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Introdução

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,


Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades. (Luís de Camões)

Esta pesquisa teve como objetivo geral a investigação da prática pedagógica de


uma professora de Educação Infantil, em busca de criar possibilidades de transformação
de sua prática. O que se pretendeu foi trilhar caminhos para se alcançarem novas
qualidades, como dito na epígrafe acima, pela certeza da possibilidade de mudança que
se constrói pelas ações de uns com os outros, através do tempo.
Algumas escolhas foram determinadas em busca de se chegar ao objetivo, como:
a focalização da coerência entre a teoria e a prática; a reflexão crítica (Smyth, 1992)
como norteadora do trabalho nos momentos de discussão; a seleção dos tipos de
perguntas feitas durante o exercício de reflexão; o cuidado com as questões políticas
que influenciavam as ações docentes; a observação das características da mediação nas
ações da professora com os alunos e da coordenadora com a professora; a colaboração
enquanto metodologia de trabalho, entre a coordenadora e a professora.
Todos esses elementos foram necessários para que a pesquisa pudesse valorizar
a formação da professora envolvida, de tal forma a considerar a importância de seu
campo de trabalho, ou seja, a Educação Infantil. Atualmente é possível observar essa
etapa escolar como uma grande conquista, pelos avanços obtidos através das mudanças
nas legislações como será dito a seguir. Em consonância com as palavras de Camões, as
mudanças ocorridas refletiram em qualidade, já que a concepção de criança como um
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adulto em miniatura, que deveria ser preparado na “pré-escola” para a escola foi
superada por uma concepção que vê a criança como um ser com peculiaridades.
Assim, hoje entendemos a criança com um ritmo próprio de desenvolvimento e
características físicas, cognitivas e psicológicas a serem respeitadas e trabalhadas já na
primeira etapa da educação, de forma coerente com as possibilidades de

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Apesar de a LDB atual manter o termo “pré-escola” para a educação de 4 a 6 anos, hoje o termo não traz
mais a conotação de preparação, mas sim de uma fase que se constitui como parte da educação infantil,
etapa anterior à educação fundamental.

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desenvolvimento global da infância. Essa visão reflete-se nos principais documentos
que embasam a Educação Brasileira, como a Constituição Federal de 1988, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) e o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(RCNEI).
A Constituição Federal de 1988 tem a preocupação de garantir o atendimento na
Educação Infantil, bem como determina seu financiamento. Por isso, em 1990 foi
sancionada a Lei 8.069, chamada de Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Essa
lei contribuiu enormemente, pois detalhou, em mais de 260 artigos, deveres e direitos a
serem respeitados e considerados em várias instâncias: sociais, culturais e
governamentais. Os artigos 15 e 16, por exemplo, destacam o direito à liberdade, à
dignidade e ao processo de desenvolvimento, pontuando “o brincar” nesse processo.
Também no ECA, o capítulo IV é exclusivo para tratar dos direitos à educação,
cultura, esporte e lazer (art. 53-59), no qual observamos a preocupação com o
atendimento à Educação Infantil como dever do Estado.
A LDB inova em trazer a creche e a pré-escola para compor o sistema de ensino,
e nessa proposta a Educação Infantil passou a ser a primeira etapa da Educação Básica
(art. 89).
Outra contribuição fundamental foi a determinação de que os professores
deveriam ser habilitados em nível superior para atuar na Educação Básica, o que deveria
ocorrer até o final da Década da Educação2 que se iniciou um ano após a publicação da
lei. Sendo assim, a partir deste ano de 2007, somente graduados deverão ser admitidos
para o trabalho na Educação Infantil.
Outro ponto a se destacar foi a consideração do pleno desenvolvimento e o
preparo para o exercício da cidadania como princípios e fins da educação nacional (art.
2º).
Ainda ficou garantida, como dever do Estado, a gratuidade no atendimento na
Educação Infantil (art. 4º, IV), ficando a oferta desse atendimento sob responsabilidade
dos municípios (art. 11, V).
A LDB ainda destina a Seção II exclusivamente para tratar da Educação Infantil
nos artigos 29, 30 e 31. Neles destaca-se a finalidade do desenvolvimento integral da

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A Década da Educação refere-se ao período de 1997 até 2006, como período de transição para que a
LDB fosse respeitada em sua íntegra.

2
criança, bem como uma avaliação de acompanhamento e registro desse
desenvolvimento.
A partir do artigo 9º, no qual se determina o estabelecimento de competências e
diretrizes para a Educação Infantil, a fim de nortear currículos e seus conteúdos
mínimos, é que em 1998 o Ministério da Educação e do Desporto (MEC) propôs o
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI).
Esse documento, organizado em três volumes, traz reflexões e fundamenta
concepções atreladas à Educação Infantil, bem como estabelece objetivos gerais, além
de tratar sobre a formação pessoal e social, abordando a identidade e a autonomia da
criança. O RCNEI ainda contém documentos referentes ao que é chamado de
conhecimento do Mundo, tratando das diferentes linguagens: “Movimento, Música,
Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática”.
De caráter instrumental e didático, o Referencial é um guia de orientação e foi
feito para uma contribuição ao ato de planejar, desenvolver e avaliar as práticas
educativas. O objetivo é que se respeite a pluralidade e diversidade étnica, religiosa, de
gênero, social e cultural das crianças brasileiras. Há uma preocupação com a criação de
propostas educativas que possam ser favoráveis às diferentes demandas de crianças e de
seus familiares em todo o território brasileiro.
Apesar das leis e de seus inegáveis avanços, esta pesquisa foi motivada
inicialmente por observações do trabalho dos professores de Educação Infantil com os
quais eu trabalhava enquanto coordenadora. Parecia haver um consenso do pensar essa
forma de ver a criança e seu desenvolvimento. No entanto, na prática pedagógica
surgiam muitas arbitrariedades relacionadas a este “novo” (historicamente falando)
paradigma de educação.
O discurso normalmente destoava das ações. Havia uma apropriação de um
discurso considerado bem visto e atual, mas a prática não o refletia integralmente. É
nesse ponto que parecia estar o problema, pois a qualidade do trabalho pedagógico
suscitava algumas dúvidas.
A esse respeito, Cunha (2005) pondera que as mudanças surgem das tensões
entre o novo e o velho e, a partir de suas colocações, podemos concluir que conflitos são
inerentes a todo processo de inovações.
As influências histórico-culturais de saberes que recebemos, como bem discutem
Gómez (1992) e Gitlin (2005), nos trazem conhecimentos que muitas vezes não
permitem a compreensão de quanto somos influenciados em nossa forma de pensar. Ao

3
discutir a formação de professores, Pérez Gómez analisa as influências positivistas, que
por tanto tempo permearam a educação. A citação abaixo exemplifica seu
posicionamento:

(...) Na tradição positivista, a primazia do contexto de justificação sobre o


contexto de descoberta forçou a investigação e a intervenção prática a ajustarem-se
aos padrões que validam a priori o conhecimento científico ou as suas aplicações
tecnológicas. No campo das ciências em geral, e da educação em particular, esta
estratégia conduz à leitura deformada da realidade.

Gitlin (2005:15), focando as influências das políticas cotidianas, faz as seguintes


afirmações:

(...) as políticas cotidianas modelam como nós vemos as pessoas, nossos


relacionamentos com aqueles que são diferentes de nós mesmos, e as conclusões que
tiramos sobre estes relacionamentos.
(...) as políticas cotidianas não somente influenciam os que recebem as
perspectivas dominantes encontradas em muitas abordagens do conhecimento, mas
também os produtores ou arquitetos deste conhecimento. (minha tradução)3

Como as políticas cotidianas são, em geral, não conscientes, no campo


educacional, nem sempre entendemos, ou temos consciência, de quais visões de
educando e aprendizagens estão implícitas em nossas ações educativas, bem como os
princípios, propósitos e finalidades dessas ações.
Compreender-se como sujeito histórico de sua cultura, como produto e produtor
da mesma é condição básica para enxergar a importância de cada educador investir em
sua formação contínua. Este contexto social de reprodução de valores em prol de
interesses hegemônicos nos revela a importância do fazer pedagógico não servir a uma
reprodução passiva, já que a escola sempre estará reproduzindo algo (é inerente a seu
papel), mas uma reprodução que também possa ser transformadora, a partir de objetivos
claros de servir a uma educação legitimamente crítica.

3
“(...) everyday politics shape how we see people, our relations with those different from ourselves, and
the conclusions that we draw about those relationships.”
“(…) everyday politics not only influences “others” who receive the dominant perspectives found within
many knowledge approaches, but also the producers or architects of that knowledge.”

4
Precisamos ter educadores críticos e para isso uma nova cultura de formação
deve começar a ser inerente ao cotidiano pedagógico. Neste processo, o Projeto
Político-Pedagógico deve se constituir efetivamente como instrumento de construção de
sentidos, já que tal projeto representa a organização pedagógica da unidade escolar
através dos objetivos, metas, caracterizações de seus usuários, calendário,
fundamentação teórica, projetos de trabalho para cada turma e outros itens que possam
ser úteis à base de planejamento da unidade escolar. Importantíssimo ressaltar que este
documento deve ser revisado anualmente pelo grupo de trabalho, com o intuito de ser
apropriado como produção daquele grupo.
Parece que não estamos diante apenas de questões de formação. Muito já se
pesquisou sobre a formação de professores, muitos caminhos já foram apontados e
ainda há arbitrariedades no reflexo desse vasto conhecimento advindo da pesquisa nas
práticas escolares. Como discute Magalhães (2004), é mesmo muito complexo o quadro
que está por trás desta inconsistência da práxis, bem como é complexo o contexto de
trabalho do professor. Na seguinte citação a autora explicita bem a questão:

... Todavia os questionamentos das significações e dos papéis tradicionalmente


atribuídos a esse profissional, e da ênfase dada em sua formação, bem como a
introdução de novas teorias que se propunham a discutir as escolas como agentes de
transformação de uma sociedade desigual e injusta e o professor como um educador
reflexivo e pesquisador de sua própria ação não atingiram, de fato, seus objetivos. No
Brasil, essa questão é particularmente observada quanto às escolas da rede oficial de
ensino.

As razões para isso apontam para um quadro complexo que inclui questões de
responsabilização na relação entre construir e aplicar conhecimentos... (Magalhães,
2004: 59-60)

Será necessário desvendar a cada educador os próprios valores que embasam


práticas tão diferentemente justificadas, em prol das mesmas teorias e concepções.
Durante o trabalho de construção coletiva do Projeto Político-Pedagógico do ano de
2005 na unidade escolar que eu coordenava, por exemplo, não tivemos nenhuma
discordância em relação à abordagem. Foi unânime esse olhar contemporâneo sobre a
Educação Infantil, bem como a determinação da linha teórica sócio-histórico-cultural

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como a mais coerente nesse contexto. Apesar do documento sintetizar as representações
que o grupo tem sobre os prescritos que fundamentam a Educação Infantil brasileira
atualmente (LDB, ECA, RCNEI), ainda assim se reproduzia o discurso em meio a uma
prática contraditória.

Por isso, de maneira mais específica, o objetivo desta pesquisa está voltado à
criação de possibilidades de uma práxis coerente com a fundamentação teórica a partir
de uma ótica sócio-histórico-cultural. Para tanto, será necessário entender como o
trabalho de coordenadora pedagógica, no contexto da Educação Infantil, pode propiciar
a tomada de consciência da professora participante, de tal forma a termos essa visão
refletida nas práticas cotidianas das vivências escolares. Como decorrência, há uma
preocupação em se valorizar o trabalho colaborativo, que não é a idéia limitada de
ajuda, pois a colaboração pressupõe negociação de sentidos e muitas vezes há conflitos,
já que é necessário compartilhar representações e posicionamentos de poder, como
tratam Magalhães (2004) e Liberali (2004).

Foram consideradas nesse trabalho as contribuições teóricas de pesquisas que


discutem, de alguma forma, a formação de professores como, por exemplo, Almeida
(2004), Cunha (2005), Kincheloe (1993), Liberali (2004, 2002, 1998, 1996),
Magalhães (2006, 2004, 2002, 1998, 1996, 1994), Magalhães & Celani (2005),
Magalhães, Liberali & Lessa (2006), Ninin (2002), Pérez Gómez (1992), Pollard
(2002), Schön (1992), Smyth (1992). Nesse campo de contribuições também foram
considerados os conhecimentos sobre a questão da história da vida de cada um, do
relacionamento afetivo envolvido, das oportunidades de reflexão crítica e seus
benefícios para a formação.

Sendo assim, a questão geral que se apresenta é:

Como as interações professora-coordenadora oferecem possibilidades de


transformação das práticas da professora?

Para responder a essa pergunta, se fez necessário delimitar questões mais


específicas a partir da observação da prática pedagógica e das sessões reflexivas:

- Como se caracteriza a mediação nas ações da professora?


- Como se caracteriza a mediação nas ações da coordenadora?

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Na busca dos objetivos citados, a organização deste trabalho foi feita em cinco
partes. No Capítulo I encontra-se parte do arcabouço teórico que fundamenta esta
pesquisa, no qual apresentamos a teoria sócio-histórico-cultural, destacando o método
da práxis, a mediação e a zona proximal de desenvolvimento como conceitos que
contribuem quando se busca coerência com tal proposta teórica. Ainda nesse capítulo é
feita uma breve discussão contrapondo a teoria citada e a teoria que sustenta o ensino
como transmissão, isso porque foram observadas nos dados ações que tendiam entre
esses dois paradigmas.

No capítulo II, optamos por concentrar as demais contribuições teóricas que nos
ajudaram, na busca pela coerência teórico-prática, no fazer pedagógico. Por isso
discutimos sobre o Projeto Político-Pedagógico, a colaboração e a ação do coordenador
pedagógico, a reflexão crítica e questões relacionadas a “perguntas”.

A metodologia de pesquisa foi desenvolvida no Capítulo III, trazendo o contexto


da pesquisa, seus participantes, bem como os instrumentos geradores dos dados e os
procedimentos e descrição da análise.

A discussão dos resultados da análise foi feita no Capítulo IV, a partir das
próprias perguntas de pesquisa, que subdividiram o capítulo em duas partes. Em cada
uma delas apresentamos uma discussão pautada na fundamentação teórica apresentada
nos dois primeiros capítulos e depois uma organização das categorias de perguntas
encontradas nos dados, como uma forma de organizar as categorias de análise
encontradas, para melhor compreensão do leitor.

Finalmente, as contribuições e considerações finais dão o fecho à presente


dissertação, como resultado do trabalho desenvolvido.

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CAPÍTULO 1

Teoria Sócio-histórico-cultural (TSHC)

Precisamos nos esforçar para aperfeiçoar o nosso pensar, de modo a substituir


as nossas percepções inadequadas e confusas (que, de acordo com Espinosa, se devem
à “imaginação ou opinião”) por noções mais adequadas da realidade... O avanço do
conhecimento consiste na constante substituição de nossas percepções confusas e
inadequadas por idéias adequadas, até que, no limite, tudo o que pensarmos provirá de
uma idéia adequada da essência de Deus. (Scruton, 2000)

A epígrafe, que parece traduzir o objetivo de todo trabalho de pesquisa, ou seja,


um esforço pelo aperfeiçoamento foi aqui citada, pois é no capítulo teórico que damos
um passo fundamental ao nosso aperfeiçoamento ao buscarmos em outros pesquisadores
a ajuda para nossa organização, para apoiarmos nosso trabalho e resolvermos algumas
de nossas “confusões”. Parece fundamental o reconhecimento da necessidade que temos
do “outro” para avançarmos.

Assim, este capítulo objetiva trazer parte da fundamentação teórica desta


pesquisa, que foi organizada em cinco seções. Na primeira é discutida a teoria sócio-
histórico-cultural (TSHC), inicialmente focalizada por embasar o olhar da pesquisadora,
ou seja, os princípios e as ações através dos vários conceitos relacionados a essa teoria,
no tocante ao aprendizado e desenvolvimento humanos.

A focalização dessa teoria também se justifica pelo fato de que a professora


participante como sujeito focal da pesquisa procura vivenciar em sua prática os
princípios desse paradigma. É a partir daí que a discussão do método da práxis, da
mediação e da zona proximal de desenvolvimento são feitas, nas seções 2, 3 e 4
respectivamente, pois são centrais a esse modelo teórico. Vygotsky (1930-1933, 1934) é
a referência, já que toda essa teoria é baseada em seus estudos e trabalhos; contudo,
colaboram também os autores que o discutem como Wertsch (1998), Newman &
Holzman (1993), Daniels (2003), Duarte (2001), Rego (1995), Magalhães (1996) e
Schneuwly (1994).

Na seção 5, contando com a colaboração de Milhollan & Florisha (1978)


principalmente, há uma comparação entre a teoria apresentada (TSHC) e o ensino como

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transmissão encontrado em teorias ditas tradicionais como o behaviorismo, pois nos
dados são observados conflitos entre essas teorias nas ações da professora. Sendo assim,
serão importantes para localizarmos historicamente as influências que ainda pairam
sobre as ações pedagógicas.

1. 1. O social, o histórico e o cultural

Como três facetas de um mesmo diamante, esta teoria nos desafia a ter uma
abordagem sustentada nas seguintes dimensões:

Social: é fundamental para marcar a questão das relações humanas;


Histórica: faz-nos pensar em como chegamos até aqui, os diversos
momentos e épocas que marcaram a humanidade. Relaciona-se às influências
do tempo sobre o ser humano;
Cultural: importante para vermos e valorizarmos toda a produção humana
em diferentes contextos. Aqui consideramos as influências humanas sobre a
temporalidade.
Wertsch et al. (1995:11, apud Daniels, 2003: 105) sintetizam da seguinte forma
essa questão:

O objetivo de uma abordagem sociocultural é explicar as relações entre a ação


humana, de um lado, e as situações culturais, institucionais e históricas em que essa
ocorre, de outro.

Wertsch (1998: 3) ainda esclarece que: “ A tarefa da análise sócio-cultural é


entender como a função mental está relacionada com os contextos cultural, institucional
e histórico” 4.

A TSHC, segundo Rego (1995: 93), desenhou-se pela teoria de Vygotsky, por
ele ter teorizado uma psicologia a partir do materialismo histórico-dialético de Marx.
Isto significa que será na apropriação da experiência histórica e cultural que se dará o
processo de desenvolvimento do homem porque “... organismo e meio exercem

4
The task of sociocultural analysis is to understand how mental functioning is related to cultural,
institutional, and historical context. (Minha tradução)

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influência recíproca; portanto, o biológico e o social não estão dissociados. Nesta
perspectiva, a premissa é de que o homem constitui-se como tal através de suas
interações sociais; portanto, é visto como alguém que transforma e é transformado nas
relações produzidas em uma determinada cultura”.

Parece haver uma variedade de termos usados para a mesma abordagem teórica
de Vygotsky. Wertsch, na citação acima, usa o termo “sócio-cultural” enquanto Rego
(1995) diversifica em sua obra o uso de termos como perspectiva “histórico-cultural”,
“sócio-histórica” e abordagem “sócio-interacionista”. Em Daniels (2003) encontramos
referência a uma “abordagem cultural-histórica” ao falar do legado vygotskyano;
contudo, nesta pesquisa houve a opção pelo termo “sócio-histórico-cultural”, como
denominada por Magalhães (1996).
Esta opção justifica-se pela compreensão de que cada um dos termos do conceito
tem sua especificidade e ao serem destacados fortalecem a idéia de que há nesta teoria a
preocupação com o contexto de vida em que estamos, ou seja, com o momento vivido,
não só com o momento em si, mas como chegamos até ele, considerando tudo o que
aconteceu anteriormente e que de alguma forma levou a uma dada constituição política,
econômica e cultural. A teoria sócio-histórico-cultural aponta para a importância de uma
compreensão profunda do mundo em que estamos, como ele se constituiu, onde as
relações humanas e a produção cultural são fundamentais, porque é nessas relações,
dentro de um determinado contexto, que o ser humano se constrói.
Algumas considerações são agora apresentadas para esclarecer o contexto de
produção intelectual de Vygotsky e as influências que marcaram a construção de uma
inovadora concepção para sua época que, de acordo com Rego (1995), trouxe uma
maneira diferente de entender a origem e a evolução do psiquismo humano e as relações
do homem em sociedade.

Vygotsky, russo, vivenciou uma transição política e econômica conturbada que


saía do feudalismo para o socialismo no início do século XX. Ele realmente atuou
devido a uma necessidade emergente de reconstrução de um novo estado. Teve uma
vida curta (1896 – 1934) em virtude da tuberculose e por isso suas produções
concentraram-se entre a 2ª e 3ª década do século XX. Porém, elas só foram conhecidas
no Ocidente, passando a fazer parte da corrente principal da psicologia, a partir da
década de 70, porque o stalinismo suprimiu sua psicologia revolucionária.

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Como suas obras chegaram aos Estados Unidos durante a guerra fria, as
traduções foram “limpas” das questões marxistas e por isso ele foi ser equivocadamente
interpretado como cognitivista. O contexto histórico cognitivizou suas obras. Duarte
(2001) faz muitas observações a esse respeito, ao criticar as apropriações indevidas,
neoliberais, feitas sobre as obras vygotskyanas. Vygotsky não foi cognitivista, nem
somente interacionista ou construcionista – ele foi um marxista dialético.

De acordo com Newman & Holzman (1993: 23): “De modo significativo,
Vygotsky foi um metodólogo marxista”. Nesse contexto é importante trazer a figura de
Marx e entendê-lo como um materialista, o que significa entendê-lo como “... alguém
que toma o mundo material, ou a matéria, como básicos e as idéias, ou a mente, como
derivadas”.
Decorrente disso, a preocupação tanto de Vygotsky como de Marx era
considerar como ponto de partida da ciência e da história “... a vida-que-se-vive e não as
interpretações ou abstrações extrapoladas da vida” (Newman & Holzman, 1993: 24).
Nas palavras de Marx e Engels era necessário considerar o homem “em seu processo de
desenvolvimento real, em condições determinadas, empiricamente visíveis”, (1973: 47-
48, apud Newman & Holzman, 1993:24).

É no conjunto de suas obras, segundo Rego (1995), que Vygotsky conseguiu


contribuir com diversos campos da ciência, trazendo influências à psicologia e
pedagogia, bem como à antropologia, lingüística, história, filosofia e sociologia. Nas
palavras da autora:

Apesar de seu interesse central ser o estudo da gênese dos processos


psicológicos tipicamente humanos, em seu contexto histórico-cultural, se deteve ao
longo de sua vida acadêmica e profissional, em questões de várias áreas do
conhecimento (p. 16).

De acordo com a contribuição de Newman & Holzman (1993) e de Rego (1995),


toda produção teórica vygotskyana esteve voltada às preocupações e objetivos que
podem ser resumidos da seguinte forma:

• Vygotsky dedicou sua vida ao objetivo de reformular a psicologia de acordo


com a metodologia marxista, revolucionária por estar engajada com a

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transformação de uma sociedade com a revisão de conflitos e contradições
intelectuais, políticos, econômicos e culturais do novo Estado Socialista.
• Os desafios emergentes para Vygotsky eram o analfabetismo, as diferenças
culturais entre as centenas de grupos étnicos que formavam a nova nação e a
ausência de serviços para os incapazes de participar plenamente da nova
sociedade.

Para Newman & Holzman (1993) Vygotsky é considerado o principal teórico


marxista entre os psicólogos soviéticos pós-revolucionários. Os autores apresentam a
identidade da psicologia vygotskyana como dependente do grau em que ela, enquanto
ciência, poderia contribuir para a transformação do objeto investigado, no intuito de
domar a realidade e não simplesmente espelhá-la.

Optar pela TSHC na atualidade no campo educacional, então, é optar por uma
forma de pensarmos, dentro do Projeto Político-Pedagógico de cada realidade escolar,
quais são nossos desafios e objetivos rumo à transformação que queremos promover e
que seja coerente com todo o quadro exposto. Não há como ser condizente com o sócio-
histórico-cultural e não assumir um compromisso com uma escola que esteja
intimamente vinculada com o que há fora dela, ou seja, não pensar numa educação que
vise algo mais do que o trato com conteúdos.
Trazer a discussão da TSHC nesta pesquisa objetiva esclarecer ao leitor sobre a
abordagem que se pretende seguir e com ela uma opção permeada, de maneira
marcante, pela questão política, fundamental para os atores da educação, como será
tratada a seguir.
Esclarecer a todos os envolvidos no processo educativo sobre as teorias de
aprendizagem que possam embasar as ações pedagógicas é primordial. Dessa forma,
podemos torná-los conscientes de que todas as teorias de aprendizagem que permearam
a história humana, influenciadas por correntes filosóficas e psicológicas, possuem
diferentes visões de mundo. Assim, há diferentes visões de ser humano, de escola, de
relações, de aprendizagem, isso porque os objetivos da formação a que se pretende
chegar atendem a diferentes interesses de cada época, que, acima de tudo, estão
atendendo a interesses políticos.
Autores já citados como Pérez Gómez (1992) e Gitlin (2005), outros como
Freire (1970), Freire e Faundez (1985), Kincheloe (1993), Liberali (1996) tratam das

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questões políticas. Não se trata aqui de política partidária, mas, sim, dos valores e
interesses que acompanham as ações humanas, principalmente dos grupos hegemônicos,
ou seja, daqueles que de alguma forma detêm o poder.
As contribuições de Freire (1970) trouxeram novas percepções ao cenário
político-educacional, por apontar como se organizam as relações de poder na sociedade
opressora e como podemos buscar a superação dessa organização através da conquista
da liberdade. Para tanto é preciso reconhecer-se como opressor ou oprimido. Porém, o
que se espera não é uma escolha extremista de se estar em uma ou em outra posição.
Não se deve assumir o lugar de opressor ao deixar de ser oprimido ou vice-versa. A
lógica não é ocupar o lugar do outro, mas eliminar tais posições, superando os mitos que
sustentam as injustiças, valorizando a palavra de todos, dando espaço para que todos
tenham voz e vez num processo de transformação radical.

Freire (1970) apontou a necessidade de se alcançar a consciência crítica dessa


opressão na práxis, de maneira processual. Sendo assim, a ação e reflexão dos seres
humanos sobre o mundo, para transformá-lo, é a práxis sugerida para a superação deste
quadro opressor no qual todos estamos imersos.

O fato é que o próprio oprimido é que se constituiu em sujeito, em peça chave


deste processo. “Os oprimidos hão de ser o exemplo para si mesmos, na luta por sua
redenção” (Freire 1970:45), já que os opressores não poderiam trabalhar contra si
mesmos numa educação libertadora.

Na educação, ainda referindo-me a Freire, ocorrem esquemas verticais nos quais


as relações entre professor e aluno são marcadas fundamentalmente pela narração e
dissertação, o que faz do conteúdo fragmentos desconectados da realidade na qual a
palavra é alienante e não transformadora. Decorar, memorizar e repetir são os desafios
aos educandos, enquanto o saber exigiria invenção, reinvenção, busca, ou seja, um
pensar autêntico.

Em busca desse saber, o educador assume a postura de crença nos homens e no


poder criador, estando aberto à comunicação, fazendo do diálogo a porta de
oportunidades para desvelar a realidade, e da práxis o instrumento de ação, o que
implica ação e reflexão de todos sobre o mundo, objetivando sua transformação,
valorizando, assim, o ato cognoscente.

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A autoridade é então exercida a favor da liberdade, pela quebra da oposição
educador-educando através da visão de que ambos participam do processo de
aprendizagem, mediatizados pelo mundo.

É com base nesses conhecimentos que esta pesquisa pode contribuir, já que
busca instigar os participantes a entrar em contato com tais reflexões. A partir disso
podemos pensar que mesmo sendo a escola um espaço onde são reproduzidos valores e
concepções, quando compreendemos o que nela ocorre é possível optar pela
manutenção ou transformação dessas reproduções e assim da realidade na qual estamos
inseridos.

Focando a educação, a reflexão crítica pressupõe assim que o sujeito se enxergue


como um ator sócio-histórico que deve ter uma ação política para compreender e pôr em
questão as estruturas internas e externas das instituições educacionais rumo a uma
proposta de emancipação, de vivência e exercício de cidadania responsável.

É de fundamental importância a compreensão de que somos frutos do contexto


sócio-histórico-cultural do qual fazemos parte. Por isso, não poderemos ser autênticos
até que aprendamos a pensar criticamente, desvelando interesses e valores imersos neste
contexto e em nossa formação e constituição como sujeitos.
A seguinte citação enriquece a questão:

Quando tentamos entender os vários pontos de vista e suas limitações, eu penso


que é útil reconhecer que as suposições/posições básicas e unidades de análise que
guiam qualquer questão nas ciências humanas estão atreladas a interesses políticos,
culturais e institucionais. (Wertsch, 1998: 7)5

Ao optar então pela teoria sócio-histórico-cultural como base para esta pesquisa,
já tendo esclarecido as questões políticas implícitas, será agora explorada a questão do
método, pois se constitui parte integrante da discussão da TSHC.

5
When trying to understand various viewpoints and their limitations, I think it useful to recognize that the
basic assumptions and units of analysis that guide any inquiry in the human sciences are tied to political,
cultural, and institutional interests. (Minha tradução)

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1. 2. Método da práxis
Vygotsky vê o conhecimento como fruto da reorganização das apropriações que
fazemos pela interação com o meio social e dá uma dimensão revolucionária à
educação. Contrapondo-se ao behaviorismo, ao pragmatismo e mesmo ao
interacionismo, pois, entre outras razões, essas abordagens não consideravam as
construções sócio-históricas, dando espaço para formações individualistas e alienadas,
Vygotsky, segundo Newman & Holzman (1993), trouxe os conceitos de instrumento-e-
resultado e instrumento para resultado. Estes conceitos facilitam a compreensão da
organização social, de como aí se estabelece o trabalho, a quem ele serve, como será
tratado a seguir.

O método tem um valor central no trabalho de Vygotsky e deve ser visto de


forma que os resultados do método e o método em si são inseparáveis. Como afirma o
autor:

A procura de um método torna-se um dos problemas mais importantes de


todo empreendimento para a compreensão das formas caracteristicamente
humanas de atividade psicológica. Neste caso, o método é, ao mesmo tempo,
pré-requisito e produto, o instrumento e o resultado do estudo. (Vygotsky, 1930-
1933/1998: 86)

Newman & Holzman (1993), ao tratarem sobre “a práxis”, afirmam que


compreender que a atividade humana pode ser organizada como instrumento-e-
resultado redimensiona o método educacional, pois traz a idéia de que o próprio método
já é a produção de um conhecimento e também pode reorganizá-lo. Como conseqüência,
é possível promover emancipação, colaborando para a construção da consciência,
entendida esta vygotskyanamente como aquilo que é próprio do ser humano, e que é
construída pela interação do sujeito com o objeto, através dos artefatos culturais
(instrumentos/ferramentas). Já o instrumento para resultado está voltado para a
satisfação de necessidades imediatas e individualistas, não comprometidas com a
transformação social, com o coletivo.

Sendo assim, o método é para ser praticado e não aplicado, é um instrumento-e-


resultado ou o método da práxis. Isto representou um paradoxo para o pragmatismo que

16
era a metodologia dominante no século XX, em que o método é separado do conteúdo
experimental e dos resultados, é entendido como algo a ser aplicado, um meio funcional
para um fim, já que se prevê a eficiência. Por isso, é um instrumento para se atingir um
resultado.

