tes regras comuns: (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
I – avaliação mediante acompanhamento e registro do desenvolvimen-
to das crianças, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao
ensino fundamental; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
II – carga horária mínima anual de 800 (oitocentas) horas, distribuí-
da por um mínimo de 200 (duzentos) dias de trabalho educacional;
(Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
III – atendimento à criança de, no mínimo, 4 (quatro) horas diárias para
o turno parcial e de 7 (sete) horas para a jornada integral; (Incluído pela
Lei nº 12.796, de 2013)
IV – controle de frequência pela instituição de educação pré-escolar,
exigida a frequência mínima de 60% (sessenta por cento) do total de
horas; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
V – expedição de documentação que permita atestar os processos
de desenvolvimento e aprendizagem da criança. (Incluído pela Lei nº
12.796, de 2013)
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em:
15 mar. 2023.

42 Teoria e prática na Educação Infantil


Observe que nos cinco itens descritos no artigo da lei há muita res-
ponsabilidade envolvida, principalmente por classificar como muito
mais importante a avaliação do desenvolvimento infantil do que a do
desempenho das crianças.

Assim, é muito mais importante o quanto a criança progrediu e


avançou no seu desenvolvimento do que a resposta que ela dá a um
ou a outro comando do professor, haja vista que nesse aspecto pode
haver variáveis que impeçam a qualidade da resposta. Isso já elimina
a questão de usar apenas uma ocasião para comprovar que a criança
sabe, como uma prova. Portanto, para avaliar o desenvolvimento in-
fantil, é preciso investir na observação diária, no registro de pequenas
vitórias, nos parâmetros corretos de investigação.

Há também a questão da quantidade de dias letivos, que é igual à


quantidade do Ensino Fundamental e à impossibilidade de retenção
das crianças nessa faixa etária. Afinal, as crianças estão na Educação
Infantil para se desenvolverem e, por conta disso, deve haver um com-
promisso dos pais e da escola em mantê-las no estabelecimento.

Por isso, não se trata de reprovar a criança por faltas ou por baixo de-
sempenho, trata-se de buscar saber o motivo de ela não estar frequen-
Leitura
tando as aulas, qual motivo está levando-a a estar distante do ambiente
Quais os tipos de registros
escolar ou qual é o motivo do seu baixo rendimento. Será por meio des- para avaliar na Educação
sa investigação que teremos as respostas que podem apresentar as cau- Infantil? é uma questão
recorrente, e a leitura do
sas sociais. Com essas respostas em mãos e em consonância com o ECA, artigo do site Nova Escola
a escola precisará tomar uma providência ou comunicar algum órgão de responde sobre como
construir documentos
autoridade relativo ao motivo a fim de resolver o problema detectado. para explicar aos pais,
aos demais professores
Também é necessário considerarmos a quantidade de horas que as e às próprias crianças
crianças ficam no ambiente escolar, algo que a lei determina que seja sobre o desenvolvimento
delas. O texto também
no máximo 7 horas por dia no horário integral. Com isso, entende-se apresenta os diferentes
que a criança também precisa passar um tempo em família, com seus formatos de documentos
que podem ajudar você
responsáveis, fazendo parte do seu núcleo social. Portanto, a escola a analisar seu próprio
cumpre seu papel, mas partilha as responsabilidades com a família. desempenho.

Disponível em: https://novaescola.


Quanto à avaliação da criança, normalmente as escolas optam por
org.br/conteudo/18755/quais-os-
um documento que se assemelha a um parecer de desenvolvimento tipos-de-registros-para-avaliar-na-
educacao-infantil. Acesso em: 25
das crianças para atestar seu desenvolvimento aos pais e aos respon-
abr. 2023.
sáveis e até mesmo à criança. Esses pareceres (ou portfólios) da Edu-

Educação das crianças pequenas no Brasil 43


cação Infantil são elementos conhecidos no meio educacional e nada
mais são do que os registros avaliativos do desenvolvimento da criança.

Quanto à formação dos professores para trabalhar na Educação


Infantil, esse também é um assunto destacado na LDB, sobretudo
em seu artigo 62.

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-


-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como
formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e
nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível
médio, na modalidade normal.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em:
3 jan. 2023.

Com base nesse artigo, devemos observar que a Educação Infantil


é um assunto sério e necessita de profissionais bem formados e com
competências específicas de docência para essa faixa etária. Trata-se
de algo muito diferente daqueles modelos históricos de alguém que
apenas olhava as crianças enquanto os responsáveis trabalhavam fora
e as deixavam sob seus cuidados. Portanto, a Educação Infantil, como o
próprio nome sugere, é primeiramente um espaço de educação.

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil


As DCNEI foram o primeiro passo para normatizar as regras que
deveriam ser consideradas na organização das propostas pedagógicas
da Educação Infantil.

Dessa forma, as DCNEI são um documento importantíssimo para a


Educação Infantil, pois ele define a necessidade prioritária de caracterizar e
orientar como deve ser o trabalho com crianças de até 3 anos em creches
e com as de 4 a 5 anos na pré-escola, sem isso antecipar o conteúdo do
Ensino Fundamental.

É importante conhecermos a concepção da Educação Infantil apre-


sentada pelas DCNEI (BRASIL, 2010, p. 12), bem como o conceito de
criança, observando que há a responsabilização sobre o desenvolvi-
mento e a educação das crianças por parte dos agentes envolvidos.

44 Teoria e prática na Educação Infantil


Educação Infantil: primeira etapa da educação básica, oferecida em creches e pré-escolas, às
quais se caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem estabeleci-
mentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de
idade no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão
competente do sistema de ensino e submetidos a controle social. É dever do Estado garantir a
oferta de Educação Infantil pública, gratuita e de qualidade, sem requisito de seleção.

Criança: sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que
vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende,
observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produ-
zindo cultura.
ONYXprj/Shutterstock

Conhecendo essas definições, devemos perceber a importância de- Leitura


las e como avançamos nesse quesito. Além de considerarem a criança Com as Diretrizes Cur-
como um sujeito de direitos (o que já fez muita diferença), as diretrizes riculares Nacionais da
Educação Infantil (DNCEI),
reforçam a validade das relações das crianças na construção de seus os pesquisadores brasi-
conhecimentos. Ela participa da cultura ao brincar e relacionar-se e, ao leiros produziram, pela
primeira vez, um material
mesmo tempo, produz cultura por meio dessas ações. oficial para fornecer di-
retrizes para a educação
Por sua vez, as DCNEI determinam que a Educação Infantil é um tem- de crianças pequenas.
po precioso do desenvolvimento humano e deve ser muito respeitado e Além disso, não se trata
somente de reconhecer a
aproveitado pelas instituições educativas. Da mesma forma, tais instituições importância do documen-
precisam compreender a essência das crianças para propor ambientes e to, mas também de ler,
opinar, refletir sobre ele,
desafios permeados de muita brincadeira e cuidado a fim de que elas pos- especialmente porque ele
sam se desenvolver com o máximo de suas potencialidades. é reconhecido pela BNCC.

Disponível em: http://portal.


Portanto, as DCNEI foram fundamentais para a escrita da Base Na-
mec.gov.br/dmdocuments/
cional Comum Curricular (BNCC) lançada em 2018, e os princípios de diretrizescurriculares_2012.pdf.
Acesso em: 25 abr. 2023.
ambos os documentos estão em consonância por conta disso.

Educação das crianças pequenas no Brasil 45


2.3 Cuidados, educação e brincadeiras
Vídeo
Sempre que se fala sobre Educação Infantil, vêm à tona as questões
intrínsecas e importantes com relação à educação e ao cuidado para
com as crianças pequenas.

A Educação Infantil é o local social que a criança frequenta além da


família, é o espaço que proporciona a primeira ruptura dos laços fami-
liares, a primeira separação em ambiente institucionalizado. Por ser a
primeira etapa da Educação Básica, todo o início do processo educacio-
nal se dá nesse espaço.

Com isso, para as crianças pequenas, essa etapa representa mudan-


ças significativas de vida, e elas precisam ter nesse espaço um ambiente
acolhedor, com pessoas que entendam seu desenvolvimento e ofereçam
uma gama de cuidados necessários para que ele aconteça (BRASIL, 2018).

Embora dependa do adulto para sobreviver, a criança é um ser capaz de in-


teragir num meio natural, social e cultural desde bebê. A partir de seu nasci-
mento, o bebê reage ao entorno, ao mesmo tempo em que provoca reações
naqueles que se encontram por perto, marcando a história daquela família.
(BRASIL, 2006b, p. 12)

Na Educação Infantil, cuidar e educar crianças são indissociáveis.


Não há como realizar um sem realizar o outro ao mesmo tempo. O pró-
prio documento das DCNEI faz menção a esse quesito indicando que
ele é condição para a efetivação das propostas pedagógicas na Edu-
cação Infantil. Inclusive, o documento ressalta que é preciso respeitar
“A educação em sua integralidade, entendendo o cuidado como algo
indissociável ao processo educativo” (BRASIL, 2010, p. 19).

Por sua vez, o Referencial Curricular Para a Educação Infantil (BRASIL,


1998, p. 24) institui que
Contemplar o cuidado na esfera da instituição da educação infan-
til significa compreendê-lo como parte integrante da educação,
embora possa exigir conhecimentos, habilidades e instrumentos
que extrapolam a dimensão pedagógica. Ou seja, cuidar de uma
criança em um contexto educativo demanda a integração de vá-
rios campos de conhecimentos e a cooperação de profissionais
de diferentes áreas.

46 Teoria e prática na Educação Infantil


Com isso, vemos que as crianças pequenas demandam um cuidado
que se torna intrínseco à educação e aos poucos vão aprendendo a ter
mais autonomia, adquirindo hábitos que farão com que elas próprias
tenham cuidados consigo.

Então, a Educação Infantil tanto vai propiciar os cuidados necessá-


rios para as crianças quanto vai ensinar a essas crianças a terem cuida-
dos com seu próprio corpo (respeitando seu desenvolvimento e ações
pertinentes à sua idade).

As situações de aprendizagem, portanto, devem ser “mediadas para


a elaboração da autonomia das crianças nas ações de cuidado pessoal,
auto-organização, saúde e bem-estar” (BRASIL, 2010, p. 26).
nagisa/Shutterstock

São muitos os cuidados


que as crianças pequenas
demandam: alimentação,
higiene, proteção para
perigos, apoio para aquisição
de habilidades motoras e de
linguagem e pensamento,
espaço para descanso,
momentos em que possam
falar e ser ouvidas.

No campo da higiene, destacamos a troca de fralda, o controle dos


esfíncteres, o higiene com as mãos e o rosto, a escovação dos dentes,
o assoar o nariz, entre outros. Ainda devemos considerar que as crian-
ças precisam de ajuda nas atividades motoras, como vestir e desvestir,
calçar sapatos, amarrar calçados, abrir zíperes, abotoar e demais situa-
ções. Por fim, para todos esses itens a presença do adulto mediador e
afetivo é fundamental (BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 1999).

Sobre os hábitos de higiene, cabe refletirmos: a limpeza pessoal e a forma


como o adulto reage a isso podem influenciar a vida da criança? Com base
nesse questionamento, podemos pensar como algumas ficam com medo
de decepcionar o adulto quando enfrentam rejeição ao que produzem.

Quanto a isso, estamos falando de troca de fraldas com cocô ou


nariz escorrendo, que podem dar asco nos adultos. Fora isso, os ex-
crementos e vômitos são normais no universo das crianças, e se as
reações a eles forem bruscas ou rígidas, podem desencadear medo na

Educação das crianças pequenas no Brasil 47


criança ou até mesmo rejeição a si mesma. Afinal, as imagens mentais
da rejeição do adulto formam marcas muito dolorosas nas crianças.

Por isso, ao professor é pedido que se tenha calma e tranquilidade,


pois a criança precisa ser ajudada por um tempo e, posteriormente,
incentivada a comunicar suas necessidades com naturalidade para que
possa desenvolver sentimentos positivos sobre si mesma.

Os hábitos com relação à higiene têm dois lados: a relação e a edu-


cação. Para educarmos a criança, ensiná-la a amar seu corpo e respei-
tar-se, além de ter bons hábitos de higiene, é preciso que haja uma boa
relação com o professor que vai fazer essa tarefa (ARRIBAS et al., 2004).

Destacamos ainda que, no período que compõe a Educação Infantil,


a criança está em uma fase de dependência extrema do adulto, inclusi-
ve para sua sobrevivência. Com isso, as crianças precisam ser cuidadas e
educadas, o que implica receberem auxílio nas atividades que não podem
realizar sozinhas, além de serem atendidas em suas necessidades básicas
– sejam elas físicas e/ou psicológicas – e receberem atenção.

No entanto, é preciso que os hábitos de higiene, que fazem parte do


cuidado que o professor deve proporcionar às crianças, não sejam realiza-
Tartila/Shutterstock

dos de maneira autoritária. É necessário compreendermos que as crianças


estão aprendendo e precisam que os seus sentimentos, as suas escolhas e
o seu tempo de internalização sejam respeitados (ARRIBAS et al., 2004).
Natalia Ustyuzhantseva/Shutterstock

Aprendizagens são construídas e não impostas. Algumas atitudes do


professor podem ajudar (ARRIBAS et al., 2004, p. 95):
• valorizar cada esforço feito pela criança em seu asseio;

• ser sensível às vivências que as crianças experimentam e respeitar


o ritmo que ela deseja;

• dar à criança a sensação de que acredita que ela é capaz de domi-


nar tarefas simples e necessárias para a vida, como as de conseguir
lavar-se ou limpar-se sozinha;

• procurar fazer com que a criança não sinta que a higiene é uma ba-
talha perdida, porque deverá sempre aceitar as vontades do adulto
quanto aos momentos e à forma de fazer isso.
Todos esses itens pressupõem uma boa relação do adulto professor para
com a criança e são esperados no trabalho com a Educação Infantil.

48 Teoria e prática na Educação Infantil


Portanto, o cuidado direcionado à criança precisa ser um modelo
para que ela possa aprender a se cuidar, não podendo ser um fardo ou
feito com desânimo. Afinal, isso faz parte do trabalho de educar crian-
ças pequenas e como tal deve ser encarado com profissionalismo, mas
também com amorosidade.

No entanto, não basta o cuidado para que o atendimento seja com-


pleto, pois isso não incluiria a parte educativa da etapa. Afinal, a Edu-
cação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica, e assim ela deve
ser considerada: uma etapa educativa. Há um certo perigo em deixar a
educação ser um espaço que oferece apenas cuidados para as crianças,
pois isso não as fará avançar com o máximo que poderiam em seu de-
senvolvimento e remontará às concepções de assistência de décadas
anteriores. Dessa forma, é necessário reforçarmos a importância da
educação que proporcionará o desenvolvimento integral das crianças.

Para que as crianças cresçam e se desenvolvam ao máximo, a Edu-


cação Infantil precisa dos seguintes itens (BRASIL, 2006b, p. 19):

Expressar sentimentos
e pensamentos

Movimentar-se em espaços
amplos e ao ar livre
rstock
Olga1818/Shutte

Desenvolver a imaginação, a curiosidade e a Brincar


capacidade de expressão

Educação das crianças pequenas no Brasil 49


Por essa razão, é importante ampliarmos permanentemente os co-
nhecimentos a respeito do mundo da natureza e da cultura apoiadas
por estratégias pedagógicas apropriadas, além de diversificarmos as
atividades, as escolhas e os companheiros de interação em creches,
pré-escolas e centros de Educação Infantil.

Outro ponto de destaque na Educação Infantil que vem ganhando espa-


ço nas últimas propostas e documentos oficiais é o brincar. Para a criança
dessa etapa, o ato de brincar é a melhor maneira de aprender e desen-
volver-se. Isso porque a brincadeira é um dos eixos estruturantes de todo
trabalho na Educação Infantil (os outros são as interações da criança) e por
tal importância ela deve estar presente em todas as propostas educativas.

Portanto, as brincadeiras, o cuidado e a educação fazem a Educação In-


fantil que desejamos, aquela que desenvolverá as crianças respeitando suas
etapas de crescimento, desafiando e aumentando suas aprendizagens, aju-
dando-a a ser cidadã e exercer seus direitos de conhecer o mundo que a
rodeia, bem como agir sobre ele como um sujeito de direitos e deveres.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estabelecer a diferença entre assistencialismo e educação e como a
educação atuava como compensação por déficits sociais nos possibilita
compreender como isso impacta a ação educativa proposta para crianças
pequenas na atualidade. Portanto, é perceptível o quanto a Educação In-
fantil brasileira avançou nesse aspecto, abandonando as visões ultrapas-
sadas que valorizavam apenas o cuidado mínimo das crianças.
Além disso, a elaboração de documentos oficiais mostra a importância
que a Educação Infantil adquiriu ao longo do tempo, especialmente a par-
tir da Constituição Federal de 1988, incluindo a necessidade de oferecer
cuidado e educação às crianças de 0 a 5 anos, com a sua prática permea-
da pela brincadeira para que a criança possa crescer e se desenvolver em
todas as suas potencialidades.

ATIVIDADES
Atividade 1
Como era caracterizada a visão assistencialista na Educação
Infantil?

50 Teoria e prática na Educação Infantil


Atividade 2
Qual é a importância dos documentos que foram escritos a respei-
to da Educação Infantil a partir da Constituição Federal de 1988?

Atividade 3
A escola de Educação Infantil deve privilegiar o cuidar ou o educar
da criança?

REFERÊNCIAS
ARRIBAS, T. et al. Educação Infantil: desenvolvimento, currículo e organização escolar. 5. ed.
Porto Alegre: Artmed, 2004.
BASSEDAS, E.; HUGUET, T.; SOLÉ, I. Aprender e ensinar na Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 1999.
BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF,
5 out. 1988.
BRASIL. Emenda Constitucional n. 53, de 19 de dezembro de 2006. Diário Oficial da União,
Poder Legislativo, Brasília, DF, 20 dez. 2006a.
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
Brasília, DF, 16 jul. 1990.
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
Brasília, DF, 23 dez. 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.
Brasília, DF: MEC/SEB, 2010.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação
Infantil. Brasília, DF: MEC/SEB, 2006b. v. 1 e 2.
BRASIL. Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.
Brasília, DF: MEC/SEB, 1998. vol. 1, 2 e 3.
FREIRE, M. M. L.; LEONY, V. S. A caridade científica: Moncorvo Filho e o Instituto de Proteção
e Assistência à Infância do Rio de Janeiro (1899-1930). História, Ciências, Saúde, v. 18, n. 1,
p. 199-225, dez. 2011.
GOUVEIA, M. C. S. Estudos sobre desenvolvimento humano no século XIX: da biologia à
psicogenia. Caderno de Pesquisa, v. 38, n. 134, p. 535-557, ago. 2008.
KRAMER, S. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. 9. ed. Rio de Janeiro: Cortez, 2013.
KUHLMANN JR., M. Infância e Educação Infantil: uma abordagem histórica. 7. ed. Porto
Alegre: Mediação, 2010.
OLIVEIRA, Z. M. R. Educação Infantil: fundamentos e métodos. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2018.
OLIVEIRA, Z. M. R. et al. Creches: crianças, faz de conta e cia. 16. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
WESTIN, R. Crianças iam para a cadeia no Brasil até a década de 1920. Senado Notícias, 2015.
Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/07/07/criancas-iam-
para-a-cadeia-no-brasil-ate-a-decada-de-1920. Acesso em: 25 abr. 2023.

