Você está na página 1de 247

(https://md.claretiano.edu.

br

/psideseducrijovadu-gs0056-fev-2022-grad-ead-p/)

1. Introdução
Seja bem-vindo(a)! Você está iniciando o estudo de Psicologia do Desenvolvimento
e Educação de Crianças, Jovens e Adultos, uma das disciplinas que compõem o
seu curso de formação pedagógica na modalidade EaD do Claretiano – Centro
Universitário. Este conteúdo está dividido em 5 Ciclos de Aprendizagem, cada qual
correspondendo a um grupo de conteúdos e objetivos especí�cos, organizados a
partir de eixos temáticos.

Esses conteúdos e objetivos visam contribuir para a formação teórica do pedagogo


nos mais diferentes níveis de ensino, desde a Educação Infantil até a Educação de
Adultos.

Nesta perspectiva, a disciplina visa proporcionar inicialmente, ao futuro pro�ssio-


nal, a compreensão de todo panorama histórico ligado às concepções de criança e
infância, que culminaram em teorias psicológicas sobre desenvolvimento infantil,
práticas pedagógicas e curriculares, e legislações que regulamentam a oferta do
ensino na Educação Infantil.

Além disso, a disciplina aborda o ensino de Jovens e Adultos, considerando suas


características peculiares de desenvolvimento, o contexto social e cultural que in-
�uenciam o per�l e necessidades deste público na Educação, descrevendo assim,
as práticas pedagógicas mais adequadas para o alcance do ensino-aprendizagem.

Por �m, os conteúdos dessa disciplina objetivam contribuir para a formação de um


pro�ssional capacitado a identi�car e aplicar teorias e conceitos condizentes com
o nível de ensino em que o estudante está inserido, bem como auxiliar o educador
a intervir com intuito de potencializar o desenvolvimento psicológico e social do
público ao qual direciona sua ação pedagógica.
2. Informações da Disciplina
Ementa
A disciplina Psicologia do Desenvolvimento e Educação de Crianças, Jovens e
Adultos envolve a re�exão sobre as diferentes fases do desenvolvimento humano,
bem como sobre os fundamentos para o desenvolvimento de práticas educacionais
adequadas atreladas a estas, contribuindo com a formação do pro�ssional no sen-
tido de capacitá-lo para o olhar e a prática junto a diferentes faixas geracionais.
Assim, serão objetos de estudo: As diferentes concepções de infância e de criança
no contexto histórico da sociedade contemporânea. Função social da educação in-
fantil na construção de uma sociedade democrática. A criança e a indústria cultu-
ral. Direitos Humanos e Infância.  Desenvolvimento infantil: características no pla-
no físico, emocional-social e cognitivo. A legislação, as políticas públicas de acesso
e permanência na educação infantil e o processo de democratização do ensino. A
proposta pedagógica e o currículo na educação infantil. Educação de Jovens e
Adultos: caracterização do alunado diante de determinantes pedagógicas e sociais.
A andragogia e a aprendizagem do adulto. Desenvolvimento na adolescência e vida
adulta: características no plano emocional-social e cognitivo.

Objetivo Geral
Compreender e identi�car as características das diferentes faixas geracionais, des-
de a infância até a vida adulta, e, compreender o percurso histórico ligado à con-
cepção de criança/infância até o momento atual, bem como as legislações vigentes
que fornecem os parâmetros para a Educação Infantil, e dentro disso, conhecer as
propostas e o currículo neste nível de ensino. Ainda, caracterizar o alunado na
Educação de Jovens e Adultos no plano social, cognitivo e emocional, re�etindo
sobre as propostas pedagógicas voltadas a este público.

Objetivos Especí�cos
• Compreender a transformação das diferentes concepções de infância e de cri-
ança no contexto histórico.
• Compreender os objetivos e as funções sociais exercidas pela educação infan-
til.
• Identi�car quais os fundamentos para o desenvolvimento de práticas educaci-
onais adequadas na Educação Infantil levando em conta a indissociabilidade
das ações de cuidar e educar.
• Conhecer as legislações que regem a Educação Infantil, sua importância no
sistema educacional e a necessidade de uma educação de qualidade para a
formação das crianças brasileiras.
• Formular re�exões sobre a organização curricular na Educação Infantil, e den-
tro disso, re�etir acerca das implicações da organização do tempo e do espaço
para um trabalho de qualidade nas creches e nas pré-escolas.
• Caracterizar o alunado da Educação de Jovens e Adultos, bem como reconhe-
cer a contribuição da Andragogia para o processo de desenvolvimento e
aprendizagem de adultos.
• Compreender as características do desenvolvimento nas diversas áreas ou di-
mensões (física, cognitiva e social) da infância, adolescência e vida adulta, de
forma a estabelecer práticas pedagógicas que considerem as etapas e as ca-
racterísticas de desenvolvimento.
(https://md.claretiano.edu.br

/psideseducrijovadu-gs0056-fev-2022-grad-ead-p/)

Ciclo 1 – Um Olhar Sobre a História da Criança e da


Infância, e Desenvolvimento Infantil

Lucimary Bernabé Pedrosa de Andrade


Tatiana Noronha de Souza
Vera Lúcia Casari Parreira

Objetivos
• Conhecer as diferentes concepções de infância e de criança no contexto
histórico da sociedade contemporânea, e dentro disso, analisar a função
social da educação infantil.
• Re�etir acerca do impacto da indústria cultural no desenvolvimento in-
fantil e na formação das crianças, e ainda compreender as diferentes ca-
racterísticas que envolvem as etapas da infância.

Conteúdos
• As diferentes concepções de infância e de criança no contexto histórico
da sociedade contemporânea.
• Função social da educação infantil na construção de uma sociedade de-
mocrática.
• A criança e a indústria cultural, e o consumismo. Direitos Humanos e
Infância.
• Desenvolvimento infantil: características no plano físico, emocional-
social e cognitivo.

Problematização
Podemos dizer que os conceitos criança e infância são sinônimos? Podemos
considerar que temos uma infância única ou múltiplas infâncias? Como pode-
mos caracterizar a infância na atualidade? Será que o consumo exagerado es-
timulado pelo mercado capitalista gera consequências para a criança? Quais
as características de desenvolvimento da criança, que o mercado leva em con-
ta, para elaborar suas estratégias de venda? Como a criança se tornou um su-
jeito de direitos? O que é construtivismo e quais autores o adotam para pensar
a aprendizagem da criança? Quais concepções foram sendo criadas para se
pensar o desenvolvimento e a aprendizagem humana? Como Piaget caracteri-
zou as fases de desenvolvimento na infância? E como Vygotsky entende a
aprendizagem e o desenvolvimento? Quais características marcam o desen-
volvimento da criança nos planos físico, social/emocional e cognitivo?

1. Introdução
Neste primeiro momento de nossa disciplina, veremos as diferentes concep-
ções de criança e infância, considerando o percurso histórico até chegar à so-
ciedade contemporânea, e dentro disso, re�etiremos sobre o impacto da indús-
tria cultural e do consumismo na formação das crianças. Ainda, abordaremos
os principais teóricos do desenvolvimento e aprendizagem, além das caracte-
rísticas das diversas etapas da infância.

Vamos lá?!

2. As Concepções de Infância e de Criança: Um


Percurso Histórico
De acordo com as ideias propostas no artigo Uma Análise de Concepções
Sobre a Criança e a Inserção da Infância no Consumismo (https://www.scie-
lo.br/j/pcp/a/PpWFYqBNjcgfqVDMZx4r4WC/?format=pdf&lang=pt), também
apresentaremos como o conceito de criança e de infância foi se constituindo
no tempo, passando por vários períodos históricos: Antiguidade, Idade Média,
Modernidade e Contemporaneidade.

Percebemos que a ideia ou sentimento de infância estava ausente até o �m do


século 17, começando a surgir quando se concebe a diferença entre crianças e
adultos, sendo a escola fundamental nesse cenário. Outro ponto a ser destaca-
do, como o artigo bem apresenta, percebe-se como a ideia de infância ou cri-
ança muda conforme o tempo, sendo uma construção social/cultural e históri-
ca, alçando cargos de categorial social.

É necessário reconhecermos a criança como sujeito sócio-histórico cultural,


que tem direitos e deveres e que merece uma atenção especial da família, dos
pro�ssionais que trabalham com a educação infantil e do Estado. NEsse senti-
do, propomos uma discussão às seguinte questões: como a criança se tornou
esse sujeito sócio-histórico cultural? Quais os aspectos que são importantes
para compreender o seu desenvolvimento e como ela aprende e constrói co-
nhecimentos acerca da realidade social?

A �m de responder estas e outras questões, precisaremos retornar nosso olhar


à história da infância.

3. Um olhar sobre a história da infância


Em O desaparecimento da infância, Postman (1999, p. 11) a�rma que “as crian-
ças são mensagens vivas que enviamos a um tempo que não veremos”. O au-
tor aponta que, ultrapassado o primeiro ano de sua vida, a criança torna-se um
“artefato” social, e não somente biológico. Como prova para esse argumento,
ele demonstra com dados históricos que a ideia de infância nem sempre exis-
tiu; ela varia de acordo com a história, incluindo-se os valores sociais. Nesse
caso, devemos pensar:

A sociedade atribui o mesmo valor para as crianças da elite e para as crianças pobres?

Como exemplo, Postman (1999) cita que, em 1890, escolas secundárias ameri-
canas selecionavam, apenas, 7% dos jovens de idade entre 14 e 17 anos para
estudar. As crianças e os jovens não selecionados trabalhavam como adultos,
do nascer ao pôr do sol, nas grandes cidades.
A ideia de infância mais próxima da ideia atual surgiu na Renascença.
Posteriormente é que se reconheceu essa infância como uma estrutura social
de condição psicológica peculiar.

Na sociedade medieval europeia, a criança não era percebida como diferente


do adulto. Ela participava do universo adulto intensamente, isto tanto nas ati-
vidades relacionadas ao trabalho quanto nas vivências culturais, por meio dos
jogos, das brincadeiras e histórias. Os altos índices de mortalidade infantil
nessa época revelam certa promiscuidade quanto aos cuidados e à atenção às
crianças pequenas.

A família não exercia função afetiva, mas de conservação dos bens. As trocas
afetivas e as comunicações sociais eram realizadas fora da família, no ambi-
ente de criados, de amigos etc.

Com o desenvolvimento da sociedade industrial no século 17, ocorreu a sepa-


ração da criança do mundo adulto, resultante do movimento de moralização
da sociedade promovido pelos reformadores católicos ou protestantes ligados
à Igreja e ao Estado. A família tornou-se o lugar de afeição e passou a se orga-
nizar em torno da criança, e a mulher assumiu os papéis de mãe e educadora
responsável pela educação da sua prole. Assim, desenvolvem-se a ideologia
do “amor materno” e o “sentimento da infância”.

A obra clássica de Phillippe Ariès (1981), A história social da criança e da fa-


mília, identi�ca a ausência de um sentimento da infância até o �nal do século
17. Esse sentimento surgiu quando a sociedade passou a ter consciência da
particularidade infantil e da diferença entre as crianças e os adultos. A escola
apareceu como instituição destinada à educação das crianças, separando-as
da vida adulta. O “sentimento da infância” desenvolveu-se, paralelamente, ao
“sentimento da família”, que passou a ser o lugar de afeição entre os cônjuges
e entre os pais e seus �lhos. Esse sentimento se desenvolveu, inicialmente,
nas camadas superiores da sociedade.

Dessa forma, podemos concluir que a ideia de infância e de criança se modi�-


ca no tempo e no espaço; ela é uma construção histórica e cultural resultante
das mudanças na organização da sociedade e de suas estruturas econômicas
e sociais.

Segundo Kramer (1982), a ideia de infância apareceu com a sociedade capita-


lista urbano-industrial, quando se modi�cou o papel social desempenhado pe-
la criança na comunidade.

Para essa autora:

A idéia da infância, não existiu sempre e da mesma maneira. Ao contrário, ela apa-
rece com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na medida que mudam a in-
serção e o papel social da criança na comunidade. Se, na sociedade feudal, a crian-
ça exercia um papel produtivo, assim que ultrapassava o período de alta mortalida-
de, na sociedade burguesa, ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada, escolari-
zada e preparada para uma atuação futura. Esse conceito de infância é, pois, deter-
minado historicamente pela modi�cação nas formas de organização da sociedade
(KRAMER apud GOUVÊA, 2002, p. 14).

Infância ou infâncias

Pode-se a�rmar que cada criança vive a experiência infantil no interior de


uma determinada cultura; por isso, a infância não se constitui numa categoria
universal. Por exemplo, temos que uma criança indígena desenvolve padrões
de comportamentos e de conhecimentos diferenciados dos de uma criança de
cultura ocidental urbana.

Assim, a concepção de criança é historicamente construída, e, consequente-


mente, ela se altera ao longo dos tempos, não se apresentando homogênea
nem mesmo em uma mesma época e sociedade.

O fato de que cada criança vivencia a experiência infantil numa determinada


cultura delimita os padrões de seu desenvolvimento, seus saberes, seus valo-
res e suas práticas sociais.

No Brasil, historicamente falando, as vivências da infância ocorreram a partir


do pertencimento sociorracial e de gênero.
Assim é que, por exemplo, a criança escrava, exercia seu aprendizado para a vida
adulta através do trabalho, iniciado já aos seis, sete anos de idade. O menino branco
da elite tinha sua formação nos colégios, onde adquiria sua instrução intelectual ao
mesmo tempo que se preparava para o exercício do mando. Já as meninas brancas
da elite, tinham um aprendizado mais restrito, voltado para a aquisição de saberes
tidos como femininos’. As vivências da infância eram radicalmente diferenciadas,
de�nidas pela sua inserção social, por pertencimentos raciais e de gênero. Isso de-
terminava diferentes processos e conteúdos de aprendizagem em instâncias dis-
tintas, o colégio no caso, da criança de elite, ou o trabalho, no caso da criança pobre
ou escrava (GOUVÊA, 2002, p. 14).

Na sociedade atual, o padrão de infância é determinado pelo modelo infantil


da criança da classe burguesa, o que acaba acarretando a marginalização e a
exclusão das crianças de outros segmentos sociais. Por isso, é importante que
os pro�ssionais da educação reconheçam esse aspecto e considerem as dife-
rentes culturas e as diferentes infâncias que se entrelaçam no contexto esco-
lar.

A infância na atualidade

É imprescindível que os professores da educação infantil discutam sobre a in-


fância na atualidade, de forma a não vê-la como uma infância idealizada.

Postman (1999) alega que a mídia tem causado a “expulsão da infância”. Esse
desaparecimento da infância pode ser visto de diversas formas, e um dos indi-
cadores disto vem de dados dos meios de comunicação, quando vemos a bus-
ca de uma “fusão” entre gostos de crianças e adultos. O aumento do uso de
drogas, do alcoolismo, da atividade sexual e da criminalidade também é um
indicador de que a infância, como visto anteriormente, está desaparecendo.

Nessa direção, Castro (1998), ao tratar da infância e da adolescência na cultura


do consumo, discute a pedagogia da televisão, que vem, a cada dia, ganhando
mais força por meio dos programas de TV, do computador, de joguinhos etc. A
autora ainda a�rma que:
Uma outra pedagogia se instala: a da televisão, que por meio da imagem e do som,
da sedução estética, da provocação, da estimulação sensitiva, bate e rebate em te-
mas de relevância atual: a violência, o amor, a sexualidade, a amizade, a traição, o
desejo, a ganância e o sucesso (CASTRO, 1998, p. 11).

Outro aspecto a se destacar na infância atual é sua solidão. As crianças


encontram-se cada vez mais solitárias em companhia de seus pares, pois uma
grande parte destes está sempre ocupada com sua própria vida, pela necessi-
dade de ganhar dinheiro e não perder tempo. Entretanto, essa realidade vai à
contramão do que muitos dos especialistas indicam: o aumento do diálogo en-
tre as famílias e suas crianças.

Esse é um problema que recai sobre as infâncias das várias classes sociais,
mas algo caracteriza, em particular, a infância não pobre: torna-se esta, cada
vez mais, consumidora de produtos apresentados pelas mídias como objetos
de desejo. Para Castro (1998, p. 14):

As condições de vida contemporânea estabelecem novos parâmetros para a rela-


ção entre adulto e criança/adolescente, realinhando as posições que, em geral, tem
predominado entre estes parceiros, tais como, a de educador e a de educando, a de
experiente e a de não-experiente, a de ser maduro e a de ser imaturo, respectiva-
mente. Distante do convívio com o adulto, hoje, mais do que há algumas décadas
atrás, em casa solitariamente assistindo à tevê, ou em bandos de pares perambu-
lando pelas ruas, nos shoppings, nos lugares de lazer e divertimento, a criança e o
jovem transitam nestes espaços estabelecendo sua inserção no modo de vida urba-
no.

É fundamental pensar nessas questões quando se trabalha ou convive com


crianças, e é necessário construir um olhar crítico diante dessa nova realida-
de, tendo em vista que podemos decidir qual é a educação que queremos dar
para nossa infância mesmo com tantas in�uências externas. Não signi�ca
que tenhamos de isolar a criança dessas in�uências, mas, sim, fazê-la lidar
com elas criticamente, oferecendo espaços de re�exão acerca da realidade e
aumentando seu repertório cultural.

Para que isso seja feito, é necessário que, antes de tudo, o adulto também reco-
nheça e compreenda essa realidade; quais são os aspectos positivos e negati-
vos para seu desenvolvimento. Ele deve estar consciente de o quanto está
“condicionado” por essa realidade e se também é movido pelas in�uências da
mídia, pois só assim poderá transformar sua realidade e educar as suas crian-
ças em uma direção mais crítica.

Ao ser questionado sobre se irá haver instituições sociais su�cientemente for-


tes e empenhadas para resistir ao desaparecimento da infância, Postman
(1999) a�rma que somente duas instituições se interessam por essa questão: a
família e a escola.

Essas instituições se enfraqueceram quando os adultos perderam o controle


sobre o ambiente informacional das crianças. A mídia enfraqueceu o papel da
família e da escola, fazendo muitos pais e professores perderem a con�ança
em sua capacidade de educar as suas crianças. Essa situação de con�ito faz
que pais e escola recorram a especialistas de diversas áreas para comparti-
lhar – e, muitas vezes, assumir – a responsabilidade pela educação da crian-
ça.

O que ocorre em grande parte das vezes é a invasão da autoridade parental e a


perda da intimidade, da dependência e da lealdade, que, durante tanto tempo,
caracterizaram a relação entre pais e �lhos. Postman (1999) aponta que alguns
autores acreditam que, atualmente, essa relação é essencialmente neurótica e
que as crianças são mais bem educadas pelas instituições do que por suas
respectivas famílias.

Essa postura é um grande equívoco, uma vez que deveríamos encarar a edu-
cação da criança como compartilhada, tendo a instituição e os pais o papel de
juntos buscarem os melhores caminhos para a educação das crianças. Caso
essa parceria não aconteça, será instalada uma competição, o que trará gran-
des prejuízos às crianças.

4. Precursores da educação infantil


Como vimos, a infância é uma construção histórica.
Com o desenvolvimento, no século 17, da industrialização nos países europeus,
a educação foi preconizada como fundamental para o desenvolvimento social
e para a inserção da criança no mundo adulto. Nesse período, a criança pas-
sou a ser reconhecida como um sujeito diferenciado do adulto, o que determi-
nou a história do discurso pedagógico das instituições de atendimento à in-
fância.

Agora, conheceremos a contribuição de vários teóricos que favoreceram a


construção da história da educação infantil.

João Amós Comênio (1592-1670)

Educador e bispo protestante checo, João Amós Comênio é considerado o mai-


or educador do século 17. Em um dos capítulos de sua obra Didática Magna,
descreveu um “programa para a pré-escola”, esboçando o que a criança deve-
ria conhecer:

• metafísica;
• ciências físicas;
• óptica;
• astronomia, geogra�a e cronologia;
• história;
• aritmética, geometria e estatística;
• artes;
• mecânica;
• gramática, retórica, poesia e música;
• economia doméstica;
• política, moral, religião e piedade.

Comênio escreveu um livro, intitulado O informador da escola materna, dedi-


cado às mães, enfatizando que o nível inicial do ensino era o colo das mães e
que isto deveria ocorrer dentro dos lares.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)


Jean-Jacques Rousseau exerceu grande in�uência sobre a educação, podendo
ser considerado um dos precursores da educação pré-escolar. Foi com base
em suas contribuições para o reconhecimento da infância que as crianças dei-
xaram de ser vistas como “adultos em miniaturas” e foram compreendidas co-
mo seres de ideias próprias, diferentes das dos adultos.

Rousseau combatia o autoritarismo de todas as instituições sociais que vio-


lentassem a liberdade característica da natureza. Sua concepção de educação
destaca a natureza como o ambiente apropriado para o desenvolvimento in-
fantil.

Para ele, a educação do homem inicia-se com o seu nascimento, orientada pe-
los sentidos; depois, pela fantasia e, posteriormente, pela razão. Uma das gran-
des obras de Rousseau foi Emílio, publicada em 1762.

Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827)

Educador suíço in�uenciado pelas ideias de Rousseau, Johann Heinrich


Pestalozzi concebia como pressuposto básico da educação da infância a aqui-
sição dos primeiros elementos do saber de forma natural e intuitiva.
Enfatizava como forças vitais da educação a bondade e o amor.

Dentre os aspectos enfatizados por Pestalozzi na educação, podemos destacar:

1. Educação metodicamente ordenada para os sentidos.


2. Continuação da ideia de prontidão e a da organização graduada do conhe-
cimento, ou seja, do mais simples ao mais complexo.
3. A escola deveria treinar a força de vontade e desenvolver as atitudes mo-
rais dos alunos.
4. Adaptação de métodos de ensino ao nível de desenvolvimento dos alunos
por meio de atividades de música, artes, soletração, geogra�a e aritméti-
ca, além de muitas outras linguagens orais e do contato com a natureza.
5. Conceito de disciplina baseado na boa vontade recíproca e na interação
entre o professor e o aluno.
Friedrich Froebel (1782-1852)

Educador protestante alemão, Friedrich Froebel pode ser considerado criador


dos kindergartens (jardins de infância), local onde as crianças e os adolescen-
tes eram tidos como pequenas sementes a serem adubadas.

Apresentamos estes aspectos da proposta educacional de Froebel:

1. Reconhecimento dos aspectos educativos do brinquedo e das atividades


lúdicas no processo de desenvolvimento da infância.
2. Autoeducação pelo jogo, contribuindo para o desenvolvimento físico, in-
telectual e moral.
3. Destaque à importância do contato estreito da criança com a natureza.
4. Enfoque no valor da atividade manual, confecção de brinquedos para a
aprendizagem da aritmética e da geometria e proposta para que as ativi-
dades educativas incluíssem conversas, poesias e o cultivo da horta pelas
crianças.

Ovide Decroly (1871-1932)

Médico psiquiatra belga e contrário aos seus precursores, que destacavam a


importância de um trabalho com as sensações, Ovide Decroly defendia um en-
sino voltado para o intelecto.

Segundo ele, os conhecimentos deveriam ser relativos à personalidade da cri-


ança; suas necessidades, seus interesses e o conhecimento dos meios natural
e humano em que ela vive. Os conteúdos deveriam ser desenvolvidos por meio
de centros de interesse organizados em três eixos:

• observação;
• associação;
• expressões.
John Dewey (1859-1952)

Educador americano, John Dewey foi considerado o mais importante teórico


da educação americana ativa e progressista. Ele destacava a importância do
método cientí�co para subsidiar o trabalho em sala de aula, preparando a cri-
ança para a vida. Foi o precursor da Escola Nova.

Para mais informações sobre a Escola Nova, importante movimento de renovação do ensino ocorrido for-
temente na primeira metade do século XX, clique aqui! (http://www.educacional.com.br/glossariopedago-
gico/verbete.asp?idPubWiki=9577)

Maria Montessori (1859-1952)

Médica italiana, Maria Montessori iniciou o trabalho com materiais apropria-


dos, como recursos educacionais. Ao destacar o aspecto biológico do cresci-
mento e desenvolvimento humano, Montessori elaborou materiais especí�cos
à exploração sensorial pelas crianças.

Conheça algumas das contribuições de Montessori para a educação:

1. Criação de instrumentos especialmente elaborados à educação motora,


sobretudo ligados à tarefa de cuidado pessoal, e à educação dos sentidos e
da inteligência.
2. Requisição da diminuição do tamanho do mobiliário que era usado pelas
crianças nas pré-escolas.
3. Pensamento de que a criança deveria ser disciplinada pelo trabalho que a
ocupava.
4. Ideia de que caberia ao educador desenvolver uma atitude discreta de
preparação do ambiente e observação das iniciativas infantis.

Célestin Freinet (1896-1966)


Ao contrário dos teóricos que foram vistos até agora, quase todos eles �lósofos,
psicólogos ou médicos, Célestin Freinet era professor primário, sendo reco-
nhecido como um dos grandes educadores do século 20.

Freinet enfatizava que a educação das crianças deveria extrapolar os limites


da sala de aula e entregar-se às experiências vividas por elas em seu meio so-
cial. Segundo Oliveira (2002), embora Freinet não tenha trabalhado, direta-
mente, com crianças pequenas, a sua experiência teve lento, mas marcante
impacto sobre as práticas didáticas em creches e pré-escolas em vários paí-
ses.

Como contribuições de Freinet para a educação infantil, podemos apresentar:

• ênfase na autoexpressão e participação em atividades cooperativas;


• atividades manuais e intelectuais para a formação de uma disciplina
pessoal e a criação do trabalho-jogo;
• didáticas que enfatizavam as seguintes atividades e técnicas:

1. aulas-passeio;
2. desenho e texto livres;
3. jornal escolar;
4. correspondência interescolar;
5. o�cinas de trabalhos manuais e intelectuais e livro da vida.

Jean Piaget (1896-1980)

Piaget é considerado o criador da epistemologia genética e sempre esteve pre-


ocupado com a construção do conhecimento nos campos social, afetivo, bio�-
siológico e cognitivo.

Ele não propõe um método de ensino, porém, ao elaborar uma teoria do conhe-
cimento, subsidiará a ação de psicólogos e pedagogos.

A seguir, veja quais as contribuições de Piaget no âmbito da educação infantil,


apresentadas por Kramer (1999, p. 31):
1. Tudo começa pela ação. As crianças conhecem os objetos, usando-os (um es-
quema é aplicado a vários objetos e vários esquemas são aplicados ao mesmo
objeto).
2. Toda atividade na pré-escola deve ser representada (semeotizada), permitin-
do que a criança manifeste seu simbolismo.
3. A criança se desenvolve no contato e na interação com outras crianças: a pré-
escola deve sempre promover a realização de atividades em grupo.
4. A organização é adquirida por meio da atividade e não o contrário. É fazendo
a atividade que a criança se organiza.
5. O professor é desa�ador da criança: ele cria “di�culdades” e “problemas”.
Assim, a pré-escola deixa de ser vista como passatempo, e passa a ser um es-
paço criativo, que permite a diversi�cação e ampliação das experiências in-
fantis, valorizando a iniciativa, curiosidade e inventividade da criança e pro-
movendo sua autonomia.
6. Na pré-escola é essencial haver um clima de expectativas positivas em rela-
ção às crianças, de forma a encorajá-las a ter con�ança nas suas próprias
possibilidades de experimentar, descobrir, expressar-se, ultrapassar seus me-
dos, ter iniciativa etc.
7. No currículo da pré-escola, informado pela teoria de Piaget, as diferentes áre-
as do conhecimento (linguagem, matemática, ciências naturais e sociais) são
integradas. O eixo central desse currículo são as atividades.

Lev Semenovich Vygotsky (1896-1943)

Vygotsky pode ser considerado um dos maiores representantes dos pressu-


postos sociointeracionistas ou sócio-históricos. Para ele, a construção do pen-
samento e da subjetividade é um processo cultural.

O autor destaca a importância das interações sociais para o desenvolvimento


humano, bem como apresenta o conceito de Zona de Desenvolvimento
Proximal (ZDP), a importância do brincar para o desenvolvimento infantil e a
relação entre o pensamento e a linguagem.

Para ele, é nessa Zona de Desenvolvimento Proximal que atua a intervenção


pedagógica, pois é nela que a interferência dos outros indivíduos é mais trans-
formadora. O trabalho escolar deve ser construído tomando-se o Nível de
Desenvolvimento Real (NDR) da criança como o ponto de partida e os objetivos
estabelecidos pela escola como o ponto de chegada, adequados, evidentemen-
te, à faixa etária, ao nível de conhecimento e às habilidades de cada grupo de
crianças. O caminho das atividades realizadas vai ser “balizado” pelas possibi-
lidades que as crianças possuem, ou seja, pelo seu Nível de Desenvolvimento
Potencial (NDP) (OLIVEIRA, 2006).

Veri�ca-se, então, que o professor tem o papel de interferir na ZDP, provocando


avanços no desenvolvimento da criança que não acontecerão de maneira es-
pontânea. Oliveira (2006), citando as palavras de Vygotsky, diz que o único en-
sino bom é aquele que se adianta ao desenvolvimento da criança, e os procedi-
mentos de demonstração, de assistência, de fornecimento de pistas e de ins-
truções são fundamentais ao desenvolvimento das crianças.

Diferentemente das ideias de Piaget, que enfocavam um desenvolvimento in-


fantil anistórico, isso no sentido de que os aspectos biológicos determinavam
esse desenvolvimento, as de Vygotsky acreditavam que o desenvolvimento
humano é sócio-histórico, ou seja, que, nesse caso, as características da infân-
cia mudariam de acordo com a cultura e o momento histórico.

É importante destacar que não podemos interpretar os autores levianamente


assim como foi feito com Piaget, gerando, assim, uma postura espontaneísta
do educador. Em se tratando de Vygotsky, devemos estar atentos à seguinte
questão:

Embora Vygotsky enfatize o papel da intervenção no desenvolvimento, seu


objetivo é trabalhar com a importância do meio cultural e das relações entre
os indivíduos na de�nição de um percurso de desenvolvimento da pessoa hu-
mana, e não propor uma pedagogia diretiva, autoritária (OLIVEIRA, 2006, p.
63).

Além disso, Vygotsky claramente apontou a ideia de “reconstrução” e “reela-


boração” dos signi�cados transmitidos pela cultura em cada indivíduo
(OLIVEIRA, 2006, p. 63).

5. A criança e a educação infantil: Alguns pon-


tos para debate
Como vimos, as concepções de infância e educação infantil são construções
históricas que foram determinantes às práticas pedagógicas das instituições
de educação infantil.

Atualmente, a criança é reconhecida como sujeito social, histórico e detentor


de direitos sociais. Temos a contribuição de várias ciências, ciências essas
que favoreceram a construção de uma nova identidade da criança, vista agora
como um sujeito em potencial, com características distintas das dos adultos,
devendo, por isso, ser respeitada em todas as suas particularidades e em sua
individualidade.

A seguir, veja quais as concepções de criança presentes nas políticas de edu-


cação infantil no Brasil:

1. A criança, como todo ser humano, é um sujeito social e histórico e faz


parte de uma organização familiar, que está inserida em uma sociedade,
com uma determinada cultura, em um determinado momento histórico.
2. A criança é profundamente marcada pelo meio em que ela se desenvolve,
mas também o marca.
3. A criança tem, na família (biológica ou não), um ponto de referência fun-
damental, apesar da multiplicidade de interações sociais estabelecidas
com outras instituições sociais.
4. As crianças possuem uma natureza singular que as caracterizam como
seres que sentem e que pensam o mundo de um jeito muito próprio.
5. As crianças constroem seu conhecimento com base nas interações que
estabelecem com as outras pessoas e com o meio em que vivem, por
meio de um intenso trabalho de criação, de signi�cação e de resigni�ca-
ção (BRASIL, 1998).

Partindo dessa concepção de infância, as instituições de educação infantil,


que são espaços complementares à ação da família, deverão garantir o desen-
volvimento físico, emocional, cognitivo e social da criança, como também de-
verão enriquecer seus conhecimentos e desenvolver atividades nas quais a
criança tenha a possibilidade de construir novas aprendizagens, de desenvol-
ver potencialidades, ampliar o processo de socialização e conquistar a autono-
mia.
A concepção de construção de conhecimentos pela criança em situações de
interação social foi pesquisada com diferentes enfoques e diferentes aborda-
gens por vários autores, tais como Piaget, Vygotsky e Wallon.

Nas últimas décadas, esses conhecimentos, que, por sua vez, apresentam tan-
to convergências quanto divergências, têm in�uenciado, efetivamente, o cam-
po da educação. Sob o nome de “construtivismo”, eles reúnem as ideias que
preconizam tanto a ação do sujeito quanto o papel signi�cativo da interação
social no processo de aprendizagem e de desenvolvimento da criança.

Você sabia que a ideia da criança como ser portador de direitos teve início
após a década de 1950, no contexto internacional do Pós Segunda Guerra
Mundial, com as crescentes preocupações em relação à situação da infância
na sociedade? Em 1959, foi promulgada, pela Organização das Nações Unidas
(ONU), a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1949. No Brasil, o re-
conhecimento da criança como sujeito de direitos ocorreu com a promulgação
da Constituição Federal de 1988.

As práticas pedagógicas desenvolvidas nas instituições de educação infantil


devem estar, sobretudo, comprometidas com o reconhecimento da criança co-
mo sujeito de direitos.

Como reconhecer e materializar, no contexto institucional, os direitos da in-


fância?

Temos, no documento publicado em 1997 pelo Ministério da Educação, que foi


intitulado Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos
fundamentais das crianças, elaborado pelas pesquisadoras da Fundação
Carlos Chagas, Maria Malta Campos e Fúlvia Rosemberg, um bom fundamen-
to teórico, capaz de subsidiar as práticas pedagógicas comprometidas com a
cidadania da infância:

Esta creche respeita criança

(critérios para a unidade creche)


Nossas crianças têm direito à brincadeira.
Nossas crianças têm direito à atenção individual.
Nossas crianças têm direito a um ambiente aconchegante, seguro e estimulante.
Nossas crianças têm direito ao contato com a natureza.
Nossas crianças têm direito à higiene e saúde.
Nossas crianças têm direito a desenvolver sua curiosidade, imaginação e capacidade de expressão.
Nossas crianças têm direito ao movimento em espaços amplos.
Nossas crianças têm direito à proteção, ao afeto e a amizade.
Nossas crianças têm direito a expressar seus sentimentos.
Nossas crianças têm direito a uma especial atenção durante seu período de adaptação à creche.
Nossas crianças têm direito a desenvolver sua identidade cultural, racial e religiosa.

Desenvolvimento e aprendizagem na infância


Com base em estudos e em pesquisas, várias concepções históricas foram de-
senvolvidas acerca do desenvolvimento humano. Dentre elas, podemos apre-
sentar:

• Concepção inatista.
• Concepção ambientalista.
• Concepção interacionista.

Antes de começarmos a discutir sobre tais concepções, você poderia se arris-


car em dizer qual é o foco de cada uma delas? Re�ita e compare suas ideias
com o que explicitaremos a seguir.

A concepção inatista destaca a preponderância dos fatores hereditários e o


papel da maturação no processo de desenvolvimento humano.

Você pensou em algo parecido com isso?

Nessa perspectiva, o papel do ambiente é minimizado diante dos padrões ina-


tos de comportamento do ser humano. O ditado popular que diz que “�lho de
peixe, peixinho é” elucida os pressupostos da concepção inatista.

Essa concepção in�uenciou muitas das teorias e práticas pedagógicas dos pri-
meiros jardins de infância, nos quais a criança era considerada uma semente,
cujas aptidões seriam desabrochadas mediante os cuidados dos adultos.

A aprendizagem, na visão inatista, estaria relacionada, apenas, à questão de


maturidade do organismo, ou seja, somente se pode ensinar quando as crian-
ças já apresentam maturidade para aprender. Dessa forma, qualquer manifes-
tação de curiosidade sobre um determinado assunto pode ser adiada em razão
de uma “ausência de maturidade”. É importante apontar que a ênfase na here-
ditariedade pode contribuir para uma atitude passiva do adulto diante do de-
senvolvimento infantil.

Contraposta a essa ideia, temos a concepção ambientalista, na qual o ambien-


te é um fator preponderante para o desenvolvimento humano. Nessa concep-
ção, considera-se que o homem tem ampla capacidade de se adaptar a dife-
rentes situações de existência, apresentando novos comportamentos, isso
desde que lhe sejam dadas condições satisfatórias. Tente pensar em uma situ-
ação de sala de aula, no comportamento dos alunos e do professor.

Na perspectiva ambientalista do desenvolvimento, o conhecimento e a apren-


dizagem são determinados pela estimulação externa. O ambiente assume a
responsabilidade de “moldar” o ser humano, o que signi�ca a passividade e a
dependência da criança com relação ao adulto no processo de aprendizagem.

Essa perspectiva in�uenciou os programas de educação compensatória de-


senvolvidos na educação infantil no Brasil, nas décadas de 60 e 70 do século
passado.

Contrapondo as duas visões anteriores sobre o desenvolvimento infantil, te-


mos a concepção interacionista, a qual concebe o desenvolvimento humano
resultante de trocas recíprocas ao longo de toda a vida, entre o indivíduo e o
meio, em que ambos se in�uenciam e se modi�cam.

As características biológicas das crianças contribuem para a sua ação no soci-


al, sendo elas capazes de modi�cá-lo. Todavia, essa ação também interfere na
construção de suas próprias características biológicas.

Segundo Oliveira (2005, p. 126):


Ao constituir seu meio, atribuindo-lhe a cada momento determinado signi�cado, a
criança é por ele constituída; adota formas culturais de ação que transformam sua
maneira de expressar-se, pensar, agir e sentir.

Para a concepção interacionista, o desenvolvimento humano e a construção


de conhecimentos ocorrem por meio da interação da criança com outras pes-
soas do seu meio ambiente, especialmente as pessoas responsáveis por seus
cuidados e com as quais ela se relaciona afetivamente.

Nessa perspectiva, o desenvolvimento infantil é um processo dinâmico, resul-


tante da ação da criança sobre o mundo e compartilhado entre duas ou mais
pessoas, bem como por intermédio delas.

6. Visão de alguns teóricos sobre o desenvolvi-


mento e aprendizagem infantil
Piaget, Vygotsky e Wallon desenvolveram estudos teóricos que, apesar de não
serem concordantes em todos os aspectos, revelaram que as capacidades de
conhecer e de aprender são construídas por meio das interações estabelecidas
entre o sujeito e o meio.

A criança, desde o seu nascimento, apresenta processos internos que impulsi-


onam diferentes aprendizagens. Entretanto, somente pelas condições que o
meio oferece e pela ação da criança sobre esse meio é que ocorre o desenvolvi-
mento das experiências infantis.

Piaget (1987) a�rma que o conhecimento se constrói na interação do sujeito


com o objeto; por isso, sua teoria é chamada construtivismo. O objeto da rela-
ção interacional com a criança pode ser o seu próprio corpo, diferentes obje-
tos, as pessoas, os animais, a natureza e os fenômenos do mundo físico em ge-
ral.

Segundo Piaget, o desenvolvimento processa-se por meio de uma sequência


de estágios de complexidade crescente que engloba o gradual amadurecimen-
to do organismo e a evolução da construção de estruturas ou esquemas de
ação.

Por meio da vivência, em cada estágio, a criança amplia e conquista novas


formas de interação com o mundo ao seu redor. O período compreendido des-
de o nascimento da criança até os sete anos de idade é marcado por dois está-
gios:

• estágio sensório-motor: até os dois anos de idade;


• estágio pré-operatório: de dois até sete anos de idade.

O primeiro estágio, o sensório-motor, apresenta como principal característica


a construção de esquemas de ações iniciais resultantes de re�exos e de instin-
tos, esquemas esses que formarão a base para outros mais complexos. Ao nas-
cer, a criança apresenta uma inteligência que orienta as suas ações, as quais
serão modi�cadas com suas experiências concretas sobre o mundo.

Pode-se compreender que a criança, ao nascer, apresenta um conjunto de ha-


bilidades que são favoráveis à sua interação e adaptação ao meio em que vive,
apesar de sua fragilidade e sua dependência do adulto.

Ao pensarmos nos cuidados com essas crianças em espaços institucionais,


tais como as creches destinadas aos cuidados e à educação das crianças de
até três anos de idade, é importante garantirmos às crianças pequenas uma
gama de experiências, nas quais elas possam atuar, ativamente, sobre o meio,
ampliando e conquistando novos esquemas de aprendizagens.

Por isso, é fundamental que os educadores saibam que, nos berçários, as cri-
anças não poderão �car presas nos berços. É preciso que elas tenham oportu-
nidades para manipular objetos diversi�cados, para escutar histórias e ouvir
músicas; en�m, é fundamental que o ambiente promova situações e oportuni-
dades de desenvolvimento das suas habilidades.

Nesse sentido, as pessoas responsáveis pelos cuidados e pela educação das


crianças, nesse período, assumem um papel determinante para o seu desen-
volvimento. Os pro�ssionais da educação responsáveis pela atuação nessa
faixa etária deverão reconhecer a importância dos vínculos afetivos com a
criança, entendendo-a como um sujeito ativo desde os primeiros dias de vida.
Essa perspectiva construtivista-interacionista de conhecimento pressupõe
um novo olhar sobre o desenvolvimento infantil e, consequentemente, sobre
as propostas pedagógicas das instituições de educação infantil.

Para Piaget, o período pré-operacional, dos dois aos sete anos de idade, é mar-
cado pela capacidade simbólica, ou seja, a criança torna-se capaz de interiori-
zar suas ações, diferenciando os objetos de seus representantes. Dessa forma,
a construção do simbólico depende da aquisição da linguagem e de formas de
representação das situações, como, por exemplo, o desenho e a brincadeira
simbólica.

Nesse estágio, o desenvolvimento é permeado pela interdependência do pen-


samento, da linguagem e da capacidade de relação social. Gradativamente, a
criança substitui sua consciência individual e egocêntrica pela conquista da
identidade e da autonomia, podendo estabelecer uma relação de reciprocidade
com o outro.

Nesse período, o desenvolvimento da inteligência da criança possibilita o iní-


cio das operações lógico-matemáticas, tais como a seriação e a classi�cação.
A criança consegue, por exemplo, agrupar diferentes objetos pela cor, pela for-
ma e pelo tamanho.

Nos estágios subsequentes – o operacional concreto (7 a 11 anos) e o operacio-


nal abstrato (dos 12 anos em diante) –, a criança adquire a capacidade de pen-
sar abstratamente, elaborando teorias e concepções sobre o mundo que a cer-
ca.

Você sabia que Vygotsky e Wallon desenvolveram estudos teóricos, estes in-
seridos em uma linha teórica sócio-histórica, por considerarem a constituição
do sujeito numa cultura concreta?

A aprendizagem implica na interação da criança com o seu meio sociocultu-


ral, visto que a criança é um sujeito sociocultural. Vygotsky enfatiza a media-
ção do outro e dos instrumentos culturais na interação da criança com seu
ambiente, ressaltando que o desenvolvimento está relacionado, intrinseca-
mente, à aprendizagem.
Pensar a criança pequena como sujeito sociocultural signi�ca compreender que a
construção do conhecimento far-se-á através do encontro com o outro: o adulto, as
crianças, os livros, os �lmes, a observação do mundo real, etc. Aprende-se a partir
do que o grupo já sabe, na tomada de decisões, na convivência diária, nas discus-
sões, na participação dos ritos próprios da cultura, na capacidade de utilizar, criati-
vamente, os recursos disponíveis na construção de relações. Aprende-se através de
uma multiplicidade de linguagens: brincando, falando, escrevendo, lendo, cons-
truindo coisas, explorando o mundo, exprimindo os afetos através do corpo, do de-
senho, do olhar. Tudo que aprendemos faz parte da nossa cultura e, através dela,
damos signi�cado ao nosso mundo particular (GOULART, 2003, p. 54).

Como você já sabe, a questão do aprendizado está relacionada ao conceito de


Zona de Desenvolvimento Proximal, caracterizada pela distância entre o Nível
de Desenvolvimento Real (etapa alcançada pela criança) e o Nível de
Desenvolvimento Potencial, no qual a criança apresenta a capacidade de de-
sempenhar tarefas com a ajuda do outro. Na educação infantil, o adulto deverá
intervir na zona de desenvolvimento proximal ou na potencial, provocando
avanços que espontaneamente não ocorreriam.

Sabemos que há atividades que a criança não é capaz de realizar sozinha, mas
que ela poderá conseguir com orientações, explicações e demonstrações do
outro. A criança pequena poderá empilhar cubos e realizar jogos de encaixe
em interação com crianças que já possuem habilidades para essas atividades
ou por meio da observação da ação do adulto.

Dessa forma, a imitação é muito importante no processo de ensino e de apren-


dizagem, não compreendida como simples reprodução, mas como uma re-
construção individual sobre o que é observado nas outras pessoas.

A educação infantil tem como compromisso propiciar às crianças o acesso ao


conhecimento sistematizado, de maneira que elas possam compreender me-
lhor sua realidade social, pois, o tempo todo, elas buscam informações sobre
essa realidade –basta observá-las enquanto brincam e conversam. É preciso
que o adulto, especialmente os professores da educação infantil, estejam aten-
tos à escuta das crianças, o que requer constante observação.

Para Vygotsky, a aprendizagem é uma condição prévia para o desenvolvimen-


to, pois, por meio dela, na interação com o outro, é que a criança poderá avan-
çar em seu desenvolvimento psicológico e nas funções psicológicas superio-
res.

As autoras Bassedas, Huguet e Solé (1999, p. 21), ao discutirem o desenvolvi-


mento e a aprendizagem das crianças na etapa da educação infantil, a�rmam
ser o desenvolvimento:

[...] a formação progressiva das funções propriamente humanas (linguagem, racio-


cínio, memória, atenção, estima). Trata-se do processo mediante o qual se põe em
andamento as potencialidades dos seres humanos. Consideramos que é um proces-
so interminável, no qual se produz uma série de saltos qualitativos que levam de
um mesmo estado de menos capacidade (mais dependência de outras pessoas, me-
nos possibilidades de respostas, etc.) para um de maior capacidade (mais autono-
mia, mais possibilidades de resolução de problemas de diferentes tipos, mais capa-
cidade de criar, etc.).

Para essas autoras, o conceito de aprendizagem apresenta as seguintes carac-


terísticas:

Mediante os processos de aprendizagem, incorporamos novos conhecimentos, va-


lores, habilidades que são próprias da cultura e da sociedade em que vivemos. A
aprendizagem que incorporamos faz-nos mudar de condutas, de maneiras de agir,
de maneiras de responder, e são produtos da educação que outros indivíduos, da
nossa sociedade, planejaram e organizaram (BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 1999, p.
21).

Como percebemos, o desenvolvimento humano ocorre em um determinado


contexto sociocultural e apresenta uma sequência de estágios, na qual é possí-
vel determinar quais são as características e as potencialidades de aprendiza-
gem das crianças de uma determinada faixa etária.

Pode-se a�rmar que esses estágios são universais, ou seja, que todo ser huma-
no passa pelos mesmos estágios, mesmo que em idades diferenciadas, fato
que poderá ser in�uenciado pelo grupo cultural de pertencimento da criança.
Vejamos o exemplo a seguir para entendermos melhor:

Uma família que conversa pouco com a criança e que atende a todas as suas
solicitações manifestadas por gestos poderá contribuir para que ela retarde a
linguagem oral, ao passo que outra criança, em um ambiente de estimulação
mais favorável, pode antecipar essa aprendizagem, que se inicia, geralmente,
a partir dos 18 meses de idade.

O desenvolvimento das crianças na faixa etária de até seis anos é um proces-


so global; todavia, para que possa ser melhor compreendido, é possível
caracterizá-lo em três grandes áreas do desenvolvimento:

Área Motora: inclui tudo aquilo que se relaciona com a capacidade de movimento
do corpo humano, tanto de sua globalidade como dos segmentos corporais.

Área Cognitiva: aborda as capacidades que permitem compreender o mundo, nas


diferentes idades, e de atuar nele, através do uso da linguagem ou mediante resolu-
ções das situações problemáticas que se apresentam. Mesmo assim, é necessário
fazer referência às capacidades que a criança dessa idade tem para criar ou
comunicar-se através do uso de todas as linguagens (verbal, artística, etc.).

Área Afetiva: engloba os aspectos relacionados com as possibilidades de sentir-se


bem consigo mesmo (equilíbrio pessoal), o que permite confrontar-se com situa-
ções e pessoas novas (relação interpessoal) e ir estabelecendo relações cada vez
mais alheias, distanciadas, bem como atuar no mundo que a rodeia (atuação e in-
serção social) (BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 1999, p. 31).

Agora, vejamos, separadamente, o desenvolvimento de cada área, mas somen-


te sob a perspectiva didática, pois o desenvolvimento de cada uma acontece
de maneira interligada a outra.

Capacidades motoras

O bebê, ao nascer, apresenta movimentos involuntários, caracterizados pelos


re�exos de sucção e de pressão e pelos movimentos automáticos, que serão
ampliados para movimentos conscientes e voluntários graças a um sistema
nervoso que está em constante maturação.
O movimento de coordenação das mãos, como o de aprender a acenar, e o do-
mínio da pinça �na – gesto de oposição entre os quatro dedos da mão e o pole-
gar – que possibilita a criança a pegar e a segurar objetos são características
marcantes do desenvolvimento motor no primeiro ano de vida da criança.

A criança, em consequência do desenvolvimento do tônus muscular, que, ao


nascer, apresenta o estado de hipotonia total (pouca tensão muscular), nos pri-
meiros 12 meses de vida, é capaz de conquistar habilidades motoras, como a
sustentação da cabeça, o sentar, o engatinhar e a possibilidade de caminhar
autonomamente.

A partir dos próximos anos, a criança ampliará a sua capacidade de


relacionar-se com o meio ambiente por meio de suas experiências motoras, as
quais serão determinantes para a construção do esquema corporal, que contri-
buirá para a formação da identidade da criança.

As experiências que a criança vive em relação com seu corpo dão-lhe a imagem
que será um dos  aspectos que a ajudarão a delimitar uma determinada maneira de
ver-se a si mesma. Se suas experiências ajudarem-na a ter uma percepção positiva
de si mesma, ajustada, com possibilidade de superação, como a aceitação dos pró-
prios defeitos, a criança poderá ter uma boa auto-imagem e uma boa auto-estima,
que lhe permitirão também ter con�ança em suas possibilidades (BASSEDAS;
HUGUET; SOLÉ, 1999, p. 35).

É fundamental pensarmos em espaços e atividades que permitam às crianças


atividades motoras diferenciadas, desde a locomoção, a superação de obstácu-
los e a manipulação de diferentes objetos até a construção da imagem corpo-
ral por meio de atividades dirigidas ao reconhecimento das partes do corpo
humano e de suas potencialidades.

Capacidades cognitivas

A aquisição da linguagem verbal é um marco no desenvolvimento das capaci-


dades cognitivas e na de�nição da espécie humana.

Ao nascer, o bebê apresenta capacidades perspectivas relacionadas à visão, à


audição, ao tato, à gustação e ao olfato. Essas capacidades são bastante elabo-
radas e se constituem na base para o desenvolvimento de futuras capacidades
cognitivas.

Para Piaget, o período até os dois anos é caracterizado pela inteligência


sensório-motora, ou seja, a criança descobre o mundo e desenvolve capacida-
des cognitivas por meio de ações diretas sobre os objetos que estão ao seu re-
dor.

O processo de comunicação estabelecido entre a criança e o adulto, permeado


pela formação de vínculos afetivos, será fundamental nesse período de desen-
volvimento da criança.

É nos primeiros 18 meses de vida que a criança desenvolve a sua capacidade


de pensamento e raciocínio. Ela amplia as suas comunicações do choro, do
sorriso, das gesticulações e dos balbucios às primeiras palavras.

A partir dos dois anos de idade, a conquista da linguagem possibilitará a ex-


pressão da função simbólica na criança. Ela apresentará uma compreensão
do mundo, ou seja, um raciocínio diferenciado do adulto, dando explicações,
muitas vezes, ilógicas aos olhos deste.

Piaget abordou as características do pensamento das crianças dessa faixa etá-


ria por meio dos conceitos de:

• Egocentrismo: di�culdade de ver sob a perspectiva do outro.


• Arti�cialismo: considerar que os fenômenos naturais são provocados por
vontade humana.
• Animismo: considerar animado o mundo.

Segundo Piaget, a irreversibilidade caracteriza o raciocínio das crianças de


dois a seis anos de idade e é compreendida como di�culdade para representar
a sequência de ações contrárias, a �m de resolver, corretamente, mudanças na
matéria, como, por exemplo, quando a criança, solicitando uma banana, não a
aceita porque ela foi cortada ao meio.

Capacidades afetivas
Os cuidados e as relações de afeto estabelecidas com as crianças ao nascerem
são fundamentais para todo o seu desenvolvimento.

A formação de vínculos afetivos e o sentimento de segurança transmitido pe-


los cuidadores das crianças serão as bases para que elas possam se desenvol-
ver com tranquilidade e explorar o mundo à sua volta.

A partir dos dois anos de idade, a autonomia conquistada com o desenvolvi-


mento das capacidades motoras e cognitivas contribuirá para que a criança se
torne, paulatinamente – e cada vez mais –, independente dos cuidados do
adulto. Será preciso uma atenção cuidadosa dos adultos envolvidos no proces-
so educacional das crianças para que eles possam ajudá-las a reconhecerem
os limites e as possibilidades de suas próprias iniciativas.

A autoestima será construída nos primeiros anos de vida da criança, sendo


uma dimensão da identidade pessoal que in�uenciará, decisivamente, na sua
saúde mental, no processo de escolarização e nas relações socioconstrutivas.

Pensar em situações que favoreçam a formação da autoestima positiva é es-


sencial na educação infantil. A criança precisa sentir-se valorizada, con�ante
em suas opiniões; precisa estabelecer vínculos de con�ança e de respeito com
seus pares e com os adultos.

7. O papel do brinquedo no desenvolvimento e


na aprendizagem infantil
O brincar representa um meio real de aprendizagem, possibilitando que os
adultos aprendam sobre as crianças e as suas necessidades. Dessa maneira,
podemos conhecer aspectos importantes do desenvolvimento de uma criança
por meio da maneira como ela brinca.
Desde os tempos imemoriais, o lúdico faz parte da vida humana, de modo que as
épocas, as sociedades e as culturas têm suas brincadeiras próprias. Aprender a
brincar de forma simbólica, representando a realidade onde vivem, resgatando su-
as lembranças e valores, regras e fantasias, faz parte do desenvolvimento das cri-
anças de hoje e de sempre (OLIVEIRA, 2002, p. 105).

Segundo Oliveira (2002, p. 15), a importância do brincar e do brinquedo pode


ser justi�cada na educação infantil em razão de:

• ser condição de todo o processo evolutivo neuropsicológico saudável;


• manifestar a forma como a criança está organizando sua realidade e li-
dando com suas possibilidades, limitações e con�itos, já que, muitas ve-
zes, ela não sabe, ou não pode, falar a respeito deles;
• introduzir a criança de forma gradativa, prazerosa e e�ciente ao universo
sócio-histórico cultural;
• abrir caminho e embasar o processo de ensino/aprendizagem favorecen-
do a construção da re�exão da autonomia e da criatividade.

O brincar apresenta três grandes núcleos organizadores:

• corpo;
• símbolo;
• regra.