O pragmatismo pode ser positivamente desejável quando usado para reorganizar


conhecimentos que possam ser recuperados ou quando se objetiva um automatismo em
alguma situação específica, mas na abordagem proposta, ou seja, na teoria sócio-
histórico-cultural, seria preciso passar primeiro pela compreensão dos processos. O
problema é que o pragmatismo sempre foi utilizado a partir de uma visão de mundo e de
ser humano de forma fragmentada, servindo a uma hegemonia e à alienação.

Ainda segundo Newman & Holzman (1993: 53-54): “O método do instrumento-


e-resultado tem um propósito no sentido marxista (...)” e por isso Vygotsky rejeita a
noção metodológica causal e/ou funcional de instrumento para um propósito ou
resultado em favor da noção dialética do instrumento-e-resultado no estudo da
psicologia humana. É assim que sua posição é tida como nova e revolucionária.

Neste ponto, é de expressiva importância pensar sobre as características dos


instrumentos pedagógicos que utilizamos. Através delas podemos ter sinalizações do
quanto estamos nos aproximando ou distanciando de uma proposta apoiada nos
pressupostos da TSHC.

Vygotsky é considerado um metodólogo, pois ao conceituar aprendizagem e


consciência, já discute como o processo se dá e aponta caminhos para a realização de
uma educação a serviço de valores sociais diferentes daqueles dominantes em sua época
e que se fazem presentes ao longo da história humana.

Sua discussão sobre a práxis é extremamente atual. Entendida esta como a


vivência da prática de maneira coerente com a teoria, eis o grande desafio da atualidade.
Temos um discurso politicamente correto, mas um prescrito contraditório ao se
objetivar a formação de cidadãos conscientes, autônomos e envolvidos com as questões
sociais numa prática escolar que ainda é pragmática, quer resultados estanques e
supervaloriza os dados quantitativos.

É exatamente nesse sentido que esta pesquisa tem sua preocupação central. Por
isso, busca contribuir com ações que possam partir das questões arbitrárias da práxis

17
para estabelecer discussões, revisão de pontos de vista e de concepções teórico-
metodológicas. O intuito é possibilitar transformações da prática pedagógica.

Como parte desse desafio, alguns conceitos vygotskyanos serão apresentados,


pois se mostram adequados ao momento, já que contribuem com a análise de ações que
podem estar mais ou menos voltadas aos princípios da TSHC. Tais conceitos, tratados
nas próximas seções, são ao mesmo tempo uma base para analisarmos o que
observamos da prática pedagógica e se constituem em possibilidades de ação para a
reorganização dessa mesma prática. O primeiro desses conceitos é a mediação,
discutido a seguir.

1. 3. O conceito de mediação e suas implicações pedagógicas

O conceito de mediação, de base vygotskyana, será discutido nesta pesquisa por


ser considerado central no trabalho com a educação, seja em relação à formação do
aluno, seja na do professor, pois está diretamente relacionado a questões de
aprendizagem e desenvolvimento. Segue uma explicação que traz um esclarecimento a
respeito:

Há um interesse crescente pelo que se tornou conhecido como “teoria


sociocultural” e por seu parente próximo, a “teoria da atividade”. Ambas as tradições
são historicamente vinculadas a L. S. Vygotsky e tentam explicar a aprendizagem e o
desenvolvimento como processos mediados. (Daniels, 2003:9)6

Estando o presente estudo apoiado na base teórica da TSHC, o conceito de


mediação vem colaborar com este estudo, pois, segundo Daniels (2003:24), trata-se de
um conceito-chave, já que “... abre o caminho para o desenvolvimento de uma
explanação não-determinista, em que os mediadores servem como meios pelos quais o
indivíduo age sobre fatores sociais, culturais e históricos e sofre a ação deles”.
Segundo Rego (1995) e Daniels (2003), podemos dizer que a mediação é o
processo que caracteriza a relação do homem com o mundo e com outros homens, ou as
possibilidades de relações sujeito-objeto, mediadas por artefatos ou instrumentos

6
Não é objetivo desta pesquisa abordar a teoria da atividade, levando-se em conta a amplitude e
complexidade do assunto.

18
culturalmente disponíveis. A figura 1 traz a representação do conceito apresentada por
Daniels (2003: 25).

Figura 1 Representação triangular básica da mediação

Artefato

Sujeito S Objeto O

A mediação é vista como central, pois é neste processo que as Funções


Psicológicas Superiores (FPS) - tipicamente humanas - se desenvolvem.
As FPS relacionam-se com ações intencionais – planejamento, memória
voluntária, imaginação, enquanto as FPE (funções psicológicas elementares) dizem
respeito ao que é biológico, nato, instintivo, reflexo. Vygotsky (1930-33/1998: 53)
assim esclarece:

As funções elementares têm como característica fundamental o fato de serem


total e diretamente determinadas pela estimulação ambiental. No caso das funções superiores,
a característica essencial é a estimulação autogerada, isto é, a criação e o uso de estímulos
artificiais que se tornam a causa imediata do comportamento.

Vygotsky (1930-1933) explica que toda forma de comportamento, mesmo que


seja elementar, estabelece uma relação direta com a situação-problema defrontada pelo
organismo, ou seja, toda forma de comportamento estabelece a relação estímulo-
resposta. Contudo, na mediação há um elo intermediário nessa relação e esse elo se
constitui com o uso de um estímulo auxiliar de segunda ordem, chamado de signo.
O signo também é chamado de “instrumento psicológico” e está representado na
figura 1 com o termo “artefato”. Ele deve ser compreendido vygotskyanamente como
todo estímulo artificial, autogerado, criado pelo homem em seu contexto cultural.
Com o uso de signos cria-se uma nova relação entre o estímulo e a resposta, ou
entre o sujeito e o objeto. Dessa maneira, formas indiretas de reação ao ambiente são
incorporadas na relação do homem com seu meio.

19
O autor ainda salienta que o signo possui uma característica importante de ser
considerada, que é a “ação reversa”, pois ele age diretamente sobre o indivíduo,
conferindo à ação psicológica formas qualitativamente novas e superiores que permitem
ao homem o controle de seu comportamento. Assim, a partir do uso de signos, uma
estrutura específica do comportamento, diferente daquela proporcionada pelo
desenvolvimento biológico, se torna possível e com isso surgem novas formas de
processos psicológicos com origem cultural.
Bruner (1993: VIII), na introdução da obra Pensamento e Linguagem de
Vygotsky, exemplifica a questão afirmando:

(...) em Pensamento e Linguagem Vygotsky elabora em que sentido ele acredita


que dominando a natureza dominamos a nós mesmos. Pois é a interiorização da ação
manisfesta que faz o pensamento, e particularmente, é a interiorização do diálogo
exterior que leva o poderoso instrumento da linguagem a exercer influência sobre o
fluxo do pensamento. O homem, por assim dizer, é modelado pelos instrumentos e
ferramentas que usa...

Os instrumentos, que também estão representados na palavra “artefato” da figura


1, também se constituem em elementos da mediação. Contudo, Vygotsky (1930-
33/1998: 72-73) faz questão de diferenciá-lo de signo, pontuando que o instrumento
ajuda o homem a agir sobre o objeto da atividade, modificando-o; assim, a atividade
humana externa pode controlar e dominar a natureza. Já o signo é um meio da atividade
interna que irá ajudar o homem em seu autocontrole. Contudo, há uma ligação entre o
controle da natureza e o do comportamento, pois ao alterar a natureza o homem altera a
si próprio. Vygotsky diz que:

(...) O uso de meios artificiais – a transição para a atividade mediada – muda,


fundamentalmente, todas as operações psicológicas, assim como o uso de instrumentos
amplia de forma ilimitada a gama de atividades em cujo interior as novas funções
psicológicas podem operar. Nesse contexto, podemos usar o termo função psicológica
superior, ou comportamento superior com referência à combinação entre o
instrumento e o signo na atividade psicológica. (1930-33/1998: 73)

20
Newman & Holzman (1993: 53) enriquecem a discussão ao afirmarem que “pelo
argumento de Vygotsky, os instrumentos, quer práticos, quer simbólicos, são
inicialmente “externos”: usados exteriormente sobre a natureza ou na comunicação com
os outros. Mas os instrumentos afetam seus usuários: a linguagem, usada primeiramente
como um instrumento comunicativo, acaba por moldar as mentes daqueles que se
adaptaram a seu uso”.

Daniels (2003: 26) pontua duas questões decorrentes da ênfase da


autoconstrução proposta na teoria vygotskyana que se dá por e com o uso de signos e
instrumentos (ferramentas):
1. O indivíduo é visto como um agente ativo do desenvolvimento;
2. O contexto tem importância fundamental, pois o desenvolvimento irá
ocorrer através das ferramentas disponíveis em um tempo e espaço
determinados.
É aqui que está a fundamental responsabilidade dos educadores no ambiente
escolar: o desenvolvimento dos alunos através da aprendizagem, que vai se dar pela
mediação, na qual a linguagem é instrumento privilegiado.
Observando e investigando os conhecimentos que os alunos trazem à escola, o
professor deve intervir para reorganizar tal conhecimento, elevando-os a outro patamar.
Este assunto parece-me de extrema importância para os propósitos a que essa
pesquisa se destina, pois ao trabalhar a formação do professor com base na teoria sócio-
histórico-cultural e com o apoio da teoria da reflexão crítica (Smyth, 1992), usamos a
prática, a vida vivida do profissional como objeto de análise, como instrumento-e-
resultado de sua reorganização.

1. 4. ZPD (zona proximal de desenvolvimento)

Para discutir a mediação, faz-se necessária a compreensão de mais um conceito


vygotskyano: a ZPD. Tal conceito foi criado por Vygotsky pela necessidade que surgiu
em suas pesquisas de ir além da determinação de níveis de desenvolvimento. Por
questionar as concepções correntes em sua época da relação entre desenvolvimento e
aprendizagem de crianças, o autor buscou “descobrir as relações reais entre o processo
de desenvolvimento e a capacidade de aprendizado” (Vygotsky, 1930-33/1998: 111). O

21
autor afirmou que através dessa relação era possível resolver ou formular problemas
próprios da análise psicológica do ensino.
Para tanto ele criou uma nova concepção, partindo da determinação de dois
níveis de desenvolvimento, a saber:
• o nível de desenvolvimento real – que se refere ao “nível de
desenvolvimento das funções mentais da criança que se estabeleceram
como resultado de certos ciclos de desenvolvimentos já completados”.
Está relacionado com o que as crianças podem fazer por si mesmas, pela
solução independente de problemas, caracterizando aqui o
desenvolvimento mental retrospectivamente;
• o nível de desenvolvimento potencial – é relativo ao que a criança
consegue fazer com a ajuda dos outros, através da solução de problemas
sob orientação de alguém mais capaz. Assim relaciona-se com os
processos mentais em formação, que estão em maturação e
desenvolvimento.
O conceito de ZPD é a distância entre esses dois níveis de desenvolvimento,
definindo as funções que ainda não amadureceram, pois estão em processo de
desenvolvimento. Com isso caracteriza-se o desenvolvimento mental prospectivamente.
De outra forma, a ZPD é um espaço de trabalho no qual uma pessoa atua para a
aprendizagem e, conseqüentemente, o desenvolvimento do outro. Para tanto é
necessário reconhecer o que uma pessoa pode realizar sem ajuda (ZDR – zona de
desenvolvimento real) e o que necessita do outro para realizar. O objetivo, então, é que
a realização de algo feito na ZPD possa, em breve, ser feito na ZDR, buscando a
autonomia de atuação dos sujeitos envolvidos.
A ZPD é considerada um instrumento-e-resultado, pois leva ao desenvolvimento
e nela o conhecimento é co-construído, ou seja, a fala de um é uma das estratégias para
a construção/crescimento do outro. Nas relações interpsicológicas vai se criando uma
base para a construção intrapsicológica. Como o próprio autor explica:

Toda função no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes:


primeiro no nível social e, mais tarde, no nível individual; primeiro entre pessoas
(interpsicológica), e então dentro da criança (intrapsicológica). Isso se aplica
igualmente à atenção voluntária, à memória lógica e à formação de conceitos. Todas

22
as funções superiores se originam como relações efetivas entre indivíduos humanos.
(Vygotsky, 1930-33/1998: 75)

A este respeito, Magalhães (1996: 3-4) afirma:

Em uma abordagem sócio-histórico-cultural, a aprendizagem de


qualquer conhecimento novo parte do OUTRO, de padrões interacionais
interpessoais. Assim, a aprendizagem é entendida, independentemente da idade,
como social e contextualmente situada, como um processo de reconstrução
interna de atividades externas, em que a relação social tem o papel primário em
determinar o funcionamento intrapsicológico ou intramental... A instrução
efetiva, isto é, a que resulta em aprendizagem, pressupõe que o professor tenha
avaliado os dois níveis de desenvolvimento de seus alunos, isto é, as atividades
em que agem independentemente e as em que necessitam da participação do
outro para agir e que é onde deve situar a instrução.

Ao discutir sobre a ZPD, Vygotsky (1930-1933) faz uma constatação importante


sobre o aprendizado humano, pois afirma que esse aprendizado: “... pressupõe uma
natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida
intelectual daqueles que as cercam”. A esse respeito, Rego (1995) fala da importância
do aprendizado dentro de um determinado grupo cultural por meio da interação, para
com isso se alcançar o pleno desenvolvimento.

A imitação é destacada por Vygotsky (1930-33) como importante no trabalho na


ZPD, pois as pessoas só conseguem imitar o que está no seu nível de desenvolvimento,
indo além dos limites de sua própria capacidade. Rego (1995: 73) afirma que por meio
da ajuda de outras pessoas... “a criança realiza tarefas e soluciona problemas através do
diálogo, da colaboração, da imitação, da experiência compartilhada e das pistas que lhe
são fornecidas”.
Há nessa discussão uma preocupação de Vygotsky (1930-1933) a respeito de
como se avalia a capacidade mental das crianças, pois ele diz que quase sempre se
considera só o que a criança pode fazer sozinha, ou seja, seu nível de desenvolvimento
real, ou a ZDR.

23
Ele constatou em sua pesquisa que há uma variação enorme da capacidade de
crianças com iguais níveis de desenvolvimento mental quando estão aprendendo sob a
orientação de um professor. Com isso pontua que considerar o que a criança pode fazer
com a ajuda dos outros seria mais produtivo para avaliar o desenvolvimento mental.

A partir dessas constatações, o autor trabalha com a hipótese de que há uma


unidade entre aprendizado e desenvolvimento, mas isso não representa uma identidade,
ou seja, aprendizado e desenvolvimento estão intimamente relacionados, mas não
ocorrem ao mesmo tempo, no mesmo ritmo. É do processo de aprendizagem que
resulta, em um tempo mais lento e posterior, o processo de desenvolvimento, numa
relação dinâmica e complexa. É assim, nesse descompasso entre um e outro processo,
que resulta a ZPD, trazendo a fundamental figura do “outro” no desenvolvimento global
do ser humano.

Ao observarmos o trabalho feito, ou não, na ZPD, temos um termômetro da ação


pedagógica, já que revela concepções de ensino-aprendizagem do professor. Parece
haver uma relação de complementaridade entre os conceitos de “mediação” e ZPD, pois
o professor será mediador, numa visão vygotskyana, ao trabalhar neste espaço
mediacional que é ZPD.

Schneuwly (1994) traz uma contribuição considerável na discussão da ZPD. O


autor trava uma crítica ao grande uso do conceito, pela maneira como têm sido raras as
discussões sobre o aspecto do desenvolvimento, o que leva ao empobrecimento do
conceito em si, já que esse aspecto sempre foi central para Vygotsky. O
desenvolvimento das crianças era definido por Vygotsky como seu objeto de estudo.

Como decorrência da situação exposta, Schneuwly (1994) faz uma critica à


redução da questão do desenvolvimento às questões do ensino e da aprendizagem e
busca resgatar nas origens a coerência do modelo teórico no uso da ZPD, procurando
enfocar o conceito de desenvolvimento.

Schneuwly (1994) determina três aspectos do desenvolvimento que devem ser


considerados na teoria vygotskyana:

1. A forma do desenvolvimento - que se define por três leis:

o o desenvolvimento ou novas formas de funcionamento psíquico


se dão pela articulação e reorganização de funções psíquicas já
existentes;

24
o As diferentes funções do psiquismo se desenvolvem de maneira
desigual e não proporcional;

o Por não ser linear, nem cíclico, o desenvolvimento não


representa o simples aumento de capacidades já existentes, antes
ocorre por revolução.

2. O motor do desenvolvimento – constitui-se na luta de contrários


entre os aspectos internos e externos do indivíduo, ou seja, as
potencialidades já desenvolvidas em confronto com a cultura, com
aquilo que é produzido na vida social, nas atividades humanas, que
podem ser consideradas como conjunto de sistema de signos ou
sistema semiótico.

3. Os instrumentos do desenvolvimento: os signos – as relações


humanas são mediadas e transformadas pela utilização dos signos,
que proporcionam o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores.

Em relação a esse mapeamento do conceito vygotskyano de desenvolvimento,


Schneuwly (1994) encontra uma contradição teórica, pois ao mesmo tempo que existe
um auto-movimento no desenvolvimento, um aspecto interior, que depende do que está
interno, tal desenvolvimento só ocorre com as influências do meio externo. É neste
ponto que o conceito de ZPD tem seu lugar teórico, pois sua função é colocar sob tensão
o sistema interior/exterior, criando na contradição o movimento do desenvolvimento na
relação entre ensino e desenvolvimento.

Assim, Schneuwly (1994) denomina a ZPD como um conceito relacional, pois é


produto do cruzamento entre ensino e desenvolvimento, mas que nem sempre poderá ter
origem em tal cruzamento.

Outros conceitos vygotskyanos complementam e enriquecem a presente


discussão: conceito científico, conceito cotidiano e conceito no vácuo.

O conceito cotidiano é construído em nossa relação com os outros, mas não de


forma hierarquizada. Já o conceito científico deve ser coerente com uma cadeia de
outros conceitos, dentro de um paradigma. Assim, ao partirmos de um conceito
espontâneo para um científico, no trabalho na ZPD, estamos mediando uma
reorganização, evitando o conceito no vácuo, que pressupõe não valorizar a

25
generalização, o contexto lingüístico e a memória lógica. O conceito no vácuo não
promove aprendizagem, pois não trabalha com o que é significativo.

Sendo assim, a compreensão do desenvolvimento de conceitos enquanto teoria


psicológica é uma ferramenta de análise de como o professor trabalha com os conceitos.
Se tal ferramenta, enquanto parte da teoria sócio-histórico-cultural, puder ser discutida e
compor o Projeto Político-Pedagógico da escola, teremos uma referência a mais no
momento de realizar discussões sobre a prática.

Como afirma o próprio Vygotsky:

... um conceito é mais do que a soma de certas conexões associativas formadas


pela memória, é mais do que um simples hábito mental: é um ato real e complexo de
pensamento que não pode ser ensinado por meio de treinamento, só podendo ser
realizado quando o próprio desenvolvimento mental da criança já tiver atingido o nível
necessário. Em qualquer idade um conceito expresso por uma palavra representa um
ato de generalização. (1934/1993: 71)

Segundo o autor, esse ato de generalização vai se tornando mais elevado à


medida que o que o intelecto da criança se desenvolve, por isso é primordial que o
professor entenda a improdutividade da transmissão direta de um conceito, pois o que
acaba ocorrendo nessa situação é um conceito no vácuo, que não promove a
aprendizagem, pois não trabalha a partir de um “contexto lingüístico geral”7. Para
Vygotsky:

... um conceito se forma não pela interação das associações, mas mediante uma
operação intelectual em que todas as funções mentais elementares participam de uma
combinação específica. Essa operação é dirigida pelo uso das palavras como o meio
para centrar ativamente a atenção, abstrair determinados traços, sintetizá-los e
simbolizá-los por meio de um signo. (1934/1993:70)

7
A expressão foi utilizada por Vygotsky (1934/1993:72) ao se referir ao que um outro autor, Tolstoi,
dizia ser necessário para a aquisição de novos conceitos e palavras. O significado da expressão está
relacionado às situações em que a criança lê ou ouve uma palavra desconhecida em meio a outras já
conhecidas e depois de algum tempo passa a sentir a necessidade do uso de tal palavra, demonstrando já
ter compreendido o novo conceito.

26
Vygotsky (1934/1993) aponta para a importância de se considerarem os
conceitos cotidianos que a criança forma sem a ajuda do aprendizado sistemático,
aquele que construímos em nossa relação com os outros, mas não de forma
hierarquizada (a atenção aqui está voltada ao objeto ao qual o conceito se refere e não
ao ato do pensamento), no entanto, não se pode esquecer que a formação de conceitos,
sejam cotidianos ou científicos, estão interligados, pois fazem parte de um único
processo.

A escola desempenha um papel fundamental no estímulo à formação de


conceitos, pois de acordo com Vygotsky:

O aprendizado escolar induz o tipo de percepção generalizante,


desempenhando assim um papel decisivo na conscientização da criança dos seus
próprios processos mentais. Os conceitos científicos, com o seu sistema hierárquico de
inter-relações, parecem constituir o meio no qual a consciência e o domínio se
desenvolvem, sendo mais tarde transferidos a outros conceitos e a outras áreas do
pensamento. A consciência reflexiva chega à criança através dos portais dos
conhecimentos científicos (1934/1993:79).

Por isso a consciência dos conceitos espontâneos é tardia, só depois de utilizá-


los por um tempo é que nos tornamos conscientes do ato do pensamento a que ele se
refere e, ao contrário, o conceito científico geralmente se inicia com definição verbal e
aplicação em situações não espontâneas (como as vividas no contexto escolar).

O papel da escola é crucial ao trabalhar de maneira formal com os conceitos


científicos para que eles transformem gradualmente a estrutura do conceito espontâneo,
colaborando na reorganização deste num sistema, o que promove a ascensão da criança
para níveis mais elevados de desenvolvimento. A aprendizagem, assim, precede o
desenvolvimento, como já discutido anteriormente (na página 23 desta dissertação).

Acreditamos que as discussões feitas até aqui sobre a TSHC e alguns conceitos a
ela relacionados foram apoio para o trabalho de formação realizado com a professora,
tanto durante a coleta dos dados, quanto nas sessões reflexivas e na observação, análise
e discussão dos dados. A TSHC nos oferece princípios de ação, de visão de mundo e de
educação e os conceitos a ela relacionados nos ajudam na organização das ações.

27
A preocupação em se utilizar um método que já traga em sua prática o resultado
é um exemplo disso. Valorizar tanto as características da mediação da professora e da
coordenadora quanto o fato de conseguirem ou não estabelecer a ZPD em suas ações
também são evidências para uma avaliação formativa, ou seja, voltada para a
aprendizagem, o que revela uma organização que busca estar pautada na TSHC. O que
se quer é respeitar a influência dos vários contextos em que as pessoas em sua situação
real de trabalho estão inseridas e utilizar essa mesma situação como fonte de estudo,
aprendizagem e, conseqüentemente, de desenvolvimento.

Durante o trabalho de pesquisa, foram observados valores e princípios de


diferentes paradigmas que respaldavam as ações pedagógicas. Por isso, se fez
necessário apresentar uma contraposição entre a TSHC e o ensino como transmissão,
pois é preciso que ambas as posições estejam claras, para que possamos fazer nossas
escolhas de maneira consciente.

1. 5. Contrapondo a TSHC e o ensino como transmissão

Um breve resgate, pelos caminhos da história, agora será apresentado para


discutir as influências que a educação recebeu ou ainda recebe, bem como um
aprofundamento na base teórica psicológica desta pesquisa. Afinal...

... uma escolha de pedagogia inevitavelmente comunica uma concepção do


processo de aprendizagem e do aprendiz. A pedagogia jamais é isenta. Trata-se de um
meio que carrega sua própria mensagem. (Bruner, 2001)

Milhollan & Florisha (1978) nos ajudam nessa retrospectiva ao traçarem a


origem do behaviorismo que tantas influências já trouxe ao cenário educacional. Será
com base nesses autores que se discutirão agora algumas teorias ditas tradicionais.

O comportamentalismo (behaviorismo), tendo o comportamento como alvo de


pesquisa, defende que este comportamento é modificado por recompensas ou punições.
A investigação experimental sobre isto se iniciou por Edward L. Thorndike (1874 –
1949) por volta de 1898 e influenciou marcantemente a psicologia da aprendizagem e as
práticas educacionais. Thorndike defendia a tradição associacionista, na qual a

28
aprendizagem era vista como o processo de selecionar e associar os estímulos e
respostas (acontecimentos físicos) e as coisas sentidas ou percebidas (acontecimentos
mentais), processo este visto como passivo, mecânico e automático.

Nesta base de compreensão, a aprendizagem é conetiva (daí o termo


conexionismo) e o ensino é visto como “... o arranjo de situações que levam a laços
apropriados e os tornam recompensadores. O estímulo e a resposta devem ser
distinguidos a fim de que sua conexão possa ser realizada” (Milhollan & Florisha, 78:
56). Thorndike criou assim a Lei do Efeito, segundo a qual se explicava o gravar e o
eliminar respostas, no processo de aprendizagem, a partir das conseqüências agradáveis
ou não.

Contemporâneo de Thorndike, Ivan P. Pavlov (1849 – 1936) também colaborou


com o condicionamento clássico, compreendido como parte da doutrina de associação
baseada na pesquisa de laboratório.

Segundo este pesquisador, a aprendizagem ocorria pela associação entre um


estímulo (S) e uma resposta (R), uma espécie de conexão no sistema nervoso central.
Assim era possível condicionar por estímulo a uma resposta esperada e extinguir tal
resposta pela variação dos estímulos.

Buscando fazer da psicologia uma ciência, muitos psicólogos, principalmente


americanos, queriam focar os estudos no comportamento, para que os dados pudessem
ser observáveis e mensuráveis, proporcionando resultados uniformes a qualquer
pesquisador. Foi assim que John B. Watson (1878 – 1958) criou o termo behaviorismo
defendendo que a psicologia fosse a ciência do comportamento puramente objetiva,
rejeitando, assim, o estudo da consciência e os princípios do inatismo.

Watson foi ambientalista. Ao conhecer o condicionamento clássico de Pavlov o


adotou como mecanismo para toda a aprendizagem. Para ele, todo o conhecimento é
adquirido através do condicionamento.

Notável nas contribuições à natureza da psicologia e sua aplicação ao campo


educacional foi Skinner, associacionista, behaviorista e ambientalista. Ele defendia que
era necessário haver um plano científico para desenvolver o homem e a sociedade
plenamente, dando assim à ciência, além da capacidade de descrever, a possibilidade de
previsão. Via o futuro como passível de controle. Em suas próprias palavras: “Ciência
está aumentando firmemente nosso poder de influenciar, mudar, modelar – em uma

29
palavra, controlar – o comportamento humano” (Skinner, apud Milhollan & Florisha,
1978: 69).

O behaviorismo foi realmente marcante enquanto teoria psicológica e enquanto


base metodológica na educação no século XX, e como mostrarão os dados da pesquisa,
seus reflexos ainda persistem em muitas situações. Mesmo quando o professor acredita
que já não adota tal teoria para seu trabalho, suas ações o traem, pois elas têm base nesta
teoria que pode ser considerada totalmente diferente da sócio-histórico-cultural, pois os
ideais de homem e de sociedade e a compreensão sobre a aprendizagem divergem
profundamente.

Para o quadro com o resumo a seguir, foram consideradas as contribuições de


Milhollan & Florisha (1978) em relação ao behaviorismo e, no tocante à TSHC, foi
usado um resumo apresentado por Daniels (2003: 24).

Contrapontos entre o behaviorismo e a TSHC

Quadro 2

Orientação comportamentalista Teoria sócio-histórico-cultural

- O homem é um organismo passível e - Salienta a ação mediada num contexto;


manipulável pelos estímulos exteriores;
- Análise baseada em eventos da vida
- Empirista – é da experiência que se chega cotidiana;
à aprendizagem; - Pressupõe que a mente surge na
- Principal representante na filosofia – atividade mediada conjunta das pessoas.
Locke; A mente é, então, em importante sentido,
“co-construída e distribuída”;
- Orientação metodológica:
- Pressupõe que os indivíduos são agentes
•Homem previsível;
ativos em seu próprio desenvolvimento,
•Não há possibilidade de
mas não agem em cenário de sua própria
criação do novo;
escolha;
• Homem universal –
máquina a ser programada - Rejeita ciência explanatória de causa-
das ações simples para as efeito, estímulo-resposta, em favor de uma
complexas; ciência que enfatiza a natureza emergente
- Motivação é extrínseca, pressupõe da mente em atividade e reconhece um
recompensa. papel central para a interpretação em sua
estrutura explanatória;
- Tem como base as influências da
filosofia monista de Spinosa;
- Principal representante – Vygotsky.

30
Com estes esclarecimentos, a intenção foi mostrar que nem todas as teorias são
opostas, mas, sim, diferentes, com propósitos, visões e objetivos diversificados.
Compreender isso se torna fundamental para o trabalho com a formação de professores,
pois proporciona o conhecimento dessas produções históricas e tudo o que nelas está
implícito e assim alcança-se a liberdade da escolha, que deve ser feita coletivamente,
por ocasião da produção do Projeto Político-Pedagógico.

Como veremos a seguir, é certo que a produção do PPP fica balizada por
documentos de orientação, seja de esferas mais amplas como a federal, ou de esferas
mais imediatas, como propostas estaduais ou municipais, ou mesmo de entidades
particulares, mas todo documento de orientação, todo referencial ou proposta curricular
só se concretizará na ação diária do professor. Na sua prática está a responsabilidade de
concretização ou não dos prescritos, sendo assim, o PPP é uma ferramenta fundamental
de apropriação de conhecimentos contidos em documentos de referência que possam ser
usados, pois será algo produzido em micro contexto e deve traduzir um consenso do
grupo de profissionais que ali atuarão.

Será na produção do PPP (como será tratado no próximo capítulo) que os


documentos de referência poderão ser mais ou menos utilizados, rediscutidos,
transformados, ignorados, recriados pelas opções teóricas que será necessário se
estabelecer, constituindo então em um novo prescrito, adaptado à realidade de cada
contexto em que for produzido.

31
32
CAPÍTULO 2

Implicações da teoria sócio-histórico-cultural para a prática

Na busca por teoria e estudos que pudessem contribuir com os objetivos desta
pesquisa, colaborando para que o trabalho pudesse se desenvolver de maneira coerente
com a TSHC, optamos por fazer a discussão dos assuntos que serão apresentados a
seguir. Assim, este capítulo tem por objetivo apresentar mais uma parte da
fundamentação teórica, o que será feito em três seções.

O Projeto Político-Pedagógico é discutido na primeira seção, pois teve uma


importância no início da pesquisa e também na trajetória da formação da professora
participante, bem como na atuação da coordenadora-pesquisadora. Pela importância de
ser compreendido, estruturado e definido a partir da teoria que deve alicerçá-lo, tal
projeto pode constituir-se em um instrumento de transformação da prática pedagógica.
Autores como Vasconcellos (2006), Almeida (2004), Marçal & Souza (2001), Gandin &
Gandin (1999) colaboram nessa discussão.

Na segunda seção, é apresentada uma breve discussão sobre a colaboração e a


reflexão crítica, por serem escolhas de como trabalhar a formação de professor
buscando coerência com a TSHC. A colaboração é discutida principalmente por
Magalhães (2006, 2004, 1998), partindo das contribuições de Vygotsky. Nos estudos
desse autor vemos que a partir da maneira como trata o papel do “outro” no processo de
ensino-aprendizagem8 ele redimensiona a importância da cooperação. Já a reflexão
crítica é discutida por Smyth (1992) como uma forma de operacionalização de ações no
processo de formação dos professores.