Educação das crianças pequenas no Brasil 51


3
A Educação Infantil
segundo a BNCC
Imagine que seja estabelecido que a criança precisa brincar para
aprender, e ainda que brincar seja reconhecido como um direito de to-
das as crianças. Imagine também que seja determinada a importância
das relações estabelecidas entre as crianças e aqueles que as cercam,
sejam outras crianças de variadas idades, sejam os adultos de seu en-
torno. Imagine que seja lei oportunizar às crianças um aprendizado
desvinculado da fragmentação proposta pelas disciplinas curriculares
e organizado por campos de experiência, que integram e representam
com contexto a vida infantil. Imagine que a Educação Infantil não seja
mais uma prévia de escola, e sim uma escola de verdade que educa e
ao mesmo tempo cuida com afeto.
Se você acha que isso não seria possível na educação brasileira,
saiba que não só é possível, como existe uma legislação de amparo a
essa concepção que reconhece a importância da infância. São estes
os temas deste capítulo: o reconhecimento da Educação Infantil como
etapa de aprendizagem e desenvolvimento; a importância de um cur-
rículo para a Educação Infantil, com um olhar para a transição para o
Ensino Fundamental sem com isso esquecer que a Educação Infantil é
importante como etapa; e como encontrar meios modernos e coeren-
tes para avaliar os progressos das crianças de idade entre 0 e 5 anos.
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• reconhecer os campos de experiência como fundamentais para o
desenvolvimento e a aprendizagem das crianças;

• analisar os objetivos da Educação Infantil segundo a BNCC, desta-


cando a importância deles para a transição para o Ensino Fundamental;

• reconhecer na avaliação da Educação Infantil um processo de acom-


panhamento do desenvolvimento e da aprendizagem das crianças.

52 Teoria e prática na Educação Infantil


3.1 Reconhecimento, currículo e
Vídeo direitos de aprendizagem
Para acompanhar os estudos que fundamentam a concepção de
Educação Infantil como uma fase de desenvolvimento de relevância na
vida das pessoas, em oposição à ideia de que a criança era um adulto
em miniatura e não precisava de atenção diferenciada, os documentos
oficiais brasileiros também foram atualizados.

Novas possibilidades surgem quando se fala em organização dos tra-


balhos e do currículo da Educação Infantil a partir da Base Nacional Co-
mum Curricular de 2018. Vale recordarmos que desde a Lei de Diretrizes
e Bases (LDB, 1996) a Educação Infantil foi considerada primeira parte da
Educação Básica (composta também do Ensino Fundamental e Ensino Mé-
dio) e com caráter de matrícula obrigatória a partir dos 4 anos.

Reconhecidamente como parte da Educação Básica, a Educação


Infantil necessita de currículo adequado para direcionar suas práticas
uma vez que “O currículo é formado pelo conjunto de situações cotidia-
nas organizadas para as crianças em cada unidade de Educação Infantil
com base em seu projeto pedagógico” (OLIVEIRA, 2018, p. 5).

É preciso clarificar a importância de se ter um currículo para a Edu-


cação Infantil, uma vez que na história da educação brasileira nem
sempre foi assim. Currículo é o guia da escola, o documento que con-
tém as informações sobre o que será ensinado e de que forma será
feito. Muitas vezes a escola de crianças pequenas era feita de adap-
tações, de exercícios de coordenação motora, que apenas prepara-
vam a criança para o futuro, sem reconhecer a importância da fase de
­desenvolvimento pela qual elas estavam passando no presente.

Por isso, reconhecer que a Educação Infantil merece um currículo de


qualidade é um passo importante pois igualmente reconhece-se a edu-
cação de crianças pequenas como necessária e com identidade própria.

Assim, a escola da infância não é mais um lugar de depósito para


crianças, não é mais um espaço de assistência social, não é mais um
espaço somente de lazer e principalmente não é mais uma escola que
funcionava como prévia da escola formal, mas sim uma escola que res-
peita as características da faixa etária que pretende educar, necessária
e apta para a educação dos pequenos.

A Educação Infantil segundo a BNCC 53


Na atual Educação Infantil, o currículo é definido como um “conjunto
de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças
com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico,
ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimen-
to integral de crianças de 0 a 5 anos de idade” (BRASIL, 2010, p. 12).

Perceberam como a abordagem curricular da Educação Infantil pre-


cisa potencializar o desenvolvimento máximo de todas as capacidades
das crianças respeitando suas especificidades? E isso exige “sensibili-
dade, respeito, reflexão, compromisso, engajamento, sintonia e desejo
de mudança” (CURITIBA, 2020, p. 45). Por isso, é muito importante que
o professor compreenda sua responsabilidade de apresentar o mundo
natural e sociocultural aos bebês e às crianças.

Na nova concepção do desenvolvimento infantil e de como devem


ser as escolas dessa faixa etária, o currículo não é tão somente um con-
junto de aprendizagens listadas que devem ser efetivadas.

Hoje, o currículo precisa contemplar elementos que o tornem viável,


como: os arranjos dos espaços, dos tempos, dos materiais e, especial-
mente, as relações estabelecidas no cotidiano das escolas, a importân-
cia da ação docente, os sentidos que as crianças atribuirão àquilo que
aprendem e a forma como utilizam as diferentes linguagens para se
relacionarem consigo mesmas e com os outros (OLIVEIRA, 2018).

Há, no entanto, que se ter cuidado na construção de um currícu-


lo para a Educação Infantil, pois ele só estará coerente se contemplar
igualmente o cuidar e o educar como elementos indissociáveis.

Atender aos interesses e às necessidades de bebês e crianças re-


quer um currículo e uma pedagogia com base na indissociabilidade do
cuidar/educar. Além disso:
considerar cuidar/educar como indissociáveis significa acolher
os bebês e as crianças em seus ritmos e processos construtivos,
criativos e expressivos, possibilitando a apropriação do mundo
por meio de práticas cotidianas, ações que permeiam todo o
fazer pedagógico, exigindo sensibilidade e novos olhares para a
infância. (CURITIBA, 2020, p. 70)

Destacamos na citação anterior a expressão “acolher os bebês


e as crianças em seus ritmos e processos construtivos, criativos e
expressivos” (CURITIBA, 2020, p. 70), que significa compreender que
nem todas as crianças têm o mesmo ritmo, que aprendem em tem-

54 Teoria e prática na Educação Infantil


pos diferentes, mas que todas devem ter oportunidades de desen-
volvimento dentro do ambiente escolar.

Para que as crianças possam construir significados sobre si mes-


mas, sobre os outros e sobre o mundo social e natural é preciso que
desempenhem um papel ativo nas situações de aprendizagem, que es-
tejam em ambientes convidativos a desafios e descobertas e com isso
sintam-se provocadas a resolvê-los (BRASIL, 2018).

O formato ativo da Educação Infantil é traduzido por meio de au-


las com movimento, pesquisa e busca, em que a criança pode se ex-
pressar, perguntar, formular suas hipóteses, testar alternativas e assim
construir seu conhecimento.

Sobre a maneira com que as crianças aprendem e qual é a melhor for-


ma de ensiná-las, é preciso também formar (ou em alguns casos, refor-
mar) o modelo das aulas na escola dos pequenos, com adequação das
práticas metodológicas às propostas em que as crianças são mais ativas.

Mas como montar um currículo que compreenda todos os itens


necessários? É nesse momento que se faz presente a Base Nacional
Curricular Comum (BNCC), documento que fornece a sustentação para
elaboração dos currículos de todos os níveis da Educação Básica em
todas as escolas brasileiras. Para qualificar e explanar melhor esse im-
portante documento, vamos caracterizá-lo.

A BNCC é um documento de caráter normativo que define o con-


junto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos
os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da
Educação Básica, de modo que tenham assegurados seus direitos de
aprendizagem e desenvolvimento.

Alguns pontos da BNCC merecem ser destacados (BRASIL, 2018):

A Base é a norma: quando se diz que a BNCC é de caráter normati-


vo, ­significa que ela é a norma! É ela que deve ser seguida em toda a
Olga1818/Shutterstock

Educação Básica. Não é uma opção, é a regra obrigatória, portanto pre-


cisa ser do conhecimento de todo professor.

A Educação Infantil segundo a BNCC 55


A Base é um documento único: na história da educação do Brasil já
tivemos currículos de estado para serem seguidos em todas as cidades
de modo igual, já tivemos documentos que forneciam bases para a ela-
boração de um currículo diferenciado, como os Parâmetros Curriculares
Nacionais – PCN (BRASIL, 1997) e a Referencial Curricular para a
Educação Infantil (BRASIL, 1998), que eram usados como referência,
não como norma (algo obrigatório). Agora temos uma base curricular
que indica quais conteúdos seguir, quais objetivos alcançar, e que abre
espaço para a abordagem de aspectos culturais e regionais, a depender
de onde está localizada a instituição educativa.

A Base permite inserções: em linhas gerais, a BNCC é um documento


que normatiza a educação, mas permite que ela seja regionalizada, e
isso é um grande ganho. Em um país do tamanho do Brasil, em que a cul-
tura de um estado para outro apresenta diferenciais imensos, não faria
sentido que o documento que normatiza a educação indicasse atitudes
pedagógicas sem levar em conta tamanha diversidade.

A Base trabalha com o conceito de competências: um dos diferenciais


contemplados pela BNCC é o conceito de competência, que já é utiliza-
do em vários lugares do mundo. Entende-se que o estudante não deve
somente conhecer os conteúdos, mas sim que precisa desenvolver as
habilidades (entendidas como uma destreza, uma facilidade da pessoa
de realizar alguma coisa), atitudes e valores e principalmente mobilizar
todos esses itens para resolver as demandas da sua vida cotidiana.

É muito importante que o professor da Educação Infantil esteja bem


familiarizado com os conceitos de competência, porque esse conheci-
mento fará toda a diferença na execução de seu trabalho.

Na BNCC, competência é definida como “a mobilização de conhecimentos


(conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioe-
mocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida
cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (BRASIL,
2018, p. 8).

Educar por competências é diferente de educar por conteúdo.


­Observe que neste caso estamos tratando de uma junção de conteú-
dos, habilidades práticas, atitudes e valores, itens que devem com-
por os currículos pedagógicos.

56 Teoria e prática na Educação Infantil


O fato de estarmos tratando de crianças de 0 a 5 anos não impede
que o trabalho seja realizado mobilizando as habilidades dos alunos
rumo às competências que eles vão adquirir nesse tempo. Aliás, muito
pelo contrário, o trabalho integrado da Educação Infantil faz com que
a mobilização das competências e o desenvolvimento das habilidades
sejam muito mais facilitados na resposta dos alunos.

A BNCC determina que a prática pedagógica na Educação Infantil


seja realizada com base em dois eixos estruturantes: interação e brin-
cadeira. Observe que é possível unir esses dois eixos nas seguintes in-
terações (CURITIBA, 2020):
• Interação com a professora: em que a criança pode aprender ou-
vindo, imitando, estabelecendo uma parceria de afeto e cumplicidade.
• Interação com as crianças: em que a criança pode aprender
vivenciando, considerando pontos de vista diferentes dos seus,
aprendendo a dividir e a respeitar.
• Interação com os brinquedos e materiais: em que a criança desen-
volve sua imaginação e é desafiada a conhecer e explorar conceitos.
• Interação entre criança e ambiente: em que a criança é desa-
fiada a testar seus limites e suas possibilidades.
• Interações (relações) entre a instituição, a família e a criança:
o necessário reconhecimento de que a família da criança precisa
Leitura
ter a melhor parceria com o ambiente escolar.
O material Eixos das
As crianças aprenderão desempenhando papéis ativos, com am- práticas pedagógicas:
interações e brincadei-
bientes que convidem à vivência de desafios, com provocações que as
ras é muito completo
instiguem a resoluções e construções de significados (BRASIL, 2018). sobre possibilidades de
interação dos bebês e
A ideia é que por meio das interações e brincadeiras as crianças cons-
das crianças no ambiente
truam significados sobre si mesma, sobre os outros e sobre o mundo escolar, e foi escrito
considerando critérios de
social e natural.
alinhamento à BNCC. Por
isso, sua leitura é reco-
Perceba duas responsabilidades imediatas da equipe pedagógica e
mendada pelas sugestões
principalmente do professor na efetivação dessas ideias: a definição de vivências e atividades
para todas as idades que
de ambientes que convidem à reflexão e a proposta de atividades que
ele contempla.
convidem ao desafio.
Disponível em: https://
movimentopelabase.org.br/
wp-content/uploads/2021/10/
Todas as aprendizagens da Educação Infantil decorrerão de vivências e ex- movimento-pela-base-noctua-
periências que serão propostas por meio dos eixos estruturantes: interação curadoria-de-materiais-de-
e brincadeira. educacxxaxxo-infantil-volume-2-2021-
10-v03.pdf. Acesso em: 16 mar. 2023.

A Educação Infantil segundo a BNCC 57


Na Educação Infantil, seis direitos de aprendizagem são garantidos
às crianças (BRASIL, 2018):

FoxyImage/Shutterstock

Conviver: com outras crianças e adultos, diversificando


linguagens, ampliando conhecimento e respeito às
culturas.
Brincar: para ampliar seu conhecimento, sua forma
de expressão, sua emoção, imaginação e experiências,
ampliando sua cultura.
Participar: tanto das atividades propostas quanto da
proposição delas.
Leitura
Explorar: todas as possibilidades nas artes, escrita,
Parlendas – ou seja,
ciência e tecnologia.
pequenos versos rimados
– são uma boa alterna- Expressar-se: com diferentes linguagens, com suas
tiva para o trabalho de
oralidade na Educação
dúvidas, angústias, descobertas, opiniões, sendo
Infantil. Tenho a certeza respeitado como pessoa.
de que você conhece esta
parlenda e a consegue Conhecer-se: construir uma imagem positiva de si
completar: Batatinha mesma e de seu grupo, construindo sua identidade.
quando nasce ...
As parlendas envolvem
cultura, diversão, partici-
pação, dramatização, ora- Os seis direitos de aprendizagem das crianças, garantidos pela
lidade e diferentes formas BNCC, pressupõem uma concepção de criança que participa ativa-
de expressão. Para você
conhecer algumas das mente da sua aprendizagem e um modelo educacional que respeita
parlendas mais repetidas essa premissa. É importante ressaltar que da participação ativa das
em nosso país, acesse a
coletânea de parlendas crianças é que se realizará sua aprendizagem. Esse entendimento,
organizadas pelo MEC e portanto, traz a necessidade de que a intencionalidade educativa dos
veja se você completou a
parlenda corretamente. primeiros anos de escolaridade será determinante para o desenvolvi-
Disponível em: http://alfabetizacao. mento das crianças.
mec.gov.br/images/conta-pra-
mim/livros/versao_digital/ Para que os direitos de aprendizagem sejam efetivados, é impor-
parlendas_versao_digital.pdf. tante que os profissionais da escola proponham atividades em que
Acesso em: 16 mar. 2023.
(UNDIME, 2021):

58 Teoria e prática na Educação Infantil


• as crianças escolham com quem brincar, construam a brincadeira
pela sua imaginação e objetos disponíveis;
• nas brincadeiras as crianças tenham material disponível para
ações de exploração e ampliação de cultura; Livro
• as crianças possam expressar suas necessidades, emoções, sen- O livro Os fazeres na Educa-
ção Infantil, organizado por
timentos, dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões e questiona-
­Rosseti-Ferreira, oferece
mentos por meio de diferentes linguagens; uma ótima oportunidade
para conhecer mais a
• haja convivência entre crianças e adultos, em grupos de diferen- experiência cotidiana de
tes tamanhos; educar crianças com com-
petências e necessidades
• as crianças tenham garantidos momentos de participação ativa diferentes. Partiu de um
com posicionamento e decisão; grupo de profissionais que
faziam parte de uma cre-
• as crianças possam construir uma imagem positiva de si e do seu che no Estado de São Pau-
lo. Cada capítulo do livro é
grupo de pertencimento.
escrito por um profissional
diferente e contém muitos
Cada proposta descrita, embora possa parecer simples, vai aos pou-
pontos de vista interes-
cos sinalizando para as crianças que as interações dela e as brincadei- santes, além de relatos de
práticas docentes.
ras realizadas serão respeitadas por seu professor. Para o professor,
as mudanças mostrarão que é possível educar e ajudar crianças no seu ROSSETI-FERREIRA, M. C. (org.). 6.
ed. São Paulo: Cortez, 2003.
desenvolvimento dentro de outra perspectiva metodológica.

3.2 Campos de experiência e seus objetivos


Vídeo
A Educação Infantil, a partir da BNCC, está estruturada de maneira dife-
renciada. Não são mais nomeadas as disciplinas ou áreas de conhecimen-
to, mas sim os campos de experiência. Essa terminologia já indica que é
preciso que a criança da Educação Infantil tenha um cotidiano recheado
de vivências, com muitas experiências. Tudo de acordo com a nova con-
cepção que entende a criança como ser ativo, curioso, que aprende intera-
gindo e brincando, como proposto pelos eixos centrais da BNCC.

No entanto, o que exatamente são os campos de experiências? A


BNCC (BRASIL, 2018, p. 40) responde ao questionamento: “constituem
um arranjo curricular que acolhe as situações e as experiências concre-
tas da vida cotidiana das crianças e seus saberes, entrelaçando-os aos
conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural”.

São uma nova forma de elaborar o currículo da Educação Infantil,


de maneira que a premissa de aprendizagem seja a de que a criança

A Educação Infantil segundo a BNCC 59


precisa vivenciar diversas experiências para de fato aprender e se de-
senvolver na faixa etária de 0 a 5 anos.

De agora em diante, para estarem adequados à BNCC, os planeja-


mentos da Educação Infantil deverão ser organizados em cinco cam-
pos de experiência:

Olga1818/Shutterstock
1 2 3
O eu, o outro e o nós Corpo, gestos e movimentos Traços, sons, cores e formas

4 5
Escuta, fala, pensamento e Espaço, tempo, quantidades,
imaginação relações e transformações

O Quadro 1 ajuda-nos a compreender a concepção de cada campo


do conhecimento, bem como atividades que podem ser feitas para tra-
balhar com ele nas escolas de Educação Infantil.
Quadro 1
Campos, suas caracterizações e sugestões de atividades

Campo de experiência Caracterização Sugestão de atividade


O fundamento deste campo de expe- Criar oportunidades para que as crianças en-
riência é a interação social. E
­ ntende-se trem em contato com outros grupos sociais e
que em contato com os outros a crian- culturais. Convidar representantes de etnias di-
O eu, o outro e o nós ça ampliará o modo de perceber os ferentes (muito melhor se forem parentes das
demais e a si mesma, valorizando a sua crianças), imigrantes, diferentes profissionais e
identidade, de respeitar os outros e de grupos sociais para em conversas com as crian-
reconhecer as diferenças. ças explicarem como vivem.