A criança brinca desde os primeiros meses de vida, manifestando reações es-


pontâneas e prazerosas diante de determinados estímulos, como, por exemplo,
o som de um brinquedo.

Posteriormente, a criança começa a brincar com o próprio corpo, o que favore-


ce a construção de sua inteligência, da a�rmação pessoal e da integração soci-
al. Inicialmente, ela brinca com as próprias mãos e, depois, com todo o corpo.
A partir dos dois anos, começa a utilizar-se de ferramentas simbólicas com o
uso da linguagem e da atividade mental.

O brincar favorece a construção de representações simbólicas, as quais ex-


pressam a forma como a criança vê ou imagina a realidade. Com as brincadei-
ras, as crianças aprendem sobre regras de convivência e sobre diversos senti-
mentos.

É importante que você saiba que, nas brincadeiras, poderão ser incorporados
conceitos, preconceitos e valores como manifestações às diversas expressões
humanas, tais como a competição, a cooperação, a violência, a brutalidade, o
respeito etc.

Segundo Vygotsky (1984), no brincar, a criança está acima de sua idade média,
acima de seu comportamento diário. Assim, na brincadeira de faz de conta, as
crianças manifestam certas habilidades que não seriam esperadas para a sua
idade. Nesse sentido, a aprendizagem cria a Zona de Desenvolvimento
Proximal.

Nas brincadeiras de faz de conta, a criança transforma objetos para represen-


tarem a realidade ou um objeto ausente. Por exemplo, um toquinho de madeira
pode ser transformado em um pente de cabelo numa brincadeira de casinha.
Nas situações imaginárias, ocorre a presença de regras e de normas que deve-
rão ser incorporadas pelos diferentes papéis existentes em um contexto de faz
de conta.

Nessas situações, as crianças reproduzem, facilmente, o modelo de vida real.

Exempli�cando

Em uma brincadeira de escolinha, a criança, ao assumir o papel da professora,


tende a tornar-se autoritária ou afetiva, isso conforme as experiências viven-
ciadas com as suas professoras.

Mas como podemos favorecer o desenvolvimento das brincadeiras de faz de


conta?

O ideal é disponibilizar às crianças brinquedos e espaços favoráveis à imagi-


nação, como, por exemplo, fantasias, maquiagem, bonecas etc.

Os psicanalistas, in�uenciados pelo pai da psicanálise, o austríaco Sigmund


Freud (1856-1939), e por outros psicanalistas, como o inglês Donald D.
Winnicott, ressaltam a importância do brincar e dos jogos para a manifesta-
ção dos desejos mais íntimos das crianças, da agressividade, da liberdade etc.

Em uma brincadeira simbólica, a criança poderá extravasar sua agressividade


brincando. Ela poderá, por exemplo, desenhar a �gura de um adulto e, depois,
rabiscá-la, ou repreender uma boneca, imitando o adulto.

Friedmann (1996) a�rma que, para analisar a in�uência da atividade lúdica e


a importância dos jogos no desenvolvimento infantil, é necessária a observa-
ção das seguintes variáveis:

• tempo e espaço de brincar;


• relação entre meios e �ns;
• objetos de jogo;
• ações do sujeito: físicas ou mentais.

Assim, é preciso pensar sobre o tempo e o espaço das brincadeiras na educa-


ção infantil, visto que o brincar tem sido, cada vez mais, reduzido no contexto
institucional.

Os jogos e as brincadeiras devem ser introduzidos na rotina institucional co-


mo estratégias fundamentais para o processo de aprendizagem das crianças
pequenas, e não meramente como atividades para “ocuparem” um determina-
do espaço de suas rotinas.

A sala de aula, o pátio, o parque e as brinquedotecas são espaços privilegiados


para a concretização do lúdico. As “brinquedotecas” surgiram a partir da déca-
da de 80 do século passado. São espaços públicos e/ou privados que funcio-
nam como bibliotecas de brinquedos, organizados de forma que as crianças
possam desenvolver, criativamente, as suas atividades lúdicas. Há, ainda,
“brinquedotecas” com �ns terapêuticos, que funcionam em clínicas e/ou hos-
pitais.

Piaget pesquisou a importância do jogo nos diferentes estágios do desenvolvi-


mento das crianças, apresentando três estruturas para caracterizar o jogo in-
fantil: o exercício, o símbolo e a regra. Em seu livro A formação do símbolo na
criança (1971), Piaget realiza um estudo signi�cativo sobre o jogo infantil, por
meio da observação das atividades de seus próprios �lhos, estabelecendo as
relações entre o jogo e o funcionamento intelectual.

Os jogos de exercício têm como �nalidade o próprio prazer do funcionamento.


Por exemplo, quando a criança empurra uma bola, vai atrás dela, volta e reco-
meça, ela o faz por mero divertimento. Esse tipo de jogo caracteriza a fase que
vai desde o nascimento até o aparecimento da linguagem.

Os jogos simbólicos aparecem com o desenvolvimento da linguagem, aproxi-


madamente a partir dos dois anos de idade.

À medida que a linguagem se desenvolve, surgem, progressivamente, novas


formas de símbolos lúdicos.

Já os jogos de regra caracterizam a fase iniciada a partir dos seis anos de ida-
de. Nesses jogos, marca-se a presença das regras, sejam elas transmitidas ou
espontâneas. Para Piaget, os jogos de regras são combinações sensório-
motoras (corridas, bola etc.) ou intelectuais (cartas, xadrez etc.), marcadas pe-
las competições e pela cooperação entre os indivíduos, que são regulamenta-
dos por um código transmitido de geração em geração ou por acordos mo-
mentâneos.

Vejamos alguns exemplos desse tipo de jogo:

• jogo de amarelinha;
• jogo gato e rato;
• jogo polícia e ladrão;
• jogo de bolinhas de gude.

Na escola, o brincar pode ser exploratório, livre ou dirigido: o essencial é que


ele faça a criança avançar em sua aprendizagem e em seu desenvolvimento.

É importante destacarmos o papel dos educadores nas brincadeiras. Segundo


Wajskop e Abramowicz (1999, p. 61), os educadores podem intervir no brincar:
• diretamente: brincando junto, narrando os acontecimentos, fornecendo mate-
rial e brinquedos adequados, organizando continhas, espaços e garantindo
um tempo na rotina;
• indiretamente: observando, contando uma história, organizando passeios, de-
senvolvendo projetos nas áreas de interesse das crianças.

O brincar como um direito da infância


Redin (2000), ao fazer referências à importância do brincar na construção da
cidadania, chama-nos a atenção para o fato de que se o brincar se tornou um
direito fundamental das crianças, é porque ele estava sendo violado na socie-
dade moderna.

Vejamos como o brincar está assegurado nas legislações sobre a infância:

A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Infância estabelece, em


seu Artigo 31, que:

1. Os Estados reconhecem os direitos da criança ao descanso e ao lazer, ao di-


vertimento e às atividades recreativas próprias da idade, bem como a livre
participação na vida cultural e artística.
2. Os Estados Partes respeitarão e promoverão o direito da criança de participar
plenamente da vida cultural e artística e encorajarão a criação de oportunida-
des adequadas em condições de igualdades, para que participem da vida cul-
tural, artística, recreativa e de lazer.

A Constituição Brasileira de 1988, em seu Artigo 227, explicita que:

Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao


adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à pro�ssionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liber-
dade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda for-
ma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O Estatuto da Criança e do Adolescente reitera os dispositivos constitucionais


e a�rma, no Artigo 59, que:
Art. 59 – os municípios, com apoio dos estados e da União, estimulem e facilitem a
destinação de recursos e espaços para as programações culturais, esportivas e de
lazer voltadas para a infância e para a juventude.

Os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, elaborados


pelo Ministério da Educação e do Desporto em 1998, explicitam o direito das
crianças ao brincarem nas instituições de educação infantil, enfatizando o
brincar, os jogos e as brincadeiras como recursos fundamentais para a cons-
trução da identidade, da autonomia e das diferentes linguagens das crianças.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil ressaltam que,


dentre os fundamentos que deverão nortear as propostas das instituições de
educação infantil, está o “princípio estético da sensibilidade, da criatividade,
da ludicidade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais”
(CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2009, p. 2).

8. O sentimento de infância e as in�uências


externas
Pudemos, até então, perceber o quanto a criança é bombardeada por estímulos
consumistas, principalmente numa faixa etária em que ela está mais suscetí-
vel a aderir a tais estímulos: no estágio pré-operatório, marcado por caracte-
rísticas particulares.

Agora, para entender melhor como ocorreu o desenvolvimento do conceito de


infância e criança ao longo do tempo, sugerimos que você acompanhe o vídeo
a seguir, que apesar de trazer outros conceitos relativos à disciplina, em seu
início aborda justamente a trajetória histórica da constituição do sentimento
de infância.
A infância e a criança tornaram-se objeto de estudo em tempos recentes, e co-
mo neste ciclo abordamos as questões históricas da construção do conceito de
infância, além das teorias de desenvolvimento que contribuíram para tal
construção, entendemos ser importante que você também conheça as especi-
�cidades da Educação Infantil, enquanto promotora de uma visão cidadã da
criança, a qual possui seus direitos e deve ser respeitada enquanto tal. Para
tanto, em conjunto com o estudado, indicamos a leitura do artigo O papel soci-
al da Educação Infantil (https://grupoinfoc.com.br/publicacoes/periodicos
/p53_O_papel_social_da_Educacao_Infantil.pdf) de Sonia Kramer.

9. Piaget e Vygotsky
Quanto as teorias de desenvolvimento e aprendizagem, notadamente as de
Piaget e Vygotsky contribuíram para o surgimento de uma concepção de cri-
ança e infância diferenciada da vida adulta, necessitando de um cuidado e
olhar especí�cos. Nesse sentido, temos o construtivismo, abordagem adotada
por estes autores que preconiza como fundamental tanto a ação do sujeito so-
bre o meio, como a interação social para que aconteçam o desenvolvimento e
a aprendizagem.

Para que você compreenda mais sobre a visão dos teóricos sobre desenvolvi-
mento e aprendizagem, sugerimos que assista aos vídeos que tratam das teo-
rias de Piaget e Vygotsky.
Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem respondendo à questão a se-
guir.

Ademais, é possível veri�camos as diferentes fases da infância e suas caracte-


rísticas, considerando as dimensões física, cognitiva, e emocional/social do
desenvolvimento.

Vamos começar com a criança de zero a dois anos!

10. Criança de zero a dois anos: fatores que in-


�uenciam no desenvolvimento humano
Ao se defrontar com um bebê recém-nascido, você tem de lembrar que, antes
do nascimento, houve o encontro de um espermatozoide com um óvulo no
útero.

Como esse fenômeno ocorre? Vamos relembrar?

Cada óvulo e cada espermatozóide contêm 23 cromossomos, estruturas minúsculas


no núcleo que contêm material genético. Quando um espermatozóide penetra em
um óvulo, seus cromossomos se combinam produzindo 23 pares de cromossomos.
O desenvolvimento de um novo ser está a caminho (KAIL, 2004, p. 48).

Fatores hereditários para o desenvolvimento humano


Atualmente, há um consenso em aceitar-se que o desenvolvimento humano é
in�uenciado por fatores genéticos e ambientais, de forma que a interação en-
tre esses fatores impulsiona o desenvolvimento humano.
Como acontece esse processo? Vamos relembrar!

Nos pares de cromossomos formados pelo óvulo da mãe e pelo espermatozoi-


de do pai estão os genes. O conjunto completo de genes (entre 30.000 e 50.000)
constitui a hereditariedade de uma pessoa, o que é conhecido como “genóti-
po”. As instruções genéticas com as in�uências do meio ambiente produzem o
fenótipo, ou seja, os traços físicos, comportamentais e psicológicos de um in-
divíduo (KAIL, 2004).

Para você entender melhor essa complexidade, pode-se dizer que nosso códi-
go genético é formado por conteúdos fechados (genótipos) e por conteúdos
abertos (fenótipos).

Os conteúdos fechados não são alteráveis em consequência das experiências


individuais, sendo aqueles que nos de�nem como espécie e que nos oferecem
as características morfológicas (um cérebro, duas orelhas, um nariz etc.) e o
calendário maturativo (nascemos sem dentes, passamos pela puberdade, fase
adulta e envelhecimento). Esses conteúdos não recebem, pois, in�uência do
ambiente.

Já os conteúdos abertos (fenótipos) têm maior possibilidade de aquisição e de


mudanças, de acordo com as experiências do indivíduo no seu meio ambiente.

Considerando o fato de que a evolução da espécie deixou em nosso código ge-


nético órgãos produtores de linguagem e certo calendário maturativo (genóti-
po), podemos mencionar que, a partir do momento em que as bases maturati-
vas estão prontas, a aquisição da linguagem �ca a cargo da interação da crian-
ça com seu meio social, ou seja, são acionados os conteúdos abertos (fenóti-
pos).

Tal processo também acontece com relação à autoestima. Graças ao cérebro,


uma parte fechada do nosso código genético, podemos pensar e sentir.
Contudo, o fato de nos sentirmos mais ou menos satisfeitos com nós mesmos
não é determinado pela evolução de nossa espécie, mas por nossa história
pessoal em relação ao meio onde crescemos e nos desenvolvemos.
11. Desenvolvimento na primeira infância
Qual o período de desenvolvimento humano considerado como primeira in-
fância?

De acordo com Palácios et al. (2004), a primeira infância inicia-se com a queda
do coto umbilical e termina quando a criança aprende a andar, a falar, poden-
do nutrir-se independentemente do organismo da mãe.

Nessa fase, surge a primeira dentição, e é iniciada a fase de representação


mental, ou seja, a criança não precisa mais estar na presença do objeto para
pensar nele (PALÁCIOS; MORA, 2004).

Antes desses acontecimentos, sucedem-se outros dois importantes momentos


para o desenvolvimento humano.

Que momentos são esses? Temos a certeza de que você passou por eles, mas
que não se lembra.

São eles:

• Período pré-natal.
• Período do recém-nascido.

O período pré-natal inicia-se no momento da concepção e termina com o nas-


cimento, o qual, por sua vez, pode ocorrer por meio de parto normal ou de ce-
sariana.

Durante esse período, o ser humano �ca em gestação por volta de 40 semanas.
Esse período é composto por duas fases: a fase embrionária (da segunda à oi-
tava semana depois da fecundação) e a fase fetal (da nona semana até o nas-
cimento).

Assim, o período do recém-nascido inicia-se no instante do nascimento e ter-


mina com a queda do coto umbilical (sete dias, em média).
Depois do nascimento, na primeira infância, a criança tem um crescimento fí-
sico rápido e organizado, com uma evolução prescrita pelos genes. O processo
de crescimento é regular e contínuo, uma vez que ocorrem mudanças progres-
sivas e paulatinas que vão transformando o corpo e suas características
(PALÁCIOS et al., 2004).

Dessa forma, podem ser estabelecidas tabelas de peso e estaturas esperadas


para cada idade. Essas tabelas são usadas por pediatras para acompanhar o
desenvolvimento físico da criança.

Por exemplo: para uma criança de três meses de idade, espera-se uma altura
em torno de 59 cm (variando de 57 a 65 cm), com peso de 5,4 kg (variando de
4,8 a 5,8 kg).

E os movimentos da criança? Quando e como aparecem? Sabe-se que a crian-


ça se movimenta no útero materno antes do nascimento.

Além disso, a espécie humana nasce equipada (genótipo) com uma série de
movimentos re�exos (sucção, enraizamento, palmar, moro e marcha). A maio-
ria deles desaparece no decorrer dos seus primeiros quatro meses de vida, em
consequência dos processos maturativos.

Os movimentos re�exos (involuntários) dão lugar, então, aos movimentos vo-


luntários e, assim, aparecem os movimentos psicomotores.

Com os movimentos psicomotores, pode-se falar em psicomotricidade, a qual


é de�nida a seguir:

A psicomotricidade está ligada às implicações psicológicas do movimento e da ati-


vidade corporal na relação entre o organismo e o meio em que ele desenvolve. [...] A
meta do desenvolvimento psicomotor é o controle do próprio corpo até ser capaz de
retirar dele todas as possibilidades de ação e expressão possíveis. [...] envolve um
componente externo ou prático (ação) como também um componente interno ou
simbólico (a representação do corpo e de suas possibilidades de ação) (PALÁCIOS;
MORA, 2004, p. 68).
Para exempli�car, podemos mencionar que, em torno de um mês, a criança
apresenta apenas movimentos re�exos. Os punhos permanecem fechados, e
ela ainda não controla os movimentos da cabeça. Aos 15 meses, já começa a
andar sem apoio, tem mais facilidade para explorar o ambiente e consegue até
mesmo folhear um livro (duas ou três páginas de cada vez).

Como será o pensamento da criança até os dois anos de idade?

Segundo Newcombe (1999), a porta para o desenvolvimento cognitivo da cri-


ança compreende os seus movimentos re�exos, uma vez que, com poucos me-
ses de idade (aproximadamente 6 meses), o bebê adquire percepções seme-
lhantes às dos adultos.

O bebê começa a tomar contato com o mundo por meio da percepção e dos ór-
gãos do sentido, criando, com a maturação, as condições para o desenvolvi-
mento mais elaborado nas áreas cognitiva, afetiva e social.

A conduta perceptiva do bebê está condicionada em parte pelo seu código ge-
nético, recebendo in�uência, também, de sua história de aprendizagem (esti-
mulação ambiental). Por meio dos órgãos do sentido (visão, audição, olfato, ta-
to e paladar), ele vai tomando contato com o meio e ampliando suas compe-
tências de apreender o mundo em que vive.

E os aspectos afetivos e sociais, como aparecem no bebê? Quais são os mais


importantes?

O ser humano não sobrevive sem vínculos afetivos, já que estes são tão impor-
tantes quanto a sua alimentação.

Segundo Newcombe (1999), o apego é um vínculo afetivo básico e fundamen-


tal nos primeiros anos de vida. Os bebês nascem pré-orientados a buscar estí-
mulos sociais e manifestações de vínculos afetivos com alguns membros de
sua espécie.

Os vínculos afetivos estabelecem-se com as pessoas com as quais o bebê ini-


cia suas interações, sendo caracterizadas por certas condutas dele com as �-
guras de apego. Essas condutas são representadas por choro, vocalizações,
gestos e acompanhamento perceptivo da pessoa.

Já o apego consolida-se por meio de representações mentais adquiridas pelo


bebê. Com a representação mental, o bebê adquire bases ou impressões sobre
aquelas pessoas com as quais manterá vínculos afetivos.

Logo, as experiências afetivas proporcionam sentimentos de con�ança, e o be-


bê passa a se sentir seguro mesmo na ausência da pessoa.

Nesse sentido, o apego forma-se no primeiro ano de vida e seus primeiros vín-
culos afetivos aparecem com a mãe. Quando as interações com a �gura de
apego contêm cuidados, afetos e atenção especí�ca às suas necessidades, a
criança torna-se autônoma para vínculos afetivos com outras pessoas.

Por exemplo, dentro da família, além do vínculo com a mãe, a criança vincula-
se afetivamente com outros membros da família. Esses vínculos subsidiam
relações socioafetivas com outras pessoas fora do ambiente familiar.

12. Desenvolvimento na segunda infância:


anos pré-escolares
A segunda infância inicia-se por volta dos dois anos, quando a criança come-
ça a utilizar sua linguagem oral, sua aptidão para locomoção e sua representa-
ção mental, encerrando-se aos seis ou sete anos, quando ingressa no primeiro
ciclo do Ensino Fundamental.

As habilidades psicomotoras, a aquisição da linguagem oral e a evolução do


pensamento são, portanto, aspectos fundamentais para essa fase do desenvol-
vimento.

Dessa maneira, conheceremos as principais habilidades psicomotoras neces-


sárias para a criança nesse período do desenvolvimento.

Habilidades psicomotoras
Na segunda infância, a criança adquire habilidades psicomotoras relaciona-
das à representação corporal, à lateralidade e à representação espaço-
temporal. Essas habilidades se desenvolvem interligadamente, porém, para
que possamos entendê-las de uma forma mais clara, elas serão tratadas sepa-
radamente.

A seguir, conheceremos cada uma delas.

Representação corporal

Inicialmente, a criança adquire o conceito de esquema corporal, ou seja, os di-


ferentes segmentos corporais: olhos, nariz, boca, braços, pernas, dedos etc.

Por meio de experiências, ela adquire a representação corporal, ou seja, perce-


be suas possibilidades de movimentos e, também, as suas diversas limitações.

A representação corporal possibilita à criança o conhecimento do corpo e os


ajustes de cada movimento. Pode-se dizer que o desenvolvimento da criança é
resultado da interação de seu corpo com os objetos do meio, com as pessoas
com quem convive e com o mundo no qual são estabelecidas as suas ligações
afetivas. O corpo é, sobretudo, uma expressão da individualidade (PALÁCIOS et
al., 2004).

Dos dois aos cinco anos, o esquema corporal está em plena elaboração. Já aos
cinco anos, a maioria das crianças já apresenta uma representação interna de
seus movimentos e, com a lateralização, o mundo pode ser organizado com re-
ferência à posição do corpo (o que �ca na frente, atrás, à direita, à esquerda, em
cima, embaixo, entre outras).

Processo de lateralização

A lateralidade refere-se à percepção da criança sobre a sua noção de direita e


de esquerda. Essa noção se inicia com referência ao corpo, passando, depois, a
usá-la com relação aos objetos.

O corpo humano é morfologicamente simétrico, mas funcionalmente assimé-


trico, ou seja, as pessoas tendem a utilizar com maior destreza as partes direi-
tas do que as esquerdas do seu corpo (PALÁCIOS et al., 2004).

Por exemplo: se escrevem com a mão direita e chutam com a perna direita,
quando precisam olhar apenas com um olho, optam, também, pelo direito.

Quando as pessoas têm suas preferências de movimento à direita são chama-


das de destras. Mas algumas têm sua lateralidade à esquerda, as quais são de-
nominadas canhotas.

As preferências laterais da criança estabelecem-se entre três e seis anos, que


devem ser sempre respeitadas. Não é aconselhável, pois, impor mudanças à
criança que tem suas preferências laterais à esquerda, uma vez que, se as mo-
di�cássemos, estaríamos cometendo uma violência contra ela, pois não ape-
nas estaríamos interrompendo um simples hábito, como também criaríamos
uma contradição com a própria organização cerebral.

Estruturação espaço-temporal

A estruturação espacial é a tomada de consciência da situação do corpo com o


meio ambiente (pessoas e objetos). Da mesma forma como ocorre com a repre-
sentação corporal, a criança não nasce com a noção de espaço, mas a adquire
à medida que opera por meio dos movimentos com o corpo e das relações com
os objetos que a rodeiam. Dessa forma, não se pode conceber a ideia de espaço
sem adquirir a de tempo, uma vez que ambos são indissociáveis (PALÁCIOS et
al., 2004).

Como você pode perceber, as noções de corpo, de espaço e de tempo estão inti-
mamente interligadas no movimento humano.

A criança adquire a noção de localização das partes do seu corpo, de locomo-


ção, ao mesmo tempo em que percebe as posições, as situações, o tamanho, os
movimentos, a forma e a quantidade de objetos no espaço.

Assim, as noções do esquema corporal e da estruturação espacial vão possibi-


litar à criança a sua estruturação temporal. Com a noção de tempo, a criança
situa suas ações e sua rotina em ciclos de sono e de vigília, tendo a noção de
antes e de depois, de manhã, tarde e noite, de ontem, hoje e amanhã, de dias da
semana, de horas, entre outras.

Nos anos pré-escolares, é fundamental que a criança seja estimulada para a


aquisição de habilidades psicomotoras por meio de jogos e brincadeiras.

O aprimoramento dessas habilidades e o desenvolvimento da linguagem e de


aspectos cognitivos proporcionam à criança melhores condições de aprendi-
zagens em tarefas relacionadas à leitura e à escrita na fase escolar.

Desenvolvimento da linguagem na fase pré-escolar


A linguagem oral (fala) inicia-se na criança antes dos dois anos de vida. A pri-
meira manifestação espontânea da linguagem no bebê é o choro (re�exo emo-
cional), logo após o seu nascimento.

Para Pereira (2004), com aproximadamente seis meses, a criança começa a


produzir o balbucio, que consiste em combinações de sons semelhantes a vo-
gais e a consoantes que se repetem de forma rítmica e com variações na ento-
nação (tatatata).

Inicialmente, o balbucio não tem nenhuma intenção de expressar pensamen-


tos e sentimentos, mas, com a maturidade dos aparelhos fonoarticulatórios,
ele vai tornando-se prolongado e a criança começa a brincar com sua própria
linguagem falada.

Por volta de um ano de idade, ela imita muitas palavras que ouve dos adultos,
mas ainda não compreende o signi�cado da maioria delas.

Com o desenvolvimento dos mecanismos neuromusculares, em torno de 20


meses, aparece a linguagem social, que, associada ao desenvolvimento cogni-
tivo, possibilita que a criança compreenda e empregue a linguagem como for-
ma de exprimir seus pensamentos.

Nesse sentido, o desenvolvimento da linguagem oral da criança é muito rápi-


do. Segundo Acosta et al. (2006), entre 24 e 30 meses, aparece a “fala telegrá�-
ca”, assim denominada por não ter artigos, preposições, �exões de gênero etc.
Geralmente, ela combina dois elementos: verbo, nome. Como exemplo, pode-
mos citar duas falas: nenê come pão; nenê qué naná.

Em torno de três anos, a estrutura da frase vai tornando-se mais complexa,


aumentando, sobretudo, a frequência do uso das principais �exões (gênero e
número). Surgem, então, os pronomes, os artigos de�nidos e os advérbios.
Além disso, começam a surgir as frases coordenadas, tais como: o nenê está
com fome; mamãe não está e papai não está.

Aos quatros anos de idade, a criança já aprendeu os recursos essenciais de sua


língua, embora seu leque de tipos oracionais continue contendo uma série de
“erros” sob o ponto de vista dos adultos, porém mostrando bastante criativida-
de na sua linguagem.

En�m, por volta dos 5 anos, a criança aprende estruturas sintáticas mais com-
plexas. O uso da voz passiva e as conexões adverbiais continuam sendo aper-
feiçoados e generalizados, embora não cheguem à aquisição completa até a
idade de sete ou oito anos. Aos seis anos, ela começa a apreciar os distintos
efeitos que a língua possui ao usá-la (fazendo adivinhações, piadas etc.) e ao
julgar a correta utilização da sua própria linguagem.

13. Processos cognitivos na fase pré-escolar


Na teoria de Piaget, segundo Kail (2004), a criança na fase pré-escolar faz uma
transição do pensamento sensório-motor para o pensamento pré-operatório,
que abrange as idades de 2 a 7 anos.

Essa fase é marcada pelo uso de símbolos para representar objetos e aconteci-
mentos. Embora a capacidade em utilizar símbolos constitua um grande
avanço em relação ao pensamento anterior, denominado “sensório-motor” por
ser essencialmente prático, seu pensamento é bastante limitado quando com-
parado ao das crianças em idade escolar.

As principais características do pensamento pré-operatório são: o egocentris-


mo, a centração e a aparência tomada como realidade.
Nesse contexto, o egocentrismo é a manifestação de pensamento normal, es-
perada para essa fase. O raciocínio da criança, especialmente dos dois aos
quatro anos de idade, é in�uenciado por suas próprias vontades e desejos.
Suas explicações e percepções re�etem seu próprio ponto de vista e são sem-
pre absolutas, não aceitando argumentos contrários às suas a�rmações
(RODRIGO, 2004).

Em virtude do egocentrismo, a criança atribui vida e características dos seres


vivos aos objetos inanimados, fenômeno este denominado por Piaget de “ani-
mismo”. Por exemplo, ela pode dizer que o sol está triste num dia nublado, ou
que a boneca �cou com medo quando esteve longe dela.

Quanto à característica de centração, a criança, no pré-operacional, centra-se


em um aspecto do problema, mas ignora totalmente outros aspectos relevan-
tes.

Por exemplo, em um problema de conservação de líquido, no qual se mostram


à criança dois copos idênticos com a mesma quantidade de suco em cada um
deles, ela percebe a igualdade de líquido, mas, ao transvasar o conteúdo de um
dos copos para outro mais �no e mais comprido, ela muda de ideia e diz que
há mais suco no copo �no e comprido. Em outras palavras, ela apenas se cen-
tra no nível de altura do suco no copo, sem considerar que este é o mais �no e
comprido.

Além disso, a criança, nessa fase, presume que um objeto seja realmente o que
parece ser, ou seja, a aparência é tomada como realidade. Vejamos os exem-
plos:

• Pode-se dizer que um menino está zangado porque o seu amigo está sen-
do mau; entretanto, ele sorri, pois tem medo de que, se demonstrar a sua
raiva, o amigo vá embora.
• A criança pode dizer que o leite parece marrom quando olhado através de
óculos escuros, ou pode tentar comer uma borracha colorida por ela se
parecer com um doce.

Predominam, também, nessa fase os jogos simbólicos ou de fantasia (faz de


conta), de maneira que a criança brinca com um bloco de madeira como se es-
te fosse um carro, ou, então, com um lápis, como se este fosse um avião.

Desenvolvimento da personalidade entre os dois e os sete


anos
Segundo Hidalgo e Palácios (2004), nas descrições clássicas, observa-se que a
etapa compreendida entre dois e seis anos é considerada crucial para a estru-
turação da personalidade. Nessa etapa, aparecem con�itos relacionados ao
desenvolvimento da própria identidade, do desejo de ser ele mesmo e de colo-
car em prática uma autonomia recém-adquirida.

Assim, a imitação dos modelos adultos, a interiorização de normas e valores e


a identi�cação com os outros signi�cativos parecem ser a forma de se resol-
ver os con�itos e as tensões dessas idades.

Embora a construção do autoconceito da criança já tenha se iniciado na pri-


meira infância, é nessa fase que ela está em plena elaboração.

O autoconceito está ligado à imagem que temos de nós mesmos e se refere ao con-
junto de características ou de atributos que utilizamos para nos de�nir como indi-
víduos e para nos diferenciar dos demais. [...] É um conhecimento que não está pre-
sente no momento do nascimento, mas é o resultado de um processo ativo de cons-
trução pelo sujeito ao longo do seu desenvolvimento (HIDALGO; PALÁCIOS, 2004, p.
185).

A seguir, conheceremos algumas características relacionadas ao autoconceito


da criança nessa etapa do desenvolvimento.

Na fase pré-escolar, as crianças começam a compreender não somente as ca-


racterísticas daqueles com quem convivem (família), mas também as relações
ligadas a eles. Elas experimentam, concretamente, os papéis sociais (pai, mãe,
herói, bandido, piloto) por meio dos jogos de fantasia.

As crianças dessas idades apoiam-se em características físicas, externas e


concretas, sem perceber outras mais abstratas, como, por exemplo, achar que
alguém é seu amigo “porque” brincou com ela ou porque lhe deu presentes.
Elas concebem as relações interpessoais como impostas pelo poder da autori-
dade sem discussão da superioridade ou da liderança do outro. Por exemplo: “o
fulano falou e eu �z”.

Assim, ela compreende como família todos aqueles que moram juntos, até
mesmo os empregados ou os animais. O papel desempenhado pelos membros
da família está relacionado aos traços físicos, de maneira que, para a criança,
o pai não poderia nunca ser �lho de alguém, ou seja, ela tem di�culdades para
entender que seu pai também pode ser �lho.

Nessa etapa, também está presente a formação da consciência moral, uma vez
que começam a aparecer as noções de comportamento correto ou incorreto.
Entretanto, esses conceitos aparecem de forma vaga, já que a noção de respei-
to é unilateral ou de obediência ao adulto. Se uma regra é desobedecida, deve
sofrer castigo; isso é também chamado por Piaget de “heteronomia moral”.

A criança dessa idade não compreende o conceito de intencionalidade. Se, por


exemplo, ela receber um empurrão de outra criança, empurrará também, sem
poder avaliar se o ocorrido foi intencional ou acidental.

Dessa forma, o autoconceito na fase pré-escolar fundamenta-se por evidênci-


as externas, pouco coerente, arbitrário e mutável.

Em suas auto-avaliações, as crianças menores costumam se referir exclusivamen-


te a si mesmas, de�nindo-se também em termos absolutos (“sou alta”, “sou forte”)
sem tender a matizar tais informações (“sou alta para minha idade”) nem fazer uso
das comparações sociais (“sou mais forte de meus amigos”). À medida que cres-
cem, irão fazendo um uso cada vez maior das comparações sociais para preencher
de conteúdos o seu autoconceito (HIDALGO; PALÁCIOS, 2004, p. 186).

Podemos perceber, portanto, como o ser humano adquire habilidades e com-


petências esperadas para cada etapa do seu desenvolvimento (tarefas de de-
senvolvimento) e conhecer como o mundo que o rodeia é interpretado em ca-
da faixa etária. Esses conhecimentos são essenciais para que se possam pla-
nejar atitudes educacionais adequadas no trabalho docente.
Além disso, neste tópico, conhecemos as características de desenvolvimento
para a fase pré-escolar. Agora, iniciaremos os estudos de uma fase muito im-
portante para o desenvolvimento humano: a fase escolar.

14. Criança na fase escolar e suas característi-


cas de desenvolvimento
A fase escolar, também conhecida como “meninice”, inicia-se por volta de seis
ou sete anos, quando a criança passa a frequentar o Ensino Fundamental, e
termina com a chegada da adolescência, aos 11 ou 12 anos.

Nessa etapa, ocorre grande expansão no contexto ambiental e social. A crian-


ça sai da proteção direta dos pais e amplia as aquisições, antes estruturadas
em planos lúdicos, porém agora com realizações objetivas e mais cobranças
sociais.

Na fase escolar, espera-se, pois, mais autonomia para a realização de ativida-


des diárias e habilidades para o enfrentamento de desa�os, sejam eles referen-
tes à resolução de problemas, ou a relações interpessoais.

A criança adquire nessa fase, progressivamente, a plena prontidão do esque-


ma corporal. O movimento corporal está liberado para a aquisição da motrici-
dade �na (consegue dedilhar o polegar contra a polpa dos outros dedos).

Um dos maiores desa�os da criança nessa faixa etária é frequentar a escola


formal e dominar as tarefas acadêmicas (ler, escrever e realizar exercícios
aritméticos). Em razão disso, os avanços nos processos cognitivos são aspec-
tos importantes para essa fase do desenvolvimento.

Na idade escolar, a criança desenvolve processos de pensamentos lógicos que


podem ser aplicados a problemas reais, ou seja, ela começa a fazer re�exões
mais complexas sobre os fatos.

As crianças do ensino fundamental não só sabem mais do que as crianças da


etapa precedente, como também têm mais recursos para planejar e utilizar, de
forma e�ciente, suas aptidões quando se deparam com um problema [...].
Sabem que para pensar bem é preciso considerar todos os dados, [...] desconsi-
derar informações pouco relevantes, [...] controlar as idéias alternativas e que
se pode melhorar e corrigir o próprio raciocínio com um esforço suplementar
(MARTÍ, 2004, p. 233).

A criança consegue, então, descentrar suas percepções e acompanhar trans-


formações, não estando mais limitada à percepção.

Para o problema de conservação de líquido, exemplo que mencionamos ante-


riormente, no qual ela considerava que tinha mais líquido no copo mais �no e
mais comprido, consegue, agora, perceber que a quantidade de líquido conti-
nua igual quando se transvasa a mesma quantidade para recipientes diferen-
tes.

Com esse tipo de raciocínio, ela pode ter consciência e compreensão das rela-
ções entre os passos sucessivos, bem como avaliar sentimentos e aconteci-
mentos. Adquire, ainda, a capacidade de compreender as razões das mudan-
ças e as transformações nos estados afetivos dos outros.

Na fase anterior, ao ver sua mãe chorar, poderia inferir que ela tinha se ma-
chucado, porém, nesta fase, consegue avaliar se o choro de sua mãe está rela-
cionado a algo que a deixou triste.

A criança torna-se mais sociável e menos egocêntrica, e, com isso, tem a


consciência de que os outros podem chegar a conclusões diferentes das suas.
Aparece, assim, o con�ito cognitivo, com o qual procura validar seus pensa-
mentos. Se alguém fala algo diferente do que pensa, ela procura re�etir sobre o
assunto e até trocar ideias sobre ele.

O que está em destaque para o desenvolvimento cognitivo nessa fase é, sobre-


tudo, a reversibilidade de pensamento que a conduz para o raciocínio lógico.

Como pode ser entendida essa reversibilidade de pensamento?

A reversibilidade de pensamento é a capacidade de inverter uma mudança e


extrair a dedução apropriada para o fato, retomando o ponto de partida ou o
início do acontecimento.

Por exemplo, quando a�rmamos que, para ir de uma cidade a outra, temos de
percorrer 40 km, ao perguntarmos à criança quantos quilômetros teremos de
percorrer no caminho de volta da mesma cidade, ela logo responderá que per-
correremos os mesmos 40 km.

Pode-se dizer que esse é um período de grandes aprendizagens, tendo em vis-


ta que as habilidades de memória melhoram rapidamente durante os anos do
Ensino Fundamental. À medida que as crianças crescem, utilizam estratégias
mais e�cazes para se lembrar de algo. Algumas dessas estratégias ajudam a
manter as informações na memória de trabalho; outras possibilitam transferir
ou recuperar informações para a memória de longo prazo (KAIL, 2004).

Como podemos perceber, nesse período, ocorrem mudanças cognitivas, que


repercutem também nas atitudes e no comportamento da criança em geral.

As crianças compreendem melhor o que se diz a elas, podem acompanhar


conversações complexas, são menos ingênuas na hora de entender as inten-
ções das outras pessoas, têm gostos mais claros, podem estar mais atentas ao
que lhes interessa, conhecem melhor suas capacidades e limitações e podem
se descrever de forma mais objetiva e variada (MARTÍ, 2004, p. 250).

Comportamento social e personalidade em crianças na fa-


se escolar
A experiência escolar permite um acúmulo de experiências signi�cativas pa-
ra o comportamento social da criança. Dessa maneira, a escola representa a
ela um microcosmo da sociedade com regras, condutas e atitudes de�nidas.

Nesse contexto, a criança relaciona-se com diferentes pessoas e com vários


graus de conhecimentos, possibilitando vivenciar relações de igualdade, coo-
peração, competição, submissão, liderança, entre outras.

Vale ressaltar que, nesta fase, aparece na criança a necessidade de amizades


mais duradouras e da convivência com companheiros. Essas necessidades se
intensi�cam à medida que a ela se aproxima da adolescência. Geralmente,
participa de grupos homogêneos quanto ao sexo, idade e classe social. Por
exemplo: a criança dirá que outra é sua amiga pelo fato de ambas se ajudarem
quando precisam e por elas terem gostos semelhantes.

Além disso, na fase escolar, a criança começa a estabelecer relações econômi-


cas e a ter noção de valores monetários. Com sete anos, ela pode compreender
que deve pagar aquilo que compra, bem como que pode receber troco. Contudo,
é somente em torno de nove ou dez anos que vai entender a noção de lucro, sa-
bendo que o preço de venda deve incluir o preço de custo e o de lucro e que,
por essa razão, o preço �nal é sempre superior ao custo inicial (PALÁCIOS;
GONZÁLEZ; PADILHA, 2004).

Grandes avanços ocorrem dos seis aos 12 anos no desenvolvimento moral,


passando de uma noção rígida e in�exível de “certo” e “errado” (aprendida
com os pais), para um senso de imparcialidade nos julgamentos morais, e co-
meçando a levar em consideração a situação em que ocorreu a violação moral,
raciocinando sobre os acontecimentos.

Se com cinco anos a criança considera que toda mentira deve ser castigada,
aos 10 anos ela se torna mais �exível nos julgamentos e entende que poderão
haver exceções para algumas regras.

As crianças evoluem da heteronomia moral (as regras vêm das autoridades:


pais, adultos, Deus) para a autonomia moral (as regras resultam do acordo en-
tre os indivíduos e podem ser modi�cadas). Nessa fase, as avaliações
centram-se nos motivos ou nas intenções que levaram a uma determinada
conduta, e a punição deve ser adequada ao delito cometido (PALÁCIOS;
GONZÁLEZ; PADILHA, 2004).

As teorias psicológicas sinalizam que, durante essa fase, as crianças estão


voltadas ao aprimoramento de si mesmas e de suas próprias capacidades, ou
seja, estão preocupadas com a sua autoestima.

Como podemos entender a autoestima no desenvolvimento da personalidade?


A autoestima está diretamente relacionada à avaliação do autoconceito, ou se-
ja, do conhecimento que a criança tem de si mesma. O autoconceito tem sua
origem na interação social e desenvolve-se por meio de ações e opiniões ex-
pressas pelos outros sobre suas características pessoais e condutas.

O conhecimento de si mesma se completa com uma dimensão valorativa e julgado-


ra do eu: em que medida avalio minhas características e competências, como satis-
feito ou insatisfeito, contente ou descontente; como me sinto em relação a como eu
sou. Esta visão que cada pessoa tem do seu próprio valor e competência, o aspecto
avaliativo do eu, é o que conhecemos como auto-estima (HIDALGO; PALÁCIOS, p.
186).

Logo, a criança constrói a primeira imagem de si baseada, em primeiro lugar,


nas relações estabelecidas com a família. Na fase escolar, ela tem a oportuni-
dade de con�rmar ou de modi�car seu autoconceito na interação com os ou-
tros, entrando em jogo, dessa maneira, o papel da escola e dos companheiros
na determinação de sua autoestima.

De acordo com Palácios e Hidalgo (2004), para que você possa pensar nos de-
terminantes da autoestima nessa etapa do desenvolvimento, é necessário
compreender que a autoestima global inclui determinantes físicos (aspectos e
destrezas físicas), acadêmicos (avaliações do desempenho escolar) e sociais
(relações com os pais e com os colegas).

Ao participar de uma escola, a criança começa a construir seu autoconceito


acadêmico, com base na percepção de seu desempenho escolar (quando ela se
sente capaz para as atividades escolares). Dessa forma, a criança com bom de-
sempenho acadêmico terá determinantes para uma autoestima positiva.

À medida que as crianças acumulam experiências de sucessos e fracassos na esco-


la, formam crenças sobre suas habilidades em diversas áreas de conteúdo (por
exemplo, em línguas, matemática, ciências), e essas crenças contribuem para o au-
toconceito acadêmico geral dos alunos. [...] Uma criança que acredita que não pos-
sui talentos na maioria das áreas acadêmicas terá autoconceito acadêmico negati-
vo (KAIL, 2004, p. 370).
Podemos perceber, portanto, que o êxito ou fracasso escolar determina a quali-
dade do autoconceito acadêmico da criança e apresenta uma relação direta
com a motivação e o esforço para as atividades acadêmicas.

Diante da situação escolar, as crianças com autoconceito positivo enfrentam


as tarefas com mais esforços e persistência. Quando tiram notas baixas e não
dominam determinados conteúdos, avaliam a situação de estudo pouco e�ci-
ente e partem para estudar mais, ou pedem mais explicações sobre o assunto.

Contudo, a criança com autoconceito acadêmico negativo, quando não obtém


sucesso em uma tarefa acadêmica, atribui o fracasso a si mesma (fatores in-
ternos), perde a motivação para as novas aprendizagens, sente-se incapaz e,
geralmente, faz uma autoavaliação negativa de si mesma, alimentando sua
imagem negativa.

Sobretudo, a conduta do professor é um fator importante no autoconceito aca-


dêmico do aluno. A forma como ele avalia e interage com o aluno, os comentá-
rios, as atitudes e as expectativas podem in�uir na percepção de si, como alu-
no.

Parece evidente que a interpretação que cada criança faz dos resultados obtidos na
escola não só intervêm variáveis do tipo pessoal como também o estilo atributivo;
os processos de comparação social e, principalmente, o professor constituem tam-
bém claras fontes de in�uência [...] a atitude e a conduta do professor com o aluno
se revelam como fator determinante para a valoração que este faz de sua compe-
tência acadêmica (PALÁCIOS; HIDALGO, 2004, p. 261).

As expectativas que o professor tem sobre o aluno são fatores fundamentais


para seu autoconceito acadêmico. Assim, como as expectativas dos pais, as do
professor podem se converter em profecias autorrealizadas.

Quando o professor apresenta atitudes continuadas e consistentes de alta ex-


pectativa sobre o êxito do aluno, potencializa sua con�ança em si mesmo, re-
duz a ansiedade diante do fracasso e facilita os resultados acadêmicos positi-
vos.
Condutas de descon�ança a respeito da capacidade do aluno, ou surpresa di-
ante de algum sucesso, fomentam a insegurança e reduzem a possibilidade de
ele enfrentar os problemas, gerando um sentimento de incapacidade.

Aparece uma relação entre as expectativas do professor e o conceito que este


tem de si mesmo. Os professores com sentimentos positivos a respeito de si
mesmos e com elevado nível de autoe�cácia tendem a desenvolver vínculos
afetivos positivos com os alunos e a ajudá-los no desenvolvimento de percep-
ções mais positivas de si mesmos.

Em síntese, pode-se dizer que as relações que o professor mantém com o alu-
no e o modelo de sua atuação proporcionam um impacto positivo ou negativo
no autoconceito acadêmico da criança.

O autoconceito acadêmico da criança, por sua vez, não se restringe às tarefas


escolares, podendo também ser generalizado a outros aspectos de sua perso-
nalidade, como capacidades intelectuais gerais, destrezas para resolver situa-
ções problemáticas, motivação para novas aprendizagens e maturidade psico-
lógica.

Como podemos perceber, no processo evolutivo do ser humano, ocorrem mu-


danças importantes na fase escolar; entretanto, outras transformações signi�-
cativas acontecem na próxima fase.

15. Considerações
Neste ciclo, vimos que o conceito de infância é construído de acordo com o
momento histórico, e em consonância com a realidade social e cultural,
fazendo-nos pensar na existência de várias infâncias. Abordamos algumas
preocupações com a infância na atualidade e, também, como o mercado capi-
talista se vale de características especí�cas da infância para formular suas es-
tratégias de propaganda e venda. Foram apresentados alguns importantes
precursores da educação infantil, revelando que a forma de pensar a infância
in�uencia, diretamente, na maneira como foram organizadas as propostas
educativas. E, ainda, abordamos a aprendizagem e o desenvolvimento na in-
fância, apontando as concepções que predominam na atualidade. No próximo
ciclo, veremos as legislações que orientam a constituição das propostas curri-
culares e as práticas educativas junto às crianças.
(https://md.claretiano.edu.br

/psideseducrijovadu-gs0056-fev-2022-grad-ead-p/)

Ciclo 2 – Legislações e as Políticas Públicas de Acesso


e Permanência na Educação Infantil

Lucimary Bernabé Pedrosa de Andrade


Tatiana Noronha de Souza

Objetivos
• Demonstrar a trajetória das políticas públicas destinadas à infância no
Brasil.
• Conhecer as legislações que regem a Educação Infantil, sua importância
no sistema educacional e a necessidade de uma educação de qualidade
para a formação das crianças brasileiras.

Conteúdos
• As políticas públicas para infância no Brasil.
• A infância no Estado Novo.
• Os movimentos populares e a defesa da cidadania na infância.
• A Educação Infantil como direito.
• Ordenamento legal da Educação Infantil.
• Documentos governamentais de orientação à implantação das políticas
para educação infantil.

Problematização
Por que estudar a trajetória das políticas de atendimento à infância e como se
deu essa trajetória? Por que temos uma herança assistencialista? Como se
con�guram as políticas voltadas para a infância no Estado Novo? Você já ou-
viu falar sobre os movimentos populares e a defesa da cidadania na infân-
cia? Você conhece o novo ordenamento legal acerca da infância? Quais os
documentos legais dão base a esse novo ordenamento legal acerca da infân-
cia? Quais as implicações desse aporte legal na Política Nacional de
Educação Infantil? Qual a função dos Parâmetros e dos Indicadores de quali-
dade para a educação infantil? O que estabelecem as Diretrizes Curriculares
para a educação infantil? E a BNCC, o que ela estabelece enquanto diretrizes
para se pensar o desenvolvimento e a aprendizagem na Educação Infantil?

1. Introdução
Neste momento, teremos contato com a trajetória das políticas de atendimen-
to à infância, passando de uma visão assistencialista à visão da criança como
um ser detentor de direitos. Assim, abordaremos os documentos o�ciais e le-
gais que regulamentam o funcionamento das instituições de Educação
Infantil, além de fundamentarem as práticas pedagógicas. Ainda, veremos o
mais recente documento que estabelece normativas curriculares para a edu-
cação básica, e dentro disso, a educação infantil, a Base Nacional Comum
Curricular, a BNCC, cujos estudos serão aprofundados no ciclo 3.

Como complementação aos seus estudos no ciclo, além das leituras e dos
links indicados a seguir, também sugerimos a leitura da obra:

MOLETTA, A. K; BIERWAGEN, G. S.; OLIVEIRA TOLEDO, M. E. R de. A educação infantil e a


garantia dos direitos fundamentais da infância [recurso eletrônico]. Porto Alegre: SAGAH,
2018. (Minha Biblioteca), p. 13-43.

Todavia, no contexto da política de assistência às crianças, a educação infan-


til adquiriu uma crescente importância no Brasil a partir das últimas décadas
do século 20. As políticas públicas voltadas à infância no Brasil, inicialmente,
tiveram um caráter assistencialista, o que in�uenciou diretamente na concep-
ção de criança e infância atreladas aos programas das instituições de atendi-
mento às crianças de zero a seis anos.

Esperamos que você também reconheça, ao �nal deste estudo, educação in-
fantil no âmbito dos direitos sociais da infância.
2. Políticas públicas para a infância no Brasil:
a herança assistencialista
No bojo das transformações econômicas e políticas suscitadas pelo capitalis-
mo, ocorreram mudanças signi�cativas na organização familiar, em decor-
rência da participação feminina na população economicamente ativa do país.

Os cuidados com as crianças pequenas têm destaque no conjunto dessas mu-


danças, revelando a intrínseca relação do surgimento das instituições de
atenção à infância com as transformações do papel da mulher na sociedade.
Outro aspecto importante se refere ao crescimento acelerado da população de
baixa renda e de suas di�culdades quanto à qualidade mínima de sobrevivên-
cia diante dos impactos sociais ocasionados pela política econômica do capi-
talismo.

As primeiras experiências do atendimento às crianças, no início do século 20,


revelaram seu caráter assistencial e custodial (de guarda, proteção e cuidado),
voltado ao atendimento às crianças e às famílias empobrecidas. Elas apresen-
tavam elementos que, por longos anos, marcaram a história da instituição na
sociedade, como, por exemplo, o seu caráter bene�cente, a especi�cidade da
faixa etária e a qualidade das mães como pobres e trabalhadoras.

Oliveira et al. (1992) apontam que, até o início do século 20, o atendimento às
crianças em creches era o mesmo oferecido nos asilos e nos internatos e era
destinado aos �lhos das mães solteiras que não tinham condições para criá-
los. Essa falta de condições era reforçada pela sociedade vigente, o que fazia
aumentar o sentimento de culpa dessas mães. O atendimento institucionaliza-
do era feito como um favor, uma caridade.

Oliveira (1988) ressalta que a prática institucional apresentava, ainda, uma


preocupação centrada em reforçar a função da mulher como a provedora da
família e a responsável pelos cuidados com os �lhos, prevenindo-se uma de-
sorganização familiar, isto sob a ótica de uma ação controladora sobre as clas-
ses populares.
As controvérsias entre o trabalho feminino e a modernidade, surgidas nesse
contexto, marcaram a história das instituições de atendimento às crianças pe-
quenas, visto que a sociedade, ao criar e propagar mudanças no mundo do tra-
balho e na organização familiar, reforçou a manutenção de padrões e de valo-
res culturais, especialmente quanto à função materna.

O desenvolvimento do capitalismo, o processo de urbanização e o surgimento


das primeiras indústrias, no �nal do século 19 e início do século 20, compõem
o cenário no qual aparecem as primeiras instituições de atendimento às cri-
anças, tais como:

• creches;
• escolas maternais;
• jardins da infância.

No caso do Brasil, a implantação da industrialização no país, na segunda me-


tade do século 19, gerou o aumento do número de mulheres nas fábricas.
Nesse caso, aquelas que eram mães se depararam com o desa�o de encontrar
alguém ou algum lugar para “olhar” os seus �lhos (OLIVEIRA et al. 1992).

Oliveira et al. ainda apontam que, somente no início do século 20, o atendi-
mento aos �lhos das operárias passou a ser discutido. Você sabe o porquê?
Porque os imigrantes europeus, que, inicialmente, tinham ido para o campo,
foram absorvidos nas fábricas. Na década de 1920, esses imigrantes passaram
a ser organizar, protestando contra as péssimas condições de trabalho que
lhes eram oferecidas. Entre as várias reivindicações, uma delas era pelas “cre-
ches” para seus �lhos.

Tendo em vista a necessidade de diminuir a força do movimento operário, os


donos das fábricas passaram a ceder a algumas exigências para, assim, pro-
curar controlar o comportamento do operário dentro da fábrica. Dessa forma,
vilas operárias foram construídas, bem como escolas, clubes, maternais e cre-
ches. Essas iniciativas foram reconhecidas pelos donos das indústrias como
positivas, pois acreditavam que as mães mais satisfeitas produziriam melhor
na fábrica.

Com todas as conquistas daquele momento, a creche ainda era vista como um
mal necessário, pois, até então, o ideal de mulher estava voltado para o lar, e
ela somente deveria trabalhar em função de grande necessidade �nanceira.
Poucas creches foram feitas fora das indústrias, e, nas décadas de 1930 até
1950, elas eram, predominantemente, responsabilidades das entidades �lan-
trópicas (OLIVEIRA et al. 1992), que recebiam donativos de famílias ricas.

A seguir, veja alguns indicadores que, no século 20, contribuíram para as cre-
ches se tornarem pauta de reivindicações na sociedade:

1. o crescimento da industrialização no país;


2. a formação de uma nova elite burguesa (em substituição à elite cafeeira);
3. o agravamento do estado de miséria de um grande número de pessoas;
4. a inserção da mulher nas fábricas;
5. o operariado migrante europeu e o início das tensões nas relações
patrões-operariado.

As políticas públicas voltadas à infância no país, desde o século 19 até a déca-


da de 1960, apresentavam um caráter paternalista e assistencialista, com a
presença marcante de entidades particulares e �lantrópicas no oferecimento
dos serviços, especialmente em relação às creches.

Segundo Kramer (1988), decorreram dessas políticas ações e programas de cu-


nho médico-sanitário, alimentar, assistencial e educacional, predominando
uma concepção psicológica e patológica de criança e inexistindo um compro-
misso com o desenvolvimento infantil e com os direitos fundamentais da in-
fância.

[...] voltadas, quando muito, para a liberação das mulheres para o mercado de traba-
lho ou direcionar a uma suposta melhoria do rendimento escolar posterior, essas
ações partem também de uma concepção de infância que desconsiderava a sua ci-
dadania e desprezava os direitos sociais fundamentais capazes de proporcionarem
às crianças brasileiras condições mais dignas de vida (KRAMER, 1988, p. 199).

Nas últimas décadas do século 19 e no início do século 20, o Estado começou a


ter uma presença mais direta na questão da infância, atuando, inicialmente,
como agente �scalizador e regulamentador dos serviços prestados pelas enti-
dades �lantrópicas e assistenciais.

Em 1899, foi criado, no Rio de Janeiro, o Instituto de Proteção e Assistência à


Infância do Brasil. Segundo Merisse (1997), esse instituto foi o precursor da as-
sistência cientí�ca no país, que tinha por objetivo aliar a ciência à ideologia
capitalista.