Finalmente, na terceira e última seção focaliza-se a questão das “perguntas”. Tal


escolha foi apontada pela observação dos dados, que trouxeram as perguntas como

8
O termo ensino-aprendizagem é a tradução da palavra russa obouchenie, utilizada por Vygotsky no
sentido de representar “tanto os processos de ensino como os de aprendizagem” (Dolz & Schneuwly,
2004: 45).
Daniels (2003: 20) também faz um esclarecimento a este respeito, dizendo: “O tradutor de Davydov
(1995) diz que ensino ou ensino-aprendizagem é mais apropriado como tradução de obuchenie, na medida
em que o termo se refere a todas as ações do professor que geram desenvolvimento e crescimento
cognitivos. Sutton (1980) também lembra que a palavra não admite uma tradução inglesa direta. O autor
argumenta que ela significa tanto ensino como aprendizagem e se refere a ambos os lados do processo de
duas vias, sendo portanto apropriada uma visão dialética de um fenômeno composto de opostos que se
interpenetram”.

33
estratégias de interação entre professora-aluno e coordenadora-professora durante a
coleta dos dados. Nessa discussão, estiveram presentes vários autores como Freire e
Faundez (1985), Nuttall (1982), Mackay (2001), Coracini (2002), Ricardo (2002),
Méndez (2002) e Ninin, Hawi, Damianovic e Mello (2005).

2. 1. Projeto Político-Pedagógico (PPP)

O PPP tem papel privilegiado nesta pesquisa, pois é aqui reconhecido como
ponto de partida da organização das atividades pedagógicas da escola e
conseqüentemente da formação/educação9 de professores.

A questão é que na construção do PPP temos uma excelente oportunidade de


iniciar a cada ano um trabalho de educação de professores pelos estudos e revisões que
são necessários para a consciência da base teórica do trabalho, bem como das discussões
impreteríveis às escolhas e determinação de metas e ações que guiarão as práticas e
projetos de todo o ano letivo.

Autores como Vasconcellos (2006), Almeida (2004), Marçal & Souza (2001),
Gandin & Gandin (1999) vêm discutindo questões relativas à produção do PPP. Seja
tratando por planejamento participativo ou projeto coletivo é unânime a visão entre eles
da importância de se fazer um trabalho compartilhado, pois suas experiências e
pesquisas revelam resultados positivos, nem sempre a curto prazo, ou seja,
proporcionam conquistas que de outra forma não surgiriam.

Neste sentido, Almeida (2004: 22) destaca alguns pontos, entre eles a
importância de haver uma coordenação durante o trabalho de construção do PPP:

A escola pública é rica em experiências, e os professores têm vontade de


compartilhá-las com seus pares, desde que haja uma intenção comum e alguém
coordenando.

9
Cunha (2005: 35), Magalhães & Celani (2005: 135) e Smyth (1992: 270) utilizam o termo educação de
professores. As primeiras autoras o fazem em paralelo com o termo formação de professores. Todos
criam a possibilidade de outra forma de se referir a essa questão. O termo educação de professores
passará a ser preferencialmente usado nesta pesquisa.

34
Tal qual o professor que acaba sendo o agente principal das decisões no campo,
o diretor e o coordenador também têm em suas mãos a responsabilidade de lidar com o
poder nas relações, centralizando-o ou compartilhando-o e isto fará toda diferença
quando da produção do PPP. Almeida (2004: 23) afirma que: “Quando existe um
objetivo comum, definido e perseguido pelo grupo, os diretores percebem que
compartilhar o poder é bom” e ainda, falando de sua experiência10 declarou que “O
construir juntos um Projeto despertou nos professores e alunos a responsabilidade, a
vontade de acertar. E o respeito mútuo apareceu como decorrência”.

O que observamos, infelizmente, é que muitas vezes o projeto político-


pedagógico das escolas não conta com a participação de seus agentes, é produzido por
alguns, normalmente o diretor e o coordenador.

Às vezes até parece que o PPP é produzido na coletividade, mas a dinâmica do


processo não legitima verdadeiramente uma produção coletiva e, sim, uma reescrita, o
“mais do mesmo” ou ainda uma reprodução com palavras diferentes. Muitas vezes, a
fragmentação da produção na qual, para se “ganhar tempo”, cada grupo redige um
“pedaço”, descaracteriza completamente a apropriação do documento como espaço de
decisão política. Há locais em que o PPP é só PP, ou seja, nem se permite que a
dimensão política seja parte do título do documento. De qualquer forma não é possível
se eliminar, integrando ou não a palavra político, a dimensão política dessa proposta.
Sempre haverá valores permeando relações de poder, intenções e objetivos mais ou
menos claros por trás dessa produção.

Gandin & Gandin (1999) fazem uma crítica séria à maneira como se estabeleceu
a prática de produção das propostas pedagógicas nas escolas. Avaliam que ao mesmo
tempo em que foi positiva a valorização que a LDB faz ao planejamento como
ferramenta mais importante que o regimento para a implementação de processos
pedagógicos, acabou sendo negativo o fato de a proposta pedagógica ser uma
determinação legal advinda da esfera administrativa.

Estes autores ainda afirmam ser: “... lamentável que, em nossa prática escolar, o
formal tenha tanta valia e sejam desmerecidos os estudos dos pesquisadores e
profissionais da educação. O formalismo termina tomando conta. No caso específico,

10
Esta experiência refere-se ao estudo feito em seis das 152 escolas que integraram o Projeto Noturno,
que ela fez por ocasião da elaboração da tese de doutorado. Tal projeto ocorreu nos anos de 84 e 85 na
rede estadual de São Paulo.

35
em vez do estudo rigoroso do planejamento e de suas implicações na prática, tarefa que
deveria estar continuamente em estudos nas faculdades e em execução por quem
trabalha na educação, coloca-se a exigência do cumprimento de uma determinação
legal” (p. 16). Sendo assim, há uma preocupação em atender a burocracia em detrimento
do verdadeiro exercício de construção de mudanças, através do uso do projeto político-
pedagógico como ferramenta.

Gandin & Gandin (1999: 19) acentuam a crítica dizendo que: “Criou-se uma
estranha situação, dentro da qual as escolas podem falar o que quiserem, mas devem
fazer o que todas fazem (...) estão na situação de algum agricultor que pudesse planejar
à vontade, mas que, necessariamente, tivesse que plantar milho, dentro de um
determinado terreno e numa quantidade previamente estabelecida”.

Na busca de compreendermos melhor o PPP, é importante que ele seja


conceitualizado com clareza. A seguir estão algumas contribuições neste sentido:

Etimologicamente, a palavra projeto vem do latim, particípio passado de


“projicere", que significa lançar para a frente. Projeto pode ser entendido, ainda, como
intento, desígnio, empreendimento. Com base nessas idéias, o projeto pedagógico é
concebido como o instrumento teórico-metodológico que a escola elabora, de forma
participativa, com a finalidade de apontar a direção e o caminho que vai percorrer
para realizar, da melhor maneira possível, sua função educativa. (Marçal & Souza,
2001: 31)

Vasconcellos (2006) também conceitualiza o PPP da seguinte forma:

O Projeto Político-Pedagógico é o plano global da instituição. Pode ser


entendido como a sistematização, nunca definitiva, de um processo de planejamento
participativo, que se aperfeiçoa e se objetiva na caminhada, que define claramente o
tipo de ação educativa que se quer realizar, a partir de um posicionamento quanto à
sua intencionalidade e de uma leitura da realidade. Trata-se de um importante caminho
para a construção da identidade da instituição. É um instrumento teórico-metodológico
para a transformação da realidade. (p. 17-18)

36
Com as contribuições acima, fica claro perceber que estamos diante de algo
muito sério, fundamental, no ideal de qualquer mudança ou transformação do universo
escolar.

Vejamos o que determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –


Lei 9.394/96:

Art. 12. Os estabelecimento de ensino, respeitadas as normas comuns e as do


seu sistema de ensino, terão a incumbência de:

I – elaborar e executar sua proposta pedagógica.

(...)

Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:

I – participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de


ensino.

(...)

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão


democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas
peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto


pedagógico da escola;

(...)

É preciso, sim, superar o formalismo na execução do PPP e fazer das leis


“pontos de partida para que a realidade seja repensada e que, com base em sua
aplicação, avanços sejam alcançados” (Marçal & Souza, 2001: 16).

Como esclarece Vasconcellos:

Mudar a prática educativa implica alterar concepções enraizadas e, sobretudo,


enfrentar a “roda viva” já existente. No momento da tentativa de mudança é que
sentimos a fragilidade de nossa teoria... Ocorre que o papel da teoria deve ser
exatamente este: tentar captar estes determinantes, o movimento real para nele intervir.
Este é o desafio. O Projeto Político-Pedagógico entra justamente neste campo como um
instrumento teórico-metodológico a ser disponibilizado, (re)construído e utilizado por
aqueles que desejam efetivamente a mudança. (2006: 15)

37
O objetivo de todo o trato a respeito do PPP foi apontar sua real importância no
contexto escolar e, assim, justificar sua utilização no processo de educação em serviço
ou educação continuada do professor. Se realmente representar esta construção coletiva,
enquanto instrumento teórico-metodológico que é, traduzirá a compreensão da teoria
que fundamenta o trabalho pedagógico e servirá de subsídio para o exercício da reflexão
crítica, que irá servir-se desse documento, ou melhor, do conteúdo estabelecido no
documento, mesmo que temporariamente, para a reflexão, como será tratado a seguir.

2. 2. Colaboração e Reflexão Crítica

Colaboração e reflexão crítica serão agora discutidos por representarem


posicionamentos de ação convergentes aos princípios da teoria sócio-histórico-cultural.
A escolha por tais posicionamentos para o trabalho desta pesquisa reflete a opção de
valorização do papel do “outro” na atuação da pesquisadora com a professora, em seu
processo de formação.

2. 2. 1. Colaboração e a ação do coordenador pedagógico

Magalhães (2006, 2004, 1998) discute o conceito de colaboração com base na


pesquisa sócio-histórica. Toma a colaboração como o caminho à aprendizagem que
promove a reflexão e enfrentamento da herança cultural opressora. A colaboração é
vista como o espaço de construção do conhecimento no qual se respeita o conhecimento
já construído pelos sujeitos, num cíclico trabalho de ampliação dessa construção, a
partir das contribuições do “outro” enquanto ser social. A autora faz uma afirmação
importante:

(...) a compreensão dos conceitos de reflexão e de colaboração envolvem uma visão de


co-autoria, de co-construção. (Magalhães, 1998:175)

Este espaço de colaboração pressupõe a negociação de sentidos, a exposição da


diversidade de olhares/vozes e, assim, de representações. Neste espaço conflitos podem

38
ser gerados no processo, mas são vistos como positivos na superação de visões
estanques, dualistas, ingênuas, oprimidas.

Magalhães (2004) diz que o foco não está no professor ou no aluno, mas sim na
construção colaborativa, pois é ai que os sujeitos se transformam. É por isso que esta
pesquisa discute o papel do Projeto Político-Pedagógico como um instrumento que pode
representar um espaço importante para o exercício da colaboração.

O papel do coordenador pedagógico parece fundamental na formação de


professores, quando se pretende trabalhar em colaboração. Magalhães (2006) afirma que
a visão de colaboração na busca da construção do conhecimento entre pesquisador e
professor é vygotskyana e pontua uma série de características da ação do pesquisador
nesse sentido. Mesmo resguardando as especificações da função do pesquisador e do
coordenador, algumas das características apontadas pela autora são vistas por essa
pesquisa como apropriadas também ao papel do coordenador pedagógico.

Como um primeiro exemplo, tomemos a seguinte citação: “... oferecer um


suporte ajustável durante transações dialógicas como mediador e guia entre o aprendiz e
a tarefa a ser realizada” (Magalhães 2006: 54-55). Ser mediador parece ser uma
característica primordial para o coordenador que trabalha com a colaboração, pois estará
se colocando numa posição de parceria, de ajuda, e não de julgamento.

Outras características discutidas por Magalhães (2006) e que podem ser


identificadas com o papel do coordenador seguem-se:

- Criar situações para que o professor se distancie de sua prática, retome


objetivos traçados, “relacione as ações cognitivas dos alunos com as oportunidades de
aprendizagem criadas na sala de aula e discuta as visões que embasam sua prática e seu
diálogo na sala de aula” (54);

- Retirar o suporte gradativamente, de acordo com a conquista do professor em


assumir um papel mais atuante e reflexivo, passando o coordenador a ser um instigador,
ao trazer aspectos que necessitem de maior reflexão e parecem não ser perceptíveis aos
professores quando analisam sua prática;

- Realizar um diálogo colaborativo, no qual tanto coordenador como professor


participam com sugestões sobre o que se deseja discutir, sobre como interpretam e
compreendem o que acontece e como sugerem soluções;

39
- Dar assistência ao professor, no sentido de tornar seus processos mentais claros
através de explicações e demonstrações extraídas de suas aulas, enfocando o processo
de construir a prática;

- Relacionar a teoria e a prática de forma analítica, buscando alcançar a teoria


que as embasa e o porquê de estarem ou não atingindo seu objetivo.

A partir do que foi discutido, é possível afirmar a importância do trabalho com a


díade teoria-prática do professor, no processo de sua formação. É nesse sentido que a
teoria da reflexão crítica (Smyth, 1992) discutida a seguir será de extrema contribuição.

2. 2. 2. Reflexão crítica – para além da prática


Fisher (2001), ao resgatar os diferentes conceitos sobre pensamento crítico,
apresenta primeiramente a definição de John Dewey:

Ativa, persistente e cuidadosa consideração de uma crença ou suposta forma de


conhecimento à luz dos motivos que o justificam e das conseqüências a que conduz.
(Dewey, 1909: 9, apud. Fisher, 2001: 2 )11

Pollard (2002) também aborda essa questão afirmando que para Dewey, pensar
criticamente, organizar o pensamento reflexivo não é algo espontâneo que se dê por
uma habilidade nata. Ao contrário, tal capacidade é aprendida, necessita de
procedimentos para ser desenvolvida.
Vários outros autores, como Schön (1992), também contribuíram para a
discussão da reflexão. Voltado para a prática do professor, este autor insistia num
trabalho de conscientização do significado das ações do professor. Ao falar sobre o
processo de reflexão, faz a seguinte observação:

... Não é suficiente perguntar aos professores o que fazem, porque entre as
acções e as palavras há por vezes grandes divergências. Temos que chegar ao que os
professores fazem através da observação directa e registrada que permita uma
descrição detalhada do comportamento e uma reconstrução das intenções, estratégias e
pressupostos. A confrontação com os dados directamente observáveis produz muitas

11
Active, persistent, and careful consideration of a belief or supposed form of knowledge in the light of
the grounds which support it and the further conclusions to which it tends. (minha tradução)

40
vezes um choque educacional, à medida que os professores vão descobrindo que
actuam segundo teorias de acção diferentes daquelas que professam. (Schön, 1992: 90)

Tal citação está diretamente ligada aos objetivos deste trabalho, pois foi
justamente pela observação da distância entre o que se fala e o que se faz que houve a
motivação para a realização desta pesquisa.
Entre os muitos autores que tratam sobre a reflexão, foram citados aqui Dewey,
através de Fisher (2001) e Pollard (2002), e Schön (1992), pois eles tiveram grande
influência sobre Smyth (1992)12, autor que operacionalizou as ações da reflexão crítica.
Houve assim um avanço no paradigma, pois, ao darem ênfase à prática, os primeiros
autores configuravam-se num paradigma humanista, enquanto Smyth (1992),
enfatizando a dimensão política do pensamento reflexivo-crítico, situa-se no paradigma
crítico.
Dentro deste último paradigma, a definição de Kemmis (1987: 74) é bastante
apropriada:

Refletir criticamente é localizar-se num quadro de ação, é localizar-se na


história da situação, é participar na atividade social, é posicionar-se diante de
questões. Porque a reflexão crítica bem sucedida tem conseqüências públicas
(transformações destes tipos), ela sempre é uma atividade pública, pressentindo uma
organizada e sistemática forma de crítica na qual as pessoas colaboram no
desenvolvimento de sua própria teoria e prática social, e nas condições de seu próprio
trabalho. 13

Se conseguíssemos buscar ações coerentes com a TSHC, bem como com os


conceitos a ela relacionados, já estaríamos propensos a grandes saltos qualitativos de
transformação da prática pedagógica, pois estaríamos preocupados com a construção
coletiva, a democratização das relações, a valorização de um conteúdo que seja
significativo à formação cidadã. Assim, estaríamos voltados rotineiramente a um
desenvolvimento global de todos os envolvidos no processo educativo e

12
Segundo Magalhães (notas de aula).
13
To reflect critically is to locate oneself in an action frame, to locate oneself the history of a situation, to
participate in a social activity, and to take sides on issue. Because successful critical reflection has public
consequences (transformations of these kinds), it is always a public activity, presaging an organized,
systematic form of critique in which people collaborate in the development of their own social theory and
practice, and the conditions of their own work. (Minha tradução)

41
conseqüentemente, ao atingir os sujeitos, também estaríamos reconstruindo toda uma
sociedade pelos ideais de mudança implícitos nesta teoria.
O desafio então é: como concretizar tudo isso no dia-a-dia?

Já foi falado da colaboração, do uso da ZPD na mediação e da reflexão como


formas de ação da prática proposta, mas sistematizar um trabalho de educação do
professor que atenda a toda essa abordagem exige uma organização clara e que possa
ser compreensível a todos.

É neste sentido que a Reflexão Crítica mostra-se essencialmente pertinente.


Ao fazer um questionamento do que vem sendo imposto como reflexão, Smyth (1992)
defende que ela seja concebida como um processo a ser construído e traz uma marcante
contribuição para concretizar este contexto teórico na prática pedagógica, pois, ao
operacionalizar a reflexão crítica em quatro ações, organizou uma metodologia para a
educação já dita. Com as palavras do próprio autor temos a seguinte afirmação:

Antes de podermos engajar os professores em desembaraçar a complexa teia


das ideologias que estão por trás de suas práticas pedagógicas, é preciso que primeiro
eles foquem naquelas manifestações de suas práticas que causam neles perplexidade,
confusão ou frustração; isto é pra esclarecer que a atenção precisa ser dada às
práticas em que os professores estão envolvidos vitalmente, aqui e agora. Na verdade,
se os professores estão prestes a descobrir a natureza das forças que os inibem e os
restringem e trabalham para mudar estas condições, eles precisam se engajar em
quatro formas de ação respectivas às suas práticas (as quais tiveram origem, de uma
maneira geral, no trabalho de Paulo Freire). Talvez estas ações possam ser melhor
caracterizadas por alguns momentos ligados a uma série de perguntas: 1) Descrever –
O que eu faço? 2) Informar – O que isto significa? 3) Confrontar – Como eu vim a ser
assim? E 4) Reconstruir – Como eu poderia fazer de modo diferente?14 (p. 295)

14
Before we can engage teachers in untangling the complex web of ideologies that surround them in their
teaching, they first need to focus on those manifestations of their teaching that perplex, confuse, or
frustrate them; that is to say, attention must be given to the practicalities of the here and now that teachers
are so vitally concerned about. Indeed, if teachers are going to uncover the nature of the forces that inhibit
and constrain them and work at changing those conditions, they need to engage in four forms of action
with respect to their teaching (each of which has its origins, broadly speaking, in the work of Paulo
Freire). These actions can perhaps be best characterized by a number of moments linked to a series of
questions: 1) Describe – what do I do? 2) Inform – what does this mean? 3) Confront – how did I come to
be like this? And 4) Reconstruct – how might I do thing differently? (minha tradução)

42
Segundo Liberali (2004), podemos dizer das quatro ações que:

-Descrever: refere-se à descrição dos fatos de uma ação, a partir da observação,


da busca de evidências e desenvolvimento de um discurso sobre esse agir. Com isso
poderemos nos distanciar da prática e observar melhor as posturas e escolhas
lingüísticas e atitudinais, no intuito de tornar a ação mais clara aos praticantes. O
objetivo aqui é ir além da parcialidade e de julgamentos de valor, pois a partir do ato de
descrever é possível chegar à análise dos fatos, no contexto da prática

-Informar: é para buscarmos os preceitos teóricos que estão de alguma forma


nas entranhas do fazer pedagógico, embasando as ações, mesmo que de forma não
consciente. Nas palavras de Liberali (2004: 91): “Está relacionado ao entendimento das
teorias formais que sustentam as ações e aos sentidos que realmente estão sendo
construídos nas práticas discursivas”.

-Confrontar: é para contextualizarmos sócio-historicamente nossas ações sob a


luz de teorias formais, fazendo questionamentos sobre as teorias que embasam nossa
prática. O objetivo aqui é perceber a ação não como opção pessoal, mas como influência
cultural e histórica e, mais do que isso, o que se pretende é visualizar as inconsistências
do agir e as questões políticas envolvidas, ou seja, os valores presentes nas ações.

Liberali (2004: 92) esclarece a esse respeito:

É no confrontar que a emancipação se faz evidente, uma vez que concluímos se


estamos agindo de acordo com aquilo em que acreditamos e se o que acreditamos não
pode ser transformado.

-Reconstruir: é para repensarmos em como a prática pode mudar em busca da


coerência da práxis. Aqui temos espaço para assumirmos o papel de sujeitos de
construção e transformação sócio-histórico-cultural, ou seja, uma oportunidade de
emancipação, ao buscarmos alternativas de ação. Tendo mais conhecimentos sobre as
influências que recebemos, podemos contestar e romper com algumas práticas e propor
outras que estejam mais voltadas a nossas perspectivas e valores, numa reconstrução.

A utilização destas ações sobre a prática pedagógica vivenciada na sala de aula


representa uma reorganização dos momentos de educação do professor. A prática será

43
objeto de estudo e de desenvolvimento do olhar profissional. Haverá oportunidade de
conflitos se instalarem e impulsionarem mudanças, aprimoramento pela consciência do
que está implícito nas próprias ações. A reflexão crítica pressupõe que o professor tenha
um movimento de autotransformação, pela análise da própria prática.

O distanciamento do “descrever” irá proporcionar uma localização na condição


do professor de reproduzir teorias de maneira alienada, sem compreender tudo o que
está envolvido em suas ações.

Pelo “informar” e “confrontar”, o professor vai descobrir seus “opressores”, ou


seja, aquelas idéias fundamentadas ao longo da história da humanidade que o faz pensar
como pensa e vendo-se “oprimido”, dominado por um conjunto de idéias e princípios,
poderá optar por mudança. A própria situação de descobrir e conscientizar-se de que
segue idéias não suas será o estímulo para a transformação.

No “reconstruir” há um momento de ajuda para a expansão do professor. O que


se quer é que ele seja sujeito do processo, pois poderá pensar em como reorganizar suas
ações. Participa ativamente ao poder discutir, refletir e sugerir sobre questões a serem
revistas em sua prática.

Com a sistematização das quatro ações discutidas, criaram-se então as condições


para o exercício da reflexão crítica, que aponta a necessidade de intervir na fala do
outro, de questionar após a observação, mas sempre com muito respeito. É preciso que
fique claro que o coordenador não estará julgando, em hipótese alguma, mas
colaborando para a aprendizagem do outro. Ao criar a oportunidade para que as pessoas
se questionem e o questionem, o coordenador está investindo na transformação e
reorganização dos saberes.

Nossas ações são organizadas por uma série de representações, ou seja, nas
maneiras como compreendemos as coisas. Ao agirmos, nossos objetivos são
simultâneos, coexistem. Há multiplicidade de vozes. Assim, a grande saída proposta é
partir da prática, das necessidades que ela trará, delimitando um espaço dentro do qual
possamos voltar nossos olhares e reflexões.

Assim, um novo perfil de HTPC (horário de trabalho pedagógico coletivo) pode


ser organizado, constituindo um trabalho que venha alcançar seu propósito de atuar para
o desenvolvimento dos profissionais da educação, para sua expansão, de maneira a levar

44
em conta, numa perspectiva marxista, o vivido, as experiências reais e as necessidades
por elas impostas com o desafio/responsabilidade de um trabalho coletivo.

A linguagem que permeia todas as relações humanas não poderia deixar de estar
presente. A linguagem faz com que ao mesmo tempo estejamos criando, desenvolvendo
e retrabalhando os objetos de nossas atividades (Faïta, 2005). Como afirma Bakhtin
(1992): “Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão
sempre relacionadas com a utilização da língua”.

Diante de toda a fundamentação teórica exposta, o desafio está em criar ou


otimizar (no caso do Projeto Político-Pedagógico) ferramentas para o professor, sem
sobrecarregá-lo, para o exercício da reflexão crítica, de forma que esta prática seja parte
do cotidiano escolar. De outro prisma, a busca é por um trabalho de reorganização
política da escola e de seus agentes.

2. 3. As perguntas no fazer pedagógico

Diferente das outras teorias abordadas até aqui no arcabouço teórico, pois elas
foram escolhidas logo no início do trabalho por opção e identificação da pesquisadora e
anuência da orientadora, a questão das “perguntas” nesta pesquisa foi uma necessidade
apontada pelos dados durante o processo de análise.

Tanto as aulas como as sessões reflexivas analisadas tinham a pergunta como


estratégia utilizada em diferentes momentos. Ora feita pela professora aos alunos, ora
pelos alunos à professora, ora pela pesquisadora (coordenadora) à professora e vice-
versa, as perguntas chamaram a atenção pela grande incidência com que apareceram.

Tornou-se, então, necessário dedicar uma parte do capítulo teórico à questão das
“perguntas”, o que será feito em duas partes com a seguinte organização:

1. Uma retrospectiva, mesmo que breve, dos estudos já realizados sobre as


perguntas em busca de suporte teórico para o trato de dados, bem como
para o conhecimento de algumas questões que nos situem neste outro
contexto teórico;
2. Na segunda parte será trazida, mais detalhadamente, parte das
classificações de alguns autores apresentados, considerando o que é
pertinente a esta pesquisa.

45
2. 3. 1. Retrospectiva de alguns estudos sobre “a pergunta”

Neste caminho de busca das contribuições já existentes, foram encontrados a


princípio Freire e Faundez (1985) que “conversaram” um livro, fazendo da conversa
uma verdadeira metodologia de construção de conhecimento, de respeito às
experiências do outro e de valorização de uma prática dialógica. Muito oportunamente e
apropriadamente nesta mesma obra eles exploraram a questão da “pergunta”.
Os autores apresentam a pergunta como a curiosidade, o início ou o caminho do
conhecimento e como uma ação voltada a uma perspectiva libertadora e democrática.
Para eles a educação deveria partir sempre das perguntas, mas não de qualquer pergunta
e sim daquelas que estimulam, que “espantam”, que partem da cotidianeidade, que
estejam vinculadas à realidade.
É interessante a maneira como esses autores tratam a questão das “respostas”,
pois se referem a elas como “provisórias”, um produto a ser reformulado no grande
processo do questionamento.
Freire e Faundez (1985: 45) convergem na opinião de que “... é profundamente
democrático começar a aprender a perguntar”. Este posicionamento teórico frente à
questão da pergunta pode então ser utilizado em conformidade com a proposta
metodológica de Smyth (1992), ao sistematizar as quatro ações da reflexão crítica como
oportunidades de compreensão, questionamento e, a partir daí, revisão da prática.
Também há uma consonância com a proposta de questões feitas por Liberali (2004)
para a prática da reflexão crítica. Tais conclusões são pautadas nas seguintes
afirmações:

... Creio ser fundamental que o professor valorize em toda sua dimensão o que constitui
a linguagem, ou as linguagens, que são linguagens de perguntas antes de serem
linguagens de respostas... O importante, sobretudo, é ligar, sempre que possível, a
pergunta e a resposta a ações que foram praticadas ou a ações que podem vir a ser
praticadas ou refeitas. (Freire e Faundez ,1985: 49)

Não há dúvida da importância pedagógica da pergunta quando se valoriza uma


pedagogia crítica e democrática. Ainda nessa última obra citada, os autores tratam de
como o ensino, nas figuras do professor e do aluno, se esqueceu do ato de perguntar,
sendo que todo conhecimento começa pela pergunta, pela curiosidade e fazem esta
crítica dizendo: “... hoje o ensino, o saber, é resposta e não pergunta” (p. 46).

46
Outros autores também têm focalizado a questão da pergunta em suas pesquisas
como instrumentos para alcançarem objetivos diversos. Contudo, diferentemente dos já
citados, os que se seguem se preocuparam em estabelecer tipos de perguntas para suas
discussões. Uma dessas autoras é Nuttall (1982), que, voltada para o ensino da
compreensão da leitura, buscou analisar as questões que pudessem ser usadas para
ensinar e não somente para testar. Neste contexto, seus estudos revelaram que o
“esforço” é uma palavra chave no processo de compreensão da leitura e que as
perguntas podem ajudar quando direcionam tal esforço. Usadas desta forma elas estão
estimulando um posicionamento ativo no processo de busca de significado e ajudam a
identificar os pontos não compreendidos num texto, nos quais devemos nos concentrar.
Assim, não só o tipo de pergunta, mas a maneira de usá-la passa a ser crucial para o
“ensinar”.

A autora mostra um posicionamento muito similar ao vygotskyano a respeito do


“erro” como um caminho para a aprendizagem, já que através dele se podem suscitar
questionamentos e argumentações, não privilegiando testes de memória, pois as
questões devem exigir mais do que isso.

De maneira esclarecedora a autora afirma:

...nossa atitude para com as respostas erradas é importante. Uma resposta


perfeita não ensina nada, mas cada resposta errada é uma oportunidade de aprendizagem. Ela
precisa ser investigada para vermos por que e o quanto ela está errada: muitas vezes ela pode
estar apenas parcialmente incorreta. 15(Nuttall ,1982: 126)

A autora acrescenta à sua discussão a questão das respostas imprevistas, dizendo


que podemos, diante de uma dificuldade apontada numa resposta, oferecer solução ao
aluno ou fazer uma avaliação incorreta das razões do erro. Ela defende, se referindo ao
trabalho com textos, que através de perguntas orais formuladas a partir das respostas dos
alunos se valoriza mais o processo de se chegar à resposta. Em suas palavras:

15
“...our attitude to wrong answers is important. A perfect answer teaches nothing, but each wrong
answer is an opportunity for learning. It must be investigated to see why it was wrong, and how far: often
it may be only partly incorrect”. (Minha tradução)

47
... muitas das perguntas que você faz dependem da forma como a classe está
reagindo: eles podem ter dificuldades que você não previu, e você pode querer levá-los
a uma resposta ou investigar para ter certeza que a resposta correta não foi dada pela
razão errada... O trabalho de análise e discussão de um texto é o importante – o
processo de se chegar à resposta mais do que a resposta em si; e isto somente pode ser
feito na oralidade. (Nuttall, 1982: 129)16

Mackay (2001) é um autor que objetiva a maior habilidade na comunicação e


para tanto defende, através das classificações de perguntas que faz, que elas podem ser
usadas de forma positiva ou negativa, ou seja, colaborando ou não com os objetivos de
quem questiona. Para ele é importantíssimo conhecer as características das perguntas, já
que através delas se podem facilitar as escolhas que venham a ser mais apropriadas ao
objetivo de cada situação de questionamento.