(Continua)

60 Teoria e prática na Educação Infantil


Campo de experiência Caracterização Sugestão de atividade
As diferentes linguagens ajudam muito nessa
O corpo é o elemento que a criança comunicação e expressão de corpo, emoção e
usa para conhecer seu mundo, seu linguagem, por isso a ideia é promover opor-
espaço e objetos de seu entorno. tunidades de comunicação e expressão em
Corpo, gestos e movimentos
É nessa interação corporal que as diferentes linguagens, como música, dança, faz
crianças vão conhecendo suas po- de conta, para que as crianças ampliem seus
tencialidades e seus limites. repertórios de movimento, gesto, olhar, som e
mímica com o corpo.
Implica destinar às crianças experiên-
Promover a participação das crianças em mo-
cias e vivências artísticas no cotidiano
mentos de manifestação artística, como pintura,
Traços, sons, cores e formas escolar, para que possam desenvolver
modelagem, colagem, fotografia etc., bem como
sua sensibilidade conhecendo e anali-
músicas, teatros, danças e cultura audiovisual.
sando diferentes expressões artísticas.

Trata-se de criar situações com a Promover experiências em que as crianças pos-


maior quantidade de situações de sam falar e ouvir, especialmente nas histórias in-
Escuta, fala, pensamento e comunicação possível, seja em con- fantis (ouvindo, recontando e inventando), bem
imaginação versas, seja em materiais que possi- como uma imersão na cultura escrita desenvol-
bilitem ampliar e enriquecer o voca- vendo o gosto pela leitura, o estímulo à imagina-
bulário das crianças. ção e a ampliação do conhecimento de mundo.

Abrange espaços e tempos de dife-


rentes dimensões, fenômenos natu- Práticas de observação, manipulação, investi-
Espaço, tempo, quantidades, rais e socioculturais, como: dia, noite, gação e exploração de objetos. Atividades que
relações e transformações Sol, chuva, relações de parentesco, permitam consultar fontes de informação para
de moradia (bairro, casa, cidade), e buscar respostas, e atividades de pesquisa.
conhecimentos matemáticos.

Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 2018.

Os campos de experiências requererão do professor novas aborda- Leitura


gens metodológicas (sempre embasadas nos eixos brincadeiras e in- É preciso destacar que
terações), uma prática pedagógica diferenciada, que considere formar o Quadro 1 apresenta
sugestões de atividades
uma rede de conexões, pois os campos de aprendizagem são interliga- que contemplem as espe-
dos, podemos até afirmar que dependem uns dos outros, pois não há cificidades de cada campo
de experiência. Para mais
como trabalhar com eles isoladamente. sugestões de trabalho com
os campos de experiência
Uma ideia principal que todo professor de Educação Infantil precisa na BNCC, acesse a página
ter é a percepção de que os alunos da Educação Infantil apresentam da Nova Escola.

muitas diferenças ao longo da faixa etária de 0 a 5 anos. Então, é preci- Disponível em: https://novaescola.
org.br/conteudo/16990/
so adequar as propostas pedagógicas dentro dos campos de experiên-
educacao-infantil-6-planos-de-
cia com base nessa realidade. Na BNCC, a Educação Infantil apresenta atividade-para-trabalhar-os-
campos-de-experiencia. Acesso em:
uma divisão por idades, que aproxima as crianças por faixa de desen-
16 mar. 2023.
volvimento. Essa divisão foi realizada para que as especificidades das

A Educação Infantil segundo a BNCC 61


crianças fossem abordadas com mais propriedade e consequentemen-
te melhor desenvolvimento e aprendizado dos pequenos.

MaksimVector/Shutterstock

Crianças bem pequenas Crianças pequenas


Bebês (de 4 anos a 5 anos
(de 1 ano e 7 meses a
(de 0 a 1 ano e 6 meses) e 11 meses)
3 anos e 11 meses)

Observe que, no entanto, pode haver crianças cujo desenvolvimen-


to ultrapasse este ou aquele grupo, por isso convencionou-se dizer que
os grupos são uma referência não rígida para as escolhas metodológi-
cas e as propostas educativas.

A BNCC determina quais são os objetivos de aprendizagem a serem


cumpridos em cada idade e campo de experiência. Em cada um dos
campos de experiência os objetivos de aprendizagem são definidos, já
o desenvolvimento é distribuído entre três grupos por faixa etária.

Para identificarmos os objetivos, foi criado um código alfanumérico


cuja composição é composta dos seguintes itens (BRASIL, 2018):

E I02TS01
O primeiro par de letras indica O último par de números
a etapa de Educação Infantil. indica a posição da habilidade
na numeração sequencial do
campo de experiências para
cada grupo/faixa etária.
O primeiro par de números
indica o grupo por faixa etária:
01 = Bebês (zero a 1 ano e 6 meses) O segundo par de letras indica o campo de experiências:
02 = Crianças bem pequenas EO = O eu, o outro e o nós
(1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses)
CG = Corpo, gestos e movimentos
03 = Crianças pequenas
(4 anos a 5 anos e 11 meses) TS = Traços, sons, cores e formas
EF = Escuta, fala, pensamento e imaginação
ET = Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações

62 Teoria e prática na Educação Infantil


Observamos, no entanto, que a numeração dos objetivos não é por
ordem de importância; caberá à escola determinar qual objetivo será
atingido em qual período na escola.

Então, conheçamos um objetivo de cada campo de experiência nas


três idades, para o professor perceber como se dá a graduação daquilo
que a criança consegue fazer em cada idade.
Quadro 2
Objetivos de aprendizagem e desenvolvimento por campo de experiência da Educação Infantil

O eu, o outro e o nós


Bebês Crianças bem pequenas Crianças pequenas
(Zero a 1 ano e 6 meses) (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) (4 anos a 5 anos e 11 meses)

(EI03EO01)

(EI01EO01) (EI02EO01) Demonstrar empatia pelos


outros, percebendo que as
Perceber que suas ações têm efeitos nas Demonstrar atitudes de cuidado e solidarie-
pessoas têm diferentes sen-
outras crianças e nos adultos. dade na interação com crianças e adultos.
timentos, necessidades e ma-
neiras de pensar e agir.

Corpo, gestos e movimentos


Bebês Crianças bem pequenas Crianças pequenas
(Zero a 1 ano e 6 meses) (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) (4 anos a 5 anos e 11 meses)

(EI03CG01)

(EI01CG01) (EI02CG01) Criar com o corpo formas


diversificadas de expressão
Movimentar as partes do corpo para ex- Apropriar-se de gestos e movimentos de
de sentimentos, sensações e
primir corporalmente emoções, necessi- sua cultura no cuidado de si e nos jogos
emoções, tanto nas situações
dades e desejos. e brincadeiras.
do cotidiano quanto em brin-
cadeiras, dança, teatro, música.

Traços, sons, cores e formas


Bebês Crianças bem pequenas Crianças pequenas
(Zero a 1 ano e 6 meses) (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) (4 anos a 5 anos e 11 meses)

(EI03TS01)
(EI02TS01) Utilizar sons produzidos por
(EI01TS01)
Criar sons com materiais, objetos e ins- materiais, objetos e instrumen-
Explorar sons produzidos com o próprio
trumentos musicais, para acompanhar tos musicais durante brinca-
corpo e com objetos do ambiente.
diversos ritmos de música. deiras de faz de conta, encena-
ções, criações musicais, festas.

(Continua)

A Educação Infantil segundo a BNCC 63


Escuta, fala, pensamento e imaginação
Bebês Crianças bem pequenas Crianças pequenas
(Zero a 1 ano e 6 meses) (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) (4 anos a 5 anos e 11 meses)

(EI03EF01)
(EI02EF01) Utilizar sons produzidos por
(EI01EF01)
Criar sons com materiais, objetos e ins- materiais, objetos e instrumen-
Explorar sons produzidos com o próprio
trumentos musicais, para acompanhar tos musicais durante brinca-
corpo e com objetos do ambiente.
diversos ritmos de música. deiras de faz de conta, encena-
ções, criações musicais, festas.

Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações


Bebês Crianças bem pequenas Crianças pequenas
(Zero a 1 ano e 6 meses) (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) (4 anos a 5 anos e 11 meses)

(EI02ET01)
(EI01ET01) (EI03ET01)
Explorar e descrever semelhanças e di-
Explorar e descobrir as propriedades Estabelecer relações de com-
ferenças entre as características e pro-
de objetos e materiais (odor, cor, sabor, paração entre objetos, obser-
priedades dos objetos (textura, massa,
temperatura). vando suas propriedades.
tamanho).

Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 2018.

Como podemos ver, a BNCC ajuda muito o professor na definição


de objetivos a serem alcançados com as crianças das diferentes idades
da Educação Infantil em cada um dos campos de experiência propos-
tos. Caberá a cada escola organizar sua metodologia com interações e
brincadeiras que possam fazer a criança alcançar paulatinamente as
vitórias do seu desenvolvimento e aprendizagem.

3.3 Avaliação e transição para


Vídeo Ensino Fundamental
Em qualquer nível da educação brasileira, a avaliação é sempre dis-
cutida e profissionais buscam diariamente a melhor forma de realizá-
-la. Um primeiro ponto da reflexão é necessário: a avaliação não é o
ponto final do caminho educacional. A avaliação é parte do processo
educativo e deve caminhar com o aluno, contemplando aspectos do
seu desenvolvimento e dos parâmetros que a escola escolheu para
análise do desempenho infantil.

64 Teoria e prática na Educação Infantil


Se a educação atual requer mudanças metodológicas e uma boa
dose de criatividade por parte do professor, não será diferente com a
avaliação. De fato, a avaliação da Educação Infantil requer um caráter
educativo e não determinativo, uma vez que a avaliação na Educação
Infantil não tem o caráter de aprovação e retenção da criança.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil ­(BRASIL,


2010) apontam as bases para a avaliação na Educação Infantil:

As instituições de Educação Infantil devem criar procedimentos para


acompanhamento do trabalho pedagógico e para avaliação do desen-
volvimento das crianças, sem objetivo de seleção, promoção ou clas-
sificação, garantindo:
• a observação crítica e criativa das atividades, das brincadeiras e
interações das crianças no cotidiano;

• utilização de múltiplos registros realizados por adultos e crianças


(relatórios, fotografias, desenhos, álbuns etc.);

• a continuidade dos processos de aprendizagens por meio da


criação de estratégias adequadas aos diferentes momentos de
transição vividos pela criança (transição casa/instituição de Edu-
cação Infantil, transições no interior da instituição, transição cre-
che/pré-escola e transição pré-escola/Ensino Fundamental);

• documentação específica que permita às famílias conhecer o


trabalho da instituição junto às crianças e os processos de de-
senvolvimento e aprendizagem da criança na Educação Infantil;

• a não retenção das crianças na Educação Infantil.


Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/diretrizescurriculares_2012.
pdf. Acesso em: 16 mar. 2023.

Um dos pontos mais destacados dentro dessa ideia é a observação


por parte do professor. A escola de Educação Infantil proporciona mo-
mentos para as mais variadas observações por parte dos docentes.

O professor transforma-se naquele adulto que ora é espectador, ora


desafia seu grupo com perguntas e posicionamentos que fazem pensar.
E a resposta que essas crianças darão, por meio de brincadeiras, olhares,
dúvidas e demais ações, comunicarão muito o seu desempenho.

A Educação Infantil segundo a BNCC 65


NotionPic/Shutterstock

Em uma contação de histórias, a professora pode perceber como


as crianças se manifestam, como interagem com a história, com os co-
legas, com a professora. Essa simples prática tem muito a comunicar
sobre as crianças e suas interações.

Para Rovira e Peix (2004), o professor precisa educar seu olhar para a
observação que vai se dar, inclusive em aspectos que ultrapassam a
sala de aula, nos seguintes âmbitos:
• Familiar: na relação que a criança e seus familiares estabelecem.

• Comunitário: relações que as crianças estabelecem com os adul-


tos em geral do seu convívio.

• Ambiental: como ela se relaciona com a exploração e manipulação


dos objetos que tem a seu dispor, como interage com o ambiente,
como constrói seu conhecimento face ao que tem disponível.

• Escolar e organizacional: tanto na adaptação da criança no ambien-


te escolar como na forma com que ela lida com as questões organi-
zacionais de funcionamento do ambiente escolar (horários, rotinas)
quanto do ambiente externo (cuidados, apropriação, participação).

Observemos, entretanto, que não basta que o professor, ao ob-


servar as crianças, tenha somente suas impressões ou apreciações da
situação. É preciso recorrer a alguns instrumentos avaliativos que po-
dem ajudar e potencializar o alcance das observações ao destacarem o
que pode ter sido sublimado. As observações podem ser dirigidas a um
grupo específico, ou a uma criança específica, ou ao funcionamento da
sala toda (ROVIRA; PEIX, 2004).

É preciso que o professor trace estratégias de registro do que


­observa, que pode ser escrito ou fotografado, por exemplo (desde que

66 Teoria e prática na Educação Infantil


a criança não entenda que está sendo avaliada, obviamente). No en- Atenção
tanto, uma filmagem de uma brincadeira pode sinalizar ao professor Professor, sempre fique
atento para as questões
atitudes das crianças que passaram despercebidas. de direito de imagem
das crianças e acorde

Pensando na prática com seus superiores o


uso de vídeos em sala
de aula, para que os pais
sejam avisados e que
permitam. Obviamente
VINSA Professional Art/Shutterstock

não há a necessidade de
um vídeo ser unicamente
usado como avaliação das
crianças, o que estamos
afirmando é que é possí-
vel por meio de um vídeo
gravado (por exemplo, de
uma brincadeira) o pro-
fessor ter elementos para
melhorar sua observação
acerca das crianças.

Em uma atividade, a professora tirou fotos das crianças da sala. Analise as


fotos e verifique que impressões elas lhe passam. Como você descreveria as
crianças por meio dessas fotos?
Reflitamos: claro que todos nós temos alguma impressão imediata sobre algu-
ma coisa, não é? No entanto, certamente como profissionais sabemos que não
basta uma imagem para que possamos construir o que alguém realmente é.
Por isso, não nos esqueçamos: para avaliar é preciso variar o meio de
­observação (foto, filme, retrato, produções das crianças). Quanto mais
acompanharmos o desenvolvimento das crianças, mais chances teremos
de uma avaliação mais precisa.

E o que fazer com os apontamentos e registros das crianças? Cons-


truir portfólios e relatórios e evidenciar a progressão ocorrida durante
o período observado, sem intenção de seleção, promoção ou classi-
ficação de crianças “aptas” e “não aptas”, “prontas” ou “não prontas”,
“maduras” ou “imaturas” (BRASIL, 2018, p. 37).

Avaliar crianças da Educação Infantil requer profissionais que com-


preendam a abrangência do seu trabalho educativo. Com isso, relató-
rios, pareceres descritivos e portfólios são os documentos de registro
mais utilizados em salas de Educação Infantil. No entanto, o professor
tem que ficar atento porque não deve comunicar aos pais as apren-
dizagens (ou não aprendizagens) como comumente se faz no Ensino
Fundamental.

A Educação Infantil segundo a BNCC 67


Leitura A ideia na Educação Infantil é que, com base na observação e nos re-
Portfólios, relatórios e gistros, seja produzido um relatório qualitativo que demonstre os avan-
pareceres descritivos não
podem ser instrumentos ços de cada criança com relação aos seus direitos de aprendizagem e
realizados apenas para desenvolvimento (ISAIA, 2021).
acompanhamento por
parte dos pais dos alunos. É claro que é possível evidenciarmos certa progressão durante o
Na verdade, eles devem
servir igualmente para que
período observado, mas a ideia de optar por um parecer descritivo (ou
o professor acompanhe relatório, ou portfólio) é que o professor tenha tempo após a realização
o desenvolvimento das
crianças dentro dos
do ­documento de reorganizar os espaços e as vivências para garantir
direitos de aprendizagem os direitos de aprendizagem das crianças.
garantidos a elas. No texto
disponível no link a seguir Outro ponto que precisa de total atenção do professor e dos demais
você encontrará reflexões
e elementos que devem
profissionais da escola é a transição da Educação Infantil para o Ensino
permear a elaboração de Fundamental. É preciso garantir que as crianças da Educação Infantil
um documento avaliativo
da Educação Infantil.
encontrarão na etapa sequencial da Educação Básica equilíbrio e conti-
nuidade nos processos educativos (BRASIL, 2018).
Disponível em: https://novaescola.
org.br/conteudo/20768/
Então, frases que eram comuns em décadas anteriores, como “Ago-
especial-como-planejar-o-
fechamento-do-ano-portfolios- ra vocês não são mais criancinhas” ou “ Agora vocês estão na escola de
relatorios-educacao-infantil. Acesso
verdade”, além de não ajudarem as crianças na transição e no conhe-
em: 16 mar. 2023.
cimento da Escola Nova, demostram que os profissionais em questão
não compreenderam a importância da Educação Infantil em não ser
uma escola prévia.

É essa concepção que precisa mudar dentro da realidade brasileira.


A Educação Infantil é uma etapa importante, assim como a escola do
Ensino Fundamental também é. Apesar de serem diferentes porque os
públicos (idade, interesse) são diferentes, elas são escolas igualmente.

Os documentos de registro realizados pelos profissionais da Educa-


ção Infantil ajudarão muito os novos profissionais que trabalharão com
as crianças, para que possam compreender formas de aprendizagem,
maneiras de ser das crianças que receberão.

Também são produtivas reuniões entre os profissionais da Educa-


ção Infantil e do Ensino Fundamental. Desse modo, tudo que possa ser
feito para que a criança tenha uma passagem de nível segura e con-
fiante e encontre no Ensino Fundamental um ambiente acolhedor, res-
peitador e desafiador deve ser efetivado. Tudo isso para que a criança
aprenda mais e melhor e continue seu desenvolvimento em plenitude.

68 Teoria e prática na Educação Infantil


CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Educação Infantil é reconhecida como primeira etapa da Educação
Básica e, portanto, precisa ter seu currículo estabelecido em consonância
com a BNCC. Esse documento destaca que as crianças devem ter a garantia
de que sejam respeitados os seus direitos de aprendizagem, que devem
ser abordados em práticas que envolvam os eixos interação e brincadeira.
A BNCC propõe que, para garantir a efetivação dos direitos de apren-
dizagem, é preciso que os trabalhos pedagógicos sejam estruturados
com base nos objetivos que compõem os campos de experiência, dividi-
dos por faixas etárias.
Como a Educação Infantil não tem por caráter a retenção ou aprova-
ção da criança, é preciso considerar que a avaliação dessa etapa se dará
por meio de documentos que relatem o desenvolvimento das crianças
com base em seus direitos de aprendizagem, de modo que esses docu-
mentos possam orientar e auxiliar os novos profissionais da educação no
conhecimento das crianças que receberão no Ensino Fundamental.

ATIVIDADES
Atividade 1
Qual é a importância de a escola de Educação Infantil ter um currí-
culo pedagógico elaborado com base na BNCC?