Em termos dos princípios que o caracterizavam ele foi o irradiador, em nosso país,
do que �cou conhecido como assistência cientí�ca, um conjunto de concepções re-
sultantes da união entre a ciência e a ordem capitalista internacional. Essas con-
cepções, além de apropriarem da ideologia do progresso permanente, considera-
vam que o Estado deveria, através da ciência, controlar as instituições para que es-
tas ordenassem a vida e a reprodução das classes populares (MERISSE, 1997, p. 37).

Em 1924, houve a regulamentação da Escola Maternal em São Paulo, destina-


da ao atendimento dos �lhos dos operários. Na esfera federal, a partir de 1930,
o Estado, por meio da criação do Ministério da Educação e Saúde, o�cialmente
assumiu as responsabilidades pelo atendimento à infância. Nesse período, fo-
ram criados o Departamento Nacional da Criança, em 1940, vinculado ao
Ministério da Educação e Saúde Pública, e o Serviço de Assistência a Menores,
em 1941, vinculado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores.

No ano 1941, foi criada a Legião Brasileira de Assistência (LBA), objetivando


coordenar os serviços sociais do governo e sendo formuladora e executora da
política governamental de assistência, destinada à família e ao atendimento
da maternidade e da infância.

Podemos observar que, na década de 1940, prosperaram iniciativas governa-


mentais na área da saúde, da previdência e da assistência. O higienismo
constitui-se um movimento formado por médicos de orientação positivista
surgido no século 19, na Europa, em resposta aos altos índices de mortalidade
infantil. Dessa maneira, o higienismo, a �lantropia e a puericultura embasa-
vam as práticas das instituições de atendimento às crianças, permeadas por
rotinas rígidas de saúde e higiene.

Segundo Merisse (1997), na família, o higienismo tanto alterou o per�l sanitá-


rio, em sua feição social, que in�uenciou, decisivamente, o papel materno da
mulher, que envolvia a amamentação, o cuidado e a educação das crianças pe-
quenas. Assim, a família e outras instituições de atendimento às crianças, co-
mo as creches, passaram a incorporar a pedagogia higienista.

Em 1943, o governo instituiu a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tor-


nando obrigatória a criação de creches nas empresas que empregassem mais
de 30 mulheres. Cabe ressaltar a presença da concepção assistencialista nessa
iniciativa, visto que a creche era concebida como um benefício trabalhista pa-
ra a mulher trabalhadora, e não como um direito do trabalhador em geral ou
mesmo da criança.

Entretanto, como acontece com tantas outras conquistas legais no Brasil, esta
não foi efetivada na prática, pois poucas creches e poucos berçários foram or-
ganizados nas empresas nesse período.

3. A infância no Estado Novo


Para o início deste tópico, é importante você saber que:

O Estado Novo foi um período autoritário da nossa história, que durou de 1937 a
1945. Foi instaurado por um golpe de Estado que garantiu a continuidade de Getúlio
Vargas à frente do governo central, tendo o apoio de importantes lideranças políti-
cas e militares. Para entender como foi possível o golpe, eliminando-se as suas re-
sistências, é preciso retroceder ao ano de 1936 (CPDOC, 2010 (http://cpdoc.fgv.br
/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-37/GolpeEstadoNovo))

As políticas voltadas para a infância con�guraram, no Estado Novo, ações de


tutela e de proteção, havendo a regulamentação e a criação de diversas insti-
tuições públicas para as crianças de zero a seis anos.

Nesse período, a criança é apresentada como cidadã do futuro, devendo rece-


ber cuidados especiais do Estado, com o objetivo implícito de fortalecimento
do estado ditatorial de Vargas. Com o �m do Estado Novo, o paternalismo ain-
da se manteve como caráter eminente nas ações para a infância, mas “fortale-
cido pela ideologia do desenvolvimento de comunidades e da assistência soci-
al difundidos na década de 50” (KRAMER, 1998, p. 202).

O regime autoritário instaurado com o golpe militar de 1964 e o agravamento


das condições de vida da grande maioria da população brasileira ocasionaram
ações paliativas e reguladoras da explosão social, acarretando profundas mu-
danças na ação governamental destinada à infância e à adolescência no país.
Destacam-se ações e programas desarticuladores, marcados pelo clientelismo
político e pela repressão.

O governo apresentou uma Política Nacional de Bem-Estar do Menor, criando,


assim, a Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (Funabem) e as
Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor (Febems), visando atender os
menores abandonados, infratores, de conduta antissocial e em situações de
risco.

Uma mudança importante nesse período foi em relação à inclusão dos jardins
de infância na legislação educacional, de acordo com os artigos 23 e 24 da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional:

Art. 23 – A educação pré-primária destina-se aos menores de até 7 anos, e será mi-
nistrada em escolas maternais ou jardins-de-infância.

Art. 24 – As empresas que tenham a seu serviço mães de menores de sete anos se-
rão estimuladas a organizar e manter, por iniciativa própria ou em cooperação com
os poderes públicos, instituições de educação pré-primária.

4. Os movimentos populares e a defesa da ci-


dadania da infância
Na década de 1970, com a abertura política no país, ampliaram-se as organiza-
ções populares e os movimentos sociais; entre eles, o movimento de mulheres
por creches no Estado de São Paulo, apresentando diferentes níveis de pressão
e organizações sociais em torno da questão das políticas para a infância de ze-
ro a seis anos:
A pressão da sociedade civil obriga o Estado a assegurar o atendimento aos direitos
sociais a todos, na medida em que presta serviços de caráter público, capazes de vi-
abilizar uma qualidade de vida um pouco melhor para a população (KRAMER, 1998,
p. 202).

Mudanças signi�cativas ocorreram no cenário da educação infantil dessa dé-


cada, especialmente pela crescente demanda de atendimento apresentada por
todas as classes sociais.

Gohn (1992, p. 69) enfatiza a in�uência do sistema econômico nessas mudan-


ças e a inserção da mulher no mercado de trabalho:

As causas são variadas: necessidades econômicas propriamente ditas, tendo em


vista o arrocho salarial a partir de 1967; a expansão de oportunidades de emprego,
gerados pela fase do milagre brasileiro (1968-72); acesso das mulheres ao sistema
de ensino; aparecimento de bandeiras de emancipação das mulheres etc. Em nível
global passa-se a ter um sistema em cascata: a mulher da camada média se insere
no mercado e abandona as tarefas domésticas, abrem-se novos empregos para as
classes populares [...] a mulher da classe popular irá necessitar de outra base de
apoio em sua própria casa, para poder ausentar-se da rotina doméstica e trabalhar
como faxineira, cozinheira, arrumadeira ou em serviços gerais, ou seja, ela necessi-
tará de creches.

Pesquisas realizadas em São Paulo e em Belo Horizonte nos anos 1970 con-
cluíram que a clientela básica dos movimentos de reivindicação por creches
nas periferias era constituída por empregadas domésticas.

Em relação às camadas média e alta da população, estas in�uenciaram, deci-


sivamente, a expansão da rede particular de atendimento às crianças de zero
a seis anos da educação infantil. Em 1985, foi criado o Conselho Nacional do
Direito da Mulher, vinculado ao Ministério da Justiça, que estabeleceu uma
“Comissão de Creche”, reconhecendo a instituição como direito à educação da
criança de zero a seis anos.

A ampliação das lutas pelos direitos das crianças e dos adolescentes fez da
década de 1980 um marco na implementação de políticas para a infância bra-
sileira; a criança deixou de ser um objeto de tutela para �gurar como um sujei-
to de direitos, por meio da promulgação da Constituição de 1988.

5. Ordenamento legal da educação infantil


A legitimidade da educação infantil como um direito social e educacional das
crianças, expressa pela política nacional de educação implementada a partir
da década de 1980, encontra-se fundamentada no novo ordenamento legal
acerca da infância, por meio da Constituição de 1988, do Estatuto da Criança e
do Adolescente – ECA (1990), da Lei Orgânica de Assistência Social –Loas
(1993), da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira –LDB (1996) e do
Plano Nacional de Educação (2001).

A Constituição de 1988 estabeleceu a responsabilidade do Estado pela educa-


ção infantil em creches e em pré-escolas, conforme o Artigo 280, Inciso IV.
Além disso, ela instituiu o direito dos trabalhadores (homens e mulheres) em
terem assegurada a assistência gratuita aos seus �lhos e dependentes, desde o
nascimento até os cinco anos, em creches e em pré-escolas, de acordo com o
Artigo 7º, Inciso XXV, ampliando, signi�cativamente, o proposto pela CLT de
1943.

A Ementa Constitucional nº 53, de 19 de dezembro de 2006, dá uma nova reda-


ção ao Artigo 7º da Constituição Federal, estabelecendo, no Inciso XXV, a as-
sistência gratuita aos �lhos e dependentes dos trabalhadores, desde o nasci-
mento até os cinco anos de idade.

As creches passaram a ser legitimadas como agências educativas e, por con-


seguinte, como um direito das crianças e das famílias em usufruírem de espa-
ços coletivos para os cuidados e a educação de seus �lhos. Segundo pesquisa-
dores italianos, as creches, na Itália, também apresentam a função social de
responder ao direito da criança e ao direito da mulher que trabalha.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n° 8.069/90, ordenamento legal


que reitera a criança como sujeito de direitos, em seu Artigo 53, referencia a
contribuição da educação no desenvolvimento pleno da pessoa, na conquista
da cidadania e na quali�cação para o trabalho, destacando, ainda, aspectos
fundamentais da educação como política pública, quanto à necessidade da
igualdade de condições para o acesso à escola pública.

O Artigo 54 enfatiza a obrigatoriedade do Estado no atendimento às crianças


de zero a seis anos em creches e pré-escolas. O Estatuto estabelece, ainda, a
criação de instrumentos, como os Conselhos dos Direitos da Criança e do
Adolescente, a �m de defender o atendimento aos direitos destes.

A Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), de 1993, vem complementar e rea-


�rmar o papel do Estado na atenção à infância, em seu Artigo 2º: “a assistên-
cia social tem por objetivos: I) proteção à família; à maternidade; à velhice; II)
amparo às crianças e adolescentes carentes”. Já no Artigo 4º, ela enfatiza a
universalização dos direitos sociais e a importância da integração das políti-
cas de educação, de saúde e de assistência.

A legitimidade da creche como instituição de educação infantil é rea�rmada


pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, a qual rei-
tera o direito à educação das crianças de zero a seis anos, expresso na
Constituição de 1988, no ECA (1990) e na Política Nacional de Educação
Infantil (1994).

O Artigo 4º da LDB garante o direito gratuito ao atendimento, em creches e em


pré-escolas, às crianças de zero a seis anos de idade. A lei, em seu Artigo 29,
reconhece a educação infantil como primeira etapa da Educação Básica.

Art. 29 – A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como �nali-
dade o desenvolvimento integral da criança até os 6 anos de idade, em seus aspec-
tos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da
sociedade.

De acordo com a LDB, as instituições de educação infantil são conceituadas


pelo critério etário.
Art. 30 – A educação infantil será oferecida em:

I – Creches, ou entidades equivalentes, para crianças de 0 a 3 anos de idade;

II – Pré-escolas, para crianças de 4 a 6 anos.

Respondendo a uma visão integral da criança e pautando-se no ritmo indivi-


dual de seu desenvolvimento, o Artigo 31 estabelece que a avaliação, na edu-
cação infantil, acontecerá por meio do acompanhamento e registro do desen-
volvimento, sem objetivar a promoção ao ensino fundamental. Esse artigo
rompe com os propósitos da educação infantil preparatória e suscita novas
práticas à pedagogia da infância.

O Plano Nacional de Educação (2001) estabeleceu diversas metas e ações para


melhorar a qualidade do atendimento em creches e em pré-escolas. Entre al-
gumas delas, previstas para até 2011, podemos citar a inclusão na educação
infantil de 50% das crianças de zero a três anos e 80% das de quatro a seis
anos, além de nível superior para todos os dirigentes e para 70% dos professo-
res das instituições de educação infantil.

Outras metas importantes foram apresentadas, mas, infelizmente, muitas de-


las não foram atingidas até o último ano de vigência do PNE, tais como:

• A ampliação da oferta de vagas no percentual previsto.


• A adaptação dos prédios de educação infantil de acordo com os padrões
mínimos de infraestrutura estabelecidos.
• A autorização da construção e do funcionamento de instituições de edu-
cação infantil, sejam públicas, sejam privadas, apenas se estas atenderem
aos requisitos de infraestrutura de�nidos pelo Ministério da Educação.

Esse último aspecto é um dos mais caóticos, pois grande parte das institui-
ções de educação infantil funciona em casas adaptadas, que acabam não ofe-
recendo condições para o desenvolvimento adequado das crianças (movimen-
tos amplos, sol etc.) nem condições sanitárias adequadas.

Temos, também, outros aspectos que não foram atingidos, como, por exemplo:
Que todos os dirigentes de instituições de educação infantil possuam formação
apropriada em nível médio (modalidade Normal) e, em dez anos, formação de nível
superior e que todos os professores tenham habilitação especí�ca de nível médio e,
em dez anos, 70% tenham formação especí�ca de nível superior (BRASIL,  2001)
(https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm)

Essa formação ainda é uma realidade muito distante, especialmente para os


estados mais pobres do Brasil. Um aspecto importante a ser destacado é refe-
rente aos diretores e/ou coordenadores pedagógicos. Esses pro�ssionais deve-
riam ser tecnicamente competentes para assumir tais cargos, sendo admiti-
dos em concursos, e não indicados como cargos políticos.

Em grande parte dos municípios brasileiros, o cargo político de diretores e de


coordenadores de escola tornou-se um grande problema para o avanço da
qualidade na educação infantil, isso porque, muitas vezes, os coordenadores e
diretores não enfrentam as instâncias superiores na luta pela melhoria das
condições de atendimento às crianças, inclusive por condições de trabalho
para as suas equipes, para não colocar em risco os seus respectivos empregos.
Dessa forma, pouco ou nada é feito para melhorar as condições de atendimen-
to às crianças.

Municípios como o de São Paulo já fazem concursos para diretores e coorde-


nadores pedagógicos e mostram que, aliada a tantas outras iniciativas, esta
pode melhorar as condições de atendimento que são dadas às crianças, pois,
assim, diretores e coordenadores possuem maior autonomia e segurança na
reivindicação de melhorias para o trabalho.

Outra meta não alcançada foi a de que todos os Municípios deveriam ter de�-
nido a sua política para a educação infantil, baseados nas diretrizes nacionais,
nas normas complementares estaduais e nas sugestões dos referenciais curri-
culares nacionais, e a de que todas as instituições de educação infantil deveri-
am ter formulado, juntamente com a participação de pro�ssionais da educa-
ção  os seus projetos pedagógicos.

Quanto a essas questões anteriormente citadas, há uma prática burocrática de


construção da proposta pedagógica, construída por uma só pessoa ou copiada
de outra escola. Isso nos mostra que os dirigentes não compreenderam o sig-
ni�cado da proposta pedagógica; que ela não poderia ser engavetada, mas
acompanhada e avaliada, sistematicamente, durante o ano.

O progressivo atendimento público em tempo integral para as crianças de zero


a seis anos de idade também é uma meta não alcançada, tendo em vista que,
nos últimos anos, tem aumentado o atendimento público em período parcial.
Alguns municípios alegam que as famílias não precisam de atendimento em
período integral, pois as mães não trabalham. Contudo, eles se esquecem de
que o direito é da criança e nada tem a ver com o critério da mãe que trabalha
ou não trabalha. Isso passou a ser um critério de matrícula em função do pe-
queno número de vagas; dessa forma, são colocados critérios de matrícula in-
constitucionais, que não respeitam o direito da criança.

De todas as metas propostas, podemos observar que algumas ações têm sido
encaminhadas e realizadas, como, por exemplo, a ampliação da oferta dos
cursos de formação de professores de educação infantil de nível superior, com
conteúdos especí�cos, prioritariamente nas regiões em que o dé�cit de quali�-
cação é maior, de modo a atingir a meta estabelecida pela LDB para a década
da educação.

Essa iniciativa vem sendo realizada por meio de diversos programas, tais co-
mo:

• Plataforma Freire: essa iniciativa foi elaborada pelo Ministério da


Educação, sendo voltada aos professores da Educação Básica pública, que
estejam no exercício do magistério, e oferecida em instituições públicas
(e confessionais) de Ensino Superior. Dessa forma, professores de educa-
ção infantil concursados e sem o curso de Pedagogia podem se inscrever
nos cursos da Plataforma.

Para obter maiores informações acerca da Plataforma Freire, clique aqui!  (http://portal.mec.gov.br/in-
dex.php?option=com_content&view=article&id=13829&Itemid=86)

• Proinfantil:
[...] é um curso em nível médio, a distância, na modalidade Normal. Destina-se aos
professores da educação infantil em exercício nas creches e pré-escolas das redes
públicas – municipais e estaduais – e da rede privada sem �ns lucrativos – comu-
nitárias, �lantrópicas ou confessionais – conveniadas ou não (PORTAL MEC, 2010
(http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12321&
Itemid=548))

Esse curso, com duração de dois anos, é voltado às regiões mais pobres do
país, que, por sua vez, ainda possuem professores leigos. O curso possui um
material pedagógico especí�co para a educação a distância, e espera-se que,
ao �nal do curso, o professor seja capaz de dominar os instrumentos precisos
ao desempenho de suas funções, isto no que tange ao desenvolvimento de me-
todologias e estratégias de intervenção pedagógica adequadas às crianças.

Mesmo não sendo este um curso de nível superior, essa proposta valoriza os
professores que já atuavam na área, dando a eles a possibilidade de adquirir a
habilitação de nível médio para depois cursarem o Ensino Superior.

• Programa Universidade para Todos (Prouni): criado em 2004, este é um


programa dirigido aos egressos do ensino médio, sejam eles da rede pú-
blica, sejam da particular. O Prouni fornece bolsas de estudo integrais e
parciais para cursos de graduação em instituições privadas de Ensino
Superior.

Para obter maiores informações acerca da Universidade para Todos, clique aqui!  (http://prounipor-
tal.mec.gov.br)

Outra meta que podemos avaliar como atingida se refere à elaboração de pa-
drões mínimos de infraestrutura para o funcionamento adequado das institui-
ções de educação infantil públicas e privadas. O MEC publicou, em 2006, um
documento em dois volumes, que trata de estabelecer parâmetros básicos de
infraestrutura para instituições de educação infantil e que aborda as seguin-
tes questões:

1. espaço interno, com iluminação, insolação, ventilação, visão para o espa-


ço externo, rede elétrica e segurança, água potável, esgotamento sanitá-
rio;
2. instalações sanitárias e para a higiene pessoal das crianças;
3. instalações para preparo e/ou serviço de alimentação;
4. ambiente interno e externo para o desenvolvimento das atividades, con-
forme as diretrizes curriculares e a metodologia da educação infantil, in-
cluindo o repouso, a expressão livre, o movimento e o brinquedo;
5. mobiliário, equipamentos e materiais pedagógicos;
6. adequação às características das crianças especiais (BRASIL, 2006a, p.
37-38).

Esse documento teve uma construção muito interessante, pois ele foi elabora-
do em parceria com educadores, arquitetos e engenheiros que já possuem ex-
periência em planejar, re�etir e construir/reformar espaços destinados à edu-
cação das crianças de zero a seis anos de idade. Contou com a participação de
diversos atores da sociedade, tais como secretarias municipais de educação e
a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), em oito
seminários regionais para a discussão do documento preliminar.

Ele foi baseado, também, nos estudos e nas pesquisas do Grupo Ambiente-
Educação (GAE), que desenvolve projetos relacionados à qualidade dos ambi-
entes escolares, com ênfase nas relações entre o espaço físico. Trata-se de um
grupo que reúne pro�ssionais e pesquisadores de áreas e instituições distin-
tas, preocupados com o projeto pedagógico e o desenvolvimento da criança.

Você pode ter acesso aos dois volumes desse documento nestes sites:

Volume 1 - Clique aqui!  (http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/miolo_infraestr.pdf)


Volume 2 - Clique aqui!  (http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/eduinfparinfestencarte.pdf)

Ainda tivemos, no quadro das políticas para a educação infantil no país,  a pu-
blicação de outros importantes documentos de subsídio à gestão e à imple-
mentação das propostas pedagógicas nas instituições de educação infantil.
Dentre eles:

1. Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil.


2. Indicadores da Qualidade na Educação Infantil. Orientações sobre convê-
nios entre secretarias municipais de educação e instituições comunitári-
as, confessionais ou �lantrópicas sem �ns lucrativos para a oferta de
educação infantil.
3. Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos funda-
mentais das crianças.

Vejamos, a seguir, detalhadamente, cada documento.

6. Parâmetros Nacionais de Qualidade para a


Educação Infantil
Esse documento, Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação
Infantil, possui dois volumes, que tratam de objetivos e metas e que de�nem a
responsabilidade de:

Estabelecer parâmetros de qualidade dos serviços de Educação Infantil, como refe-


rência para supervisão, o controle e a avaliação, e como instrumento para a adoção
das medidas de melhoria de qualidade (BRASIL, 2001 (http://www.planalto.gov.br
/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm))

Tal documento entende a qualidade como algo construído de forma democrá-


tica e participativa, resultante de um amplo debate entre os segmentos envol-
vidos no trabalho educativo com crianças. O texto �nal é resultado de um tra-
balho elaborado em etapas, as quais constaram da distribuição de duas ver-
sões preliminares do texto, discutidas em seminários regionais – um dos
quais contou com a participação de secretarias, de conselhos municipais e es-
taduais de educação e das demais entidades que trabalham com crianças de
zero a seis anos, e um segundo, com a participação de especialistas de todo
país.

O primeiro volume trata de aspectos fundamentais para a de�nição de parâ-


metros de qualidade na educação infantil no Brasil, apresentando:

1. concepção de criança, de pedagogia da educação infantil;


2. trajetória histórica do debate da qualidade na educação infantil;
3. principais tendências identi�cadas em pesquisas recentes nacionais e
internacionais;
4. desdobramentos previstos na legislação nacional para a área (BRASIL,
2006, p. 43).

O segundo volume explicita as competências dos sistemas de ensino (federal,


estadual e municipal) e a caracterização das instituições de educação infantil
com base em de�nições legais. Ao �nal, são apresentados os parâmetros de
qualidade para os sistemas educacionais, bem como para as instituições de
educação infantil. Esses parâmetros tratam de questões relativas a:

1. proposta pedagógica das instituições;


2. gestão das instituições;
3. formação e função dos educadores e dos demais pro�ssionais que atuam
nas instituições;
4. interações entre educadores, gestores e demais pro�ssionais das institui-
ções de educação infantil;
5. infraestrutura das instituições de educação infantil, com o intuito de pro-
por uma referência nacional que subsidie os sistemas de ensino na dis-
cussão e na implementação de parâmetros de qualidade locais (BRASIL,
2006a).

Indicadores da Qualidade na Educação Infantil


Esse documento foi construído com o objetivo de auxiliar aqueles que traba-
lham na educação infantil, juntamente com famílias e pessoas da comunida-
de, a participarem de processos de autoavaliação da qualidade das institui-
ções.

O intuito é fazer que a comunidade educativa encontre e decida quais os cami-


nhos a tomar para a consecução de práticas educativas que respeitem os di-
reitos fundamentais das crianças e ajudem a construir uma sociedade mais
democrática.

A proposta de realizar um diagnóstico sobre a qualidade de uma instituição


precisa levar em consideração alguns aspectos importantes, tais como:
1. Os direitos humanos fundamentais, cuja formulação resultou de uma his-
tória de conquistas e superações de situações de opressão em todo o
mundo.
2. O reconhecimento e a valorização das diferenças de gênero, étnico-racial,
religiosa, cultural e relativas a pessoas com de�ciência.
3. A fundamentação sobre a “concepção de qualidade na educação em valo-
res sociais mais amplos, como o respeito ao meio ambiente, o desenvolvi-
mento de uma cultura de paz e a busca por relações humanas mais soli-
dárias”.
4. A legislação educacional brasileira, que de�ne as grandes �nalidades da
educação e a forma de organização do sistema educacional, regulamen-
tando essa política nos âmbitos federal, estadual e municipal.
5. Os conhecimentos cientí�cos sobre o desenvolvimento infantil, a cultura
da infância, as maneiras de cuidar e educar a criança pequena em ambi-
entes coletivos e a formação dos pro�ssionais de educação infantil
(BRASIL, 2009, p. 12).

Tal documento responde, também, às metas do Plano Nacional de Educação


ao chamar a atenção dos pro�ssionais para os problemas mais frequentes en-
contrados em creches e em pré-escolas, que precisam ser levados em conta no
processo de avaliação e aprimoramento da qualidade do trabalho realizado
com as crianças. Ele pode ajudar a fazer a comunidade educativa compreen-
der seus pontos fortes e fracos e intervir no funcionamento institucional, de
acordo com as suas condições, de�nindo as suas prioridades e traçando um
caminho para seguir, na construção de um trabalho pedagógico e social signi-
�cativo.

Esses indicadores foram elaborados com base em aspectos fundamentais à


qualidade da instituição de educação infantil, expressos em sete dimensões:

1. planejamento institucional;
2. multiplicidade de experiências e linguagens;
3. interações;
4. promoção da saúde;
5. espaços, materiais e mobiliários;
6. formação e condições de trabalho das professoras e demais pro�ssionais;
7. cooperação e troca com as famílias e participação na rede de proteção so-
cial (BRASIL, 2009, p. 17-18).

A proposta de uso é a de que cada indicador é avaliado depois de o grupo res-


ponder a uma série de perguntas. As respostas permitem à comunidade avali-
ar a qualidade da instituição de educação infantil quanto àquele indicador.

Para facilitar a autoavaliação, o documento sugere que as pessoas atribuam


cores aos indicadores. As cores simbolizam a avaliação que é feita: se a situa-
ção é boa, coloca-se a cor verde; se ela é média, a cor amarela; se é ruim, a cor
vermelha.

E para que deve ser utilizado esse documento?

Ele foi construído para ser utilizado por instituições de educação infantil em
todo o país. As secretarias de educação e os conselhos municipais de educa-
ção podem estimular o seu uso, pois a adesão das instituições deve ser volun-
tária, uma vez que se trata de uma autoavaliação.

A recomendação é que a creche ou pré-escola organize um grupo para cuidar


do uso do material, providenciando os materiais, organizando o tempo neces-
sário e preparando espaços para as reuniões dos grupos e para a plenária �nal.

Acredita-se que quanto maior for o número de pessoas dos diversos segmen-
tos da comunidade a se envolverem em ações para a melhoria da qualidade da
instituição de educação infantil, maiores serão os ganhos para as crianças.

Você gostaria de baixar esse documento na íntegra? Então, clique aqui! (http://portal.mec.gov.br/dmdocu-
ments/indic_qualit_educ_infantil.pdf)

7. Orientações sobre convênios entre secretari-


as municipais de educação e instituições co-
munitárias, confessionais ou �lantrópicas sem
�ns lucrativos para a oferta de educação in-
fantil
Tendo em vista o não atendimento da demanda da educação infantil pelo
Estado, na história da educação infantil no Brasil, associações comunitárias e
entidades religiosas organizaram instituições para atender às crianças das fa-
mílias mais pobres. Com raras exceções, essas instituições são conhecidas
por oferecerem um cuidado e uma educação de baixa qualidade, muito em
função da concepção de educação e da falta de recursos. Para tanto, o MEC
criou o documento Orientações sobre convênios entre secretarias municipais
de educação e instituições comunitárias, confessionais ou �lantrópicas sem
�ns lucrativos para a oferta de educação infantil.

Vemos, assim, que a educação infantil no Brasil desenhou uma trajetória his-
tórica, em que o Estado estimulou uma política de atendimento baseada na
parceria com instituições privadas sem �ns lucrativos, comunitárias, �lantró-
picas e confessionais, especialmente no atendimento às crianças de zero a
três anos.

Apesar de estar clara na Constituição e na LDBEN (1996) a obrigação do Estado


no atendimento à população da educação infantil por meio da expansão da re-
de pública, temos, também, a organização dos convênios. O convênio entre o
poder público e as instituições educacionais sem �ns lucrativos assegura, na
maioria dos municípios, o atendimento a um número signi�cativo de crian-
ças, geralmente da população pobre.

O MEC, em seu papel de coordenador nacional da educação, organizou um


grupo de trabalho com o objetivo de elaborar um texto orientador que se cons-
tituísse uma referência para os municípios na construção da política de con-
veniamento.

A coordenação dos trabalhos �cou a cargo da Coordenação Geral de Educação


Infantil, que contou com a participação de representantes de diversas entida-
des, tais como a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
(Undime) e o Movimento de Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (Mieib).

O documento traz orientações às secretarias e aos conselhos estaduais e mu-


nicipais de educação nas questões referentes ao atendimento de crianças de
zero a seis anos de idade, realizado por meio de convênio da
Prefeitura/Secretaria Municipal de Educação com instituições privadas sem
�ns lucrativos, comunitárias, �lantrópicas e confessionais. Para isso, ele foi
dividido em três partes:

• apresentação de preceitos legais e de concepções que fundamentam a


educação infantil; sua estrutura e seu funcionamento no sistema educa-
cional;
• proposta para a realização de um diagnóstico do atendimento local da
educação infantil, condição indispensável para que o governo municipal
estabeleça, reveja e aprimore a sua política de conveniamento;
• esclarecimento das principais dúvidas relacionadas ao Fundeb e suges-
tão de procedimentos para a organização do processo de conveniamento.

Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamen-


tais das crianças

Esse documento teve a sua primeira publicação em 2005, sendo ele solicitado
pelo MEC e construído por duas grandes especialistas em educação infantil
no Brasil – as pesquisadoras da Fundação Carlos Chagas Maria Malta Campos
e Fúlvia Rosemberg. Trata-se de um documento composto de duas partes:

• critérios relativos à organização e ao funcionamento interno das creches,


que dizem respeito, especialmente, às práticas concretas adotadas no tra-
balho direto com as crianças;
• critérios relativos à de�nição de diretrizes e de normas políticas, progra-
mas e sistemas de �nanciamento de creches tanto governamentais quan-
to não governamentais.

Esses critérios não dão especi�cações técnicas quanto à realização de inter-


venções. São critérios que a�rmam os compromissos dos políticos, adminis-
tradores e educadores de cada creche, com um atendimento de qualidade vol-
tado para as necessidades fundamentais da criança.

Tal documento pode ser utilizado como um instrumento de autoavaliação (co-


mo os indicadores anteriormente citados) e como alvo de discussões em reu-
niões pedagógicas com a comunidade.

Na primeira parte do documento, Esta creche respeita a criança, há critérios a


serem observados dentro da instituição, como, por exemplo:

Os brinquedos estão disponíveis às crianças em todos os momentos.


As salas onde as crianças �cam estão arrumadas de forma a facilitar brincadeiras
espontâneas e interativas.
As meninas também participam de jogos que desenvolvem os movimentos amplos:
correr, jogar, pular.
Conversamos e somos carinhosos com as crianças no momento da troca de fraldas
e do banho.
Aprendemos a lidar com preferências individuais das crianças por alimentos.
Nossas crianças têm oportunidade de brincar com areia, argila, pedrinhas, grave-
tos e outros elementos da natureza (BRASIL, 2009, p. 18).

Já a segunda parte diz respeito às políticas e aos programas, como, por exem-
plo:

Há um projeto para as creches com explicitação de metas, estratégias, mecanismos


de supervisão e avaliação (BRASIL, 2009, p. 32).

O orçamento para as creches é su�ciente para oferecer um atendimento digno às


crianças e um reconhecimento do trabalho do adulto pro�ssional (BRASIL, 2009, p.
33).

O valor do per capita repassado pelo poder público às creches conveniadas é su�ci-
ente para oferecer um tratamento digno às crianças (loc. cit.).

Os projetos de construção e reforma das creches visam, em primeiro lugar, o bem-


estar e o desenvolvimento da criança (BRASIL, 2009, p. 34).

A formação prévia e em serviço concebe que é função do pro�ssional de creche


educar e cuidar de forma integrada (loc. cit.).

Você percebeu como o Plano Nacional de Educação vem atingindo as suas


metas? O Governo Federal realizou algumas das medidas que lhe competem,
porém, ainda faltam muitas outras, que dependem, também, dos municípios. É
importante que você observe se o seu município tem feito o que cabe a ele, isto
no que tange à supervisão das instituições de educação infantil.

O novo PNE já começa a ser discutido, tendo em vista que o plano que está em vigência
vence em 2011. Sugerimos, portanto, que, para se manter atualizado, você consulte, sempre,
a página do MEC ou o site da Undime, clicando aqui (http://www.undime.org.br)!

A seguir, veja um quadro sobre o ordenamento legal da educação infantil para


ilustrar melhor o universo das informações que foram apresentadas.

Quadro 1 Ordenamento legal relacionado às crianças de zero a seis anos de


idade.

Instrumentos legais Conteúdo da lei


Art. 6º – “São direitos sociais: a edu-
cação, a saúde, [...] a proteção a mater-
nidade e a infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta
Constituição”.
Art. 208

[...]

IV – “O dever do Estado com a educa-


ção será efetivado mediante garantia
de: [...] atendimento em creche e pré-
escola às crianças de 0 a 6 anos de
idade”.

Art. 211 – “A União, os Estados, o


Constituição da República Federativa Distrito Federal e os Municípios orga-
do Brasil – 1988 nizarão, em regime de colaboração,
  seus sistemas de ensino”.

[...]

II – “Os Municípios atuarão, priorita-


riamente, no ensino fundamental e
na educação infantil”.

Art. 227 – “É dever da família, da so-


ciedade e do Estado assegurar à cri-
ança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à
pro�ssionalização, à cultura, à digni-
dade, ao respeito, à liberdade e à con-
vivência familiar e comunitária, além
de colocá-los a salvo de toda a forma
de negligência, discriminação, explo-
ração, violência, crueldade e opres-
são.

Art. 53 – “A criança e o adolescente


têm direito à educação, visando ao
pleno desenvolvimento de sua pes-
soa, preparo para o exercício da cida-
dania e quali�cação para o trabalho,
assegurando-se-lhes:
I – igualdade de condição para o
acesso e permanência na escola;

[...]
Estatuto da Criança e do Adolescente
ECA – 1990
V – acesso à escola pública e gratuita
 
próxima de sua residência.

Art. 54 – É dever do Estado assegurar


a criança à criança e ao adolescente:

[...]

IV – “atendimento em creche e pré-


escola às crianças de 0 a 6 anos de
idade”.

Lei Orgânica da Assistência Social – Art. 2º “A Assistência Social tem por


1993 objetivo: I) proteção à família, à ma-
  ternidade, à velhice; II) o amparo a
crianças e adolescentes carentes”.
Art. 4º
[...]

“IV atendimento gratuito em creches


e pré-escolas às crianças de 0 a 6
anos de idade”.

Art. 21 – “A educação escolar


compõe-se de: 1. Educação Básica,
formada pela Educação Infantil,
Ensino Fundamental e Médio”.

Seção II

[...]

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Art. 29 – “A educação infantil, primei-


Nacional – LDB (Lei nº 9.394/96) ra etapa da educação básica, tem co-
  mo �nalidade o desenvolvimento in-
tegral da criança”.

Art. 30 – “A educação infantil será


oferecida em:

·       creches, ou entidades equivalen-


tes, para crianças de 0 a 3 anos de
idade;

·       pré-escolas, para crianças de 4 a


6 anos.

Art. 31 – “Na Educação Infantil a ava-


liação far-se-à mediante acompanha-
mento e registro do seu desenvolvi-
mento, sem o objetivo de promoção,
mesmo para o acesso ao ensino fun-
damental”.

Fonte: GUIMARÃES; PINTO (2000).

8. Política Nacional de Educação Infantil: prin-


cípios e diretrizes
No ano 1994, o Ministério da Educação e do Desporto, norteado pela
Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, formulou di-
retrizes para uma Política Nacional de Educação Infantil, publicando e divul-
gando uma série de documentos cientí�cos acerca do compromisso das cre-
ches e das pré-escolas, com a defesa da cidadania das crianças de zero a seis
anos. Esse documento foi novamente publicado em 2006 e pode ser encontra-
do no site do Ministério da Educação, clicando aqui! (http://portal.mec.gov.br
/seb/arquivos/pdf/Educinf/eduinfpolit2006.pdf)

A relevância histórica da Política Nacional de Educação Infantil é expressa


tanto pelo conteúdo apresentado quanto pela maneira com a qual foi elabora-
da, por meio da participação de dirigentes e técnicos de instituições federais,
estaduais e municipais, de professores universitários, de especialistas e de re-
presentantes de instituições internacionais e de entidades não governamen-
tais.

A formulação da política de educação infantil expressa o reconhecimento des-


ta como o direito das crianças pequenas à educação, valorizando o papel da
infância no desenvolvimento do ser humano e, sobretudo, a importância da
educação na construção da cidadania.

Para uma melhor compreensão dos subsídios que norteiam a Política Nacional de Educação Infantil, su-
gerimos a leitura das seguintes publicações do MEC:

• Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação


Fundamental. Critérios para o atendimento em creches e pré-escolas que
respeite os direitos fundamentais das crianças. Brasília: MEC/SEF/COEDI,
2009.
• Política nacional de educação infantil. Brasília: MEC/SEF/COEDI, 2006.

As diretrizes propostas pela Política Nacional de Educação Infantil baseiam-


se nos seguintes princípios:

1. A educação infantil é a primeira etapa da educação básica e destina-se à


criança de zero a seis anos de idade, não sendo obrigatória, mas um direi-
to que o Estado tem obrigação de atender.
2. As instituições que oferecem educação infantil, integrantes dos sistemas
de ensino, são as creches e pré-escolas, dividindo-se a clientela entre elas
pelo critério exclusivo da faixa etária (zero a três anos na creche e quatro
a seis anos na pré-escola).
3.  A educação infantil é oferecida para, em complementação à ação da fa-
mília, proporcionar condições adequadas de desenvolvimento físico,
emocional, cognitivo e social da criança e promover a ampliação de suas
experiências e conhecimentos, estimulando seu interesse pelo processo
de transformação da natureza e pela convivência em sociedade.
4. As ações de educação, na creche e na pré-escola, devem ser complemen-
tadas pelas de saúde e assistência, realizadas de forma articulada com os
setores competentes.
5. O currículo de educação infantil deve levar em conta, na sua concepção e
administração, o grau de desenvolvimento da criança, a diversidade soci-
al e cultural das populações infantis e os conhecimentos que se preten-
dam universalizar.
6. Os pro�ssionais de educação infantil devem ser formados em curso de
nível médio ou superior, que contemplem conteúdos especí�cos relativos
a essa etapa da educação.
7. As crianças com necessidades especiais devem, sempre que possível, ser
atendidas na rede regular de creches e pré-escolas (BRASIL, 1994, p. 15).

Nessa política, a criança é compreendida como um ser humano completo e


em desenvolvimento; como sujeito social e histórico, diferentemente da visão
das políticas anteriores, nas quais a criança era vista como incapaz, como um
cidadão do futuro, um carente ou um “vir a ser”.

O documento explicita uma concepção de educação integrada, na qual o de-


senvolvimento infantil, a aprendizagem e a construção de conhecimentos
ocorrem por meio das interações estabelecidas entre as crianças e o seu mun-
do físico e social. Essa concepção de educação enfatiza o papel da interação
entre os adultos e as crianças no desenvolvimento infantil, a qual se torna
mais efetiva quando acontece de forma lúdica, afetiva e prazerosa. É, também,
por meio da interação com os outros que ocorrerá o desenvolvimento afetivo e
a construção da identidade.

Conforme as diretrizes pedagógicas, caberia à educação infantil, de forma in-


tegrada:

1. favorecer o desenvolvimento infantil, nos aspectos físico, motor, emocio-


nal, intelectual e social;
2. promover a ampliação das experiências e dos conhecimentos infantis,
estimulando o interesse da criança pequena pelo processo de transfor-
mação da natureza e pela dinâmica da vida social;
3. contribuir para que sua interação e convivência na sociedade seja produ-
tiva e marcada pelos valores da solidariedade, liberdade, cooperação e
respeito (BRASIL, 1994, p. 17).

O Ministério da Educação e do Desporto estabeleceu como objetivos imediatos


da Política de Educação Infantil:

• a expansão da oferta de vagas para as crianças de zero a seis anos;


• o fortalecimento da concepção de educação infantil apresentada;
• a promoção da qualidade no atendimento em creches e em pré-escolas.

Você sabia que o Ministério da Educação e Cultura, em 1998, publicou, em três


volumes, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil,
constituindo-se, apenas, num conjunto de sugestões e subsídios para os pro-
fessores de creches e pré-escolas?

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, composto de três


volumes, apresenta, no documento Introdução, uma re�exão sobre as creches
e as pré-escolas brasileiras, as concepções de criança, a educação infantil, as
instituições e os pro�ssionais da educação infantil. O segundo volume refere-
se à Formação Pessoal e Social, abordando a questão da identidade e da auto-
nomia das crianças. No volume terceiro, que é referente ao Conhecimento do
Mundo, discute-se um trabalho pedagógico direcionado aos seguintes objetos
de conhecimento: movimento, música, artes visuais, linguagem oral e escrita,
natureza, sociedade e matemática.

9. Diretrizes curriculares nacionais para a edu-


cação infantil
Considerando o ordenamento legal, no qual se tem baseado a política de edu-
cação das crianças de zero a seis anos no Brasil, especialmente a partir da dé-
cada de 80, deu-se, em 1999, a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação Infantil (Resolução  CNE/ CEB nº 1/99) as quais foram reformu-
ladas com a publicação da Resolução  nº 5, de 17 de dezembro de 2009.

O referido documento constituiu-se em diretrizes, princípios, fundamentos e


procedimentos, que devem orientar as instituições de educação infantil quan-
to à organização, articulação, desenvolvimento e avaliação de suas propostas
pedagógicas:

No artigo 5 das diretrizes são estabelecidos os objetivos das instituições de


educação, como ainda, a obrigatoriedade  da oferta da educação infantil a par-
tir dos quatro anos de idade:
Art. 5º A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, é oferecida em cre-
ches e pré-escolas, as quais se caracterizam como espaços institucionais não do-
mésticos que constituem estabelecimentos educacionais públicos ou privados que
educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada
integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema
de ensino e submetidos a controle social.

§ 1º É dever do Estado garantir a oferta de Educação Infantil pública, gratuita e de


qualidade, sem requisito de seleção.

§ 2° É obrigatória a matrícula na Educação Infantil de crianças que completam 4 ou


5 anos até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula.

§ 3º As crianças que completam 6 anos após o dia 31 de março devem ser matricu-
ladas na Educação Infantil.

§ 4º A frequência na Educação Infantil não é pré-requisito para a matrícula no


Ensino.

§ 5º As vagas em creches e pré-escolas devem ser oferecidas próximas às residên-


cias das crianças.

§ 6º É considerada Educação Infantil em tempo parcial, a jornada de, no mínimo,


quatro horas diárias e, em tempo integral, a jornada com duração igual ou superior
a sete horas diárias, compreendendo o tempo total que a criança permanece na
instituição.

No artigo 7º  é enfatizado a importância das propostas pedagógicas  atende-


rem a dimensão sociopolítica das instituições:
Art. 7º Na observância destas Diretrizes, a proposta pedagógica das instituições de
Educação Infantil deve garantir que elas cumpram plenamente sua função socio-
política e pedagógica:

I - oferecendo condições e recursos para que as crianças usufruam seus direitos ci-
vis, humanos e sociais;

II - assumindo a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação e


cuidado das crianças com as famílias;

III - possibilitando tanto a convivência entre crianças e entre adultos e crianças


quanto a ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas;

IV - promovendo a igualdade de oportunidades educacionais entre as crianças de


diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às possibili-
dades de vivência da infância;

V - construindo novas formas de sociabilidade e de subjetividade comprometidas


com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e com o rompimento
de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regio-
nal, linguística e religiosa.

É importante ressaltar que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a


Educação Infantil devem ser observadas na organização de propostas pedagó-
gicas em creches e pré-escolas. Estas diretrizes estão articuladas às Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Básica e reúnem princípios, fundamentos
e procedimentos de�nidos pela Câmara de Educação Básica do Conselho
Nacional de Educação, para orientar as políticas públicas na área e a elabora-
ção, planejamento, execução e avaliação de propostas pedagógicas e curricu-
lares.

Observe o que as diretrizes apontam sobre o currículo:


Art. 3º - O currículo da Educação Infantil é concebido como um conjunto de práti-
cas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhe-
cimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, cientí�co e
tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5
anos de idade.

Agora veja o dizem sobre as Propostas Pedagógicas:

Art. 4º - As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a


criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas
interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade
pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta,
narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo
cultura.

Você imagina o que esse artigo quer dizer? O que signi�ca considerar a crian-
ça o centro do planejamento? Dentre várias questões que podem ser levanta-
das, uma delas é o combate às práticas de alguns educadores em forçar e pu-
nir as crianças por não realizarem as atividades propostas pelos adultos.

No que tange as atividades diárias, vemos que muitos adultos pensam e pla-
nejam atividades que muitas vezes não são adequadas ao nível de desenvolvi-
mento das crianças nem ao seu interesse. Comprar materiais didáticos pron-
tos e utilizá-los como a única opção de trabalho também vai contra uma pro-
posta pedagógica que considere a criança no centro do planejamento curricu-
lar, a�nal, você está comprando um pacote de materiais sem avaliar qual cri-
ança você terá em mãos.

Muitas vezes, percebemos uma maior preocupação em agradar aos desejos e


projeções dos pais, do que respeitar os limites e características da infância. É
papel das instituições de educação infantil informar e debater com os pais as
últimas tendências e orientações legais acerca do trabalho pedagógico e não
corroborar com uma escolarização precoce da criança.

Veja agora algumas modi�cações que foram feitas com relação aos princípios
que devem orientar a construção da Proposta Pedagógica da Educação Infantil
(p. 2):

Art. 6º As propostas pedagógicas de Educação Infantil devem respeitar os seguin-


tes princípios:

I – Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao


bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularida-
des.

Como você pensa que o respeito às diferentes culturas, identidades e singula-


ridades devem ser feitas no dia-a-dia das crianças?

Respeitar os dramas e características familiares, formas de falar, pensar e agir,


sem discriminação. As crianças de baixa renda sofrem muito mais esse tipo
de desrespeito. Nós que convivemos com a rotina das instituições de educa-
ção infantil sabemos que muitas mães são criticadas pelo seu estilo de vida,
para o seu próprio �lho. Expressões como: “Se continuar assim vai terminar
preso como seu pai!”, “Tem preguiça como sua mãe que não trabalha”, são cor-
riqueiras em muitas instituições, e só demonstram uma total ausência de res-
peito com essa infância e sua história de vida.

Precisamos nos despir de preconceitos e olhar para a criança em toda sua po-
tencialidade. Como sujeito histórico que precisa de condições favoráveis ao
seu desenvolvimento. Infelizmente, o que se percebe é que muito adultos boi-
cotam as possibilidades de desenvolvimento de muitas crianças, em função
de não conseguirem respeitá-las como sujeito de direitos.

As propostas pedagógicas ainda deverão respeitar os seguintes princípios, se-


gundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil:
II – Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à
ordem democrática.

III – Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de ex-


pressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais.

Art. 7º Na observância destas Diretrizes, a proposta pedagógica das instituições de


Educação Infantil deve garantir que elas cumpram plenamente sua função socio-
política e pedagógica:

I - oferecendo condições e recursos para que as crianças usufruam seus direitos ci-
vis, humanos e sociais;

II - assumindo a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação e


cuidado das crianças com as famílias;

III - possibilitando tanto a convivência entre crianças e entre adultos e crianças


quanto a ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas;

IV - promovendo a igualdade de oportunidades educacionais entre as crianças de


diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às possibili-
dades de vivência da infância;

V - construindo novas formas de sociabilidade e de subjetividade comprometidas


com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e com o rompimento
de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regio-
nal,  linguística e religiosa.

Vamos agora re�etir sobre o Art. 8º das Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação Infantil. Ele aponta que:
A proposta pedagógica das instituições deve ter como objetivo garantir à criança
acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e
aprendizagens de diferentes linguagens, assim  como o direito à proteção, à saúde,
à liberdade, à con�ança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à
interação com outras crianças.

§ 1º Na efetivação desse objetivo, as propostas pedagógicas das instituições de


Educação Infantil deverão prever condições para o trabalho coletivo e para a orga-
nização de materiais, espaços e tempos que assegurem:

I - a educação em sua integralidade, entendendo o cuidado como algo indissociável


ao processo educativo;

II - a indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguís-


tica, ética, estética e sociocultural da criança;

III - a participação, o diálogo e a escuta cotidiana das famílias, o respeito e a valori-


zação de suas formas de organização;

IV - o estabelecimento de uma relação efetiva com a comunidade local e de meca-


nismos que garantam a gestão democrática e a consideração dos saberes da comu-
nidade;

V - o reconhecimento das especi�cidades etárias, das singularidades individuais e


coletivas das crianças, promovendo interações entre crianças de mesma idade e
crianças de diferentes idades;

VI - os deslocamentos e os movimentos amplos das crianças nos espaços internos


e externos às salas de referência das turmas e à instituição;

VII - a acessibilidade de espaços, materiais, objetos, brinquedos e instruções para


as crianças com de�ciência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habili-
dades/superdotação;

VIII - a apropriação pelas crianças das contribuições histórico-culturais dos povos


indígenas, afrodescendentes, asiáticos, europeus e de outros países da América;

IX - o reconhecimento, a valorização, o respeito e a interação das crianças com as


histórias e as culturas africanas, afro-brasileiras, bem como o combate ao racismo
e à discriminação;
X - a dignidade da criança como pessoa humana e a proteção contra qualquer for-
ma de violência – física ou simbólica – e negligência no interior da instituição ou
praticadas pela família, prevendo os encaminhamentos de violações para instânci-
as competentes.

Pense um pouco sobre o início do artigo anterior. Você sabe o que são as dife-
rentes linguagens? Referem-se às dimensões: gestual, verbal, plástica, dramá-
tica e musical. O currículo na educação infantil deveria então ser organizado
tendo como eixo as linguagens e não mais as atividades fragmentadas e des-
contextualizadas que caracterizam a educação infantil. Podemos tomar como
exemplo os exercícios de coordenação motora �na que são feitos como treino
visomotor, que submetem as crianças a atividades cansativas e fragmentadas
– sem sentido – tal como as famosas bolinhas de isopor para serem coladas
na linha.

Ganha espaço os projetos temáticos, interdisciplinares, que oferecem ativida-


des contextualizadas e com sentido para as crianças.

Outro ponto fundamental a ser destacado refere-se ao inciso I, sobre a indisso-


ciabilidade do cuidar e educar. Essa discussão está presente nas últimas déca-
das, e ainda não conseguiu ser encarada com a devida seriedade. A separação
das atribuições de cuidar e educar, por diferentes pro�ssionais, nos mostra co-
mo os sistemas de ensino não encaram a questão com a devida seriedade.

Em muitos municípios brasileiros, nas instituições públicas e privadas, ainda


se encontra um educador, muitas vezes chamado de monitor, que passa o dia
com a criança nas diversas atividades. Contudo, em uma determinada hora do
dia, existe um horário para o desenvolvimento de uma atividade “mais estru-
turada” (também pode ser entendida como acadêmica), dada por uma profes-
sora. Instala-se assim a dicotomia entre cuidado e educação, considerando
que para cada um se destina uma pro�ssional diferente, inclusive com salári-
os diferentes.

Cuidado e educação são dimensões de uma mesma ação “eu educo e cuido e
eu cuido e educo”, portanto, questões relativas ao cuidado com o corpo, tão
presente na educação infantil, deve ser feito por um pro�ssional reconhecido
como educador. Separar a criança em corpo e cabeça, a ser trabalhada por du-
as pro�ssionais diferentes, é um atraso para a qualidade da educação infantil.

Segundo nossa análise, também não podemos nos esquecer dos povos indíge-
nas! Lembremos também que temos alunos do nosso curso de Licenciatura
em Pedagogia que trabalham com populações indígenas.

No parágrafo segundo da Lei de Diretrizes Curriculares Nacionais para a


Educação Infantil (2009) é apresentada a necessidade de ter garantida a auto-
nomia dos povos indígenas na escolha dos modos de educação de suas crian-
ças de zero a cinco anos de idade, as propostas pedagógicas para os povos que
optarem pela Educação Infantil devem:

I - proporcionar uma relação viva com os conhecimentos, crenças, valores, concep-


ções de mundo e as memórias de seu povo;

II - rea�rmar a identidade étnica e a língua materna como elementos de constitui-


ção das crianças;

III - dar continuidade à educação tradicional oferecida na família e articular-se às


práticas sócio-culturais de educação e cuidado coletivos da comunidade;

IV - adequar calendário, agrupamentos etários e organização de tempos, atividades


e ambientes de modo a atender as demandas de cada povo indígena.

Ainda de acordo com a Lei de Diretrizes Curriculares Nacionais para a


Educação Infantil, são também destacadas as propostas pedagógicas da edu-
cação infantil das crianças �lhas de agricultores familiares, extrativistas, pes-
cadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da reforma agrária,
quilombolas (temos dezenas de quilombos no Brasil), caiçaras, povos da �o-
resta, devem:
I - reconhecer os modos próprios de vida no campo como fundamentais para a
constituição da identidade das crianças moradoras em territórios rurais;

II - ter vinculação inerente à realidade dessas populações, suas culturas, tradições


e identidades, assim como a práticas ambientalmente sustentáveis;

III - �exibilizar, se necessário, calendário, rotinas e atividades respeitando as dife-


renças quanto à atividade econômica dessas populações;

IV - valorizar e evidenciar os saberes e o papel dessas populações na produção de


conhecimentos sobre o mundo e sobre o ambiente natural;

V - prever a oferta de brinquedos e equipamentos que respeitem as características


ambientais e socioculturais da comunidade.

Você viu os aspectos que devemos respeitar? Principalmente nas populações


que se diferem da nossa? Não podemos ser arrogantes de pensarmos que nos-
so jeito de ser e viver é o único, o melhor e o correto. Muitos costumes são di-
versos dos nossos e devem ter nosso profundo respeito. Isso não signi�ca que
não serão ensinados conteúdos e comportamentos que foram padronizados,
pois eles devem ser ensinados. O que não podemos fazer é impô-los!

Vejamos o artigo 9º a seguir da Lei de Diretrizes Curriculares Nacionais para a


Educação Infantil.
Art. 9º As práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação
Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira, garantin-
do experiências que:

I - promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experi-


ências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla,
expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança;

II - favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo do-


mínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica,
dramática e musical;

III - possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação


com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textu-
ais orais e escritos;

IV - recriem, em contextos signi�cativos para as crianças, relações quantitativas,


medidas, formas e orientações espaço-temporais;

V - ampliem a con�ança e a participação das crianças nas atividades individuais e


coletivas;

VI - possibilitem situações de aprendizagem mediadas para a elaboração da auto-


nomia das crianças nas ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-
estar;

VII - possibilitem vivências éticas e estéticas com outras crianças e grupos cultu-
rais, que alarguem seus padrões de referência e de identidades no diálogo e reco-
nhecimento da diversidade;

VIII - incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a


indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao
tempo e à natureza;

IX - promovam o relacionamento e a interação das crianças com diversi�cadas


manifestações de música, artes plásticas e grá�cas, cinema, fotogra�a, dança, tea-
tro, poesia e literatura;

X - promovam a interação, o cuidado, a preservação e o conhecimento da biodiver-


sidade e da sustentabilidade da vida na Terra, assim como o não desperdício dos
recursos naturais;
XI - propiciem a interação e o conhecimento pelas crianças das manifestações e
tradições culturais brasileiras;

XII - possibilitem a utilização de gravadores, projetores, computadores, máquinas


fotográ�cas, e outros recursos tecnológicos e midiáticos.