O autor trata da ação de perguntar como aspecto básico da existência humana,


afirmando que o sucesso de diversos profissionais está relacionado à formulação de
perguntas certas. Um dos exemplos utilizados por ele é o do professor, que pode ajudar
seus alunos a aprenderem formulando perguntas. Mackay (2001: 7-8) ainda afirma que:
“... Perguntas são a essência do diálogo; elas são parte de nosso trabalho, de nossas
atividades, de nosso estudo e do nosso prazer diários. Nós fazemos perguntas por
múltiplas razões:

• obter mais informações;

• dar início a uma discussão ou a um debate;

• esclarecer;

• conseguir a cooperação de alguém;

• envolver e motivar outras pessoas;

• ajudar as pessoas a refletir e a aprender.”

16
“... many of the questions you ask depend on the way the class is responding: they may have difficulties
that you did not predict, and you will then want to prompt them to help them to work out an answer, or
probe to make sure that a correct answer was not given for the wrong reason… It is the work of analyzing
and discussing the text that is important – the process of arriving at the answer as much as the answer
itself; and this can only satisfactorily be dealt with orally”. (Minha tradução)

48
Nesta pesquisa em particular, todas estas razões estiveram presentes de alguma
forma, pois na coleta de dados a busca foi por informações, por pistas para se iniciar
uma discussão procurando esclarecer fatos, sempre com a cooperação em pauta para
ajudar as pessoas envolvidas a refletirem e aprenderem. Além disso, a pergunta geral a
que foram submetidos todos os dados preza pela possibilidade de transformação através
da interação professora-pesquisadora.

Já Coracini (2002) preocupa-se com a aula de leitura, mas diferente de Nuttall,


trata do enfoque político, ou seja, das relações de poder envolvidas na prática discursiva
na qual o jogo de perguntas e respostas em sala de aula está presente. Ela aponta para o
fato de que são nestas práticas discursivas que se encontram presentes as manifestações
materiais da ideologia que permeia a instituição escolar atualmente.

Ao criar tipos de perguntas e analisá-los em aulas de língua estrangeira e


materna, verifica que “... sob a aparência de um ensino centrado no aluno, nas suas
necessidades e expectativas, mantêm-se as relações de poder – que emanam do saber –
próprias das metodologias tradicionais, relações essas que inconseqüentemente
resvalam, escapando ao controle do sujeito, inefável, dividido, complexo por
excelência”. (Coracini, 2002: 84)

Ricardo (2002) também cria uma tipologia de perguntas para discutir o interesse
de crianças em textos científicos. Este estudo revela o quanto o uso das perguntas pode
interferir no interesse das crianças pela leitura, pois as perguntas podem ser usadas de
maneira a quebrar a formalidade dos textos didáticos normalmente utilizados em sala de
aula e assim estabelecer uma interação durante a leitura. O que ocorre então é a criação
de “... um espaço dialógico cuja estratégia mais recorrente é a utilização de perguntas
simples no discurso científico” (p. 74).

Méndez (2002) se volta para a discussão de uma avaliação para formação das
pessoas envolvidas no processo de ensino-aprendizagem e neste contexto faz várias
reflexões sobre o uso da pergunta.

O autor defende o uso de perguntas inteligentes, ou seja, aquelas que estimulam


e desenvolvem a inteligência, que levam à reflexão e, portanto não se limitam a tarefas
de repetição e memória, sem sentido. Como ele afirma: “O ponto crucial consiste em
saber quando perguntar o quê. Tenta-se discernir sobre a oportunidade e a prudência na

49
escolha do momento, sobre conteúdos verdadeiramente relevantes e significativos para
quem deve elaborar reflexivamente uma resposta que desafia o seu pensamento...”.

No intuito de apontar as perguntas que não devemos fazer, o autor indica em seu
trabalho os tipos de perguntas que não podem ser instrumentos de avaliação e
aprendizagem. As perguntas que incentivam respostas iguais entre os alunos, por
exemplo, “... requerem um esforço de memória comum, circunstancial, mínima, a curto
prazo e não-significativa”.

O autor também diz que deveríamos evitar perguntas cujas respostas podem ser
copiadas mecanicamente, já que não estão a favor do desenvolvimento das capacidades
do pensamento autônomo e fundamentado. Também critica os obstáculos que algumas
perguntas representam aos alunos, bem como o condicionamento do tempo de resposta.

Contudo, se as perguntas forem bem colocadas, podem ajudar o professor a


visualizar o conhecimento já aprendido e se este conhecimento está sendo utilizado pelo
aluno. Dessa forma pretende também ajudar o aluno a perceber o que já aprendeu e as
lacunas ou pontos a esclarecer, compreender e rever. Neste sentido Méndez (2002) se
aproxima muito das preocupações e do posicionamento de Nuttall (1982), não só em
relação a uma preocupação com uma aprendizagem significativa, mas também da visão
do “erro” que apresenta. Em suas palavras:

Com os erros também se aprende quando a correção informa,


significativamente, sobre as suas causas, transformada, ela mesma, em texto de
aprendizagem”. (Méndez, 2002: 114)

A contribuição de Lucioli (2003) mostra-se muito enriquecedora, pois ao


focalizar a utilização de perguntas em aula de língua inglesa com base vygotskyana,
levanta tipos de perguntas feitas pela professora de maneira a estabelecer algumas
discussões muito similares levantadas por esta pesquisa, enriquecendo o presente
trabalho. Ela afirma que perguntar é desestabilizar, criar conflitos, permitir-se descobrir,
dar início a um processo de busca no qual a valorização do “outro” se faz importante.

Por fim, porém não menos importante (já que esta retrospectiva de estudos
seguiu a ordem cronológica da publicação das obras), está o estudo de Ninin, Hawi,

50
Damianovic e Mello (2005). Neste a preocupação está na utilização de questionários
como instrumentos de pesquisa para coleta de dados e é em torno deste objetivo que
elas discutem sobre uma tipologia de perguntas.

O que se observa nestes estudos é que as perguntas são classificadas de maneira


diferente de acordo com os propósitos de cada autor, mas em todos os casos as
classificações justificam-se pelas possibilidades de respostas. Daí podemos concluir que
quando fazemos uma pergunta estamos restringindo ou ampliando a participação do
outro no diálogo, ou de outra forma podemos dizer que estamos estimulando ou
inibindo o outro a pensar, a refletir, a elaborar e reelaborar pensamentos.

Enfim, conhecer mais sobre “perguntas” é uma forma de aprimorar nossa


capacidade de ajudar o outro e ao mesmo tempo de obtermos as respostas certas, pois
como diz Mackay (2001: 7) “... são poucas as pessoas realmente conscientes dos
diferentes tipos de perguntas que podem fazer. São poucas também as que estão
conscientes das respostas que resultarão das perguntas que fazem”. De outra forma,
mais uma vez Freire e Faundez (1985: 82) contribuem ao afirmarem que “... somente
por meio da pergunta essencial vamos encontrar respostas essenciais”.

A seguir encontra-se um quadro com o resumo dos estudos dos autores citados
que fizeram classificações de perguntas em seus trabalhos. Tais classificações serão
apenas citadas, pois não é interesse desta pesquisa aprofundar todas as tipologias
encontradas. A apresentação do quadro justifica-se pela preocupação de situar o leitor
sobre as contribuições dos autores consultados.

51
Resumo das classificações de perguntas
Quadro 3
Nuttall (1982) Mackay (2001) Coracini (2002) Ricardo (2002) Méndez (2002) Lucioli (2003) Ninin, Hawi,
Damianovic e Mello
(2005)
FOCO: ensino da FOCO: maior habilidade na FOCO: aula de leitura – enfoque FOCO: interesse de FOCO: avaliação FOCO: utilização de FOCO: utilização de
compreensão da leitura comunicação político (poder) crianças em textos para formação perguntas em aula de questionário para coleta
científicos língua inglesa de dados
QUANTO À FORMA ABERTAS DIDÁTICAS SIMPLES MESMA PARA FORMA
Questionamento ativo: RESPOSTA ORGANIZAÇÃO DA - matriciais
- sim/não - de contato - facilitadoras da aprendizagem: - QU (que, o que, o qual, AULA -declarativas
- alternativas - investigadoras: • encadeadas quem, quanto, como, onde, RESPOSTAS - interrogativas
- questões de quem, o que, • simples • múltipla escolha por quê, para quê) COPIADAS DE INCENTIVAÇÃO - listas
qual, quando e onde • comparativas • com lacunas - sim/não MECANICA- - gráficas
- questões de como e por quê • extensivas e - períodos hipotéticos MENTE DE CONTEÚDO TIPO
precisas - perguntas de animação: - encaixadas: - fechadas
QUANTO À • fundamentadas • seguida de explicação você sabia? EXIGE TEMÁTICA - abertas
APRESENTAÇÃO • hipotéticas e da mesma pergunta já imaginou? REFLEXÃO - dependentes
• reflexivas reformulada PROBLEMATIZA- NATUREZA
- escrita ou falada
• conclusivas • pergunta e resposta REPRESENTAM DORA - etnográfica:
- abertas/fechadas (MC, F/V) Questionamento passivo: pelo professor UMA SUCESSÃO • descritiva
- idioma da resposta - estímulo não verbal • incitativa DE OBSTÁCULOS DE CONFIRMAÇÃO • estrutural
- idioma da pergunta + QU contrastiva
- perguntas de associação •
- repetição de palavras chaves - pergunta que tem por função CONDICIONA- SOBRE - secundária
QUANTO AO TIPO - perguntas espelhadas verificar o contato DAS A UM VOCABULÁRIO - polêmica
- pausa TEMPO DE - de esclarecimento
- compreensão literal
FECHADAS COMUNICATIVAS RESPOSTA DE - delicada
- reorganização e - respostas sim/não EM SÉRIE COMPLEMENTA- CONTEÚDO
reinterpretação
- identificação (+ objetivas) ÇÃO - fatos
- inferência - atitudes e crenças
CONTRAPRODUCENTES
- valores - indutivas: DE ACOMPANHA- - comportamento
- respostas pessoais MENTO - sentimento
• simples
• crítica - padrões de ação
PARA - razões conscientes
• às avessas REFORMULAÇÃO TEMÁTICA
• alternativas DE RESPOSTAS - introdução
• complexa
- afins
• pessoal - filtragem
- múltiplas e de maratona
- ambíguas Baseado em Rea &
- retóricas Parker, 2000; Babbie,
- discriminatória 2001
Podemos observar termos semelhantes entre os autores em suas classificações,
mas isto nem sempre significa que dão o mesmo significado a classificações
aparentemente iguais.

As perguntas tratadas como “sim/não” são utilizadas de maneiras semelhantes,


salvo algumas observações e detalhamento nas explicações, por vários autores como
Nuttall (1981), Mackay (2001), Ricardo (2002) e Ninin, Hawi, Damianovic e Mello
(2005), denominadas por alguns desses como perguntas fechadas, por restringirem a
resposta a ser dada.

Outras perguntas denominadas por “perguntas de contato” já são completamente


diferentes de acordo com o autor que a classificou. Para Mackay (2001), por exemplo,
estas perguntas são aquelas que têm por objetivo estabelecer um contato inicial com a
pessoa, uma aproximação, geralmente usadas em início de encontros para estabelecer
um clima harmonioso, como por exemplo: “Como foi seu fim de semana?”. Contudo,
para Coracini (2002), “perguntas de contato” são aquelas que verificam a atenção do
interlocutor durante a conversa, como as que são usadas normalmente no final das falas:
“Né?”, “Tá?”. Outras comparações, quando pertinentes a este estudo, serão apresentadas
mais adiante.

Somando as contribuições dos autores citados, é possível afirmar que parece que
estamos diante de um conflito, porque todas as perguntas admitem respostas
contrastivas, ou talvez, melhor dizendo, opostas, conflituosas, divergentes. A intenção
da pergunta pode mudar seu objetivo e de alguma maneira seu conceito. Por exemplo,
se considerarmos que perguntar é buscar uma resposta, reconhecer a própria ignorância
em relação ao que foi perguntado, não podemos deixar de admitir que perguntar
também pode ser uma forma de colocar o outro em conflito, de acordo com a situação e
o contexto e assim também podemos constranger.

Nós podemos perguntar não para querer uma resposta, mas para dizer algo
através da pergunta. Assim a pergunta pode ser uma dúvida ou uma afirmação.

No contexto desta pesquisa, o que se quer é utilizar as perguntas para buscar a


possibilidade de transformação ao desenvolvimento do outro, ou melhor, dos
envolvidos.

53
2. 3. 2. Algumas tipologias de perguntas...

Para este trabalho serão utilizadas algumas das classificações encontradas, o que
se justifica pelos objetivos desta pesquisa, além dos esclarecimentos que as tipologias a
serem apresentadas trouxeram à discussão da análise.

Coracini (2002) faz um estudo sobre as perguntas que normalmente são feitas
pelo professor e das respostas que os alunos dão que surgem em reação a estas
perguntas. O estudo parte da fala do professor, pois a autora analisa como esta fala
representa um ponto de apoio, pois os alunos estão sempre tentando responder
exatamente o que o professor quer, mesmo quando se acredita que o trabalho leva em
conta uma metodologia centrada no aluno. Ela afirma:

... No corpus analisado, há indicações de que, mesmo em atividades de grupo,


os alunos buscam responder exatamente ao que o professor deseja; raramente,
assumem uma resposta diferente e discutem entre si ou com o professor. (p. 75)

Coracini (2002) analisa que tal passividade é decorrente das imagens que se
constroem historicamente, do que é ser aluno e professor, do papel de cada um. As
ideologias, ou seja, as idéias que permeiam nosso olhar para o mundo vão colaborando
para essas imagens serem determinantes em nosso comportamento.

Com a utilização do jogo de perguntas e respostas que se dizem centradas nos


alunos e, assim, voltadas à aprendizagem é que a autora produz uma classificação das
perguntas do professor que encontrou em seu corpus, como se pôde observar no quadro
resumo anteriormente apresentado. Desta classificação, interessam a esta pesquisa suas
constatações a respeito das seguintes classificações:

PERGUNTAS DIDÁTICAS: são aquelas que, na maioria das vezes, mostram a


dependência da fala do aluno em relação à fala do professor, como se a primeira fosse o
complemento da segunda. Dentre as perguntas didáticas, a autora trata das que
objetivam facilitar a aprendizagem, animar a aula e verificar o contato.
- Perguntas facilitadoras da aprendizagem: como todas as perguntas didáticas
intencionam facilitar a aprendizagem, a classificação aqui é feita para aquelas que
parecem dar prioridade a esta função, como na condução do aluno à compreensão de um
texto ou ao desenvolvimento de uma aula de leitura.
54
Dentre as perguntas facilitadoras da aprendizagem estão as encadeadas, as de
múltipla escolha e as com lacunas. Para esta pesquisa interessa apenas as com lacunas.
• Perguntas com lacuna: são aquelas que trazem uma entonação ascendente no
final, abrindo espaço para que o aluno complete ou preencha oralmente. Nos
exemplos que a autora usa o aluno não precisa de muito esforço para responder,
pois os conhecimentos exigidos são elementares. Fica uma impressão de que no
uso deste tipo de pergunta a imagem que se tem do aluno é de que ele seja pouco
capaz. Parece que há influências do estruturalismo nessa prática, considerado o
contexto estudado.

- Perguntas de animação: preocupadas de maneira mais enfática com a


animação da aula, a pergunta de animação também é facilitadora da aprendizagem na
maior parte das vezes. O intuito de animar busca evitar a monotonia, o tédio e o
silêncio, avaliado como constrangedor em nossa cultura brasileira.
Com o objetivo de animar, muitas vezes o professor acaba respondendo à
própria pergunta e, assim, deixando o aluno sem espaço de fala, numa situação em que a
reflexão, muitas vezes, parece não ter lugar, o que também parece ser aceito de maneira
natural por todos no ambiente de sala de aula.
• Pergunta seguida de explicação e da mesma pergunta reformulada: trazendo
muitas vezes os objetivos didáticos e os de animação, o que pode ocorrer aqui é
que “... o professor mantém o turno principal (estímulo) e os alunos, o turno
secundário (respostas ou reação) com relação ao anterior”. (Coracini, 2002: 81)
• Pergunta e resposta pelo professor: são as perguntas que o próprio professor faz
e responde, não abrindo espaço para os alunos. A autora faz uma colocação
muito apropriada ao contexto desta pesquisa, ao afirmar a partir de um recorte de
seus dados que estas perguntas lembram aulas para crianças, pois são: “...
colocadas numa linguagem muito simples, para não dizer infantilizada, só
permitindo aos alunos responderem uma só vez e com uma única palavra, em
geral, sem refletirem, sem fazerem analogias. (Coracini, 2002: 81)
• Pergunta incitativa: feita para instigar o aluno a dar a resposta, o que pode fazer
consultando o texto.

55
- Pergunta que tem por função verificar o contato: são perguntas formadas por
partículas interrogativas colocadas no final da oração ou intercaladas, cuja função é
verificar a atenção e o acompanhamento do interlocutor, como por exemplo: “não é?”,
“né?”, “tá?”. A autora registra que são questões próprias da linguagem familiar, e que
seu uso mostra uma tentativa de modernizar a relação professor-aluno.
Sobre todas as classificações de Coracini (2002) apresentadas até aqui se pode
dizer que prevalece a dependência da fala do aluno em relação à fala do professor. O
que predomina como resposta “correta” depende da interpretação do professor. Do
aluno se espera uma reação verbal, uma resposta que fica sempre avaliada de acordo
com os critérios do professor. É comum que muitas respostas sejam expressas por
movimentos corporais (como os de cabeça) só para concordar com uma afirmação ou
negação feita. A este respeito há uma colocação esclarecedora, feita não só a partir dos
estudos e dados desta autora, mas também da observação de outros estudos que ela fez:

... todas as vezes que o professor não obtém a resposta esperada ou desejada,
aquela que ele, professor, considera como correta, por corresponder à sua leitura, ele insiste
até obtê-la por uma série de perguntas diretivas. (p. 82)

Algumas classificações de Mackay (2002) também se fizeram necessárias.


Mesmo não estando dentro do contexto educacional, a tipologia que criou dá margem a
várias reflexões, já que seu objetivo foi o de contribuir para uma comunicação eficaz.
Seguem-se, então, algumas de suas categorias de perguntas:
PERGUNTAS ABERTAS: são as perguntas que estimulam a outra pessoa a
falar, a oferecer informações, podendo ser feitas por um questionamento ativo ou
passivo, como se observa:
Questionamento ativo: utilizado para estabelecer contato ou para investigar,
como apresentado a seguir:
- Perguntas de contato – como já tratado anteriormente, são perguntas para
estabelecer um relacionamento, para criar uma aproximação;
- Perguntas investigadoras – neste caso o objetivo é conseguir informações que
possam ir além das respostas superficiais, buscam investigar mais detalhadamente e o
autor chama a atenção para o “como” fazer as perguntas para se alcançar os objetivos,
atentando sobre a importância de um clima tranqüilo e amistoso, no intuito de evitar a
invasão e manter o caminho para uma investigação de sucesso. Nas palavras do autor:

56
... Como em quaisquer outras situações sociais, o que é dito é menos importante do
que como é dito.
Perguntas investigadoras exigem um ouvinte empático e meticuloso para serem
realmente eficientes. (Mackay, 2002: 16)

Dentre as perguntas investigadoras, interessa aqui as:


• Simples – são aquelas que normalmente usam o “Por quê?” buscando as razões.

PERGUNTAS FECHADAS: também chamadas de restritivas ou diretas, estas


perguntas objetivam requisitar itens específicos de informação, já que o respondente
terá suas respostas restringidas e pouca chance de desenvolver seu raciocínio. Há dois
tipos de perguntas fechadas para o autor:
- Resposta sim/não: aquelas que geram como resposta o “sim” ou o “não”.
Podem ser úteis em situações específicas, quando, por exemplo, está se fazendo um
diagnóstico de saúde; porém, podem ser indesejáveis quando se pretende explorar o
raciocínio que há por trás de uma resposta. Nesse caso, esse tipo de pergunta deve ser
auxiliada por outras com esse objetivo;
- Perguntas objetivas: São as que buscam identificar uma pessoa, um lugar, um
espaço no tempo ou uma quantidade, por isso iniciam-se com “Quem?”, “Onde?”,
“Quando?”, “Quantos?” etc. A essa perguntas só se pode responder de maneira direta e
específica.

57
58
CAPÍTULO 3

Metodologia de Pesquisa

(...) Não é por outra razão que sempre digo que a única maneira que alguém tem de
aplicar, no seu contexto, alguma das proposições que fiz é exatamente refazer-me, quer dizer,
não seguir-me. Para seguir-me, o fundamental é não seguir-me.

(Freire & Faundez, 1985)

A epígrafe inicial apresenta-se para trazer à tona o que parece ser um incentivo
que os autores fazem à criatividade, originalidade, coragem, transformação e, ao mesmo
tempo, humildade. As escolhas durante a pesquisa apresentadas a seguir representam a
busca de fazer esses substantivos tornarem-se adjetivos, atributos dos agentes da
educação. Mesmo com todas as limitações do processo vivido, o que será dito a tempo,
a intenção foi exatamente a de contribuir para a educação no tocante às reflexões
promovidas e no trabalho com a formação do professor.

O objetivo deste capítulo é apresentar:


• A escolha da metodologia;
• O contexto da pesquisa;
• Os primeiros passos em busca dos participantes;
• Os participantes da pesquisa;
• Os instrumentos geradores dos dados;
• A coleta de dados e os procedimentos de análise.

3. 1. A metodologia de pesquisa.
Esta é uma pesquisa crítica de colaboração, pois, de acordo com Magalhães
(1996) e Cole & Knowles (1993), propõe a participação de todos no processo de
construção do conhecimento, para que ele seja significativo, dando igualdade de
oportunidades para o posicionamento, a colocação de sentidos e significados e a
discussão.
São vários os autores que têm contribuído com as pesquisas e discussões sobre a
metodologia colaborativa e colaborativo-crítica além dos acima citados, como Liberali
(2002, 1998), Magalhães (2006, 2004, 2002, 1998, 1994), Magalhães & Celani (2005),
Hunsaker & Johnston (1992), Dillon, O’Brien & Ruhl (1989).

59
Estudos feitos, por exemplo, por Hunsaker & Johnston (1992: 364) mostraram
que “... as conversações e negociações típicas de projetos colaborativos dão apoio à
reflexão do professor e mudam seus procedimentos de trabalho” 17 (minha tradução).
A opção por este tipo de metodologia de pesquisa se fez logo no início do
trabalho, pela identificação da mesma com a proposta teórica que norteou a idéia inicial
de um trabalho em conjunto, pois é uma pesquisa que se fez com pessoas e não sobre
pessoas e isto implica aprendizagem para todos os envolvidos.

3. 2. O contexto da pesquisa
Esta pesquisa foi realizada em duas escolas de Educação Infantil da rede pública
municipal da cidade de Mauá, que faz parte do grande ABC paulista, no Estado de São
Paulo. Nessas escolas atendem-se crianças de 3 a 6 anos e elas localizam-se em lados
opostos da cidade.

A pesquisa acabou ocorrendo nos espaços de duas escolas, pois de 2005 para
2006 a professora participante da pesquisa mudou de escola. Estas mudanças ocorreram
por ela trabalhar em sistema de contrato temporário, e sendo assim, todo ano passa por
um concurso para se recolocar e por isso seu local de trabalho se redefine a cada ano.
Então, a coleta de dados que se iniciou em novembro de 2005 esteve em andamento até
2006 no espaço das duas escolas, isto porque eu não mudei de local de trabalho e a
conciliação de horários para nos encontrarmos para gravar as aulas e sessões reflexivas
ficou muito difícil. Houve ainda a necessidade de terminarmos a coleta dos dados
provenientes de sessões reflexivas em outro espaço em 2007, já fora das escolas.

A primeira dessas duas escolas citadas fica em um bairro praticamente todo


urbanizado, a mais ou menos dois quilômetros do centro da cidade, próxima à Prefeitura
Municipal e ao Teatro Municipal. Também conta com a proximidade de dois bancos,
um clube, sociedade de amigos de bairro, estádio municipal, corpo de bombeiros,
batalhão de policia militar, parque do paço, anfiteatro, paróquia e duas escolas
estaduais, sendo uma do ensino fundamental e outra, do ensino médio.
Além de atender parte da comunidade do bairro, que em sua maioria se
caracteriza como classe média, atende também crianças dos bairros circunvizinhos.

17
(...) conversations and negotiations typical of collaborative projects support teacher reflection and
changes in working procedures.

60
Ocorre nessa escola o atendimento de um grupo considerável de alunos que provém de
bairros mais distantes e carentes (42%).

A outra escola fica em uma comunidade que é formada por pessoas mais
carentes, trata-se de uma periferia bem distante do centro, mas também em área
urbanizada com as casas de alvenaria (nem todas acabadas), contando com asfalto,
transporte público e com um comércio local. Também fica próxima a uma escola de
ensino fundamental da rede do estado.

3. 3. Primeiros passos...

No final de 2002, pela primeira vez na história da cidade de Mauá, foi criada a
função gratificada18 de professor coordenador pedagógico, cuja sigla é PCP. Depois de
estar atuando nessa rede municipal há onze anos, sempre no ensino fundamental,
candidatei-me à função em uma escola de Educação Infantil, pois, até então, devido ao
tipo de concurso que fiz e à antiga legislação, não podia optar por sair do ensino
fundamental.
Foi interessante participar do processo de seleção, pois devia apresentar um
projeto de trabalho ao Conselho de Escola, que indicaria à Secretaria de Educação a
proposta que julgasse mais apropriada. A Secretaria, então, aprovaria ou não a decisão.
Ao assumir a coordenação em fevereiro de 2003, na escola municipal de
educação infantil para a qual havia concorrido, ocorreu um grande problema: o diretor
da escola havia deixado a função e então assumi a coordenação e a direção sem nunca
ter desempenhado antes nenhuma das duas funções. Um mês depois, em virtude das
férias da única escriturária da escola, assumi também todas as demandas da secretaria.
Foi muito difícil, pois sentia que nada saía como eu gostaria e as questões pedagógicas
não estavam sendo encaminhadas totalmente de acordo com meu projeto de trabalho.
Somente em julho daquele ano foi que a nova diretora chegou e só em agosto pude
reorganizar o HTPC, transformando-o em um momento privilegiado de estudos.

18
A função gratificada de PCP é a oportunidade que um professor da rede municipal tem de exercer a
função de coordenador pedagógico recebendo por isso uma porcentagem a mais em seu salário. Tal
oportunidade é oferecida por meio de uma seleção interna, que exige a apresentação de um projeto de
trabalho ao conselho de escola. Ao conselho cabe a indicação do projeto à Secretaria de Educação, sendo
que será esta última a decidir sobre a aprovação ou não do candidato.

61
De agosto a dezembro percebi que precisava ter mais conhecimento para
melhorar minha atuação. Tinha um grupo de professoras bastante envolvido e gostaria
de estar mais preparada. Foi aí que tive contato com os cursos da COGEAE-PUC/SP.
Em 2004 iniciei então o curso sobre o Papel do Coordenador Pedagógico e
durante esse curso fui tomando consciência do meu papel e dos conflitos e dificuldades
dos professores ao trabalhar com teorias de ensino-aprendizagem. Ao mesmo tempo, foi
crescendo meu conhecimento e intimidade com a importância do Projeto Político-
Pedagógico e fui apurando uma didática de produção coletiva desse documento, na qual
procurava envolver todos os funcionários da unidade.
Palavras... Palavras... Como fazem a diferença! Durante o primeiro semestre do
curso da COGEAE recebi o seguinte recado das professoras num dos trabalhos
produzidos:

Ps: acho que você deve pensar urgentemente no seu mestrado. Formação de
Professores – LAEL.

Ao ler realmente impactei-me com as palavras. O mestrado para mim era uma
conquista distante. Comecei a pensar no assunto, mas preferi fazer o módulo
intermediário no segundo semestre, dando continuidade e ampliando assim meus
conhecimentos e, com isso, a visão das possibilidades de como poder contribuir para o
trabalho pedagógico. Foi assim que, observando principalmente os conflitos entre teoria
e prática no fazer pedagógico, resolvi investir na pesquisa.

3. 3. 1. A construção coletiva do Projeto Político-Pedagógico (PPP)

2005 foi o terceiro ano em que eu ficava responsável pela organização da


produção do PPP, juntamente com a diretora. Sempre procurei envolver todos os
funcionários no processo, mas naquela oportunidade, já havia ampliado meu olhar e
meus conhecimentos sobre a importância de se ter claro no projeto a base teórica de
ensino-aprendizagem da instituição, de tal forma que pudesse ser compreendida por
todos.
Sendo assim, propus a criação de uma revisão do projeto através de uma oficina
na qual, resgatando as experiências de vida das pessoas (Brookfield, 1995), pudemos
explicitar o papel do aluno, do professor, das práticas pedagógicas, da escola, do erro,

62
entre outras, a partir da contribuição de todos. A idéia foi pensar no que deveríamos
perseguir para sermos coerentes com toda a orientação proposta pelos RCNEI e outros
documentos que apontam para uma teoria sócio-histórico-cultural.
A avaliação feita pelo grupo sobre a construção do PPP que fizemos me deu
muito ânimo, pois houve uma ênfase grande no quanto foi positiva a participação de
todos, na troca de experiências de vida e na construção democrática.
O depoimento de uma merendeira sobre a experiência mais positiva de sua vida
escolar ilustrou a importância da atividade para o grupo. Tratava-se de um momento
ocorrido em 1961, ou seja, 44 anos antes daquela data, em que uma professora olhou-a
nos olhos para ouvi-la, demonstrando preocupação com suas dificuldades. Ela disse que
nunca mais uma professora a olhou daquela forma. O grupo ficou sensibilizado. Foi
uma oportunidade para pensarmos o quanto nos importamos com nossos alunos. Em
uma das avaliações uma professora assim escreveu:

Que bom participar da construção do PPP da maneira descontraída,


exemplificando com minhas experiências e aprendendo com as dos colegas. Que bom
ver um grupo sem “preconceitos” e de mente aberta.

A experiência sobre a construção coletiva do PPP da escola citada em 2005


exemplificou a importância da construção em conjunto desse documento e foi assim que
o PPP passou a integrar esta pesquisa de maneira privilegiada, enquanto foco do
trabalho.

A partir desse momento começou a ficar claro para mim que no processo de
coleta de dados, no qual as sessões reflexivas estavam previstas, o PPP seria
instrumento fundamental para o questionamento da prática pedagógica. Pela produção
coletiva ele ganhara um status de acordo consensual dos funcionários daquela unidade.
Seria um parâmetro para as convergências e divergências teórico-práticas.
Durante o período de análise dos dados, o PPP não deixou de ter importância,
contudo, não poderia mais ser o foco no trabalho, pois uma grande aprendizagem do
processo desta pesquisa foi perceber que só a partir dos dados coletados é que se pode
realmente definir um foco para a análise. No caso da observação feita, os dados
apontavam para a questão da pergunta, devido ao excessivo número de vezes em que
ocorreu.

63
O PPP, assim, teve importância fundamental no início deste trabalho, pois
possibilitou reflexões e vivências nas quais a relação teoria-prática estavam em pauta,
assim como a produção coletiva do projeto e com isto questões relacionadas à gestão
democrática, mas foi nas características da mediação, reveladas pelos tipos de perguntas
na ação pedagógica, que o foco do trabalho se constituiu.