Atividade 2
Qual é a justificativa de o trabalho da Educação Infantil ser propos-
to em divisão de três faixas etárias de acordo com a BNCC?

Atividade 3
Está correto dizer que a avaliação da Educação Infantil tem o cará-
ter de retenção de uma criança que não tenha um bom desempe-
nho na avaliação, impedindo-a de cursar o Ensino Fundamental?
Justifique sua resposta.

A Educação Infantil segundo a BNCC 69


REFERÊNCIAS
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018.
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília, DF: MEC, 2010.
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
Brasília, DF, 23 dez. 1996.
BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília, DF: MEC, 1998.
v. 1, 2 e 3.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília, DF: MEC, 1997.
CURITIBA. Secretária Municipal de Educação de Curitiba. Currículo da Educação Infantil:
diálogos com a BNCC. Curitiba: SME, 2020.
ISAIA, T. P. Duas dicas essenciais para elaborar pareceres descritivos na Educação Infantil.
Impare Educação, jun. 2021. Disponível em: https://www.impare.com.br/post/duas-dicas-
essenciais-para-elaborar-pareceres-descritivos-na-educa%C3%A7%C3%A3o-infantil.
Acesso em: 16 mar. 2023.
OLIVEIRA, Z. M. R. Campos de experiência: efetivando direitos e aprendizagens na Educação
Infantil. Brasília, DF: MEC, 2018.
ROVIRA, M. C.; PEIX, O. D. A observação e a avaliação na escola Infantil. In: ARRIBAS, T. L.
et al. Educação Infantil: desenvolvimento, currículo e organização escolar. Trad. de Fátima
Murad. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.
UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação. Direitos de aprendizagem
e desenvolvimento: brincar, explorar, expressar, conviver, participar, conhecer-se.
[s.l.]: Undime, 2021. Disponível em: https://movimentopelabase.org.br/wp-content/
uploads/2021/10/materiaiseducacaoinfantil-tema3-direitosdeaprendizagem-vf.pdf.
Acesso em: 16 mar. 2023.

70 Teoria e prática na Educação Infantil


4
Organização do trabalho
pedagógico na Educação Infantil
As crianças espalham os brinquedos pelo espaço todo. Conversam,
sorriem, fingem que falam ao telefone, encaixam peças, separam materiais
por cores e tamanhos, agradam bonecas chamando-as de filhinhas, ves-
tem fantasias, conversam, dançam, contam histórias, viram super-heróis.
Essas ações fazem parte de todas as escolas de Educação Infantil. É uma
realidade bem conhecida. Porém, não é uma realidade aleatória. Ela foi
pensada e planejada pelo professor para que pudesse servir como estraté-
gia pedagógica para o desenvolvimento e a aprendizagem dos pequenos.
Neste capítulo trataremos do planejamento, da intencionalidade edu-
cativa e da importância do planejamento para oferecer experiências de
qualidade a bebês e crianças da Educação Infantil. Também abordaremos
os ambientes da Educação Infantil, considerando sua importância para
a educação dessa faixa etária. Por fim, apresentaremos os brinquedos e
demais materiais que podem ajudar e encantar os pequenos estudantes,
bem como a divisão do tempo entre as atividades.
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• reconhecer a importância do planejamento das experiências das
crianças como fundamental para seu desenvolvimento;

• reconhecer a importância da organização do ambiente da Educa-


ção Infantil, de modo que ele seja agente do desenvolvimento e da
aprendizagem das crianças;

• reconhecer a importância dos materiais que fundamentam as ex-


periências oferecidas às crianças, bem como da organização do
tempo, para que possam funcionar como elemento do desenvolvi-
mento e da aprendizagem delas.

Organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil 71


4.1 Planejamento na Educação Infantil
Vídeo
Em determinado momento da história do conhecido livro Alice no
País das Maravilhas, escrito por Lewis Carroll em 1865, a personagem
principal encontra-se em uma encruzilhada não sabendo por qual ca-
minho deve seguir. Um gato aparece em cima de uma árvore e a perso-
nagem lhe faz a seguinte pergunta (CARROLL, 2019, p. 61-62):

— Você poderia me dizer, por favor, para qual lado


devo seguir?
— Isso depende bastante de aonde você quer chegar
— respondeu o Gato.
— O lugar não me importa… — disse ela.
— Então também não importa para qual lado você vai
— afirmou o Gato.

Essa passagem tornou-se conhecida em todo o mundo, como uma


metáfora da vida que indica que é preciso ter definido um ponto de
chegada, um objetivo, uma referência, para que seja possível escolher
qual caminho levará até ele. Sem saber aonde queremos chegar, não
há como escolhermos o caminho.

Ao colocarmos o ponto de vista da Educação Infantil nessa ideia,


nos deparamos com a seguinte pergunta: onde queremos chegar com
a educação das crianças de 0 a 5 anos em nosso país? Sem dúvida essa
resposta existe e está fundamentada em:
garantir à criança acesso a processos de apropriação, renovação
e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes
linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberda-
de, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convi-
vência e à interação com outras crianças. (BRASIL, 2010, p. 21)

72 Teoria e prática na Educação Infantil


Diferentemente de Alice, a protagonista do livro, sabemos aonde
queremos chegar. O final, portanto, está estabelecido. Resta somente
escolhermos o caminho.

Nesse contexto, o caminho são as opções metodológicas, as práti-


cas, as atividades didáticas que vamos propor aos nossos alunos para
que possamos chegar ao objetivo final. Essa escolha, no entanto, não é
aleatória, ela deve ser pensada, refletida, estudada e planejada. O ca-
minho, portanto, não está feito, ele precisa ser construído e planejado
no ambiente escolar – chamamos isso de planejamento educacional.

Há diferentes níveis de planejamento e não é nosso objetivo aqui


discorrermos sobre cada um deles, mas lembrarmos de que para que
tenhamos uma educação de qualidade precisamos pensar sobre ela,
refletir sobre nossas escolhas, compreender por que optamos por essa
ou aquela proposta pedagógica.

Com apenas uma parte da citação anterior temos muito a pensar,


vejamos novamente: “garantir à criança acesso a processos de apro-
priação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens
de diferentes linguagens” (BRASIL, 2010, p. 21). Com isso, estamos afir-
mando que no final do caminho educacional de cada ano letivo preci-
samos ter garantido que a criança tenha acesso a conhecimentos que
serão apresentados de maneira articulada, ou seja, contextualizada
com o mundo infantil, com seus interesses e em interligação entre as
diferentes áreas do conhecimento.

Observemos ainda a expressão diferentes linguagens e vejamos o


quanto é relevante que a Educação Infantil disponha de opções me-
todológicas diferenciadas para seu processo de ­ensino-aprendizagem
– ou seja, de teatro, música, vivências, modelagem, leitura de imagens,
contexto variado de letramento, matemática, entre outros.

Tudo isso remete ao que se espera de toda educação: que nossos


alunos tenham uma aprendizagem significativa. Nessa expressão, a pala-
vra significativa não se refere ao professor remetendo à quantidade (con-
siderando que ele possa dizer: “mais da metade da minha sala de aula
aprendeu isso”, é muito significativo), mas significativa para o aluno.

Talvez possa surgir uma dúvida: mas então temos que trabalhar
apenas com o que as crianças gostam? E a resposta para isso é sim-
ples: Não! Precisamos trabalhar a partir do que elas gostam.

Organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil 73


Para refletir
Observe a imagem a seguir. Olhando para ela, você imagina que é o recreio da escola
ou a própria aula? Se você pensou no recreio, abra sua mente! A Educação Infantil por
meio dos jogos, das brincadeiras e da interação proporciona muitas aprendizagens
às crianças. Lembre-se de que elas aprendem brincando e que o brincar deve fazer
parte do dia a dia. Agora olhe para a imagem com olhos de aprendizagem e responda:
o que cada criança pode aprender com o objeto que tem em mãos?

Lyudmyla Kharlamova/Shutterstock
É nesse contexto que destacamos a importância do planejamento
da prática da Educação Infantil. É fundamental que fique evidente que
o planejamento é imprescindível em todos os níveis de ensino, ape-
nas vamos destacar aqui a Educação Infantil por ser nosso objeto de
estudo.

Para Libâneo (1994, p. 221): “O planejamento escolar é uma tarefa


docente que inclui tanto a previsão das atividades didáticas em termos
da sua organização e coordenação em face dos objetivos propostos,
quanto a sua revisão e adequação no decorrer do processo de ensino”.

Destacamos nessa definição duas palavras muito importantes quan-


do um professor vai planejar: previsão e revisão, pois elas traduzem
muito da realidade de um planejamento atualmente.

ONYXprj/Shutterstock
A previsão é o momento da escolha, das propostas, de elencar estra-
tégias, objetivos, tempo a ser destinado a este ou outro ensinamento.
Mas é importante considerarmos que um planejamento precisa ter fle-
xibilidade e permitir uma revisão de ideias, de estratégias, de métodos.
Sem planejamento nada dá certo, mas sem considerarmos que o planeja-
mento precisa ser revisto também não teremos sucesso, pois incorreremos
naquele erro de fazer tudo sempre do mesmo jeito, sem nos lembrarmos de
que é possível mudar a forma para termos outros resultados.

Assim, alguns planejamentos de anos anteriores (ou até de meses an-


teriores) servirão por um tempo, mas não para sempre. L
­ embremo-nos
de que há sempre um jeito novo de fazer alguma coisa! Especialmente
na escola em que cada turma tem suas características próprias, esta-

74 Teoria e prática na Educação Infantil


belecendo de certa forma quais procedimentos são melhores para as
crianças. Então, é preciso considerarmos que “o planejamento é um
meio para programar as ações docentes, mas é também um momento
de pesquisa e reflexão” (LIBÂNEO, 1994, p. 221).

Parte do caminho para o planejamento da Educação Infantil já está


disposto ao professor na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), mas
ele determina o que deve ser feito e não como fazê-lo. Portanto, as estra-
tégias serão de cada escola, de cada sistema de ensino e, sem dúvida, de
cada professor. E as estratégias escolhidas farão toda a diferença.

No entanto, lembremo-nos de que na Educação Infantil os eixos


estruturantes do trabalho pedagógico são brincadeira e interação.
Portanto, uma parte do que deve estar no planejamento da Educação
Infantil já está posto, mas há muito que o professor possa fazer quanto
à sua escolha de procedimentos. Vejamos um caso prático.

Pensando na prática
Em uma sala de aula com crianças de 4 anos, o professor entrega às crianças
cartões que serão dedicados às mães no Dia das Mães.
Para facilitar (porque na visão dele as crianças não sabem escrever e não dese-
nham muito bem), os cartões já vêm com um lado preenchido com desenhos de
flores para serem coloridos e outro lado com uma mensagem previamente escrita.
Caberá às crianças, sob a orientação do professor, pintar as flores que
estão no cartão e colar pedacinhos de papel ao redor do cartão. O professor
escreverá o nome de cada mãe e de cada criança e pronto. Esse é um exemplo
de atividade muitas vezes feita nas salas de aula de Educação Infantil.
No entanto, o que as crianças de fato fizeram e qual significado esse cartão
tem para elas? Nesse caso, as crianças somente colaram papel picado em
volta de um cartão e pintaram flores previamente desenhadas.
Pensemos nessa proposta sob o ponto de vista da adequação da atividade ao
contexto das crianças.
O professor precisa refletir sobre sua escolha metodológica. Veja as consi-
Olga1818/Shutterstock

derações nesse caso: há crianças que não têm mãe. Há crianças que têm duas
mães. Há crianças criadas com mães sociais, criadas por avós, criadas por pais
ou outras figuras masculinas. Diante disso, o cartão do Dia das Mães será abo-
lido? Não necessariamente. É nisso (e muito mais) que a escola precisa pensar.
A decisão é de cada instituição como um todo e de cada professor em parti-
cular. Porém, é inegável que a escola precisa adequar suas práticas aos con-
textos das crianças e acreditar que elas podem fazer mais que apenas seguir
as ordens de seus professores. Ou seja, elas também podem participar das
escolhas, opinando e decidindo.
(Continua)

Organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil 75


Então, se a escolha for realizar um cartão e homenagear por escrito às
mães, primeiro é preciso uma pesquisa prévia sobre a realidade das
crianças e suas mães (em caso de ausência, ver quais são as pessoas
que exercem a função social materna). Segundo é preciso compreender
que as crianças podem escrever seu nome e o nome da sua mãe nas
suas produções do jeito delas, com as letras ou pseudoletras escolhidas
por elas de acordo com a etapa da escrita em que estão, permitindo que
tentem concretizar a atividade – ideia desenvolvida por Emília Ferreiro
em que as crianças se expressem por escrito mesmo antes de aprender
as letras convencionais.
Emília Ferreiro revolucionou
Talvez as crianças tenham outra sugestão de desenho para ilustrar seu
conceitos da alfabetização
com a sua teoria. Para ela, cartão. Que tal deixar o cartão sem desenhos prévios para a ilustração
as crianças realizam práticas da própria criança? Que tal um cartão gigante? Deixe que escolham qual
de escrita desde quando imagem representa a sua figura materna (podem ser flores, uma moto,
conseguem segurar um uma panela, um vestido, um colar ou o que a criança quiser). Não julgue,
material para esse fim (lápis,
não escolha por ela. Permita que ela crie de formas diferentes, como na
giz, carvão).
ilustração em que diversos materiais são usados na confecção de uma
produção infantil.
Por fim, converse com os alunos sobre suas mães e sobre o que eles gos-
tariam de dizer a elas. Nesse caso, a criança é quem deve falar, por isso o
professor tem que conduzir a conversa sem exposições ou julgamentos.

Após essas reflexões é possível entender o cartão de Dia das Mães


sob outro ponto de vista? E fazê-lo fará sentido na sua sala de aula? É
possível fazer essa atividade? Sim, se você achar adequado na sua rea-
lidade. Perceba que não é a estratégia de fazer o cartão que pode ser
considerada errada. É a forma como a professora conduziu a atividade
que precisa ser revista conforme a concepção das crianças da socieda-
de de hoje.

Se acreditamos que as crianças devem ser desafiadas, que as ati-


vidades devem ter contexto e serem significativas para elas, é preciso
repensarmos as escolhas e torná-las assim. Com isso, reflitamos: se a
atividade do caso prático fosse realizada como o professor havia pen-
sado, que sentido você acha que as crianças encontrariam ao fazer um
cartão exatamente igual para todas as mães da sala? Estaríamos comu-
Colorfuel Studio/Shutterstock

nicando o que a elas?

Em geral, a resposta para essa pergunta seria que as crianças não sa-
bem escrever, que não conseguem pintar sem orientação, que as mães
são todas iguais e assim devem ser consideradas, que a criança fará o
que o professor mandar mesmo que não entenda o motivo disso.

76 Teoria e prática na Educação Infantil


Dessa forma, não estamos educando dentro da concepção de crian-
ça com autonomia, educada em diferentes linguagens, com aprendiza-
gem contextualizada. O que precisamos comunicar é: nós acreditamos
em você, tente fazer sozinha, admiro seu esforço, ouço você, com-
preendo suas angústias, orgulho-me das suas conquistas, respeito
suas escolhas.

É muito importante que o professor compreenda, portanto, que


as suas escolhas pedagógicas demonstram qual é a sua concepção
de educação. Por isso, precisamos estudar as concepções vigentes
e as que estiveram presentes no passado, para compreendermos
qual deve ser o embasamento teórico adotado na atualidade. Por-
que se não compreendermos que precisamos planejar atividades
que tenham sentido e desafiem as crianças, que verdadeiramente
possam fazer as crianças conhecerem a realidade em que vivem de
um jeito lúdico, não adiantará nada termos documentos escritos
para essa finalidade.

Evidentemente é necessário considerarmos que somente o fato de


termos um planejamento não assegura o sucesso (nem a realização) de
um projeto educativo. Assim, voltamos ao dilema da Alice do início do
capítulo: qual caminho devemos seguir para chegarmos a uma Educa-
ção Infantil de qualidade? Para aonde vamos daqui? E, principalmente,
como deve ser o caminho?

Na Educação Infantil já sabemos aonde queremos chegar e vamos


construir o melhor caminho com boas técnicas, metodologias que per-
mitam interação, brincadeiras que ensinem e, principalmente, intencio-
nalidade educativa. Portanto, planejar tudo isso é fundamental.

4.2 Organização do ambiente e do tempo


Vídeo
Como uma garantia de que as crianças tenham assegurados seus
direitos de aprendizagem (conviver, brincar, participar, explorar, ex-
pressar e conhecer-se), é necessária uma escola de Educação Infan-
til adequada, não só com profissionais atualizados, que estudaram,
que compreendem a função social da escola, mas também com um
planejamento dos ambientes em que os processos de cuidar e edu-
car acontecerão.

Organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil 77


Leitura As crianças de 0 a 5 anos vivem um tempo muito precioso do seu de-
No período que compõe a senvolvimento na escola (não só na questão dos anos que passarão lá, mas
Educação Infantil, as crian-
ças são muito aventureiras: também na questão do tempo diário, pois muitas delas ficam em tempo in-
elas interagem com seu tegral) e da interação delas com o ambiente também resultam suas apren-
meio, são curiosas, explo-
radoras e ávidas por novas dizagens. Isso não pode ser desconsiderado no planejamento escolar.
experiências. No entanto,
também são frágeis e sen-
São considerados o espaço físico e suas divisões, muito significa-
síveis, com pouca capacida- tivos para a educação de bebês e crianças, uma vez que muitas das
de para reconhecer riscos
e situações perigosas. Por
aprendizagens realizadas pelos pequenos ocorrem nesses espaços.
isso o professor precisa
conhecer alguns aspectos
Destacamos aqui o conceito de ambiente facilitador em que as
de segurança que vão aju- disposições de materiais, objetos e atividades sejam convidativas às
dá-lo na tarefa de educar,
algo que o manual da ONG
ações infantis. Não basta, portanto que a escola tenha móveis e mate-
Criança Segura, Cuidados riais didáticos adequados ou um espaço amplo e iluminado – embora
com o bebê, pode auxiliar.
esses itens sejam fundamentais, eles não são suficientes. É necessário
Disponível em: https://
que os ambientes convidem a criança à descoberta, ao desafio e, con-
criancasegura.org.br/wp-content/
uploads/2020/12/Ebook-Cuidados- sequentemente, às diferentes aprendizagens.
com-o-Bebe-compactado.pdf.
Acesso em: 30 mar. 2023. É importante considerarmos essa condição de contar com um am-
biente facilitador de aprendizagem, porque “todas as crianças podem
aprender, mas não sob qualquer condição” (BRASIL, 2006, p. 16). O
que nos traz um alerta para a criação de condições de qualidade para
o desenvolvimento e a aprendizagem, ao entendermos que as “crian-
ças expostas a uma gama ampliada de possibilidades interativas têm
seu universo pessoal de significados ampliado, desde que se encon-
trem em contextos coletivos de qualidade” (BRASIL, 2006, p. 15).