Parágrafo único - As creches e pré-escolas, na elaboração da proposta curricular, de


acordo com suas características, identidade institucional, escolhas coletivas e par-
ticularidades pedagógicas, estabelecerão modos de integração dessas experiências.

Vamos re�etir, sobre alguns aspectos do artigo 9º.

Se a proposta curricular da educação infantil deve ter como eixo norteador as


interações e a brincadeira, não é admissível que uma professora, durante uma
atividade diga “Agora não é hora de brincar! Agora é hora da atividade!”

Essa é a maior contradição de uma proposta que diz ter a brincadeira como ei-
xo. Veja, se agora não é hora de brincar e é hora da atividade, signi�ca que a
professora não acha que brincar é uma atividade que promove aprendizagem,
e que a atividade proposta por ela não tem nada a ver com a brincadeira.
Portanto, essa professora jamais poderia alegar que seu currículo tem a brin-
cadeira como eixo.

Isso também nos revela que as práticas educativas de muitas professoras es-
tão longe do seu discurso, ou seja, elas não conseguem colocar em prática os
seus discursos.

Os incisos I, II, III e IV nos levam a re�etir sobre como podemos propor brinca-
deiras ou atividades lúdicas que promovam o desenvolvimento de todas essas
dimensões. Vemos também que essas dimensões não poderão ser plenamente
desenvolvidas se as professoras se mantiverem restritas às atividades em pa-
pel, com crianças sentadas e em silêncio, como se estivessem sendo domesti-
cadas para o ensino fundamental.

Todas aquelas dimensões indicadas precisam ser propostas de formas criati-


vas. A melhor forma para seu planejamento seria por meio do encontro do
grupo de educadoras, com a coordenação pedagógica (que devem ser respon-
sável pela formação continuada dos professores) no estudo de discussão de
práticas educativas inovadoras.

Vamos agora colocar em destaque o inciso VI: “possibilitem situações de


aprendizagem mediadas para a elaboração da autonomia das crianças nas
ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar”

Esse inciso, também, nos indica que devemos combater o excesso de diretivi-
dade do professor de educação infantil “faça isso”, “faça aquilo”, “faça assim”.
Essa diretividade faz parte da nossa cultura, em geral damos as respostas para
nossos alunos e não temos paciência de fazer com que eles aprendam a fazer
sozinhos.

Temos que procurar promover a autonomia da criança, de forma a fazer com


que ela aprenda a fazer sozinha, errando e acertando. Pense que, nós adultos,
precisamos praticar uma série de coisas para aprender a fazer algo, como por
exemplo, cozinhar. Dessa forma, a criança precisa muito mais das possibilida-
des de colocar em prática.

Os adultos se esquecem disso e repetem insistentemente o que a criança deve


fazer, e critica quando erra “já falei que não era assim”, “não foi assim que fa-
lei”. Portanto, ao ensinar algo a uma criança, permita que ela erre até que
aprenda.

Quanto ao inciso VIII, que trata do incentivo a curiosidade, a exploração, o en-


cantamento, o questionamento, a indagação etc., nos indica novamente a im-
portância da não diretividade e da possibilidade da criança explorar situações
para alcançar o resultado. O adulto tem paciência de esperar a criança alcan-
çar o resultado? O adulto permite o questionamento ou ignora a criança?

Nos incisos IX e XI, que tratam da promoção do contato com diversi�cadas


manifestações culturais (música, artes plásticas etc.) diz que devemos, antes
de qualquer coisa, ampliar o repertório cultural dos educadores. Em nosso
país, como em vários outros lugares do mundo, os educadores infantis são os
que recebem os menores salários, isso implica na di�culdade do acesso a am-
pliação de bens culturais, tal como teatro, cinema etc. Em geral, possuem um
repertório cultural limitado à cultura de massas, passado pela televisão aber-
ta. Isso faz com que, grande parte das vezes, os educadores levem para dentro
das instituições, músicas e programas que já são exaustivamente veiculados
nos grandes meios de comunicação.

Quando há indicação para apresentação de outros tipos de músicas, tal como


músicas folclóricas brasileiras, música erudita, musica popular brasileira, isso
é rejeitado por ser desconhecido, muitas vezes alegam “é chato”. Isso nos mos-
tra que o repertório cultural do professor também é limitadíssimo, tendo em
vista que muitos nem conseguem reconhecer a importância de trabalhar com
uma diversidade artística.

Cabe ao coordenador pedagógico, promover situações de contato e estudo, que


façam os educadores ampliarem seus conhecimentos a respeito do universo
artístico e cultural e fazer com que eles compreendam a importância de pro-
mover o contato das crianças com esse tipo de conhecimento.

Já com relação ao inciso X, e a promoção do conhecimento e cuidado para


com o meio ambiente, destaca-se a necessidade das instituições não se limi-
tarem aos projetos didáticos “Projeto água”, “Projeto reciclagem” etc. e passem
a implantar novas práticas educativas na própria instituição. De que adianta
fazermos o “Projeto Água” se temos uma torneira vazando por uma semana?
Ou a faxineira que lava o chão com um jato de água e não com a vassoura? Ou
que permanece conversando enquanto a água está sendo desperdiçada? Para
que Projeto reciclagem se o próprio lixo da instituição é misturado? Se temos
uma grande área de terra e não fazemos uma composteira?

O inciso XII trata da utilização de gravadores, projetores, computadores, má-


quinas fotográ�cas, e outros recursos tecnológicos e midiáticos na educação
infantil. Salvo raras exceções, temos mais acesso a esse tipo de equipamento,
que favorece e enriquece nosso trabalho. Celulares com máquinas fotográ�cas
e máquinas digitais já fazem parte da vida de milhares de brasileiros e podem
ser utilizadas nas instituições.

Algumas práticas interessantes é a construção de um relatório com fotos e


textos, sobre, por exemplo, o bimestre da criança. Mesmo que a instituição não
tenha recurso para imprimir, poderá entregar às famílias. Se as famílias não
possuírem meios para assistirem, poderão assistir na escola ou em uma lan
house (comércio onde se paga para acessar computador/ internet). Gravadores
também podem ser utilizados para gravarem falas das crianças e depois re-
produzirem para debates ou simplesmente para ouvirem a própria voz. São
várias as possibilidades que temos para colocar as tecnologias em contato
com as crianças, assim com o resultado do trabalho que vem sendo desenvol-
vido.

Agora, partiremos para o artigo 10 da Lei de Diretrizes Curriculares Nacionais


para a Educação Infantil, juntamente com uma pequena re�exão:

Art. 10. As instituições de Educação Infantil devem criar procedimentos para


acompanhamento do trabalho pedagógico e para avaliação do desenvolvimento
das crianças, sem objetivo de seleção, promoção ou classi�cação, garantindo:

I - a observação crítica e criativa das atividades, das brincadeiras e interações das


crianças no cotidiano;

II - utilização de múltiplos registros realizados por adultos e crianças (relatórios, fo-


togra�as, desenhos, álbuns etc.);

III - a continuidade dos processos de aprendizagens por meio da criação de estraté-


gias adequadas aos diferentes momentos de transição vividos pela criança (transi-
ção casa/instituição de Educação Infantil, transições no interior da instituição,
transição creche/pré-escola e transição pré-escola/Ensino Fundamental);

IV - documentação especí�ca que permita às famílias conhecer o trabalho da insti-


tuição junto às crianças e os processos de desenvolvimento e aprendizagem da cri-
ança na Educação Infantil;

V - a não retenção das crianças na Educação Infantil.

Como você pôde ver, a avaliação na educação infantil não deve ter o objetivo
de promover ou reter uma criança em um determinado grupo. Deve ser pro-
cessual e feita por meio de registros qualitativos. Devemos rejeitar as grades
de avaliação que muitas vezes se mostram ine�cazes e de difícil observação.
Por exemplo, algumas grades de avaliação pedem para o professor indicar se o
aluno fala de 200 a 300 palavras. Como podemos medir isso? Principalmente
porque nosso repertório linguístico se manifesta de forma diferente em cada
contexto. Em casa, na igreja, na escola, etc. são espaços diferentes que, em ge-
ral, utilizamos palavras e trabalhamos com assuntos diferentes. O mesmo
ocorre com a criança.

Ter um grupo de crianças com diferentes habilidades pode ser muito rico, de-
pendendo da competência técnica do professor. Crianças mais novas avan-
çam no desenvolvimento junto a crianças mais velhas ou com mais habilida-
des e estas desenvolvem outras tantas habilidades, ao ensinar as colegas.
Dessa forma, a diversidade dos níveis de desenvolvimento deve ser valorizada
e analisada. Somente depois disso o professor poderá rever suas práticas edu-
cativas e implementar mudanças importantes do seu plano de ensino.

O registro de desenvolvimento das crianças pode ser feito por meio de obser-
vações, ao longo do dia ou semana. Isso é possível quando os professores são
mediadores das atividades infantis e não permanecem o dia todo como “re-
creadores”, “animadores de festa” com todas as crianças com as atenções vol-
tadas a eles. Também podem ser feitos por meio de fotos e gravações de áudio
e vídeo.

A documentação pedagógica é um instrumento fundamental para avaliar os


avanços no desenvolvimento da criança, promove o desenvolvimento do pro-
fessor, assim como a comunicação entre os adultos.

Quanto ao artigo 11, que trata da transição para o ensino fundamental e que a
proposta pedagógica deve prever formas para garantir a continuidade no pro-
cesso de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, sem antecipação de
conteúdos que serão trabalhados no ensino fundamental. Devemos destacar
que a saída da educação infantil também merece um processo de adaptação.

Visita à nova escola ou a uma escola de ensino fundamental e discussão das


novas regras e funcionamento do ensino fundamental são de grande valia.
Além disso, destacamos a importância da não antecipação dos conteúdos es-
colares do ensino fundamental, para a pré-escola. Os sistemas de ensino de-
vem ter clareza de quais objetivos e atribuições de cada uma das fases, e coibir
a exigência de professores do primeiro ano, em receber alunos da pré-escola
com determinados pré-requisitos garantidos.

Como pudemos perceber, as diretrizes curriculares reconhecem, assim, que as


instituições de educação infantil, creches e pré-escolas, são espaços de cons-
trução da cidadania infantil, onde as ações cotidianas junto às crianças, de-
vem, sobretudo, assegurar seus direitos fundamentais, sendo subsidiadas por
uma concepção ampla de educação e no questionamento constante sobre: que
educação queremos para nossas crianças hoje e no futuro?

Os espaços institucionais devem ser acolhedores, seguros, estimuladores,


oportunizando aprendizagens e experiências múltiplas, respeitando as crian-
ças em suas capacidades e necessidades e contribuindo para o desenvolvi-
mento de suas potencialidades.

As propostas pedagógicas, pautadas nos princípios éticos, políticos e estéticos,


contemplam o compromisso da educação infantil com a educação social das
crianças, no desenvolvimento de relações afetivas e na construção dos senti-
mentos de respeito, compreensão e solidariedade, fundamentais para uma so-
ciedade mais humana e democrática.

Essas propostas, também, apresentam a necessidade de reconstrução da rela-


ção entre as famílias e as instituições de educação infantil, que, historicamen-
te, foi permeada por uma concepção assistencialista, gerando ações precon-
ceituosas e discriminatórias.

Ao reconhecer a importância da qualidade do atendimento das instituições de


educação infantil, as diretrizes curriculares rea�rmam a necessidade de quali-
�cação dos pro�ssionais envolvidos no trabalho educativo com as crianças.
Para que as instituições sejam espaços de exercício de cidadania das crianças,
é necessário que os pro�ssionais estejam quali�cados para a defesa e a pro-
moção dos direitos da infância.

No ano de 2006, foi publicada pelo MEC a Política Nacional de Educação


Infantil, documento que tem como objetivo contribuir para o processo demo-
crático de implementação das políticas públicas para as crianças de zero a
seis anos. Também foram publicados os Parâmetros Nacionais de Qualidade
para a Educação Infantil, os quais apresentam referências para um atendi-
mento de qualidade em creches e pré-escolas.

10. O papel da mulher no �m do século 19 e iní-


cio do 20
Veri�camos que no �m do século 19 e início do 20,  a mulher ganha novo papel
na sociedade a partir das transformações econômicas e sociais advindas do
capitalismo e de seu envolvimento no trabalho nas fábricas, e nesse sentido,
surgem as instituições de educação infantil com vistas a proporcionar um lo-
cal de guarda e proteção às crianças, sem a pretensão ainda de se constituí-
rem em espaços educativos, mas voltados apenas à questão assistencial, ge-
ralmente destinado às camadas mais carentes da população.

Assim, até a década de 60 as políticas públicas destinadas à infância tinham


um caráter paternalista e assistencialista (além do movimento higienista que
se deu na década de 40), sendo os serviços em grande parte oferecidos por
instituições particulares e �lantrópicas. As ações educativas e voltadas ao de-
senvolvimento infantil eram inexistentes, e assim, também não se considera-
va ainda a criança como um ser detentor de direitos e com particularidades
desenvolvimentais.

Nesse momento, para entender melhor os conteúdos estudados, assista ao ví-


deo a seguir.
11. A Defesa da Cidadania da Infância e o
Ordenamento Legal da Educação Infantil
No período autoritário pelo qual passou o Brasil, passando pelo Estado Novo
até o golpe militar de 1964, o paternalismo esteve muito presente nas políticas
para infância, assim como a repressão. A defesa da cidadania na infância co-
meça a se fazer valer na década de 70 a partir da abertura política do país, on-
de ampliaram-se os movimentos sociais e as organizações populares, dentre
eles, a reivindicação por creches realizada pelo movimento das mulheres no
estado de São Paulo.

Vimos ainda que a criança efetivamente passa a �gurar como sujeito de direi-
tos na década de 80, com a Constituição de 1988. Além disso, outros documen-
tos legais passam a regulamentar a Educação infantil como direito social e
educacional, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (1996), o Plano Nacional da
Educação (2001, 2011, 2014, sendo este último em vigência até 2024).

Importante ressaltar também que houve mudanças no texto da LDB (1996)


principalmente considerando os artigos 29 e 30 sobre a oferta da Educação
Infantil em creches e pré-escolas com as respectivas faixas etárias.

Para ampliar seus conhecimentos, clique aqui (https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream


/handle/id/529732/lei_de_diretrizes_e_bases_1ed.pdf) e acesse a LDB atualizada até março
de 2017.

Importante que você conheça também a versão mais atual do Plano Nacional
de Educação (PNE- 2014-2024) (http://pne.mec.gov.br/18-planos-subnacionais-
de-educacao/543-plano-nacional-de-educacao-lei-n-13-005-2014), principal-
mente no tocante à Educação Infantil. Com essa leitura, você poderá re�etir
acerca das metas que puderam ser atingidas, e aquelas que ainda não se efeti-
varam na prática.

Outro ponto a ser destacado é que existem outros documentos igualmente im-
portantes que funcionam como norteadores da Educação Infantil, dentre eles,
os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil, dividido em
dois volumes (o primeiro trata de aspectos fundamentais para de�nição de pa-
râmetros de qualidade na educação infantil, e o segundo traz as competências
das instâncias de ensino federal, estadual e municipal, e a caracterização das
instituições de acordo com o ordenamento legal).

A primeira versão da obra Fundamentos da Educação Infantil (2013) é de 2006. Para ter
acesso a versão atualizada em 2018, clique aqui. (http://portal.mec.gov.br/docman
/2020/141451-public-mec-web-isbn-2019-003/�le)

Há ainda, dentro da discussão dos documentos que norteiam a Educação


Infantil, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
(Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009), tal documento proporciona dire-
trizes, princípios, fundamentos e procedimentos que orientam as instituições
de Educação Infantil quanto a sua organização, ao desenvolvimento e a avali-
ação de suas propostas pedagógicas.

Para acessar o documento Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, na


integra, clique aqui (http://www.uac.ufscar.br/domumentos-
1/diretrizescurriculares_2012.pdf).

As Diretrizes serviram como fundamento para a constituição da Base


Nacional Comum Curricular (http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase
/#infantil) - BNCC (2017), pois já colocava a criança como centro da aprendiza-
gem, e ressaltava a importância das interações sociais e da brincadeira como
eixos do currículo. Aponta também para a relação entre cuidar e educar, o que
a Base vem a reforçar como algo fundamental para aprendizagem e desenvol-
vimento da criança.

Sugerimos também que você clique aqui (https://novaescola.org.br/bncc/conteudo/57/o-


que-diferencia-a-bncc-para-a-educacao-infantil-do-dcnei-e-do-
rcnei?gclid=EAIaIQobChMI8Muj3tnx7QIVkIWRCh1H4gBnEAMYASAAEgK9efD_BwE) para
acessar resumidamente os principais marcos legislativos da Educação Infantil no Brasil.
Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem respondendo à questão a se-
guir.

12. Considerações
Neste ciclo abordamos a trajetória histórica das políticas públicas voltadas pa-
ra infância, bem como a elaboração do ordenamento legal que deve guiar as
propostas pedagógicas e a prática pedagógica. Nesse sentido, vimos que a
Constituição de 1988, e posteriormente outras leis, instituíram a criança como
sujeito de direitos, reconhecendo-a como cidadã, e garantindo o atendimento
de crianças de zero a cinco anos em creches e pré-escolas.
(https://md.claretiano.edu.br

/psideseducrijovadu-gs0056-fev-2022-grad-ead-p/)

Ciclo 3 – A Proposta Pedagógica e o Currículo na


Educação Infantil

Lucimary Bernabé Pedrosa de Andrade


Tatiana Noronha de Souza

Objetivos
• Compreender a importância da proposta pedagógica para a Educação
Infantil.
• Identi�car as possibilidades de organização do currículo, de acordo com
as normativas da BNCC.
• Identi�car as funções de cuidar e educar na organização curricular da
educação infantil.
• Caracterizar o espaço físico e o tempo, como aliados para a concretiza-
ção do currículo e para o estabelecimento de uma aprendizagem signi�-
cativa.

Conteúdos
• A proposta pedagógica e o currículo na educação infantil.
• Cuidar e educar no currículo da educação infantil.
• Conteúdos curriculares na educação infantil.
• Organização do tempo e do espaço na educação infantil.

Problematização
Como é constituída a proposta pedagógica na educação infantil? Quais as
concepções de criança ou desenvolvimento infantil subjacentes às propostas
pedagógicas? E o currículo? Por que o cuidar e o educar constituem-se em
funções essenciais na educação infantil? O que signi�ca trabalhar com o cui-
dar e o educar de maneira indissociável? O fator ambiente físico pode exer-
cer in�uência determinante na ação pedagógica por permitir ou não maior
interação das crianças? Como deve ser a organização do tempo e do espaço
na educação infantil? Qual deve ser o papel do professor na organização do
tempo e dos espaços?

1. Introdução
Nos ciclos anteriores vimos as questões históricas que permearam a consti-
tuição do conceito de criança e infância, e ainda, as legislações que a consoli-
daram como sujeito de direitos, garantindo seu pleno desenvolvimento e
aprendizagem. Neste terceiro ciclo, veremos as questões atreladas a Proposta
Pedagógica e ao currículo na Educação Infantil, re�etindo principalmente so-
bre as normativas fornecidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e
dentro disso, os aspectos do cuidar e educar, a organização do tempo e dos es-
paços, e o papel da mediação do educador para que a aprendizagem e o desen-
volvimento efetivamente ocorram. Assim, em conjunto com as leituras indi-
cadas neste ciclo, indicamos também a obra:

MOLETTA, A. K; BIERWAGEN, G. S.; OLIVEIRA TOLEDO, M. E. R de. A Base Comum


Curricular e a educação infantil. In: A educação infantil e a garantia dos direitos fundamen-
tais da infância [recurso eletrônico]. Porto Alegre: SAGAH, 2018. (Minha Biblioteca), p. 47-58.

Vamos?

2. A Proposta Pedagógica e o Currículo na


Educação Infantil
No que tange ao conceito de proposta pedagógica foi apontado, que não há um
consenso quanto à sua nomenclatura. No entanto, o que se considera funda-
mental é que este documento que norteia as ações que serão construídas no
currículo, é que ela seja elaborada pela comunidade escolar (professores, ges-
tores, pais), e que tenha um sentido real de aprendizagem e desenvolvimento,
devendo ser clara a concepção de infância e desenvolvimento que a funda-
menta. Para tanto, para se construir uma proposta pedagógica que será medi-
adora do currículo é preciso re�etir sobre a situação social, cultural, recursos,
e todo o entorno que envolve a escola, para que o documento seja "vivo" e
constantemente reelaborado diante dos desa�os atuais e reais dos atores en-
volvidos no processo educativo.

Antes de continuarmos nossos estudos acerca da proposta pedagógica, é im-


portante informar que vários autores utilizam outros termos para se referir a
esse documento. Como aponta Libâneo (2008), isso se dá pelo fato de não ha-
ver uma unanimidade para a nomenclatura, o que faz que o documento seja
chamado de “proposta pedagógica”, “proposta curricular”, “projeto pedagógico
curricular” ou “plano escolar”. Ainda de acordo com o autor, o que importa é o
processo de ação-re�exão-ação que se instaura na escola e que envolve toda a
comunidade escolar.

A construção de uma proposta pedagógica


A partir de agora, apresentaremos questões relativas à criação de uma propos-
ta pedagógica, como documento que informa e norteia as ações construídas
no currículo infantil.

Inicialmente, destacamos que toda creche/pré-escola deve elaborar sua pró-


pria proposta pedagógica, juntamente com toda a comunidade educacional
(gestores, professores, pais e crianças). Entretanto, o Brasil, em geral, ainda es-
tá muito atrasado com relação à construção da proposta pedagógica, pois
grande parte de nossas escolas não a possui e nem sabe como construí-la.
Dentre as que possuem, muitas copiaram de outras escolas ou as construíram
sem a participação de toda a comunidade educativa.

Ao construir a proposta pedagógica, o grupo educativo opta por uma organiza-


ção, escolhendo objetivos que julga mais importantes do que outros e elabo-
rando um discurso que oriente as rotas para a concretização do currículo para
as crianças. É um documento que deve ser elaborado com base na observação
e consequente re�exão do cotidiano infantil e o seu meio social, nunca se es-
quecendo de que esse documento sempre vai ter um papel político.
Nesse texto, sempre vai haver uma concepção de educação implícita no ato
educativo, mesmo que os membros da comunidade escolar não tenham a ple-
na consciência dele. Vamos, então, ver alguns grandes equívocos dessa con-
cepção implícita no ato educativo?

Quando se trata de crianças de três a seis anos de idade, as escolas alimentam


o discurso de preparação para a “escola”, lançando mão de programas aposti-
lados, que valorizam mais as atividades acadêmicas do que as atividades lúdi-
cas, que, por sua vez, realmente deveriam permear as atividades das crianças
pequenas. Em muitos casos, veri�ca-se uma maior preocupação em “acabar a
apostila”, sem se preocupar em como e com o que essa criança verdadeira-
mente aprendeu. O modelo escolarizante desconsidera as características de-
senvolvimentais das crianças, oprimindo-as com um discurso acadêmico, de
valorização das atividades realizadas em papéis. O que se veri�ca, muitas ve-
zes, é uma grande preocupação, também, com a apresentação de uma produ-
ção para os pais, e nenhuma preocupação quanto aos processos educativos
aos quais são submetidas as crianças.

Com relação aos menores de três anos, as propostas de trabalho da educação


infantil ainda se baseiam na criança que já fala, usa o penico, possui o contro-
le es�ncteriano e se locomove com independência. Muitos ignoram o desen-
volvimento afetivo-cognitivo dos bebês e baseiam-se no cuidado e na nutrição
deles. Iniciam-se, assim, de maneira equivocada, projetos embasados na esco-
la tradicional, com os treinos de gra�smos, a memorização de cores, a coorde-
nação motora, o ensinamento das formas etc. Há uma crença de que a ativida-
de pedagógica é, apenas, a realizada em sala de aula; dessa forma, perde-se a
oportunidade de trabalhar com momentos ricos de faz de conta, os quais, mui-
tas vezes, as crianças desenvolvem nas áreas externas.

A situação anterior mostra-nos que devemos ter a clareza de quais são as con-
cepções que estão implícitas em nosso fazer, e as nossas escolhas devem ser
fundamentadas, e não escolhidas com base em crenças do senso comum.
Para sair deste, é preciso levar a sério as reuniões de estudo feitas nos grupos
de formação continuada, que devem ser realizados ao longo do ano letivo. As
concepções discutidas e acordadas pelo grupo deverão compor, explicitamen-
te, o projeto pedagógico, não devendo, de forma alguma, �carem implícitas, ca-
bendo ao leitor interpretá-las.
A proposta pedagógica expressa a identidade da escola, e, por isso mesmo, ela
não pode ser copiada por outras instituições. Deve mostrar a instituição que se
tem e a que se quer, e, para isso, é necessário realizar uma análise da situação
educativa, estabelecendo metas e prioridades, levantando recursos e de�nindo
etapas e atividades básicas. Precisamos analisar e considerar a nossa situa-
ção atual para abrir horizontes e apontar direções para as quais caminhará a
escola, objetivando integrar a criança à realidade do seu meio e da sua época.
Dessa forma, como é bem apontado por Kramer (1997), a proposta pedagógica
contém uma aposta; ela não é algo acabado, pois deve ser reconstruída no ca-
minhar.

Essa mesma autora propõe um trabalho de natureza teórico-prática, que obje-


tiva apresentar uma alternativa de análise e construção daquilo que estamos
chamando “proposta pedagógica”. Ela opta por uma abordagem crítica da cul-
tura, partindo do pressuposto de que toda proposta pedagógica é a expressão
de um projeto político e cultural. Dessa forma, a análise sugerida pela autora
ultrapassa o enfoque escolar ou administrativo que marca as propostas peda-
gógicas.

Vários outros importantes autores tratam dessa questão, e eles devem ser li-
dos pela comunidade educacional, em especial por aqueles que intentam ava-
liar as instituições. Nesse caso, destacamos Oliveira (2007, p. 169):

Construir uma proposta pedagógica implica a opção por uma organização curricu-
lar que seja um elemento mediador fundamental da relação entre a realidade coti-
diana da criança – as concepções, os valores e os desejos, as necessidades e os
con�itos vividos em seu meio próximo – e a realidade social mais ampla, com ou-
tros conceitos, valores e visões de mundo.

A proposta pedagógica é um documento mediador entre a escola que se tem e


a que se quer ter. Deverá ser organizada de maneira a operacionalizar o conhe-
cimento do mundo e da instituição e  a nossa atuação sobre ela, de modo que
as crianças se apropriem desses conhecimentos e reconheçam as suas possi-
bilidades de atuação diante deles.

Libâneo (2008) indica alguns pontos que devem ser considerados na constru-
ção de uma proposta pedagógica e inclui um roteiro para a formulação do pro-
jeto, do qual destacamos:

Princípios

Os princípios são pontos de partida comuns à comunidade educativa, que de-


veriam ser extraídos da legislação vigente, da Declaração Universal dos
Direitos das Crianças, do Estatuto da Criança e do Adolescente e de outros do-
cumentos produzidos por especialistas contratados pelo Ministério da
Educação. Deve-se formar um consenso mínimo acerca das opções sociais,
políticas e pedagógicas sobre o papel da escola e dos seus membros, dos con-
teúdos e dos métodos.

Para Oliveira et al. (1992), ao construirmos uma proposta pedagógica, necessa-


riamente devemos optar por uma organização do trabalho pedagógico que ga-
ranta o atendimento dos objetivos que estabelecemos como importantes para
o desenvolvimento da criança. Como visto anteriormente, esses objetivos po-
dem ser levantados por meio dos princípios estabelecidos pela legislação vi-
gente, pelos documentos governamentais e pela comunidade educativa (a
equipe escolar, os pais e a comunidade). Além disso, é fundamental que seja
observado o cotidiano das crianças e, partindo de re�exões, que se levante ob-
jetivos importantes a elas, pois também devem ter os seus desejos atendidos,
bem como as suas necessidades e os seus con�itos considerados. Ainda, não
se pode esquecer de levantar os objetivos políticos da instituição quanto à po-
pulação atendida, pois suas ações pedagógicas devem ser transformadoras de
papéis, de atitudes, de conhecimentos e de representações sobre o mundo.

Objetivos

Os objetivos são baseados nos princípios, devendo expressar intenções con-


cretas e ter sido eleitos como prioridades do grupo. Esses objetivos são estabe-
lecidos após uma análise diagnóstica da realidade, ou seja, das necessidades
sociais e pessoais dos envolvidos e das demandas apresentadas pelo mundo
de hoje.

As práticas de gestão da instituição: são as formas de organização e de gestão,


sendo de�nidos quais são os grupos que tomarão as decisões, quais serão es-
sas decisões e quais delas serão tomadas de maneira coletiva. Com relação ao
trabalho pedagógico-didático, Libâneo aponta a necessidade de haver uma
unidade teórico-metodológica. Essa unidade se refere a uma linha
pedagógico-didática que coordenadores e professores compartilham, a �m de
que os alunos caminhem ao longo dos anos em uma linha de trabalho articu-
lada e coerente.

Sistema de avaliação do projeto


Sistema de avaliação do projeto é o acompanhamento e a avaliação do atendi-
mento. Nesse caso, em primeiro lugar, pensa-se em avaliar a qualidade do
atendimento institucional para, depois, pensar-se na avaliação da criança. É
necessário saber se o que foi decidido no projeto está realmente sendo feito na
prática cotidiana. Sabemos que isso pode ser algo que gera desconfortos na
instituição, mas, como foi apontando por Libâneo (2008, p. 157), “nenhum
membro da equipe escolar deveria estranhar uma cobrança de trabalho feita
pelo diretor se esse trabalho foi decidido coletivamente”.

Essa avaliação deve aliar vários instrumentos qualitativos e quantitativos.


Com relação aos quantitativos, temos indicadores diversos, tais como a rela-
ção entre matrículas e evasão, o rendimento escolar, o cumprimento de prazo
dos pro�ssionais, a presença etc. Já com relação aos instrumentos qualitati-
vos, é possível construir roteiros de observação por parte do coordenador, que
veri�quem o grau de atendimento das necessidades e das expectativas das
crianças, bem como a relação adulto-criança, um questionário que levante o
nível de satisfação das crianças e dos pais etc.

Libâneo (2008) traz outros aspectos que são fundamentais de serem apresen-
tados na proposta pedagógica, tais como:

1. a contextualização e a caracterização dos atendidos e da escola;


2. a concepção de educação e as práticas escolares;
3. o diagnóstico da situação atual;
4. os objetivos gerais;
5. a estrutura de organização e da gestão;
6. a proposta curricular;
7. a proposta de formação continuada de professores;
8. a proposta de trabalho com os pais, com a comunidade local e outras es-
colas de uma mesma área geográ�ca.
9. as formas de avaliação do projeto.

Dessa maneira, vimos que a construção da proposta pedagógica envolve toda


a comunidade educacional, sendo ela, então, o resultado da análise da situa-
ção atual e do estabelecimento de caminhos a serem percorridos. Faz-se ne-
cessário que todos os pro�ssionais da educação aprofundem seus estudos a
respeito da construção e da gestão do Projeto Político Pedagógico, a �m de que
seja possível melhorar a qualidade do atendimento oferecido, especialmente
na educação infantil.

Concepções subjacentes à proposta pedagógica


Como temos visto, a proposta pedagógica apresenta os fundamentos e os ca-
minhos escolhidos pela instituição para a organização do trabalho pedagógico
com as crianças. Segundo Oliveira et al. (1992), para que possamos construir
uma proposta pedagógica, precisamos conhecer as que já existem.

Muitas dessas propostas concebem o desenvolvimento da criança por meio de


processos inatos (características que nascem com ela) ou ambientalistas (vê a
criança como uma tabula rasa que vai ser totalmente in�uenciada pelo ambi-
ente). São essas concepções que constroem os modelos pedagógicos, como,
por exemplo, os “jardins de infância”, que advogam pela necessidade de se
proporcionar um ambiente no qual a criança “desabroche”. Também temos
modelos compensatórios, que visam “suprir” às supostas carências no desen-
volvimento em função das condições de pobreza. Contudo, essas propostas
são pensadas para as crianças acima de três anos, e raramente elas indicam
como trabalhar com as crianças menores, uma vez que pressupõem uma cri-
ança que já fala e se locomove com certa autonomia.

Como visto antes, os programas voltados aos menores de três anos baseiam-
se, em geral, em manuais de puericultura, que, em grande parte das vezes, tra-
tam essas crianças apenas como um corpo que deve ser alimentado, cuidado e
limpo. Essa visão descuida, completamente, do desenvolvimento social, afeti-
vo, linguístico, cognitivo e físico motor da criança, presentes desde o início de
sua vida (OLIVEIRA et al., 1992).
Algumas propostas, infelizmente, “importam” o modelo tradicional – e falido
– do ensino fundamental, que é altamente inadequado às crianças de zero a
cinco anos de idade, propondo a elas exercícios de gra�smo como forma de
exercitar a coordenação visomotora e de decorar cores e outros conceitos.
Outras propostas, reconhecendo as características dessa faixa etária, propõem
um trabalho focado na exploração de objetos, encaixando, abrindo e fechando;
pegando folhas de árvores e pedrinhas e transformando esses objetos em “co-
midinhas”, “carrinhos”, “aviões” etc., promovendo, dessa maneira, inúmeras
oportunidades de exploração de pesquisa.

Há, ainda, propostas que mesclam essas duas visões, mas, também, de forma
equivocada. Elas promovem situações de exploração de brincadeiras que são
interrompidas numa certa hora para que as crianças entrem em sala para
sentar e pintar ou realizar atividades “acadêmicas” diversas, propostas em fo-
lhas mimeografadas, xerocadas ou organizadas em livros didáticos.

O mais curioso é que muitos educadores acreditam que as atividades pedagó-


gicas são, somente, aquelas feitas em papel, e não consideram as atividades
de brincadeira e exploração. Isso cai em contradição quanto ao discurso de
que a criança “aprende brincando” e reforça a ideia de que a aprendizagem
ocorre em espaço formal, muitas vezes seguida da seguinte fala do adulto:
“agora não é a hora de brincar, agora é a hora da atividade”.

Oliveira (2007) aponta que essas práticas representam a grande incompreen-


são que se tem do processo de aprendizagem na infância. Esse momento de
aprendizagem é, basicamente, lúdico, partindo da fantasia para a realidade ou
vice-versa. As atividades propostas devem valorizar a descoberta, a criação e
a construção conjunta de signi�cados por meio da utilização de vários ele-
mentos (brinquedos, objetos, livros, �guras etc.).

Outra questão apontada pela autora é que as atividades de cuidado também


devem ser vistas nas possibilidades educativas, pois as atividades educativas
não são aquelas realizadas em momentos planejados e dirigidos pelos adultos.
As atividades de cuidado também são educativas, permeadas por trocas afeti-
vas entre adultos e crianças (troca, banho e alimentação). Pense em uma situ-
ação de almoço, por exemplo, na qual os adultos gritam para que as crianças
comam e não conversem. Isso não seria uma contradição aos princípios edu-
cativos vigentes? Por que é que os adultos não ajudam as crianças a construí-
rem a sua autonomia para comerem sozinhas e corretamente? Por que muitos
adultos brigam com as crianças quando elas derrubam a comida? Isso não se-
ria um momento de cuidado, que poderia ser utilizado de maneira educativa?

Para que a proposta pedagógica possa se realizar na realidade cotidiana e não


se transformar em um documento burocrático apenas, deve-se considerar as
condições reais da instituição para a efetivação dos objetivos propostos. As di-
versas concepções da equipe educativa (os professores e os demais funcioná-
rios) devem ser trabalhadas na direção de construir um conhecimento mais
atualizado da educação infantil, assim como as concepções das famílias, as
condições do espaço físico, o número de crianças para a quantidade de adul-
tos, as condições de trabalho do educador etc. (OLIVEIRA et al., 1992). Essas
condições devem ser analisadas e trabalhadas, a �m de que possamos realizar
um trabalho de qualidade com as crianças.

Consideremos que um educador trabalhe, por oito horas diárias, com um nú-
mero de crianças acima daquele indicado pelo MEC, que é de um adulto para
cada seis ou oito crianças de zero a dois anos de idade, de um adulto para cada
15 crianças de três anos e de um adulto a cada 20 crianças de quatro anos de
idade (BRASIL, 2006). Esse educador, muitas vezes, ainda precisa cuidar da
limpeza do local e das atividades administrativas. Nesse caso, temos vários
problemas de gestão da educação infantil, que irão prejudicar a efetivação de
um trabalho de qualidade.

Na educação infantil, um trabalho educacional de alto nível está diretamente


ligado ao número de crianças por educador e às condições de trabalho dele.
Contudo, muitos gestores (diretores ou coordenadores pedagógicos) acreditam
que, para melhorar as práticas educativas, basta melhorar a formação do edu-
cador por meio de atividades de formação continuada. Raramente, os gestores
reconhecem que são os problemas da gestão que prejudicam a melhoria do
trabalho com as crianças pequenas.

Essas questões apresentadas anteriormente mostram que existem aspectos


que in�uenciam, decisivamente, na construção das práticas pedagógicas e
que devem ser considerados e reconhecidos na construção do currículo.

3. O currículo na educação infantil


O termo “currículo” remete-nos às concepções de trajetória, roteiro, aprendiza-
gens e experiências operacionalizadas por etapas ao longo de toda a vida.

Na educação infantil, pensar no currículo requer que tenhamos clara a con-


cepção de criança como sujeito do processo educacional e a de instituições de
educação infantil, creches e pré-escolas como espaços institucionais que cui-
dam, educam e promovem a aprendizagem.

Nessa perspectiva, o currículo pode contribuir ou não para o processo de


aprendizagem: ele pode favorecer as atitudes mais passivas ou ativas das cri-
anças na construção dos conhecimentos, mediante o signi�cado que os adul-
tos envolvidos no processo educacional das crianças derem à educação infan-
til e à construção da proposta pedagógica nessas instituições.

Segundo Oliveira (2005), a elaboração do currículo e da proposta pedagógica


na educação infantil traz implícita a concepção educacional dos pro�ssionais
e a sua visão sobre a creche e a pré-escola.

[...] construir uma proposta pedagógica implica a opção por uma organização curri-
cular que seja um elemento mediador fundamental da relação entre a realidade co-
tidiana da criança às concepções, os valores, e os desejos, as necessidades e os
con�itos vividos em seu meio próximo e a realidade social mais ampla, com outros
conceitos, valores e visões de mundo (OLIVEIRA, 2005, p. 169).

Em qualquer uma das etapas da educação do ser humano, a elaboração de um


currículo deve ter como base:

1. estabelecimento de metas e prioridades;


2. levantamento de recursos;
3. de�nição de etapas;
4. atividade;
5. avaliação.
No caso especí�co da educação infantil, é fundamental que o currículo seja
projetado de forma a garantir a interação entre as crianças, reconhecendo-as
como sujeitos ativos, históricos e de direitos próprios.

Para Oliveira (2005, p. 171), o currículo pode ser de�nido como uma “trajetória
de exploração partilhada de objetos de conhecimento de determinada cultura
por meio de atividades diversi�cadas, constantemente avaliadas”.

Oliveira (2005, p. 48) chama a atenção para as propostas pedagógicas para a


educação infantil:

Um grande risco de uma proposta pedagógica para a educação infantil é o de “ins-


titucionalizar” a infância, regulá-la em excesso. Outro risco é o de torná-la um
campo onde reine a espontaneidade, que pode camu�ar formas sutis de domina-
ção, tornando menos visíveis os critérios de excelência socialmente valorizados.

Podemos considerar que o currículo, na etapa da educação infantil, deve, so-


bretudo, contribuir para o desenvolvimento das capacidades humanas (cogni-
tivas, motriz, de linguagem, de relação interpessoal, de equilíbrio pessoal) in-
fantis e favorecer a aprendizagem de determinados saberes culturais que con-
tribuam para o conhecimento do mundo ao seu redor.

Kishimoto (1994), em um texto encomendado pelo MEC a respeito do currículo


na educação infantil, retoma a etimologia da palavra “currículo”, que é deriva-
da do latim currus (carro, carruagem) e que signi�ca um lugar onde se corre.
Para a autora, o uso do termo “currículo” na educação pode expressar a busca
por um caminho, por uma direção que oriente o percurso para atingir determi-
nadas �nalidades.

Na educação infantil, o currículo de atividades precisa estar adequado ao ní-


vel de desenvolvimento da faixa etária em questão, além de ser signi�cativo
para a criança, ou seja, de ter sentido para ela. É um equivoco fazer um currí-
culo se adequar, somente, às expectativas dos pais e do professor. Um exemplo
de equívoco cometido por muitos pais se refere à necessidade de uma alfabeti-
zação precoce, o que não respeita o momento de desenvolvimento da criança.
A compra de pacotes apostilados também deve ser problematizada, pois, em
sua maioria, eles são conteudistas e não correspondem aos saberes necessári-
os às crianças, especialmente àquelas menores de três anos de idade. Assim, é
importante que todos os pro�ssionais da educação iniciem um combate à pre-
ocupação com a necessidade de se trabalhar, excessivamente, o acadêmico
com essa faixa etária, tendo como maior objetivo “terminar o livro”, não a
aprendizagem da criança. É necessário que voltemos nossos olhos ao desen-
volvimento da criança e às suas necessidades de aprendizagem.

Observando as características do desenvolvimento da criança da educação in-


fantil, devemos considerar que esta aprende:

• por meio da própria ação em seu contexto e com experiências concretas;


• por meio das atividades lúdicas;
• nas interações com outras crianças e com os adultos.

Com base nesses princípios, devemos, então, organizar um currículo no qual


se desenvolvam atividades que correspondam a esses princípios.

4. A organização das atividades curriculares


Falar sobre o currículo é tratar de algo polêmico, e, quando este está no campo
da educação infantil, a situação torna-se mais delicada.

Vemos que, atualmente, não há um consenso sobre como deve ser a constru-
ção de um currículo voltado para a educação infantil. Por um lado, temos as
orientações do MEC, no sentido de não fragmentá-lo por disciplinas; organizá-
lo na perspectiva das diferentes linguagens; e não separar as ações de cuidado
e de educação, não diferenciando o professor que cuida do intelecto do moni-
tor que cuidar do corpo. Por outro lado, temos os pacotes de livros didáticos,
que são conteudistas, fragmentam as áreas do conhecimento e não favorecem
o desenvolvimento do raciocínio complexo, criativo e do movimento, prejudi-
cando, assim, as possibilidades de produção do conhecimento de forma ativa
pela criança.

Autores como Libâneo (2008, p. 168) apontam que o currículo é o elemento “nu-
clear do projeto pedagógico”, pois ele apresenta como a escola vai viabilizar o
processo de ensino e aprendizagem. Ele deve explicitar as intenções que diri-
gem a organização da escola, de forma a colocar em prática as experiências de
aprendizagem consideradas relevantes para as crianças e para os seus pais.

O currículo não é uma lista de conteúdos a ser trabalhados com as crianças,


mas muito mais. Ele diz respeito à organização de experiências e de situações
que garantam a aprendizagem das crianças. Além de conteúdos e de metodo-
logias, deve apresentar um roteiro para a orientação da vida da criança na ins-
tituição, ou seja, a sua rotina; os objetivos e resultados a serem atingidos; bem
como os materiais, os recursos didáticos, as sugestões e os meios de avaliação
da aprendizagem.

Ao se construir um currículo coletivamente, precisamos responder:

• a qual criança ele se destina e como ela aprende;


• em qual nível de desenvolvimento ela está e o que ela já sabe;
• qual a concepção de educação presente na comunidade educativa.

A organização curricular deve mediar a realidade cotidiana com a realidade


social mais ampla, ou seja, as atividades devem possuir um sentido para que
sejam, culturalmente, signi�cativas: “para que serve?”; “com o que se liga?”
(OLIVEIRA, 2007).

Segundo a autora, isso inclui:

1. organizar contextos ricos que proporcionem diversas aprendizagens;


2. ampliar a noção do professor sobre a constituição do meio de desenvolvi-
mento, ligando-o às práticas cotidianas, tendo em vista que o desenvolvi-
mento/aprendizagem infantil se dá no conjunto das atividades que as cri-
anças vivem;
3. estruturar atividades estimuladoras e signi�cativas, interagindo com as
crianças e apresentando a elas novos signos e novas formas de signi�car
e se relacionar com o mundo (compreendê-lo);
4. superar a dicotomia de escolher entre as áreas de conhecimento (como
linguagem, matemática, artes) e as áreas do desenvolvimento (motor, lin-
guístico, social, afetivo, cognitivo) e trabalhá-las de forma integrada.
Além dos aspectos citados anteriormente, a construção do currículo deve con-
siderar, segundo Oliveira (2007):

1. atividades que estruturem um cotidiano dinâmico com autonomia e coo-


peração;
2. atenção aos aspectos educativos das tarefas de cuidado-educação;
3. organização do espaço físico-social para que garanta a realização de ex-
plorações e de brincadeiras, bem como o desenvolvimento da identidade,
da segurança e da con�ança e a promoção da construção de competênci-
as diversas;
4. quali�cação pro�ssional e programas de capacitação em serviço;
5. boas condições de trabalho para o educador;
6. número adequado de crianças por professor;
7. recursos materiais su�cientes;
8. planejamento contínuo, integrado a uma formação em serviço;
9. �exibilidade para conceder o aparecimento das diferenças individuais,
sociais, culturais e geográ�cas;
10. alternativas de estruturação do ambiente físico-social de aprendizagem
com fundamentação teórica e suporte à realização de explorações e brin-
cadeiras, garantindo identidade, segurança e con�ança e promovendo
uma oportunidade de construção de competências diversas.

 Constatamos, então, que o currículo não é mais uma lista de conteúdos a ser
trabalhados; é um documento que apresenta a organização das experiências
das crianças, que resulta de uma re�exão sobre a realidade à sua volta e a rea-
lidade da instituição.

Uma forma de organização do currículo que já vem sendo praticada por várias
instituições é o trabalho pedagógico com múltiplas linguagens. Nessa forma
de trabalho, permeiam outros organizadores do currículo, como o jogo infantil
e as várias áreas em que o conhecimento é elaborado numa cultura. As lin-
guagens corporais e plásticas são objetos do trabalho pedagógico; aprender a
representar algo utilizando o corpo, o desenho, a modelagem, a escultura ou
outras manifestações amplia as competências infantis, exigindo das crianças
novas habilidades.

No caso do desenvolvimento da linguagem oral, sabemos que, desde peque-


nas, as crianças podem avançar no processo de letramento, tendo em vista
que elas estão imersas num mundo letrado, no qual estão presentes sistemas
simbólicos diversos. A partir do momento em que são inseridas num ambien-
te propício, as crianças vão se apropriando dos principais canais de comuni-
cação característicos de nossa cultura; então, não mais se discute se a educa-
ção infantil deve ou não ensinar a ler, mas, sim, como ela o fará.

Nessa concepção de desenvolvimento por múltiplas linguagens, o jogo é reco-


nhecido como um recurso privilegiado de desenvolvimento da criança peque-
na, defendido como meio para o desenvolvimento/aprendizagem. Contudo, o
modo como ele vem sendo trabalhado revela alguns equívocos, tais como dei-
xar a criança brincar como queira, como se fosse algo próprio da natureza bio-
lógica, sem a necessidade de suportes culturais, ou como tratar o jogo infantil
como uma versão restrita da aprendizagem e sob o controle dos adultos.

O educador deveria basear-se nas observações e análises de situações em re-


lação aos temas, às personagens, ao clima emocional, às normas, ao uso dos
materiais, à organização do espaço e aos modos de desempenhar os papéis co-
mo protagonistas ou não, devendo estar atento para quando a criança já domi-
nar uma determinada situação e estiver apta a encarar novos desa�os.

A organização do currículo também poderá ser feita por meio da pedagogia


dos projetos didáticos. Esses projetos se organizam segundo temas, sobre os
quais as crianças vão tecer redes de signi�cações mediante atividades múlti-
plas (BARBOSA; HORN, 2008). Os projetos abrem possibilidades para as crian-
ças indagarem, criarem relações e entenderem as naturezas cognitiva, estéti-
ca, política e ética do seu ambiente, atribuindo a elas signi�cados, como, por
exemplo:

• representar um objeto associado a uma história lida pelo professor por


meio do uso de peças a serem encaixadas ou, até mesmo, desenhar o que
foi representado, contar ou “escrever” uma história com base na represen-
tação do desenho;
• ajudar a criança a articular sua história e a de seu grupo familiar com a
de outros grupos, o que possibilita iniciar um trabalho de compreensão
das relações entre proximidade e distância.
Considerando, então, o currículo como núcleo da proposta pedagógica, deve-
mos nos preocupar em apresentar uma coerência entre as atividades propos-
tas, o nível de desenvolvimento e as formas de aprendizagem das crianças.
Ademais, devemos considerar as relações instituição-família-comunidade ex-
plicitadas na proposta, bem como explicitar as bases teóricas, as diretrizes
práticas e os aspectos de natureza técnica que viabilizam a sua concretização.
Em outras palavras, devemos buscar a coerência entre os princípios propostos
e as atividades organizadas no currículo. Isso inclui também explicitar as for-
mas de organização do tempo, do espaço, dos materiais de uso coletivo, da ca-
racterização geral da instituição, dos horários, dos procedimentos durante o
período de adaptação, do plano das atividades cotidianas etc. Dessa maneira,
todos os espaços devem ser ricos para a exploração ativa, compartilhada por
crianças e adultos, de forma a promover a construção do conhecimento.

5. Criança como sujeito do processo educativo


A clareza sobre as concepções que envolvem a proposta pedagógica contribui
para que vários equívocos nas ações pedagógicas sejam evitados.

Agora, pensando no currículo, precisamos ter também clara a concepção de


criança como sujeito do processo educativo, e, portanto, ativa na construção
de conhecimentos e cultura. Ainda, devemos entender que as instituições de
educação infantil têm o papel de cuidar, educar, e promover aprendizagens
signi�cativas. Nesse contexto, o currículo pode auxiliar ou não este tipo de
aprendizagem na medida em que as concepções são colocadas em prática,
possibilitando mais ou menos interação por parte da criança com o ambiente
social e cultural, vendo-a como sujeito ativo ou passivo no processo educativo.

Já indicamos no início deste ciclo a leitura de uma obra que aborda a BNCC,
agora para que seus conhecimentos sejam mais aprofundados sobre as nor-
mativas que devem orientar a construção do currículo na educação infantil,
assista ao seguinte vídeo sobre a BNCC:
6. O Cuidar e Educar, e a Organização do
Tempo e Espaço
O cuidar e educar devem caminhar juntos na Educação Infantil, e assim, as
ações pedagógicas devem estar respaldadas nesta concepção de indissociabi-
lidade destes dois aspectos. É importante para o educador considerar estas
duas funções: educar e cuidar. Todavia, a BNCC realça a necessidade dessas
duas funções caminharem juntas nas mediações e ações realizadas pelo pro-
fessor.

Desde 1994, vem sendo formuladas e construídas, pelo Ministério da


Educação, as orientações para a construção de uma proposta pedagógica para
a educação infantil no Brasil, resultante de todo o ordenamento legal que legi-
tima o direito educacional das crianças de até seis anos no país em institui-
ções educacionais como as creches e pré-escolas.

O cuidar e o educar constituem-se nas funções essenciais da educação infan-


til, devendo ser operacionalizados de forma indissociável no cotidiano das
creches e das pré-escolas. Esse fato requer a superação da dicotomia histórica
das funções dessas instituições, ou seja, a primeira, eminentemente assisten-
cialista, direcionando um atendimento voltado à guarda e aos cuidados das
crianças, enquanto as pré-escolas sempre tiveram um papel educacional.

Essa indissociabilidade indica que o professor da educação infantil tem como


função realizar as atividades de cuidado e de educação.

Entretanto, infelizmente, em muitos municípios, ainda é feita essa dissocia-


ção. Eles contratam um “professor” para passar algumas horas do dia com as
crianças e darem a elas atividades “acadêmicas”, que, na maioria das vezes,
são dirigidas e no papel. Contratam, também, “monitoras/educadoras”, sem
formação especí�ca e com menores salários, que passam a maior parte do
tempo com as crianças e realizam as atividades ligadas ao cuidado físico.
Essa separação é arbitrária por princípio, pois uma educação de qualidade
precisa de um pro�ssional que atue de forma integrada com a criança, não se-
parando as atividades intelectuais para pro�ssionais formados e atividades fí-
sicas para pro�ssionais não formados.

São várias as hipóteses sobre o porquê de vários municípios fazerem essa dis-
sociação. Dentre elas, a mais evidente é a questão econômica, pois gasta-se
mais ao contratar professores formados para trabalhar com as crianças du-
rante todo o período. Essa decisão de contratar dois pro�ssionais está infrin-
gindo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pois, na referida lei,
consta que aqueles que atuam na educação infantil devem ter formação em
nível normal ou a Licenciatura em Pedagogia.

É importante destacarmos que, embora o cuidar e o educar sejam funções in-


dissociáveis na educação infantil, são funções importantes e necessárias para
todas as etapas da educação do ser humano.

Cuidar na educação infantil


Podemos basear-nos na compreensão do cuidar como uma dimensão inte-
grante da proposta pedagógica das instituições infantis. O cuidar expressa-se
por meio de procedimentos especí�cos em relação ao outro, com base em co-
nhecimentos variados das ciências e, também, por crenças e valores em rela-
ção ao desenvolvimento infantil.

O cuidar signi�ca favorecer e contribuir para que o outro se desenvolva como


ser humano; implica compromisso e afeto com o outro. É originário do latim
cogitare, que corresponde a cogitar, a imaginar, a pensar, a dar atenção a, a ter
cuidado com a saúde de, a curar.

Para cuidar é preciso antes de tudo estar comprometido com o outro, com sua
singularidade, ser solidário com suas necessidades, con�ando em suas capa-
cidades. Disso depende a construção de um vínculo entre quem cuida e quem
é cuidado (BRASIL, 1998, p. 25).

No trabalho pedagógico, o cuidar das crianças pequenas signi�ca atender às


suas necessidades físicas e biológicas, como, por exemplo, a troca de fraldas e
a alimentação; atender suas necessidades de segurança (espaço tranquilo, se-
guro em relação a possíveis acidentes) e as necessidades afetivas (formação
de vínculos afetivos).

O cuidado com as crianças, ou seja, o compromisso em assegurar o seu desen-


volvimento, re�ete-se, ainda, na maneira como o professor organiza o trabalho
pedagógico, a preparação de uma atividade e os materiais que serão utilizados
pelas crianças, bem como no modo como ele planeja os espaços destinados às
brincadeiras; en�m, como organiza o tempo e o espaço na rotina das crianças.

Educar na educação infantil


A princípio, é importante pontuarmos que, na educação infantil, o educar
acontece em um momento especí�co do desenvolvimento e da educação do
ser humano. Portanto, deve-se considerar a especi�cidade da ação educativa
para o desenvolvimento das crianças.

O que você entende por educar na educação infantil?