3. 3. 2. As oficinas de reflexão

Com a ajuda das professoras da COGEAE, já comecei o mestrado em 2005, com


um projeto de pesquisa ainda inicial com as questões de pesquisa previamente
estabelecidas. Interessante foi que ao iniciar o ano letivo de 2005, atuando como
coordenadora com um novo grupo (já que todos os anos há uma mudança de pelo
menos metade do grupo de professoras devido aos contratos temporários) deparei-me
com a seguinte fala:

“Eu fui treinada para escrever bonito e não para pôr a teoria na prática”.
(Professora S. -19/04/05)

O desabafo dessa professora representava o sentimento de várias delas quando


discutíamos coerência teórica e organização de projetos de classe. Sentia que a pesquisa
poderia ajudar muito.
Como era a coordenadora da escola que escolhi para realizar a pesquisa,
pretendia ter no grupo de professoras as participantes, mas logo percebi que seria
melhor delimitar o número de participantes a uma ou duas pessoas, pela complexidade
da pesquisa e o pouco tempo disponível.
Propus então a todas as professoras da escola que enquanto coordenadora iria
realizar oficinas durante os HTPC para utilizar a reflexão crítica como teoria e
metodologia de trabalho para a transformação da prática pedagógica e que durante esse
processo eu estaria aceitando voluntárias para participar da pesquisa que realizava
enquanto mestranda.
As primeiras conversas a esse respeito ocorreram em 27 e 28 de julho de 2005 e
o registro que fiz em forma de diário sobre elas ilustra bem o impacto do trabalho e os
rumos que foram se definindo em conjunto:

64
Expus a sugestão das oficinas de reflexão crítica, nas quais iríamos observar a
prática de uma colega e a partir dela desenvolver as quatro ações desta reflexão
(Smyth, 1992). O grupo se mostrou apreensivo e então eu expliquei que como
coordenadora me via na responsabilidade de desenvolver tal trabalho, mas que como
pesquisadora, poderia e deveria, por estar trabalhando com uma pesquisa crítica de
colaboração, contar com sugestões e ajuda do grupo. Diante da ansiedade causada,
perguntei então se se sentiriam melhor se iniciássemos por uma situação fictícia, para
que todas pudessem compreender o que está sendo proposto para a prática de cada um.
Na hora todas pareceram bem mais à vontade, expressando-se de forma a concordar. A
professora C. disse que começar assim será bem mais tranqüilo, mas mesmo sabendo
que será importante a observação de sua aula, sente que não se sentirá à vontade.
Analisou com um exemplo de como era observada no passado.
Num outro momento a professora I. me falou que a professora C. não teve escolha
quando recebia a supervisora para observar suas aulas e agora estávamos negociando
a forma de observação da prática. Pareceu-me elogiar a maneira como o grupo estava
participando.

Respeitando então o sentimento do grupo, primeiro fizemos um estudo de aulas


fictícias utilizando as quatro ações da reflexão crítica e como enxergar tais ações com as
aulas expostas. Durante esse processo, três professoras se candidataram a serem
observadas pelas colegas nas oficinas, assim foi possível que os vários grupos de HTPC
fizessem pelo menos a observação de uma aula e a produção da escrita das quatro ações
da reflexão crítica. O documento foi entregue depois às professoras observadas.
Creio que seja interessante observar que houve indignação de algumas
professoras diante do fato de que era combinado o dia, a hora e qual foco deveria ser
observado pelas professoras na aula da colega. Ouvi várias vezes que dessa forma não
seria válido, pois a professora iria preparar uma aula melhor do que o normal. A questão
não estava relacionada somente ao desconhecimento dos propósitos da teoria da
reflexão crítica. Evidenciou-se para mim que de alguma forma, pairava um consenso de
que só se fosse de surpresa seria possível conhecer o trabalho da professora.
Foi lento o processo de compreensão de que o objetivo não era “pegar” ninguém
nem surpreender e sim conhecer para colaborar. Estabelecer uma parceria. O sentimento
de perseguição e espionagem parecia estar impregnado por experiências do passado.
Foi necessário quase um semestre para que duas professoras demonstrassem
interesse em participar da pesquisa, contudo uma delas desistiu logo no início das

65
oficinas de reflexão crítica, na qual fizemos a observação da aula de uma colega. Ela
expressou sua indignação com a exposição que estava sendo feita da professora,
dizendo que não se sentiria bem em participar.
Felizmente a outra voluntária, pensando de maneira bem diferente, expôs que
estava entendendo que seria para seu crescimento profissional e pessoal. Foi assim que
em novembro de 2005, iniciei as filmagens de suas aulas e as sessões reflexivas
respectivas às mesmas.
Depois de quase dois anos de trabalho com essa professora, por ocasião da
última sessão reflexiva feita, foi que ela revelou que a princípio nem pensava em ser
colaboradora, pois sentia que não poderia ajudar por sua inexperiência e também porque
não queria se expor. Segundo ela:

Foi só através da vivência das oficinas de reflexão que eu pude compreender a


importância do trabalho e o quanto ele poderia me ajudar.

Este histórico foi trazido para a metodologia para ressaltar uma questão que
não será explorada nesta pesquisa, mas que pode suscitar novos olhares: o estigma da
resistência à mudança, que recai sobre a imagem dos professores.
Se foi durante um trabalho de aproximadamente 5 meses que a professora
mudou seu olhar, sua percepção e sua decisão sobre participar como colaboradora de
uma pesquisa que objetivava (e isto foi esclarecido desde o início) provocar
transformações na prática pedagógica, então minha atuação como coordenadora pôde
quebrar resistências. Não é possível esgotar essa discussão aqui, até porque somente
uma professora mostrou mudança.
Fica a necessidade de aprofundar os estudos sobre quais fatores estão
interagindo nessa resistência e no discurso que a envolve. No momento há apenas uma
certeza: foi possível superar algumas resistências.

3. 4. As participantes da pesquisa

3. 4. 1. A pesquisadora

É pedagoga e mestranda em Lingüística Aplicada e Estudos de Linguagem


desde o primeiro semestre de 2005. Também é professora na rede municipal de Mauá,
desde 1992, através de concurso público, tendo atuado no ensino fundamental de 1ª a 4ª

66
série até 2002. De 2003 até 2006 passou a ser coordenadora e agora é professora de
educação infantil. A saída da coordenação pedagógica foi necessária para uma redução
de carga horária, requerida junto à secretaria de educação, para melhor cumprir os
créditos do mestrado e dedicar-se à pesquisa.

No ano de 2004, dois cursos de extensão na COGEAE-PUC/SP sobre o papel do


professor coordenador pedagógico, abriram caminhos para o interesse pela pesquisa e,
assim, para o início do curso de mestrado.

3. 4. 2. A professora participante

Estudante de pedagogia desde 2005, iniciou sua atuação como professora nesse
mesmo ano. Fez magistério, mas anteriormente atuou quatorze anos na área de recursos
humanos como chefe e assistente de RH.

A entrada na rede pública da prefeitura de Mauá em 2005 foi através de


concurso público para cargo temporário, que deve ser refeito todos os anos.

Atuou com a educação infantil em 2005 e 2006 e atualmente trabalha com a 1ª


série do ensino fundamental.

Além da professora em questão, foi também valorizada a colaboração de outros


agentes educativos (entendidos aqui como alunos, familiares e outros funcionários) no
processo de educação dos professores.

3. 5. Instrumentos geradores dos dados

A princípio considerou-se a coleta de dados a partir de diários, notas de campo,


registro dos professores em que avaliavam os espaços de formação: HTPC (horário de
trabalho pedagógico) e Reuniões Pedagógicas, já que são nestes espaços que ocorrem a
educação contínua e a (re)construção do Projeto Político-Pedagógico que é anual.

De acordo com Nunan (1992:115), esses registros, como os diários e notas de


campo, representam instrumentos da metodologia introspectiva que pretendem tornar
observável, para serem objetos de reflexão, os pensamentos, sentimentos, motivos,
razões e estados mentais que influenciam nossos comportamentos, “... se nós queremos

67
entender o que as pessoas fazem, nós precisamos saber o que elas pensam” (minha
tradução) 19.

Machado (1998) observa que, particularmente falando do diário, ele representa


muito mais do que a expressão do que se pensa; traz um auto-conhecimento, a
possibilidade da descoberta dos próprios pensamentos, representando um instrumento
de pesquisa interna. Bailey (1990) lista as inúmeras funções desses instrumentos de
registro, dentre as quais se podem destacar: a viabilização da reflexão na e sobre a
prática; o estímulo à conexão teoria-prática e a possibilidade de auto-avaliação.

Contudo, a coleta de dados a partir dos diários e notas de campo foi secundária,
usada em poucos momentos. Os dados primários para a análise foram as filmagens e
gravações em áudio de aulas e de sessões reflexivas. Tais instrumentos de coleta, como
afirma Brookfield (1995), são extremamente necessários para um distanciamento da
prática, o que também é argumentado por Magalhães (1998), que acrescenta a
importância de tais instrumentos na compreensão das ações verbais e não verbais da
sala de aula.

As sessões reflexivas são particularmente importantes, pois estes são momentos


privilegiados de aprendizagem e exercício da reflexão crítica e do empoderamento
(empowerment) do professor, como revelam os estudos de Magalhães & Celani (2005).
O empoderamento discute a educação de professores por significar a interiorização e
apropriação ativa do processo de mudança, considerando uma profissionalização
interativa, feita em colaboração.

Dos dados coletados, então, foi possível destacar a interação da professora em


suas ações com os alunos e, da mesma forma, as interações da coordenadora com a
professora. Isso ocorreu pela observação das escolhas lingüísticas feitas por elas nos
discursos da prática de sala de aula, no caso da professora, e nas sessões reflexivas, no
caso da coordenadora. A análise que será apresentada construiu-se a partir do quadro
teórico discutido no capítulo teórico e neste processo foram utilizadas inicialmente as
teorias sobre os tipos de perguntas e especialmente os conceitos envolvidos na
mediação, para assim, responder às perguntas de pesquisa.

19
“(...) if we want to understand what people do, we need to know what they think”

68
3. 6. A coleta de dados
3. 6. 1. Filmagens e gravações em áudio
Em novembro de 2005 iniciamos a filmagem da primeira aula da professora na
primeira escola já referida. A esta se sucederam mais duas aulas e uma sessão reflexiva
ainda em 2005. Em todas essas ocasiões, sempre marcávamos o dia e horário com
antecedência e antes da sessão reflexiva, deixava que a professora assistisse a filmagem
primeiro e escolhesse o trecho para que pudéssemos discutir. Com isso, procurava fixar
o intuito do trabalho, ou seja, a colaboração para a revisão e transformação do trabalho
pedagógico, com vistas à coerência teórica.
Com a mudança de escola da professora, tivemos que continuar a coleta de
dados na segunda escola municipal referida no contexto da pesquisa. Para tanto foi
necessário permissão da nova direção. Isto ocorreu porque por ser a professora
contratada, a cada ano que consegue passar no concurso seletivo, deve ir para onde há
vagas, quando da chegada de sua classificação.
Uma novidade ocorreu já no final de 2005: a prefeitura contratou uma empresa
para assessorar pedagogicamente toda a secretaria de educação e em 2006 não foi
construído o PPP como nos anos anteriores. Uma minuta de proposta pedagógica foi
apresentada para todas as escolas da cidade, produzida pelos profissionais da empresa.
Nessa transição não estava claro para mim, nem para a professora como a minuta iria se
transformar no projeto da escola, por isso continuamos buscando a coerência com a
organização teórica que havíamos feito em 2005, até porque de nenhuma forma ela era
contrária às propostas gerais da tal minuta.
No total, foram feitas cinco filmagens de aulas, sendo três na primeira escola,
que será identificada como escola A, e duas na segunda escola, identificada por escola
B.

3. 6. 2. A sessão reflexiva sobre sessão reflexiva: aprendendo no


processo
As sessões reflexivas sempre foram muito significativas para pesquisadora e
participante, contudo eu nunca sabia se estava fazendo as perguntas certas. Na terceira
sessão tivemos muitos problemas, pois não tínhamos um local apropriado, éramos
interrompidas o tempo todo, não foi possível filmar ou gravar em áudio e os registros
escritos também não relataram toda a nossa discussão. Fizemos então uma quarta sessão

69
reflexiva retomando a terceira, que acabou se constituindo em uma sessão reflexiva
sobre a sessão reflexiva anterior, trazendo resultados muito positivos.
Surpreendente para mim foi quando fiz, depois da quarta sessão reflexiva, a
transcrição da aula discutida e percebi o quanto não havia notado o tipo de interação
estabelecida entre professora e alunos.
Na quinta sessão retomamos mais uma vez a aula já discutida anteriormente para
observarmos juntas a transcrição e a professora também se assustou em ver o quanto o
registro escrito radiografava o que não percebemos somente com a observação da
gravação da aula.
Ninin (2002: 72) chama a atenção para este fato:

Ressalto, portanto, a importância do tratamento de dados, pois ao coletá-los


com o objetivo de análise, é fundamental que o pesquisador proceda, imediatamente
após a coleta, à transcrição e a primeira análise intuitiva. Quando isto não é feito de
imediato, muitas informações importantes podem perder-se ou o pesquisador pode
concluir, em momento posterior, que seus dados são inadequados às suas perguntas de
pesquisa ou ao seu objetivo inicial, tendo, muitas vezes, de mudar o foco do trabalho ou
proceder a nova coleta.

Fiquei muito preocupada em perceber isso tão tarde. Sei que foi uma
aprendizagem no processo, mas sinto que aprendi coisas diferentes junto com a
professora. Ao exercitar o papel de pesquisadora, fui tomando consciência da efetiva
função da pesquisa, pois descobri algo que não esteve em meu olhar nem no dia da aula,
nem no dia da primeira sessão reflexiva sobre esta aula. Esta sensação de perda de
controle na verdade me mostrou o quanto a pesquisa pôde revelar em seu curso e o
quanto ela foi um instrumento-e-resultado no processo das envolvidas (professora e
pesquisadora).
Ao todo foram feitas sete sessões reflexivas, isto porque na última data em que
nos reunimos, considerei dois momentos distintos, sendo o primeiro para refletir sobre
outra sessão reflexiva e o segundo momento para uma reflexão a respeito de uma aula
sobre a qual não havíamos conversado ainda. Segue um resumo dos dados coletados
para análise:

70
Dados coletados
Quadro 3
Que tipo? Sobre o quê?/Quem? Quantos? Quando?
Filmagem Aulas: fase II (5 e 6 anos) na escola A 3 11/11/2005
16/11/2005
21/11/2005
Gravações Sessões reflexivas com a professora 2 16/12/2005
em áudio 11/01/2006
Diário A professora registrou suas 1 Dezembro
impressões da 1ª sessão reflexiva de 2005
Filmagem Aula: fase II (5 e 6 anos) na escola B 2 08/05/2006
15/05/2006
Notas de Sessão reflexiva 1 29/05/2006
campo
Filmagem Sessão reflexiva sobre sessão 3 26/06/2006
reflexiva 11/09/2006
08/03/2007
Filmagem Sessão reflexiva com a professora 1 08/03/2007

3. 6. 3. Procedimentos de análise

A análise dos dados ocorreu em dois momentos:

- Primeiro partiu de um estudo das transcrições das aulas filmadas, em busca de


informações que pudessem ser padronizadas, ou seja, categorizadas. O que se tornou
muito perceptível foi a grande utilização de perguntas feitas pela professora, enquanto
mediadora na interação com os alunos. Diante da evidência, foram selecionadas as
quatro aulas que mais elementos forneciam para a opção por criar categorias de análise
com os tipos de perguntas utilizadas durante essas aulas. Este foi o caminho para
responder a primeira pergunta de pesquisa.

Para melhor situar o leitor em relação aos recortes das quatro aulas que foram
selecionadas, segue um quadro com o número dado para identificar a aula, a data em
que ela ocorreu, bem como o assunto e a atividade desenvolvidos.

71
Aulas analisadas
Quadro 4
AULA DATA ASSUNTO ATIVIDADE
1 11/11/2005 Data e rotina. Escrita coletiva da data e leitura de
palavras para compor a rotina
(programação) do dia.
2 16/11/2005 Na primeira Prática escrita da adição a partir da
parte da aula observação da junção de figuras de
foi trabalhada a peixes, acompanhada de uma história
adição. que oralmente foi contada pela
professora.
3 21/11/2005 Conceito de Discussão oral sobre o conceito.
ecologia.
4 08/05/2006 Diferença entre Conversa sobre as partes do carro e
algarismos e identificação das letras e algarismos
letras de placas de carros.

- Num segundo momento, foram analisados os dados provenientes das


transcrições de sessões reflexivas gravadas em áudio e filmadas. Foi observado que
essas sessões também se pautavam num diálogo rico em perguntas, então, da mesma
forma, foram criadas categorias de análise com os tipos de perguntas feitos pela
coordenadora e pela professora, mas agora na busca de responder a segunda pergunta de
pesquisa. Para esta categorização, foram consideradas as quatro sessões reflexivas que
mais elementos traziam para o objetivo da categorização.

O quadro a seguir também busca situar o leitor sobre as sessões reflexivas


selecionadas para análise, com o número dado para identificar cada sessão, a data em
que ocorreu e o assunto de que se tratou.

Sessões reflexivas analisadas


Quadro 5
SESSÃO DATA ASSUNTO
1 16/12/2005 Aula 1.
2 11/01/2006 Segunda parte da Aula 2, na qual se trabalhou com
um bingo de letras.
3 26/06/2006 Sessão reflexiva de 29/05/2006 (a partir da qual se
discutiram teorias de ensino-aprendizagem) e Aula
4.
4 08/03/2007 Sessão reflexiva de 16/12/05 e Aulas 1 e 3.

72
Abaixo segue o quadro que resume os procedimentos para análise:

Resumo dos procedimentos para análise


Quadro 6
Questão geral Questões Tipo de dado Categorias de análise
específicas
Como as Como se Transcrições de Perguntas feitas pela professora:
interações caracteriza a quatro aulas a) Perguntas de verificação do conteúdo
professora/ mediação nas b) Perguntas para chamar atenção do
coordenadora ações da comportamento (disciplinar)
oferecem professora com c) Pergunta para organizar atividade
possibilidade de os alunos? d) Pergunta para relembrar fatos
transformação e) Perguntas que incitam à
das práticas da argumentação/explicação
professora? f) Perguntas para questionar respostas
anteriores
g) Perguntas para confirmar algo já dito

Como se Transcrições de Perguntas feitas pela coordenadora e pela


caracteriza a quatro sessões professora:
mediação nas reflexivas a) Perguntas de verificação do conteúdo
ações da b) Perguntas para provocar reflexão
coordenadora argumentativa:
com a • Criativa
professora? • Teórica
c) Pergunta de esclarecimento
d) Pergunta de acompanhamento
e) Pergunta de opinião
f) Pergunta para questionar respostas
anteriores
g) Pergunta para confirmar algo já dito
h) Pergunta para organizar a própria fala
i) Perguntas hipotéticas

73
A metodologia procurou mostrar a pesquisa crítica de colaboração como a opção
para o trabalho da pesquisadora com a professora participante, trabalho este que
ocorreu em duas escolas públicas de educação infantil da rede municipal de Mauá.
Filmagens de aulas e de sessões reflexivas foram as formas primárias20 de coleta de
dados. A observação inicial dos dados revelou uma grande incidência de perguntas na
mediação vivida pelas participantes. Sendo assim, essas perguntas passaram a ser foco
para o estabelecimento de categorias de análise, que, a partir de agora, serão mais
detalhadamente explicadas, para um melhor esclarecimento ao leitor.

3. 7. Categorias de análise

Ao estabelecer tais categorias tanto em relação às aulas quanto às sessões


reflexivas, observei que a incidência de algumas perguntas era bem diferente da de
outras. Alguns exemplos ilustram a questão:

- Na primeira aula houve, 55 perguntas sobre verificação do conteúdo, enquanto


somente 5 foram formuladas pela professora para incitar a argumentação;

- Em uma das sessões reflexivas foram feitas pela coordenadora 25 perguntas


para provocar reflexão, enquanto 2 foram feitas para pedir esclarecimento.

Todas as categorias foram mantidas na discussão, pois de alguma forma


contribuíram para a caracterização da mediação, que é o foco almejado, já que a baixa
incidência de um tipo de pergunta também pode revelar preferências nas escolhas da
professora e da coordenadora nas interações estabelecidas.

Serão agora sintetizadas primeiramente as sete categorias de análise, criadas a


partir das aulas e depois as nove referentes às sessões reflexivas.

3. 7. 1. Categorias de análise: tipos de perguntas na interação professora-


aluno

a. Pergunta de verificação do conteúdo: estas perguntas são aquelas que a


professora fez no intuito de verificar o que a criança sabe a respeito do assunto que está

20
Chamo de formas primárias os dados utilizados para a análise, pois, no início da pesquisa, coletei dados
durante o trabalho com todo o grupo de professoras nos HTPC, que chamo de secundários, porém, esses
dados não foram utilizados para a análise.

74
sendo tratado. Há uma intenção de revelar através dessas perguntas o que já foi
aprendido. O que se observou foi uma incidência maior dessas perguntas em relação às
outras, em todas as aulas analisadas. Considerando esse fato, abaixo será apresentado o
número de vezes em que a questão foi utilizada em cada aula e quanto isso representou
em porcentagem em relação ao número total de perguntas feitas:

Incidência da pergunta de verificação do conteúdo


Quadro 5
AULA Nº. total de Nº. de perguntas % das
perguntas feitas de verificação perguntas de
Nº. DATA na aula do conteúdo verificação do
conteúdo em
relação ao total
1 11/11/2005 112 55 49%
2 16/11/2005 47 35 74%
3 21/11/2005 68 24 35%
4 08/05/2006 160 106 66%

A seguir um exemplo de cada aula:

1 “Você sabe o que está escrito aqui, Leonardo?”


2 “Então olha, o Lucas ganhou quantos peixinhos?”
3 “Olha, eu quero saber quem sabe o que é ecologia? Quem sabe?”
4 “Que letra é esta daqui? A primeira?”

b. Pergunta para chamar atenção do comportamento (disciplinar): são


aquelas que foram feitas não propriamente com o intuito de obter uma resposta, mas sim
com a finalidade de passar uma mensagem sobre o comportamento esperado para a
situação. A intenção parece ter sido o controle do grupo, para que a professora pudesse
ser ouvida ou que houvesse uma organização maior, para que a atividade planejada
fosse desenvolvida.

Mesmo com uma incidência muito pequena dessas perguntas (seis no total das
quatro aulas), elas foram trazidas para uma reflexão sobre a postura da professora em
situações em que não se tem a atenção desejada dos alunos.

Dois exemplos ilustram tais questões:

75
1 “Agora nós vamos sentar que a prô vai fazer a chamada, quando a prô
faz a chamada a gente tem que ficar como? Quietinho, por quê? Senão
não escuta. Depois, senta. Agora nós vamos fazer a chamada. Arieli...”

2 “Olha, vocês escutaram o que o Gilmar falou? Porque vocês estão


falando, ele falou assim que quando...”

c. Pergunta para organizar atividade: nesse caso, o objetivo parece ter


sido apontar aos alunos uma seqüência do que iria acontecer ou organizar o que já
estava sendo desenvolvido. Presentes em todas as aulas, com uma incidência
considerável, ou seja, dezessete vezes nas aulas analisadas, a maioria das vezes que foi
elaborada, a pergunta não teve respostas, foi feita apenas para informar o que seria feito
a seguir. Como nos exemplos que se seguem:

1 “Quem quer ir ao parque hoje?”

2 “Muito bem. Quem não veio ainda? Vamos ler a placa do Joel?”

d. Pergunta para relembrar fatos: essas perguntas pareciam ser uma


estratégia para reforçar algo que estava sendo dito ou trazer à tona alguma
discussão que de alguma forma pudesse colaborar para a atividade a ser
realizada ou em andamento.

A incidência com que apareceram demonstra serem bem freqüentes na


fala da professora na maioria das vezes, pois foram onze vezes na aula 1, nove
na aula 3 e onze na aula 4. Curioso não ter aparecido nenhuma na aula 2. Na
maioria das vezes em que foi feita, a pergunta era respondida pelos alunos, como
observamos nos exemplos:

1 “Hoje é dia de música?”

2 “Letra Z, essa é a letra Z, lembra que nós aprendemos a letra do


Zorro? Z.”

e. Perguntas que incitam à argumentação/explicação: estas perguntas


foram observadas em situações nas quais a professora queria que o aluno argumentasse
sobre algo ou explicasse algum termo.

76
A pergunta normalmente era formulada com “por que” ou “o que é”. Houve uma
ocorrência de treze vezes nas aulas selecionadas, sendo respondidas seis vezes por
alunos, pois as demais foram respondidas pela professora ou ficaram sem respostas.
Como no exemplo, a professora diz: “Tá escrito tchau? Por que tá escrito tchau? Olha, é
quase assim. Tá escrito saída. Na hora que a gente vai embora que a gente fala tchau,
mas olha que letra é essa? S”.

f. Pergunta para questionar respostas anteriores: presentes em todas as


aulas, estas perguntas tiveram como função questionar respostas dadas a outras
perguntas, ou seja, colocar em xeque uma resposta, como quem diz “será mesmo?”.
Com uma ocorrência considerável, pois foram vinte e nove vezes no total, estas
perguntas podem trazer uma interpretação interessante sobre as intenções de se instalar
um conflito, como foi discutido. Como exemplo podemos citar: “Ele tá falando pra nós
que aqui está escrito calendário, vocês acham que aqui está escrito calendário?”
Em situações pontuais esse tipo de pergunta também objetivou um pedido de
esclarecimento sobre respostas dadas e não compreendidas pela professora.

g. Pergunta para confirmar o já dito: são aquelas que parecem não estar
questionando nada, mas, sim, apenas afirmando ou confirmando informações já dadas.
Constituem-se de partículas interrogativas, muitas vezes monossilábicas, como “né?”,
“tá?”, “não foi?”. Houve alto índice de utilização no decorrer das aulas observadas:
quarenta e quatro ocorrências. Segue-se uma exemplificação:

1 “Mas no final a gente pode cantar uma musiquinha, né?”

3. 7. 2. Categorias de análise: tipos de perguntas na interação


coordenadora-professora
Seguem-se as nove categorias de análise criadas a partir das sessões reflexivas,
aqui relacionadas para a melhor visualização do leitor. Antes, porém, dois
esclarecimentos:
- As perguntas “a”, “f” e “g” coincidem tanto nas aulas quanto nas sessões
reflexivas e serão novamente citadas pelos contextos e incidências que, por serem
diferenciados, enriquecem as informações;

77
- As referências que serão feitas de vezes ou porcentagens de incidência do uso
de perguntas referem-se àquelas feitas ao longo das quatro sessões reflexivas analisadas,
que somam:
- 77 perguntas feitas pela professora;
- 176 perguntas feitas pela coordenadora.

a. Perguntas de verificação do conteúdo: Assim como ocorreu nas aulas,


esta é uma pergunta que também apareceu nas sessões reflexivas, mas aqui no
intuito de verificar o que a professora sabia sobre um determinado assunto. No
entanto, esse tipo de pergunta só foi observado em um único encontro, tendo
sido feita 6 vezes só pela coordenadora. Como se observa nos exemplos:
1. “O que é o tradicionalismo pra você? Como você entende uma
educação tradicional?”
2. “... o que você acha que explica a teoria sócio-histórico-cultural, como
você entende de maneira resumida esse novo paradigma de
educação?”

b. Pergunta para provocar reflexão argumentativa: com o objetivo de criar


uma reflexão, instigando e dando espaço para o outro se colocar, esta pergunta traz a
dimensão argumentativa por pretender a criação de situações desafiadoras nas quais há
um espaço para o questionamento de idéias contrastivas ou passíveis de confrontação,
no intuito de produzir compreensão da realidade e assim construção de conhecimento.
Este foi o tipo de pergunta mais utilizada (41% ou 73 vezes), na soma de todas as
perguntas feitas pela coordenadora nas sessões reflexivas analisadas e apareceu de duas
formas:
• Argumentativa criativa: voltada para ações futuras, são perguntas que
exigem uma solução ou uma idéia frente a uma questão vivida, para a
qual a pessoa questionada deve sugerir algo baseado, ou coerente com os
princípios que apóiam sua prática. Tal resposta irá depender da
criatividade do respondente e, sendo assim, não há uma resposta certa ou
errada para esse tipo de questão. A resposta poderá ser discutida ou
aplicada para averiguar se os objetivos são alcançados.

78
Em relação à incidência, uma única vez essa pergunta foi feita pela
professora, enquanto que pela coordenadora foram 23 vezes, estando
presentes em todas as sessões reflexivas. Seguem-se dois exemplos:

1. “Eu acho que pra essa atividade... Olha, olha a posição que você
ficava. Em que posição você poderia ter montado a sala pra que todos
vissem?”
2. “E pensando no reconstruir, teria alguma coisa dessa aula que você
faria diferente?”

• Argumentativa teórica: voltada para ações do passado, esse tipo de


pergunta já exige do respondente uma retomada dos conhecimentos
teóricos, sem os quais não irá conseguir responder. Não se pode dizer
que é somente uma verificação de conteúdos, pois são perguntas que
pedem uma reflexão sobre eles. Como se explorasse o nível de
compreensão que o respondente tem, buscando revelar a quem pergunta
e ao próprio respondente sua compreensão em relação a um campo
teórico.
A ocorrência desse tipo de pergunta foi bem expressiva na ação da
coordenadora, que a utilizou 50 vezes no decorrer das sessões reflexivas
analisadas. A professora formulou somente uma questão desse tipo.
A seguir dois exemplos:
1. “ Qual era o papel da criança na atividade?”
2. “... você conseguiria dizer quais as características dessa atividade que
estão assim, dentro dessa teoria de ensino-aprendizagem?”

c. Pergunta de esclarecimento: mesmo estando em todas as sessões


reflexivas, foi uma pergunta pouco usada, tanto pela coordenadora (10 vezes)
como pela professora (1 vez), feitas nas ocasiões em que se buscava um
esclarecimento sobre uma situação ou sobre algo dito no momento da conversa.
Como se observa nos exemplos:
1. “Vocês estavam montando o quê?”
2. “O que lhe faz ter a dúvida? É isso que eu queria saber.”

79
d. Pergunta de acompanhamento: são aquelas feitas com a intenção de
verificar se o ouvinte está atento à conversa. Não são feitas, necessariamente,
para abrir espaço para o outro falar, mas acabam dando oportunidade para um
sinal do ouvinte, principalmente gestos de cabeça, concordando ou não com as
colocações que, no final, trazem majoritariamente a palavra “entendeu?”, mas
também algumas vezes com as colocações: “Já te falei isso?”, “Consegue ver?”,
“Certo?”, “Isso é tranqüilo pra você?” e “Viu que não deu certo?”.
Também esse tipo de pergunta apareceu em todos os encontros; foi, contudo,
mais utilizada pela professora (12 vezes) do que pela coordenadora (11 vezes),
principalmente quando consideramos o número total de perguntas feitas por uma
e outra.
Vejamos os exemplos:

1. Mas por quê? Porque é algo que eles gostam, entendeu? Acho que,
por isso, acho que desde o começo a minha intenção foi essa, mas
trazer alguma coisa pra leitura em cima de algo que eles gostam.
2. Ah, tem algo aqui extremamente positivo e isso parece já ser um traço
em todas as suas aulas. Você consegue identificar? Acho importante
destacar o que tem sido bem coerente com nossa proposta teórica.

e. Pergunta de opinião: buscava saber a opinião do ouvinte sobre algo.