É preciso analisarmos o que diz respeito à edificação, pois as escolas


Leitura não são todas iguais. Algumas foram construídas como locais educati-
A matéria 10 planos de vos, logo o ambiente já foi previamente pensado para facilitar a apren-
atividades com brincadeiras dizagem das crianças. Outras foram adaptadas a partir de edificações
para explorar ambientes ex-
ternos, de Nairim Bernardo diversas (casas, barracões), o que requer um olhar aguçado da equipe
para a revista Nova Escola, pedagógica para a adaptação dos espaços às necessidades educativas.
traz propostas práticas de
atividades que auxiliam no Então, como definirmos contextos coletivos de qualidade quando tra-
incentivo dos pequenos
a explorar ambientes
tamos de Educação Infantil? Contextos coletivos são os locais onde esta-
externos de acordo com a rão as crianças e os materiais disponíveis a elas, sendo fundamentados
sua faixa etária.
pelo seguinte princípio de qualidade: “Os espaços, materiais, brinquedos
Disponível em: https://novaescola.
org.br/conteudo/20586/10-planos-
e mobiliários são itens potencializadores de aprendizagem e desenvolvi-
de-atividades-com-brincadeiras- mento quando atraem as crianças para brincar e interagir e quando pro-
para-explorar-ambientes-externos.
Acesso em: 30 mar. 2023.
porcionam simultaneamente multiplicidade de experiências e vivência de
múltiplas linguagens” (BRASIL, 2018, p. 63).

78 Teoria e prática na Educação Infantil


Algumas premissas podem ajudar no que diz respeito ao planeja- Vídeo
mento dos ambientes para a Educação Infantil (KRAMER, 2013): O vídeo 9 ideias para
incluir em sua sala da

1
Educação Infantil apre-
senta algumas ideias de
Pedagógico – o trabalho pedagógico se desenvolve em toda a escola e
elementos para compor
nos passeios e visitas realizados. o ambiente da Educação
Infantil sob o ponto de

2
vista das crianças. Vale
conhecer e verificar como
Segurança – o espaço da escola precisa ser seguro e favorecer a ampla os pequenos podem
circulação das crianças. É fundamental que as crianças conheçam to- interagir com esses nove
dos os espaços da instituição e saibam se movimentar por eles. elementos propostos,
o que pode resultar em
boas ideias!

3
Disponível em: https://www.
Acesso – as crianças precisam ter acesso direto aos materiais pedagógi- youtube.com/watch?v=l6FA6-
cos que devem estar distribuídos de maneira organizada para possibilitar o XSHSw&t=8s. Acesso em: 30
uso e a exploração dos pequenos. mar. 2023.

Organização – é necessária uma organização no uso dos materiais

4
e isso precisa acontecer de maneira cooperativa entre professores e
crianças e entre as crianças. A organização pode sofrer alterações de
acordo com a introdução de novos materiais e será reorganizada por to-
dos. As crianças devem participar e se sentir igualmente responsáveis
pela conservação e manutenção dos materiais.

5
Leitura
Mobilidade – o ambiente deve sugerir mobilidade e iniciativa das crianças. Como fundamento para
os conceitos, as defini-
ções e a orientação dos
Portanto, os espaços educativos da escola de Educação Infantil de- processos da construção
contínua da qualidade
vem oportunizar que as crianças possam jogar, brincar, aprender, dor-
no atendimento às
mir, alimentarem-se, brincar ao ar livre, terem contatos com pequenos crianças de 0 a 5 anos, o
documento Parâmetros
animais e plantas.
­Nacionais de Qualidade da
Educação Infantil indica
No Brasil, a regulamentação desses espaços é feita pelo documen-
os padrões de referên-
to ­Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil. Para isso é cia, organização, gestão
e funcionamento das
­necessário compreendermos que os espaços e os materiais do ambiente
instituições de Educação
deverão estar sempre à disposição das crianças e não dos adultos. Infantil para a aprendiza-
gem e o desenvolvimento
Como as crianças da Educação Infantil são de idades diferenciadas – integral das crianças.
bebês (zero a 1 ano e 6 meses), crianças bem pequenas (1 ano e 7 me- Disponível em: https://www.gov.
ses a 3 anos e 11 meses) e crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 br/mec/pt-br/media/seb/pdf/
publicacoes/educacao_infantil/
meses) – (BRASIL, 2018), algumas de suas necessidades também são Public_MEC_WEB_
diferentes. Então, mesmo que estejam em um único ambiente escolar, ISBN_2019_003.pdf. Acesso em:
30 mar. 2023.
é necessário prevermos algumas especificidades.

Organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil 79


ck
/Shuttersto
sirtravelalot
tt e rstock
/Shu
tu dio Os bebês, especificamente, precisam de muito espaço e conforto
c aS
separados das outras crianças. Isso porque a base de seu desenvol-
ri
Af

vimento inicial é motora. Assim, eles vão rolar, aprender a andar, ex-
plorar materiais diversos, observar, brincar sozinhos e acompanhados,
alimentar-se, cochilar. Para que possam fazer livremente tudo isso e,
portanto, exercer seu pleno direito de desenvolvimento e aprendiza-
gem, alguns espaços são necessários, como fraldário, lactário e espaço
para descanso com berços.
Livro A seguir algumas considerações sobre as necessidades das crianças
O livro Cadê? Achou! Edu- que estão nas creches e pré-escolas e os ambientes que as compõem.
car, cuidar e brincar na
ação pedagógica da cre- Ter um ambiente para repouso, sendo necessário dispor de berços
che é focado no trabalho
pedagógico com bebês e
(para crianças de até 8 meses) ou caminhas/colchonetes para demais
crianças dos 0 aos 3 anos idades. É ideal que a criança durma profundamente em um berço seguro
e 11 meses, sugerindo
soluções práticas para os
(cuidando com a distância entre as grades para não passar a cabeça do
desafios da educação des- bebê e não correr risco de acidentes). A opção da chupeta é de cada fa-
sas faixas etárias, visando
à integração do cuidar
mília, então teremos na mesma sala algumas crianças com e outras sem.
e educar e oferecendo
boas opções de trabalho
Leitura
dentro de quatro elemen- Há muita polêmica sobre o uso de chupeta por crianças da Educação Infantil. Alguns pais
tos: observação, imitação, são favoráveis, outros contrários, algumas escolas incentivam o uso em determinados
brincadeiras e interação. momentos, entendendo que são objetos que ajudam a criança, enquanto outras traba-
lham para a criança se abster dessa necessidade. Por isso a leitura da matéria do site
PINTO, A. Curitiba: ­Positivo, 2018.
Primeira Infância é essencial para ampliar os conhecimentos sobre essa discussão.

Disponível em: https://primeirainfancia.org.br/noticias/respostas-para-7-duvidas-sobre-o-uso-da-chupeta-por-criancas/.


Acesso em: 30 mar. 2023.
tt e rstock
to /Shu
ho
ne
tP Dispor de um ambiente para fraldário, sendo ele um espaço desti-
r

nado à higienização das crianças, troca de fraldas e guarda dos objetos


Ga

de higiene. Em alguns casos as escolas podem optar por bancadas de


troca de fralda na sala de atividade, mas devem prever a segurança e
a preservação da intimidade do bebê. As fraldas utilizadas para a troca
dos bebês também estão de acordo com a filosofia da escola e dos
pais. Normalmente são descartáveis, mas podem ser de pano.

80 Teoria e prática na Educação Infantil


Leitura
Podemos até estranhar em pleno século XXI a representação de troca com fraldas de
pano, como era feito antigamente. No entanto, é ideal sabermos que essa é uma tendên-
cia no mundo moderno, principalmente por causa da preservação do planeta no que diz
respeito ao acúmulo de lixo não reciclável (como é o caso das fraldas). Para saber mais
sobre, é ideal ler a matéria Fralda de pano ou fralda descartável, qual a melhor opção?

Disponível em: https://www.dicasdemulher.com.br/fralda-de-pano-ou-fralda-descartavel-qual-a-melhor-opcao/. Acesso


em: 30 mar. 2023.
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a/S
Ulz

Oferecer um ambiente para lactário e alimentação, sendo um espa-


ço reservado para preparo, higienização e distribuição das mamadeiras. É
muito importante que disponha de muita higiene de modo a não oferecer
riscos de contaminação. Nesse caso, a instituição pode utilizar a cozinha
da escola, desde que mantidas as tratativas de higiene necessárias.

Vídeo
Alguns bebes quando vão à creche mamam somente na mamadeira, outros ainda estão
no aleitamento materno (inclusive a mãe pode enviar seu leite para o lactário da creche
ou ir até lá para amamentar seu bebê) e existem ainda os que ora são alimentados em
mamadeira (na creche), ora são alimentados pelos pais (em casa). Sabia que há diferença
no tipo da mamada? Para conhecer mais sobre isso, assista ao vídeo do site Sikana que
apresenta várias dicas úteis.

Disponível em: https://www.sikana.tv/pt/health/learn-the-basics-of-breastfeeding/donner-un-biberon. Acesso em: 30 mar. 2023.

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Oferecer um espaço externo, sendo ele um pátio ou um espaço ena/S
App
ra
L au
para jogos ao ar livre que possibilite movimentos amplos e livres e ex-
plorações diversas preferencialmente em contato com a natureza.

É importante considerarmos que há muita diferença em crianças


de 1 a 1 ano e meio e de 4 a 5 anos. Por isso, embora estejam aqui dis-
postas na mesma classificação, é preciso considerarmos que as idades
diferenciadas não devem ocupar o mesmo espaço simultaneamente.
Portanto, na Educação Infantil é necessário reservarmos o espaço ao
ar livre para as crianças com base em sua faixa etária.

Leitura
Uma prática muito comum nas creches é levar os bebês para tomar Sol em espaços
abertos. Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que atualizou opiniões sobre
o tema, é preciso dosar muito a quantidade de tempo que a criança fica no Sol. Logo, é
essencial a leitura da matéria Fotoproteção na criança para conhecer a recomendação
atual sobre Sol e bebês envolvendo tempo, idade, permanência e proteção.

Disponível em: https://www.sbp.com.br/especiais/pediatria-para-familias/cuidados-com-a-saude/fotoprotecao-na-


crianca/. Acesso em: 30 mar. 2023.

Organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil 81


O espaço externo pode conter diferentes divisões para que as crian-
ças se sintam protegidas (algumas crianças não se sentem bem em espa-
ços muito amplos), fazendo com que elas se sintam mais seguras. Essas
divisões são carinhosamente chamadas na Educação Infantil de cantinhos.

Algumas sugestões para as áreas externas são (BASSEDAS; H


­ UGUET;
SOLÉ, 1999):

Cantinho com casinhas de


boneca, bancos, rampas.

Cantinho dos jogos


motores: balanços,
escorregadores, tubos.

Cantinho dos
veículos: tico-ticos,
Cantinho com areia. bicicletinhas, pistas
para deslocamento.

BlueRingMedia/Shutterstock

A sala de referência e o planejamento


da rotina na Educação Infantil
Um ponto bastante interessante na atualidade é que a concepção
moderna da Educação Infantil não considera que deva haver um am-
biente chamado sala de aula. Há duas premissas nessa afirmação: (i)
não há aquilo que entendemos por aula formal (como o senso comum
Para refletir
imagina) para a Educação Infantil; e (ii) para o desenvolvimento e a
Você consegue perceber
aprendizagem das crianças, todos os espaços escolares são educativos.
que alterar a maneira de
chamar a sala das crian- A terminologia utilizada atualmente é sala de referência, uma vez
ças também é uma forma
de mostrar a concepção que não faz sentido chamar as práticas educativas da Educação Infantil
que vigora na escola? Faz de aulas (PINTO, 2018).
sentido para você a ex-
pressão sala de referência As salas de referência são normalmente espaçosas, considerando
no lugar de sala de aula?
que as crianças realizarão algumas explorações e brincadeiras no chão,

82 Teoria e prática na Educação Infantil


com tapetes de borracha para que elas possam ficar lá e brinquedos, Leitura
ou com materiais para a realização da atividade proposta. Nas páginas 96 a 112
do volume 7 do Manual
Precisamos considerar a facilidade do acesso dos pais e das crian- de orientações técnicas:
mobiliário e equipamento
ças (que podem ir em carrinhos ou no colo). É importante que a sala de escolar Educação Infantil,
atividades não seja o mesmo espaço de repouso justamente para uma do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da
atividade não impactar a outra. Educação (FNDE), está
disposta uma lista com
Durante a atividade, os bebês devem ser incentivados a ficar no referências e detalhamen-
chão e, se ainda não conseguem sentar-se sozinhos, podem ficar apoia- to de materiais indicados
para espaços externos da
dos em almofadas ou no colo dos professores, mas nunca em anda- Educação Infantil.
dores. As demais crianças que já sabem andar explorarão o ambiente
Disponível em: https://www.mprj.
conforme a programação de atividades seja proposta a elas. mp.br/documents/20184/1232335/
Volume_4Mobiliario_e_
Leitura Equipamento_Escolar_R00.pdf.
Acesso em: 24 abr. 2023.
Pode ser que já tenhamos usado os andadores infantis e achemos que não há problema
nisso, mas, por uma recomendação expressa da SBP, os andadores infantis não devem
ser usados. Para conhecer os argumentos dessa negativa e saber mais sobre a segurança
de bebês, leia o artigo da ONG Criança Segura.

Disponível em: https://criancasegura.org.br/noticias/queda/andador-infantil-3-razoes-para-nunca-usar-esse-


equipamento/. Acesso em: 30 mar. 2023.

Lembremo-nos de que um dos objetivos da educação das crianças om/Sh


utterstock
l.c
ixe
é desenvolver o senso de autonomia nelas. Assim, é preciso considerar Ra
wp

que deverá haver local acessível para as crianças pendurarem casacos e


mochilas e elas devem começar a fazer isso sozinhas. A organização da
sala também deverá contar com mobiliário específico que seja acessível
às crianças, facilitando a movimentação infantil, além da autonomia.

Dois pontos são importantes na questão da escolha dos mobiliários


para as crianças: (i) a dimensão e (ii) a projeção ergonométrica.

O primeiro caso é importante pela segurança, saúde e bem-estar. Já


o segundo caso é importante pelo acesso e uso por crianças em dife-
rentes idades. Lembremo-nos de que a ideia é que as crianças tenham
acesso aos materiais, então o mobiliário precisa ser de tamanho que
permita essa interação (BRASIL, 2018).

De modo geral, o planejamento dos ambientes que a criança fre-


quentará na Educação Infantil deve ser feito considerando as neces-
sidades que envolvam afeto, autonomia, movimento, socialização,
descoberta, exploração e conhecimento (ARRIBAS et al., 2004).

Organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil 83


4.3 Organização dos materiais
Vídeo
Uma das interações mais intensas que os bebês e as crianças reali-
zarão diz respeito aos materiais disponibilizados a elas. Os documentos
oficiais reforçam o entendimento da função dos brinquedos na apren-
dizagem e no desenvolvimento das crianças por meio dos seguintes
itens (BRASIL, 2018, p. 64):

A aquisição de materiais e insumos pedagógicos, feita pela rede de en-


sino, leva em consideração prioritariamente as crianças.

Os brinquedos são vistos como material pedagógico de grande relevân-


cia para a faixa etária de 0 a 5 anos e são escolhidos por critérios de
faixa etária, atentando a normas de segurança e preservação da saúde.

Os recursos pedagógicos existentes na Instituição de Educação Infantil


propiciam interações, explorações e brincadeiras entre as crianças e
entre elas e os adultos.

Os recursos pedagógicos existentes na Instituição de Educação Infantil


estimulam a curiosidade, a imaginação, a criação e a aprendizagem das
crianças.

Os recursos pedagógicos existentes na Instituição de Educação Infantil


são disponibilizados de maneira acessível para o uso ativo e cotidiano
das crianças.

Os materiais e os brinquedos duráveis são dispostos de maneira segura,


organizados em ambientes, cestos ou caixas acessíveis às crianças de
modo a promover sua autonomia.

O uso adequado e a conservação dos equipamentos e dos materiais


manipulados pelas crianças é de responsabilidade dos Professores e
profissionais da Instituição de Educação Infantil.

84 Teoria e prática na Educação Infantil


Percebamos que no documento oficial encontramos menção à au-
tonomia das crianças, à disponibilização dos materiais para que elas
possam se desenvolver, bem como à responsabilização dos professo-
res sobre os brinquedos.

Quando tratamos de responsabilidade, não estamos querendo di-


zer somente que o professor é responsável se uma criança quebrar
um brinquedo durante o uso. Isso pode acontecer, embora o professor
deva ficar atento ao uso correto. O que deve ser considerado pelo pro-
fessor é que ele é o responsável por fazer a criança usar o brinquedo.
Ou seja, criar contextos de atividades e disponibilizar para as crianças
o que há na instituição.

Então, onde consta “uso adequado”, consideremos que isso diz res-
peito à intencionalidade educativa que imprimiremos no uso desses
materiais. Eles não estão na escola como passatempo, são elementos
muito importantes de aprendizado e desenvolvimento infantil.

De fato, como critério para a escolha e seleção de materiais, é im-


portante considerar três aspectos nesse processo: segurança, varie-
dade e estado (BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 1999).

bsd studio/Shutterstock
Segurança para as crianças pequenas – os materiais não podem causar
acidentes evitáveis (com pontas, metálicos, jogos com peças pequenas
para menores de 3 anos, entre outros).

Variedade – usando vários materiais as crianças vão se interessar


mais. O ideal é ir incorporando aos poucos os materiais ou trocando
alguns para que sempre tenha um ar de novidade para as crianças.

Estado – os brinquedos e demais materiais precisam ser atrativos


para as crianças, para que despertem desejos, necessidades. Então
cuide para que você ofereça materiais limpos, sem rachaduras, com
todas as peças.

Como no caso dos espaços externos, a sala de referência também


pode ser dividida em cantinhos. Vamos propor alguns cantinhos no qua-
dro a seguir, elencando alguns materiais que possam fazer parte deles
e algumas opções que possam ser desenvolvidas nessa brincadeira.

Organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil 85


Quadro 1
Os cantinhos, seus materiais e suas finalidades de uso

Agrupamento Materiais O que proporciona


Cantinho da Livros diversos, com variedade de texturas, sons, Interação com a leitura escrita, criatividade,
biblioteca cores. Livros para ouvir e acompanhar as imagens. desenvolvimento da imaginação.
Tintas, giz de cera, matérias da natureza que
Desenvolvimento da imaginação, contato tátil
Cantinho das permitam riscar, riscantes diversos, papéis, cola,
com diversos materiais, conhecimento de
artes tesouras (com supervisão), materiais não estrutu-
cores e formas.
rados (sucata).
Conhecimento da natureza, contagem,
Cantinho da Plantas, objetos da natureza coletados pelas seriação, estabelecimento de diferenças
natureza crianças, como galhos, folhas. de grandezas, respeito e conhecimento da
natureza.
Desenvolvimento de conceitos matemáticos,
Quebra-cabeça, dominó, jogos sequenciais, peças
Cantinho dos noção de espera, divisão, frustração e alegria
plásticas para montagem, blocos de madeira para
jogos por ganhar ou perder, desenvolvimento da
construção.
imaginação.
Utensílios de cozinha, como pratinhos, copos,
Desmistificação de papéis de gênero, fanta-
Cantinho da talheres. Pia de brinquedo, objetos de casa, como
sia, desenvolvimento da imaginação, divisão
casa ferro, batedeira, liquidificador, televisão de brin-
de tarefas.
quedo, teclados de computador, celular.
Cantinho do Fantasias estruturadas, tecidos diversos, cordas, Desenvolvimento da imaginação, criatividade,
faz de conta laços, tiaras, óculos, bijuterias. interação.