O educar implica a elaboração de atividades educativas contextualizadas e in-


tencionais direcionadas ao desenvolvimento das crianças.

Segundo Oliveira (2005), a atividade educativa como ação intencional deve ser
orientada para a ampliação do universo cultural das crianças, possibilitando
uma compreensão da realidade e, consequentemente, uma ação transforma-
dora sobre ela.

Saviani (1984, p. 41) assim de�ne o ato de educar:

Educar signi�ca formar o homem cada vez mais capaz de conhecer os ele-
mentos de sua situação para intervir nela, transformando-a no sentido de
uma ampliação da liberdade, da comunicação e da colaboração entre os ho-
mens.

Vejamos como o educar pode ser compreendido de acordo com o Referencial


Curricular Nacional para a Educação Infantil:

Educar signi�ca, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e


aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o
desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e es-
tar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e con�ança, e o
acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e
cultural. Neste processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das
capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais,
afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a
formação de crianças felizes e saudáveis (BRASIL, 1998, p. 23).

7. Conteúdos curriculares na educação infantil


O que poderíamos considerar conteúdos curriculares em uma etapa da educa-
ção que não é obrigatória em nosso país? Corre-se o risco de uma proposta pe-
dagógica, desenvolvida por meio de conteúdos curriculares, limitar-se à esco-
larização? Como podemos pensar a questão da educação e da escolarização no
contexto das instituições infantis?

A interação das creches e pré-escolas no sistema de ensino, de acordo com a


LDB nº 9394/96, tem promovido debates, pesquisas e questionamentos acerca
de uma proposta pedagógica para a educação infantil.

As propostas pedagógicas, na educação infantil, são embasadas por uma con-


cepção de desenvolvimento, aprendizagem e educação.

A história da educação infantil revela que diferentes saberes e concepções de-


linearam a prática educativa nas creches e pré-escolas, como a proposta as-
sistencialista, higienista e de educação compensatória, por exemplo.

Reconhecer a legitimidade de creches e pré-escolas como instituições educa-


tivas, e a educação infantil como etapa inicial da educação básica, implica o
reconhecimento dessas instituições como espaços de função própria e especí-
�ca, e não, meramente, como espaços para suprir carências ou “preparatórios”
para as etapas de educação subsequentes.

Ao pensarmos na elaboração dos conteúdos curriculares na educação infantil,


tão ou mais importante do que buscarmos respostas sobre o que ensinar é o
questionamento sobre como esses conteúdos e conhecimentos contribuirão
no desenvolvimento e na vida das crianças.

Bassedas, Huguet e Solé (1999) apresentam três áreas de atuação que podem
ser traduzidas em todos os currículos da educação infantil:

• A descoberta de si mesmo.
• A descoberta do meio social e natural.
• A intercomunicação e as linguagens.

A própria pessoa: o eu  ←   ↓   →   o meio social que a envolve


as formas de comunicação: as linguagens

Essas três áreas deverão ser desenvolvidas por meio dos conteúdos:

• conceituais;
• procedimentais;
• atitudinais.

Os conteúdos conceituais estão relacionados aos fatos, conceitos e princípios


na educação infantil, como, por exemplo, o conhecimento das cores, do nome,
do esquema corporal, entre outros.

Os conteúdos procedimentais referem-se ao “saber fazer”, como, por exemplo,


recortar, memorizar canções, construir com blocos de madeira etc.

As crianças deverão, ainda, saber responder com determinados critérios e


comportamentos diante das pessoas, das coisas etc. Esse aprendizado ocorre-
rá por meio dos conteúdos atitudinais, como, por exemplo, aprender a ter cui-
dado com os livros, a respeitar o outro etc.

8. O projeto político pedagógico e as áreas cur-


riculares
Kramer (2003), ao discutir a questão do projeto político pedagógico na educa-
ção infantil, chama-nos a atenção para a compreensão dos conceitos de “polí-
tico” e do “pedagógico”.

A dimensão política, segundo a autora, refere-se à garantia de um atendimen-


to educacional de qualidade a todas as crianças, independentemente de sua
classe social. Signi�ca a opção em atuar contra as desigualdades, reconhe-
cendo as diferenças étnicas, religiosas, de gênero etc.

Todo projeto de educação infantil deve a�rmar a igualdade, entendendo que as


crianças também as de zero a seis anos são cidadãos de direitos, têm  diferen-
ças que precisam ser  reconhecidas e pertencem a diversas classes sociais, vi-
vendo na maioria das vezes uma situação de desigualdade que precisa ser su-
perada (KRAMER, 2003, p. 55).

Em relação ao pedagógico, a autora destaca a importância do aspecto cultural,


reconhecendo a criança como sujeito da história e da cultura.

O trabalho pedagógico em educação infantil, da maneira como o entendo, não


precisa ser feito sentado em carteiras, o que caracteriza o trabalho pedagógico
é a experiência com o conhecimento cientí�co e com a literatura, a música, a
dança, o teatro, o cinema, a produção artística, histórica e cultural que se en-
contra nos museus, a arte. Esta visão do que é pedagógico ajuda a pensar um
projeto que não se con�gura como escolar, feito apenas na sala de aula. O cam-
po pedagógico é interdisciplinar, inclui as dimensões ética e estética
(KRAMER, 2003, p. 60).

A organização curricular implica, pois, a construção de uma proposta pedagó-


gica que favoreça o desenvolvimento e a aprendizagem infantil. Implica a or-
ganização do espaço e do tempo, bem como na disponibilidade de material, na
formação dos pro�ssionais e na participação das famílias.

Novamente, é preciso destacar que as convicções, os valores e as opções


teórico-metodológicas dos adultos serão signi�cativos ao rumo de determina-
da organização curricular.

É preciso que se pense em atividades signi�cativas em uma rotina dinâmica,


compromissada com os direitos da infância. Isso requer que voltemos a deba-
ter a dicotomia entre as áreas do conhecimento (linguagem, artes, matemáti-
ca, natureza, sociedade etc.) e as áreas de desenvolvimento (motor, físico, soci-
al, cognitivo e afetivo). As propostas pedagógicas devem ser integradas e
comprometidas com uma educação transformadora.

Você sabia que, em dezembro de 2009, foram aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para
Educação Infantil conforme a Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009. Essas diretrizes devem nortear
todo o trabalho das instituições de educação infantil, tanto as creches quanto as pré-escolas, constituindo-
se um documento mandatário para a elaboração, o planejamento, a execução e a avaliação de propostas
pedagógicas e curriculares. Para saber mais sobre essas diretrizes, consulte o site do MEC. (http://por-
tal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12992:diretrizes-para-a-educacao-
basica&catid=323:orgaos-vinculados)

Ao debatermos sobre uma proposta curricular para a educação infantil, toma-


remos como referencial a obra Educação Infantil: fundamentos e métodos, de
Oliveira (2005).

A autora propõe uma organização curricular para a educação infantil baseada


em três eixos:

• trabalho pedagógico com múltiplas linguagens;


• jogo como recurso privilegiado de desenvolvimento da criança pequena;
• pedagogia de projetos didáticos.

Esses três eixos não são excludentes, ou seja, não signi�ca a exclusividade de
um em detrimento dos outros na organização curricular; podem coexistir em
uma mesma proposta pedagógica.

Conheceremos, nos itens a seguir, cada um deles.


9. Trabalho pedagógico com múltiplas lingua-
gens
A criança, como ser humano que possui natureza singular, utiliza-se de dife-
rentes linguagens para expressar as suas ideias e para criar diversas hipóte-
ses no processo de construção do conhecimento.

As linguagens oral, escrita, plástica, matemática, musical e corporal são siste-


mas de representações que estabelecem novos recursos de aprendizagens,
“pois se integram às funções superiores e as transformam”

Por meio das múltiplas linguagens, a criança pode se comunicar, se expressar,


representar, interpretar e modi�car a realidade. Com essas experiências, a cri-
ança estabelece e amplia as suas relações com o meio físico e social; portanto,
conquista novas possibilidades de aprendizagem e de desenvolvimento.

Segundo Bassedas, Huguet e Solé (1999), as linguagens apresentam as seguin-


tes funções:

• função comunicativa: instrumentos que permitem a relação do indivíduo


com o meio;
• função representativa: possibilidade de utilizar símbolos para represen-
tar o que se quer;
• função lúdico-criativa: divertir-se com a utilização da linguagem.

Agora, vejamos como podemos trabalhar com cada linguagem nas creches e
nas pré-escolas.

Linguagem verbal
A linguagem verbal constitui-se um instrumento básico do processo de comu-
nicação e de interação entre os seres humanos. Estudos psicológicos revela-
ram a importância da linguagem para o desenvolvimento do pensamento.

Segundo Vygotsky (1989, p. 108), “o pensamento não é simplesmente expresso


em palavras: é por meio delas que ele passa a existir”.
Os bebês, desde pequenos, por meio do choro, dos gestos e da produção de
sons, procuram comunicar-se com o outro e, gradativamente, apropriam-se da
linguagem oral com base nas interações com os adultos.

A partir de um ano de idade, as crianças começam a selecionar os sons que


são produzidos ao seu redor, tentam descobrir os seus signi�cados e procuram
utilizá-los.

Com base nas sucessivas aproximações com a fala do outro (do pai, da mãe,
dos educadores, de crianças), ocorre a construção da linguagem oral pela cri-
ança.      No percurso dessas conquistas, é fundamental a atuação do outro, no
sentido de comunicar-se, intensamente, com as crianças.

Nas instituições de educação infantil, são fundamentais as atividades como


as rodas de conversa, as estórias, as músicas e as brincadeiras com todas as
faixas etárias. Além do falar com a criança, é fundamental a sua escuta. É pre-
ciso atenção às suas diferentes comunicações, oferecendo a ela o direito à voz,
ou seja, o direito de manifestar os seus pensamentos, seus desejos e suas emo-
ções.

Linguagem escrita
O trabalho com a linguagem escrita, na educação infantil, não pode implicar a
preparação da criança para o ensino fundamental ou em exercícios de pronti-
dão para a alfabetização.

Kramer e Abramovay (1985) compreendem a alfabetização como um processo


ativo, em constante construção, que não se inicia em um momento determi-
nado e não se restringe a rituais repetitivos de leitura e de cálculo, mas que
começa quando as crianças se expressam por gestos ou palavras em seu coti-
diano.

É fundamental compreendermos que a criança está inserida em uma socieda-


de letrada. Aos poucos, ela identi�ca a função social da escrita, e ajudá-la nes-
sa compreensão deve ser um dos grandes objetivos dessa linguagem na edu-
cação infantil.
O importante é considerarmos que as crianças elaboram, durante todas as eta-
pas da educação infantil, uma rede de ideias e de hipóteses para compreender
o sistema da escrita. Os trabalhos de Emília Ferreiro e Ana Teberoski sobre a
alfabetização favorecem uma melhor compreensão das diferentes formas de
as crianças compreenderem a escrita.

Considerando a perspectiva histórico-cultural, no desenvolvimento e na


aprendizagem das crianças, o grau de letramento do seu ambiente social e do
contexto das creches e das pré-escolas poderá contribuir ou não no desenvol-
vimento dessa linguagem.

Segundo Oliveira (2005), os trabalhos de Emília Ferreiro e de outros contribuí-


ram para o entendimento de que a criança, desde pequena, se apropria da lin-
guagem escrita, podendo, desde cedo, avançar no processo de letramento, fa-
vorecendo o desenvolvimento de novas práticas pedagógicas.

A linguagem escrita deve estar presente na rotina das crianças em diferentes


situações de aprendizagem, especialmente de forma lúdica, com a utilização
de jogos de escrita (caça-palavras, bingo de letras, quebra-cabeças de letras),
das estórias, da escrita de bilhetes, da construção de textos coletivos, de músi-
cas, de receitas culinárias, das parlendas etc.

Bassedas, Huguet e Solé (1999, p. 80) ressaltam alguns aspectos para que seja
pensado o trabalho com a linguagem escrita na educação infantil:

• Levar em conta que a criança já tem experiência pelo que faz com a lín-
gua escrita quando chega à pré-escola. É preciso partir disso e do que já
identi�cam.
• Dar sentido às situações da língua escrita, apresentando situações que te-
nham interesse para as crianças: fazer listas do que cada um pode levar
nas saídas às colônias de férias; dos meninos e meninas da sala; fazer lei-
turas e explicações de livros com letras; ler para as crianças os avisos que
irão levar aos pais, etc.
• Dar a informação de como funciona o nosso código, na medida em que a
criança o domine.
Linguagem matemática
A construção do pensamento lógico-matemático processa-se por meio de uma
intensa ação das crianças sobre os objetos e das relações que estabelecem
com as outras pessoas.

As crianças, durante a educação infantil, constroem conhecimentos matemá-


ticos, os quais possibilitam compreender e ordenar a realidade (as caracterís-
ticas e as propriedades dos objetos) e, também, compreender as relações que
estabelecem entre os objetos (semelhança, diferença, correspondência, exclu-
são etc.).

A matemática, assim como a escrita, está presente em nosso cotidiano. As cri-


anças, desde pequenas, são capazes de vivenciar situações matemáticas, co-
mo, por exemplo, distribuir objetos, recolher brinquedos etc.

Os conteúdos relacionados à linguagem matemática dizem respeito, inicial-


mente, ao desenvolvimento das capacidades de comparação, classi�cação e
ordenação.

Conforme o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (1998, p.


217):

• Aprender matemática é um processo contínuo de abstração, no qual as


crianças atribuem signi�cados e estabelecem relação com base nas ob-
servações, experiências e ações que fazem, desde cedo, sobre elementos
do seu ambiente físico e sociocultural.
• A construção de competências matemáticas, pela criança, ocorre simul-
taneamente ao desenvolvimento de inúmeras outras, de naturezas dife-
rentes e igualmente importantes, tais como comunicar-se oralmente, de-
senhar, ler, escrever, movimentar-se e contar.

O jogo é uma importante estratégia didática para o ensino da matemática na


educação infantil e deve ser bastante explorado no cotidiano do trabalho com
as crianças.

A seguir, apresentaremos os blocos propostos por Bassedas, Huguet e Sole


(1999), nos quais poderá ser trabalhada a linguagem matemática:

• Análise das propriedades dos objetos e das relações que podemos estabe-
lecer: por meio da investigação dos objetos e conforme as suas proprieda-
des – classi�cação, seriação e ordenação.
• Início da quanti�cação: trabalhar procedimentos de utilização da série
numérica em diferentes situações – contagem de objetos, das crianças,
dos brinquedos etc.
• Resolução de situações-problema: a aprendizagem de diferentes estraté-
gias para a resolução de diferentes problemas.
• Medida: noções de grandeza, distância e tempo.
• Representação do espaço: identi�cação das formas geométricas e de no-
ções espaciais em relação ao corpo – em frente, atrás, acima etc.

Linguagem plástica
As crianças, desde pequenas, sentem interesse e prazer nas representações
plásticas. Inicialmente, elas percebem que, ao utilizarem diferentes materiais,
tais como giz de cera, tintas e lápis, deixam marcas. Essas marcas, a princípio,
podem ser traduzidas por rabiscos sucedidos de formas circulares ordenadas
até chegar ao esquema corporal. Essa trajetória é acompanhada pela amplia-
ção da capacidade da criança em representar a realidade. Dessa forma, o dese-
nho infantil acontece de forma evolutiva.

Para o educador de crianças pequenas, são importantes atitudes de respeito às


expressões infantis, tendo sempre como desa�o a seleção de propostas, mate-
riais, temas e metodologias que atendam às necessidades das crianças.

A linguagem plástica deve ser manifestada por meio do desenho, das pintu-
ras, da modelagem, da colagem, da montagem etc. A diversidade de lingua-
gens e dos materiais utilizados proporcionará à criança ampliar, cada vez
mais, a sua capacidade de expressão plástica. Além disso, como a criança pe-
quena ainda não domina o verbal totalmente, é fundamental o trabalho com a
linguagem plástica para que ela possa comunicar os seus pensamentos e sen-
timentos.

Cabe ao professor incentivar as crianças a observarem a realidade para poder


representá-la, respeitar as suas produções e nunca oferecer “modelos”, que ini-
bem a criatividade e a capacidade de expressão das crianças.

É importante destacar que o fazer artístico permite à criança o desenvolvi-


mento das emoções, da sensibilidade, de sua percepção e de seu pensamento.

A educação infantil deve promover um encontro da criança com a história da


arte, por meio do estudo de obras de pintores, músicos, artistas plásticos etc.

No currículo da educação infantil, o objetivo dessas linguagens deve ser o de


incentivar e propor diversas situações nas quais as crianças possam observar,
experimentar, produzir e apreciar por meio do lúdico. “O lúdico na linguagem
artística envolve o expressivo, o sensível, o estético e introduz a criança na es-
fera do artístico” (CORAGEM, 2003, p. 90).

10. Brincar
Como já vimos, o brincar ocupa um lugar de destaque no desenvolvimento e
na aprendizagem infantis. Constitui-se uma forma particular de expressão, de
pensamento, de interação e de comunicação social.

Oliveira (2005) ressalta alguns equívocos na maneira de os professores da


educação infantil conceberem o jogo nas propostas pedagógicas. Alguns op-
tam por uma atitude espontaneísta, como se os momentos de brincadeiras de-
vessem ocorrer naturalmente, sem suporte de materiais ou intervenção dos
adultos. Outros, ao conceberem o jogo como uma situação de aprendizagem,
fazem um controle excessivo desse momento.

É fundamental a compreensão de que o professor e as crianças são �guras de


interação e interlocução nos momentos de brincadeiras, e que o espaço do lú-
dico é um momento favorável para o desenvolvimento da criança.

Muitos teóricos têm destacado a importância do lúdico no desenvolvimento


humano. Segundo Oliveira (2005, p. 231):

A brincadeira é o recurso privilegiado de desenvolvimento da criança peque-


na para acionar e desenvolver processos psicológicos particularmente a me-
mória e a capacidade de expressar elementos com diferentes linguagens, de
representar o mundo por imagens, de tomar o ponto de vista de um interlocu-
tor e ajustar seus próprios argumentos por meio do confronto de papéis que
nele se estabelece, de ter prazer e de partilhar situações plenas de emoção e
afetividade.

Ao organizarmos a sala e os materiais para a vivência dos jogos de papéis, co-


mo brincar de casinha, supermercado etc., favorecemos o desenvolvimento
das crianças por meio da imaginação, da expressão dramática, da linguagem
etc.

Os jogos também podem ser direcionados ao desenvolvimento motor (jogos de


encaixe), social (jogos de competição) e didático (jogos de matemática). De
acordo com Abramowicz e Wajskop (1999, p. 59), as crianças podem brincar
com:

1) a linguagem, mudando a entonação das palavras, o timbre da voz, o sentido


das palavras;

2) os objetos, mudando seu uso convencional;

3) os brinquedos, aceitando a imagem que eles propõem ou mudando seus sig-


ni�cados e usos;

4) os personagens, pessoas ou animais, mudando sua identidade, através da


linguagem ou utilizando-se de fantasias e objetos simbólicos; assumindo ou-
tras identidades manipulação de bonecos, fantoches  marionetes, ouvindo e
recontando uma história;

5) os espaços, modi�cando-os, pintando-os, cobrindo com panos;

6) o desenho, desenhando, contando histórias, criando personagens.

Pedagogia de projetos didáticos


A ideia que estamos desenvolvendo até agora, acerca da aprendizagem e do
desenvolvimento infantil, parte da compreensão da criança como sujeito soci-
al e histórico. Assim, a concepção histórico-cultural compreende que a ativi-
dade do sujeito é essencial no processo de construção do conhecimento.

Como as práticas educativas não são neutras, a metodologia de projetos requer


clareza sobre determinadas questões, tais como:

• Quem é a criança com a qual trabalho?


• Como ela se desenvolve?
• Quais as suas experiências?
• Em que contexto cultural ela vive?
• Qual é o objetivo da educação infantil?

Ao propormos uma metodologia de projetos na educação infantil, é preciso


contemplar os aspectos anteriores.

O planejamento desenvolvido por meio de projetos pedagógicos, em educação


infantil, deve ter como fundamento promover aprendizagens signi�cativas às
crianças.

Mas o que é um projeto?

Os projetos desenvolvem-se por meio de temas do interesse das crianças, re-


sultantes de suas vivências em seu meio físico, social e cultural. O professor
pode identi�car esses temas com base na fala das crianças, em suas brinca-
deiras e nos objetos que trazem para a escola.

Para Hoffmann (2000, p. 44), os projetos pedagógicos são constituídos pela ca-
pacidade do professor em signi�car as necessidades e os interesses das crian-
ças:

Os projetos pedagógicos surgem na relação adulto/criança, à medida em que o


professor é capaz de atribuir signi�cado à curiosidade despertada por ativida-
des ou assuntos, às perguntas feitas, ao que é “necessário” no seu momento de
desenvolvimento. Tais projetos irão se estender dependendo também do inte-
resse e da idade das crianças, mediado pela provocação do professor, a partir
das possibilidades que se apresentam de exploração de vários temas e áreas
de conhecimento.

Como as crianças pequenas não conseguem propor a discussão de determina-


do tema, é necessário que o professor seja capaz de identi�car as necessidades
de seu grupo.

Alguns aspectos são fundamentais na metodologia de projetos. Vejamos quais


são ele a seguir.

Problematização

Este é o ponto inicial do projeto. São levantadas questões signi�cativas de se-


rem investigadas. O professor, por meio da intervenção, deverá conduzir esse
momento, no qual as crianças deverão ter uma participação ativa.

Desenvolvimento

Constitui-se nas estratégias utilizadas para a busca de respostas às questões


do momento anterior: atividades, leituras, excursões, pesquisas, desenhos etc.

Síntese

O desenvolvimento de um projeto suscita novas aprendizagens durante todo o


processo. A avaliação deve ser um elemento integrante.

A periodicidade de um projeto está relacionada ao quadro motivacional, que


depende dos interesses manifestados pelas crianças e pela capacidade do pro-
fessor de motivar o grupo. Isso dependerá de sua pesquisa sobre o tema, de
seu envolvimento com a proposta e da busca de materiais e de atividades di-
versi�cados.

Segundo Hoffmann (2000, p. 43):

Vários projetos podem se desenvolver ao mesmo tempo, de tal forma que se dê


a articulação entre o conhecimento cientí�co e a realidade espontânea da cri-
ança, promovendo a interdisciplinaridade num contexto de jogo, trabalho e la-
zer.

Os projetos didáticos podem contribuir para que as crianças desenvolvam mo-


dos de observar o mundo e apropriem-se de conceitos, como também para o
desenvolvimento de determinadas habilidades. Podem ser desenvolvidos por
meio de diferentes atividades, tais como desenhos, músicas, jogos, excursões,
pesquisas etc.

Cabe ressaltarmos, ainda, que o Ministério da Educação, em 1998, lançou o


Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (volumes 1, 2 e 3),
que, diferentemente das Diretrizes Curriculares Nacionais, de 1999, não se
constitui um documento mandatário das propostas pedagógicas a serem de-
senvolvidas nas instituições de educação infantil.

Algumas críticas foram feitas ao Referencial Curricular Nacional para


Educação Infantil, especialmente por constituir-se num documento elaborado
no contexto das reformas educacionais in�uenciadas pela política neoliberal.
Todavia, é um documento que poderá servir de referência ao trabalho pedagó-
gico dos professores da educação infantil, com as devidas críticas necessári-
as.

Para ampliar a discussão sobre o Referencial Curricular Nacional para a


Educação Infantil, recomendamos a leitura do texto de Ana Beatriz Cerisara, O
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil no contexto das re-
formas, publicado na revista Educação e Sociedade, v. 23, nº 80, em setembro
de 2002. Da mesma autora, o artigo A produção acadêmica na área da educa-
ção infantil a partir da análise de pareceres sobre o Referencial Curricular
Nacional da Educação Infantil: primeiras aproximações, no livro Educação
Infantil pós-LDB: rumos e desa�os, organizado por Ana Lúcia Goulart de Faria
e Marina Silveira Palhares e publicado pela editora Cortez.

11. Organização do tempo e do espaço na edu-


cação infantil
Vários estudos têm demonstrado que o fator ambiente físico exerce in�uência
determinante na ação pedagógica, por permitir ou não uma maior interação
das crianças com os seus pares, com os adultos e com os objetos ao seu redor.

É importante reconhecer que a forma como o espaço físico é organizado traz


implícita uma compreensão de criança e de educação infantil, ou seja, comu-
nica mensagens simbólicas sobre a intenção e os valores das pessoas que or-
ganizam o espaço destinado às crianças.

Como os ambientes de creches e pré-escolas podem ser promotores do desen-


volvimento das crianças? Qual é a importância da organização do espaço físi-
co no planejamento das atividades pedagógicas? Gostaríamos que você com-
parasse as suas ideias com o conteúdo a seguir.

Segundo os pesquisadores David e Weinstein (1987), os ambientes destinados


à educação das crianças deveriam promover:

• identidade pessoal;
• desenvolvimento de competência;
• oportunidade para crescimento;
• sensação de segurança e con�ança;
• oportunidade para contato social e privacidade.

Considerando esses aspectos, podemos apontar alguns indicadores na organi-


zação do ambiente físico das creches e pré-escolas. Veja o quadro a seguir:

Quadro 1 Organização do ambiente físico.

ORGANIZAÇÃO DO AMBIENTE FÍSICO

INDICADORES COMENTÁRIO

A criança deverá personalizar o espaço Um ambiente inteiramente “decora-


físico no qual atua, utilizando seus de- do” pelo adulto impossibilita essa
senhos, construções, fotos etc. personalização.
ORGANIZAÇÃO DO AMBIENTE FÍSICO

INDICADORES COMENTÁRIO

Entretanto, esse ambiente com se-


Um ambiente seguro é fundamental
gurança deve contribuir para que a
para o desenvolvimento infantil, como,
criança realize, de forma indepen-
por exemplo, um espaço físico sem es-
dente, atividades diárias, como be-
cadas, pisos escorregadios, tomadas e
ber água, guardar sacolas, escolher
instalações elétricas ao alcance das
brinquedos, jogar objetos no lixo,
crianças etc.
dentre outras.

É preciso que o espaço físico atenda às A criança necessita estar em conta-


necessidades do desenvolvimento das to com ambientes externos, onde
crianças, especialmente em relação possa correr, pular, saltar, subir, ba-
aos movimentos corporais. lançar etc.

A organização do ambiente físico, em Atividades coletivas e individuais,


especial das salas de aula, deve ser fei- atividades de grandes movimenta-
ta para propiciar diversas atividades. ções e de descanso.
 

É importante lembrar que a organização do espaço físico pode variar de acor-


do com as concepções de desenvolvimento e de educação infantil.

Em uma perspectiva de educação infantil centrada no adulto e enfocada no


modelo substituto-moderno, tudo é organizado para que o adulto tenha amplo
controle sobre o espaço e as crianças.

Já em uma concepção pautada na perspectiva sociointeracionista, concebe-se


a importância do espaço físico na promoção do processo de interação social.
Assim, os comportamentos infantis são in�uenciados pelo ambiente, que é or-
ganizado conforme os objetivos pessoais dos adultos.

Um ambiente é carregado de símbolos que chamam a atenção das crianças


para certos aspectos. Por vezes se vê nas creches e pré-escolas um espaço físi-
co enfeitado por abecedários ou cartazes que tratam de conteúdos escolares.
Outros ambientes têm na parede �guras da indústria cultural voltada à infân-
cia como os personagens de estúdios Disney (OLIVEIRA, 2005, p. 193).

12. A organização do tempo nas creches e pré-


escolas
Muitas crianças, especialmente as que frequentam as creches, chegam a per-
manecer durante oito ou mais horas em uma instituição. Daí surge uma ques-
tão: como deverá ser organizada a rotina dessas crianças, de modo a atender
seus direitos fundamentais, seu desenvolvimento, as propostas curriculares e
as funções da educação infantil (cuidar e educar)?

Já discutimos que, na educação infantil, tanto a organização curricular quanto


a organização do espaço re�etem uma concepção de educação, desenvolvi-
mento e aprendizagem das crianças de até seis anos.

Segundo Oliveira et al. (1992), grande parte das creches, ao atender crianças
menores de três anos, organiza o tempo segundo o relógio “biológico” ou “da
natureza”, no ensejo de atender às suas necessidades físicas relacionadas à
alimentação, à higiene, ao sono etc.

As autoras analisam que esse aspecto é, muitas vezes, prejudicial, pois os edu-
cadores �cam “presos” ao atendimento restrito das necessidades �siológicas
das crianças, restando pouco ou nenhum “tempo” para atividades direciona-
das às suas necessidades psicológicas e culturais. Você concorda com essa
a�rmação? Qual é a sua opinião sobre esse assunto?

Segundo as autoras, é necessário atentar, além do relógio “biológico”, para o


relógio “histórico” (ou seja, enfocar a cultura na programação das atividades) e
para o “psicológico” (isto é, atender às individualidades e necessidades de ca-
da criança).

Perceba que pensar na organização do tempo nas creches e nas pré-escolas


implica pensar no espaço físico como um espaço interacional e educativo.

A organização do tempo deve voltar-se para a organização de uma rotina que


promova aprendizagem e desenvolvimento, que priorize o lúdico e que atenda
aos direitos fundamentais da infância (alimentação, higiene, atividades cultu-
rais, expressão da curiosidade, imaginação, afeto, aconchego, saúde etc.).

Por isso, é muito importante que os pro�ssionais da educação infantil pensem


e organizem, atentamente, o “tempo” das crianças, diminuindo o tempo de “es-
pera”, que se faz presente em muitas instituições.

A organização curricular deve criticar o tempo desperdiçado em atividades


sem signi�cado para a criança ou sem coerência com uma pedagogia trans-
formadora: a �la, o sono, os abaixar a cabeça na mesa. Também requer avaliar
o tempo empregado em atividades de cuidados: higiene das mãos, escovação
dos dentes, descanso e alimentação (OLIVEIRA, 2005, p. 225).

Organizar o cotidiano das crianças, em creches e pré-escolas, por meio de uma


sequencia básica de atividades, implica a leitura e compreensão que fazemos
do grupo de crianças com o qual trabalhamos, atendendo tanto às suas neces-
sidades quanto à sua realidade sociocultural.

Oliveira et al. (1992, p. 89) propõem-nos quatro grupos de atividades para orga-
nizarmos o tempo das crianças:

1. atividades de organização coletiva: momentos de entrada e saída da cre-


che, a realização de grandes festas e comemorações e atividades de arru-
mação da sala;
2. atividades de cuidado pessoal: alimentação, higiene, descanso ou sono;
3. atividades dirigidas, coordenadas pelo educador;
4. atividades “livres”, ou seja, menos dirigidas pelo educador. São os mo-
mentos das brincadeiras que podem acontecer em turmas separadas ou
em agrupamentos de turnos.

Como vimos, a sequência e a organização das atividades que caracterizam a


jornada diária das crianças e dos adultos das instituições de educação infantil
deverão atender às necessidades etárias (a rotina do berçário não poderá ser
igual à do grupo de crianças de quatro a seis anos), permitir experiências múl-
tiplas por meio das diferentes linguagens, favorecer a interação social e consi-
derar a criança como sujeito ativo de seu cotidiano.
Nos exemplos a seguir, como sugestão, podemos visualizar a organização de
uma rotina para crianças de até seis anos.

O dia-a-dia (crianças de até dois anos): possibilidades de organização


1. chegada dos educadores e organização da sala e dos materiais, combina-
ções sobre o trabalho;
2. recepção das crianças, contato com os familiares, veri�cação das agen-
das, brincadeiras livres das crianças nos diferentes espaços da sala;
3. café da manhã;
4. brincadeiras ao ar livre, no verão, e brincadeiras na sala, em dias frios
(cuidar com as variações das estações do ano);
5. higiene e troca de fraldas;
6. repouso (opção de atividade para os que não dormem);
7. almoço/troca de fraldas (ou uso de privadas e penicos sempre que possí-
vel);
8. registro ou troca de informações orais entre educadores, na mudança de
turno ou escala de almoço;
9. reorganização da sala e interação entre as crianças, à medida que acor-
dam;
10. lanche;
11. brincadeiras livres no pátio ou na sala de aula;
12. atividades coletivas ou opções individuais (organização de diferentes
materiais para interação das crianças);
13. higiene, troca de fraldas e jantar;
14. reorganização da sala e brincadeiras de livre escolha;
15. saída.

O dia-a-dia (dois a seis anos): possibilidades de organização


1. chegada dos educadores, combinações acerca do trabalho;
2. organização da sala e dos materiais;
3. recepção das crianças;
4. café da manhã;
5. atividades diversi�cadas para livre escolha e/ou brincadeiras no pátio;
6. planejamento das atividades do dia (retomada do que vem sendo feito pe-
lo grupo, proposição de novos encaminhamentos etc.);
7. atividades coordenadas pelo adulto;
8. atividades expressivas das diferentes linguagens;
9. higiene e almoço;
10. relatos ou troca de informações orais entre educadores na mudança de
turno;
11. sono ou atividade repousante;
12. atividade coordenada pelo adulto;
13. pátio ou brincadeiras de livre escolha;
14. reorganização da sala e saída (CRAIDY; KAERCHER, 2001, p. 71, grifos nos-
sos).

As rotinas apresentadas são sugestões, sendo fundamental pontuarmos que


elas deverão ser adequadas à realidade de cada instituição.

O que podemos entender por rotina?

A rotina implica o estabelecimento de uma sequência básica de atividades. A


rotina diária é o planejamento do trabalho pedagógico, o que implica a organi-
zação do espaço físico, dos materiais e das atividades que serão realizadas. É
com a rotina que se coloca em prática o que foi previsto.

A rotina orienta a ação da criança, assegura a ela o dia-a-dia, possibilitando


que perceba e se situe na relação tempo-espaço, permitindo modi�cações,
sem necessariamente cair na mesmice, no repetir sempre o mesmo
(ABRAMOWICZ; WAJSKOP, 1999, p. 26).

A rotina é, ainda, um tempo para o inusitado, para o novo. O imprevisto tam-


bém implica em possibilidades de novas aprendizagens e novos desa�os na
organização do trabalho pedagógico. É importante saber que a existência da
rotina não implica realizarmos, igualmente, as mesmas atividades todos os
dias. A rotina deverá assegurar a interação do educador com as crianças e a
das crianças entre si.

Caberá ao educador organizá-la com criatividade, �exibilidade e compromisso


pro�ssional, pois a ausência de uma rotina, ou seja, o não planejamento do tra-
balho diário com as crianças, pode signi�car uma postura assistencialista e
doméstica.

Barbosa e Horn (2008) ressaltam que a organização espaço-temporal nas ins-


tituições de educação infantil depende da leitura que o educador faz do grupo
de crianças, isso tanto de suas necessidades quanto de sua realidade sociocul-
tural. Enfatizam a importância da participação ativa das crianças nos diferen-
tes momentos da rotina.

Baseando-nos nessas autoras, apresentaremos, a seguir, uma proposta de or-


ganização das atividades no tempo, nas instituições de educação infantil:

• Atividades diversi�cadas para livre escolha: não implica a ausência do


adulto; pelo contrário, requer a sua observação cuidadosa. Devem ser ofe-
recidos objetos, brinquedos e espaços às crianças, dando-lhes o direito de
escolha. Exemplos: brincadeiras individuais ou em grupos ou atividades
corporais, musicais, dramáticas, plásticas e de linguagem oral e escrita.
• Atividades opcionais: são realizadas coletivamente mediante os interes-
ses das crianças por determinado fato ou acontecimento. Exemplos: visi-
tas, teatros, festas comemorativas etc.
• Atividades coordenadas pelo adulto: geralmente, são realizadas coletiva-
mente, tanto nos espaços internos quanto nos externos da escola.
Exemplos: jogos, brincadeiras, construção do planejamento das ativida-
des do dia, projetos, histórias, pesquisas etc.

Como vimos, o adulto tem um papel muito importante no desenvolvimento


das crianças e, assim, o terá na organização do espaço e do tempo nas institui-
ções de educação infantil.

Em qualquer uma dessas situações, é imprescindível que a criança seja consi-


derada prioridade, autora de seu processo educacional. O estabelecimento de
vínculos afetivos e o respeito aos seus direitos e às fases de seu desenvolvi-
mento são requisitos básicos para a construção de tempos e de espaços que
promovam a construção de aprendizagens signi�cativas, diversi�cadas, desa-
�adoras e prazerosas.
13. Da organização dos conteúdos circulares à
organização do tempo e do espaço da educa-
ção infantil
Em suma, também foram vistos os conteúdos curriculares na educação infan-
til, e assim, devemos reconhecer que não deve haver dicotomia entre as áreas
de conhecimento e as áreas de desenvolvimento (físico, cognitiva, social, emo-
cional). Considerando as áreas de conhecimento, temos o trabalho com as
múltiplas linguagens (oral, escrita, plástica, matemática, musical, corporal),
pelas quais a criança pode se expressar e construir conhecimentos, interpre-
tando a realidade em que vive, e ampliando suas interações com o meio social
e físico. Há orientações sobre como o educador pode trabalhar com cada lin-
guagem na educação infantil. Possibilita também uma re�exão acerca da
Pedagogia de projetos didáticos, indicando como eles devem ser pensados e
desenvolvidos, e qual a sua função na aprendizagem das crianças.

Por �m, ressalta a organização do tempo e do espaço na educação infantil,


pois devemos levar em conta que o espaço físico re�ete de forma direta na
ação pedagógica, possibilitando sua maior ou menor efetividade. A sua orga-
nização também traz implícita a concepção de criança e de educação que a
instituição possui, e nesse sentido, há também a importância da organização
do espaço para que os campos de experiência preconizados pela BNCC sejam
promotores de desenvolvimento e aprendizagem. A organização do tempo im-
plica em se pensar em uma rotina que proporcione segurança, previsibilidade,
interações, ludicidade, e que garanta os direitos fundamentais da criança.

Para que você conheça ainda mais sobre a rotina, a organização do tempo, e também sobre outros aspec-
tos da organização curricular na educação infantil, sugerimos que assista aos vídeos: Educação Infantil -
High Scope - Rotina Diária (https://www.youtube.com/watch?v=ByqEIMsjHng) e Cuidar, educar e Brincar
(https://www.youtube.com/watch?v=s71QaTgNdiw), fazendo suas re�exões e comparações com a realida-
de brasileira.

Sugerimos, agora, que você dê uma pausa na sua leitura e re�ita sobre sua
aprendizagem realizando a questão a seguir.
14. Considerações
Os conteúdos estudados neste ciclo permitiram re�etir sobre a organização de
uma proposta curricular e, para tanto, cada instituição de educação infantil,
seja ela pública ou particular, deve levar em conta a sua realidade, sem des-
considerar as orientações e normas previstas na BNCC, e outros documentos
o�ciais regulatórios. Uma re�exão ética, pro�ssional e que considere os direi-
tos da criança contribuirão para a construção de currículos que garantam o
desenvolvimento da criança e construção de conhecimentos.
(https://md.claretiano.edu.br

/psideseducrijovadu-gs0056-fev-2022-grad-ead-p/)

Ciclo 4 – A Educação de Jovens e Adultos (EJA)

Ana Maria Tassinari


Maria Cecília Nogueira Garcia Pupin

Objetivos
• Caracterizar a educação de jovens e adultos compreendendo suas parti-
cularidades.
• Compreender a função e o papel do educador de jovens e adultos, pen-
sando na formação cidadã e consciente do público desta modalidade de
ensino.
• Veri�car como os aspectos socioafetivos da relação entre professor-
aluno in�uenciam na aprendizagem e na mediação dos conhecimentos.
• Compreender os processos didáticos envolvidos na EJA, caracterizando
o método Paulo Freire de Alfabetização.

Conteúdos
• Educação de Jovens e Adultos.
• Educador de Jovens e Adultos.
• Aspectos socioafetivos envolvidos na relação educador-aluno.
• Procedimentos didáticos na educação de jovens e adultos.

Problematização
Como a Educação de Jovens e Adultos pode ser caracterizada e quais são su-
as especi�cidades? Ao que se refere o saber sensível e o saber cotidiano na
EJA? Como deve ser o papel do educador atuante das classes de Educação de
Jovens e Adultos sobre a prática pedagógica, especialmente como formador
de cidadãos conscientes de seu papel na sociedade? Qual a importância dos
aspectos socioafetivos entre educador e educandos da Educação de Jovens e
Adultos na mediação da construção de conhecimentos? Por meio da educa-
ção de Jovens e Adultos quais são as reais possibilidades de avanços, de con-
quistar melhores condições de trabalho e de vida? Quais procedimentos di-
dáticos necessários a educação de Jovens e Adultos?

1. Introdução
Apesar do acesso e ingresso nas escolas terem aumentado nos últimos anos,
sabemos que as desigualdades sociais/econômicas sempre excluíram várias
pessoas da possibilidade de se capacitarem enquanto indivíduos e de forma
acadêmica. A Educação de Jovens e Adultos surge então, como proposta de
inclusão no contexto escolar, e concomitantemente no mercado de trabalho.
 Assim, neste ciclo, veremos quem são os alunos da EJA, como se de�ne a
educação de Jovens e Adultos, e quais os aspectos socioafetivos envolvidos na
relação educador-aluno, além de alguns procedimentos didáticos necessários
a esta modalidade de ensino.

Ainda, pensamos ser fundamental que você tenha alguns conhecimentos sobre o histórico
da Educação de Jovens e Adultos no Brasil, temática abordada neste ciclo e, dessa forma,
recomendamos a leitura do seguinte artigo: Visões da Educação de Jovens e Adultos no
Brasil (http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v21n55/5541.pdf).

2. A Educação de Jovens e Adultos: O


Educando, o Educador e os Aspectos
Socioafetivos da Relação
Os alunos da EJA são pessoas que não tiveram oportunidade de cursar o ensi-
no Fundamental ou Médio nos períodos destinados a tais, por variados moti-
vos: econômicos, experiências pessoais, evasão escolar, entre outros. A diver-
sidade é uma marca dos alunos que vão para a EJA, pois vivências pro�ssio-
nais, crenças, experiências de vida, idade, ritmo de aprendizagem são aspec-
tos que perpassam essas pessoas, e devem, portanto, ser considerados pelo
educador em suas ações pedagógicas.
Decorrente da globalização e dos recursos tecnológicos, o mercado de trabalho
está cada vez mais exigente e seletivo, requerendo pro�ssionais com capaci-
dade de transferência de conhecimentos, capacidade crítica, iniciativa, além
de relacionamento cooperativo. Assim, as pessoas com pouca ou nenhuma es-
colarização sentem, na pele, o crescimento das desigualdades e da injustiça
social, uma vez que são duplamente exclusas, isto é, não têm acessibilidade à
escola e, consequentemente, ao mercado de trabalho.

O problema da exclusão social, no Brasil, ao longo de sua história, tem gerado


nos sistemas educacionais grande impacto, pois, inacreditavelmente, milhões
de brasileiros ainda não se bene�ciam do ingresso nem da permanência na
escola.

Relatório divulgado pelo Movimento Todos pela Educação aponta que, em 2008,
quase 40% dos jovens com 16 anos ainda não tinham concluído o Ensino
Fundamental, ainda que a idade esperada para o término dessa etapa seja 14 anos
(TRIGUEIRO, 2010).

Apresentando-se bastante diversa e, ao mesmo tempo, complexa, a EJA apre-


senta características e especi�cidades que não podem ser, de forma alguma,
desconsideradas no cenário educacional.

Os alunos dessa modalidade de ensino, de acordo com o Conselho Nacional de


Educação (CNE) (2000, p. 9), podem ser de�nidos como:
[...] homens e mulheres, trabalhadores/ras, empregados/das e desempregados/das
ou em busca do primeiro emprego; �lhos, pais e mães; moradores urbanos de peri-
ferias, favelas e vilas. São sujeitos sociais e culturais marginalizados nas esferas
socioeconômicas e educacionais, privados do acesso à cultura letrada e aos bens
culturais e sociais, comprometendo uma participação mais ativa no mundo do tra-
balho, da política e da cultura. [...] Trazem a marca da exclusão social, mas são su-
jeitos do tempo presente e do tempo futuro, formados pelas memórias que os cons-
tituem enquanto seres temporais [...] Muitos, nunca foram à escola ou dela tiveram
que se afastar, quando crianças, em função da entrada precoce no mercado de tra-
balho, ou mesmo por falta de escolas. Jovens e adultos que, quando retornam à es-
cola, o fazem guiados pelo desejo de melhorar de vida ou por exigências ligadas ao
mundo do trabalho. São sujeitos de direitos, trabalhadores que participam concre-
tamente da garantia de sobrevivência do grupo familiar ao qual pertencem.

Mas quem realmente são esses alunos?

3. Educandos Jovens e Adultos e Escola


Para iniciarmos este tópico, é preciso conhecer quem é o alunado da EJA.

São pessoas que, na idade considerada ideal de estar no Ensino Fundamental,


foram impedidas por algum motivo de continuar seus estudos. Os motivos pa-
ra tal afastamento da escola são vários, como, por exemplo, alto índice de re-
provação, falta de estímulo em permanecer na escola e, especialmente, neces-
sidade de ingressar no mercado de trabalho para auxiliar no sustento da casa.

A �m de melhor compreender o que estamos falando, vamos conhecer a histó-


ria de Josué e de Esmeralda:
História de Josué e Esmeralda
Josué tem 17 anos, nasceu num povoado perto de Paulo Afonso, no norte da Bahia.
É o quarto dos seis �lhos de um pequeno sitiante conhecido como Dô e de Das
Dores, uma mulher decidida que acompanha o marido, todos os dias, no serviço da
roça.
Josué não foi à escola quando criança porque a família precisava da ajuda dele no
cuidado com os animais: algumas galinhas, alguns porcos, dois cavalos e três va-
cas. Os irmãos mais velhos aprenderam a ler com uma professora que morava no
povoado. Quando chegou a vez de Josué, a professora mudou de cidade e a escola
mais próxima �cava muito longe.
O irmão mais velho resolveu procurar trabalho numa cidade com mais recursos e
foi para Itabuna. Josué, que na época tinha 14 anos, foi junto.
Sem encontrar emprego, mudaram para Vitória da Conquista. Lá o irmão trabalha
como pedreiro e, dependendo do serviço, leva Josué para ser ajudante. Perto de on-
de moram há uma escola que todas as noites enche de jovens. Josué se animou
porque sentia na pele como é dura a vida de quem nem sabe ler. Ele é agora um alu-
no da EJA.
Esmeralda é mineira de Montes Claros. Foi criada pela avó, que só colocou a meni-
na na escola quando ela já tinha 10 anos. Esmeralda parecia imensa ao lado de
seus colegas de menos idade. Isso era motivo de muita gozação. A professora pare-
cia ensinar bastante, mas ela aprendia pouco. Foi reprovada duas vezes na mesma
série e sua avó achou que ela não dava para o estudo. Casou com 16 anos e logo vie-
ram os �lhos: Jacira, Helena, Selma, Geraldo, Benedito, Graça e Aparecida. Cuidar
da casa e dos �lhos consumiu todo seu tempo. Mas os meninos foram à escola:
Graça é professora, Benedito e Geraldo são motoristas, Jacira trabalha num escritó-
rio como secretária e Aparecida está no colegial. Com os �lhos criados e viúva,
Esmeralda descobriu que podia realizar um dos seus sonhos: ir à escola para
aprender o que sempre quis: ler, escrever, entender tudo que escuta, fazer as contas
do que gasta e muitas coisas mais. Ajudada pelos �lhos saiu à procura da escola
mais perto de sua casa. E está muito feliz, dizendo que estudar “é melhor do que po-
dia imaginar (BRASIL, 2006, p. 3-4).

Ao retornar a seus estudos após um período afastada da escola, a visão de


mundo dessa pessoa é bastante diferenciada. Como protagonistas principais
de suas histórias e experiências vividas, homens e mulheres chegam à escola
com valores e crenças constituídos.

A EJA recebe alunos e alunas:


com traços de vida, origens, idades, vivências pro�ssionais, históricos escolares,
ritmos de aprendizagem e estruturas de pensamento completamente variados. A
cada realidade corresponde um tipo de aluno e não poderia ser de outra forma, são
pessoas que vivem no mundo adulto do trabalho, com responsabilidades sociais e
familiares, com valores éticos e morais formados a partir da experiência, do ambi-
ente e da realidade cultural em que estão inseridos (BRASIL, 2006, p. 4).

Jovens e adultos, ao escolher o caminho da escola, viabilizam uma via oportu-


na para promover seu desenvolvimento pessoal. Perceba a fala de Marcelo,
aluno da EJA:

O meu maior desejo é poder terminar meus estudos, fazer um curso técnico ou
mesmo uma faculdade, pois já estou percorrendo metade do caminho dos meus de-
sejos. Espero da vida a capacidade in�nita de realizar com êxito qualquer tarefa e
decidir agir com otimismo e autocon�ança, porque dias prósperos não vêm por
acaso, nascem através de muita luta e persistência (BRASIL, 2006, p. 5).

Podemos reconhecer, assim, que os alunos e as alunas da EJA têm uma visão
de mundo in�uenciada por seus traços culturais de origem, entrelaçados à sua
vivência social, familiar e pro�ssional.

Podemos dizer que eles trazem uma noção de mundo mais relacionada ao ver e ao
fazer, uma visão de mundo apoiada numa adesão espontânea e imediata às coisas
que vê. Ao escolher o caminho da escola, a interrogação passa a acompanhar o ver
desse aluno, deixando-o preparado para olhar. Aberto à aprendizagem, eles vêm pa-
ra a sala de aula com um olhar que é, por um lado, um olhar receptivo, sensível, e,
por outro, é um olhar ativo: olhar curioso, explorador, olhar que investiga, olhar que
pensa (BRASIL, 2006, p. 5).

Isso �ca muito claro nas palavras de Diocrésio, aluno da EJA, conforme Brasil
(2006, p. 5-6):

Acredito que duas das minhas melhores qualidades são a perseverança e a espe-
rança, porque já passei por inúmeras di�culdades, mas hoje sou melhor que ontem.
Com as di�culdades a gente aprende a valorizar as conquistas.
Especialmente no Brasil, a Educação de Jovens e Adultos está profundamente
ligada à situação de extrema pobreza e exclusão social de vários setores da
população. Todavia, esses alunos não devem e não podem ser caracterizados
de forma única, pois a diversidade cultural de nosso país proporciona traços
diferenciados de região para região.

Geralmente, acreditamos que a motivação principal que leva os alunos jovens


e adultos a querer retornar à escola seja somente a conquista de melhores
oportunidades pro�ssionais. Entretanto, faz-se necessário salientar que essa
não é única razão; outras oportunidades também são motivacionais para esse
alunado. Conforme Brasil (1996, p. 42), muitos alunos, quando questionados,
referem-se, também, como motivação:

[...] à vontade mais ampla de entender melhor as coisas, se expressar melhor, de ser
gente, de não depender sempre dos outros. Especi�camente as mulheres, referem-
se muitas vezes também ao desejo de ajudar os �lhos com os deveres escolares ou,
simplesmente, de lhes dar um bom exemplo.

Com relação aos adolescentes, estes, normalmente, retornam à escola após


um período de fracassos sucessivos e apresentam, portanto, con�itos com a
rotina escolar. Nesse caso, é papel do educador a reconstrução de um vínculo
favorável com a escola. Para isso, o professor deverá, em seu projeto pedagógi-
co, privilegiar os modos, os gostos e as expectativas característicos dessa eta-
pa de vida.

A imagem que os educandos têm da escola tem muito a ver com a imagem que têm
de si mesmos dentro dela. Experiências de fracasso e exclusão normalmente pro-
duzem nos jovens e adultos uma autoimagem negativa. Nos mais velhos, essa bai-
xa autoestima se traduz em timidez, insegurança, bloqueios. Nos mais jovens, é co-
mum que a baixa autoestima se expresse pela indisciplina e autoa�rmação negati-
va ("se não posso ser reconhecido por minhas qualidades, serei reconhecido por
meus defeitos") (BRASIL, 1996, p. 43).

Em qualquer um desses casos, ou seja, de pessoas mais jovens e de pessoas


mais velhas, será fundamental que o educador auxilie esses alunos a recons-
truir sua imagem da escola, das aprendizagens escolares e, especialmente, de
si próprios.

Neste momento, gostaríamos de fazer uma re�exão com você sobre a letra da
música a seguir, chamada É preciso saber viver, de Roberto Carlos (2010):

É preciso saber viver

Quem espera que a vida


Seja feita de ilusão
Pode até �car maluco
Ou morrer na solidão
É preciso ter cuidado
Pra mais tarde não sofrer
É preciso saber viver
Toda pedra do caminho
Você pode retirar
Numa �or que tem espinhos
Você pode se arranhar
Se o bem e o mal existem
Você pode escolher
É preciso saber viver
É preciso saber viver
É preciso saber viver
É preciso saber viver
Saber viver
saber viver!

Nessa música, podemos reconhecer que a vida é um eterno aprendizado.


Viver é aprender! Além de simplesmente viver, é preciso saber viver e, para
tanto, é necessário estar disposto a aprender sempre, pois qualquer momento
da vida é tempo de aprender.

A vida, tanto nas sociedades anteriores como na sociedade contemporânea,


oferece inúmeras oportunidades para desenvolvermos aprendizagens e, con-
sequentemente, formas de pensamentos autoconscientes e que transcendem
nosso contexto de vivência.

No entanto, não podemos negar que a escola é um lugar privilegiado para de-
senvolvermos o pensamento re�exivo. Isso porque, segundo Brasil (1996, p. 17),
"a escola é o lugar onde as pessoas vão para aprender coisas, tendo a oportuni-
dade de pensar sem estarem premidas pela necessidade de resolver proble-
mas reais imediatos".

Portanto, a escola é um espaço privilegiado para que todos os que a frequen-


tam tenham acesso à educação da cidadania, aprendendo a discutir e a parti-
cipar democraticamente, bem como a desenvolver a responsabilidade pessoal
pelo bem-estar comum.

Conhecimento já adquiridos
Os alunos que procuram tardiamente a escola já adquiriram vários conheci-
mentos ao longo de sua trajetória de vida. Entre esses conhecimentos, desta-
camos o "saber sensível" e o "saber cotidiano".

Caracterizado pela Filoso�a como um saber pré-re�exivo, o saber sensível


refere-se ao saber do corpo, fundamentado na percepção das coisas e do outro.
É um saber que todos nós possuímos, sustentado pelos cinco sentidos, embora
na vida moderna seja pouco valorizado. Tanto para crianças como para jovens
e/ou adultos, esse saber sensível viabiliza ao aluno abrir-se a um conheci-
mento mais formal e re�exivo.
Os alunos jovens e adultos, pela sua experiência de vida, são plenos deste saber
sensível. A grande maioria deles é especialmente receptiva às situações de apren-
dizagem: manifestam encantamento com os procedimentos, com os saberes novos
e com as vivências proporcionadas pela escola. Essa atitude de maravilhamento
com o conhecimento é extremamente positiva e precisa ser cultivada e valorizada
pelo(a) professor(a) porque representa a porta de entrada para exercitar o raciocínio
lógico, a re�exão, a análise, a abstração e, assim, construir um outro tipo de saber: o
conhecimento cientí�co.

Olhar, escutar, tocar, cheirar e saborear são as aberturas para nosso mundo interior.
Ler e declamar poesia, escutar música, ilustrar textos com desenhos e colagens, jo-
gar, dramatizar histórias, conversar sobre pinturas e fotogra�as são algumas ativi-
dades que favorecem o despertar desse saber sensível (BRASIL, 2006, p. 7).