Não estando presente em todos os encontros, foi um tipo de pergunta não muito
usada, já que a professora só a fez uma vez e a coordenadora, 19 vezes. Um
exemplo é: “Você acha que a atividade da maneira como ela se desenvolveu
atingiu seu objetivo?”

f. Perguntas para questionar respostas anteriores: da mesma maneira


que foram observadas nas aulas, aqui também essas perguntas questionavam
respostas dadas a outras perguntas, ou seja, colocavam em xeque uma resposta,
como quem diz “será mesmo?”, mas diferentemente do que ocorreu nas aulas, a
incidência delas nas sessões reflexivas foi quase insignificante, pois a professora
não a utilizou e a coordenadora o fez apenas 2 vezes. Um dos exemplos é:
“Então, será? A gente tem que quebrar a cabeça pra ver...”

80
g. Perguntas para confirmar algo já dito: de maneira similar ao que
ocorreu nas aulas, esse tipo de pergunta parece apenas afirmar ou confirmar algo
já dito, sem questionar efetivamente nada. Aqui também apareceram em todas as
sessões reflexivas com as partículas interrogativas “né?”, “tá?”, “não foi?”. A
incidência de perguntas desse tipo somou 60% das perguntas feitas pela
professora nas quatro sessões reflexivas selecionadas, enquanto a coordenadora
usou desse recurso em 15% das perguntas que fez.

h. Perguntas para organizar a própria fala: esse tipo de pergunta foi


utilizada em 14% dos questionamentos da coordenadora e 18% das perguntas da
professora, sendo 25 vezes no primeiro caso e 14 vezes no segundo, mostrando
uma estratégia de organizar a fala, na qual troca-se uma afirmação por uma
indagação, não com o intuito de querer uma resposta, pois esse espaço nem é
dado, mas parece ser um recurso para chamar a atenção a uma afirmação,
colocada em forma de pergunta. Nos exemplos há uma visualização:

1. “... esse momentinho que aconteceu aqui, por que você estava
perguntando? Você tava dando espaço, mas assim, tinha que ser só a
sua resposta, não podia fugir daquilo.”
Neste exemplo a mesma frase poderia ter sido dita sem a pergunta: “...
esse momentinho que aconteceu aqui, ao perguntar você tava dando
espaço, mas ...”

2. “Porque numa aula que se pretende sócio-histórico-cultural, onde


você se põe como mediador vygotskyanamente... O que é um
mediador? Acho que a gente já teve a oportunidade de discutir um
pouco isso.”
Da mesma forma aqui, seria possível dizer: “Porque numa aula que se
pretende sócio-histórico-cultural, onde você se põe como mediador
vygotskyanamente... Acho que a gente já teve a oportunidade de
discutir que ser mediador é...”

81
i. Perguntas hipotéticas: essas perguntas foram feitas para lançar uma
hipótese ou uma possibilidade diante de uma situação. Foram feitas somente no
último encontro analisado, numa incidência muito pequena, 1 vez pela professora e 3
pela coordenadora, não estando presentes nos dados discutidos. Estão exemplificadas a
seguir:
1. “E se eles tivessem dito sim por embalo?”
2. “Porque eles falam assim em coro. E se mudasse?”

No próximo capítulo serão discutidos os resultados provenientes da análise, que,


além de considerar as categorias de análise já estabelecidas, contará com a
fundamentação teórica dos dois primeiros capítulos deste trabalho, pretendendo assim
responder as perguntas de pesquisa.

82
CAPÍTULO 4

A análise e a discussão dos resultados

“... o valor de uma tese está na descoberta e na formulação de perguntas essenciais que
despertem a curiosidade de outros pesquisadores. O valor não está tanto nas respostas,
porque respostas são sem dúvida provisórias, como as perguntas...
Mas, à medida que encontramos as perguntas essenciais que nos permitirão responder
e descobrir novas perguntas, forma-se essa cadeia que possibilitará que a tese se vá
construindo”.

(Freire & Faundez, 1985)

Toda análise de dados deve ser feita a partir das perguntas de pesquisa e é neste
ponto, como bem observou Faundez (no livro em que “conversou” com Paulo Freire),
que está o segredo: encontrar perguntas essenciais. Nessa busca, as perguntas desta
pesquisa foram formuladas, reformuladas e finalmente estabelecidas para focalizar o
papel da professora através das interações estabelecidas entre ela e seus alunos.

Ao mesmo tempo, através das questões formuladas, há uma preocupação de


intervenção para transformação das ações da professora envolvida, ou seja, uma
preocupação com a formação em serviço. Para tanto, também se fez necessária a
consideração do papel do coordenador pedagógico.

Reapresento as questões que foram norteadoras da discussão da análise:

Como as interações professora-coordenadora oferecem possibilidades de


transformação das práticas da professora?

Para responder a esta pergunta, se fez necessário delimitar questões mais


específicas, a partir da observação da prática pedagógica e das sessões reflexivas:

- Como se caracteriza a mediação nas ações da professora?


- Como se caracteriza a mediação nas ações da coordenadora?

A fundamentação teórica apresentada no capítulo I foi a base para a análise dos


dados e para a discussão aqui apresentada. De forma resumida, é possível reafirmar que
a busca das respostas ocorreu através:

a. Da metodologia crítica de colaboração;

b. Do frame teórico da teoria sócio-histórico-cultural;

83
c. Dos estudos sobre “a pergunta”;

d. Do instrumento “linguagem” no processo de mediação;

e. Do apoio da teoria da reflexão crítica durante as sessões


reflexivas.

Este capítulo foi organizado em dois momentos:

• O primeiro partiu da primeira pergunta específica da pesquisa trazendo a


discussão a partir dos recortes dos dados sob a luz das teorias que dão suporte a
esta pesquisa; durante o desenvolvimento dela haverá a interpretação das
categorias de análise encontradas, ou seja, os tipos de pergunta feitos pela
professora durante as aulas, para responder à pergunta de pesquisa;

• No segundo momento, partindo da segunda pergunta específica da pesquisa, de


maneira similar ao momento anterior, também é realizada a apresentação dos
recortes de dados que permitem uma discussão a partir do arcabouço teórico,
com o objetivo de responder à pergunta da pesquisa. Será nesta discussão que as
categorias de análise provenientes das sessões reflexivas serão consideradas.

4. 1. Como se caracteriza a mediação nas ações da professora?

Como um primeiro passo de observação e interpretação dos dados, as categorias


de análise foram criadas devido à percepção de que a ocorrência de perguntas era
marcante. Entender os tipos de perguntas usadas e sua incidência foi uma forma de
compreender melhor como se organiza e se caracteriza o discurso da professora em sala
de aula, já que este é organizado quase que exclusivamente por perguntas.

A partir da criação das categorias foi possível, então, voltar aos dados,
procurando uma caracterização da mediação estabelecida, com o apoio do quadro
teórico.

Talvez seja oportuno considerar aqui que a prática pedagógica é sempre


dialógica e leva de alguma forma à interação, mas como a base desta pesquisa é
vygotskyana, o instrumento-e-resultado (Newman & Holzman, 1993) pressupõe que o

84
resultado esteja inserido na prática. Tem que se criar um espaço em que haja
construções de conhecimento e que nessas oportunidades todo mundo fale, questione,
pergunte, cresça. A efetiva aprendizagem pela mediação é desejada para que se
desencadeie o desenvolvimento (Vygotsky, 1930-1933).

4. 1. 1. Sob a luz das teorias 1

Como anunciado no início do capítulo, agora serão trazidos os recortes que


foram selecionados, de maneira a oferecer elementos que possibilitem uma
caracterização da mediação estabelecida pela professora, em sua interação com os
alunos.

Ao rever os dados, foi possível perceber que a professora que participa desta
pesquisa está buscando de muitas formas se atualizar e fazer um trabalho coerente com
a teoria sócio-histórico-cultural. Ela descreve aspectos fundamentais da teoria,
mostrando compreensão teórica, tanto da TSHC, teoria que pretende usar como base em
seu trabalho, como da teoria tradicional/comportamentalista, que critica e questiona.
Contudo, em sua prática, ou seja, em sua rotina de trabalho, acaba expondo seus
conflitos e dificuldades em ser coerente.
Como já foi dito na seção da metodologia, quatro aulas foram selecionadas para
a análise, considerando-se para isso as que mais elementos ofereciam para a criação das
categorias de análise.
Antes da apresentação dos recortes da primeira aula, há uma breve consideração
sobre a atividade, para orientar o leitor quanto ao contexto da aula.

• Aula de 11 de novembro de 2005 - fase II (32 crianças de 4 e 5 anos): escola A


Antes de começar a atividade propriamente dita, a professora queria registrar na
lousa a data, com dia do mês e nome do mês. Para tanto queria contar com a
participação de todos. Lançava perguntas e, quando alguém acertava, repetia,
reafirmando a resposta, mas diante do erro houve tentativa de oferecer elementos para
que os alunos pudessem repensar; contudo, como as crianças não conseguiam, a
professora dava as respostas. Esta forma de agir se repetiu várias vezes durante toda a
aula filmada.

85
Recorte 121 Aula 1
14 Professora Agora eu quero saber em que mês nós estamos?
15 Alunos Eu sei. Setembro.#
16 Professora Setembro já foi.
17 Alunos Março.#
18 Professora Março também já foi.
19 Alunos Maio #
20 Professora O mês é passado, agora nós estamos num mês novo. Evelin, você
fez aniversário, não foi? // Que dia é seu aniversário?
21 Evelin Foi dia 2.
22 Professora 2 do quê?
23 Evelin Não sei.
24 Professora Novembro. Olha, vamos escrever novembro. Agora nós vamos
fazer a rotina. =

As perguntas negritadas são exemplos de perguntas que estão verificando o


conteúdo, ou seja, se a criança sabe dar a resposta esperada. Perguntas desse tipo se
assemelham às perguntas didáticas tratadas por Coracini (2002), pois mostram a
situação de dependência da fala do aluno em relação à fala do professor e intencionam
facilitar a aprendizagem, pois há uma condução do aluno à compreensão de algo;
contudo, os conhecimentos exigidos nas respostas são elementares. No caso dos turnos
14 e 22, a resposta esperada era apenas a lembrança de um nome. Como ocorre em
outros exemplos que se seguirão, a memorização é privilegiada.
Na classificação de Mackay (2001) há outra denominação para esse tipo de
pergunta, que o autor chama de “pergunta de identificação ou objetiva”, pois só se pode
responder de maneira direta e específica e faz parte das perguntas “fechadas”, já que por
serem restritivas, não dão chance ao respondente de desenvolver o raciocínio. Segundo
o autor, este tipo de pergunta pode ser útil em algumas situações, nas quais a
informação objetiva seja produtiva no diálogo. Ele usa como exemplo o médico que
precisa identificar um local de dor.
No turno 20 há duas perguntas: a primeira considerada por esta pesquisa como
“pergunta para confirmar o já dito”. A professora faz uma afirmação sobre o fato de a
aluna ter feito aniversário e ao dizer “não foi?”, sem deixar espaço para a resposta, na
verdade não intencionava aí efetivamente fazer um questionamento ,e sim, confirmar
sua afirmação. Parece estar organizando sua própria fala.

21
As seguintes convenções devem ser consideradas para as transcrições: # falas sobrepostas ou
concomitantes; ... falas interrompidas; // ênfase ou amplitude alta; [ ] ação não verbal; = pausa ou
silêncio; ( ) quando há cortes no trecho trancrito.

86
Coracini (2002) chama questões desse tipo de “perguntas de contato”. Segundo
ela, são utilizadas para verificar a atenção e o acompanhamento do interlocutor numa
proposta de modernização da relação professor- aluno. Já Mackay (2001) denomina este
tipo de pergunta como “pergunta indutiva simples”, pois, nesse caso, objetiva induzir à
resposta, sem encorajamento para que o respondente se coloque, ou negue a afirmação
feita. O autor considera que esse tipo de pergunta é contraproducente, ou seja,
desvaloriza o próprio objetivo da pergunta, pois sugere a resposta. Ele afirma que
devemos evitar tal tipo de pergunta, no entanto, no contexto desta pesquisa, da aula
observada e do assunto, a professora parece estar organizando sua fala ao relembrar
sobre o aniversário. Não parece ter sido negativa sua ação, no sentido de responder a
própria pergunta feita, considerando-se pontualmente esse exemplo.
Nesse primeiro recorte, observei que as crianças dominavam o conceito da
palavra mês, pois, por três vezes, sugeriram nomes demonstrando classificar
corretamente a partir desse conceito. Contudo, o que seria necessário para ajudar esses
alunos a reorganizarem tal conhecimento? Seria uma questão de ordem? De
temporalidade? De vocabulário?
Ao dar uma pista à aluna Evelin sobre seu aniversário, observei que a professora
buscou o conhecimento espontâneo da aluna de maneira muito positiva, relacionando a
pergunta com algo significativo e compreensivo para as crianças, ou seja, o aniversário,
mas como tal ajuda não foi suficiente, a professora dá a resposta.
Acredito que houve coerência teórica ao se partir do que o grupo já
compreendia, por dar oportunidade para que todos participassem, ao se oferecerem
elementos da vida cotidiana para fazer as crianças pensarem. Contudo a sessão reflexiva
deveria ter trazido à baila como essa questão poderia ter se resolvido de maneira
diferente. Poderíamos ter explorado reflexões a respeito do tipo de pergunta mais
adequada a se fazer aos alunos, para não se fixar apenas na verificação do conteúdo e
sim no desafio de pensar e reorganizar o que se sabe.
O erro não foi aproveitado para uma reorganização, como Nuttall (1982) e
Méndez (2002) defendem. O erro deveria ser uma oportunidade de aprendizagem, o que
poderia ter sido feito com uma reflexão sobre as causas do erro.
Sendo assim, não se conseguiu constituir uma mediação na qual se pudesse
trabalhar na ZPD de forma que se chegasse a uma transformação, já que nem com a
ajuda da professora chegou-se à resposta certa. Talvez isso fosse possível ao se
apresentar para a criança diariamente como se organizam os meses, toda a seqüência e a

87
cada mês sugerido numa situação como esta, se localizasse a criança em relação à
ordem do mês que cada um falou. Afinal, não se trata apenas de se chegar a uma
resposta certa e, sim, de criar ou valorizar o processo da chegada a tal resposta (Nuttall,
1982). Estaríamos, assim, trabalhando um conceito dentro de uma hierarquia de
conceitos cientificamente organizados.

O recorte a seguir apresenta pontos similares sobre o que foi discutido em


relação ao primeiro, mas foi escolhido por trazer um aspecto positivo em relação à
coerência teórica na didática da professora. Antes, porém, mais uma vez é necessária
uma contextualização sobre o tipo de atividade desenvolvida:
Na educação infantil é muito comum a realização de uma atividade chamada
“registro da rotina”. Trata-se de uma atividade que normalmente se faz no início de
todos os dias para estabelecer uma seqüência de tudo o que irá ocorrer naquele dia. O
objetivo é a compreensão pelos alunos de como será a organização de cada dia, o
entendimento do que já foi realizado e o que ainda não foi, pois a professora vai
mostrando de alguma forma o que já foi cumprido. Assim, possibilita-se o
acompanhamento e participação da organização do seu tempo na escola.
Como na educação infantil a maioria dos alunos não está alfabetizada, esse
registro se faz não só com a escrita alfabética, mas com auxílio de desenhos ou
símbolos que possam ser compreendidos pelas crianças.
Não existe uma regra para tal realização ou uma obrigatoriedade, mas é
consenso, entre os profissionais do meio, que essa atividade, sugerida pelo Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil22, enriquece o trabalho. O objetivo é a
vivência da organização e do sentimento de segurança das crianças, por saberem o que
vão fazer por meio da seqüência de atividades registradas na rotina. A habilidade de
organização e o sentimento de segurança certamente irão colaborar para uma inserção
mais tranqüila da criança no mundo escolar, a princípio, e também fora dele, pois serão
fundamentais em sua formação global.
A participação dos alunos nessa atividade pode variar muito, de acordo com o
planejamento do professor. Apenas expressar oralmente sugestões para a professora
escrever na lousa na ordem em que irão acontecer; ir à lousa e registrar os eventos;

22
Esse documento, conhecido pela sua sigla RCNEI, foi produzido pelo Ministério da Educação, ou seja,
um órgão federal, para ser justamente um referencial, um apoio, ou ainda um conjunto de sugestões ao
trabalho da Educação Infantil nacional, dotadas de fundamentação teórica.

88
desenhar os eventos; encaixar figuras e palavras previamente preparadas em cartaz
indicando a ordem dos eventos, são algumas formas de participação.
O recorte que apresento a seguir foi parte de uma aula na qual a professora, de
posse dessas idéias, programou essa atividade de forma diferente da que normalmente
usava. Em vez de simplesmente registrar escrevendo na lousa, às vezes contando com a
participação da criança para a escrita, ela escreveu em placas de papel colorido várias
palavras. Algumas dessas palavras faziam parte da rotina daquele dia e outras, não.
A quantidade de palavras foi a mesma da quantidade de alunos, justamente para
dar oportunidade para que todos participassem, vindo até a frente da classe apresentar a
palavra recebida e tentar lê-la com a ajuda do grupo, decidindo qual seria usada ou não.
As usadas foram sendo fixadas na lousa pela professora, não necessariamente na ordem
em que ocorreriam num primeiro momento, já que o objetivo central da professora
nessa hora era a utilização dessa atividade diária (registro da rotina) para um exercício
de leitura.

Recorte 2 Aula 1
26 Professora Você sabe o que está escrito aqui Leonardo?
27 Leonardo Não.
28 Alunos Merenda.#
29 Professora Merenda? Merenda começa com essa letra?
30 Alunos Não.#
31 Professora Gilmar, Gilmar, merenda começa com essa letra?
32 Gilmar Não.
33 Professora Que letra é essa?
34 Alunos F.#
35 Professora E essa?
36 Alunos I.#
37 Professora I, né, merenda então não pode ser merenda, o que será que está escrito
aqui?
40 Aluno É parque.=
41 Professora Também não. Olha é uma coisa que nós fazemos quando a gente vem
pra essa sala aqui (eles estavam na sala de vídeo/biblioteca, pois a escola
funciona em salas ambientes e cada dia estão em uma sala diferente).
42 Aluno Atividade.
43 Aluno Vídeo.
44 Professora Atividade começa com essa letra? [ ] (apontando a letra “F” da palavra
“Filme”)
45 Alunos Não.#
46 Professora Olha [ ], F, I, Filme, nós assistimos filme?
47 Alunos Não.#
48 Professora Nunca assistimos?//
49 Alunos Não, eu assisti vídeo.#

89
50 Professora Então faz parte da nossa rotina, não faz?//
51 Alunos Faz.#
52 Professora Vamos colocar lá na lousa. =

Nesse recorte observei dois momentos interessantes. O primeiro em relação à


condução da leitura que a professora faz. Parece-me positivo ela ter distribuído uma
placa com uma palavra para cada aluno, valorizando assim a participação de todos,
contudo, aqui também a professora tenta ajudar as crianças sem sucesso, e termina
dando a resposta.
No segundo momento, observei no turno 47 a ocorrência de um evento que
chama a atenção, pois a professora é contestada sobre a prática de assistir filmes.
Alguém disse que não via filme e sim vídeo, o que não foi explorado. Apesar de não se
tratar de um erro e sim de uma apropriação diferente da palavra vídeo (o que parece já
ser até uma convenção), os comentários feitos no recorte 1 a respeito do erro também
valem para esta situação, já que seria uma questão lingüística de discussão e
aprendizagem.
Esse evento vivido pela professora suscita uma questão que, mesmo óbvia,
parece-me de relevância neste momento: não há como prever ou se preparar para as
surpresas da rotina pedagógica, rotina essa entendida como o conjunto de todos os fatos
que podem surgir num dia de aula (respostas e dúvidas inesperadas, posicionamento
aquém ou além do esperado, imprevistos).
O planejamento é imprescindível, mas isto não significa a impossibilidade de
saber lidar com o diferente, com essas surpresas. Mais uma vez é interessante citar
Nuttall (1982), que fala a respeito das dificuldades imprevisíveis, apontando a
necessidade de se explorar as respostas inesperadas dos alunos com outras perguntas,
para valorizar, assim, mais o processo de se chegar à resposta do que a resposta
propriamente dita.
Parece que tal processo pode ser facilitado se a professora tem muito claro os
princípios de ação que sustentam sua base teórica, a qual deve ser discutida e definida
no PPP. Esta pesquisa defende principalmente neste ponto a crucial importância do
conhecimento teórico-prático para a vivência da práxis, ou seja, uma ação metodológica
que já é a produção de um conhecimento.
No caso da palavra vídeo com significado de filme, se houvesse uma percepção
da professora de que seria um momento para se explorar tal “erro”, a professora poderia
aprender sobre o universo lingüístico de seus alunos, e eles sobre o da professora e

90
juntos avançariam em conhecimento. Talvez isso pudesse ocorrer com a possibilidade
de outros opinarem a respeito para uma construção coletiva de significado, pelo
exercício de vários terem vez para colocarem sua voz, falarem sobre o que o outro
falou.
Creio que nesta situação ela estaria atuando na ZPD, pois, os alunos estariam
adquirindo uma nova forma de se referirem a uma atividade tanto da rotina escolar
como da doméstica, expandindo o vocabulário ou talvez até compreendendo as várias
possibilidades lingüísticas de se referir a uma situação, o que seria um aprendizado
sobre o funcionamento da linguagem e suas diversas possibilidades. O campo de
possibilidades aqui é apenas hipotético, mas não utópico. Dessa maneira, seria
considerado, por exemplo, o que Magalhães (1996) trata sobre a aprendizagem numa
abordagem sócio-histórico-cultural, ou seja, a importância do “outro” diante de qualquer
conhecimento novo.
As perguntas feitas nos turnos 26, 29, 31, 35, 37, 44, 46 são todas chamadas por
esta pesquisa de “verificação de conteúdo”, buscando saber o nome ou a identificação
de uma letra ou a capacidade de leitura de uma palavra, já que as crianças não eram
alfabetizadas. A presença desse tipo de pergunta foi muito grande em todas as aulas (ver
mais detalhadamente no próximo item) e neste recorte tais perguntas parecem ser a
estratégia que a professora usa para motivar os alunos à leitura.
Novamente tais perguntas parecem estar objetivando a facilitação da
aprendizagem de acordo com Coracini (2002), mas sempre com perguntas fechadas, que
só admitem uma resposta e neste ponto valem as observações já feitas no recorte
anterior. O que é necessário acrescentar é que algumas dessas perguntas são
classificadas por alguns autores como perguntas de “sim ou não”, como as dos turnos
26, 29 (2ª pergunta), 31, 44 e 46. Nuttall (1982), Mackay (2001), Ricardo (2002) e
Ninin, Hawi, Damianovic e Mello (2005), como apresentados no capítulo teórico, usam
essa tipologia para denominar perguntas restritivas, nas quais o respondente irá
confirmar ou negar uma idéia ou situação, sem incentivo para maior participação.
Certamente essa opção da professora deveria representar uma necessidade de reflexão
ao seu trabalho de formação, pois se esta maneira de incentivar a leitura não está sendo
produtiva, quais outras formas poderiam ser utilizadas? Talvez fosse uma oportunidade
de se propor à professora estudos sobre estratégias de leitura que pudessem ajudá-la a
alcançar seus objetivos.

91
Em relação às perguntas dos turnos 29 (1ª pergunta) e 48, são chamadas nesta
pesquisa de “perguntas para questionar a resposta anterior”. Parecem dizer que a
resposta dada não foi a esperada e que deve ser revista. Coracini (2002) assinala esta
questão, dizendo que as perguntas diretivas são uma forma de o professor fazer o aluno
chegar à resposta que ele quer. Para ela, essa maneira de condução durante as aulas está
diretamente ligada às questões políticas através de valores historicamente criados e
mantidos pela ideologia dominante. Parece que no recorte apresentado, a prática da
professora é o reflexo de suas crenças, adquiridas pelas experiências de sua história
vivida. Tais crenças podem assim estar impregnadas de valores do paradigma
tradicional. Nesse caso, podem refletir a valorização de respostas pré-determinadas,
conteudistas, sem espaço para a diversidade de opiniões.
Mais uma vez há um exemplo de “pergunta para confirmar o já dito” no turno
50, para a qual vale discussão anterior.

O próximo recorte, da mesma aula, foi destacado para discutir a questão da


criação do conflito em relação à ZDR, bem como para uma reflexão sobre as perguntas
que são respondidas em coro.

Recorte 3 Aula 1
72 Professora Agora vai vim o Vitor. O Vitor tá falando que aqui está escrito
escovação. O que que vocês acham?
73 Alunos Não.#
75 Professora O! [ ] (gesticulando interrogativamente e mostrando com o dedo a placa)
76 Alunos Tá... não #
77 Professora O!O que que vocês acham, tá escrito escovação?
78 Alunos Não.#
79 Professora Por que não?//
80 Alunos Porque começa com E.#
81 Professora Oh, mas que letra é essa? [ ] (mostrando com o dedo a letra E)
82 Alunos E... Escovação.#
83 Professora Então tá escrito, olha [ ] es-co-va-ção. A escovação está na nossa
rotina?
84 Alunos Tá.#
85 Professora Então tá.=

A professora parece querer oferecer pistas, dar chances para que eles consigam
antecipar ou ler a partir de indícios, contudo, observamos que suas duas perguntas
iniciais negritadas nos turnos 72 e 77 são idênticas e não surtem efeitos.

92
Ao dizer o que o aluno Vitor pensava, no turno 72, ela fez uma questão que
exigia como resposta SIM ou NÃO, o que dificulta saber se haveria ou não algum tipo
de compreensão, pois se o coro tivesse dito sim, talvez muitos, “no embalo” do grupo,
não estariam pensando sobre sua leitura.
Contudo, como a resposta foi “não” repetidamente, a professora conseguiu criar
no turno 79 uma questão chamada nesta pesquisa de “pergunta que incita à
argumentação/explicação”, importante para provocar uma participação mais ativa.
Mackay (2002) chama a esta pergunta de “investigadora simples”, por ser usada
normalmente no início de uma busca mais detalhada de informações.
Em seguida da questão citada, utilizando o “por quê?”, a professora usa outra
questão com a conjunção adversativa “mas” no turno 81, ou seja, trazendo a idéia de
que havia uma contradição. Sendo assim, os alunos tiveram que argumentar e então se
instalou um conflito, pois eles sabiam que escovação começava com a letra E em sua
percepção sonora, mas não estavam conseguindo antecipar esta leitura pela grafia.
Foi quando a professora focou a primeira letra, mostrando-a com o dedo na
placa, que alguns alunos reconheceram a letra E enquanto símbolo gráfico. Nesse
momento, a professora usou um gestual facial que impunha um posicionamento do
grupo diante da contradição, já que diziam que a palavra sugerida pelo colega começava
com E, que aquela palavra mostrada também iniciava com E e negavam a possibilidade
da leitura sugerida pelo colega ser correta. Foi somente aí que o grupo percebeu e entrou
num consenso com a professora.
Essa última ação da professora trouxe a esta pesquisa a necessidade de um olhar
mais atento sobre outras linguagens que não seja só a oral no processo de mediação.
Parece que a combinação de questões, mais o gestual da professora foram importantes
na ajuda aos alunos.
Na filmagem, fica claro que para se alcançar o consenso da leitura, foi
fundamental o referido gestual. Ao apontar a letra E com o dedo e, assim que alguns a
reconheceram, expressar em sua face uma imagem interrogatória sobre a contradição,
criou condições para que nessa hora houvesse a mudança de opinião. O fato que
chamou atenção foi a importância de se utilizar todos os tipos de linguagem no processo
de mediação, a saber: oral, gestual, pictórica, escrita e simbólica.
Em sua classificação, Mackay (2002) coloca essas expressões e movimentações
de corpo e face como parte das “perguntas passivas”, denominando-as mais
especificamente de “estímulo não verbal”. No entanto, ele diz que são utilizados para

93
que o respondente saiba que está sendo ouvido, mas o que se observou nos dados foi
mais que isso, foi o uso desse gestual como uma forma de efetivar a dúvida, o conflito.
Parece que as pistas para oferecer pontes entre o conhecimento espontâneo e o
científico precisam ser bem pensadas, ou seja, planejadas, pois a condução parece estar
muito intuitiva. Nem sempre está se considerando a ZDR e a ZPD, fundamentais ao
desenvolvimento, segundo Vygotsky (1930-1933). Talvez aqui fosse oportuno um
trabalho com a professora a respeito de algumas formas de ação que viessem a
contribuir, como, por exemplo, as referidas por Luciolli (2003: 22): a valorização da
imitação, a colaboração, as experiências compartilhadas e também as pistas fornecidas
às crianças.
A fala em coro dificulta a condução do processo de leitura. Talvez seja
necessário criar uma forma de se organizarem as falas, já que foi observada uma
estrutura de comunicação na qual é comum aparecer a pergunta da professora seguida
da resposta em coro dos alunos. Seria possível e positivo mudar essa estrutura?
Se nos basearmos nas contribuições de Méndez (2002), é possível dizer que sim,
pois a respeito dessa questão, mesmo sem classificar perguntas de “sim e não”, ele
afirma que quando as perguntas dão margem para a mesma resposta pelo grupo de
alunos, tais perguntas devem ser evitadas, já que estão trabalhando com a memória
comum e mínima. Nessa situação, o caminho leva a soluções simples, sem respostas
elaboradas e próprias, comparadas e argumentadas.
Coracini (2002) detectou situação semelhante em seus estudos, ao observar que,
mesmo em grupo, há uma tendência de buscar uma resposta para atender o desejo do
professor e, nessas situações, não se observa discussão ou questionamentos.

O recorte apresentado a seguir foi selecionado com o objetivo de discutir, a


partir da maneira como a professora trabalhou com a idéia de adição, a tentativa de
sistematização de um conhecimento.
• Aula de 16 de novembro de 2005 - fase II (32 crianças de 4 e 5 anos): escola A
Recorte 4 Aula 2
29 Professora Esse daqui é um símbolo e ele quer dizer igual. Igual sabe o que quer
dizer? Que um mais dois é igual //.... Aí nós vamos descobrir. Os dois
amiguinhos pegaram os peixinhos deles, eles cansaram de cuidar dos
peixinhos, eles falaram, eu não quero mais cuidar dos peixinhos, não.
Eu vou pegar meu peixinho, o Lucas falou eu vou dar para o Gilmar,
aí o Gustavo falou, eu também vou dar os meus peixinhos. Aí eles
pegaram os peixinhos deles e deram para o Gilmar. Olha. [ ]

94
30 Aluno Ele ficou com 3.
31 Professora Isso, o Gilmar ficou com 3 peixinhos?
32 Alunos Ficou.#
33 Professora Então 1 mais 2 é igual ... //
34 Alunos 3#
35 Professora Vamos escrever na folha o que a prô escreveu aqui, olha que 1
peixinho mais dois peixinhos é igual a 3. Só que a gente não precisa
desenhar o peixinho. Nós vamos escrever os números do jeito que a
prô escreveu.=

O que se observa aqui é a intenção da professora de trabalhar a idéia da adição e


o registro da operação. Para tanto ela precisa que eles compreendam o símbolo de
“igual” e por isso o mostra na lousa e questiona sobre seu significado, contudo não
permite que os alunos respondam. Ela cria uma história, apoiada em figuras que fixou
na lousa, para transmitir o conteúdo pretendido.
Todas as perguntas usadas são consideradas aqui como de “verificação de
conteúdo”, no entanto na primeira não houve espaço para os alunos responderem,
parece que a pergunta foi usada como estratégia para iniciar uma explicação. De acordo
com Coracini (2002), podemos dizer que foram usadas perguntas didáticas, através das
quais os alunos chegam às respostas esperadas.
O que parece positivo é a contextualização de uma situação problema, dando
pistas às crianças com o apoio do material concreto, para que pudessem pensar e
realizar a “adição” com a ajuda da professora. Contudo, mesmo tendo sido feitas várias
operações do mesmo jeito durante a aula, em nenhum momento se abriu espaço para a
criança desenvolver sozinha o mesmo raciocínio e registro.
A imitação é considerada positiva ao se trabalhar na ZPD, pois pode dar
elementos para a criança avançar dentro de seus ciclos de desenvolvimento, de acordo
com Vygotsky (1930-1933), contudo, quando só se permite a cópia do que foi feito pela
professora, não há como saber se a atividade está sendo adequada.
O próximo recorte foi escolhido pelo fato de ser um exemplo de como a
professora trabalhou com um conceito novo: Ecologia. Naquele momento da aula, ela
queria contar uma história sobre preservação ambiental, contudo o nome do livro era
Ecologia e por isso iniciou discutindo tal conceito.