Fonte: Elaborado pela autora.

É absolutamente imprescindível que o professor compreenda que não


é preciso organizar tudo isso de uma vez só na sala, pois teria que dispor
/Shutterstock de um espaço muito grande contando com a circulação das crianças.
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Esses cantinhos podem ser distribuídos nas mesas de trabalho das
crianças, em que cada mesa dispõe de um tipo de material, caracteri-
zando a diversidade, e as crianças escolhem onde querem brincar, mas
não somente nas mesas, nem esporadicamente. Muitos desses mate-
riais precisam estar disponíveis todos os dias para as crianças.

Assim, a depender do tamanho da sala, da intencionalidade educati-


va e da criatividade do professor alguns cantinhos podem fazer parte da
sala permanentemente e outros esporadicamente. O que é ­necessário
ficar evidente é que a todo tempo a criança precisa contar com mais de
uma opção de materiais para brincar, e que algum deles precisa estar à
disposição dela na sala de referência, pois “o investimento em insumos
pedagógicos e materiais é fundamental para a garantia dos direitos
de brincar, explorar, conviver, participar, expressar(-se), conhecer(-se)
das crianças” (BRASIL, 2018, p. 64).

86 Teoria e prática na Educação Infantil


utterstock
Sabemos que para brincar as crianças espalham materiais pelo l.c om/Sh
ixe
wp
espaço todo, muitas vezes no chão, e é importante que tenham tem- Ra

po e espaço para isso. Mas é preciso também aprenderem a guardar


e organizar os objetos tendo cuidado com eles. Assim, na medida
em que crescem, as crianças devem ser incentivadas a recolherem e
guardarem os brinquedos. Nesse caso, ao final da brincadeira, não
se trata de o professor mandar as crianças guardarem o que foi usa-
do enquanto ele faz outra atividade. Trata-se de o professor brincar
com as crianças e depois guardar com elas os brinquedos e mate-
riais. Sem hierarquia, com disposição e a certeza de que estar com
seus alunos em parceria é uma boa forma de educá-los.

Há incontáveis materiais disponíveis para as crianças no comércio.


Com preços variados, modelos, marcas, cores, sons. Basta andarmos
por uma loja de brinquedos que ficaremos encantados com o que te-
mos disponível. Mas nem todas as escolas contam com materiais tão
interessantes e modernos. O importante nessa constatação é relem-
brar que para as crianças a maioria dos brinquedos serve para brincar!

Então, não devemos nos preocupar se este ou aquele brinquedo


é mais colorido ou está mais em voga que outro. Devemos nos preo-
cupar, como professor, em explorar os brinquedos disponíveis (desde
que sejam seguros e adequados) e oferecer aos pequenos a chance
de desenvolverem sua imaginação mais e melhor. De modo geral, os
materiais dispostos para as crianças precisam favorecer os seguintes
aspectos (BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 1999):
Estimulação perceptiva: Motricidade fina: adesivos, riscantes, Capacidade criativa: materiais
chocalho, móbiles, livros de blocos de encaixe, carimbo, massa de para recorte, rasgadura,
desenho, fantoches. modelar, pincéis, fita adesiva. colagem, criação.

vectorplus/Shutterstock

Capacidade de representação: Capacidade de deslocamento: Estimulação motora: bolas,


fotos, bonecos, mobília. almofadões, cadeiras. cordas, tobogãs.

Organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil 87


Leitura Que os mais variados materiais são importantes para o desenvol-
Um material muito impor- vimento das crianças os professores já sabem, mas será que todo ma-
tante para fazer parte da
sala de aula é o espelho. terial é válido? Teoricamente sim, mas para uma resposta assertiva é
É relevante que ele seja preciso considerar a qualidade e a segurança do material oferecido.
de corpo inteiro para que
as crianças possam se Por isso, precisamos de uma sala de aula ampla e segura, com brin-
conhecer e reconhecer quedos que não ofereçam risco à saúde e à integridade das crianças,
totalmente. Um simples
espelho trará possibilida- conforme sugere a ONG Criança Segura (2020):
des de desenvolvimento
da linguagem, do conhe-
cimento de si mesmo, Considerar a idade, o interesse e o nível de habilidade da criança, seguindo
do estabelecimento de as recomendações do fabricante, no momento da escolha do brinquedo.
semelhanças e diferenças.
Para termos mais ideias
de como usá-lo na prática,
a leitura da matéria Brin- Evitar brinquedos que emitem sons altos ou aqueles que tenham pon-
cadeira no espelho pode tas/bordas afiadas.
auxiliar nesse aspecto.

Disponível em: https://novaescola.org.


br/planos-de-aula/educacao-infantil/
creche/brincadeiras-no-espelho/2595. Evitar brinquedos com correntes, tiras e/ou cordas a fim de reduzir o
Acesso em: 30 mar. 2023. risco de estrangulamento.

Evitar brinquedos que oferecem risco de engasgamento para crianças


de até 4 anos, pois elas exploram o mundo muitas vezes colocando
objetos na boca.

Inspecionar regularmente os brinquedos disponíveis, observando po-


tenciais riscos (partes pequenas, pontas/bordas afiadas, arestas, entre
outros), efetuando o seu conserto imediatamente ou mantendo ele fora
do alcance da criança.
HappyPictures/Shutterstock

Checar se os brinquedos dispõem do selo Inmetro que garante que o


brinquedo passou por testes de qualidade e segurança.

Assegurar que os materiais utilizados na fabricação dos brinquedos


sejam atóxicos.

Usar os brinquedos em locais seguros, certificando-se de que, princi-


palmente, os brinquedos conduzidos pelas crianças não serão usados
próximos à escada, rua, piscina e afins.

(Continua)

88 Teoria e prática na Educação Infantil


Evitar balões de látex (as famosas bexigas). Se usados, guardá-los fora
do alcance das crianças ou efetuar a devida supervisão durante a brin-
cadeira. Após o uso, esvaziá-los e descartá-los junto aos seus pedaços.
Inclusive, não permita que as crianças encham os balões, assim como
tome o devido cuidado com os balões estourados para que nenhuma
criança ingira os seus pedaços.

Evitar brinquedos com elementos de aquecimento (baterias e toma-


das elétricas) para crianças com menos de 8 anos, pois eles podem
causar queimaduras.

HappyPictures/Shutterstock
Ensinar a criança a guardar os brinquedos no final. Para isso, é necessário
dispor de um local seguro para, inclusive, prevenir quedas e acidentes. Os
brinquedos das crianças maiores devem ser guardados separados das
menores, pois os das maiores podem ser perigosos.

Ensinar às crianças sobre segurança na diversão, presenteando-as com


equipamentos de segurança necessários para brinquedos como bicicle-
tas, patins, skates e afins.

A questão do tempo também é bastante relevante na Educação In-


fantil. Como as crianças ainda não conseguem perceber a noção da
passagem do tempo sozinhas, é preciso construir rotinas de vida diária
que ajudem nessa percepção. Alguns professores fazem isso por es-
crito, para que a criança comece a ter relação com a função social da
escrita (dar uma informação), bem como a de comunicar ideias.

É comum, em algum espaço da sala de referência, encontrarmos


re/Shutterstock
uma listinha carinhosamente chamada pelos professores de rotina. ictu
dP
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Nela as atividades do dia estão ou escritas ou representadas por ima-
G

gens. Isso ajuda muito a criança, pois ela consegue prever no tempo
quais serão as atividades do dia até que volte para casa, o que aconte-
cerá após o lanche, qual a primeira atividade do dia. Por exemplo, para
as crianças que ficam ansiosas com o horário em que irão ao parquinho
ou o horário de voltar para casa, as rotinas escritas as acalmam, além
de as manter informadas. Nesse caso, o hábito de listar as atividades
diárias auxilia na construção de noções temporais.

Organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil 89


No entanto, o planejamento das rotinas diárias deve contar com
a participação das crianças. Será um momento muito rico aquele em
que as crianças escolherão o que farão em alguma parte do dia, não
é mesmo? Assim, em vez de o professor listar a rotina diária, ele irá
construí-la junto às crianças. Alguns itens obrigatoriamente estarão
listados, como os momentos que incluem sono e alimentação, mas
as demais atividades podem ser propostas igualmente pela criança,
dando a ela a oportunidade de tomar decisões, de ouvir opiniões
diferentes da sua, enfim, de viver em sociedade. Ao ouvirem e consi-
derarem a participação das crianças no estabelecimento das rotinas,
os professores demonstram que compreendem seus interesses e
seu modo de ser.
Saiba mais
Uma das propostas para ouvir a opinião das crianças e definir as
Após conhecer todos os
cantinhos e opções de tarefas do dia é a roda da conversa. Algumas escolas começam as ati-
materiais para dispor aos vidades diárias com as crianças e seus professores sentados em um
seus alunos de Educação
Infantil, que tal conhecer grande círculo em que conversam sobre temáticas que ora são trazidas
muitas propostas para pelos professores, ora são trazidas pelas crianças.
realizar com as crianças
e os mais diversos As conversas são um momento para expressar opiniões, propor
materiais? A equipe que
montou a BNCC também teorias, compartilhar invenções, debater, argumentar, avaliar, apren-
fez um referencial para der a lidar com os outros, escutar diferentes pontos de vista, planejar o
ajudar nas práticas
educativas com diferentes dia, resolver problemas, contar histórias, ampliar o vocabulário e brin-
propostas práticas. car com as palavras (CURITIBA, 2020).
Disponível em: http://
basenacionalcomum.mec.gov.br/
A roda da conversa não é um momento obrigatório na divisão
implementacao/praticas/caderno- do tempo das atividades que as crianças realizam, mas sem dúvida
de-praticas/educacao-infantil/.
Acesso em: 30 mar. 2023.
é riquíssimo para a interação entre as crianças, o professor e os as-
suntos trazidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma das partes mais importantes da escola diz respeito à realização
do planejamento educacional. Nele ficam explícitas as concepções que
estão sendo utilizadas no ambiente, bem como as percepções dos profes-
sores sobre o desenvolvimento infantil. Para que uma escola cumpra com
sua função de educar as crianças por meio de interações e brincadeiras,
é preciso que tudo seja muito bem planejado, levando em conta os docu-
mentos oficiais que fundamentam essa ação.

90 Teoria e prática na Educação Infantil


O ambiente também educa na medida em que permite a locomo-
ção, as brincadeiras, as diversas relações sociais e com a natureza e as
interações entre as crianças com outros seres que dividem o mesmo
espaço, sejam adultos, outras crianças, pequenos animais e plantas,
além dos materiais pedagógicos e outros disponíveis. Dessa forma, é
fundamental que o ambiente educacional seja pensado para que possa
ajudar na promoção da educação que se deseja. Então, quanto maiores
forem as opções de interação com o ambiente, maiores serão as opções
de aprendizagem.
Pensar os materiais que serão oferecidos às crianças também é um
exercício importante, bem como a distribuição do tempo dentro da pro-
posta pedagógica, pois da qualidade deles decorrerão as mais variadas
aprendizagens e o consequente desenvolvimento das crianças.

ATIVIDADES
Atividade 1
Uma vez que as crianças de Educação Infantil são tão pequenas
e têm atitudes imprevisíveis, qual a importância do planejamento
educacional se nem sempre é possível cumpri-lo?

Atividade 2
Por que se diz que na Educação Infantil não há uma sala de aula?

Atividade 3
Quais aspectos dos materiais precisam ser levados em conta
quando da escolha deles para o uso na Educação Infantil?

Organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil 91


REFERÊNCIAS
ARRIBAS, T. et al. Educação Infantil: desenvolvimento, currículo e organização escolar. 5. ed.
Porto Alegre: Artmed, 2004.
BASSEDAS, E.; HUGUET, T.; SOLÉ, I. Aprender e ensinar na Educação Infantil. Porto Alegre:
Artmed, 1999.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018.
Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_
versaofinal_site.pdf. Acesso em: 30 mar. 2023.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil. Brasília, DF: MEC/SEB, 2010.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Nacionais de
Qualidade para a Educação Infantil. Brasília, DF: MEC/SEB, 2006. v. 1.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Nacionais de
Qualidade para a Educação Infantil. Brasília, DF: MEC/SEB, 2018.
CARROLL, L. Alice no país das maravilhas. Trad. de André Cristi. São Paulo: Mojo, 2019.
CRIANÇA SEGURA. Dicas de brinquedos seguros. Criança Segura Brasil, 2020. Disponível
em: https://criancasegura.org.br/wp-content/uploads/2020/12/1530035449folder-dicas-
de-brinquedos-seguros.pdf. Acesso em: 30 mar. 2023.
CURITIBA. Secretária Municipal de Educação de Curitiba. Currículo da Educação Infantil:
diálogos com a BNCC. Curitiba: SME, 2020.
KRAMER, S. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. 9. ed. Rio de Janeiro:
Cortez, 2013.
LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. (Série Formação do professor).
PINTO, A. Cadê? Achou! Educar, cuidar e brincar na ação pedagógica da creche. Curitiba:
Positivo, 2018.

92 Teoria e prática na Educação Infantil


5
Responsabilidades do professor
Uma criança chega chorando à porta da escola de Educação Infantil e
logo é recebida com um demorado abraço de sua professora. A mãe olha
para a cena e sorri, pois ela confia que está fazendo a melhor escolha ao
deixar seu filho naquela instituição. A criança se acalma e a professora,
já entrando na escola, sinaliza com uma piscadinha para a mãe que está
tudo bem, pois seu filho está seguro.
Muitas vezes essa cena se repete no cotidiano das escolas de Educação
Infantil. Diariamente os professores estão lá para distribuir afetos e dar segu-
rança às crianças, além de fazerem seu trabalho pedagógico de reforçar os
vínculos afetivos com todos: família e alunos.
Neste capítulo trataremos da importância dos vínculos afetivos com a
família da criança, da necessidade de uma escola inclusiva na atualidade,
e da importância da formação continuada como espaço de aprendizado e
reflexão dos professores.
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• compreender a importância da construção de vínculos afetivos en-
tre professores, crianças e familiares na Educação Infantil;

• valorizar a pluralidade, reforçando o convívio natural com diferen-


tes pessoas e suas características;

• reconhecer a formação continuada como elemento constante e


necessário para o aperfeiçoamento dos docentes.

5.1 Construção de vínculos afetivos


Vídeo com a criança e sua família
Durante toda a vida, estabelecemos diferentes tipos de vínculo,
inclusive profissionais, mas são os vínculos afetivos que assumem
uma alta importância, pois se baseiam nas emoções presentes em

Responsabilidades do professor 93
Livro todas as etapas da nossa vida. Os vínculos emocionais que criamos
O livro A escuta e o acolhi- com as pessoas em nossas vidas, que são permeados de sucessos,
mento como princípios das
relações foi escrito com fracassos, medos, (in)certezas, dificuldades, facilidades e muitos
base nas experiências mais adjetivos, nos ajudam a construir nosso eu, a compor nossa
da rede municipal de
ensino de Curitiba e é uma personalidade (WALLON, 2010).
primorosa obra que vai lhe
ajudar a compreender me-
No universo educacional, a palavra vínculo é bastante consi-
lhor o universo da Educa- derada como elemento facilitador do processo educativo. Como
ção Infantil e a importância
do vínculo afetivo.
definição, chamamos de vínculo “o que liga afetivamente duas ou

CURITIBA. Curitiba: SME-PR, 2022.


mais pessoas; relação, relacionamento” (MICHAELIS, 2023). A pre-
[e-book] Disponível em: https:// sença de vínculos afetivos na educação, portanto, remete à liga-
mid-educacao.curitiba.pr.gov.
br/2022/4/pdf/00338129.pdf.
ção, ao afeto e à conexão que as pessoas estabelecem entre si
Acesso em: 6 abr. 2023. nos espaços educativos.

O fato é que não dá para conceber uma escola sem destacar


a importância dos vínculos afetivos presentes nela. Como afirma
­Monte-Serrat (2007, p. 41): “não se pode falar de educação sem se levar
em conta o fator afetivo, uma vez que recebemos o conhecimento por
meio das relações com terceiros. De fato, a dimensão afetiva não apenas
afeta o processo educativo, mas é sustentáculo desse processo”.

Um destaque se faz relevante: todas as pessoas que estabelecem


uma relação afetiva, seja no ambiente escolar, seja na vida diária,
apresentam maior facilidade de desenvolvimento cognitivo e emo-
cional (WALLON, 2010).

Se isso é verdade para pessoas adultas em sua vida cotidiana,


podemos imaginar quanto os vínculos afetivos fazem diferença na
vida e consequentemente no desenvolvimento dos bebês e das
crianças pequenas?

Crianças e bebês precisam do contato com o ou-


tro para ter acesso ao mundo. Justamente a quali-
dade desse contato, que pode ser manifestado
pela forma como os adultos percebem, inter-
Myroslava Malovana/Shutterstock

pretam e atendem as demandas infantis, fará


grande diferença no desenvolvimento delas.

94 Teoria e prática na Educação Infantil


use/Shutterstock
e Ho
reativ
eC
Entre a criança e as pessoas que dela cuidam há interação e brin-

id
Ins
cadeira, e assim é estabelecida uma relação afetiva, que envolve
muitos sentimentos, como amor, carinho, encantamento, frustra-
ção, raiva, medo, entre outros sentimentos (BRASIL, 1998).

Percebamos na figura que o bebê está com aspecto de choro.


­Apresenta-se descontente. Nesse caso, a professora está consolando-
-o com um abraço, uma demonstração de afeto. Nem sempre o afeto
será cercado de sorrisos, às vezes, em uma situação desgastante para
a criança, ele chega em forma de abraço e pode funcionar como um
elemento de reconciliação, de ajuda.

Assim, quando o adulto é sensível às necessidades infantis, quando


age em sincronia com essas necessidades, quando é capaz de e
­ nvolver-se
com o pequeno em uma relação de afeto e simpatia, e quando isso ocorre
de maneira estável e durante períodos significativos, a relação emocional
segura se faz presente (PANIAGUA; PALACIOS, 2007).

Percebamos como os primeiros professores e educadores não ape- Atenção

nas cuidam das crianças sob sua responsabilidade, mas também são Neste livro, tratamos do
profissional de Educa-
o elemento de mediação entre os pequenos e o mundo. Sob o olhar e ção Infantil somente
atitudes desses profissionais, as crianças vão conhecendo o que lhes como professor, mas
ele também é conhe-
cerca, vão testando respostas e explorações, vão atuando sobre seu cido como educador. A
entorno. São as impressões, as respostas e as propostas educativas distinção muitas vezes se
dá pelo professor ser o
desses profissionais que farão a diferença na formação da criança. ­profissional graduado em
uma licenciatura, já o edu-
Não precisamos destacar ainda mais a real importância da forma- cador ser o profissional
ção desse professor, não é? A responsabilidade dele é enorme. Cada com magistério.

ação, cada resposta desses profissionais, cada vínculo afetivo conquis-


tado, tudo isso influencia a formação da identidade e do desenvolvi-
mento da independência e da autonomia dos pequenos estudantes.