Já o saber cotidiano, por sua própria natureza, con�gura-se, conforme Brasil


(2006, p. 07),

Como um saber re�exivo, saber da vida vivida, saber amadurecido, fruto da experi-
ência, nascido de valores e princípios éticos, morais já formados, anteriormente, fo-
ra da escola.

Esse saber origina-se da produção de soluções que seres humanos criam em


decorrência dos desa�os que enfrentam no dia a dia, caracterizando-se, assim,
como um saber aprendido e consolidado em modos de pensar e agir.

[...] fundado no cotidiano, é uma espécie de saber das ruas, frequentemente assen-
tado no "senso comum" e diferente do elaborado conhecimento formal com que a
escola lida. É também um conhecimento elaborado, mas não sistematizado. É um
saber pouco valorizado no mundo letrado, escolar e, freqüentemente, pelo próprio
aluno (BRASIL, 2006, p. 7).

Relacionados às práticas sociais, estão os conhecimentos que os alunos tra-


zem como bagagem cultural, que norteiam tanto os saberes cotidianos, como
também os saberes aprendidos na escola.
Educação de Jovens e Adultos (EJA)
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade especí�ca da
Educação Básica que visa atender a um público caracterizado por não ter cur-
sado, em sua infância ou adolescência, os Ensinos Fundamental ou Médio no
período destinado a essa atividade, seja pela oferta irregular de vagas, seja pe-
las inadequações do sistema educacional ou pelas condições socioeconômi-
cas desfavoráveis.

Ressaltamos que a Educação de Jovens e Adultos não é supletiva. A função


suplência desapareceu desde que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional n. 9.394/96, compatibilizada com a Constituição Nacional, reconhe-
ceu que todo cidadão brasileiro, sem exceção de faixa etária, sexo, religião, et-
nia ou cor, tem direito a oito anos de ensino se assim o quiser.

Dessa forma, essa modalidade de educação merece tratamento diferenciado e


necessita de uma metodologia especí�ca. Nos cursos supletivos (com carga
horária reduzida), é ainda mais difícil superar tais di�culdades, de modo a fa-
vorecer a inserção do aluno na cultura cientí�ca. No caso do jovem com mais
de 14 anos, �ca sob sua responsabilidade fazer ou não a opção pelo exercício
da titularidade de seu direito.

A motivação no ensino de adultos torna-se imprescindível e fundamental pa-


ra seu êxito, uma vez que o adulto não é obrigado a estudar.

Por esse motivo, a di�culdade para o aprendizado muitas vezes está associada
à falta de motivação do aluno em virtude da falta de tempo dedicado ao estu-
do, da indiferença de professores quanto aos seus problemas pessoais e da fal-
ta de clareza e objetividade dos docentes em apresentar os conteúdos na sala
de aula.

A educação para todos, tanto na Educação Básica como na educação continu-


ada, no sentido de melhorar a qualidade de vida, deve oportunizar à pessoa o
desenvolvimento de potencialidades, para que trabalhe com dignidade, saiba
tomar decisões, resolver problemas e, em especial, continuar aprendendo.
De acordo com a Declaração Mundial de Educação para Todos:

Na perspectiva de uma educação continuada, a escola deverá mover-se em sinto-


nia com os quatro pilares da educação para o século XXI, de modo a permitir, aos
seus educandos, o desenvolvimento das habilidades de aprender a conhecer,
aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver, as quais possibilitarão o
exercício de suas capacidades intelectuais e coletivas, ampliando as oportunidades
educacionais e aperfeiçoando as suas quali�cações técnicas e pro�ssionais,
direcionando-as para a satisfação de suas necessidades e as da sua sociedade
(DECLARAÇÃO MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS in VÓVIO et al., 2000, p. 73).

Nesse contexto, de acordo com Moretto (2000, p. 97a), a escola assume papel
importantíssimo,

[...] ao selecionar criteriosamente, dentre todos os conhecimentos desenvolvidos,


aqueles relevantes para a iniciação dos jovens no mundo social. Ao mesmo tempo,
exerce seu papel transformador ao preparar criticamente os jovens, capacitando-os
a analisar sua sociedade, avaliar as relações existentes, equacionar seus problemas
e propor transformações.

À medida que concebe o conhecimento como historicamente construído, co-


mo mediadora entre o conhecimento e os alunos, bem como entre estes e o
mundo social adulto, a escola almeja atuar como elo integrador no cotidiano
escolar, no trabalho e no meio social.

Desse modo, para o professor, torna-se relevante compreender a sala de aula


como espaço privilegiado para as interações que nela ocorram, seja entre pro-
fessor/aluno, seja entre aluno/aluno, viabilizando a construção do conheci-
mento. Lembramos que, na formação das capacidades cognitivas e afetivas de
nossos alunos, as interações assumem papel importantíssimo.

4. Educador de jovens e adultos


Algumas das qualidades indispensáveis ao educador de jovens e adultos são:
a con�ança na capacidade de todos em aprender e ensinar, a capacidade de
solidarizar-se e a disposição de enfrentar as di�culdades como desa�os esti-
mulantes. Assumindo tal postura, torna-se imprescindível conhecer seus alu-
nos, bem como suas expectativas, sua cultura e suas necessidades de aprendi-
zagem.

Nessa modalidade de ensino, tanto o professor como o aluno devem ser carac-
terizados como “trabalhadores". Essa condição se apoia nas raízes histórico-
culturais em que se foram formando como "ser humano-social".

No processo de apropriação dos resultados da prática social, a ação do profes-


sor deve ser mediadora, pois:

[...] o indivíduo forma-se, apropriando-se dos resultados da história social e


objetivando-se no interior dessa história, ou seja, sua formação realiza-se através
da relação entre objetivação e apropriação. Essa relação efetiva-se sempre no inte-
rior de relações concretas com outros indivíduos, que atuam como mediadores en-
tre ele e o mundo humano, o mundo da atividade humana objetivada. A formação
do indivíduo é, portanto, sempre um processo educativo, mesmo quando não há
uma relação consciente (tanto de parte de quem se educa, quanto de parte de quem
age como mediador) com o processo educativo que está se efetivando no interior de
uma determinada prática social (DUARTE apud BASSO, 1998, p. 8).

Esclarecemos que esse processo de mediação, realizado pelo professor entre o


aluno e a cultura, independe do nível de escolaridade e da idade do aluno.
Contudo, cada modalidade de ensino tem sua própria especi�cidade.

Para que essa mediação se torne efetiva, o educador da EJA precisa apropriar-
se das condições sócio-históricas de produção em que os alunos e ele próprio
se constituíram como seres sociais, ocupando uma posição na sociedade e no
mundo do trabalho atual.

Para a atividade docente, faz-se necessário conhecer o aluno e ter consciência


daquilo que ele idealiza. Isso se torna ainda mais importante quando falamos
de Educação de Jovens e Adultos, pois essa modalidade de ensino é destinada
às pessoas para as quais a vida foi, de certa forma, injusta.

Professores competentes e compromissados são indispensáveis para a uni-


versalização da educação, para o bom funcionamento da Educação Básica e
para a erradicação do analfabetismo. Isso inclui a modalidade de ensino EJA.

A formação docente e, especialmente, a quali�cação para educar jovens e


adultos têm sido incipientes, uma vez que, ainda hoje, há pessoas que acredi-
tam que basta apenas ter a experiência em ensinar crianças para desenvolver,
em uma sala de aula de jovens e adultos, as mesmas metodologias e avalia-
ções.

Nos cursos oferecidos pelas instituições formadoras, tanto em nível médio ou su-
perior, sentimos a necessidade de aprofundamentos teórico-práticos no que se refe-
re à educação de jovens e adultos, presente na fragilidade da formação do professor,
devido à não inclusão da EJA nos currículos das instituições, bem como a di�cul-
dade de colocar em prática os princípios políticos e pedagógicos defendidos pela
EJA, por falta de subsídios que deveriam ter sido adquiridos no curso de formação
(MOURA, 2003, p. 63).

Não podemos negar que algo comum entre esses alunos, sejam jovens, sejam
adultos, é o fato de eles serem alunos/trabalhadores que têm somente o perío-
do noturno para se dedicar aos estudos. Desse modo, os professores que atuam
nessa modalidade devem buscar metodologias de ensino atraentes e apropria-
das.

Conforme Cury (2000, p. 56):

Não perceber o per�l distinto destes estudantes e tratar pedagogicamente os mes-


mos conteúdos como se tais alunos fossem crianças ou adolescentes seria contra-
riar mais do que um imperativo legal. Seria contrariar um imperativo ético.

Diante disso, como já foi dito, é importante que o professor da EJA seja capaz
de se solidarizar com os alunos, demonstrando con�ança tanto na capacidade
de aprender e ensinar como a disposição de encarar di�culdades como desa�-
os estimulantes.
Coerentemente com essa postura, é fundamental que esse educador procure conhe-
cer seus educandos, suas expectativas, sua cultura, as características e problemas
de seu entorno próximo, suas necessidades de aprendizagem. E, para responder a
essas necessidades, esse educador terá de buscar conhecer cada vez melhor os
conteúdos a serem ensinados, atualizando-se constantemente. Como todo educa-
dor, deverá também re�etir permanentemente sobre sua prática, buscando os mei-
os de aperfeiçoá-la (BRASIL, 1996, p. 46).

Compreendendo seu próprio processo de aprendizagem, jovens e adultos esta-


rão mais aptos a auxiliar outras pessoas a aprender, uma vez que muitas des-
sas pessoas já desempenham o papel de educadores na família, no trabalho e
na comunidade.

Ressaltamos que é de responsabilidade do educador da EJA favorecer acesso


dos alunos aos diversos materiais educativos, como jornais, revistas, livros,
cartazes, textos, vídeos etc., pois, muitas vezes, estes pertencem a grupos soci-
ais desfavorecidos economicamente, tendo pouco acesso às fontes de infor-
mação.

Para tanto, o educador deverá atualizar-se e re�etir sobre sua prática, constan-
temente, a �m de compreender e conhecer melhor os conteúdos a serem ensi-
nados.

O educador deve, ainda, com relação aos objetivos e conteúdos educativos, in-
tegrantes de um projeto pedagógico, de�nir com clareza as estratégias preten-
didas, auxiliando os alunos em seu processo de aprendizagem; uma vez base-
ado no pressuposto da diversidade, encontrará em uma mesma turma alunos
com bagagens culturais diferenciadas.

Para que os alunos possam avaliar e compreender seu próprio processo de


aprendizagem, é especialmente importante que o educador de jovens e adultos
avalie, constantemente, seus progressos e carências, a �m de colaborar efeti-
vamente para sua autonomia.

Finalmente, os educadores devem estar atentos, pautando-se no princípio de


que o processo educativo não se encerra no espaço e no período da aula pro-
priamente dita. Isso signi�ca que o convívio em uma escola ou em outro tipo
de centro educativo, para além da assistência às aulas, pode ser uma impor-
tante fonte de desenvolvimento social e cultural.

Perceba que a prática do professor representa o eixo central de sua formação


continuada, uma vez que, com base nela e nos problemas que emergem na sa-
la de aula, o conhecimento teórico se torna signi�cativo como instrumento
primordial na re�exão do seu fazer pedagógico.

Há que se utilizar a vivência do adulto no trabalho, o que lhe permitiu condições de


sociabilidade e aprendizado especí�co de determinados conteúdos, com base para
o ensino dos conteúdos regulares a serem aprendidos, tornando a aprendizagem
signi�cativa para ele (CARVALHO; SENA, 2000, p. 102).

Assim, é importante que o professor traga para a sala de aula situações reais
vividas por seus alunos, tendo em vista que a vontade do adulto em aprender
os conteúdos curriculares está vinculada à compreensão que tem de sua apli-
cabilidade para enfrentar melhor seus problemas pessoais e pro�ssionais.

Portanto, o adulto tem vontade de aprender o que está relacionado às suas pró-
prias experiências, ou seja, seus interesses pessoais, pois "aprender é construir
explicações para a realidade, num processo ativo e criativo de resolução de
problemas" (ROCHA apud CAMPOY, 2002, p. 1).

Isso signi�ca que, para o professor de EJA, se torna necessário problematizar


as situações que os adultos trazem para a sala de aula, a �m de aguçar seu ra-
ciocínio e fomentar o interesse pela aprendizagem, evitando dizer que as res-
postas emitidas por eles estão erradas.

Com essa postura, o professor tenta ver nos erros de seus alunos um impor-
tante instrumento mediador de aprendizagem.

De acordo com Ribeiro (1997,p. 47-48), dentre os principais objetivos da


Educação de Jovens e Adultos, podemos destacar que os alunos sejam capa-
zes de:
• Dominar instrumentos básicos da cultura letrada, que lhes permitam melhor
compreender e atuar no mundo em que vivem.
• Ter acesso a outros graus ou modalidades de ensino básico e pro�ssionali-
zante, assim como a outras oportunidades de desenvolvimento cultural.
• Incorporar-se ao mundo do trabalho com melhores condições de desempe-
nho e participação na distribuição da riqueza
• Valorizar a democracia, desenvolvendo atitudes participativas, além de co-
nhecer direitos e deveres da cidadania.
• Desempenhar, de modo consciente e responsável, seu papel no cuidado e na
educação das crianças, no âmbito da família e da comunidade.
• Conhecer e valorizar a diversidade cultural brasileira, respeitar diferenças de
gênero, geração, raça e credo, fomentando atitudes de não-discriminação.
• Aumentar a autoestima, fortalecer a con�ança na sua capacidade de aprendi-
zagem, valorizar a educação como meio de desenvolvimento pessoal e social.
• Reconhecer e valorizar os conhecimentos cientí�cos e históricos, assim co-
mo a produção literária e artística como patrimônios culturais da humanida-
de.
• Exercitar sua autonomia pessoal com responsabilidade, aperfeiçoando a con-
vivência em diferentes espaços sociais.

Tal educação deve contribuir oferecendo alternativas de atuação e interven-


ção que proporcionem ao aluno condições de atingir um nível de desenvolvi-
mento correspondente à sua faixa etária.

5. Aspectos socioafetivos
Para Almeida (1999), a afetividade faz-se também presente quando o professor
conhece, escuta e conversa com seus alunos. Esses são os componentes mais
presentes nas práticas desses professores e, provavelmente, a motivação mai-
or que seus alunos têm para não desistir de estudar.

Compartilhando com o pensamento de Snyders (1993), de que, para o aluno, o


conhecimento é trazido pela afetividade, Cunha (1994, p. 70) a�rma que:

[...] as atitudes e valores dos professores que estabelecem relações afetivas com os
alunos repetem-se e intrincam-se na forma como tratam o conteúdo e nas habili-
dades de ensino que desenvolvem.

É por meio da afetividade que têm com seus alunos que esses professores vêm
conseguindo avanços na aprendizagem. Cada aluno traz sua história de can-
saço, de tristezas e de decepções. São histórias vividas na aspereza, na pobre-
za, nos direitos negados, no salário que mal dá para sobreviver e, especial-
mente, na educação subtraída. Isso se re�ete no emocional do professor, que
se preocupa em saber por que seus alunos faltaram, em como foi o �m de se-
mana etc.

Essa relação cria vínculos de amizade e a certeza de que os alunos podem


contar com uma palavra amiga, com um gesto de solidariedade, bem como faz
que esses adultos mantenham acesa a chama da esperança em melhores dias,
sonhados e esperados pela conclusão de seus estudos.

Reconhecer o adulto como pessoa autônoma, com experiências de vida dife-


renciada do professor e (re)conhecer que, acima de tudo, em sua conquista co-
tidiana, há desa�os sempre novos é mostrar-se afetivo com o adulto.

Textos complementares
A leitura dos textos seguintes será de grande importância, pois ajudará você a
compreender a importância da EJA na vida dos jovens e adultos.

O Texto 1 revela a realidade da EJA: os alunos buscam a escola para satisfazer


necessidades particulares e para se integrar à sociedade letrada da qual fazem
parte por direito, mas da qual não podem participar plenamente quando não
dominam a leitura e a escrita.

Texto 1 - A procura pela escola 

Sabemos que a procura de jovens e adultos pela escola não se dá de forma


simples. Ao contrário, em muitos casos, trata-se de uma decisão que envolve
as famílias, os patrões, as condições de acesso e as distâncias entre casa e es-
cola, as possibilidades de custear os estudos e, muitas vezes, trata-se de um
processo contínuo de idas e vindas, de ingressos e desistências. Ir à escola, pa-
ra um jovem ou adulto, é antes de tudo um desa�o, um projeto de vida.

Além disso, a escola que os alunos têm em seu imaginário, aquela que conhe-
cem porque já passaram por ela anos atrás ou porque acompanham o cotidia-
no de seus �lhos, nem sempre é aquela com que se deparam nos primeiros di-
as de aula. Nesses casos, esperam encontrar o modelo tradicional de escola,
ou seja, um lugar onde predominam aulas expositivas, com pontos copiados
da lousa, onde o(a) professor(a) é o único detentor do saber e transmite conteú-
dos que são recebidos passivamente pelo(a) aluno(a). Esperam muita lição de
casa porque acreditam que a quantidade de treino leva a boa aprendizagem.
Especialmente, os alunos mais velhos se mostram resistentes à nova concep-
ção de escola que os coloca como sujeitos do processo educativo, que espera
deles práticas ativas de aprendizagem. Muitos, ao se depararem com uma au-
la na qual são convidados a pensar juntos, em grupo; a resolver desa�os dife-
rentes dos exercícios mais convencionais; a ler textos literários; a aprender
com a música, a poesia, o jornal; a fazer matemática com jogos e cálculos di-
versos, construir projetos; estranham, resistem e acreditam não ser esse o ca-
minho para aprender o que a escola ensina.

Neusa, uma aluna de EJA, descreve bem esse quadro:

“Na primeira semana de aula, eu estava muito assustada, não entendia nada, tudo era dife-
rente. Cheguei até a pensar em desistir, mas criei coragem e continuei, e hoje estou muito
feliz.”

Este cenário poderá ser transformado na medida em que a escola investir no


acolhimento desse(a) aluno(a), que é alguém especialmente receptivo à apren-
dizagem, repleto de curiosidade e que vai para a sala de aula desejoso de novas
experiências. Da parte do(a) aluno(a), como bem pudemos ver no depoimento
de Neusa, ele(a) também precisa ajustar suas expectativas à realidade que en-
contra quando volta para a escola, um desa�o que, por vezes, mostra-se custo-
so demais, incorrendo, em muitos casos, no abandono, em nova desistência.

A aluna Nilda, de 28 anos, ao ingressar numa escola de EJA, �cou surpresa ao


saber que teria de assistir a aulas de artes. Com o tempo, através da experiên-
cia obtida no curso, seu olhar sobre a escola se transformou:

“Quando estudei na escola, a educação artística era uma coisa mecânica, não dava prazer
em estudar. Mas fui obrigada a mudar de opinião ao ingressar nesse colégio [...] De tudo que
aprendi, sei que educação artística não se limita somente à régua e compasso. Existe muito
além dos limites de simples traçados. Digamos que a arte é in�nita e maravilhosa. Simples,
completa e fascinante”.

Nesse sentido, além do aumento da oferta de vagas, é preciso considerar as


condições de permanência do(a) aluno(a) jovem e adulto na escola, bem como
aquelas que lhe permitam concluir a escolarização. Grande parte dos alunos
jovens e adultos que buscam a escola espera dela um espaço que atenda às su-
as necessidades como pessoas e não apenas como alunos que ignoram o co-
nhecimento escolar. Por outro lado, todos eles acreditam que a escola possa
imprimir-lhes uma marca importante e por isso apostam nela.

[...] A professora Suemi, de São Paulo, começou o seu trabalho com uma gran-
de conversa. Cada um falando de si, de suas histórias, de suas famílias. Num
dado momento da conversa, a professora jogou a questão: por que procuraram
a escola? Algumas das respostas que ouviu são bastante intrigantes. Vejamos
um trecho do registro feito por ela, sobre essa conversa:

“Por que procurei a escola?"

Nenhuma palavra era vã, cada uma vinha carregada e repleta de seu sentido
essencial. O discurso era interior e todos estavam como num transe. A reali-
dade de um se confundia com a diferença do outro numa busca comum:

“... quero poder escrever o que eu penso”, 15 anos, mulher.

“... quando tem um sistema novo pra pôr no carro, tenho que pedir pra alguém
ler e explicar”, 22 anos, homem.

“... ler as placas, os ônibus, sair da cidade”, 25 anos, homem.

“...Não dá pra melhorar o meu negócio”, 32 anos, mulher.

“...nas paradas da tropa, meu pai me ensina em pedaços de jornal”, 48 anos,


homem.

“... saber o que está escrito num livro, numa placa, num bilhete”, 62 anos, mu-
lher.

“...poder escrever e ler uma carta. O que está escrito na nota �scal que eu levo
da loja”, 27 anos, homem.

“... passar no teste para um emprego melhor”, 27 anos, homem.

A escola aparece como um direito roubado nos tempos do esconde-esconde e


hoje resgatado com o passo lento do reumatismo, com as noites sem namoro e
com a ausência na mesa do jantar. Os homens voltaram mais cedo e as mu-
lheres primeiro formaram seus �lhos. Nas falas, aparece a própria sociedade
na sua crueza e a esperança apesar e ainda um aleijão não saber ler e escrever,
como uma dor, uma deformidade” (BRASIL, 2010).

O Texto 2 propõe a diversidade de origens do alunado da EJA.

Texto 2 - As diferentes raízes culturais

Nos centros urbanos, um traço presente nas classes de educação de jovens e


adultos é o da diversidade de origens. Encontram-se, nos espaços da sala de
aula, pessoas que migraram de suas cidades de origem em busca de melhores
condições de vida, trabalho, moradia, estudos e de novas oportunidades. O mo-
vimento migratório, que data de décadas, teve seu auge nos anos de 1960 e
1970 e continua levando um sem-número de famílias ou pessoas a �ncarem
raízes noutros espaços, a mergulharem em outras culturas.

Especialmente nas metrópoles das regiões Sul e Sudeste é comum que uma
sala de EJA componha um retrato do Brasil: os traços físicos, modos de falar,
agir e reagir, formas de lazer, preferências culinárias ou musicais dos alunos
nos remetem a todos os cantos do país. Esse quadro é revelador, inclusive, da
enorme riqueza da cultura brasileira marcada pela diversidade, pela pluralida-
de.
Noutras regiões, é comum encontrarmos alunos e alunas que saíram do cam-
po, de um espaço rural, e dirigiram-se para a cidade “para continuar os estu-
dos” ou “para arrumar um trabalho �xo”.

Se a origem de nossos alunos é diversa, naturalmente, o acúmulo e a bagagem


cultural deles também são. Quando falamos em cultura estamos nos referindo
ao conjunto de ações, elaborações, construções, produções e manifestações de
um grupo de pessoas, que se dá por meio e através de múltiplas linguagens e
pode ser identi�cado na forma de falar, atuar, reagir, pensar e expressar de ca-
da pessoa desse grupo. Especi�camente no caso dos alunos e alunas jovens e
adultos, referimo-nos a uma cultura popular do fazer, que se aprende fazendo
e vendo fazer. Ela possui uma dimensão muito pragmática, voltada para a
ação, que gosta de se movimentar e fazer junto uma construção marcadamen-
te compartilhada e coletiva.

O conjunto cultural formado pelas pessoas que se encontram numa mesma


série, numa sala de aula, é, então, extremamente rico. A cultura marca a visão
de mundo e é a base onde a construção de conhecimentos vai se dar.

Para relembrar as raízes dos alunos e alunas, a professora Leda, de São Paulo,
usou o tema alimentação e suas memórias afetivas como foco de interesse pa-
ra estimular os jovens e adultos a escrever com naturalidade e �uência. Esses
textos, impregnados pelo poder sensorial da comida de infância, também res-
gatam tradições culinárias antigas, que se perdem na memória, pois Leda sen-
te que os alunos migrantes se acostumam com os hábitos de São Paulo muito
depressa.

Com os textos produzidos, ela montou um livro de receitas da classe. Na apre-


sentação do livro, Leda escreveu:

“Neste livro estão reunidas algumas das memórias mais queridas e, por que
não?, doloridas de nossa experiência alimentar de quando ainda éramos bas-
tante jovens. Estas lembranças ajudam-nos a compreender os costumes ca-
seiros do povo do qual fazemos parte, nascidos em diferentes regiões do país.
[...] Essa memória gastronômica aqui registrada vai carinhosamente contando
nossa vida e revelando-nos enquanto seres fazedores de História.
Esperamos, com isso, trazer um pouco mais de felicidade para os momentos,
hoje fugazes, em que parentes e amigos se reúnem em torno à mesa. Privilégio
que vivemos naqueles tempos”.

Abaixo estão alguns trechos dos textos escritos pelos alunos:

“Prato bom era caranguejo servido com arroz e feijão com leite com farinha adoçado, do la-
do. E eu gostava quando o caranguejo tinha ova. Era uma delícia.”

“Comida boa, também, era quando minha mãe ganhava neném. Era um pirão de galinha
caipira bem gostoso. Quem fazia era meu pai, mas ele fazia com tanto capricho que de longe
se podia sentir o cheiro daquela comida. Quando �cava pronto, o pai me mandava levar a
comida no quarto para a mãe. E ele já deixava a minha parte na panela. Eu voltava corren-
do para a cozinha e meu pai colocava um pouco de arroz naquela panela com o �nal do pi-
rão.
Eu pegava a panela e ia para o quarto fazer companhia para minha mãe. Não podia sentar
na cama dela e �cava no chão, perto dos pés da cama.”

“Bom também era carne-de-sol assada na brasa e piabinhas que eu mesmo pescava no cór-
rego. E salada de folhas de couve crua, com arroz e feijão. Minha mãe fazia cortado de abó-
bora com quiabo e carne de sol picada em pedacinhos e minha avó, biju de tapioca com co-
co moído; e �cava delicioso, puro ou com margarina e café.”

“Eu comia de tudo, até manga verde com sal ou açúcar. Ou leite com farinha de milho. A
mãe levantava de manhã e tirava o leite da cabra, depois coava num pano e fervia numa
panela. Com farinha bem torradinha e um pedaço de rapa-dura! Hum!”

“O prato mais delicioso... virado de banana com queijo! Lembro-me que meu pai adorava.
Mas tinha que ser com bastante queijo!

"Receita: oito bananas nanicas, bem maduras, três ovos, 1 xícara de açúcar, quilo de queijo
meia-cura, três copos de farinha de milho e uma pitada de sal. Primeiro colocava uma co-
lher de óleo na panela, depois as bananas e os ovos; mexia, juntava a farinha, mexia, até
misturar tudo. Em seguida, os pedaços de queijo picado e, por último, o açúcar. Mexia tudo
até o queijo derreter e desgrudar um pouco da panela. Servia ainda um pouco quente.”

“O que me lembro do bolo de milho é que ela colocava milho no pilão e socava com a mão
do pilão até que se tornasse fubá. Passava pela peneira várias vezes até obter um fubá bem
�no. Depois colocava em uma panela de barro leite de coco, ovos, açúcar, cravo e canela e
levava ao fogão que era de lenha, até se transformar em angu. Feito isso, colocava toda
aquela massa em uma assadeira e levava ao forno de barro, que havia no fundo do quintal.
Para assar. Eu me lembro que ela tirava aquela assadeira do forno e regava o bolo com leite
de coco. O bolo �cava com uma casquinha dourada! Comíamos as fatias de bolo com café.”

“Se minha mãe ou meu pai convidassem alguém importante para almoçar na minha casa,
era preciso matar um peru para satisfazer os convidados. Além do peru era preciso fazer
um frango ou uma galinha caipira para fazer galinha cabidela, que é o nome do prato feito
lá em Pernambuco.”

“A galinha, a gente pegava na hora, viva, e cortava o pescoço dela e aparava o sangue em
uma vasilha e reservava. Enquanto isso, preparava a galinha com vários tipos de tempero.
De preferência, coentro, sal, cebola e vinagre. Depois batia o sangue da galinha num liqüidi-
�cador e colocava por cima da galinha já na panela e misturava até o caldo �car escuro.
Feito isso, era só tampar a panela e esperar a galinha cozinhar. Depois, servir com feijão, ar-
roz e salada. De preferência com tomatinhos pequenos, como os que a gente plantava e co-
lhia na hora que ia comer.”

“Acho que a professora conseguiu o que queria, deixei para trás montes de exemplos, nin-
guém resiste à lembrança de um lambari sequinho passado na farinha ou fubá e frito na
hora” (BRASIL, 2010).

O Texto 3 aborda o fracasso escolar e como o papel do(a) professor(a) de EJA é


determinante para evitar que esse fracasso ocorra novamente.

Texto 3 - As marcas da exclusão 

A condição socioeconômica
Os homens, mulheres, jovens, adultos ou idosos que buscam a escola perten-
cem todos a uma mesma classe social: são pessoas com baixo poder aquisiti-
vo, que consomem, de modo geral, apenas o básico à sua sobrevivência: alu-
guel, água, luz, alimentação, remédios para os �lhos (quando os têm). O lazer
�ca por conta dos encontros com as famílias ou dos festejos e eventos das co-
munidades das quais participam, ligados, muitas vezes, às igrejas ou associa-
ções. A televisão é apontada como principal fonte de lazer e informação.
Quase sempre seus pais têm ou tiveram uma escolaridade inferior à sua.

A compreensão dessa realidade levou Paulo Freire, ainda nos anos de 1960, a
reconhecer o analfabetismo como uma questão não só pedagógica, mas tam-
bém social e política. É a mesma sabedoria de Freire que nos mostra que edu-
car a favor dos pobres é educar para a transformação da sociedade geradora
da pobreza.

A baixa autoestima

Uma característica frequente do(a) aluno(a) é sua baixa autoestima, muitas


vezes reforçada pelas situações de fracasso escolar. A sua eventual passagem
pela escola, muitas vezes, foi marcada pela exclusão e/ou pelo insucesso esco-
lar. Com um desempenho pedagógico anterior comprometido, esse aluno volta
à sala de aula revelando uma autoimagem fragilizada, expressando sentimen-
tos de insegurança e de desvalorização pessoal frente aos novos desa�os que
se impõem.

Luciane, 34 anos, aluna de EJA, abandonou a escola ainda criança, depois de


sucessivas reprovações. Ela lembra como se sentia numa sala de aula da 4ª
série, quando tinha 10 anos:

“Eu tinha medo de ir à escola, me dava um frio na barriga. Tentava prestar atenção na aula,
mas entendia tudo pela metade. Tentei participar das aulas, algumas vezes, mas minhas
perguntas sempre causavam risos e a professora nunca falava nada. Tinha vergonha de
não saber!”

Será que o fracasso escolar está na inaptidão dos alunos ou é gerado pela
própria escola?
Esta não é uma pergunta fácil de responder. O fracasso escolar é hoje objeto de
estudos das áreas da Educação e da Psicologia. Suas causas apontam para
uma diversidade e complexidade de fatores, ligados ao psiquismo do aluno:
forma como ele interage com o ambiente escolar, modo como estabelece rela-
ções com o saber e com o aprender, seu relacionamento com os professores e
com os colegas, suas relações familiares, os vínculos que constrói com o co-
nhecimento etc.; à estrutura da escola: as características, o modelo pedagógico
adotado, o per�l dos professores etc.; a uma dimensão social ampla: políticas
públicas de educação e a secular desigualdade econômica e social da socieda-
de brasileira.

O que se sabe, ao certo, é que o fracasso escolar tece uma espécie de teia, onde
o(a) aluno(a) se enreda e custa a sair. Na maioria dos casos, a teia torna-se tão
emaranhada que não oferece saída e o desfecho dessa situação, tão comum na
realidade brasileira, é o abandono da escola. Mais tarde, quando retornam aos
bancos escolares, os jovens e adultos �cam extremamente suscetíveis a
enredarem-se novamente, a vivenciarem outro fracasso escolar.

Como evitar que isso ocorra? Qual é o papel do(a) professor(a) de EJA nesse
processo?

Se vasculharmos nossas próprias lembranças da escola, tanto as boas quanto


as más, veremos que o que �ca na nossa memória não são só os conteúdos,
mas marcantemente os professores. A �gura do(a) professor(a) aparece, em
nossas lembranças, como aquela que marcou uma predileção por determina-
da área do conhecimento, como alguém que nos in�uenciou em nossas esco-
lhas pro�ssionais, mesmo como alguém com quem nada aprendemos ou até
como aquela pessoa com quem não gostaríamos de nos encontrar na rua. Isso
nos ajuda a compreender que o(a) professor(a) exerce um papel determinante
e de responsabilidade tanto pelo sucesso quanto pelo fracasso escolar de qual-
quer um de seus alunos.

Mais uma vez, é a aluna Luciane quem descreve a professora que contribuiu
decisivamente para o seu abandono da escola:

“Foi nesse tempo assim tumultuado e confuso que conheci a professora Dona Pedrina, da
qual eu nunca me esqueci e acho nunca me esquecerei. Quando um aluno escrevia alguma
coisa errada, por exemplo, ela falava bem alto para todos na classe ouvirem. E como costu-
ma ser, todas as crianças começavam a rir do erro cometido por alguém. Ela adorava pôr de
castigo o aluno que não fazia a lição de casa. Colocava-o de pé na frente da classe. Gostava,
também, de dar uma de todo-poderosa, dizendo com voz �rme:

– Luciane, vou comprar uma cartilha para você aprender a escrever. Eu vou
conversar com sua mãe para pôr você no primário de novo!!!

Com toda essa experiência, o meu comportamento, hoje vejo, só piorava. Pois
eu �ngia não estar nem aí, demonstrando isso com palavras e atitudes.
Achava que daquela forma as pessoas não mais ririam de mim.”

As representações que o(a) aluno(a) faz da escola e de seu desempenho na cul-


tura escolar são construídas não somente dentro da própria escola, mas tam-
bém no âmbito da família e das relações sociais, através de expectativas pró-
prias e de expectativas de outros, pais, colegas, amigos, professores que nele
são depositadas. Muitas vezes, os alunos com di�culdades são preconceituo-
samente tachados pelos professores, pais e colegas de “burros”, “preguiçosos”,
“de�cientes”, “lentos”. Estas palavras são corrosivas e imprimem cicatrizes
profundas, causando efeitos devastadores na autoestima do sujeito.

Sabemos que o sucesso escolar produz autoestima e um grande efeito de segu-


rança no(a) aluno(a), enquanto o fracasso causa grandes estragos na relação
consigo mesmo. O comportamento de indiferença, que Luciane diz ter adotado
quando criança, muitas vezes, perdura no aluno por mais tempo, até a sua vol-
ta à escola, derivando também em atitudes de indisciplina e agressividade.
Desse modo, as situações de fracasso escolar produzem marcas que afetam
profundamente a identidade e ferem a autoimagem do(a) aluno(a) jovem e
adulto.

Nas salas de aula de EJA, estas marcas se evidenciam, de um lado, por atitu-
des de extrema timidez e, por outro, por atitudes de irreverência e transgres-
são. Esses alunos e alunas demonstram vergonha em perguntar ou em res-
ponder perguntas, nervosismo exacerbado nas situações de avaliação, ou en-
tão se mostram agitados e indisciplinados. Muitos não conseguem nem olhar
nos olhos do professor e da professora.
O papel do(a) professor(a) de EJA é determinante para evitar situações de novo
fracasso escolar. Um caminho seguro para diminuir esses sentimentos de in-
segurança é valorizar os saberes que os alunos e alunas trazem para a sala de
aula. O reconhecimento da existência de uma sabedoria no sujeito, provenien-
te de sua experiência de vida, de sua bagagem cultural, de suas habilidades
pro�ssionais, certamente, contribui para que ele resgate uma autoimagem po-
sitiva, ampliando sua autoestima e fortalecendo sua autocon�ança.

O bom acolhimento e a valorização do aluno, pelo(a) professor(a) de jovens e


adultos, possibilitam a abertura de um canal de aprendizagem com maiores
garantias de êxito, porque parte dos conhecimentos prévios dos educandos
para promover conhecimentos novos, porque fomenta o encontro dos saberes
da vida vivida com os saberes escolares (BRASIL, 2010).

O Texto 4 revela como o tema trabalho tem lugar especial na EJA, pois os alu-
nos, em sua maioria, são trabalhadores e, muitas vezes, a experiência do tra-
balho foi iniciada precocemente em suas vidas.

Texto 4 - A marca do trabalho 

As alunas e alunos da EJA, em sua maioria, são trabalhadores e, muitas vezes,


a experiência com o trabalho começou em suas vidas muito cedo. Nas cida-
des, seus pais saíam para trabalhar e muitos deles já eram responsáveis, ainda
crianças, pelo cuidado da casa e dos irmãos mais novos. Outras vezes, acom-
panhavam seus pais ao trabalho, realizando pequenas tarefas para auxiliá-los.
É comum, ainda, que, nos centros urbanos, estes alunos tenham realizado um
sem número de atividades cuja renda completava os ganhos da família: guar-
dar carros, distribuir pan�etos, auxiliar em serviços na construção civil, fazer
entregas, arrematar costuras, cuidar de crianças etc.

Nas regiões rurais, a participação no mundo do trabalho começa ainda mais


cedo: cuidar da terra, das plantações ou da criação de animais; auxiliar nos
serviços caseiros. Muitas vezes, acompanhando os pais e irmãos mais velhos,
é comum encontrar um grande número de crianças e jovens já mergulhados
no trabalho. Nessas regiões, os horários, os períodos de colheita, de chuva e de
seca marcam a vida cotidiana das pessoas e isto, aliado às grandes distâncias,
con�gura condição bastante precária para a escolarização.

Se cada região de nosso país tem suas particularidades em relação às demais,


todas as salas de EJA se uni�cam em torno deste fato: a grande maioria dos
alunos são trabalhadores que chegam para as aulas após um dia intenso de
trabalho. É claro que estas mesmas salas apresentam um número signi�cati-
vo de desempregados e de trabalhadores temporários ou informais.

Mas, sempre que pensamos em EJA, temos que considerar que nossa ativida-
de conta com mulheres e homens trabalhadores. Vale notar, ainda, que em to-
das as regiões do país, o trabalho é apontado pelos alunos de EJA tanto como
motivo para terem deixado a escola, como razão para voltarem a ela.

Sem dúvida alguma, o tema trabalho tem um lugar especial na EJA e deve im-
portar ao trabalho dos professores, das professoras e da escola.

Entretanto, é preciso lembrar que o trabalho experimentado pelas alunas e


alunos não passa nem de longe pelo trabalho como atividade fundamental pe-
la qual o ser humano se humaniza e se aperfeiçoa. O trabalho que conhecem é
na maior parte das vezes repetitivo, cansativo e pouco engrandecedor.

Apesar de tudo, vale pensar, por exemplo, na quantidade de saberes que cada
um destes alunos/trabalhadores possui em função das atividades que reali-
zam ou realizaram. Saberes, certamente, não escolares, mas saberes. Saberes
a partir dos quais novos conhecimentos poderão ser construídos.

Uma tarefa fundamental para o(a) professor(a) é conhecer que saberes e habi-
lidades os alunos e alunas desenvolveram em função do seu trabalho.

[...]O mundo do trabalho se caracteriza hoje pela diversidade de atividades e


vínculos. Nossos alunos, das classes de EJA, são muitas vezes pessoas que ad-
ministram sua sobrevivência econômica: fazem “bicos”, são autônomos, circu-
lam por diferentes pro�ssões como auxiliares ou ajudantes de pintura, cons-
trução, serviços domésticos, venda ambulante etc. Possuir um certi�cado es-
colar ou pro�ssionalizante não implica em garantia de trabalho, haja vista a
quantidade de pro�ssionais que formados numa área atuam em outra.

Pode ser interessante pensar sobre as habilidades que a escola pode ajudar a
desenvolver e que contribuam para uma atuação mais e�ciente nesse univer-
so diversi�cado e competitivo que é o do trabalho. Não queremos dizer com is-
to que a escola deva tomar para si a responsabilidade da preparação do traba-
lhador, nem deixar a responsabilidade da conquista de um “emprego melhor”
nas mãos do(a) aluno(a). Como já sabemos, esta é uma responsabilidade social
mais ampla e mais próxima das políticas governamentais e empresariais.

O que queremos pensar é justamente nas formas da escola potencializar essa


competência que os jovens e adultos já desenvolvem em sua vida cotidiana de
administrar suas �nanças e sua sobrevivência.

Comunicar-se de forma competente com clareza, ordenação de ideias, argu-


mentação; conhecer as diferentes formas de trabalho da nossa sociedade nos
dias atuais, o trabalho formal e o informal, por exemplo; dominar os caminhos
possíveis para a obtenção de empregos, a procura por agências, a preparação
de currículos; ver na construção de uma pequena fábrica, na abertura de um
comércio em sua região um possível canal de trabalho; conhecer, em sua re-
gião ou comunidade, os espaços gratuitos de formação técnica cursos de ele-
tricidade, pintura, computação, confecção e outros são saberes passíveis de
serem aprendidos na escola. Ela funcionaria, assim, como espaço de conheci-
mentos ligados ao mundo do trabalho.

Vale destacar que outras motivações levam os alunos jovens e adultos para a
escola. Uma delas é a satisfação pessoal, a conquista de um direito, a sensação
de capacidade e dignidade que traz satisfação pessoal (BRASIL, 2010).

6. Educandos, educadores e relatos


Pudemos observar  que são várias as motivações que levam o aluno a buscar
pela EJA, e considerar isto, é fundamental para que a prática pedagógica te-
nha sucesso. A EJA possibilita a construção de um pensamento crítico e cida-
dão pelo aluno, e, portanto, não pode somente ser pensada em termos de cons-
trução de conhecimentos formais. Ela vai muito além disto!

Também pudemos constatar nos conteúdos estudados, até então, que, dentre
as funções desta modalidade de ensino está a melhoria na qualidade de vida
do indivíduo, o desenvolvimento dos seus potenciais, como também o desen-
volvimento de habilidades de resolução de problemas, tomadas de decisão.
 Assim, o professor deve considerar a sala de aula como propícia para as inte-
rações socioafetivas, pois são estas que impulsionam o aprendizado. Nesse
contexto, há que se considerar as qualidades e a postura do educador que tra-
balha na EJA, sobretudo, a de acreditar no potencial de todos os alunos e de
conhecê-los, e se considerar também como aprendente nas experiências vivi-
das junto a eles, sendo mediador no processo de aprendizagem.

Alinhados à postura do educador, há os objetivos fundamentais da EJA que


devem ser veri�cados!

Por �m, até então,  tratamos dos aspectos socioafetivos presentes nas relações
entre professores e alunos, sem os quais não há avanços na aprendizagem.

Sugerimos, para aprofundar seus conhecimentos, que assista aos seguintes vídeos: Educação de Jovens e
Adultos (https://www.youtube.com/watch?v=MmzfrUtn008) e Roda de Conversa - Tema: Os Desa�os da
Educação de Jovens e Adultos (https://www.youtube.com/watch?v=aECS7PB0HoA).

7. Procedimentos Didáticos na Educação de


Jovens e Adultos
Para abordar os procedimentos didáticos na EJA não há como não mencionar
o legado de Paulo Freire para esta modalidade de ensino, especi�camente seu
método de alfabetização de adultos. De forma geral, as ideias de Paulo Freire
sobre a educação coadunam com as concepções da Educação de Jovens e
Adultos, entendendo que as pessoas não são seres vazios, sem história, e sem
motivações, mas possuem sempre uma visão de mundo que antecede a edu-
cação formal, e portanto, deve ser respeitada e discutida no processo educati-
vo, o qual fundamentalmente deve ser dialógico, e não autoritário.

8. Paulo Freire: pensamento, política e educa-


ção
Antes de continuarmos nossa trajetória em busca de novos conhecimentos,
cremos ser de total relevância conhecermos um pouco mais sobre Paulo
Freire, célebre educador brasileiro.

Com atuação e reconhecimento internacional, Freire foi o mais importante


educador brasileiro. Desenvolveu um pensamento pedagógico assumidamen-
te político, quando elaborou um método de alfabetização de adultos que carre-
ga seu nome.

Ele foi um grande estudioso, engajado em causas políticas, motivo que lhe pro-
porcionou a oportunidade de desenvolver um "método" de alfabetização e edu-
cação de adultos que exaltava a luta de classes, a teoria marxista, o ateísmo e
a a�rmação do povo como massa oprimida. A autenticidade do seu trabalho
de alfabetização está no processo de conscientização dessa massa, por meio
da aprendizagem, capacitando-a tanto para a aquisição dos instrumentos de
leitura e escrita quanto para a sua libertação.

Em relação às parcelas menos favorecidas da sociedade, conscientizar o aluno


a entender sua situação de oprimido e agir em prol da própria libertação foram
os objetivos maiores da educação para Paulo Freire.

As chamadas minorias, por exemplo, precisam reconhecer que, no fundo, elas são a
maioria. O caminho para assumir-se como maioria está em trabalhar as semelhan-
ças entre si e não só as diferenças e assim criar a unidade na diversidade, fora da
qual não vejo como aperfeiçoar-se e até como construir-se uma democracia subs-
tantiva, radical (FREIRE, 1992, p. 154).

Seu principal livro, intitulado Pedagogia do oprimido, e os conceitos nele con-


tidos baseiam o conjunto de sua obra.

Condenava o ensino oferecido pela maioria das escolas, quali�cando essa


educação de "educação bancária", na qual o professor, que se julga detentor de
conhecimento, atua como aquele que deposita conhecimento no aluno. Assim,
considerava essa escola como alienante.

Para ele, o professor tem como missão possibilitar a produção ou a criação de


conhecimentos e, portanto, criticava a ideia de que ensinar é transmitir co-
nhecimentos.

Objetivava para o professor um papel informativo e diretivo, possibilitando


que seus alunos conheçam os conteúdos.

Freire (1981) acreditava que o conhecimento deveria ser mediado entre


professor-aluno, pois dizia que ninguém ensina nada a ninguém, mas as pes-
soas também não aprendem sozinhas, e escreveu:

“Os homens se educam entre si mediados pelo mundo”

Quando chega à escola, o aluno, alfabetizado ou não, já tem uma cultura que
não é pior nem melhor que a do professor, tornando essa a�rmação um princí-
pio fundamental para Freire. Em sala de aula, ambos, professor e aluno, apren-
derão juntos e, para que tal aprendizagem se efetive, torna-se necessário que
as relações estabelecidas sejam democráticas e afetivas, o que garantirá a to-
dos possibilidade de expressão.

Formulado inicialmente para o ensino de adultos, em seu método de alfabeti-


zação, a chave para o processo de conscientização, segundo Paulo Freire, é a
valorização da cultura do aluno.

Na síntese de seu pensamento, encontra-se a ideia de que tudo está em per-


manente transformação e interação.
“As qualidades e virtudes são construídas por nós no esforço que nos impomos pa-
ra diminuir a distância entre o que dizemos e fazemos”, escreveu o educador.
“Como, na verdade, posso eu continuar falando no respeito à dignidade do educan-
do se o ironizo, se o discrimino, se o inibo com minha arrogância?” [...] (FERRARI,
2010).

Para conhecermos um pouco mais sobre esse ilustre educador, apresentamos


um artigo escrito por sua �lha, Profª. Fátima Freire-Dowbor, que o acompa-
nhou no exílio e trabalhou como educadora em diversos países. Hoje vive em
São Paulo e é coordenadora pedagógica do Colégio Oswald de Andrade.

Paulo Freire, um precursor


Para podermos entender a pedagogia de Paulo Freire, antes de mais nada é
importante que localizemos a sua origem, onde e quando ela surge. Paulo é
nordestino e, desde cedo, se sente compromissado com o sofrimento, a injusti-
ça social e a miséria do seu povo. Surgiram neste meio gigantes como Josué
de Castro, analisando o drama da Geopolítica da Fome, Celso Furtado, um dos
criadores mundiais da economia do desenvolvimento, e outros nomes direta-
mente vinculados ao drama da pobreza e da exclusão. O próprio Gilberto
Freyre pode ter outros enfoques, mas contribuiu seguramente, com Casa gran-
de senzala, para colocar a divisão social no centro das discussões.

Manter o povo privado de educação, limitar o seu acesso à cultura formal, à


leitura e à escrita, foi elevado no Nordeste ao nível de política sistemática pe-
las tradicionais famílias que controlavam a política e a economia.

Neste contexto, alfabetizar as classes populares não era uma tarefa meramen-
te técnica. Constituía, desde o início, uma atitude humanista de solidarização
e uma atitude política de desa�o.

O famoso método de alfabetização que leva o nome de Paulo Freire surgiu no


�nal da década de 1950, vinculado às primeiras experiências dos círculos de
cultura, que eram vividos no interior do Movimento de Cultura Popular do
Recife, conhecido como MCP. Os círculos de cultura eram grupos compostos
por trabalhadores populares, que se reuniam sob a coordenação de um educa-
dor, com o objetivo de discutirem assuntos temáticos, do interesse dos própri-
os trabalhadores, cabendo ao educador-coordenador tratar a temática trazida
pelo grupo.

Já naquele então Freire descobre que é possível acrescentar aos temas apre-
sentados pelos grupos outros que ele os chama de “temas de dobradiça”. Estes
“temas de dobradiça”, na verdade, constituem a contribuição do educador-
coordenador, que introduz outros temas que podem auxiliar e enriquecer a
compreensão do grupo. O resultado obtido com estes trabalhadores populares
nos círculos de cultura foi muito bom, conseguindo-se um bom nível de com-
preensão, independentemente do fato de eles serem alfabetizados ou não. Isto
leva Paulo a propor a mesma metodologia para o processo de alfabetização de
adultos.

Este foi um momento importante no seu percurso, já que ele descobre de for-
ma intuitiva a importância do aspecto metodológico no fazer pedagógico, sem
desvalorizar, no entanto, o conteúdo especí�co que mediatiza este fazer. Este
aspecto metodológico percorre e acompanha a sua obra ao longo de todos os
seus anos de produção. Na verdade esta é uma das grandes contribuições do
Paulo Freire, sua metodologia de trabalho, que consiste em possibilitar a to-
mada de consciência do educando através do diálogo, que desvela a realidade
e mostra as suas interligações, culturais, sociais e político-econômicas.

Sua contribuição é extremamente atual e importante.

Interessante também é chamar a atenção para o fato de que Paulo traz, com
muita clareza e precisão, a relação entre metodologia e concepção de educa-
ção. Não existe prática pedagógica sem uma metodologia que a de�ne, como
também não existe uma metodologia que não traga consigo uma prática espe-
cí�ca. Portanto, não existe teoria sem prática e nem prática sem teoria. Ambas
fazem parte de um mesmo pensar e fazer pedagógico.

Ele costumava dizer que não era su�ciente unicamente ensinar a pensar, nós,
enquanto professores educadores, temos também como desa�o ensinar a pen-
sar bem, a pensar de forma certa. A primeira condição para ensinar a pensar
bem é a convicção de que ensinar não é transferir conhecimento, mas sim
construir com o educando ou possibilitar que ele construa com os seus iguais,
mas nunca construir por ele.

Traduzia o pensar bem e o pensar certo como aquele pensar que era gerado na
relação entre a teoria e a prática, sempre sendo necessário um distanciamento
da prática para poder se re�etir sobre esta e, desta forma, poder teorizá-la. É
esta postura que gera a rigorosidade metódica. Sem esta rigorosidade, costu-
mava dizer ele, não há pensar certo. O pensar certo é dialógico e não polêmico,
porque tem como objetivo possibilitar a apreensão e compreensão por parte do
educando do conteúdo que está sendo comunicado.

Pensar certo é fazer certo.

Trazendo muito forte o respeito pelos direitos do ser humano, as concepções


pedagógicas que embasam a �loso�a de educação de Paulo Freire estão todas
direcionadas para o processo de humanização e transformação, encharcadas
de vida e amor pelo ser humano. Seu método de alfabetização de adultos tra-
duzia muito forte a marca do seu compromisso com as camadas populares tão
fortemente injustiçadas, sobretudo no Nordeste brasileiro.

O aspecto político do processo de educação era muito valorizado. Na sua peda-


gogia da libertação e transformação, podemos constatar muito claramente
que o ato de educar é realmente um ato político, no sentido do compromisso
assumido com o outro, para que este possa ser cada vez mais sujeito da sua
história e do seu processo de aprendizagem. Paulo tinha uma forte convicção
de que ninguém pode realmente ser se impede que o outro seja. Como também
ninguém se educa sozinho, mas sim os homens se educam entre si.

A dimensão político-social assume na pedagogia de Paulo Freire um lugar de


destaque. Para ele, era impossível pensar o sujeito desvinculado da sua reali-
dade de vida, do seu contexto sócio-econômico-cultural-histórico. Aliás, foi
esta preocupação que o levou a fazer com que o seu método de alfabetização
(designação que ele nunca apreciou) fosse mais que uma simples forma de
aprender a ler e a escrever palavras, mas sim um instrumento de leitura do
mundo e da realidade, depreendendo daí a sua força metodológica. Força esta
que advém justamente da convicção de que toda leitura da palavra é precedi-
da de uma certa leitura de mundo de quem lê.

Este ato de ensinar a desvelar a realidade é altamente político, porque exige


uma escolha do sujeito que educa, escolha esta que só tem duas possibilida-
des, ou a opção pelo desvelamento da realidade, assumindo, desta forma, uma
postura crítica frente ao mundo e com os educandos; ou a opção de ocultar a
realidade, que leva a uma postura acrítica e autoritária com os educandos.

Sempre foi muito clara na pedagogia de Paulo Freire a importância do diálogo


enquanto elemento-chave na relação educador-educando. É através da postu-
ra dialógica na relação com o educando que o educador torna possível a cons-
trução de um modelo democrático de aprendizagem, que respeita o saber exis-
tente do aluno, não o considerando como um ente vazio a ser preenchido uni-
camente pelo saber do professor/educador.

Freire tinha a compreensão da educação enquanto ato político, educação en-


quanto prática democrática que respeita o educando, a sua linguagem, a sua
identidade cultural de classe, educação enquanto aquela que desvela, que de-
sa�a, que desoculta, en�m uma educação comprometida com a necessária
emancipação das classes oprimidas. Foi justamente o fato de pôr em prática
uma educação deste tipo que o levou à prisão em 1964 e, em seguida, ao exílio
por mais de 16 anos.

Outro aspecto importante na �loso�a de educação do Freire é a formação do


professor. Isto porque, para ele, ninguém nasce educador ou marcado para ser.
Nós nos fazemos educadores, nos formamos como educadores, permanente-
mente, na prática e na re�exão sobre a prática. Uma das premissas básicas da
metodologia freireana é a de que o educador desa�e os alunos a perceberem
que aprender os conteúdos signi�ca apreender os mesmos enquanto objeto de
conhecimento.

Outro aspecto não menos importante na formação do professor é a familiari-


dade ou não com a qual ele circula entre os diferentes saberes que a prática
educativa requer e exige dele. Para Freire, alguns saberes são indispensáveis
na formação dos professores, tais como o de que ensinar exige rigorosidade
metódica, exige pesquisa, exige respeito aos saberes do educando, exige criti-
cidade, exige risco, exige re�exão crítica sobre a prática, exige pensar certo,
exige liberdade e autoridade, exige humildade e amorosidade pelo outro.