• Aula de 21 de novembro de 2005 - fase II (32 crianças de 4 e 5 anos): escola A


Recorte 5 Aula 3
42 Professora Alguém sabe o que é ecologia? O que é ecologia, Yago?

95
43 Alunos Eu não sei.#
44 Yago É um animal.
45 Professora O Yago falou que ecologia é um animal. O que você acha que é
Gustavo?
46 Gustavo Mantega.
47 Alunos Mantega. Abelha.#
48 Professora O quê? Abelha?!?!? //
49 Alunos Mantega.#
50 Professora Olha, vamos escutar a Isadora. Fala Isadora. O que é ecologia?
51 Isadora É um animal que come e se alimenta.
52 Professora Ela falou que ecologia é um animal que come e se alimenta. A prô
vai falar pra vocês.
53 Vitor {}
54 Professora O que foi? [ ] (olhando para o Vitor)
55 Vitor A borboleta.
56 Professora Olha, a borboleta, o animal que se alimenta, fazem parte da
ecologia... Olha ecologia é uma ciência que estuda as relações e o
equilíbrio da natureza, por isso que a prô não tinha falado pra
vocês. Olha, pra que nós possamos conviver bem e para a gente
poder sobreviver. Então ela falou assim, ecologia é um bicho que
se alimenta, não é? //
57 Alunos É.#
58 Professora Então quer dizer o bicho que se alimenta ele também faz parte da
ecologia. Aí o Vitor falou. É a borboleta. Aí o outro falou é o
elefante, faz parte também da ecologia. A Bruna, ela vai falar pra
gente que é ecologia. Ela tá falando com a Giovana. O que é
ecologia?
59 Bruna =
60 Professora Então vamos prestar atenção. Ecologia é também, não só os seres
vivos, mas também a água, o ar, tudo o que desenvolve, toda a
vida faz parte da ecologia. Todos os animais, por mais
pequenininhos. Como chama esse bichinho aqui?
61 Alunos Joaninha.#
62 Professora Joaninha, então da joaninha ao elefante, todos fazem parte da
natureza... tá?
63 Aluno Até o bebê?
64 Professora Até o bebê, depois a prô vai mostrar ...

Ao contrário do que foi observado em outros recortes, as “perguntas para


questionar respostas anteriores”, como categorizada nesta pesquisa, dos turnos 48 e 54
não foram utilizadas para pôr em xeque a colocação de alunos, mas para pedir
esclarecimento. Como no momento em que fez as perguntas havia muito barulho,
parece realmente que a professora não havia entendido e fez tais perguntas para tentar
compreender melhor. Sendo assim, o mesmo tipo de pergunta foi usado para fins
diferentes e aí vale a observação de Mackay (2001) quando diz que o “como” se diz é
mais importante do que o próprio dizer.

96
Ao fazer uma pergunta que “incita à explicação” (como denominada nesta
pesquisa) sobre o significado da palavra “ecologia” ao grupo e imediatamente a um
aluno em especial no turno 42, duas respostas se sucederam: uma negativa do grupo e
uma objetiva do aluno Yago. Diante da resposta do aluno, a professora não afirmou ou
negou, mas sim revozeou ao perguntar à outra criança a opinião dela sobre a resposta do
colega.
No trecho, do turno 42 ao 45, foi observado que a professora:
1. Mostrou intenção de partir do conhecimento espontâneo do
grupo, de considerar o que as crianças sabiam primeiramente, pois
utilizou, como já foi discutido, um tipo de pergunta aberta, investigadora
simples segundo Mackay (2001), que objetiva conseguir informações do
outro;
2. Assim, valorizou o espaço de o aluno se colocar, dar sua opinião e
ser ouvido;
3. Não aceitou ou rejeitou a resposta, mas recolocou-a para outro
aluno, buscando outras opiniões e incentivando outras colocações. Dessa
forma valorizou, mesmo que talvez de maneira inconsciente ou não
sistematizada, a “natureza social do aprendizado” como tratada por
Vygotsky (1930-33/1998: 115), por incentivar que uma criança
interferisse na vida intelectual de outra;
4. Não agiu como detentora do saber, já que não ofereceu respostas
para simples reprodução e em suas explicações fez analogias
aproveitando as colocações de vários alunos;
5. Valorizou, como fala Nuttall (1982), mais o processo de se chegar
à resposta do que a resposta em si, pois estimulou um processo ativo de
busca de significado pela maneira como usou as perguntas.

Todas estas ações revelaram um posicionamento muito positivo em relação à


prática, quando pensamos nos princípios teóricos que norteiam o que a professora pensa
e o que está presente no projeto político-pedagógico. Contudo, ao ouvir a resposta do
Gustavo e de outras crianças que responderam ao mesmo tempo com as palavras
“mantega” e “abelha”, a professora não as considera, não ouve o Gustavo a quem ela
havia passado a palavra e dá a vez e voz a outra criança que pede para falar, como se
observa no turno 50. Desta forma o revozeamento não se concretizou.

97
Tanto nos turnos 51e 54 como no 64 a professora volta a demonstrar a
preocupação em ouvir os alunos, utilizando suas opiniões para exemplificar e explicar o
conceito trabalhado nos turnos 56 e 58; contudo, não foi possível saber se houve
reorganização do conhecimento. No turno 63, parece que um aluno conseguiu perceber
a inclusão do bebê, enquanto ser vivo, no conjunto do que faz parte da ecologia, num
exercício de classificação, porém, logo depois deste recorte, a professora iniciou a
contação da história do livro. Como isto poderia ter sido feito é uma questão a ser
retomada com a professora, até para refletir se tal conceito seria apropriado ou não e se
era relevante para seu objetivo.
Em relação ao interesse da professora na participação dos alunos, no turno 58 se
observa que a oportunidade dada à aluna Bruna, diferente das outras vezes, não foi dada
para que sua hipótese fosse considerada e, sim, para chamar sua atenção em relação à
sua conversa com outra aluna.
A pergunta utilizada, que aparentemente é para incitar a explicar, na verdade é
considerada nesta pesquisa como “pergunta para chamar a atenção do comportamento”.
Neste caso, tal pergunta se aproxima do que Mackay (2001) chama de pergunta
contraproducente, pois foi feita para constranger, é ambígua. A professora sabia que ela
não iria responder, pois estava alheia à discussão, mas lhe impôs uma forma de inibição.
Talvez fosse importante rever essa postura e se pensar em formas de facilitar a
comunicação, pois ela não era a única a conversar. Poderia se considerar, por exemplo:
- A disposição das crianças, pois estavam em mesas de quatro lugares, de tal forma que
um grupo sempre fica de costas ou de lado para a professora;
- A melhor forma de se tratar um conceito abstrato para que se torne mais concreto,
considerando a idade dos alunos;
- A maneira de falar, como trata Mackay (2001) e Nuttall (1982).
Parece claro que os dados, mais e mais, exemplificam as contradições e a busca
da professora por uma prática coerente com o que acredita e com as orientações teóricas
que quer seguir.
Mais uma vez apresenta-se a necessidade de ajuda ao profissional da educação,
pois há muitos fatores como tempo, número de alunos, condições de trabalho, entre

98
outros – que não poderão ser tratados aqui – que interferem no planejamento e
realização de cada momento de uma aula.23

• Aula de 08 de maio de 2006 - fase II (alunos de 4 e 5 anos: escola B


Os quatro recortes seguintes foram selecionados pelas pistas que oferecem a
respeito do embasamento utilizado pela professora (o informar), através da
possibilidade de observar mais aspectos de sua postura e pontuar características gerais
da aula.

Recorte 6 Aula 4
1 Professora Vocês lembram que outro dia a prô falou assim pra vocês, tudo tem
nome? Nós temos um nome, é... tudo que nós, é... consumimos, o que
nós comemos, tudo que nós fazemos, tudo que nós pegamos existe um
nome. Aí nós estávamos trabalhando o cartaz de rótulos, lembra? A
gente trazia marca, lia letrinha, aí o que que tá escrito aqui mesmo?
2 Coro Guaraná. #
3 Aluno 1 Coca-cola.
4 Professora Coca-cola. E aqui?
5 Coro Bombom.#
6 Professora Bombom. Mas o bombom tem nome. Como é que chama?
(interrompendo o início da resposta do coro) Que letra é essa daqui,
a 1ª?
7 Coro L.#
8 Professora E essa? [ ] (apontando a 2ª letra)
9 Coro A.#
10 Professora Que marca que é?
11 Coro A.#

A aula inicia-se com a exposição de um conteúdo trabalhado, porém não há


busca de conhecimentos prévios, o que é observado nas duas primeiras perguntas do
turno 1 chamadas aqui de “perguntas para relembrar fatos”. Elas não foram feitas para
serem respondidas. O objetivo parece ter sido o de situar o aluno.
Nos turnos 1, 4, 6, 8, 10 os questionamentos negritados não abrem espaço para a
interação entre os alunos, pois são perguntas de “verificação do conhecimento”, como já
discutido anteriormente. A interação professora-alunos não proporciona a reorganização
do conhecimento, pois a organização da aula com as perguntas citadas prevê respostas
monossilábicas de uma ou poucas palavras e não cria condições para discussão e

23
Para um aprofundamento sobre as interferências que o professor pode ter em seu trabalho, ver Cunha
(2005). No capítulo 3, mesmo tratando sobre a situação do professor universitário, são pertinentes suas
observações a esse respeito.

99
exploração de opiniões, pois, como vimos em Mackay (2001), as perguntas são
fechadas, objetivas. Méndez (2002) critica o uso desse tipo de questionamento quando
se quer trabalhar com a reflexão, capacidade de raciocínio e pensamento autônomo.
Coracini (2002), ao classificar as perguntas que o próprio professor responde, também
parece fazer uma crítica ao que ela chama de “perguntas infantilizadas”, pois estimulam
respostas de uma palavra e não incentivam analogias.
O erro que ocorre no turno 2 é ignorado e assim perde-se uma oportunidade de
ser ele mesmo objeto de estudo de acordo com sugestões dos autores vistos, como
Nuttall (1982), por exemplo.
As perguntas dos turnos 4 e 8 aproximam-se do que Coracini (2002) chama de
“perguntas de lacuna”, pois têm uma entonação ascendente no final, estimulando que o
aluno complete ou preencha oralmente. A autora analisa que as respostas para essas
perguntas só exigem conhecimentos elementares, não exigindo muito dos alunos.

Com o objetivo de aprofundar o olhar sobre a postura da professora, é proposta


agora uma caracterização dos turnos 1 ao 9 do recorte acima discutido:
1 Professora inicia a aula com uma explicação que retoma conteúdos já vistos, o que
faz com questionamentos permeando sua fala (3 perguntas ao todo), mas só dando
espaço para os alunos responderem ao fim da 3ª pergunta.
2 Alunos respondem em coro.
3 Um aluno responde diferente do coro.
4 Professora repete a resposta do aluno e já faz outra pergunta.
5 Alunos respondem em coro.
6 Professora repete a resposta e faz duas perguntas, a segunda interrompendo
tentativa de resposta do coro.
7 Alunos respondem em coro.
8 Professora pergunta.
9 Alunos respondem em coro. Esta situação se repete 2 vezes consecutivas.

O que mais foi evidenciado nessa caracterização foi a maneira de condução da


aula que se apóia em questionamentos, com uma abertura para respostas em coro, ou
seja, respostas que sejam dadas ao mesmo tempo pelo grupo. Esta situação se repetiu
onze vezes na aula.
Nos trechos negritados há uma evidência da preocupação em fixar a resposta
certa, independente da compreensão do grupo.

Recorte 7 Aula 4
15 Professora Como é que chama esse produto?

100
16 Coro Sabão.#
17 Professora Sabão em pó. Mas qual o nome deste sabão em pó? Ó, essa letrinha [ ]
(apontando a letra A) eu acho que vocês conhecem.
18 Coro A.#
19 Professora Ahn? //
20 Coro Aci.#
21 Professora Ó. [ ]
22 Coro Ácido.#
23 Professora Ace. Ó, Ace.

Esse recorte foi selecionado para ilustrar o fato de a professora lançar desafio e
ela mesma resolver (turno 23). Isto não foi incomum em sua postura. Parece ser
necessário à professora aprofundar conhecimentos para lidar com a leitura no processo
de alfabetização, pois ao ver que suas perguntas não estão sendo produtivas, dá a
resposta.
Mais uma vez ela ignora o erro no turno 22. Poderia ser uma oportunidade de
explorar a leitura.
A pergunta do turno 19, considerada aqui de pergunta para “questionar resposta
anterior” não trouxe o resultado esperado, pois os alunos não conseguiram ler o rótulo
apresentado da maneira que a professora esperava. Parece aqui ter ocorrido, mais uma
vez, o que Coracini (2002) fala a respeito das perguntas “didáticas”, ou seja, uma
insistência por parte da professora através de uma série de perguntas diretivas para
conduzir o aluno à resposta prevista. Paralelamente à ação da professora, os alunos se
esforçam para atender seu desejo, o que não necessariamente irá indicar compreensão
ou reflexão.

Recorte 8 Aula 4
33 Professora Sabe escrever cor... Quem sabe escrever cor?
34 Coro Eu não # Eu também # O Davi – { }.
35 Professora Ninguém quer vir escrever cor?
36 Coro O pro, o pro.#
37 Professora Oi.
38 Aluno 4 Sabia que eu tava ali na rua andando de bicicleta da escola e eu vi um
carro igualzinho esse.
39 Professora É? Então ta, a pro vai escrever cor.

Neste recorte há um aspecto positivo quando a professora busca oferecer


oportunidade de participação individual com as perguntas dos turnos 33 e 35, já que
nesta pesquisa essas perguntas são para “organização da atividade”. Na verdade não
estão em busca de alguém que realmente escreva a palavra pedida, pois não há alunos

101
alfabetizados na classe, e sim espera a participação de quem queira desenvolver a
atividade com a ajuda da professora, a partir da hipótese de escrita que cada um tem.
Este esclarecimento foi dado, pois é muito comum essa prática no contexto de trabalho
dessa professora, devido às orientações pedagógicas recebidas em relação ao estímulo à
alfabetização já na educação infantil.
Tais perguntas podem ser comparadas às perguntas didáticas de animação, como
tratadas por Coracini (2002), mas parece que na tentativa de motivar, a professora
consegue abrir um espaço no qual o aluno passa a ser o centro. As perguntas parecem
um convite e uma oportunidade para se expor hipótese e opinião, que se fossem
concluídas e consideradas, poderiam ser alvo de reflexão, como nas “perguntas
reflexivas” apontadas por Mackay (2001). O problema é que não foram efetivadas.
No turno 39, depois de ouvir uma colocação de um aluno sobre algo vivido (o
que foi incomum nessa aula) retoma o turno sem considerar o que ouviu com uma
pergunta “para confirmar algo já dito”. Mesmo parecendo ser uma pergunta de contato,
segundo Coracini (2002), na verdade revela outra função, ou seja, interromper a
participação do aluno. Em seguida, como sua motivação à participação dos alunos não
surtiu efeito para que alguém viesse à lousa, ela mesma escreve a palavra.

Recorte 9 Aula 4
46 Professora A luz, o motor... Que mais? Deixa a Letícia contar que ela quer falar
uma coisa. Fala Letícia.
47 Aluno 7 Eu já vi carro que tem dois bancos na frente e tem porta na frente e do
lado.
48 Professora Não é todos que tem porta na frente?
49 Aluno 7 Não. Tem carro que tem criança não tem porta só, só tem, só tem uma
porta que não é porta. Parece, mas não é.
50 Professora Ah. Então quer dizer que tem carros que as portas são diferentes de
um tipo do outro?

Mais uma vez há um aspecto positivo quando a professora dá voz a uma aluna e
a ajuda organizar sua fala e assim o seu pensamento. Essa ação pareceu esboçar um
trabalho na ZDP, pois a interação privilegiou a ajuda à expressão da idéia e as perguntas
dos turnos 48 e 50 foram importantes nesse momento. A primeira por questionar a
resposta anterior e exigir reflexão e nova elaboração por parte do aluno. Mesmo
podendo ter sido respondida com “sim ou não”, a pergunta parece ter provocado o efeito

102
de uma questão que Mackay (2002) chama de “extensiva e precisa”, pois motivou a
uma resposta com explicações e justificativas.
Já a pergunta do turno 50 colaborou, pois ao “confirmar o já dito” o fez de
maneira a organizar o pensamento do aluno. É possível dizer que é uma pergunta
investigadora conclusiva, segundo Mackay (2002), pois dá fechamento a uma idéia pela
interpretação de uma resposta.

Nos últimos quatro recortes mesclam-se ações conflitantes em relação à base


teórica. Como foi exposto no capítulo teórico, o papel da professora mostra ações de
centralização do conhecimento. Isto ocorre ao oferecer respostas não aproveitando a
oportunidade para trabalhar na ZPD e não considerando falas de alunos que demonstram
incompreensão, ou seja, não trabalhando com o erro, de forma a utilizá-lo para a
construção do conhecimento.
Contudo, também há uma evidente preocupação, no momento em que dá voz a
uma aluna, em ajudá-la, trazendo toda a atenção do grupo para ouvi-la. Há uma
oportunidade de interação e colaboração, pois a ajuda vem pelo questionamento, mesmo
que pontual, e parece haver uma preocupação com o desenvolvimento do outro, no caso,
o aluno.

Considerando, então, toda a discussão dos resultados deste primeiro momento, é


possível dizer que as seguintes características da mediação foram observadas nas ações
da professora:
• Interação entre professora e alunos feita majoritariamente por questionamentos
de verificação de conteúdo, privilegiando a memorização, com exigência de
respostas simples;
• Muitas participações dos alunos em respostas coletivas (em coro) usando
monossílabos, uma ou poucas palavras;
• Poucas oportunidades de argumentação e reflexão pelos alunos;
• Poucas interações entre os alunos pelas atividades propostas;
• Raros momentos em que se percebe o trabalho na ZPD, durante o qual a criança
passa a desenvolver sozinha o que antes não conseguia;
• Alguns momentos de valorização da fala dos alunos;

103
• Raras oportunidades de valorização do conhecimento já alcançado pela criança,
no intuito de sistematizá-lo para elevá-lo a outros patamares.

A mediação foi caracterizada assim, por conflitos e contradições concretizados nas


ações da professora. O que se revelou foi que os princípios da teoria sócio-histórico-
cultural, na qual a mediação teria bases vygotskyanas, nem sempre estavam presentes,
mesclando- se com sustentações de outros paradigmas da educação, como o tradicional.

4. 2. Como se caracteriza a mediação nas ações da coordenadora?


De maneira similar ao caminho percorrido na busca das características da
mediação na ação da professora, também aqui foram criadas categorias de análise a
partir das perguntas feitas pela coordenadora. Contudo, como a colaboração esteve
presente na metodologia de pesquisa, as perguntas da professora foram também
consideradas durante as sessões reflexivas para a determinação das categorias de
análise, já que, segundo Vygotsky (1930-1933, apud Magalhães,1998), a colaboração e
reflexão envolvem a co-construção. O objetivo, então, foi investigar não só as
perguntas feitas pela coordenadora, mas também os questionamentos que foram
permitidos à professora fazer e como tais questionamentos foram encaminhados.

Diferentemente do item anterior, entender os tipos de perguntas usadas e sua


incidência aqui foi uma forma de compreender melhor como se organiza e se caracteriza
o trabalho de formação feito com a professora.

As categorias de análise criadas, também como um primeiro passo de


observação e interpretação dos dados, evidenciou um grande uso de perguntas pela
pesquisadora/coordenadora.

Com o estabelecimento das categorias, foi possível então observar os dados


provenientes das sessões reflexivas, procurando, a partir da soma das contribuições
teóricas, uma caracterização da mediação estabelecida entre pesquisadora/coordenadora
e a professora.

4. 2. 1. Sob a luz das teorias 2

Os recortes que serão apresentados foram escolhidos com a preocupação de


oferecer subsídios para uma discussão que possa evidenciar as características da

104
mediação entre coordenadora-professora, como já foi dito. Contudo, uma observação se
faz necessária para situar o leitor sobre um fato importante no processo da pesquisa.

Como foi dito na metodologia, ao realizar a 1ª sessão reflexiva em 16 de


dezembro de 2005 sobre a primeira aula gravada em 11 de novembro de 2005 tendo eu
e a professora assistido à filmagem, mas sem a transcrição, não havia me dado conta de
um fato que agora parece evidente, ou seja, o quanto se perde de oportunidades na
discussão.
Esse primeiro recorte da sessão reflexiva 1 foi selecionado, pois mostrou a
minha dificuldade inicial enquanto coordenadora/pesquisadora em utilizar a teoria da
reflexão crítica, através das perguntas feitas de maneira a alcançar meus objetivos.

Recorte 10 Sessão Reflexiva 1 (16/12/05)24


17 C Vocês estavam montando o quê?
18 P Nós estávamos montando a rotina.
19 C Por quê?
20 P Porque normalmente você escreve na lousa sempre da mesma maneira,
então eu queria fazer a rotina de uma maneira diferente, que tivesse um
significado, porque escrito na lousa... Se eu chegasse com as placas pra eles
verem, com essas palavras da rotina eles iam saber ler, tanto faz ser na lousa
ou você mostrar a palavra escrita ia ser a mesma coisa, então quando eu
coloquei palavras diferentes, então eles fizeram um... Um esforço um pouco
maior pra ler as palavras da rotina e as outras.
21 C Então, na verdade você usou uma atividade da rotina de todo dia, que é
montar a rotina, como uma estratégia pra se trabalhar a leitura.
22 P Sim, das palavras da rotina mesmo e outras também.
23 C E o que que é isso, qual o papel dessa atividade no desenvolvimento do
aluno?
24 P Importante. = Eu achei treinar a leitura mesmo.
25 C Mais a leitura num processo de desenvolvimento do aluno, da maneira como
a gente pensou no início do ano, na construção do nosso projeto pedagógico,
quando a gente pensou lá, o papel do aluno, do professor, das atividades em
sala de aula, qual a relação dessa atividade, no caso envolvendo a leitura,
para a visão de aluno que a gente tem. Qual a relação dessa atividade com os
nossos objetivos de escola que a gente pensou? Você consegue...
26 P = A minha intenção era criar um conflito neles, criar um conflito porque são
palavras que eles não estão acostumados, então, criar um conflito... O que
estiver escrito, fazer uma coisa diferente do que eles estavam acostumados.
Essa era minha intenção.
27 C Sua intenção eu entendi, é estar trabalhando sua leitura, mas o que a leitura
trabalhada desta forma tem a ver com a nossa visão de aluno, de
desenvolvimento? Por que trabalhar a leitura desta forma?

24
A letra C será usada para identificar as falas da coordenadora, enquanto a letra P será usada para as
falas da professora.

105
28 P Não sei por quê. =

Ao conversarmos sobre a aula 1 de 11/11/2005, a professora expressa suas


intenções. Os substantivos significado e conflito parecem refletir positivamente uma
ancoragem teórica alinhada com todo o estudo já realizado nos HTPC do ano de 2005,
bem como com a fundamentação do PPP da escola.
Ao se preocupar com o que é significativo para o aluno, a professora mostra
entendimento da importância de se considerar o contexto de vida da criança, o que é
apontado por Daniels (2003) quando resume as características da TSHC. O conflito
também é fundamental nessa teoria, pois pode gerar a contradição e, segundo
Schneuwly (1994), será na contradição gerada pela tensão entre o sistema
interior/exterior que efetivamente se trabalhará com a ZPD.
Contudo, ao utilizar a palavra treinar referindo-se à leitura, bem como ao
conduzir o trabalho como é observado nos recortes 1, 2 e 3 da Aula 1, há um evidente
conflito de paradigmas que se refletem na fala e na prática da professora.
Creio que está aí a fundamental importância do papel do coordenador
pedagógico. Não trazer receitas, mas refletir como avançar, como ser coerente, que
mudanças propor, como estabelecer a ZDP, como investir numa formação cidadã. Daí a
teoria da reflexão crítica ser pertinente.
No turno 17 eu fiz uma pergunta estimulando a ação de descrever, para tornar
mais clara a própria ação através do discurso sobre ela, como diz Liberali (2004). Para
tanto foi utilizada uma pergunta denominada nesta pesquisa de “pergunta de
esclarecimento”, importante, pois abre espaço para o respondente se colocar, tendo
assim um duplo efeito, já que esclarece a quem perguntou e a quem respondeu como foi
a situação vivida. Mackay (2001) classifica uma pergunta desse tipo como “aberta”,
pois estimula a outra pessoa a falar mais que monossílabos, dando mais informações. O
autor também classifica, dentro das perguntas abertas, esse tipo de pergunta como parte
de um questionamento ativo, já que está investigando algo, denominando-a como
“investigadora simples”.
A pergunta do turno 19 é classificada da mesma forma que a anterior por
Mackay (2001). No entanto, nesta pesquisa é chamada de “pergunta argumentativa
teórica”, já que está voltada à ação de informar, exige uma reflexão sobre princípios que
embasam a ação, os quais muitas vezes nem estão conscientes, como afirma Liberali
(2004).

106
As perguntas dos turnos 23, 25 e 27 também são todas consideradas por essa
pesquisa como perguntas “argumentativas teóricas”, por exigirem uma reflexão que de
alguma maneira se voltarão a princípios teóricos que embasaram a ação. Entretanto,
estão voltadas à ação de confrontar, pois, segundo Liberali (2004), questionam tais
princípios no contexto histórico em que estão inseridos, buscando inconsistências da
prática. Essas perguntas se aproximam do que Mackay (2001) chama de “perguntas
extensivas e precisas”, e ele assim as classifica porque são feitas sobre respostas
inconsistentes ou que apontam para tópicos que necessitam de mais esclarecimentos ou
explicações. De maneira mais genérica, podemos dizer que Méndez (2002) defende o
uso desse tipo de pergunta quando fala das questões que exigem reflexão e desafiam o
pensamento.
Apesar de organizar as perguntas feitas à professora procurando utilizar as ações
da reflexão crítica, no intuito de instigar a reflexão e aguçar seu olhar, parece que a
maneira como expus as questões encurralou a professora de tal modo, que ela acabou
desistindo de respondê-las.
Nos turnos 25 e 27 várias perguntas se seguiram no mesmo parágrafo, o que
parece ter dificultado a elaboração de respostas. Talvez seja interessante observar que
nessa primeira sessão reflexiva, foram feitas 21 perguntas pela coordenadora e apenas 5
pela professora, que, na verdade, não questionou efetivamente nada, pois foram
“perguntas para confirmar algo já dito” terminadas com “Né?” ou “Tá?” ou “perguntas
de acompanhamento” como as terminadas em “Entendeu?”. Parece que a professora
esteve em uma postura tímida, ou intimidada, tentando corresponder aos objetivos do
encontro com as respostas que pôde dar.
Mesmo assim, apesar da dificuldade das aprendizes do processo, parece que
alguma reflexão ocorreu, pois após essa primeira sessão reflexiva, pedi à professora que
fizesse um relato sobre o que sentira, dando suas impressões sobre o que fizemos. Um
trecho desse relato expressa as contribuições desse primeiro encontro:

Na sala de vídeo, o objetivo era montar a rotina na lousa de modo diferente ao


que eles já estavam habituados, estimular a leitura de palavras conhecidas e novas palavras,
distribuí faixas com palavras pertencentes à rotina, bem como palavras diversas que não fazem
parte da rotina. Pedi que cada um fosse lendo a palavra que havia ganhado, um de cada vez. O
que observei com a filmagem, foi que eles conversavam entre eles assuntos diversos, mas
também passavam os dedinhos nas faixas, e liam uns para os outros. Pude observar que quando

107
chamava alguém para ler para todos da classe, a minha posição bem como a do aluno, não
possibilitava a visão de todos, e que alguns se esforçavam para ler, alguns conseguiam e alguns
não devido à posição, o que foi ótimo, pois ficarei mais atenta nessas situações.
Em um determinado momento que todos falavam alto, achei que um grupo não estava
prestando atenção já há algum tempo, pareciam somente brincar com um caderno e durante a
aula pedi para o aluno guardar o caderno, pois naquele momento não era para pegar o
caderno, porém, com a filmagem observei que o que realmente estava acontecendo, é que
tentavam ler a capa do caderno, e estavam em conflito, pois cada um dizia uma palavra
diferente, com a filmagem percebi que perdi a oportunidade de ler para eles a palavra que
naquele momento tanto os interessava e que poderia ser interessante para todos, e a partir
dessa observação começo a pensar sobre a próxima atividade a partir da leitura e construção
dessa palavra contida na capa deste caderno.
Resumidamente, esse estudo e as filmagens possibilitaram uma observação maior do
meu trabalho e conseqüentemente levou a uma reflexão mais minuciosa, me proporcionou mais
segurança e entendimento, pois embora sempre esteja lendo sobre teorias e práticas de autores
diversos, a vivência e a prática sempre gera dúvidas e em alguns momentos insegurança e, ter
a possibilidade de detectar e analisar essa prática de modo mais completo viabiliza um
trabalho mais direcionado e novos pontos de partida.

Os próximos dois recortes são provenientes da sessão reflexiva 2 de 11/01/06.


Nessa sessão reflexiva nós tínhamos o objetivo de analisar e refletir sobre a aula 2 de
16/11/05. Para tanto, mais uma vez eu e a professora assistimos a gravação da aula com
antecedência e eu pedi que ela escolhesse um trecho que desejasse discutir. Ela
determinou a segunda atividade que havia feito naquela aula, com um bingo de letras.
Ainda nessa ocasião eu não havia feito a transcrição e trabalhamos somente sobre a
observação da filmagem.
Os motivos dessas escolhas são diversos e, por isso, serão esclarecidos após cada
fragmento.