Por isso, a Educação Infantil das últimas décadas é pautada pelo


mote: cuidar e educar, entendendo que o cuidado destinado a bebês
e crianças de 0 a 5 anos é indissociável do seu processo educativo
(­BRASIL, 1998; BRASIL, 2018).

Com base na premissa de vínculos afetivos e na necessidade de


cuidado é que as crianças de 0 a 5 anos demandam uma escola de
Educação Infantil, e essa precisa investir fortemente na construção
de vínculos afetivos com seus pequenos estudantes, bem como com

Responsabilidades do professor 95
a família deles. Mas por que também o vínculo com as famílias es-
pecificamente? Para respondermos a isso vamos abordar primeiro a
questão da legislação.

No artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (­BRASIL,


1996) é destacado que tanto família quanto Estado têm o dever de educar.

Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos prin-


cípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em:
24 abr. 2023.

Portanto, a legislação indica que para haver pleno desenvolvimento


de crianças e jovens alunos é necessário o entendimento de que fa-
mília e escola precisam estabelecer uma relação de parceria. O texto
legal indica que família e escola compartilham as funções educativas da
criança. Por isso há o destaque que impõe como sendo um dos pontos
mais importantes na educação de bebês e crianças pequenas: a relação
existente entre sua escola e sua família.

No entanto, quem convive em um ambiente de Educação Infan-


til nem precisaria buscar reforço no campo da legislação para com-
preender por que é importante o vínculo afetivo com a família da
criança. De fato, quando a criança entra na escola, ela está começan-
do a frequentar um ambiente social diferente daquele que estava
acostumada e vai trazer para dentro da escola muito da cultura da
sua família. Nisso reside um dos pontos principais da educação com
vínculos afetivos: caberá à escola o respeito e a aceitação da cultura
que a criança traz para o ambiente escolar, oriunda da família a que
pertence, sem distinção ou preconceito.
Atenção A criança deve ser aceita como é, pertencente a essa ou aquela cul-
Ter clareza do objetivo tura, para que se sinta à vontade para manifestar suas preferências,
e da necessidade de
seus desejos e desagrados e que perceba que suas manifestações são
estabelecer um relacio-
namento de proximidade levadas em consideração (BRASIL, 1998).
entre familiares e a
escola não garante que Vamos começar caracterizando a família da criança, considerando
isso seja fácil de realizar a amplificação e diversidade presentes nesse conceito para aprofun-
na prática cotidiana.
dar essa relação.

96 Teoria e prática na Educação Infantil


É preciso desmistificarmos o conceito de família, ­ampliando-o para
as diferentes composições. Há núcleos familiares compostos de duas
mães, dois pais, pais adotivos, pais e filhos biológicos, mães sociais,
entre outros. Todas essas configurações devem ser consideradas e res-
peitadas na escola, sem que a criança seja exposta a nenhum tipo de
preconceito em decorrência da sua composição familiar.

Rawpixel.com/Shutterstock
É importante considerarmos que as famílias têm diferentes confi-
gurações para além do pai e da mãe e seus filhos biológicos. O que
dizer sobre isso? Façamos o seguinte raciocínio: qual é a importância
da família para a escola?

Para respondermos a isso vamos voltar à legislação: a família e a es-


cola compartilham o dever de educar plenamente! A importância diz
respeito à educação das crianças, à garantia de pleno desenvolvimento
das crianças. Com base nessa finalidade, a escola precisa fazer a par-
ceria com as famílias funcionar, afinal o que importa são as relações

Nuva Frames/Shutterstock
e as interações que resultarão em desenvolvimento das crianças, e não
a configuração familiar (PANIAGUA; PALACIOS, 2007).

Há ainda pontos a serem considerados que dizem respeito ao cui-


dado que se deve ter com pais e mães separados, com guarda compar-
tilhada, com familiares impedidos pela justiça de ver e conviver com
suas crianças. Pode parecer que a escola não tem nada a ver com isso,
mas esses exemplos já demostram como de fato ela tem.

Para refletir
Em uma convocação para uma reunião na escola quem habitualmente é cha-

ViDI Studio/Shutterstock
mado? Se você respondeu mãe, precisa repensar seus conceitos. Hoje é preciso
estudar a realidade de cada criança e chamar o responsável, que pode ser a mãe,
a avó, o pai, o irmão maior de idade, a tia, a madrasta, o padrasto, o avô. Novas
práticas educativas para uma nova configuração educacional. Adequação aos
tempos modernos é o que se espera, não?

Já pensou como se sentirá a criança que escutará a professora


falar da festa do Dia dos Pais a semana toda, com direito a prepa-
ração de lembrancinhas, sabendo que o pai dela é distante do seu
convívio (inclusive pode ser por decisão da justiça)? É claro que é
Viktoria Ostroushko/Shutterstock

preciso considerar que há pais presentes. Então, como proceder?


Não há resposta pronta, escola e família precisam juntas encontrar
o caminho que melhor se adeque ao seu contexto.

Responsabilidades do professor 97
É preciso compreendermos que existem realidades familiares em
que não há rede de apoio à maternidade: não estão por perto avós,
tios, amigos que possam compartilhar o cuidado e o bem-estar das
crianças, ficando tudo a cargo dos pais ou de um deles somente, nor-
malmente cansado de tantos afazeres. Assim como há casos em que
as crianças são criadas por avós que tomam todas as decisões mesmo
tendo pais presentes.

Também há aqueles responsáveis que devido ao horário de traba-


lho (e à distância, quando em cidades grandes) não conseguem estar
sempre presentes e em alguns casos passam a exigir que a escola cum-
pra o papel educativo que lhes compete, ou seja, querendo que a esco-
la assuma a educação total da criança, o que não é possível, é a família
e a escola precisarem fazer isso juntas para funcionar. É necessário que
a escola reconheça que esses problemas existem, que são sérios e que
precisam ser encarados (KRAMER, 2013).

A questão é que cada núcleo familiar é diferente e é preciso lidar-


mos com todos do modo mais franco possível. Uma prática escolar
que precisa cair em desuso é a culpabilização da família: uma ação
que sempre encontra motivos para culpar a família pela ausência de
contato na escola ou por determinadas atitudes das crianças (KRAMER,
2013). A ideia é a escola assumir sua parte na educação das crianças
sem culpar ninguém e a família fazer o mesmo. Quando isso não está
funcionando, ambas as partes precisam conversar e realinhar para re-
lembrarem que família e escola são dois contextos diferentes, mas que
têm um objetivo comum.

O contato com a família e a escola é primordial, e a escola precisa


garantir que ele aconteça. Esse contato pode ser informal ou formal. É
fato que o informal nesse nível de ensino acontece com mais frequên-
Olga1818/Shutterstock

cia que nos outros.

Chamamos aqui de contato informal aquele que se dá entre pais


e professores ou demais profissionais sem que haja agendamento e
pauta prévia. Normalmente ele acontece na escola, no horário da che-
gada ou (com mais intensidade) na saída das aulas. Não é um horário
adequado para assuntos que demandem tempo, mas é recomendável
uma breve conversa, ou um elogio à criança. Isso tranquiliza os pais
e responsáveis, além de deixar a criança orgulhosa de receber uma
atenção do professor. Sempre tenha algo de bom a dizer sobre todas

98 Teoria e prática na Educação Infantil


as crianças e garanta que pelo menos em algum momento todas elas e
suas famílias recebam seu elogio.

Do ponto de vista educacional, o contato com as famílias dos alunos


serve para quatro aspectos (BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 1999).

1 Conhecer a criança
Considere que quando entra na escola a criança já participa de
experiências sociais no seio familiar. Assim, para conhecer melhor a
criança, uma entrevista com os pais/responsáveis ajuda muito. É preci-
so conhecer a criança, seus ritmos, o que lhe agrada, o que não agrada,
que palavras usa para nomear objetos ao seu redor, entre outras coi-
sas. Claro que isso depende da idade em que a criança entra na escola,
mas de qualquer modo a entrevista inicial com os pais/responsáveis é
algo a ser feito com todas as famílias.

Observemos também que é necessário termos um cuidado enor-


me para não rotular a criança. Lembremo-nos de que a criança está
começando a ser ela mesma, a construir sua própria identidade e que
precisa de oportunidades para isso.

Uma dica interessante é alterarmos as maneiras de definirmos a


criança. Por exemplo, convém substituir o verbo ser por estar: Maria-
na é agitada → Mariana está agitada. É percebível que uma simples
mudança de escolha das palavras deixa as portas abertas ao fato de a
criança poder ser diferente das demais.

2 Estabelecer critérios educativos comuns


Para que a parceria família/escola funcione é preciso estabele-
cer alguns acordos para que a transição do contexto familiar para o
educativo flua sem problemas. Muitas vezes há atuação diferente de
pais/responsáveis e professores diante da mesma atitude da criança, e
isso acaba por confundir o pequeno. Assim, uma grande oportunidade
é conversar sobre o acontecimento e pautar alguns combinados com
a família para que haja equilíbrio no desenvolvimento da criança, tudo
feito em um clima de respeito e valorização e especialmente pela segu-
rança da discrição e da confiabilidade.

3 Oferecer modelos de intervenção e relação com as crianças


As relações que a criança estabelece na sala de aula são diferen-
tes daquelas estabelecidas em casa. Não raro, pais e responsáveis
ficam surpresos quando percebem que seu pequeno tem atitudes

Responsabilidades do professor 99
diferentes para uma mesma situação, por exemplo, guardar os brin-
quedos que utiliza. Enquanto a criança faz isso tranquilamente na
escola, em casa recusa-se a fazer. Muitas vezes o comentário dos
pais é: em casa não tem jeito. Nisso entra a ajuda que a escola dará
aos pais: ajudá-los a educar a criança!

É preciso paciência e didática para ajudar os pais a elencarem al-


ternativas para que suas crianças tenham maior independência e par-
ticipação em suas casas. Em outras palavras: é preciso ajudar os pais.
Nesses casos, conversas, cursos, dinâmicas para pais e incentivo à par-
ticipação deles em algumas atividades podem surtir um grande efeito.

4 Ajudar a conhecer a função educativa da escola


É necessário considerarmos que para muitas pessoas a escola de
Educação Infantil serve apenas para cuidar das crianças. Essa informa-
ção ainda é bem forte no senso comum. Por isso é preciso ajudarmos
as famílias a compreender a importância do trabalho realizado nesse
local para o desenvolvimento das crianças. Assim, sempre que possível,
é aconselhável demonstrar as ações da escola para as famílias, seja em
exposições, seja por escrito nas agendas diárias, seja em reuniões. Esse
é um trabalho progressivo e tem necessidade contínua, para que a es-
cola possa ser respeitada na sociedade em que está inserida.

A criação de vínculos com as famílias das crianças será tão maior


quanto o conhecimento que as famílias têm da instituição educativa
e do quanto percebem a instituição como parte colaborativa na edu-
cação de seus filhos.

5.2 Inclusão e respeito às diferenças


Vídeo
Um dos pontos de maior destaque na educação atualmente diz respei-
to à inclusão. São várias as nuances que compõem a d
­ iscussão sobre esse
tema, bem como as variáveis existentes. Propomos aqui uma reflexão
sobre as crianças que apresentam deficiências, dificuldades emocionais
relevantes e altas habilidades. Em outras palavras, tratamos de crianças
que fogem ao padrão estabelecido (PANIAGUA; PALACIOS, 2007).

A ideia aqui não é tecermos indicações específicas para a Educação


Especial visto não ser esse o objetivo deste livro. O que propomos é
uma reflexão acerca da inclusão e do respeito às diferenças. Claro que
é importante considerarmos que as necessidades de algumas crianças

100 Teoria e prática na Educação Infantil


demandam mais de um profissional e, em alguns casos, com especi-
ficidade que a escola regular não consegue cumprir em parte porque
faltam investimentos e políticas que valorizem sua infraestrutura, mas
se a escola se apresenta como aquela que propõe a educação para to-
dos – respeitadora e atenta ao que as crianças precisam –, entendemos
que o campo da inclusão precisa ser abordado.

De fato, a Educação Especial tem avançado em ideias e legislações


para buscar uma educação que inclua as crianças e os jovens sob sua
tutela em uma educação regular, desde que isso seja possível unica-
mente ou em conjunto da especificidade com a educação regular. No
texto da Lei n. 9.394/1996, a Educação Especial é descrita e salientada
que seja realizada preferencialmente em ambiente regular de ensino,
embora não se limite a isso caso seja necessário.

Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a
modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede
regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. (Redação
dada pela Lei n. 12.796, de 2013)
§ 1º. Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na
escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educa-
ção especial.
§ 2º. O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou
serviços especializados, sempre que, em função das condições especí-
ficas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns
de ensino regular.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em:
24 abr. 2023.
wavebreakmedia/Shutterstock

Responsabilidades do professor 101


A legislação brasileira, portanto, concebe que a Educação Especial
deve ser absorvida (quando em condições) pela escola regular. Essa
não é uma tarefa fácil, mas muitos estudos e autores da área demons-
tram ser possível. As situações desafiadoras são muitas, e ainda contam
com muitos preconceitos que foram sendo construídos culturalmente
ao longo dos anos. Devido a isso a inclusão gera verdadeiramente um
desafio aos sistemas educacionais.

O princípio básico do caminho da inclusão é oportunizar a todos os


alunos, independentemente da sua condição econômica, social, cultural,
racial, religiosa ou de desenvolvimento, o acolhimento nas escolas regu-
lares, que devem se adaptar para suprir às necessidades básicas deles.

Um documento muito importante nesse sentido foi a declaração


da Conferência Mundial sobre Educação Especial, em Salamanca, na
­Espanha, em 1994. A ideia era que esse documento fornecesse as dire-
trizes necessárias para a implantação da inclusão social nos países, e
assim se fez. É um documento muito respeitado no mundo todo. Veja-
mos alguns itens dessa declaração (BRASIL, 2023).

• Toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter
o nível adequado de aprendizagem.

• Toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que


são únicas.

• Sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implemen-
tados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades.

• Aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria
acomodá-los dentro de uma pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades.

• Escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de com-
bater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade
inclusiva e alcançando educação para todos. Além disso, tais escolas provêm uma educação efetiva
à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o
sistema educacional.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf. Acesso em: 24 abr. 2023.

Por meio da Declaração de Salamanca podemos perceber como o


conceito de educação inclusiva vai tomando força, pois é essa a ideia da
inclusão na Educação Infantil. Desse modo, nossas reflexões partem da pre-

102 Teoria e prática na Educação Infantil


missa de que a escola de Educação Infantil é um espaço que atende e pro-
move o desenvolvimento das crianças, sejam quais forem suas condições.
/Shutterstock
hyna
Então, o nosso ponto de vista muda: em vez de vermos o aluno na
Ins
Iry
como alguém diferente, passamos a ver a escola como um lugar de
inclusão, e o espaço escolar precisa buscar formas para que a criança
nele incluída possa de fato se desenvolver.

Percebamos que não se trata de apenas integrar as crianças com


deficiências a um meio educacional e contar que apenas essa inclusão
ajudará a educá-las e a desenvolver suas capacidades. Trata-se de mu-
dar a percepção (e a atuação) da escola para a visão inclusiva, pensan-
do em alternativas pedagógicas e respostas educativas suficientes para
educar essas crianças em função de suas necessidades. A escola não
pode uniformizar suas ações de tal forma que não haja espaço para a
inclusão (PANIAGUA; PALACIOS, 2007).

Essa mudança da escola que apenas integra para a escola que


inclui é muito importante, pois muda o foco da ação pedagógica e
resgata o entendimento da função real da escola: educar todos os
que nela estão. Ao considerarmos que as necessidades educacio-
nais especiais se encontram na “relação entre o processo ensino-
-aprendizagem do aluno e a proposta curricular desviamos o foco
de atenção, anteriormente centrado nas dificuldades do aluno, dire-
cionando-o para as respostas educacionais que a escola precisa lhe
proporcionar” (GLAT; BLANCO, 2007, p. 6).

O quadro a seguir mostra algumas vantagens da inclusão sob di-


versos pontos de vista na instituição escolar.
Quadro 1
Vantagens da inclusão

Público Benefício
São poupadas aos efeitos da educação segregada – incluindo os efeitos negati-
vos da categorização, bem como das atitudes negativas, promovidas pela falta
de contato com as demais crianças sem deficiência.
Têm modelos que lhes permitem observar e aprender novas competências
e/ou aprender, por meio da imitação, como e quando utilizar as competências
que já possuem.
Crianças com deficiência
Têm a oportunidade de estar com crianças de idades similares (pares) com as
quais podem interagir de modo espontâneo. Assim, aprendem novas compe-
tências sociais ou comunicativas.
Têm a possibilidade de vivenciar experiências de vida realísticas, que as pre-
param para a vida na comunidade. Têm a possibilidade de desenvolver ami-
zades com as demais crianças.
(Continua)

Responsabilidades do professor 103


Público Benefício
Têm a oportunidade de desenvolver perspectivas mais realistas e adequadas
sobre indivíduos com deficiências.
Têm a oportunidade de desenvolver atitudes positivas diante de outros que
são diferentes delas.
Crianças sem deficiência
Têm a oportunidade de aprender comportamentos altruístas, bem como e
quando usar esses comportamentos.
Têm a oportunidade de observar modelos de indivíduos que, apesar das difi-
culdades, conseguem ter sucesso em determinados domínios.
Pode manter os seus recursos habituais no âmbito da educação da primeira
infância, limitando a necessidade de programas segregados e especializados.
Comunidade
Pode manter os seus recursos educacionais se as crianças com deficiências
que estão integradas no pré-escolar continuarem no Ensino Regular.
Podem aprender acerca do desenvolvimento dito “normal”.
Famílias de crianças Podem sentir-se menos isoladas do restante da comunidade.
com deficiências Podem desenvolver relações com famílias de crianças sem deficiência, as quais
lhes podem prestar um apoio significativo.
Podem desenvolver relações com famílias que têm crianças com deficiências e
assim apoiá-las, contribuindo também, do ponto de vista comunitário, com as
Famílias de crianças sem
chamadas redes sociais de apoio informal.
deficiências
Terão a oportunidade de ensinar aos seus filhos o que são diferenças indivi-
duais e como aceitar indivíduos que são diferentes.

Fonte: Elaborado pela autora com base em Brandão; Ferreira, 2013.

Portanto, esse é o desafio ao buscarmos alternativas pedagógicas


para que as crianças da Educação Infantil sejam de fato incluídas. Para
pensarmos melhor sobre o assunto, vejamos o seguinte exemplo prático.