Não poderia terminar este artigo sem chamar a atenção do leitor para um as-
pecto interessante no percurso de Freire enquanto educador nacional e inter-
nacional que foi: o fato de ter mantido até os seus últimos dias de vida, uma
coerência profunda entre o que dizia e o que fazia, uma humildade que só os
grandes-pequenos homens possuem, uma profunda amorosidade pela vida e
por tudo que é humano, uma capacidade intensa e arraigada de se indignar
com injustiças ou qualquer falta de respeito ao ser humano.

Na verdade, acredito que o Freire foi um grande precursor no que diz respeito
à sua convicção de que é através da cultura que se pode gerar transformações
no processo social de forma geral, e não só da educação. Ele já anunciava esta
ideia há décadas, e só agora estamos vendo a cultura surgir como instrumento
de transformação da sociedade (FREIRE-DOWBOR, 2010).

9. Um recorte sobre o método Paulo Freire de


alfabetização e educação de jovens e adultos
Há muito tempo, vem-se discutindo sobre as metodologias de alfabetização e
educação de adultos, sobre as suas formas de aprendizagem e procedimentos
didáticos necessários para tornar a aprendizagem desses alunos signi�cativa
e dinâmica.

O que podemos perceber de imediato é que a educação de jovens e adultos pre-


cisa ser oferecida de maneira diferenciada, de forma a atender às necessida-
des “urgentes” desses alunos, buscando informações sobre o meio em que vi-
vem, partindo dos conhecimentos que já possuem, tomando-os como alicerce
para construir novas aprendizagens.

No cenário nacional, o educador Paulo Freire foi uma das pessoas que mais
contribuíram para que a Educação de Jovens e Adultos fosse um direito da-
queles que não tiveram direito a ela em idade própria e, também, para que ela
tivesse a qualidade necessária para desenvolver suas habilidades, especi�ci-
dades, formando-os para o mercado de trabalho e para a cidadania.

Apesar de ter nascido em uma família de classe média, ele se preocupava pro-
fundamente com a situação de exclusão em que viviam os jovens e adultos
analfabetos e, por isso, sentia necessidade de apresentar uma proposta social
que modi�casse esse quadro. Foi um entusiasta dos movimentos populares e
defendeu a causa dos marginalizados como causa própria. Segundo Moacir
Gadotti, Paulo Freire, em uma entrevista concedida à Nilcéa Lemos Pelandré,
em 14 de abril de 1993, disse o seguinte:

Eu preferia dizer que não tenho método. O que eu tinha, quando muito jovem, há 30
anos ou 40 anos, não importa o tempo, era a curiosidade de um lado e o compro-
misso político do outro, em face dos renegados, dos negados, dos proibidos de ler a
palavra, relendo o mundo. O que eu tentei fazer e continuo hoje foi ter uma compre-
ensão que eu chamaria de crítica ou de dialética da prática educativa, dentro da
qual, necessariamente, há uma certa metodologia, um certo método, que eu pre�ro
dizer que é método de conhecer e não um método de ensinar (PELANDRÉ, 1998. In:
GADOTTI, 2001).

Foram muitas as discussões que aconteceram sobre a nomenclatura dada às


recomendações de Paulo Freire, sendo apontadas como:

1. método;
2. teoria;
3. proposta;
4. sistema, entre outras.

Contudo, a expressão “Método Paulo Freire” foi universalizada e cristalizada


mundialmente como referência de uma concepção democrática, radical e pro-
gressista de prática educativa, motivo pelo qual a adotaremos ao longo de nos-
so estudo.

Etapas do Método Paulo Freire


O Método Paulo Freire, aplicado até os dias de hoje para a alfabetização e a
educação de jovens e adultos, busca subsídios nas experiências vivenciadas
pelos alunos, pois parte do princípio de que a educação é um ato político, de
conhecimento e criador.

Dessa forma, propõe que é preciso contextualizá-la e compreendê-la cienti�-


camente, para que os jovens e adultos, por meio da interpretação do meio soci-
al em que vivem, possam intervir de maneira expressiva para a sua transfor-
mação.

Tal método, de codi�cação e decodi�cação de palavras e temas geradores de


caráter interdisciplinar, se divide nas três etapas pontuadas a seguir:

1. Etapa de investigação: professor e aluno buscam juntos palavras e temas


signi�cativos para a vida do aluno, os quais façam parte do seu universo
vocabular e da comunidade em que ele vive.
2. Etapa de tematização: momento de análise dos signi�cados sociais das
palavras e dos temas, tornando possível, por meio dessa análise, a toma-
da de consciência do mundo.
3. Etapa de problematização: momento em que o aluno é desa�ado e inspi-
rado pelo professor a superar a visão mágica e acrítica do mundo, assu-
mindo uma visão conscientizada.

O método em si
Vamos conhecer, a seguir, o método proposto por Paulo Freire, o qual é com-
posto por quatro partes:

1. A primeira inicia-se com um levantamento sobre o universo vocabular


dos alunos, pela coleta das palavras geradoras. Por meio de conversas in-
formais, o professor estuda com atenção os vocábulos mais usados pelos
alunos e pela sua comunidade. A partir disso, seleciona as palavras que
servirão de base para as lições – a quantidade de palavras geradoras deve
�car entre 18 e 23 palavras. Depois de escolhidas, essas palavras devem
ser apresentadas à classe em cartazes com �guras para que, em grupo, os
alunos iniciem uma discussão para signi�cá-las segundo a realidade de-
les.
2. A segunda caracteriza o estudo de cada palavra identi�cada por meio
da silabação, ou seja, da divisão silábica da palavra assemelhando-se ao
método tradicional, de maneira que cada sílaba se estenda à sua respecti-
va família silábica.
3. A terceira é constituída pela formação de palavras novas, usando como
base as famílias silábicas já conhecidas pelo grupo.
4. A quarta propõe uma discussão sobre os novos temas que surgiram com
base nas palavras geradoras. Trata-se do momento em que o educando
vai além do ato de codi�car e decodi�car palavras, sendo chamado a fa-
zer uma   conscientização   sobre os problemas enfrentados diariamente,
sobre o mundo e sobre a realidade que o cerca.

Fases de aplicação do Método Paulo Freire


A aplicação do Método Paulo Freire consta de cinco fases, quais sejam:

1. A primeira fase diz respeito ao levantamento do universo vocabular dos


grupos com quem se trabalhará; por meio de interações e de investiga-
ções sobre os conhecimentos mútuos do grupo, respeitando-se os dialetos
que usarem.
2. A segunda fase é constituída pela escolha das palavras, selecionadas do
universo vocabular pesquisado, de acordo com critérios como riqueza fo-
nética, di�culdades fonéticas – trabalhadas gradativamente, partindo do
uso das mais simples para as mais complexas – e comprometimento
pragmático, referente ao uso da palavra na realidade sócio-político-
cultural do aluno, do grupo e/ou de sua comunidade.
3. A terceira fase consiste na criação de situações existenciais típicas do
grupo com que se vai trabalhar. Propõe-se uma discussão, por meio de
uma análise crítica e consciente de problemas locais, regionais e nacio-
nais, a �m de se ter novas perspectivas sobre eles.
4. A quarta fase requer a elaboração de �chas-roteiro que auxiliem os coor-
denadores de debate no seu trabalho, oferecendo os subsídios necessários
de maneira �exível.
5. A feitura de �chas com a decomposição das famílias fonêmicas corres-
pondentes aos vocábulos geradores é a quinta fase, que será construída
em forma de slides ou cartazes.

O uso dessa metodologia para alfabetização e educação de jovens e adultos


diferenciou-se muito das que vinham sendo utilizadas até então, pois conside-
rava os conhecimentos de mundo que o adulto possuía e não os infantilizava.
Dessa maneira, possibilitou uma forma de ensino e aprendizagem libertadora,
crítico-re�exiva, não automática, que promoveu a oportunidade de os alunos
se posicionarem diante dos problemas vivenciados.

Como você pode perceber, o Método Paulo Freire alvitra um aprendizado inte-
grador, abrangente, não compartimentalizado, interdisciplinar, com acentuado
posicionamento político-ideológico, além de estabelecer a horizontalidade na
relação educador-educando, a valorização da cultura popular e de teor huma-
nista.

Com esse método de educação, Paulo Freire quebra a compreensão utilitária


do fazer educativo e propõe outra forma de alfabetizar e educar, inserindo,
também, novos recursos à prática pedagógica, como, por exemplo, o uso de re-
cursos audiovisuais (slides, gravuras etc.).

Dessa forma, podemos observar que Freire foi, em seu tempo, um homem com
muitas ideias avançadas sobre a educação.

Sobre as cartilhas
O uso de cartilhas fundamentou durante muitos anos os trabalhos de alfabeti-
zação e educação de jovens e adultos em todo o país. Contudo, muitas discus-
sões foram levantadas sobre o assunto. Diante dessa situação, Paulo Freire já
defendia a necessidade de uma alfabetização que partisse dos referenciais dos
alunos, de dentro para fora, somente mediada pelo educador.

Segundo Freire (1979, p. 72):


Esta é a razão pela qual procuramos um método que fosse capaz de se fazer instru-
mento também do educando e não só do educador e que identi�casse, como clara-
mente observou um jovem sociólogo brasileiro (Celso Beisiegel), o conteúdo da
aprendizagem com o processo de aprendizagem. Por essa razão, não acreditamos
nas cartilhas que pretendem fazer uma montagem de sinalização grá�ca como
uma doação e que reduzem o analfabeto mais à condição de objeto de alfabetização
do que de sujeito da mesma.

Freire defendia a ideia de que a educação é composta por processos de apren-


dizagens. Dessa maneira, uma forma de construir conhecimentos depende da
interação do homem com o meio em que vive, sendo modi�cado por ele e,
também, modi�cando-o. Por isso, ao perceber a real necessidade de desenvol-
ver com os educandos uma educação signi�cativa, os programas mais atuali-
zados procuraram adequar suas metodologias ao alunado que recebiam, con-
tribuindo para que as cartilhas caíssem em desuso.

De acordo com Ribeiro (1997), desde os anos de 1970 ou até mesmo antes, o uso
da cartilha e de metodologias inadequadas na Educação de Jovens e Adultos
era uma preocupação para os educadores da época. Essa temática ainda preo-
cupa muitos docentes, pois, ao chegarem às escolas, encontram um material
didático pronto, acabado, com pouquíssima ou inexistente relação com o con-
texto em que vive seu alunado e, dessa forma, muitas vezes não conseguem
estabelecer relações entre os assuntos tratados na aula e a utilização que farão
de tais saberes no dia a dia.

Apesar de as políticas educacionais vigentes na época postularem o contrário,


tais metodologias e estratégias didáticas não estavam contribuindo para a for-
mação de alunos crítico-re�exivos, uma vez que não havia uma relação entre
os exercícios propostos nas cartilhas e o meio social, cultural e econômico
desses alunos.

A importância dada à alfabetização e à Educação de Jovens e Adultos é cada


vez maior, fato que vem contribuindo signi�cativamente para a remodelação
do material didático utilizado e para um prolongamento do tempo de conclu-
são dessa modalidade de educação. Dessa forma, os alunos recebem uma mai-
or escolaridade, que transcorre as fases de alfabetizandos e pós-
alfabetizandos, a �m de que possam ter um contato maior com o mundo da
leitura e da escrita e fazer uso, com propriedade, desses conhecimentos cons-
truídos.

Se a educação é, também, um ato político, tais �ns contribuem ou não para a formação do
cidadão conhecedor de seus direitos e deveres?

Ao retomar as transformações históricas e metodológicas pelas quais passou


a Educação de Jovens e Adultos, podemos dizer que buscar sempre novos pro-
cedimentos, novas estratégias para atender às necessidades desses alunos, é
fundamental não somente aos alunos da EJA, mas a todos os alunos em qual-
quer modalidade educativa.

Para a EJA, a incorporação da cultura e da realidade vivida por seus educan-


dos, como arranque nas práticas educativas, é especialmente fundamental pa-
ra que eles (re)organizem a sua forma de atuar em sociedade e, também, para
que desenvolvam uma percepção crítica, problematizadora e criativa.

Pensando mais especi�camente sobre o processo de alfabetização de jovens e


adultos,

Emília Ferreiro realizou um estudo junto a adultos analfabetos, mostrando que


também eles tinham uma série de informações sobre a escrita e elaboravam hipó-
teses semelhantes às das crianças (RIBEIRO, 1997).

Percebe-se que, independentemente da idade e da situação, no momento de


apropriação do sistema linguístico, as experiências realizadas sobre a cons-
trução da língua e da linguagem são únicas e, por essa razão, o adulto viven-
cia as mesmas possibilidades de hipótese que as crianças.

10. Texto complementar


Para complementar seus estudos acerca do assunto abordado neste ciclo, é
importante que você se atente à leitura do texto a seguir, pois ele estabelece
uma relação com a liberdade, tendo como foco a retomada da origem do con-
ceito de autoridade. Trata-se de um capítulo do livro Origens e concepções de
autoridade e educação para a liberdade em Paulo Freire: (re)visitando intenci-
onalidades educativas, escrito por Gomercindo Ghiggi e Sandro de Castro
Pitano (2009, p. 66-87).

Autoridade e liberdade na biobibliográ�ca de Freire


No Brasil, mesmo na história recente da denominada redemocratização (me-
tade da década de 80), é possível identi�car o quanto se consolidaram tanto
concepções autoritárias de democracia quanto concepções democratistas de
organização das relações sociais. É o que nos leva, desde o quadro geral de
nossas relações, a perguntar: o que é a hegemonia de um grupo social na polí-
tica senão a sua capacidade de impor o próprio discurso? É óbvio que a cons-
trução da hegemonia pode ser realizada pelo menos de duas formas, mas
sempre com a presença forte do Estado: quer pelo emprego da força e da vio-
lência, quer pelo uso da persuasão. Ambas buscam a obtenção de resultados
que deem estabilidade ao poder constituído.

A democracia atual, onde ela acontece, não raras vezes faz com que “massas”
acreditem que estão decidindo, do que decorrem questões como: por que os
homens e as mulheres vivem em sociedade? Por que os seres humanos devem
submeter-se às ordens, aos governos, às leis...? Locke (1983) fala do governo,
constituído e eleito como funcionário do povo para organizar as relações soci-
ais, concebendo a possibilidade de rebelião desse mesmo povo e a consequen-
te destituição do governo, caso este não execute decisões concebidas por
aquele. Ou, poderíamos questionar, o que é o poder político, considerado como
uma relação entre indivíduos que mandam e outros que obedecem? Sempre
foi assim? É algo inscrito na natureza? Como organizar as relações sociais que
compulsoriamente existem e não há como evitar a convivência com elas?
Como constituir essas relações de forma democrática? Como conciliar, confor-
me a�rma Paulo Freire (1993), a coercibilidade necessária na organização das
relações sociais em geral e a busca desperta da liberdade por parte de cada
um dos envolvidos num dado processo, acreditando na possibilidade da mate-
rialização da tese de que não há democracia sem liberdade e que não há liber-
dade sem democracia? En�m, como pensar tais processos, sabendo-se, ao
mesmo tempo, que a liberdade e a democracia constroem-se em relação com
o mundo e com os outros?

Buscando responder, pelo menos em parte, às questões acima, é possível a�r-


mar, pelo exposto até aqui, que a autoridade, historicamente, tem-se constituí-
do a partir das referências da idade, da força, da sabedoria do espírito ou da
capacidade de legitimação da mesma que alguém obtém desde a competência
e a ética, como bem de�ne Freire (1997). Mesmo em sua origem natural ou di-
vina, a autoridade nem sempre constitui-se desde uma relação de força, mas
no direito de exercê-la: direito que deriva do consenso entre aqueles que so-
frem o efeito do seu exercício ou da luta pela negação da desigualdade, mas
sempre luta por posição hegemônica na sociedade. Há, nesta dimensão, uma
forte relação entre a autoridade e a consciência coletiva. A autoridade, assim,
atua como força mediadora entre o ser humano singular e a sociedade.

É entendida, também, como instância de coação exterior, não raras vezes bus-
cando, na consciência coletiva, a perspectiva legitimadora das relações soci-
ais, em detrimento da consciência individual. E é por essa razão que a autori-
dade é um conceito que em muitos momentos históricos esteve ligado à domi-
nação e ao exercício do poder, óia nos mais diversos motivos de submissão,
desde a obediência a hábitos inconscientes até àqueles que se con�guram co-
mo �ns racionais. É dessa forma que existe a autoridade que se estabelece ba-
seada no caráter racional e que se fundamenta na crença da legalidade de pa-
drões e regras normativas postas para os indivíduos. É a autoridade legal pro-
priamente dita. Há, ainda, a autoridade que tem origem na tradição, isto é, que
se baseia na crença cotidiana das tradições e na tese da legitimidade do status
quo, tanto em relação ao modelo social em que vivem os indivíduos quanto em
relação ao exercício da própria autoridade.

A questão coloca-se, também, para além da necessidade de legitimação da au-


toridade, na justi�cação ou da sustentação da mesma, ou seja, autoridade é po-
der, é probabilidade de alguém impor a própria vontade dentro de uma relação
política. Por isso é que, com frequência, autoridade representa dominação, im-
posição de normas, limites que se impõem etc., o que, historicamente, a partir
da instauração da racionalidade moderna, especialmente, levou intelectuais
pensadores a questionar a legitimidade da organização social desde “uma au-
toridade”, seja qual for a sua origem.
Cremos ter discutido até aqui alguns detalhes acerca da autoridade política e
pedagógica: sua origem, sua legitimidade e sua interferência e realização de
intencionalidades educativas. Guzzoni (1995, p. 20) a�rma que é possível, a
partir da re�exão sobre a autoridade na política, iluminar a discussão em tor-
no do que se passa na área pedagógica: como se constitui, quais os fatores que
a legitimam, aliás, questões essenciais ao tema proposto neste trabalho. Em
relação à presença da autoridade na educação, a autora, citando
Laberthonnière, a�rma: “A autoridade é tida como fundamental na aprendiza-
gem, podendo ser concebida de modos diversos: 1) a autoridade que escraviza,
que se dá numa relação de coerção e violência e que tem como consequente
correspondência uma obediência passiva e servil”. Neste caso, para a autora,
“não se pode falar legitimamente em autoridade, e, sim, em autoritarismo; 2) a
autoridade libertadora que, ao inverso, direciona e orienta o jovem, as para um
�m distinto do primeiro caso, ou seja, busca conferir-lhe autonomia e não de-
pendência ou submissão da ação alvos da autoridade escravizante”.
Con�rmando sua opção Laberthonnière a�rma: “a obediência libertadora, bem
como a autoridade liberal, são sempre relacionais, pois o poder do educador é
reconhecido pelo educando como legítimo, implicando con�ança e aceitação”,
pois “visa à autonomia de seus alunos” (GUZZONI, 1995, p. 21).

Considerando a fala de Guzzoni, a autoridade do educador/da educadora é le-


gítima e necessária ao se constituir em compromisso com a construção da
autonomia do educando/da educanda. Para a autora, o conhecimento é essen-
cial para que a autonomia se constitua, pois na medida em que os educandos
apropriam-se do conhecimento e da cultura, vão adquirindo capacidades para
expor criticamente o mundo já estabelecido e identi�car possibilidades de or-
ganização social diferentes da vigente (idem, p. 22). Em tal perspectiva, há, co-
mo a�rma Freire, um desa�o à curiosidade epistemológica do educando, per-
mitindo e desa�ando a pesquisa, a busca de informações e, mais ainda, a críti-
ca séria e consistente aos modelos culturais já produzidos. Atitude contrária
do educador/a educadora não traria outro resultado senão a reprodução da hi-
erarquia social, ou seja, se o educador e educadora não estiverem a serviço da
autonomia do educando e da educanda, o exercício da sua autoridade desem-
penhará papel fundamental na reprodução social.

Furlani (1987), discutindo a problemática da autoridade a partir de professores


e estudantes universitários, observa que os mesmos a�rmam que a autoridade
do educador se dá a partir da sua competência, da sua capacidade de discipli-
namento e de avaliação do processo ensino-aprendizagem. Snyders, da mes-
ma forma, discutindo a necessidade da autoridade nos processos de formação
humana, particularmente em posição crítica às propostas não diretivas, a�r-
ma que é fundamental que os educandos construam, desde o grupo que se
constitui em sala de aula, referências de autonomia e superação do isolamen-
to e do individualismo. Mas, será o grupo, os pares ou o mundo da sala de aula
su�cientes para a construção de referenciais para a compreensão da realidade
e o consequente posicionamento crítico diante da cultura existente? A autori-
dade e a diretividade, eticamente constituídas, têm a tarefa de desa�ar os alu-
nos a construírem a denúncia da realidade social em que vivem, a partir da
escola (SNYDERS, 1974), o que atribui caráter político-pedagógico à sala de au-
la.

As teorias acima possibilitam pensar em autoridade escravizante (mesmo que


posta em contexto democrático) e a autoridade libertadora. A dimensão da au-
toridade, aqui, é assumida em sua relação com a competência e a ética, ou se-
ja, no caso da escola e da sala de aula (mas, da mesma forma, ligada à educa-
ção em geral e à organização da sociedade), nas dimensões pedagógica (cons-
trução do conhecimento) e política (visão de mundo, compreensão e funda-
mentação da ação), conforme já anunciamos a partir de Paulo Freire. Isto é, é a
autoridade que orienta a criação e a recriação do conhecimento, na pesquisa
independente e formação crítica diante dos valores postos pelo modelo cultu-
ral vigente. Tal concepção deve ser �loso�camente fundada, ou seja, o proble-
ma da autoridade liga-se à sua necessária justi�cação ou ao fundamento que
sustenta a sua validade. Embora a tradição seja indispensável para recuperar
o passado que está em nós, enquanto retomada das grandes mensagens de
nossa cultura, de recuperação das raízes de nosso modo de ser e pensar, para
melhor compreender a nós mesmos e a história como um todo, tal perspectiva
não é su�ciente para garantir legitimidade ao exercício da autoridade. E é por
essa via que a dimensão de poder, sempre presente no exercício da autoridade
(acadêmico, político...), aparece de maneira bastante explícita.

Aceitando a histórica a�rmação da intrínseca relação entre autoridade e po-


der, passaremos a tecer breves considerações, as quais, entendemos, embasam
as ideias aqui defendidas. Exercitar o poder é atuar para que algo aconteça
conforme o esperado ou conforme o que é desejado ou proposto por quem co-
manda determinada ação. Ter poder sobre alguém é ter a capacidade de fazer
com que a sua ação se realize de acordo com um objetivo preconcebido por
quem detém posição privilegiada de comando. Mas o que legitima o exercício
do poder é a condição de possibilidade para a constituição ética e competente
da autoridade. Corresponde ao que aparece na proposta freiriana de organiza-
ção da escola, da sala de aula e da sociedade em geral. É através da legitimida-
de que as relações de poder vão se estabilizando e consolidando, podendo dar
origem a relações dialógicas vitais para a constituição da autoridade. A domi-
nação, o autoritarismo e, por que não, a licenciosidade são componentes de
uma relação de poder que se orienta por regras que se quer estáveis (mesmo
que não legítimas), mantidas pela força ou pela persuasão, ou seja, são rela-
ções encobridoras da concentração do poder no educador/na educadora, no
diretor/na diretora etc., no caso da escola.

Já a autoridade na perspectiva de Paulo Freire é a materialização de uma rela-


ção cuja constituição dá-se desde o diálogo que os sujeitos envolvidos estabe-
lecem. Mas como exercer a autoridade, mesmo baseada em concepções
teórico-práticas legítimas, num contexto cultural organizado para consolidar
a submissão a comportamentos necessários à manutenção e à atualização
dos modelos de produção e consumo como os vigentes?

Bourdieu (1997), discutindo a condição de possibilidade da liberdade, da auto-


nomia e da ação consciente, aponta quatro problemas que têm causa no siste-
ma de televisão hoje, particularmente desde o que ele denomina de
Telejornalismo: a difusão de visão parcial do mundo, a anulação do tempo ne-
cessário para que os indivíduos (telespectadores) possam re�etir acerca de
duvidosas e parciais informações que recebem, a destruição da heterogenei-
dade cultural e o risco a que está exposta a democracia. Ou seja, o que está em
questão são as condições dos humanos diante da carga cultural que recebem e
sua relação com outras instâncias de constituição de valores ético-morais pa-
ra pensar e construir relações sociais. Isto é, o que está em discussão são as
condições de interferência da escola e da autoridade pedagógico-política do/a
educador/a e da escola diante do poder da industrial cultural. Bourdieu, então,
fala dos meios de comunicação como instâncias produtoras de sensibilidade
para o consumo e não para a criação.

Assim, vale questionar: como construir a liberdade ou garantir a liberdade pa-


ra todos se o sistema em que vivemos é extremamente perverso, conforme ex-
pressão do próprio Freire? Frei Betto, através de artigo intitulado “Fora do neo-
liberalismo há salvação”?, fala do avanço tecnológico como fator de distancia-
mento cada vez mais acentuado entre uma minoria privilegiada e a maioria
que, no Brasil, sequer dispõe de rede de esgoto, instalações sanitárias, saúde,
educação quali�cada etc. Empresas duplicam ou triplicam a produção cortan-
do pela metade o número de trabalhadores. Qual a possibilidade de liberdade
que têm as pessoas submetidas constantemente à angústia da falta de empre-
go? Segundo Betto, o desemprego desestabiliza os humanos. Para os que ainda
estão empregados, o medo de perder o emprego cria instabilidade emocional,
levando as pessoas às drogas, ao alcoolismo, ao estresse etc. É assim que vão
sendo �rmados os mercados e os produtos na brutal concorrência que o mun-
do estabeleceu recentemente, baseada, pensamos, fundamentalmente nos
pressupostos teóricos elaborados por John Locke no século XVII (FREI BETTO,
1997).

Freire e a condição de possibilidade da liberdade na neces-


sária presença da autoridade
Diante da relação entre autoridade e liberdade, Freire explora a questão que
anunciamos anteriormente: a autoridade estará na força ou na persuasão,
através do que, instituições diversas escolas, prisões, manicômios etc., desen-
volvem jogos de poder buscando materializar a moral individual e tematizar a
ideia de ação errada ligada ao indivíduo originador da mesma e a de ação cor-
reta ligada à orientação institucional que é veiculada? Mais: cabe perguntar
qual a autoridade que nos ajuda a olhar o mundo? É a que emprega a força ou
a que se constitui desde a ética e a competência político-pedagógica? Como
perceber o quanto se está longe do mundo da vida, constituído por contradi-
ções sócio históricas que produzem desumanizações? Como descobrir as cau-
sas estruturais que determinam a marginalização e a exclusão de muitas pes-
soas? Como construir referenciais que permitam perceber e analisar as rela-
ções de autoritarismo da sociedade, da escola, da família etc.? Como superar a
dicotomia da participação e da democracia em um sistema autoritário, às ve-
zes, e democratista em outros? Como garantir, en�m, a liberdade humana di-
ante dos limites e possibilidades que, na condição histórica em que os huma-
nos se encontram, enfrentam?
Defendemos, na provisoriedade própria de uma hipótese, que Paulo Freire ela-
bora o seu texto a partir de experiências de vida político-pedagógicas orienta-
das por um projeto político, o qual parte de uma constatação: a sociedade bra-
sileira é injusta e o modelo cultural dominante usa mecanismos repressivos e
ideológicos para a sua manutenção. Freire busca, assim, apontar corajosa-
mente caminhos de libertação, de forma explícita e com direção política. E daí
a necessária presença da “autoridade político-pedagógica” nos processos edu-
cacionais em geral, defendida quando a�rma: “Não há disciplina no imobilis-
mo, na autoridade indiferente, distante, que entrega à liberdade os destinos de
si mesma. Na autoridade que se demite em nome do respeito à liberdade”.
Para ele, “... não há também disciplina no imobilismo da liberdade, à qual a au-
toridade impõe sua vontade, suas preferências como sendo as melhores para a
liberdade. Imobilismo a que se submete a liberdade intimidada ou movimento
da pura sublevação”. Por isso, “... é que a autoridade que se hipertro�a em auto-
ritarismo ou se atro�a em licenciosidade, perdendo o sentido do movimento,
se perde a si mesma e ameaça a liberdade. Na hipertro�a da autoridade, seu
movimento se robustece a tal ponto que imobiliza ou distorce totalmente o
movimento da liberdade”.

Da mesma forma, “a liberdade imobilizada por uma autoridade atrabiliária ou


chantagista é a liberdade que, não se tendo assumido, se perde na falsidade de
movimentos inautênticos...”. Defende, por �m, “uma democracia que, a�nal,
persiga a superação dos níveis de injustiças e de irresponsabilidade do capita-
lismo. [...] O professor deve ensinar. É preciso fazê-lo...” (FREIRE, 1993, p. 115-8).

É assim que a proposta passa pela crítica à prática produtiva do poder autori-
tário à construção da prática produtiva da liberdade coletiva e solidária atra-
vés da pedagogia da esperança e do diálogo. A perspectiva freiriana ultrapas-
sa tanto os limites do autoritarismo quanto da pedagogia da licenciosidade co-
mo condição de possibilidade para a superação do senso comum no processo
de construção do conhecimento e de transformação social. A questão é não
negar a liberdade de ser do outro, mas, da mesma forma, não abandonar a cri-
ança, o jovem, o educando (o/a outro/a) sem referências para a sua formação.
Por isso, entendemos que é necessário refazer a re�exão sobre a democracia e
o poder político. Esse poder, sim, que existe, mas nem sempre é facilmente
percebido. Daí a concepção de poder que, para Freire, como já dito, aproxima-
se do conceito de autoridade que desenvolve, correspondendo à capacidade
que humanos têm de, mediados pelo diálogo, aceitando a diferença (não do
antagônico), problematizar o “mundo vivido” ou a experiência imediata e de-
sa�ar (e deixar-se desa�ar) o interlocutor à superação do estágio em que se
encontra. É a materialização da possibilidade da “convivência com os diferen-
tes para que se possa melhor lutar com os antagônicos” (FREIRE, 1994, p. 39), o
que possibilita a construção de uma perspectiva que ultrapassa a visão di-
cotômica de poder, compreendendo as relações humanas como interdepen-
dentes e concebendo a in�uência das instituições e das pessoas, umas sobre
as outras.

O mundo vivido e imediato no qual se situa a escola deve passar por análises
aprofundadas em relação aos processos de formação das pessoas em geral. A
racionalidade sempre faz desa�os à universalidade ou à globalidade. E não ra-
ras vezes, os nossos referenciais de análise pouco contemplam de racional, no
sentido original do termo, ou seja, de compreensão ampla e global do contexto
desde o qual um determinado fenômeno (neste caso, a escola) é re�etido.
Recordamos Sünker (1994, p. 107), quando a�rma:

“Contra todas las críticas post-modernas al logocentrismo, hay que sostener que no
há tenido lugar un exceso de Ilustración sino uma carencia de ella. [...]”. E segue o
autor: “En consecuencia, contra las posiciones postmodernas hay que sostener en
forma decisiva que la ‘pluralización de formas de vida’ [...] sólo puede conseguirse
sobre el fundamento de un pensamiento universal, que nos proporcione la base pa-
ra una teoría del sujeto fundamentada teórica e intersubjetivamente, y que nos re-
mita tanto desde la perspectiva de la teoría como de la política social a las condici-
ones de posibilidad de un discurso sobre las ‘diferencias’”.

Por outro lado, as críticas que educadores/as têm feito ao planejamento, à exe-
cução e à avaliação do processo pedagógico, à ausência de democracia, à falta
de oportunidade de participação etc., são legítimas. Mas democracia não pode
ser confundida com luta por licenciosidades. Isto é, lutar por democracia não
é su�ciente e não resolve os problemas com os quais se defronta a escola pú-
blica, particularmente. São preocupações importantes, fundamentais, mas
apenas a partir de um contexto de lutas maiores que envolvem a revisão do
constructo axiológico da sociedade como um todo na qual se situa a escola. A
fala de Freire, a seguir, revela o caráter da discussão que aqui instauramos: “O
fato, contudo, de na teoria dialógica, no processo de organização, não ter a li-
derança o direito de impor arbitrariamente sua palavra, não signi�ca dever as-
sumir uma posição liberalista, que levaria as massas oprimidas – habituadas
à opressão – a licenciosidades”. Para Freire, “teoria dialógica da ação nega o
autoritarismo como nega a licenciosidade. E, ao fazê-lo, a�rma a autoridade e
a liberdade. Reconhece que se não há liberdade sem autoridade, não há esta
sem aquela”. Atando a discussão acerca da autoridade, Freire lembra: “A fonte
geradora, constituinte da autoridade autêntica, está na liberdade que em certo
momento se faz autoridade. Toda liberdade contém em si a possibilidade de
vir a ser, em circunstâncias especiais (e em níveis existenciais diferentes), au-
toridades [...] (FREIRE, 1982, p. 210-11).

Ou seja, considerando a história humana, encontrar respostas à problemática


da relação e coexistência, sempre tensa, porque humana, entre liberdade e au-
toridade, que Freire coloca também em relação à disciplina, é trabalho tam-
bém de educadores/as, portadores da tarefa da formação humana.

Uma das questões relacionadas às condições de possibilidade da liberdade


dos seres humanos é, conforme o próprio liberalismo clássico, como já dito, a
justa articulação entre os poderes da sociedade e os do Estado e a consequente
instauração da autoridade política. É a questão do jogo-limite entre a liberdade
pessoal dos indivíduos e a ideia da autoridade necessária do Estado ou qual-
quer outra instituição social para a garantia das liberdades individuais. Eis a
grande discussão que se instalou na modernidade. A tese defendida por Locke
é que, sem a autoridade, a liberdade torna-se frágil, inconsistente e restrita a
grupos ou indivíduos cujas posições na sociedade têm, na relação de poder,
hegemonia. Mas esqueceu o mesmo Locke que a sua própria proposta acabava
por garantir liberdade a um grupo – a classe burguesa – em detrimento de ou-
tros. Portanto, mesmo as instituições sociais, como o Estado, criadas pelos hu-
manos para a organização de suas relações, não garantiram a liberdade para
todos os humanos. Talvez porque esqueceram que o mundo humano é essen-
cialmente “tarefa cultural”, ou seja, é desa�o permanente para a (re)construção
do já construído e a construção de novos elementos culturais, parte integrante
do mundo da vida de humanos em sociedade e não dádiva divina, natural ou
obra de poucos iluminados.

A ação humana livre dá-se quando os humanos agem conscientemente, ou se-


ja, quando sabem o que fazem e por que fazem o que fazem, mesmo que en-
frentando os limites que as relações sociais lhes impõem. O ser humano, raci-
onal, é tanto mais livre quanto mais responsável for, ou seja, quanto mais ra-
zão houver na constituição dos atos praticados, considerando que a ação hu-
mana desenvolve-se à luz do conhecimento, proposta de Kant para que os ho-
mens cheguem à felicidade, embora dimensão insu�ciente para compreender
a complexidade do humano. Assim, o humano como ser de razão é um ser li-
vre. Livre é quem “é causa de si” na autodeterminação. Mas essa tese só se
sustenta diante da dimensão de universalidade dessa faculdade, ou seja, ser li-
vre na relação, “infernal” (expressão sartreana) ou não, com os outros. Pela ra-
cionalidade, o humano pode tornar-se capaz de transcender o mundo da cul-
tura e da sociedade já estabelecidos, enquanto instâncias limitadoras, mesmo
que aí residam, também, as possibilidades de realização desse mesmo huma-
no.

Freire: cruzando autonomia com a liberdade e a autoridade


Avançando na discussão proposta para este terceiro capítulo, pretendemos
apresentar, a seguir, a problemática da autonomia e a tensa relação com a au-
toridade e a liberdade. O propósito é dar destaque à concepção de autonomia
em Freire, buscando a elaboração de indicadores que auxiliem na re�exão so-
bre a sua relação com a liberdade e a autoridade, dimensões particularmente
presentes na escola. Conscientização, da mesma forma, é tema importante pa-
ra o presente estudo.

Para construir uma re�exão em torno da autoridade e da liberdade a partir de


Freire, a dimensão da autonomia é uma discussão que se impõe, pois esta pa-
rece ser a meta freiriana no processo educativo.

O ponto de partida são as relações político-pedagógicas que ocorrem particu-


larmente na escola, onde há, não poucas vezes, um processo de ensino-
aprendizagem que forma as pessoas para o individualismo, levando educan-
do, educanda, educador e educadora àquilo que se denomina de anomia ou
mantendo-os em estado heterônomo. Lembramos encontros com professoras
em cursos de formação inicial e seus relatos. As professoras a�rmam que pas-
saram a superar o autoritarismo e que a autonomia dos estudantes vai sendo
�rmada à medida que re�etem a própria prática à luz de teorias e experiências
que trocam e realizam com colegas. Mas, com que conceito de autonomia tra-
balham? A construção do conhecimento a partir da experiência da criança e a
solução dos problemas que surgem neste processo, pela própria criança, serão
elementos su�cientes para que possamos a�rmar que estamos construindo a
autonomia, tendo presente a necessária referência de sociedade injusta e desi-
gual na qual estas mesmas crianças vivem? Será que em muitas escolas não
estamos trabalhando na direção do conceito de autonomia que, hoje, interessa
sobremaneira ao modelo produtivo e consumidor hegemônico? Autonomia,
criatividade, autocrítica etc., conforme as exigências dos novos pressupostos
do mundo da produção e do consumo: serão tais concepções garantidoras de
consciência crítica e de independência em relação aos modelos culturais pos-
tos hegemonicamente hoje?

As recentes Políticas de Educação no Brasil propuseram que o aluno ingresse


na escola aos seis anos, que o ensino fundamental aumente de oito para nove
anos e que o educando tenha uma jornada cada vez maior na escola, passando
das atuais quatro horas (quando isso acontece) para sete ou mais horas diári-
as. Na perspectiva do modelo hegemônico, parece importante que isto ocorra
na medida em que o aumento da escolaridade favorecerá uma quali�cação
mais sólida para o processo de produção econômica que os novos tempos de-
mandam. A realização de atividades complementares às aulas, na escola, com
colegas e com assessoria de pessoal especializado, da mesma forma, garantirá
padrão de qualidade capaz de colocar a criança em condições de igualdade
nas diversas relações sociais em que se coloca. Assim, a criança orientada po-
derá, mais autonomamente e com mais qualidade, desempenhar a sua situa-
ção de indivíduo em formação. Mas será isto su�ciente à formação para a au-
tonomia consciente, crítica, que habilite pessoas a interferirem nos destinos
da história a ser construída, a qual, para o modelo hegemônico, já está deter-
minada?

A concepção de autonomia presente neste trabalho vincula-se à independên-


cia cooperativa que os sujeitos envolvidos, problematizados pela autoridade
legítima, são capazes de realizar, ou seja, vincula-se à capacidade que as pes-
soas adquirem de, conscientemente, assumirem posições de solidariedade e
de construção coletiva de projetos que atendam a objetivos comuns, desde as
elaborações singulares possíveis. A relação pedagógico-política que se trava
entre os sujeitos envolvidos em um determinado processo de ensino-
aprendizagem é mediada por jogos de poder. É nestas relações que se consti-
tuem ou não as condições de possibilidade para a instauração da liberdade.
Por isso é que a autoridade em Freire é uma presença formadora, na perspecti-
va da construção da autonomia crítica e capaz de assumir posições indepen-
dentes e solidárias, ao mesmo tempo, na busca desperta da liberdade.

Originalmente, o termo autonomia _ autós _ signi�ca por si próprio ou de si


mesmo. É a capacidade que alguém adquire de se governar por si mesmo; di-
reito ou faculdade de se reger (uma ação) por leis próprias; liberdade ou inde-
pendência moral ou intelectual; propriedade pela qual os seres humanos pre-
tendem poder escolher as leis que regem sua conduta.

Tendo por base a tradição �losó�ca, autonomia tem sua origem fortemente
marcada por Kant, o qual procurou designar a independência da vontade em
relação a todo desejo ou objeto de desejo e a capacidade dessa mesma vontade
do indivíduo para determinar-se, sempre em conformidade com uma lei pró-
pria, a da razão. Kant contrapõe a autonomia à heteronomia pela qual a vonta-
de é determinada pelos objetos da faculdade de desejar. Da mesma forma, os
ideais morais de felicidade ou de perfeição supõem a heteronomia da vontade,
supõem que ela seja determinada pelo desejo de alcançá-los e não por uma lei
sua e própria. A independência da vontade em relação a qualquer objeto dese-
jado é a liberdade no sentido negativo, ao passo que a sua legislação própria
(como razão prática) é a liberdade no sentido positivo. A lei moral não expri-
me nada mais do que a autonomia da razão prática, isto é, da liberdade.

Kant desenvolve as suas re�exões pedagógicas tendo presente o constructo �-


losó�co acima anunciado, buscando atender às exigências da constituição do
“imperativo moral” que recai sobre o indivíduo, cuja observância garante a es-
se mesmo indivíduo autonomia. A questão central em Kant parece ser a se-
guinte: para além de relações pedagógicas na atividade formativa ou no pro-
cesso formativo que se dá entre educador e educando, há o problema do mun-
do que depende do homem para ser compreendido e produzido.

Há uma possível aproximação, a partir de perspectivas epistemológicas e so-


ciais diferentes, entre as re�exões de Kant e de Freire. Destacamos um ele-
mento que tem sido objeto de dúvidas e questionamentos, elaborados e ex-
pressados por professoras e professores com os quais temos atuado, buscando
interlocuções em torno da relação entre autoridade e liberdade: é possível ga-
rantir liberdade, tanto ao educando quanto ao educador, diante do exercício da
autoridade por parte de alguém? As diferenças político-antropológico-
pedagógicas entre Freire (“social”) e Kant (“individual”) não impedem aproxi-
mações entre os pensadores, em especial no que diz respeito à constituição
das condições de liberdade pelo ser humano.

Kant foi aqui retomado porque a sua re�exão, apostamos, é provocativa e in-
�uenciadora de produções seguintes sobre moral, autonomia etc. Mas a dis-
cussão que propomos neste texto inverte o ponto de partida kantiano e a re�e-
xão é elaborada a partir das condições de possibilidade dos humanos, isto é,
face o mundo da não liberdade, da autoridade autoritária e, não raras vezes, da
heteronomia, ou, até, da anomia.

Paulo Freire não se detém no desenvolvimento de um conceito de autonomia,


a priori, anterior ao que a experiência re�etida possibilita. A sua re�exão está
presente nas incursões que vai fazendo a respeito de “saberes necessários à
prática educativa”, conforme re�exão exposta em Pedagogia da autonomia
(1997) e outros escritos. Mais ainda: Freire intitula Pedagogia da autonomia a
uma de suas últimas e principais obras, re�etindo exaustivamente temas co-
mo autoridade, liberdade, competência, ética etc. O que leva Freire a apresen-
tar, assim, a sua re�exão sobre autonomia? É, pensamos, a própria compreen-
são de autonomia que o faz seguir o caminho da discussão sobre ética, compe-
tência e autoridade.

O �m da opressão do ser humano e a consequente produção de condição para


participar de processos sociais de construção da vida, em especial o respeito à
dimensão humana do educando, conforme Freire passam pela construção da
autonomia do mesmo. Para tanto, há que se criticar (no sentido original de
“pôr em crise”) permanentemente “à malvadez neoliberal, ao cinismo da ideo-
logia fatalista e sua recusa in�exível ao sonho e à utopia” (FREIRE, 1997), às
incertezas do futuro, não apenas na dimensão existencial, mas, especialmen-
te, em relação às incertezas diante do mundo do trabalho, por exemplo. A luta
para mudar o quadro posto passa pela formação para a autonomia, ou seja,
não se justi�caria a preocupação com autonomia se a história apenas fosse re-
conhecida como dada, previamente determinada ou imutável. Portanto, a
construção de referenciais para pensar a autonomia depende do reconheci-
mento de que somos condicionados, mas não determinados. É assim exposta
a possibilidade da construção da própria história.

O que ocorre, segundo Freire, é que a “ideologia fatalista, imobilizante, que ani-
ma o discurso neoliberal, anda solta no mundo. Com ares de pós-
modernidade, insiste em convencer-nos de que nada podemos contra a reali-
dade social, que, de histórica e cultural, passa a ser ou a virar “quase natural”
(id, p. 65), onde o que aparece em destaque é a coerência que é exigida de quem
busca e defende a autonomia do outro, do educando. “Saber que devo respeito
à autonomia, à dignidade e à identidade do educando e, na prática, procurar a
coerência com este saber, me leva inapelavelmente à criação de algumas vir-
tudes ou qualidades sem as quais aquele saber vira inautêntico...” (idem, p. 69).

Para o educador que sabe que deve respeitar a dignidade do educando, a sua
autonomia e a sua identidade no processo, Freire aponta uma exigência de re-
alização e não de negação deste conhecimento, o que demanda re�exões críti-
cas permanentes sobre a prática educativa.

Freire não separa a re�exão sobre autonomia, identidade e dignidade do edu-


cando. Esta re�exão conjunta exige um acentuado esforço do educador no
sentido de diminuir, cada vez mais, a distância entre o que é dito e o que é fei-
to.

Ao iniciar esta re�exão, apontávamos para a indispensável relação entre auto-


ridade e autonomia, ou seja, a autoridade legítima, conforme Freire, que possi-
bilita a instalação de condições para a construção da autonomia séria, compe-
tente, comprometida etc. A autoridade, neste sentido, tem a indispensável pre-
sença na formação dos educandos para a autonomia. É o que Freire a�rma na
citação abaixo, aqui retomada na perspectiva da construção da autonomia: “Se
trabalho com crianças, devo estar atento à difícil passagem ou caminhada da
heteronomia para a autonomia, atento à responsabilidade de minha presença
que tanto pode ser auxiliadora como pode virar perturbadora da busca inquie-
ta dos educandos...”. Da mesma forma, se o trabalho é com jovens ou adultos:
“... não menos atento devo estar com relação a que o meu trabalho possa signi-
�car como estímulo ou não à ruptura necessária com algo defeituosamente
assentado e à espera de superação (idem, p. 78).
Se a autoridade pode ser presença negativa, isto é, a presença que inibe a bus-
ca inquieta do educando, a que nega a possibilidade da curiosidade epistemo-
logicamente humana, pode, essa mesma autoridade, conforme Freire, ser pre-
sença desa�adora, competente e ética, capaz de produzir formação autônoma,
mas comprometida com a construção de uma vida humanamente digna para
todos. E a autonomia é construída, no âmbito da formação escolarizada, pela
capacidade que o educador tem de atuar com segurança, com competência
pro�ssional e com generosidade. Esse é o pressuposto para o exercício da au-
toridade libertadora ou a serviço da formação para a liberdade. O fundamental,
“... nas relações entre educador e educando, entre autoridade e liberdades, en-
tre pais, mães, �lhos e �lhas, é a reinvenção do ser humano no aprendizado de
sua autonomia (idem, p. 105).

Partindo da tese de que a “liberdade sem limite é tão negada quanto a liberda-
de as�xiada ou castrada” (idem, p. 118) é que Freire defende a possibilidade da
construção da autonomia. Autonomia essa que, além de histórica, constrói-se
na criatividade e na tensa relação entre liberdade e autoridade: “Uma pedago-
gia autoritária, ou um regime político autoritário, não permite a liberdade ne-
cessária à criatividade, e é preciso criatividade para se aprender” (FREIRE e
SHOR, 1996,p. 31). E Freire continua: “... corremos também o risco de, negando
à liberdade o direito de a�rmar-se, exacerbar a autoridade ou, atro�ando esta,
hipertro�ar aquela” (1994, p. 23). A indispensável liberdade “é uma conquista e
não uma doação, exige permanente busca [...] que só existe no ato responsável
de quem a faz. Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por
ela precisamente porque não a tem” (FREIRE, 1982, p. 35).

Ou seja, é decidindo, com os/as outros/as, que se aprende a decidir, por exem-
plo, num mundo repleto de autoritarismos e licenciosidades. A minha liberda-
de, a liberdade de cada um (autonomia), cresce no confronto com outras liber-
dades, com outras opções etc., com as diferenças, em cuja história de perver-
são social e de exclusão exige que se construam elos de encontros na busca
desperta e utópica de relações sociais dignas para todos. É o que Freire re�ete
diante da relação entre pais e �lhos: “O que é preciso [...] é que o �lho assuma
eticamente, responsavelmente, sua decisão, fundante de sua autonomia.
Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se consti-
tuindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas”
(FREIRE, 1997, p. 120).
A humildade permite que, conhecendo os limites, o caminho na direção do ser
mais seja iniciado; é a atitude de coragem que o humano, sabendo dos limites,
sabe o que quer e avança no possível; que sabe que nunca “está pronto”, que
não se contenta com o que faz e que busca sempre avançar, analisando sem-
pre as condições que existem como ponto de partida.

Portanto, liberdade, autoridade e autonomia são construções inseparáveis em


Freire, o que garante um processo, em nível de escola, por exemplo, não desco-
lado do mundo da vida e, por isso, comprometido com a construção de uma
história radicalmente humana, como um ato solidário de intervenção no mun-
do. Para tanto, Freire é extremamente exigente com a coerência pedagógica,
ética, humana, social dos educadores: “Não há nada talvez que desgaste mais
um professor que se diz progressista do que sua prática racista, por exemplo. É
interessante observar como há mais coerência entre os intelectuais autoritári-
os, de direita e de esquerda. Di�cilmente contribui, de maneira deliberada e
consciente, para a constituição e a solidez da autonomia do ser do educando”
(idem, p. 123).

Ele é intransigente na luta apaixonada pela formação autônoma das pessoas,


formação esta que “aposta no ser humano” e que não se dá separada de outras
lutas. É o que a�rma ao apresentar a obra de McLaren (1997): “O gosto pela au-
tonomia, a luta por mantê-la, a busca da criatividade [...], a busca da clareza, a
coragem de expor-se, o gosto do risco, a pureza sem puritanismo, a humildade
sem servilismo são aspirações à procura de concretização... (FREIRE, in
MCLAREM, 1977, p. 12).

Outro caminho, não descolado do que até aqui buscamos trilhar, para cons-
truir ou reconstruir a re�exão sobre autonomia em Freire, é a relação que esta
categoria tem com “conscientização, com construção ou formação da consci-
ência, com a formação do espírito crítico etc., e a busca desperta, pela curiosi-
dade, da compreensão do mundo”. Assim, coloca-se Freire diante da questão:
“A conscientização é o aprofundamento da tomada de consciência, mas nem
toda tomada de consciência se alonga obrigatoriamente em conscientização”.
E é neste sentido, prossegue o autor, “... que a pura tomada de consciência a
que falte a curiosidade cautelosa, mas arriscada, a re�exão crítica, a rigorosi-
dade dos procedimentos de aproximação ao objeto �ca no nível do ‘senso co-
mum’” (FREIRE, 1991, p. 113).
Os seres humanos vivem permanentemente em tensão entre o reino da neces-
sidade e o reino da liberdade. A dimensão física do humano, reino de necessi-
dades, não está posta, como em algumas teorias clássicas ou contemporâneas,
independentemente da liberdade. O ser humano, mesmo que se admita ser
fundamentalmente sujeito de sua própria história, é condicionado em sua si-
tuação de liberdade pelas circunstâncias em que vive. A moral, então, que é
uma dimensão do social do qual os humanos participam, regula as ações dos
indivíduos.

Assim, a busca da autonomia está, em Freire, diretamente relacionada à con-


dição de possibilidade de realização tanto da necessidade quanto da liberdade,
dimensões, respectivamente, histórica e ontológica, constituidoras do huma-
no. Mais ainda: o humano, em Freire, não é um ser pré-existente ou desde
sempre constituído, mas produz-se na medida mesma da construção
histórico-social que ele vai realizando. A aposta na capacidade do humano de
construir a própria história garante a condição para interferir na formação de
si, na transformação dos objetos com os quais interage e, da mesma forma, na
ação com os demais. Para tanto, o ponto de partida para a construção da auto-
nomia do ser humano e do educando em particular são os próprios sujeitos
envolvidos: o seu mundo, a sua cultura, a representação que fazem de si, da
história, dos outros etc. Freire acentua, neste particular, a dimensão política e
a formação da subjetividade através das re�exões sobre consciência e consci-
entização. Quando os/as educadores/as escrevem os seus relatórios, as suas
dúvidas, as suas práticas, os seus memoriais, em torno dos quais, felizmente,
hoje, muitas salas de aula constituem-se, descobrem-se como subjetividades,
cujas identidades não ainda estão constituídas. Esse jogo de descobrir-se ao
recompor a sua trajetória faz parte da descoberta e da a�rmação do educador.

E é nesse contexto que se coloca a compreensão da condição de possibilidade


para a construção da autonomia e, consequentemente, da relação entre liber-
dade e autoridade interferidora na formação moral do humano, presente em
Freire. Mais: a autoridade é positivamente posta como condição de possibili-
dade para a autonomia e para a liberdade.

Há em Freire uma re�exão sobre a perspectiva da ação responsável diante de


um mundo que precisa ser construído com referências éticas universais. Ante
tal observação, colocamo-nos em posição de concordância com Canan quando
a�rma: “Se desconsiderarmos a ideia de universalismo moral e defendermos
um relativismo cultural/moral, provavelmente nossos argumentos em defesa
de uma sociedade mais justa, mais humana e igualitária não existirão”. Para a
autora, “relativizar os valores morais, fazendo-os provir unicamente do meio
social em que são produzidos, faz com que a ideia de universalidade seja
abandonada como se nela já não estivessem contidas diferenças produzidas
pelos diversos meios sociais” (CANAN, 1997, p. 66).

Retomando, Freire fala da autonomia pela via da conscientização. Na relação


de aprendizagem, pensamos, o autor não descarta, na perspectiva da forma-
ção para a autonomia, dimensões como educando ativo, mediação pelo diálo-
go, mudança das atividades relacionadas com o conteúdo que tenha como
ponto de partida a própria realidade cultural do educando etc. Em particular, o
diálogo, sendo uma exigência existencial, é uma relação de criação que educa-
dor, educadora, educando e educanda produzem. Educando, na criação dialó-
gica, encontra-se a caminho da formação para a autonomia. O diálogo é a con-
dição de possibilidade para a problematização do senso comum, das ingenui-
dades, tanto do educando quanto do educador, cuja superação permite-lhes
situar-se no mundo de forma autônoma, mas com os outros.

Ainda: Freire fala da ética necessária para que uma ação, autônoma, possa ser
considerada moralmente correta. Condenando a ética pragmatista do capita-
lismo, ao mesmo tempo neoliberal e selvagem, Freire a�rma: “Falo, pelo con-
trário, da ética universal do ser humano. Da ética que condena o cinismo do
discurso [...], que condena a exploração da força de trabalho do ser humano [...].
A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória
de raça, de gênero, de classe” (FREIRE, 1997, p.17).

É possível e fundamental demonstrar que Freire tem um projeto político-


pedagógico a partir do qual entende que deve se dar a ação e a re�exão do
educador. A práxis pedagógica a que se refere envolve o mundo das relações
mais amplas, nas quais educador e educando atuam. E para capturar essa di-
mensão, não há outra saída senão entrar em sintonia com essa história que
acontece cotidianamente. Mas é imprescindível a ação político-pedagógica de
alguém para que, nas relações sociais amplas, os sujeitos possam atuar de
maneira crítica, criativa, independente, autônoma, mas sempre solidária.
Portanto, as ações de intervenção social a favor da formação dos sujeitos de-
pendem de formação, não apenas de formação escolar. E a questão é que o
ponto de partida é extremamente exigente e complexo, ou seja, a situação so-
cioeconômica em que vivemos é das mais desumanas. Mas esta é a referência
a partir da qual se deve iniciar o processo de ação junto aos sujeitos com os
quais buscamos eticamente atuar como educadores.

Para tanto, central é a compreensão do mundo complexo das relações de po-


der. O oprimido também é opressor e não apenas potencialmente um ser que
carrega consigo a opressão. No cotidiano das relações que experiência, o opri-
mido oprime familiares, vizinhança, colegas de trabalho, de escola etc.
Ademais, central é a�rmar que o conceito ou o par conceitual opressor-
oprimido não está ultrapassado nem pela história que homens e mulheres
continuam fazendo e nem pelo próprio Paulo Freire, visto que em seus últimos
escritos, como, por exemplo, Pedagogia da autonomia (1997) e Cartas pedagó-
gicas (2000), fala da necessidade do diálogo permanente. Diálogo que supera o
autoritarismo e que é indicador de uma relação que ultrapassa a própria “ati-
tude licenciosa” e a tendência à opressão. É a sempre presente vigilância que
todos devemos nos colocar como tarefa. A autonomia é fruto da superação das
condições de submissão que vive o humano.

Os conceitos de tomada de consciência e conscientização em Freire são cami-


nhos que possibilitam pensar a dimensão da autonomia. Há um processo des-
crito em Freire para que o humano alcance o estágio da conscientização e,
pensamos, consequentemente, da autonomia. É como que uma possibilidade
de poder transitar por diferentes estágios para chegar a um momento de cons-
ciência interferidora e autônoma no mundo. Isto é, estágio em que o humano
faz história, cria cultura de forma crítica e consciente (FREIRE, 1980).

A consciência do inacabamento em Freire é dimensão indispensável ao pro-


cesso de construção da autonomia. Isso porque tal dimensão permite ao hu-
mano inserir-se em um processo de “fazer e refazer” a história. Processo, este,
desa�ador, capaz de provocar no sujeito a necessária tomada de atitude diante
do mundo em que ele se insere. E isto só é possível na dimensão da autonomia
que torna o sujeito capaz de, sabendo-se incompleto, inacabado, agir teórica e
praticamente (CHIGGI; PITANO, 2009).
 

11. Sugestão de vídeo e momento de re�exão


Como visto, abordamos o Método Paulo Freire, suas etapas, suas fases de apli-
cação, trazendo um recorte do método e, por �m, passamos pela  discussão so-
bre o uso de cartilhas, as quais amplamente utilizadas na Educação de Jovens
e Adultos da época não possibilitavam a formação re�exiva e crítica, e nem le-
vavam em conta a cultura e a experiência de vida do aluno.

Agora, para melhor compreender o Método Paulo Freire de alfabetização de


adultos, assista ao vídeo a seguir:

Sugerimos, agora, que você dê uma pausa na sua leitura e re�ita sobre sua
aprendizagem realizando a questão a seguir.

12. Considerações
Vimos ao longo do ciclo 4 vários pontos relacionados a Educação de Jovens e
Adultos, como o alunado se caracteriza nesta modalidade de ensino, quais são
suas motivações, e infelizmente, detectamos que ainda, grande parcela da
nossa população não teve acesso ao ensino no tempo adequado, voltando a
buscar por melhorias na qualidade de vida, no crescimento pessoal e mesmo
pela alfabetização, quando jovens ou adultos. Neste contexto, é fundamental
que o educador de jovens e adultos tenha consciência e respaldo teórico su�ci-
ente para atuar nesta modalidade, considerando a experiência de seus alunos,
re�etindo sobre a relação afetiva estabelecida com estes, e buscando por me-
todologias apropriadas, que não os infantilize, mas que estabeleça uma cone-
xão com suas reais expectativas.
(https://md.claretiano.edu.br

/psideseducrijovadu-gs0056-fev-2022-grad-ead-p/)

Ciclo 5 – A Andragogia e a Aprendizagem dos


Adultos. O Desenvolvimento dos Jovens e Adultos

Ana Maria Tassinari


Maria Cecília Nogueira Garcia Pupin
Vera Lucia Casari Parreira

Objetivos
• Identi�car como a Andragogia contribui para o processo de desenvolvi-
mento e aprendizagem de adultos.
• Compreender e identi�car as características da aprendizagem adulta.
• Veri�car a relação entre Pedagogia versus Andragogia no contexto da
EJA.
• Identi�car as características de desenvolvimento dos jovens, adultos, e
terceira idade nas dimensões cognitiva, afetiva, social.

Conteúdos
• Relação da Pedagogia x Andragogia com a educação.
• Características do desenvolvimento e da aprendizagem de jovens e adul-
tos, e terceira idade.
• Di�culdades de aprendizagem do adulto.

Problematização
O que signi�ca Andragogia? Quais as características da aprendizagem adul-
ta? Quais as características do desenvolvimento na adolescência, pensando
no desenvolvimento físico, emocional-social e cognitivo? E quais as caracte-
rísticas de desenvolvimento na vida adulta, e terceira idade?
1. Introdução
Veremos neste ciclo a proposta da andragogia, seus princípios e pilares, sua
diferença em relação a Pedagogia, e as características de desenvolvimento dos
adolescentes, adultos e idosos, considerando as dimensões cognitiva, social e
emocional. Esperamos, que os conteúdos abordados neste ciclo possam lhe
oferecer uma visão mais clara e ao mesmo tempo prática de como trabalhar a
aprendizagem dos adultos.

2. Andragogia: princípios, pilares, e a relação


da Pedagogia versus Andragogia com a
Educação
Entre todos os seres da natureza, o mais desenvolvido é o homem, uma vez
que é o único a ter consciência dos atos que pratica e, também, o único com
capacidade de ampliar e apropriar-se de conhecimentos por vontade própria.

Durante toda a sua vida, ele evolui por meio do aprendizado contínuo.
Portanto:

A Andragogia estuda o adulto por completo: sua vida, seu trabalho, seus sentimen-
tos, suas habilidades, seus gostos, seu comportamento, en�m, tudo que está relacio-
nado com o seu ser (RODRIGUES, 2010).

Quando falamos em Andragogia falamos de aprendizagem e educação de


adultos em vários contextos: formal, e também informal, como em empresas,
por exemplo. Compreender a proposta andragógica requer que conheçamos as
características de desenvolvimento dos jovens e adultos, as quais serão abor-
dadas no próximo tópico. Requer também que consideremos a aprendizagem
num sentido mais global, pois os adultos constroem seus conhecimentos a
partir das experiências de vida, por meio de seu trabalho, de suas relações,
evoluindo por meio de um aprendizado constante.
Andragogia
Em 1833, o professor alemão Alexander Kapp usou pela primeira vez o termo
“Andragogia” para descrever a teoria educativa de Platão.

Sabemos que as experiências de vida na aprendizagem dos adultos é de gran-


de relevância. E, para que eles possam participar ativamente do processo de
ensino-aprendizagem, intervindo nas rotinas e nos programas em condições
de equidade com seus pares e professores, a Andragogia tem muito a oferecer.

À medida que se amadurece, várias transformações ocorrem no ser humano.


Knowles (1970) descreve-as assim:

• as pessoas deixam de ser dependentes para se tornarem indivíduos indepen-


dentes, autodirecionados;
• acumulam experiências de vida, as quais serão o fundamento e o substrato de
seu próprio aprendizado futuro;
• seus interesses pelo aprendizado se direcionam para o desenvolvimento de
habilidades que serão utilizadas na sua vida pessoal e pro�ssional;
• esperam uma imediata aplicação prática do que foi aprendido e reduzem seu
interesse por conhecimentos de aplicação futura;
• preferem aprender para resolver problemas e desa�os do cotidiano, mais do
que simplesmente aprender um determinado tema;
• passam a apresentar motivações internas, como desejar uma promoção,
sentir-se realizado por ser capaz de realizar uma ação recém aprendida, me-
lhorar sua qualidade de vida, etc. Esta motivação interna é muito mais inten-
sa que motivações externas como notas e avaliações de provas e testes (FAVA,
2010).

Princípios básicos da Andragogia


O professor, assumindo a condição de facilitador, deve considerar os seguintes
princípios:
• compartilhar experiências é fundamental para o adulto, tanto para reforçar
suas crenças como para in�uenciar as atitudes dos outros;
• a relação educacional do adulto é baseada entre o professor e o aluno, tam-
bém denominado aprendiz, onde ambos aprendem entre si, em clima de li-
berdade e pró-ação;
• o foco central é a aprendizagem, não o ensino;
• aprender signi�ca adquirir conhecimentos, habilidades e atitudes;
• o processo de aprendizagem se desenvolve na seguinte ordem: sensibilização
(motivação), pesquisa (estudo), discussão (esclarecimento), experimentação
(prática), conclusão (convergência) e compartilhamento (sedimentação);
• o diálogo é a essência do relacionamento, portanto a comunicação só se efeti-
va através dele;
• professor (facilitador) e aluno (aprendiz) compartilham o conhecimento de
um com a experiência do outro. Fica difícil distinguir quem aprende mais, se
o professor ou o aluno. O aprendizado andragógico é caminho de duas vias e
não um caminho de mão única como a Pedagogia;
• o professor necessita ter humildade su�ciente para "descer do pedestal da cá-
tedra" e situar-se no mesmo plano de aprendizagem para, através do compar-
tilhamento, se desenvolver junto com o aluno;
• o aluno (aprendiz) deve ter consciência que também necessita mudar seus
valores e suas crenças (aprender a desaprender para reaprender) e ter mais
�exibilidade para aumentar sua capacidade de aprendizado;
• o aluno (aprendiz) deve estar motivado para uma aprendizagem ao longo de
toda a sua vida, tornando-se, com o passar dos anos, mais competente, seguro
de suas habilidades e comprometido com a sociedade na qual vive e onde
serve (FAVA, 2010).

Pilares da Andragogia
Linderman (1926), um dos maiores pesquisadores da educação de adultos, des-
creve os cinco pilares da Andragogia. São eles:
• adultos são motivados a aprender à medida que percebem que as necessida-
des e interesses que buscam estão e continuarão sendo satisfeitos. Por isso
estes são os pontos mais apropriados para se dar início à organização das ati-
vidades de aprendizagem de adultos;
• a orientação da aprendizagem dos adultos está centrada em vida; portanto, as
unidades apropriadas para se organizar seu programa de aprendizagem são
as situações de vida e não disciplinas. O aluno é quem deve determinar junto
aos professores o que deve ser ensinado para que seus anseios sejam satisfei-
tos;
• a experiência é a mais rica fonte para o adulto aprender; assim, o centro da
metodologia da educação do adulto é a análise das experiências externas e do
próprio cotidiano de cada aluno. Praticamente todo o conteúdo deve ser de
utilidade prática e imediata; porém, devem resultar em mudanças de atitude
e aperfeiçoamento de habilidades passíveis de gerar resultados a longo prazo.
O adulto aprende aquilo que faz e vivencia, sendo a experiência seu próprio
livro-texto;
• adultos têm uma profunda necessidade de ser autodirigidos: por isso o papel
dos professores é engajar-se no processo de mútua investigação com os alu-
nos e não apenas transmitir-lhes seu conhecimento e depois avaliá-los;
• as diferenças individuais entre as pessoas crescem com a idade; desta forma,
a educação de adultos deve considerar as diferenças de estilo, tempo, lugar e
ritmo de aprendizagem (FAVA, 2010).

3. Abordagem Filosó�ca a respeito da aprendi-


zagem de adultos
Vamos conhecer, a seguir, as abordagens �losó�cas de vários autores sobre
Andragogia.

Etmologicamente, o termo "pedagogia" refere-se à educação de crianças, e o


termo “andragogia”, a educação e à aprendizagem de adultos, os quais já pos-
suem um "rol" de conhecimentos e experiências e, por isso, não devem ser tra-
tados como crianças.

Os fatos estudados de acordo com a perspectiva da Psicologia apontam resul-


tados que demandam respostas práticas (pedagógico-andragógicas). Como
a�rma Mello (1974, p. 242):
não se tem conseguido todavia um plano de didática, com resultados muito positi-
vos quando se trata de aprendizagem complexa, que envolvem vários aspectos in-
telectuais, motores e afetivos que comprometem toda a personalidade de quem
quer aprender.

4. Psicologia do adulto
A palavra “adulto” vem do latim “adultus”, que signi�ca “crescer”. Em sua opi-
nião, em qual idade a pessoa é considerada adulta? Para responder a essa
questão, vamos continuar nossos estudos. Conforme Oliveira (2001, p. 18) a�r-
ma, a pessoa adulta:

[...] traz consigo uma história mais longa (e provavelmente mais complexa) de ex-
periências, conhecimentos acumulados e re�exões sobre o mundo externo, sobre si
mesmo e sobre as outras pessoas.
Com relação à inserção em situações de aprendizagem, essas peculiaridades da
etapa de vida em que se encontra o adulto fazem com que ele traga consigo dife-
rentes habilidades e di�culdades (em comparação à criança) e, provavelmente,
maior capacidade de re�exão sobre o conhecimento e sobre seus próprios proces-
sos de aprendizagem.

Podemos reconhecer que as características especiais referentes ao aprendiza-


do do adulto dependem da psicologia própria à idade evolutiva.

5. Educação do adulto
O processo de formação que se inicia com pessoas maiores de 18 anos que não
tiveram acesso ao sistema educativo ou que, por algum motivo, tiveram de
sair sem terminá-lo ou concluí-lo é conhecido por Educação de Adultos. Isso
permitirá que a pessoa adulta enfrente os desa�os impostos pela família, pelo
mundo do trabalho e pela comunidade nos diversos contextos socioculturais
distintos, enriquecendo conhecimentos e desenvolvendo aptidões e, conse-
quentemente, a competência pro�ssional e técnica.

Compreendida como um conjunto de metodologias, teorias, técnicas e estraté-


gias, a Pedagogia do adulto propõe a aprendizagem individual e o ensino, ini-
cialmente em suas potencialidades como pessoa para que o aluno se relacione
bem com o outro.

6. Di�culdades de aprendizagem do adulto


Vamos apresentar, agora, algumas das di�culdades em relação à aprendiza-
gem do adulto, segundo Arretio (apud FERREIRA; OLIVEIRA, 2010):

• Alcance das metas sonhadas na adolescência.


• Diminuição da curiosidade juvenil.
• A inteligência paralisa-se e a memória diminui. Nessa fase, não há inte-
resse pelas teorias e ideias abstratas, mas sim pelos problemas da vida.
• Há redução da reação sensorial, o que torna o aprendizado lento.
• Quem tem pouca experiência no estudo se considera pouco dotado para o
desa�o de determinadas metas intelectuais.
• Adaptação lenta a novas situações.
• Cansaço e escassez de tempo para dedicar-se aos estudos.

Relação da Pedagogia x Androgogia com a educação


Busca-se trilhar caminhos novos com clareza e compreensão para o adulto
por meio da Andragogia, em um processo participatório e contínuo, auxilian-
do a pessoa a signi�car sua experiência.

Exploram-se, assim, a personalidade do adulto e o seu mundo, de modo a obje-


tivar mudanças em sua vida e no mundo do outro.

O processo de aprendizado do adulto ou de uma criança mantém-se em cons-


tante evolução por toda a vida. Entretanto, o modelo atual de educação nem
sempre respeita a diversidade cultural desses alunos, principalmente no que
se refere à faixa etária.

Dessa forma, na Educação de Adultos (alfabetização), é preciso observar aten-


tamente os fatores que os acompanham, como: sua rotina, seus hábitos, se são
conformados, observadores, experientes, independentes e inteligentes. Por
não conseguirem atuar integralmente na sociedade, sentem-se inibidos e,
muitas vezes, consideram que tudo é mais difícil para eles. Entre os precon-
ceitos sociais contra os adultos, destacamos os seguintes:

• Eles têm muita di�culdade de aprender coisas novas.


• Não têm boa memória para coisas novas.
• Têm pouco interesse ou curiosidade.

Atualmente, vivemos a era do conhecimento, na qual o “saber fazer” passa a


ser essencial. Portanto, torna-se imprescindível oportunizar o aprendizado às
pessoas.

Assim, em todas as suas instâncias – educacional ou pro�ssionalmente – a


Andragogia deve explorar e estabelecer parâmetros novos em relação à
Educação de Adultos.

Para compreender melhor, vejamos o Quadro 1, no qual estão situadas as ca-


racterísticas da aprendizagem na Andragogia.

Quadro 1 Características da Aprendizagem.

CARACTERÍSTICAS DA
ANDRAGOGIA
APRENDIZAGEM

A aprendizagem adquire uma carac-


terística mais centrada no aluno, na
Relação professor/aluno
independência e na autogestão da
aprendizagem.

Pessoas aprendem o que realmente


Razões da aprendizagem precisam saber (aprendizagem para a
aplicação prática na vida diária).

A experiência é rica fonte de aprendi-


Experiência do aluno zagem, por meio da discussão e da
solução de problemas em grupo.

Aprendizagem baseada em proble-


Orientação da aprendizagem mas exigindo conhecimentos para se
chegar à solução.
Fonte: Teixeira (2010).
Características da aprendizagem adulta
É necessário que você saiba que a aprendizagem do adulto deve ser diferenci-
ada, pois ele traz consigo uma grande bagagem pessoal, que tem como pilares:

1. Aprender a conhecer: desenvolver habilidades, destrezas, hábitos, atitu-


des e valores, que lhe permita adquirir as ferramentas da compreensão
como meio para entender o mundo em que vive; viver com dignidade,
comunicar-se com os demais e valorizar as vantagens do conhecimento
e da investigação.
2. Aprender a fazer: desenvolver sua capacidade de inovar, criar estratégias,
meios e ferramentas que permitam combinar os conhecimentos teóricos
e práticos com o comportamento sociocultural; desenvolver aptidões pa-
ra trabalhar em equipe e capacidade de iniciativa, assumindo responsa-
bilidades.
3. Aprender a ser: desenvolver a integridade física, intelectual, social, afeti-
va e ética da pessoa, em sua qualidade de adulto, de trabalhador, de mem-
bro de uma família, de estudante e de cidadão (FERREIRA; OLIVEIRA,
2010).

Na Andragogia, o formador é um incentivador da aprendizagem. Para estabe-


lecer a orientação adequada dos conhecimentos e metodologias de aprendiza-
gem, ele deve saber como o trabalhador quali�cado e o semiquali�cado apren-
dem. Assim, é possível dirigir o desenvolvimento das capacidades que neces-
sitam ser potencializadas.

Toda intervenção educativa no adulto deve considerar que, no aprendizado,


desaprender é a parte mais relevante e que se constitui em resistência interna
do sujeito.

7. Andragogia: novas possibilidades


Para permanecer no mercado de trabalho, os pro�ssionais conscientizam-se,
cada vez mais, de que devem investir na aprendizagem contínua, processada
na criação e na elaboração de novos conhecimentos.

Em pleno século 21, mudanças vêm ocorrendo em todas as áreas e, quanto


mais rapidamente ocorrem, maior o impacto sobre os educandos, uma vez que
estes têm de se adaptar à nova situação.

O que garante a sobrevivência e o desenvolvimento acadêmico do educando


adulto é justamente esse processo de adaptação contínua, conduzindo-o com
capacidade para decidir, mudar, aprender e, principalmente, aprender a apren-
der (aliás, um dos quatro pilares da educação neste século). Assim, para
Mucchielli (1981 apud GIANCATERINO, 2010), educar é:

assinalar como de relevância a presença de forte identidade e ou intercessão con-


ceitual, quanto à importância dada à experiência, e na ênfase à re�exão e à solução
de problemas, características operativas comuns a Andragogia ativa da descoberta
ou por projeto e que denotam idêntico privilégio à ideia de aprendizagem como pro-
cesso prazeroso de investigação ativa, proativa, contextualizada e criativa, que va-
loriza a autonomia, autodireção e a motivação intrínseca do sujeito, como ator/au-
tor de seu processo de aprendizagem.

Andragogia nas empresas


Na área de recursos humanos, os princípios da Andragogia já estão sendo
aplicados. Conforme Cavalcanti, a gestão baseada no modelo andragógico:

[...] vem substituir o controle burocrático e hierárquico, aumentando o comprometi-


mento, a auto-estima, a responsabilidade e a capacidade de grupos de funcionários
resolverem seus problemas no trabalho (FAVA, 2010).

Reconhecendo as vantagens da aplicabilidade dos conceitos andragógicos, as


empresas rapidamente vêm implantando programas de formação para capa-
citar os funcionários.

Atualmente, no mercado de trabalho, essas empresas necessitam preparo


constante, uma vez que requerem de seus colaboradores competitividade e
produtividade. Nesse contexto, as práticas andragógicas assumem papel deci-
sório, principalmente para aqueles que exercem liderança.
A seguir, são mencionados alguns pontos a serem levados em consideração
pela pessoa que exerce liderança:

Liderança & Andragogia


1. O líder também é membro da equipe. Assim como a orquestra necessita do
maestro, a equipe necessita do líder. O líder, além de integrar a equipe, tem a
importante missão de desenvolver a integração entre si e seus liderados. Para
isso, o líder deve ter humildade su�ciente para, além de se tornar um apren-
diz, transformar-se em um tutor e�ciente, capaz de demonstrar a importância
prática daquilo que será estudado, transmitir o entusiasmo pelo aprendizado
e demonstrar que o aprendizado irá mudar a vida, tanto de seus liderados co-
mo a de outras pessoas. Não existe mais espaço para líderes arrogantes, do-
nos da verdade, egocêntricos e orgulhosos na prática dos princípios andragó-
gicos. Integrado à própria equipe, o líder passa a ser crítico e participante ao
mesmo tempo.
2. Uma equipe é feita por pessoas. E, como tal, o líder deve ter a sensibilidade de
perceber que não existem duas pessoas iguais. Ele irá liderar uma equipe de
seres humanos, cada um com seus princípios, suas crenças e seus valores.
Para tanto, ele terá de respeitá-los como são e harmonizá-los, com a �nalida-
de de alcançar um objetivo comum. E isto pode não ser fácil, porém não é im-
possível. Mas, se lembrar que deve tratar o próximo como gostaria de ser tra-
tado, a distância entre as pessoas vai diminuir bastante.
3. As pessoas têm idade e vivências diferentes. As pessoas que compõem a
equipe podem ser jovens, mais velhas, de meia idade, en�m, algumas mais
ousadas e imediatistas, outras mais ponderadas e realistas. O líder deve ter
ciência de que os valores mudam para cada geração. Enquanto os jovens po-
dem contribuir com idéias novas, arrojadas, os mais velhos têm a experiência
de vida. E é neste ponto que o papel do líder é fundamental. Fazer com que o
jovem aceite a experiência do mais velho, e o mais velho, por sua vez, aceite a
inovação do mais jovem. A busca do equilíbrio é fundamental para a manu-
tenção da coesão da equipe, visto que não existe mais o conceito pedagógico
onde um ensina e o outro aprende. Na prática andragógica, todos ensinam e
todos aprendem.
4. A comunicação deve ser e�ciente. A comunicação deve ser sempre franca,
sincera e no momento apropriado, por cada um dos membros, inclusive o lí-
der, com a �nalidade de manter a união existente no grupo. Como as pessoas
são diferentes, uma mesma mensagem pode ser interpretada de maneiras
também diferentes. O líder deve estar alerta, visto que interpretações erradas
podem gerar conclusões inadequadas levando a con�itos dentro da equipe.
5. Clima de descontração. O líder deve ter ciência de que a criação de um clima
descontraído para a aprendizagem favorece a con�ança, o respeito e uma me-
lhor aceitação por parte dos aprendizes. Uma atmosfera mais livre e aberta
encoraja a sensação de que as pessoas estão realmente engajadas no proces-
so de aprendizagem.
6. Rótulos, nem pensar. Partindo-se do pressuposto de que cada pessoa tem o
seu próprio ritmo, que seus problemas são diferentes uns dos outros, que suas
prioridades são distintas, tudo isso pode levar as pessoas a se rotularem até
de forma injusta. O líder deve lembrar que todos os membros são seres huma-
nos, com seus defeitos e suas virtudes, e o comportamento de um rotular o
outro deve ser banido do grupo. Volto ao exemplo da orquestra. Cada membro
está ali para aprender e realizar uma determinada tarefa em prol do bem co-
mum e de um objetivo a ser alcançado, independentemente de seus princípi-
os, crenças e valores.
7. Saber ouvir. Em um procedimento andragógico, todos falam, relatam situa-
ções, propõem soluções baseadas em suas experiências de vida, en�m, todos
se comunicam. Então os con�itos são perfeitamente previsíveis. O grande de-
sa�o é enfrentá-los com respeito, pro�ssionalismo e de forma aberta. Não só o
líder, mas todos os liderados devem desenvolver a habilidade do saber ouvir
ou do ouvir com qualidade. Para o líder, como a�rma Paulo Gaudêncio, “o ou-
tro é uma pessoa e o respeito à dignidade dela começa por lhe dar identidade,
ouvindo e considerando o que ela diz”. Não esquecer que as estatísticas de-
monstram que, na comunicação, uma pessoa gasta 65% de seu tempo ouvin-
do, 20% falando, 9% lendo e 6% escrevendo. E as escolas, com o ensino peda-
gógico, enfatizam o ler e o escrever e não se esforçam na prática do falar e,
principalmente, do ouvir. Prestar atenção às pessoas é uma necessidade hu-
mana legítima que os líderes não devem negligenciar, como a�rma James C.
Hunter.
8. A situação sempre é de "ganha-ganha". O líder deve ser a pessoa que dá o pri-
meiro passo. A partir daí a cooperação de todos faz com que cada um ganhe
um pouco e toda a equipe, muito mais. Todos devem lucrar. Fica terminante-
mente excluída a máxima de que “a vitória de um ocorre à custa da derrota do
outro”.
9. Espírito participativo. O líder deve ter em mente que a participação dele e de
seus liderados de forma frequente, é o caminho onde todos aprenderão. Tal
frequência, feita de forma repetitiva e uniforme, faz os indivíduos adquirirem
novos hábitos e novas formas de pensar.
10. Motivação. A motivação é elemento básico da aprendizagem porque desen-
volve novas habilidades. A motivação auxilia no querer aprender, pois, sem
motivação, pouco ou nada se aprende. O líder não deve ser apenas um agente
motivador, mas deve manter a equipe motivada. Ele deve desenvolver a per-
cepção nos liderados de que a aprendizagem vai ajudá-los a obter novas in-
formações, aprender e ter contato com novas técnicas e novas ideias, ter pro-
gresso no trabalho, etc. Desta forma, eleva-se não só a autoestima de todos,
como aumenta a satisfação pelo trabalho realizado. A motivação está direta-
mente relacionada à expectativa de sua melhoria pro�ssional e na busca de
seu crescimento pessoal.
11. Feedback. Todos na equipe, líder e liderados devem aprender a dar feedback
entre si. O feedback sincero, autêntico, é essencial para o progresso da equipe
e deve ser dado o mais rápido possível. E lembrar sempre: feedback não é crí-
tica pessoal e talvez seja a maneira mais importante para se reforçar a apren-
dizagem.
12. Elogio e reconhecimento. A cada vitória alcançada, líder e liderados devem
elogiar e reconhecer o trabalho do membro da equipe que alcançou o objetivo
de sua tarefa e devem ser sinceros e especí�cos e, de preferência, com todos
os membros presentes.
13. Incentivo constante. O líder deve sempre incentivar seus liderados a seguir
aprendendo, pois isto será o estímulo de seu constante crescimento pessoal e
pro�ssional para que sejam sempre bem-sucedidos. O verdadeiro líder sem-
pre deseja que seus liderados sejam melhores do que ele.
14. “Não sei” é uma resposta sábia. Além de todas estas considerações, o líder de-
ve ter em conta que ele não é nenhum super-homem. Ele é um ser humano
como qualquer um dos membros de sua equipe. E, como tal, não é dono de to-
do o conhecimento. Portanto, dizer “não sei” aos seus liderados demonstra
honestidade e sinceridade, qualidades do verdadeiro líder.

O que deve estar sempre presente na cabeça de todos é que não existe um exército
sem um general ou um time de futebol sem um técnico. Todos têm um papel a de-
sempenhar. Se a vitória, o sucesso, é o objetivo, a equipe deve ter um líder integrado
e consciente de que todos, sem exceção, são seres humanos, diferentes uns dos ou-
tros.
A partir daí as coisas se facilitam e o sucesso é alcançado de forma mais rápida
(FAVA, 2010).

8. Adolescente em busca de sua identidade


A adolescência é uma fase de transição da infância para a vida adulta,
iniciando-se com o �m da meninice, por volta de 12 anos, e vai até, aproxima-
damente, o �nal da segunda década de vida.

Para esse período da vida, não há, portanto, idades exatas para seu início e tér-
mino. O adolescente passa por um conjunto de mudanças físicas, que é deno-
minado puberdade, e por transformações psicossociológicas que vão depen-
der da cultura na qual está inserido.

A adolescência é um fenômeno recente, criado pela nossa cultura ocidental, que pode vari-
ar de acordo com o status socioeconômico e com as circunstâncias de vida dos jovens.

Muitos rapazes e moças ocidentais são considerados adolescentes por ainda


estarem no sistema de ensino escolar, em busca de um emprego estável, de-
pendendo dos pais �nanceiramente e para moradia. Apresentam um estilo de
vida com moda e hábitos próprios, com valores, preocupações e inquietudes
que não são mais da infância, mas ainda não coincidem com as de um adulto
jovem.

A incorporação dos adolescentes no status de adulto demora cada vez mais, de tal
forma que é cada vez mais freqüente nos encontrarmos com pessoas que são física
ou psicologicamente adultas, mas que, no entanto, não têm um status de adulto [...],
não porque não desejam se tornar independentes, trabalhar ou formar uma relação
estável com outra pessoa, mas porque o custo de vida, as condições sociais de di�-
culdade para entrar no mercado do trabalho e o prolongamento da escolaridade fa-
zem com que seja impossível materializar esses desejos (PALÁCIOS; OLIVA, 2004, p.
314-315).

O adolescente deixa de ser criança sem ainda estar preparado para o mundo
adulto. Com isso, ele vivencia muitos con�itos, visto que a sociedade ainda os
acentua com atitudes ambíguas, ou seja, ao mesmo tempo em que são espera-
dos comportamentos e responsabilidades por não ser mais criança, ele é im-
pedido de outros, pelo fato de ainda não ser adulto, como, por exemplo, no caso
de um jovem que tem de decidir sobre o seu futuro quanto à sua carreira pro-
�ssional, porém não pode participar do mercado de trabalho.

Características básicas da puberdade


A puberdade aparece como um fenômeno universal em todos os membros da
espécie humana. É um momento de grande importância para o calendário
maturativo, no qual o corpo humano passa a ter certas funções que antes
eram inexistentes.

Segundo Kail (2004), na adolescência, os jovens tornam-se mais altos e pesa-


dos e também amadurecem sexualmente. Nesse momento, é disparado o reló-
gio biológico que coloca em funcionamento as glândulas para a produção dos
hormônios estrógeno (em grande quantidade nas meninas) e testosterona
(predominante nos meninos).

Nas meninas, aparecem os seios, a cintura a�na, os quadris alargam-se e


ocorre a primeira menstruação, denominada menarca, normalmente por volta
dos 12 anos, embora, para algumas, essas mudanças possam ocorrer mais ce-
do. Já o surto de desenvolvimento do menino, ocorre um pouco mais tarde.
Em geral, quando começam a crescer os testículos e o escroto. Depois, surgem
os pelos púbicos e desenvolve-se o pênis. Dessa forma, por volta dos 13 anos, a
maioria dos meninos passa pela espermarca, que é a primeira ejaculação es-
pontânea de esperma.

Além dos efeitos biológicos, a puberdade traz um impacto psicológico para o


adolescente, com transformações internas e externas, bem como mudanças
nos aspectos cognitivos e socioafetivos.

Durante o período da adolescência, aparecem algumas condições para que o


jovem alcance um tipo de raciocínio mais elaborado para enfrentar o mundo
em que vive. Surge, então, a etapa do raciocínio formal, caracterizado pelo
pensamento abstrato, hipotético-dedutivo e proposicional. Agora, é o real que
está subordinado ao possível.

O adolescente [...] não considera somente os dados reais presentes, mas, também,
prevê todas as situações e reações de causas possíveis entre os elementos. Uma
vez analisadas de maneira lógica todas essas possibilidades hipotéticas, posterior-
mente, procurará contrastá-las com a realidade por meio da experimentação
(CARRETERO; LEÓN, 2004, p. 325).

Como exemplo, podemos citar que mesmo que um adolescente não esteja pre-
sente nas situações de con�ito entre os Estados Unidos e o Iraque, ele pode
compreender o que se passa entre os dois países e prever as consequências.

Assim, a capacidade de comprovação dos adolescentes não se reduz apenas a


uma ou duas hipóteses, podendo realizar várias delas simultânea ou sucessi-
vamente, ou seja, conseguem trabalhar com variáveis, manipulá-las e chegar
a conclusões.

O adolescente torna-se, portanto, mais hábil para trabalhar com questões de


física, química e matemática em seu contexto escolar.

Já no âmbito social, a importância com o grupo de amigos aumenta, e são


acentuadas as imitações (forma de vestir, de falar e de agir). As razões para es-
ses comportamentos estão relacionadas ao temor de não serem aceitos e valo-
rizados pelo grupo social no qual estão inseridos.

De acordo com Oliva (2004), os amigos são fundamentais nessa etapa da vida,
uma vez que podem se tornar a principal �gura de apego do adolescente, bem
como ajudar e dar apoio emocional para que ele supere seus altos e baixos, e
suas situações estressantes, como, por exemplo, um fracasso acadêmico ou
amoroso, ou a separação dos pais.

Identidade pessoal na adolescência


A identidade pessoal é uma das conquistas mais importantes para essa fase. O
adolescente constrói sua identidade coordenando as representações a respeito
de si, seus projetos e expectativas de futuro e suas experiências passadas.
Portanto, sua identidade pessoal vai estar vinculada à sua própria história de
vida.

Contudo, nem sempre é fácil sua identidade pessoal. Essa construção �ca su-
bordinada a sucessos e fracassos vivenciados, os quais possibilitam senti-
mentos contraditórios. Com isso, o adolescente sente urgência em fazer coisas,
ou, ao mesmo tempo, �ca tão absorto que perde a noção do tempo, ou, ainda,
tão apaixonado por uma atividade que reduz sua capacidade de produção e de
concentração para outras.

A preocupação com o corpo (físico) passa ao primeiro plano. A e�ciência física


(mais nos meninos) e a atração corporal (mais nas meninas) tornam-se, pois,
importantes para a formação do autoconceito e da autoestima do adolescente.

Nos adolescentes, aumenta o tamanho físico, sem alcançar novas funções, ou


seja, os sinais de crescimento aparecem antes que os adolescentes amadure-
çam. Esse fato deixa-os confusos e, muitas vezes, descontentes consigo mes-
mos.

Como o crescimento segue das extremidades para o centro, o adolescente não


sabe o que fazer com todo aquele tamanho. Por exemplo, é natural que eles pi-
sem nas pessoas que abraçarem, chutem sem querer, derrubem as coisas e
atrapalhem-se nas atividades mais delicadas.

Nessa fase, é comum, também, o medo pubertário, em que as meninas podem


apresentar medo de �carem sozinhas, de escuro e de pequenos animais (bara-
tas, lagartixas etc.). Além disso, as meninas projetam fantasias assustadoras,
nascidas da própria insegurança que estão vivenciando. Nos meninos, podem
aparecer medos e sensações de perseguição. Além disso, podem passar a ima-
ginar complôs dos colegas, não querer ir à escola ou enfrentar confusões com
seus pares.

A confusão pubertária marca o início do segundo parto na vida do jovem. Uma


nova identidade está nascendo a partir da maturação biológica (TIBA apud
HOFFMANN, 2005).

Para alcançar sua identidade, os jovens também passam da confusão para a


onipotência pubertária, caracterizada por arrogância e revolta. Surge, ainda, a
necessidade de se a�rmarem, de terem razão e de serem aceitos.

Com a onipotência pubertária, eles estreitam as ligações afetivas com aqueles


que os cercam, lidando com o conceito de justiça com rigidez, querendo sem-
pre ter razão nas suas a�rmações, desa�ando pais e professores, tornando-se
irritantes, instáveis e mal-humorados.

Nesse sentido, o jovem organiza sua identidade pessoal em torno da oposição


e da independência, num parto particular em que o adolescente se expulsa do
útero da família e nasce para a sociedade.

A identidade pessoal na adolescência está voltada, sobretudo, para a aquisição


de uma autonomia cada vez maior em relação aos seus pais.

Se o adolescente deve se preparar para abandonar o lar e agir como adulto autôno-
mo, é razoável esperar dele comportamentos cada vez mais independentes. Diante
desse processo de individuação, é frequente que os adolescentes experimentem
uma certa ambivalência. [...] não é estranho encontrar durante os primeiros anos
da adolescência a alternância entre condutas maturas e comportamentos infantis
(OLIVA, 2004, p. 353).
Nessa fase, mesmo com comportamentos onipotentes, o jovem continua a ter
enorme necessidade de carinho e de atenção por parte da família. Os pais ne-
cessitam ajustar seus afetos às necessidades dos adolescentes e saber que,
embora estejam crescidos, eles continuam precisando de orientações.

A grande maioria dos pais entra em desespero e teme a perda da autoridade,


uma vez que os métodos educativos repressivos não mais funcionam. Dessa
forma, eles não conseguem perceber que a onipotência do adolescente tem por
objetivo a�rmar-se, testando a autoridade deles.

No �nal da adolescência, ocorre a onipotência pubertária, a qual envolve não só o equilíbrio


do adolescente, mas também da família; ou seja, o ego do adolescente oscila entre movi-
mentos de expansão e de retração.

Em movimentos de expansão, ele se sente o dono da verdade, agindo como se


fosse o mais inteligente, o mais poderoso, aquele que tem mais direitos do que
deveres. Por exemplo, torna-se grosseiro e agressivo com a família, mas é
bem-educado com os outros; ou, por causa de uma situação amorosa, ideológi-
ca ou por fanatismo religioso, pode abandonar a família e os estudos.

Nos períodos de retração, sofre internamente, mas pouco demonstra, princi-


palmente para a família. Não se arrisca em se expor com medo de ser rejeita-
do, passando a imagem de que é tímido e receoso para contatos. Conforme vai
amadurecendo, as oscilações entre expansão e retração diminuem.

Surgem, então, as funções de autonomia afetiva e de independência social que


impulsionam o jovem para a vida adulta.

Os adolescentes adquirem sua identidade com mais facilidade quando os pais


estimulam a discussão e reconhecem sua autonomia. Sua autoestima melho-
ra no �nal dessa fase, quando se sentem com habilidades e responsabilidades
semelhantes às dos adultos.

A família e a escola são, portanto, fatores de proteção para a transição dessa


fase para a etapa adulta. As vivências num lar com regras, responsabilidades
e afeto, bem como a participação em uma escola com disciplina, em que haja
um bom relacionamento entre professor e aluno e, também, uma preocupação
com a formação educacional e pessoal, impulsionarão o jovem para a vida
adulta.

Adolescências
Por que utilizar o termo adolescências?

Alguns autores, assim como Bock (2002), apontam que seria um equívoco
considerar a adolescência uma fase única, independentemente de classe soci-
al.

Defendem que é um conceito construído socialmente, e seu início e término


não são claros, mesmo considerando as questões biológicas. Vamos ver como?

Veri�camos que a adolescência se torna um “limbo” entre a infância e a vida


adulta, podendo variar o seu tempo. De qualquer modo, trata-se de um fenô-
meno social que “cria um correspondente psicológico” (BOCK, 2002, p. 294).

Veja à sua volta: um jovem de classe média tem a sua fase de “juventude” pro-
longada em razão da entrada na universidade, podendo até mesmo ultrapas-
sar esta fase.

Já um jovem da classe operária... Pode até ter sua juventude “encurtada”!


Como? Cursando uma escola técnica, e indo cedo para o mercado de trabalho.
Diferentemente daquele jovem que entrará no “mundo adulto” após os 23 ou 24
anos. Atualmente, como aponta Bock (2002), os jovens estudam até cerca de
28 anos, ininterruptamente, para fazer seus estudos de pós-graduação, tutela-
dos pela família.

Outros tantos jovens nem chegam a frequentar o Ensino Médio, entrando cedo
no mercado de trabalho para ajudar a aumentar a renda familiar. Veri�ca-se,
então, que diferentes segmentos sociais apresentam uma adolescência peculi-
ar. Enquanto a grande maioria dos jovens de classe média tem pais que procu-
ram retardar a sua entrada no mundo do trabalho, em função dos estudos, ou-
tros jovens são forçados a entrar no mundo adulto, em razão das suas precári-
as condições econômicas.

Outros fatores intervenientes podem aparecer, tais como gravidez precoce, morte prematu-
ra dos pais etc. Essas questões vão delinear diferentes características e durações para a
adolescência.

Para �nalizar, deve-se lembrar que o jovem vive um paradoxo que o angustia,
em razão da cobrança dos adultos. Na verdade, é exigido do jovem um com-
portamento maduro com relação a algumas questões, e, ao mesmo tempo,
julgam-no jovem demais para outras. Dessa maneira, o adolescente �ca sem
saber como agir diante dos adultos, tendo em vista que não existem regras pa-
ra considerá-lo “muito jovem” ou “quase adulto”.

Outro grande paradoxo a ser enfrentado é relativo ao confronto de valores


construídos pela família, e aqueles que ele passa a conhecer fora de casa.
Pesquisas mostram que há uma tentativa do jovem em editar a dissonância, a
�m de procurar trabalhar com essas contradições, ora negando os valores da
família, ora evitando as normas dos grupos de amigos. Nesse período, as dro-
gas lícitas e ilícitas passam a ser símbolos de autoa�rmação. Por isso, a proxi-
midade e o diálogo são fundamentais nessa fase da educação do indivíduo.

9. O ser humano da idade adulta à velhice


Na maioria das teorias psicológicas, você encontrará, detalhadamente, o de-
senvolvimento humano do nascimento até a adolescência.

Será que depois da adolescência não ocorrem mais mudanças signi�cativas


para o ser humano?

Segundo Palácios (2004), a Psicologia evolutiva ultrapassa as transformações


psicológicas ocorridas na adolescência, além de não identi�car a infância e a
adolescência como um período de evolução, a idade adulta como uma estabili-
dade nas mudanças e a velhice como um declínio de aquisições.
Dessa maneira, em todas as fases, ocorrerão mudanças com características
que dependem tanto de fatores individuais (genéticos) como de fatores exter-
nos (ambientais).

Algumas características da vida adulta


A vida adulta não se inicia em um momento certo e apresenta-se de maneira
menos perceptível do que a adolescência. Dos 25 aos 30 anos, a pessoa passa
por uma etapa de maturidade, na qual adquire maiores índices de vitalidade e
de saúde.

Atualmente, o que marca a transição para a idade adulta é uma complexa gama de
circunstâncias: o trabalho remunerado, a autonomia econômica, o desprendimento
da família (lar em que nasceu), o casamento ou a formação de um casal com vonta-
de de permanência, a formação de uma nova família (FIERRO, 2004, p. 404).

No geral, a pessoa torna-se progressivamente mais responsável, na maneira


de se comportar e de esboçar seu desenvolvimento pessoal.

A vida adulta apresenta suas tarefas de desenvolvimento, ou seja, aparecem


demandas que devem ser respondidas e enfrentadas, adotando-se linhas e pa-
drões de comportamento que são também de personalidade. Conviver,
comunicar-se com terceiros, assumir responsabilidades na vida privada, fa-
miliar, pública e empregatícia são os principais desa�os do desenvolvimento
adulto.

Espera-se que, nesse período, a pessoa já tenha alcançado certa maturidade


para sua vida sexual, convivendo com um parceiro de forma estável e criando
condições para a paternidade ou maternidade responsável, além de estabele-
cer disposições psicológicas para certa estabilidade no trabalho.

Nesse sentido, a vida adulta é, pois, um período em que a pessoa procura por
adaptação e qualidade de vida. Para que isso aconteça, é necessário que adqui-
ra recursos a �m de enfrentar o medo da realidade que a circunda e das adver-
sidades que a vida traz consigo.
No entanto, essa adaptação nem sempre é vivenciada com facilidade, sendo
necessário conviver, frequentemente, com a aceleração de novidades e de in-
formações, com as mudanças nos amores, com a solidão sentimental, com a
mobilidade ao posto de trabalho e a insegurança no emprego, entre outras ad-
versidades.

Em nossa sociedade, as di�culdades acentuam-se em consequência de situa-


ções desconhecidas em outras épocas históricas, como: o abandono do lar por
parte dos �lhos que se tornam independentes, as rupturas familiares, a apo-
sentadoria, o desemprego e outros momentos de crise.

A vida adulta exige novas estratégias de enfrentamento, de transição, de defesa e de auto-


proteção para superar os momentos de crise.

Dentre os principais momentos de crise, estão: o casamento, o nascimento dos


�lhos, a entrada dos �lhos na escola, o convívio com o �lho adolescente, a
adaptação no mercado de trabalho, a saída dos �lhos do lar, o envelhecimento,
entre outros.

Como podemos perceber, as di�culdades não são poucas e, para ultrapassá-


las, estão em jogo os recursos pessoais internos adquiridos em fases anterio-
res (equilíbrio emocional) e as experiências no seu contexto social.

Uma melhor qualidade de vida é alcançada por pessoas mais competentes,


bem integradas, que estabelecem relações acolhedoras e afetuosas, que sejam
conscientes de suas conquistas e de seus fracassos, com atitudes de vida ati-
va, otimistas, voltadas para o futuro, com autonomia e autoestima alta, sendo
capazes de desfrutar corretamente do sexo e das oportunidades que aparecem
em cada faixa etária de sua vida adulta.

Segundo Fierro (2004), algumas pessoas podem ter di�culdades quando en-
xergam seu contexto como ameaçador, procurando manter seu padrão de vida
a qualquer custo, com altos níveis de ansiedade e neurose.

O “eterno adolescente”, aquele que mantém padrões de comportamentos im-


próprios para sua idade, com uma imagem tomada pela aura da juventude,
com padrão de comportamento imaturo e irresponsável, com egocentrismo e
narcisismo, encontra di�culdades na vida adulta.

A síndrome de Peter Pan (o menino que se nega a crescer), por exemplo, pode
fazer que muitos adultos entrem num parasitismo emocional, necessitando de
constante apoio emocional e material, sem capacidade para tomar decisões,
além de vivenciarem profundos sentimentos de inferioridade.

A vida adulta é, portanto, cheia de transformações, visto que as mudanças


ocorrem de forma mais pausada, em ritmo mais lento do que na infância ou
na adolescência, exigindo, porém, certo grau de �exibilidade para se adaptar
às crises que costumam acontecer no meio e ao longo da vida adulta. As cri-
ses nessa etapa não têm um calendário �xo, ou seja, são provocadas de acordo
com o curso biográ�co e com os fatos biológicos (doenças) e sociais (ter �lhos,
trocar de parceiros, de trabalho ou de cidade) de cada um.

Nos anos adultos, a adaptação consiste na realização de atividades que permi-


tem atingir a satisfação própria e nas relações com os demais, em busca da
estabilização de capacidades cognitivas para tomadas de decisões e do equilí-
brio de aspectos emocionais e anímicos (ser ativo com bom humor).

Em virtude dos fatores socioculturais, os adultos são menos parecidos entre si do que as
crianças. Essas diferenças são ampliadas com o passar do tempo por meio das experiênci-
as.

En�m, a vida adulta prepara a pessoa para que ela possa enfrentar a velhice.

A seguir, conheceremos alguns aspectos importantes dessa fase.

O envelhecimento: mudanças e repercussão


O envelhecimento não apresenta um padrão biológico, podendo ocorrer dife-
rentemente em cada pessoa.
Você deve conhecer pessoas que tenham a mesma idade e perceber que umas
parecem mais velhas quando comparadas a outras. Aquela que parece mais
velha, provavelmente, sofre in�uências genéticas e ambientais que contribu-
em para o seu processo de envelhecimento.

Mas como isso acontece?

Segundo Palácios (2004), há um consenso entre os estudiosos na distinção en-


tre processos de envelhecimento primário e secundário. O envelhecimento
primário está relacionado à deterioração biológica programada (genética) que
se dá inclusive nas pessoas que têm boa saúde e que não passam por doenças
graves na vida. Essa programação pode ser diferente para cada pessoa.

Quanto ao envelhecimento secundário, este aumenta com a idade e está asso-


ciado a fatores que podem ser controlados: alimentação, atividade física, hábi-
tos de vida e in�uências ambientais, que também dependem da qualidade de
vida de cada pessoa.

O desenvolvimento na idade adulta e na velhice ocorre num processo de mudanças e de


continuidade.

Ao tratarmos dos aspectos cognitivos, podemos a�rmar que, durante a adoles-


cência, o jovem atinge o estágio de inteligência formal. Todavia, na idade
adulta, não se pode falar em inteligência pós-formal, ou, ainda, no declínio da
inteligência na velhice.

Você sabia que, com o passar do tempo, o cérebro humano diminui de tama-
nho, os ritmos de sua atividade elétrica alteram-se e algumas de suas partes
apresentam diferentes padrões de envelhecimento? As mudanças nas formas
de pensamento estão, pois, mais relacionadas com outros elementos proce-
dentes de épocas anteriores.

Quer um exemplo? Uma pessoa sem doenças crônicas, com nível socioeconô-
mico elevado e que vivencia um ambiente estimulante, apresentando um esti-
lo de personalidade �exível e um sentimento de satisfação própria, sofrerá um
declínio intelectual menor do que aquela que não tem as mesmas condições
de vida.

Além disso, o idoso conta com a habilidade que adquiriu nas suas experiênci-
as de vida e pode, por exemplo, superar seu declínio de memória e de alguns
órgãos do sentido (visão, audição, tato) com estratégias que já estão automati-
zadas.

Esse processo é chamado “sabedoria”.

Tais estratégias também podem ser adotadas no âmbito do autoconceito e da


autoestima. A tendência evolutiva geral acentua as características pessoais
dos anos prévios, mas a pessoa continua com suas características de persona-
lidade.

Conclui-se que uma pessoa que, por exemplo, se adaptou com padrões de com-
portamentos rígidos e inseguros na sua vida adulta, irá se tornar muito mais
temerosa com relação às suas �nanças na velhice.

Para compor a autoestima nessa fase da vida, a pessoa não pode deixar de le-
var em conta o sentimento de e�cácia de ser pai ou mãe, o reconhecimento
pro�ssional alcançado, bem como as experiências no âmbito das relações so-
ciais ou de criatividade, vivenciadas de forma positiva ou negativa.

Na atualidade, a visão da velhice na sociedade tem mudado. Ainda se encon-


tram designações de senilidade, velhice, senectude, que, mesmo com conota-
ções diferentes, sempre têm um signi�cado negativo.

Numa visão psicossocial recente, foi adotado o termo “terceira idade”, pos-
suindo duas características principais: uma é a aposentadoria, ou seja, o tér-
mino do trabalho socialmente remunerado; a outra é a existência de um siste-
ma social de pensões, segurança e serviços que tentam proteger as pessoas
mais velhas, em situação de vulnerabilidade e carentes de apoio.
O envelhecer acontece junto com a idade cronológica, mas não coincide com ela,
nem varia em conexão mecânica com ela. Uma pessoa “de idade” não é a mesma
coisa que uma pessoa “envelhecida”. O sujeito que envelhece tem, além da sua ida-
de cronológica, várias idades funcionais que correspondem ao estado de funciona-
mento de seus diversos (sub) sistemas biológicos e psicológicos (FIERRO, 2004, p.
417).

Com a velhice, mudam os estados anímicos, sendo comum a melancolia, em


virtude de um processo de desvinculação. O fato de a pessoa estar aposentada
e isenta de grandes responsabilidades, bem como presenciar a morte de ou-
tros (amigos e familiares), faz que ela se sinta alheia ao mundo que a rodeia.

Já as pessoas que continuam ativas, interessadas por esse mundo que as ro-
deia e, também, pelo sexo, vivem mais tempo e mais felizes, enfrentando me-
lhor o passar dos anos.

A maioria das pessoas com mais de 60 anos mantém suas amizades por mui-
to tempo, as quais são fatores de relações interpessoais importantes na velhi-
ce. Essa etapa também é propícia para a formação de novas amizades, que, na
maioria das vezes, são criadas em virtude da semelhança entre elas, tais como
idade, status, valores e interesses.

Erickson apud Fierro (2004) é quem melhor descreve o senso de velhice quan-
do postula a oitava idade do homem e o último estágio de identidade pessoal.
O sentimento e a consciência de integridade, a aceitação do ciclo vital exclusi-
vo de cada um, a disposição para defender até o último instante a dignidade
do seu próprio estilo de vida contra todo tipo de ameaça externa de�nem sua
identidade: “eu sou aquilo que sobrevive de mim”.

10. Transformação na vida: poucas, mas im-


portantes
Para os adultos as transformações são menos intensas, mas não podem dei-
xar de serem consideradas quando falamos na EJA, pois como já dissemos, as
diferentes experiências de vida são um ponto de partida e de constante re�e-
xão dentro do ensino de jovens e adultos pois os faz relacionar conteúdos e in-
formações presentes em sala de aula com a realidade vivida na prática, além
de possibilitarem aprendizagens mais signi�cativas. A vida adulta assim co-
mo a velhice apresenta suas tarefas de desenvolvimento que devem ser en-
frentadas pelas pessoas da melhor maneira possível, fortalecendo sua autoes-
tima, e protegendo-as psiquicamente. Podemos perceber, por exemplo, na vida
adulta alguns momentos de crise: saída dos �lhos do lar, divórcios, aposenta-
doria, entre outros, momentos que são vividos por todos, mas com diferenças
a depender dos recursos pessoais e contextuais presentes. Há também quanto
a terceira idade alguns desa�os importantes, que você poderá re�etir consul-
tando a referência indicada anteriormente.

Para aprofundar seus conhecimentos sobre as características da adolescência,


e dos desa�os do ensinar e aprender nesta faixa etária, sugerimos que assista
ao vídeo abaixo:

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem respondendo à questão a se-


guir.

11. Considerações
Neste ciclo abordamos sobre a Andragogia, como metodologia especí�ca para
aprendizagem de adultos e, como vimos, é de suma importância considerar
suas ideias, singularidades, vontades, para que a EJA tenha sentido na vida
destas pessoas. Ainda, vimos as características de desenvolvimento das fai-
xas geracionais que são públicos na EJA, adolescentes, adultos e idosos, re�e-
tindo sobre a sua forma de pensar, de se relacionar, de sentir e manifestar
emoções.
12. Considerações �nais
A disciplina Psicologia do Desenvolvimento e Educação de Crianças, Jovens e
Adultos abordou desde a Educação de crianças, passando pelas questões his-
tóricas que envolveram a constituição do conceito de infância, legislações e
documentos normativos que regulamentam e buscam garantir os direitos da
criança e a qualidade da ação educativa/pedagógica, proposta pedagógica e
currículo na educação infantil, até a Educação de Jovens e Adultos.

Neste sentido, abordamos não só as características sociais e culturais dos alu-


nos que buscam pela EJA, como também aspectos da relação educador-aluno,
além da Andragogia, metodologia especí�ca para que o processo de ensino e
aprendizagem aconteça de forma mais produtiva para jovens, adultos e pesso-
as da terceira idade. Esperamos que os conhecimentos desta disciplina pos-
sam re�etir positivamente em sua prática pro�ssional e que também tenha
auxiliado em sua formação pessoal.

Você também pode gostar