Pensando na prática
Andréa é professora e organizou uma aula sobre alimentação saudável para
uma turma de 15 alunos com 5 anos de idade e entre eles uma criança com
deficiência visual. Uma das atividades proposta pela professora foi para as
crianças da turma, de olhos vendados, colocarem as mãos dentro de uma
caixa e adivinharem qual alimento estava lá dentro. Dentro da caixa havia
diferentes frutas, legumes e verduras, como pimentão, batata, coco maduro,
laranja, banana.
A dinâmica consistia em uma a uma as crianças, de olhos vendados, co-
locarem a mão na caixa e dizerem o que estavam segurando. Enquanto as
crianças realizavam a dinâmica, uma menina da sala narrava para a colega
cega o que estava acontecendo. Todos estavam animadíssimos com a brin-
cadeira. Pois bem, chegou a vez da aluna cega. A professora Andréa colocou
a caixa no colo da aluna e esperou que ela colocasse a mão dentro da caixa.
A criança não se mexeu. O silêncio intrigou a professora. Muito sorridente a
criança disse: estou esperando você colocar o lenço em mim para começar.

104 Teoria e prática na Educação Infantil


A história da professora Andréa pode acontecer em sua sala de
aula. Acha lógico que a professora, compreendendo que a criança não
enxergava, não achasse necessário vendar os olhos dela? Possivelmen-
te a maioria das pessoas faria como a professora, mas a brincadeira
proposta não era assim, era com as vendas nos olhos. Como a menina
com deficiência visual sabia de tudo porque a colega estava narrando a
atividade para ela, ficou esperando participar nas mesmas condições
que os outros colegas.

Aqui está o princípio da inclusão presente na sala de aula: as crian-


ças merecem a mesma educação, as mesmas propostas. Sem que
pensemos o que elas podem ou não fazer. Nós precisamos acreditar Série
que elas podem realizar qualquer atividade. Assim, devemos propor A série Todas as flores
pode oportunizar uma
muitas atividades para que também desafiem seus limites, assim visão diferenciada da
como o nosso limite como professores. Afinal, a inclusão começa na cegueira. Produzida no
­Brasil pela Globoplay,
sua sala de aula. conta a história de Maíra,
uma moça cega desde o
A escola pode contribuir para oferecer boas oportunidades para nascimento. Observe que
potencializar ao máximo as capacidades de meninas e meninos, se- a temática não é escolar,
mas vai lhe surpreender
jam quais forem. Não se trata de integrar as crianças com deficiên- como o fato de ser cega
cia a um meio normalizado, trata-se de considerar a escola como um não impede Maíra de viver
uma vida digna.
lugar onde há espaço para variedade (PANIAGUA; PALACIOS, 2007).
Direção: Carlos Araújo. Brasil:
Essa é a ideia da escola inclusiva que respeita as diferenças e não faz Globoplay, 2023.
delas barreiras para a aprendizagem.

5.3 Formação continuada


Vídeo
Um dos pontos de maior importância na Educação Infantil diz res-
peito à formação e atuação de seus professores. Na Educação Infantil,
a criança estabelece um relacionamento pessoal e um vínculo afetivo
muito forte com quem a educa, então o diálogo, a voz, a disponibilida-
de e a forma de tratamento do profissional fazem diferença. Todas as
relações interpessoais das crianças com os professores são importan-
tes e incidem diretamente na vida das crianças da Educação Infantil
(ARRIBAS, 2004).

Por isso, o papel do professor de crianças pequenas é muito im-


portante, uma vez que ele não apenas permanece muito tempo com
as crianças, como também é responsável por motivar, organizar as
atividades, criar e oferecer situações educativas de modo a favorecer

Responsabilidades do professor 105


ao máximo o desenvolvimento delas. Considerando que o professor
oferece a cada criança um modelo que a ajudará a estruturar sua per-
sonalidade. É relevante que esse professor tenha boas atitudes, para
influenciar positivamente cada um de seus alunos (ARRIBAS, 2004).

Obviamente não dá para fazermos tudo isso sem gostar de crianças.


Gostar de crianças na faixa etária em que trabalha é um dos pontos
importantes da prática pedagógica, mas convém destacar que não é
o único. Durante muito tempo, professores optavam pela Educação
Infantil com a única explicação de escolha sendo: gosto de cuidar de
crianças. Ora, hoje em dia sabemos que isso não é suficiente para for-
necer uma educação completa. Há muito mais em jogo na educação de
crianças pequenas que alguém que gosta delas. Embora destacamos: é
preciso gostar de crianças para educá-las.

As atitudes do professor precisam ser adequadas e condizentes com


o conceito de educação que a instituição defende. Assim, de modo geral,
são esperadas as seguintes atitudes do professor (­ARRIBAS, 2004):
• atitude de respeito e confiança nos meninos e nas meninas (sem
distinção de gênero);
• atitudes de estima e afeto que favoreçam um clima de bem-estar;
• atitudes de investigação e aperfeiçoamento permanente;
• atitude aberta a todas as inovações que melhorem a aprendiza-
gem dos alunos;
• atitude positiva, ativa e de progresso com relação a tudo que diga
respeito à atividade cotidiana;
• atitude que favoreça o crescimento coletivo a partir do cresci-
BNP Design Studio/Shutterstock
mento individual.

Todas as atitudes listadas requerem um profissional capaz e atua-


lizado. Dessa forma, abordamos o tema da formação continuada dos
professores como elemento primordial para que haja um bom desem-
penho profissional e subsidio para todas as atitudes que o profissional
tomará no seu trabalho.

A influência do professor da Educação Infantil sob a criança é muito


grande. Reflitamos: como é possível aceitar que esse profissional so-
mente tenha uma formação de base? Em muitos lugares do Brasil essa
formação não é realizada pela Educação Superior. Pensemos bem: só
porque a criança é pequena o profissional responsável por ela não pre-

106 Teoria e prática na Educação Infantil


cisa estudar e aprofundar-se? Será que ao respondermos a essa per- Site
gunta não estamos caindo novamente naquela premissa antiga de que A AvaMec é uma página
do site do Ministério da
para ser professor de crianças basta gostar delas? Delors (2003, p. 160) Educação voltada a ofe-
nos auxilia nesse questionamento ao considerar que a: recer cursos on-line de
capacitação para profes-
qualidade de ensino é determinada tanto ou mais pela forma- sores. As temáticas são
ção contínua dos professores do que pela sua formação inicial. bem interessantes, por
isso acessá-la é essencial
A formação contínua não deve desenrolar-se, necessariamente,
para quem procura
apenas no quadro do sistema educativo: um período de trabalho expandir seus conheci-
ou de estudo no setor econômico pode também ser proveitoso mentos profissionais.

para aproximação do saber e do saber-fazer. Disponível em: https://avamec.mec.


gov.br/. Acesso em: 24 abr. 2023.
As reflexões feitas têm a intenção de destacar a importância da
formação continuada por parte da equipe de professores da Educa-
ção Infantil. Essa formação deve ter caráter contínuo e permanente.
A ideia é que possa ser estruturada pela instituição escolar, mas tam-
bém buscada pelos profissionais responsáveis. Não dá para deixar o
coletivo decidir tudo, o professor precisa buscar cursos e atualizações
profissionais por si mesmo.

A formação de professores demanda uma renovação, um aumento


e desenvolvimento de competências que foram adquiridas na sua for-
mação inicial. O mundo muda rápido (tenha as mudanças tecnológicas
como parâmetro) e para a educação mudar na mesma velocidade pre-
cisamos de pessoas dispostas e capacitadas. Então, é preciso estudar.

Atenção
Formar-se continuamente não é só fazer um acúmulo de cursos. É de fato aprender,
mudar, considerar que é possível adequar procedimentos, e técnicas, e certezas, e per-
cepções. Então não basta fazer o curso (ou frequentar a palestra, ou ouvir o podcast, ou
assistir a um vídeo), é preciso considerar realmente o que está sendo dito, refletir sobre
as informações e a sua prática, comparar suas atitudes com as que estão em discussão e Livro
analisar o que é preciso para o seu crescimento e, talvez, a sua mudança. Saber administrar
sua própria formação
continuada é uma das
Alguns motivos podem nos fazer buscar mudanças: inovação, tra- 10 competências listadas
balho em equipe, participação em um projeto educativo da institui- por Perrenoud em seu
livro 10 novas competên-
ção ou da cidade, reflexão pessoal sobre suas atitudes e desempenho cias para ensinar. A obra
profissional. Paulo Freire (1996, p. 43), patrono da educação brasileira, é maravilhosa e a sua
leitura é indicada para
destaca: “na formação permanente dos professores, o momento fun- profissionais que desejam
damental é a reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a aprender mais e estão
abertos ao crescimento
prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”. pessoal e profissional.

A ação de lucidez profissional (PERRENOUD, 2000) também é indi- PERRENOUD, P. São Paulo:
Artmed, 2000.
cada, pois propõe que haja uma reflexão sobre a prática de cada pro-

Responsabilidades do professor 107


fissional em momentos específicos de trabalho em grupo. Claro que
nesse caso o clima organizacional de trabalho tem que ser favorável
para que as pessoas se sintam à vontade para contar suas práticas e ou-
vir e aprender com as dos colegas, sem julgamentos. A ideia é ­crescer,
melhorar. O fato é que a formação continuada de professores é uma
necessidade e nenhum profissional está livre para prescindir dela.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os núcleos familiares passaram por muitas mudanças e os con-
ceitos de família ampliaram-se significativamente com a chegada de
diversas configurações. Isso trouxe necessidades de atualização e
adequação das ações escolares. Hoje em dia, ter um vínculo afetivo
presente com a família dos educandos é uma necessidade para que
a educação dos pequenos estudantes seja concreta, visando ao seu
desenvolvimento integral. Escola e família são contextos diferentes
que visam ao mesmo ideal e precisam trabalhar uníssonos para que
isso seja possível.
Uma escola inclusiva torna-se cada vez mais necessária na realidade
brasileira. Considerando as várias diferenças e necessidades especiais
entre as crianças, a escola precisa encontrar formas de trabalho que
mudem o foco da visão do problema para a solução dele. A solução está
na escola encontrar modos de tornar-se inclusiva, oferecendo a melhor
educação para as crianças, tenham elas deficiências ou não.
Para que a escola possa alcançar seus objetivos e educar realmente
as crianças da atualidade, os professores precisam de formação conti-
nuada. São muitas demandas e atualizações necessárias ao professor,
e a formação continuada apresenta-se como um espaço investigativo
(sobre novas práticas) e reflexivo (sobre a sua prática cotidiana) que
pode ajudar muito o professor.

ATIVIDADES
Atividade 1
Por que hoje em dia não é mais suficiente que o professor ape-
nas goste das crianças que se propõe a educar?

108 Teoria e prática na Educação Infantil


Atividade 2
Qual a importância da formação continuada dos professores para
o desenvolvimento das atividades docentes?

Atividade 3
O que é uma escola de Educação Infantil inclusiva?

REFERÊNCIAS
ARRIBAS, T. L. (org.). Educação Infantil: desenvolvimento, currículo e organização escolar. 5.
ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.
BASSEDAS, E.; HUGUET, T.; SOLÉ, I. Aprender e ensinar na Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 1999.
BRANDÃO, M. T.; FERREIRA, M. Inclusão de crianças com necessidades educativas especiais
na Educação Infantil. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 19, n. 4, p. 487-502, 2013.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018. Disponível em: http://
basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf.
Acesso em: 24 abr. 2023.
BRASIL. Declaração de Salamanca: sobre princípios, políticas e práticas na área das
necessidades educativas especiais. Brasília, DF: MEC, 2023. Disponível em: http://portal.
mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf. Acesso em: 24 abr. 2023.
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.
htm. Acesso em: 5 abr. 2021.
BRASIL. Referencial curricular nacional para a Educação Infantil. Brasília, DF: MEC, 1998. (v. 2).
DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. 8. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC;
Unesco, 2003.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz
e Terra, 1996.
GLAT, R.; BLANCO, L. M. V. Educação especial no contexto de uma educação inclusiva. In: GLAT,
R. (org.). Educação inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Rio de Janeiro: Sette Letras, 2007.
KRAMER, S. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. 9. ed. Rio de Janeiro: Cortez, 2013.
MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 2023. Disponível em: https://
michaelis.uol.com.br/. Acesso em: 24 abr. 2023.
MONTE-SERRAT, F. Emoção, afeto e amor: ingredientes do processo educativo. São Paulo:
Academia de Inteligência, 2007.
PANIAGUA, G.; PALACIOS, J. Educação Infantil: resposta educativa à diversidade. Porto
Alegre: Artmed, 2007.
PERRENOUD, P. 10 novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
WALLON, H. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

Responsabilidades do professor 109


Resolução das atividades
1 Concepções sobre infância e aprendizagem
1. Por que é necessário conhecer as diferentes concepções de infância
ao longo do tempo?
Para conhecer como cada época tratou as crianças pequenas e
compreender que o conceito de infância de hoje se estruturou no que
foi vivido anteriormente. Além disso, para evitar erros do passado no
tratamento e na educação dos pequenos.

2. Em linhas gerais, qual é o ponto principal da teoria de Henry Wallon


e como ela influencia a Educação Infantil?
A afetividade é o ponto principal da teoria de Wallon e ela influencia a
educação das crianças justamente porque demonstra que é preciso
levar em consideração a emoção e os sentimentos das crianças
quando as práticas pedagógicas forem propostas a elas.

3. O professor tem um papel relevante na teoria de Vygotsky? Por


quê?
Sim, para Vygotsky o professor tem um papel importantíssimo no
desenvolvimento das crianças porque ele terá, por meio da linguagem,
a função de mediador das aprendizagens, ajudando a criança com a
compreensão e a reflexão necessárias para aprender.

2 Educação das crianças pequenas no Brasil


1. Como era caracterizada a visão assistencialista na Educação
Infantil?
A visão assistencialista propunha um atendimento para as crianças
que não tinham onde ficar, seja porque os pais trabalhavam fora, seja
porque eram abandonadas. Essa visão ocupava-se de atender as
crianças com abrigo e alimentação.

2. Qual é a importância dos documentos que foram escritos a respeito


da Educação Infantil a partir da Constituição Federal de 1988?
De modo geral, os documentos têm uma importância extrema
porque fundamentam as ações que devem ser feitas com a criança
para que ela se desenvolva. Também são importantes porque partem

110 Teoria e prática na Educação Infantil


do princípio de que a criança é um ser com direitos e deve ser
respeitada. Este é o princípio da educação: como direito de todos,
deve ser também das crianças.

3. A escola de Educação Infantil deve privilegiar o cuidar ou o educar


da criança?
Nenhum dos dois de maneira excludente, afinal a escola de Educação
Infantil deve oferecer tanto cuidado quanto educação. Nessa etapa,
os dois aspectos são indissolúveis, portanto não há como realizar um
sem realizar o outro.

3 A Educação Infantil segundo a BNCC


1. Qual é a importância de a escola de Educação Infantil ter um
currículo pedagógico elaborado com base na BNCC?
O currículo é o guia da escola, o documento que contém as informações
do que será ensinado e de que forma será feito. Muitas vezes a escola
de crianças pequenas era feita de adaptações, de exercícios de
coordenação motora, que apenas preparavam a criança para o futuro,
sem reconhecer a importância da fase de desenvolvimento pela
qual elas estavam passando no presente. Portanto, ter um currículo
próprio, com indicações do que fazer e de como fazer especificamente
para as crianças respeitando a idade delas é de suma importância
como reconhecimento da etapa educativa em questão.

2. Qual é a justificativa de o trabalho da Educação Infantil ser proposto


em divisão de três faixas etárias de acordo com a BNCC?
Como na faixa da Educação Infantil as crianças apresentam muitas
especificidades, entendeu-se que era mais adequado dividir as faixas
etárias em três etapas, conseguindo assim certa determinação do
que as crianças podem fazer em qual idade. Porém, a divisão não
é determinante, pois algumas crianças podem ter outros ritmos de
desenvolvimento e devem ser consideradas igualmente.

3. Está correto dizer que a avaliação da Educação Infantil tem o caráter


de retenção de uma criança que não tenha um bom desempenho
na avaliação, impedindo-a de cursar o Ensino Fundamental?
Justifique sua resposta.
Não. A etapa da Educação Infantil não tem o caráter de retenção das
crianças. E é preciso considerar que a avaliação não deve ter a intenção
de classificar como bom ou mau o desempenho das crianças. O que se

Resolução das atividades 111


espera é o qualitativo de como foi esse desenvolvimento, com base nos
direitos de aprendizagem dela.

4 Organização do trabalho pedagógico na Educação


Infantil
1. Uma vez que as crianças de Educação Infantil são tão pequenas
e têm atitudes imprevisíveis, qual a importância do planejamento
educacional se nem sempre é possível cumpri-lo?
O planejamento é muito importante porque ele dará as bases
do que deve ser realizado com as crianças, fazendo com que o
professor possa organizar sua ação docente, deixando clara
sua intencionalidade educativa. Uma das características do
planejamento é a flexibilização e, caso não seja possível cumpri-lo
na íntegra, ele pode ser reestruturado, mas não pode haver ação
educativa sem planejamento.

2. Por que se diz que na Educação Infantil não há uma sala de aula?
Porque o conceito de aula na Educação Infantil é diferente. Como
dar aulas para bebês? Na nova concepção, os espaços da Educação
Infantil são todos educativos e cada um ensina um pouco para as
crianças, por isso não há necessidade de ter uma aula. Mas, de fato,
as crianças continuarão com uma sala de referência, para poderem
se sentir seguras nesse ambiente, só que não é só nesse espaço que
aprenderão e se desenvolverão.

3. Quais aspectos dos materiais precisam ser levados em conta


quando da escolha deles para o uso na Educação Infantil?
Segurança, adequação à faixa etária e qualidade do material.

5 Responsabilidades do professor
1. Por que hoje em dia não é mais suficiente que o professor apenas
goste das crianças que se propõe a educar?
O afeto e apreço dos professores pelas crianças é fundamental,
mas só isso não caracteriza um bom professor para os dias atuais.
Na Educação Infantil é preciso gostar das crianças, mas também
saber como trabalhar com elas nos tempos atuais, com práticas
pedagógicas que justifiquem essa ou aquela escolha metodológica
para o crescimento e desenvolvimento pleno das crianças.

112 Teoria e prática na Educação Infantil


2. Qual a importância da formação continuada dos professores
para o desenvolvimento das atividades docentes?
A formação continuada é importantíssima para o desenrolar das
atividades docentes porque trará ao professor, além das atualizações
profissionais e a busca da melhor metodologia para os dias atuais, a
possibilidade de reflexão sobre a sua prática docente.

3. O que é uma escola de Educação Infantil inclusiva?


É aquela que preza pelo desenvolvimento pleno das crianças e
busca alternativas metodológicas para educar com qualidade as
crianças, independentemente de suas necessidades. Uma escola
inclusiva foca a busca de opções, não usa a necessidade da criança
como desculpa para não realizar um bom trabalho.

Resolução das atividades 113


Código Logístico
ISBN 978-65-5821-243-0

I0 0 0 8 3 7 9 786558 212430

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