Recorte 11 Sessão reflexiva 2 (11/01/06)


4 C E a construção das palavras. Você acha que a atividade, da maneira como
ela se desenvolveu, atingiu seu objetivo?
5 P Eu acredito que sim.
6 C E que evidências você pode observar nesse sentido?
7 P Eu percebi que eles estavam envolvidos na atividade por ser uma
brincadeira, então, o bingo, então eles estavam atentos e procurando as
letras, conforme eram sorteadas daquelas palavras que eles tinham em mãos.
Eles estavam envolvidos com a atividade.
108
Esse recorte foi escolhido porque a seqüência das perguntas feitas pareceu ter
levado a um progresso na reflexão da professora. A intenção era a de levar a professora
à ação do informar. Para tanto no turno 4 foi usada uma “pergunta de opinião” como
denominada nesta pesquisa. Tal questionamento pode parecer pouco produtivo, pois se
trata de uma pergunta que pode ser respondida com “sim” ou “não”, mas a pergunta do
turno 6 deu uma continuidade no questionamento, propondo, então, um desafio maior,
por ser uma “pergunta argumentativa teórica”, como já foi dito anteriormente.
Mackay (2001) fala dessa forma de proceder, iniciando com uma pergunta
fechada, ou seja, que gera como resposta “sim” ou “não”. As perguntas fechadas têm
apontando um aspecto positivo quando são usadas para evitar respostas evasivas e
encaminham a outras perguntas para explorar o raciocínio que está por trás. Mais uma
vez, segundo esse autor, a pergunta do turno 6 se aproxima do que ele chama de
“pergunta extensiva e precisa”, já que está propondo um desafio. O resultado foi que a
professora conseguiu expressar sua preocupação com o lúdico na atividade, com a
valorização do envolvimento e do que é significativo aos seus alunos ao trabalhar a
leitura dessa forma.
Essa verificação pode nos levar a ponderar o questionamento relativo a cada
ação da reflexão crítica, de maneira a executá-la levando-se em conta o conhecimento
sobre as perguntas, a respeito de sua seqüência e especificidades. Algumas perguntas
podem não estar ligadas diretamente a uma ação da reflexão crítica, mas podem
preparar o respondente para questões mais desafiadoras, evitando o intimidamento.
Mais uma vez, Mackay (2001) contribui, ao falar da importância do “como” dizer as
coisas e também da interpretação cuidadosa que deve ser feita das respostas, para depos
prosseguir, provavelmente com novas perguntas.

Recorte 12 Sessão reflexiva 2 (11/01/06)


10 C A ação da criança... Vamos pensar um pouco mais com detalhe. Qual era o
papel da criança na atividade? Ouvir a letra que você sorteava, identificar
essa letra que estava na palavra que você deu, e isso é uma construção da
palavra ou pode ser uma identificação visual da letra na palavra?
11 P Eu acredito que seja realmente uma construção da palavra.
12 C Vamos supor que a criança olha na sua mão uma forma, você fala o nome da
letra, e aí ela olha pra palavra e vê que a letra está ali, e põe a tampinha em
cima, será que realmente ela está construindo a palavra?

109
Este recorte foi selecionado, pois revela um aspecto negativo e outro positivo em
relação à mediação que eu buscava fazer enquanto coordenadora. Antes um
esclarecimento: o desafio do bingo de letras desenvolvido na aula 2 era que cada grupo,
por ter recebido uma palavra, deveria colocar uma tampinha sobre cada letra dessa
palavra que fosse sorteada pela professora. A isso ela chamou de “construção de
palavra”. Como eu não via a ação dessa forma, tentei fazê-la rever sua idéia. O
problema foi que fiz uma “pergunta argumentativa teórica”, negritada no turno 10, e não
permiti que ela respondesse. Eu mesma respondi e fiz outra pergunta do mesmo tipo,
querendo que ela trouxesse elementos teóricos para sustentar sua afirmação. Contudo,
ao se constituir em uma pergunta de alternativa, passa a ser “contraproducente” segundo
Mackey (2001), pois supõe que haja apenas duas respostas possíveis, já incorporadas na
pergunta. Há uma indução de resposta, sendo que o objetivo é a reflexão. Induzir o que
eu penso a alguém não garante que a pessoa irá rever seu pensamento; antes, é na
contradição, no conflito, que devemos focar. Talvez fosse necessário, em ocasião de
conflito como essa, investir em leituras sobre alfabetização no processo de formação da
professora.
No turno 12 parece ter ocorrido algo positivo, pois não deixei de demonstrar o
desejo de que a professora revisse sua colocação, mas ofereci mais elementos para ela
pensar. Em seguida, fiz uma pergunta que não tem base nas quatro ações da reflexão
crítica, especificamente, mas que oferece uma oportunidade de repensar ao interlocutor.
Chamo nesse trabalho de “pergunta para questionar respostas anteriores” e o objetivo é
mesmo pôr em xeque algo dito, dando espaço para o respondente reconsiderar. Meu
esforço teve o objetivo de lidar com o “erro”, ou a incompreensão da professora, de
maneira a fazer dessa incompreensão um ponto para reflexão, como fala Méndez (2002)
e Nuttall (1982).

A seguir, serão apresentados recortes da sessão reflexiva 3, realizada em


26/06/06. Diferentemente das sessões reflexivas anteriores, que ocorreram a partir da
observação de aulas gravadas, essa reunião foi feita para uma discussão sobre outra
sessão reflexiva, por isso foi chamada de “sessão reflexiva sobre sessão reflexiva”.
Essa necessidade surgiu porque a professora fez uma afirmação, na sessão
reflexiva de 29/05/06, que não pôde ser discutida (tal afirmação estará em negrito no
próximo recorte), devido a várias interrupções. Os registros ficaram prejudicados por
problemas técnicos e pensei, então, em retomá-los num outro encontro. A idéia foi

110
positiva, pois tivemos a oportunidade de discutir muito sobre teorias de ensino-
aprendizagem que estavam trazendo conflitos à professora.

Recorte 13 Sessão reflexiva 3 (26/06/06)


1 C ( ) Infelizmente a gente não gravou a nossa última conversa, foi muito
tumultuado, mas eu... Me chamou muito atenção essa sua frase que a gente
estava conversando sobre os objetivos que você teve naquela aula das
plaquinhas. E aí nas perguntas que eu ia te fazendo, que eu não consegui
registrar tudo... Numa delas você falou assim: Por mais que a gente queira
sair do tradicional, a memorização se faz pela repetição, justificando as
placas para estimular percepção das letras. E aí eu queria conversar com
você sobre isso porque essa idéia não é sua, ela está em você, mas ela não é
sua, essa idéia de repetição, de memorização e que isso é o caminho da
aprendizagem, isso é uma idéia que está num outro paradigma, que está na
história da educação por muitos e muitos e muitos anos. ( ) Então eu gostaria
que você verbalizasse um pouco de como você está vendo isso. Se você
consegue me dizer como que você acha que as pessoas aprendem ou se isso
ainda é confuso, as impressões que você tem no seu dia-a-dia para a gente
avançar na discussão.
2 P Realmente essa questão do tradicionalismo está muito interiorizada.
3 C Então foi o que você teve oportunidade.
4 P A vida toda. Então...
5 C De 18 anos de vida, né? (risadas)
6 P É, quase, né, um pouquinho mais remoto. Em alguns momentos você sai
dessa questão do tradicionalismo, você pensa assim, você trabalha desse
modo, mas aí vem a insegurança por que é novo pra você, então é como se
essa insegurança, aí você busca o que está mais, às vezes até sem perceber,
algo que está internalizado em você, aí você busca, bom, eu aprendi assim,
então a classe toda não acompanhou esse, dessa forma, então deixa eu tentar
voltar...

No turno 1 foi retomada a questão para situar a professora do propósito do


encontro e, depois, mesmo sem formalizar uma pergunta, lancei algumas frases
permeadas por questões (negritadas em itálico). A intenção já era de vivenciar a ação do
informar, ou seja, abrir espaço para a professora lançar mão de princípios teóricos que
embasam sua ação (Smyth 1992, Liberali 2004), o que foi feito com a questão: dizer
como que você acha que as pessoas aprendem , “argumentativa teórica” como referida
nesse trabalho. No entanto, as demais questões do período, chamadas aqui de
“perguntas de opinião”, parecem ter atenuado o desafio à professora. Pedir uma opinião
parece ser mais tranqüilo do que pedir uma explicação com fundamentação, que exige
explicitação de princípios, valores.

111
O que surpreendeu foi a forma como a professora se expressou a partir de então.
Talvez a descontração com a brincadeira do turno 5 tenha colaborado, ou talvez seja
necessário um aprofundamento sobre as razões envolvidas, mas o fato é que foi a
primeira vez que ela se colocou com tanta expressividade, o que ocorreu em todo o
encontro. Talvez tenhamos mesmo que nos atentar para o “clima”, entendido como uma
situação favorável aos participantes, o que poderá ser definido somente com o
conhecimento mútuo dos mesmos. O cuidado de ir observando as dificuldades do
processo podem ser pistas para uma revisão de posturas, sem abrir mão da opção teórica
utilizada. Neste caso, a reflexão crítica.
O segundo recorte da sessão reflexiva 2 mostrou que a verificação de conteúdo
pode ser proveitosa quando feita com critério. É preciso saber o que o outro sabe, para
podermos intervir. Parece que essa situação vai ao encontro do que Méndez (2002)
chama de “avaliação formativa”, pois ao mesmo tempo em que se está avaliando o
participante, está se criando oportunidade para ele tomar consciência do que
efetivamente já compreendeu e, no caso dessa pesquisa, de o coordenador saber o que
ainda é preciso desenvolver com o professor.

Recorte 14 Sessão reflexiva 3 (26/06/06)


7 C Mas como você acha, por todos os elementos que você tem até o momento,
como que você acha que uma criança aprende? Como que você acha que
ocorre a aprendizagem? Isso é claro pra você ou ainda... O que que você
sente em relação a isso?
8 P É algo que não está totalmente claro. =
9 C E o que que está claro até o momento?
10 P ( ) nesse momento eu não vejo que o tradicionalismo esteja presente porque
no tradicional você não trazia isso, você seguia, né, um determinado método,
só ali então você não valorizava o que ele trazia, você não buscava nem
sondar qual era o conhecimento que ele tinha, não tem, o seu objetivo era
dar conta daquele livro, daquela cartilha, daquele método, entendeu? Então
nesses momentos eu vejo assim, que aprendizagem é uma construção de
conhecimentos, é tudo o que eles conhecem, que você traz para dentro da
escola e eles têm o conhecimento dentro da escola e esse conhecimento vai
se refletir fora da escola também. Entendeu? Aí alguns momentos eu acho
assim, que você tem que pegar na mão do aluno pra ajudar a traçar a letra...
E não para conseguir, ele não sabe como traçar, então eu fico questionando
se isso não é um momento de tradicionalismo. Porque ele simplesmente, ele
não vai entrar na escola, na sala, ah, ta, esse é o A, esse é o I, esse é o 1 que
no comecinho eles nem sabem o que é 1, o que é A, eles confundem, então
se na hora eu pego... Porque ele quer aprender a traçar a letra, e se eu pego
na mão dele para ajudar ele a traçar, eu não estou usando o tradicionalismo?
Então, esse se mescla porque não está muito claro.

112
11 C Posso responder com uma outra pergunta? O que é o tradicionalismo pra
você? Como você entende uma educação tradicional?
12 P Eu entendo que tradicionalismo, como é o que eu aprendi, o método que eu
aprendi.
13 C Tenta colocar isso em palavras. De que forma era trabalhado no
tradicional?

As duas primeiras perguntas do turno 7 foram novamente “argumentativas


teóricas”, aliás, foi o tipo de pergunta mais usada por mim em todos os encontros, o que
revelou uma grande preocupação com a ação do informar. Já a terceira e última
pergunta do mesmo turno está pedindo um esclarecimento sobre a questão. No entanto,
parece ter sido extremamente positiva a percepção de que a dificuldade da professora
em responder as perguntas para a ação do informar apontou a necessidade de uma
intervenção.
Foi então que as “perguntas de verificação do conteúdo” (negritadas), como
denominadas nesta pesquisa, foram úteis no intuito de verificar o que a professora sabia
sobre o assunto. Méndez (2002) diz que se não forem feitas apenas como um exercício
de memória e repetição, as perguntas sobre conteúdos verdadeiramente importantes e
significativos irão colaborar em respostas desafiadoras.
Mais uma vez contribui Mackay (2001) quando fala da importância de ouvir as
respostas antes de prosseguir. Creio que, nesse recorte, foi a dificuldade de organização
do conteúdo adquirido pela professora que motivou novas perguntas, para ajudá-la a
organizar suas próprias informações e verificar as lacunas presentes. A reflexão crítica
pode assim, na prática de suas ações, mostrar caminhos aos seus usuários de como ir
conduzindo a formação do professor, pelas necessidades que vai apontando. É
necessário estar atento, para não se desprezarem oportunidades.

Agora apresento o que considerei um marco no processo da pesquisa, ou seja, os


momentos em que a professora participou da discussão dos resultados da análise, o que
eu convencionei chamar de “análise em colaboração”, pois tais momentos revelaram
uma outra forma de utilização teórico-prática da metodologia, trazendo avanços que
serão mostrados a tempo.

Antes, porém, será necessário um amplo esclarecimento de como surgiu tal


idéia:

113
Ao concluir as discussões sobre os recortes 1, 2 e 3 da aula 1 de 11/11/05 e sobre
o recorte 10 da sessão reflexiva 1 de 16/12/05, tais discussões foram observadas pela
orientadora e depois pelo grupo de colegas do seminário de orientação (em 26/02/07) e
este fato mudou os rumos desta pesquisa. Nos múltiplos olhares que observaram meu
trabalho, houve um questionamento fundamental: eu, enquanto pesquisadora, estaria
sendo coerente com minha base teórica de atuação? Estaria sendo mediadora enquanto
pesquisadora? Estaria utilizando minhas teorias de fundamentação de maneira crítica?
Estaria considerando a ZDR e estabelecendo a ZPD com a professora?
As observações surgiram pela maneira como conduzi aquela primeira sessão
reflexiva. Meu questionamento, que procurou se estruturar em questões relativas às
quatro ações da reflexão crítica (descrever, informar, confrontar e reconstruir), parece
ter encurralado a professora, como já foi exposto anteriormente. Parece que ela tenta se
defender o tempo todo, até um momento que usa o “Não sei por quê” para encerrar o
constrangimento. Percebemos juntos (eu e o grupo do seminário de pesquisa) que a
pergunta pode suscitar um sentimento negativo em relação à auto-estima da pessoa
questionada, prejudicando meus objetivos.
A partir dessas reflexões em grupo, resolvi mudar minha atuação que já estava
planejada, pois já havia combinado com a professora que, após expor os dados e a
discussão proveniente deles ao grupo com o qual estudava, eu os levaria a ela, para que
tomasse contato com eles. Decidi, então, com um consenso positivo do grupo, que não
lhe apresentaria minha discussão e, sim, somente os dados, para que ela pudesse revê-
los e então conversarmos sobre eles. E, num segundo momento, lhe exporia o que eu
havia feito, para vermos as convergências e divergências de nossas opiniões. Na
verdade iríamos conversar, fazendo uma nova discussão, na qual eu não dirigiria mais o
diálogo com perguntas para explorar as ações da reflexão crítica somente, mas
procuraria co-construir as reflexões com maior participação da professora.
Isto me fez lembrar Freire & Faundez (1985) que “conversaram” um livro. Sem
pretensões de equiparar esta construção ao trabalho dos mestres citados, a idéia da
conversa passou a compor a metodologia de trabalho nesse momento. Na obra citada
Freire faz a seguinte afirmação:

Há quem pense ingenuamente que o rigor na análise só existe quando alguém


se fecha em quatro paredes, por trás de uma porta bem segura... eu acho que aqui,
fechados mas ao mesmo tempo abertos ao mundo, inclusive ao da natureza que

114
circunda o teu escritório, podemos fazer e estamos fazendo algo sério e rigoroso. O
estilo é que é diferente, enquanto oral. É mais leve, mais afetivo, mais livre. (p. 11)

Como poderia, sem abrir mão de perguntar para realizar as ações do informar e
confrontar, fazer das perguntas minhas aliadas e não causar situações constrangedoras
como pareço ter feito?
Resolvi tratar dessas minhas dúvidas com a própria professora e com ela foi
possível encontrar respostas, que ainda serão apresentadas mais adiante. Mesmo que
não sejam definitivas, representaram uma construção mais democrática, um momento
único, envolvendo nossa mútua e dialética formação.

Sendo assim, apresento a seguir as análises em colaboração feitas nas sessões


reflexivas e os avanços que elas proporcionaram em relação às discussões que fiz
sozinha. Nesse exercício identifiquei dois tipos de avanço em relação ao trabalho
anterior. O primeiro relativo às contribuições da soma de nossos olhares, que
evidenciou mais do que pude observar sozinha. Já o segundo, foi um avanço do
processo de questionamento, feito para utilizar a reflexão crítica.
O diálogo passou a refletir um questionamento menos incisivo, ou talvez mais
cuidadoso no trato com a professora, buscando evitar os sentimentos de pressão ou
tensão demonstrados por ela.
Fizemos, assim, uma sessão reflexiva extensa, que abordou três assuntos:
- Novamente a aula 1 de 11/11/05 (só que agora de outra forma);
- A sessão reflexiva 1 de 16/12/05 (que se referia a aula 1) e
- A aula 3 (que não havia sido discutida em nenhuma sessão reflexiva ainda).
A diversidade de assuntos trazidos para discussão nessa ocasião justifica-se pela
dificuldade que havia em marcarmos um encontro. Apesar disso, a reunião ocorreu
tranqüilamente.
Serão agora apresentados recortes de cada assunto tratado, com o objetivo de
visualizarmos exemplos dos avanços dessa forma diferente de conduzir a reunião. Para
facilitar a compreensão do leitor, o assunto será identificado na apresentação de cada
recorte. Dessa forma, teremos:
• Recortes 15, 16, 17, 18 e 19, discussão sobre a aula 1;
• Recorte 20, discussão sobre a sessão reflexiva 1;
• Recortes 21 e 22, discussão sobre a aula 3.

115
Recorte 15 Sessão Reflexiva 4 – 08/03/07 (discussão sobre a aula 1)
5 C Daí você pode falar um pouquinho qual era sua intenção, se você acredita
que foi a melhor forma de montar a data, se hoje você faria algo
diferente...
6 P Nessa fase eles não têm muita noção de tempo...
7 C Eles confundem futuro com passado.
8 P Isso. Daí os meses, eu acho que tem que ser escrito mesmo, todo dia acho
que tem que ser feito essa questão da rotina pra eles irem se familiarizando...
Fazendo a escrita e lendo, eu acredito que isto contribua.
9 C O fato é que... Você perguntou várias vezes e eles deram respostas coerentes,
eles falaram nomes de meses, só que não o que era certo. O fato de eles
terem participado e dado várias respostas, mas não a correta, é... Teria algo
assim que você pudesse fazer além de ficar dando a oportunidade de pensar
nisso todo dia, pra que eles pudessem organizar? Porque eles já estavam
em novembro e é... Aqui mostra que eles tiveram muitas oportunidade de
verem nomes de meses, eles não falaram qualquer coisa, mas assim pra
ajudá-los a organizar esse conhecimento, tem algo que a gente pudesse
fazer?
10 P Não sei, agora me ocorreu algo fixo, tipo um calendário fixo, os meses...
Todos os meses na medida que fosse findando um mês a gente utilizasse um
símbolo pra dizer: “Esse mês acabou e ai começou esse”. E aí eles fariam,
talvez uma identificação melhor. Não sei. Eu não fiz isso, me ocorreu agora.

Nos turnos 6 e 8, depois de ser questionada, a professora conseguiu identificar a


dificuldade dos alunos e propor, a princípio, a mesma solução que eu havia feito
sozinha, uma sistematização, contudo ela chegou a esta sugestão (reconstrução) por ela
mesma, pela reflexão que fez. Em seguida, depois das questões do turno 9, ela
conseguiu sugerir um trabalho que, além da sistematização, envolveu um estímulo no
trato com os símbolos, já que os símbolos da escrita ainda não são acessíveis, pensou
em símbolos menos arbitrários, algo que pudesse ajudar a criança a avançar na
identificação dos meses.
Os trechos negritados demonstraram minha preocupação em diluir as questões de
maneira a colaborar para o processo reflexivo da professora, evitando constrangimento
e, diferente do que ocorreu na sessão reflexiva 1 feita sobre essa aula, não houve
bloqueio no processo da reflexão e, sim, estímulo.
No turno 5 foram mescladas respectivamente uma “pergunta de esclarecimento”,
outra de “opinião” e depois uma “pergunta de argumentação criativa”, pois abre espaço
para pensar em alternativas, ou seja, para pensar na ação de reconstruir. Parece que ao
reunir tais perguntas criou-se um espaço para a professora refletir. O interessante é que,
segundo Mackay (2001), as duas últimas perguntas do turno 5 são consideradas

116
fechadas, pois admitem como resposta o “sim” ou “não”, mas tiveram outro efeito ao
serem combinadas.
Na sessão reflexiva 1, as perguntas agrupadas pareciam representar um obstáculo à
professora, o que é criticado por Méndez (2002), mas parece que nem sempre que
agrupamos perguntas estamos dificultando.
No turno 9, as questões foram também “argumentativas criativas”, como
denominadas por essa pesquisa, mas já do tipo “abertas” e “investigadoras” como
chama Mackay (2001), instigando o respondente a pensar e falar. Coracini (2002) fala
de um tipo de pergunta chamada “incitativa”, que se assemelha a essas só no tocante ao
estímulo para fazer o outro falar. No entanto, no contexto em que classifica esse tipo de
pergunta, a autora diz que a resposta é alcançada pela consulta a um texto, o que não
ocorre aqui, pois a professora irá sugerir uma ação a partir de princípios teóricos.
Talvez o uso das palavras “a gente” no turno 9 possa ser um fator de identificação
do pesquisador/professor, um estreitador de laços, uma forma mais amistosa de exercer
o questionamento e que possa ser levada em conta.

Recorte 16 Sessão Reflexiva 4 – 08/03/07 (discussão sobre a aula 1)


31 C O que você percebe aí?
32 P É, eu usei uma palavra na rotina que para eles não tinha significado nenhum,
e, pior que isso, né, eu insisti, porque eu deveria ter feito na hora uma outra
plaquinha, sei lá, mudar, entendeu, eu quis colocar o filme como parte da
rotina que na verdade eles entendem o filme como vídeo. Então eu trabalhei
a palavra errada, insisti nisso...
33 C Mas a palavra é errada? //
34 P Não.
35 C Não //.
36 P Então, mas não tem significado pra eles.
37 C Então, mas como poderia passar a ter? Porque você usou uma palavra
correta.
38 P Talvez nessa hora eu deveria ter falado: “Filme é a mesma coisa que vídeo
que vocês estão acostumados” Alguma coisa assim. Mas eu queria o quê? Tá
trabalhando com palavras que eram da rotina que eles conheciam e ainda
insisti: “Filme” e eles: “Não, vídeo” “Não, filme”. (risadas)
39 C É, mas caberia aí alguma fala desse tipo, de comparar, porque eles entendem
o que você quis dizer, só que isso não é do campo lingüístico deles. Até
porque parece já uma convenção, ninguém vai à locadora pegar um filme.
40 P É do meu tempo filme, né?
41 C A gente vai pegar vídeo, não é?
42 P É que filme é...
43 C Não, mas você tem razão em ampliar o vocabulário da criança, é super
positivo. Só que aí o que que aconteceu?
44 P Não teve significado pra eles e eu deveria ter, talvez, na hora... Filme, vídeo.

117
Eu até poderia ter deixado o filme, mas ter acrescentado o vídeo. Eu tava
falando de alguma coisa que eles faziam naquela sala com uma palavra que
não era do conhecimento deles, do cotidiano deles, da vida deles. E eu insisti,
e eu poderia, como você falou, tudo bem, vamos acrescentar uma palavra a
mais, né, no vocabulário, eu tava trabalhando o quê? Palavras que dissessem
respeito a rotina e o filme não era. Na hora eu não consegui captar, eu não
percebi, tanto que foi até o final. =

A questão do turno 31 aparentemente poderia ser classificada como “pergunta de


esclarecimento”, mas se podemos classificar as perguntas de acordo com as respostas,
ela passou a ser uma pergunta “argumentativa teórica”, pois trouxe elementos a serem
considerados no embasamento de nossas ações, como a preocupação com o que é
significativo para o aluno. Por não estar caracterizada a princípio com nenhuma ação da
reflexão crítica, a pergunta assim abriu espaço para a professora trazer aquilo que a
surpreendeu de alguma forma, ou o que ela pensava ser importante na discussão.
Talvez nesse momento foi possível fazer o que Smyth (1992) fala a respeito de
enfocar as manifestações que causam perplexidade, confusão ou frustração na prática
do professor, o que só pode ser identificado através dele. Antes eu, enquanto
coordenadora, identificava o que eu achava ser importante discutir, a partir do meu
olhar. Não que isso não possa ser feito, mas parece que se perde a oportunidade de
investir em questões da prática em que o professor está mais envolvido. Creio que
tivemos, assim, um avanço no processo de se fazer a sessão reflexiva através da análise
em colaboração.
A questão do turno 33 chamada nesta pesquisa de “pergunta para questionar
respostas anteriores” parece ter ajudado a professora a esclarecer que não se tratava de
um erro no uso da palavra e, sim, no trato com a questão do vocabulário. Isso abriu
espaço para uma “pergunta argumentativa criativa”, incentivando a professora a pensar
em alternativas.
No turno 43, ao falar sobre a questão de ser positivo ampliar o vocabulário e em
seguida fazer uma “pergunta de esclarecimento”, que poderia estimular a ação de
descrever, acabou ocorrendo uma reflexão relacionada às ações de informar e
reconstruir pela professora, no turno 44. Isso foi inesperado para o momento e mostrou
o quanto devemos estar atentos às respostas. Parece ser no bojo do diálogo que as
perguntas, algumas vezes independentemente de suas classificações, assumem uma
função. “O que se diz”, na soma com o “como se diz” (como já apontado por Mackay

118
2001) e considerando-se o raciocínio implícito na situação, é que o valor das perguntas
é estabelecido.

O recorte a seguir não traz nenhuma pergunta feita à professora, mas foi muito
significativo na mediação que pude fazer com ela sobre sua práxis, pois parece
demonstrar internalizações das minhas falas, a partir de discussões anteriores, feitas
através das perguntas. Ela consegue verbalizar sobre a importância da utilização da base
teórica na prática pedagógica.

Recorte 17 Sessão Reflexiva 4 – 08/03/07 (discussão sobre a aula 1)


75 C Então, mas eu creio que as surpresas que as crianças vão trazer de
questionamento e de dúvida não tem como você prever, você vai ter que usar
essa consciência disso na hora, como você chega... Eu creio que você prepara
uma aula, mas você não tem consciência de tudo o que vai vir, tudo o que
eles vão trazer, então a tua sensibilidade no ouvir e no pensar no que eles
estão falando aí ser fundamental e sentir qual é a questão ali. É esse o meu
objetivo com você, te dar cada vez mais elementos pra você perceber a coisa
no momento e agir da melhor forma possível.
76 P Como se houvessem as hipóteses, né? Como você pode estar intervindo,
você não vai ter a coisa pronta, mas você tá conscientemente entendendo
o que tá acontecendo ali, porque você tem um objetivo antes, concreto né,
aí você, analisando o que aconteceu, esse objetivo vai ampliar dentro... Não
vai acontecer a mesma aula da mesma maneira, com os mesmos alunos, mas
quando você perceber aquele tipo de conflito você já vai saber como
intervir, vai facilitar o entendimento.
77 C E porque o que a gente tá trabalhando aqui são princípios teóricos que estão
por trás. Qual é o princípio teórico daqui? Eu preciso avançar do que ele sabe
para o que ele não sabe e que só vai saber com a ajuda de alguém.
78 P Com a intervenção.
79 C Esse princípio vai estar em toda atividade que você der. Se você der algo que
ele domina, que a atividade não traga nenhum conflito, não vai avançar pra
lugar nenhum.
80 P É, todos vão responder.

No turno 76 a professora procura organizar em sua fala o conhecimento que


construiu sobre seu papel e o papel das atividades de classe condizentes com a teoria
que utilizamos. Os trechos negritados exemplificam isto. Faz, então, no turno 78 um
fechamento do seu raciocínio sobre seu papel enquanto mediadora. A intervenção é
fundamental, como já foi dito em outros momentos, para a escola efetivar a instrução.
Como afirma Magalhães (1996: 4):

119
A instrução efetiva, isto é, a que resulta em aprendizagem, pressupõe que o
professor tenha avaliado os dois níveis de desenvolvimento de seus alunos, isto é, as
atividades em que agem independentemente e as em que necessita da participação do
outro para agir e que é onde deve situar a instrução.

O próximo recorte foi escolhido por tratar mais especificamente de uma das
ações da reflexão crítica, o confrontar, necessária na formação do professor, para que
não se percam os objetivos da formação global do aluno.

Recorte 18 Sessão Reflexiva 4 – 08/03/07 (discussão sobre a aula 1)


81 C ( ) O que é tudo isso, né? Dessa aula só, em particular... Os objetivos dessa
aula que a gente conversou aqui, você acha que isso de alguma maneira
contribui pra vida do aluno fora da escola?
82 P É... Eu acredito que sim, porque ao estimular a leitura você tá dizendo: Você
é capaz de ler. Coisas que têm, quer dizer, têm um significado pra ele, a
leitura. Então da mesma maneira que ele conseguiu lá associar o E na
escovação, na casa dele ele vai querer ler as coisas que têm interesse pra
ele... Talvez ele vai parar e vai refletir, então tem um significado. Como isso
acontece de uma maneira descontraída, então ele vai sentir prazer, ele vai
sentir que é importante a leitura pra ele, porque falar ele já sabe, mas ele tem
que saber que a leitura é importante também, ele saber ler, então quer dizer
ele vai associar isso também lá na casa dele, na rua , tentando identificar:
Essa letra é o N do meu nome. Né? Então quer dizer, eu acho que vai tá
sempre, sempre sendo significativo também fora da escola, até mais, né?
Você passa mais tempo fora da escola do que dentro da escola.
83 C Então você tá dizendo que é importante na vida social dele de tá entendendo
esse mundo, compreendendo as coisas... Mas tem um outro aspecto que eu
acho que foi fundamental aí na sua aula, que é a ajuda mútua. Todos, o
tempo todo, estavam ajudando todos a lerem. Essa ação de ajuda, fora da
escola eu creio que faz parte da formação da criança como cidadã, se sentir
parte de um grupo. É? Você tá estimulando para que ela não viva isolada,
não seja individualista, porque eles estão resolvendo coisas juntos. Né? O
tempo todo você pede ajuda e um ajuda o outro. Você põe a idéia de um, mas
os outros têm que aprovar ou não. Esse exercício na teoria sócio-histórico-
cultural é fundamental, pensar sempre em atividades que possam servir para
eles fora da escola, porque se não a escola vira um lugar fora do mundo
deles. Então é algo que que não é seu objetivo primeiro, porque seu objetivo
primeiro era organizar a rotina e fazer o exercício de leitura, mas a maneira
como você fez traz o conhecimento pra se usar fora da escola. Seja lá o que
eles vão fazer na vida, perguntar pro outro, contar com a ajuda do outro. Esse
exercício... Ajudar o outro acho que tem que marcar como positivo.

No turno 81, mais uma vez iniciei com uma pergunta pedindo um
esclarecimento, depois fiz uma explicação e outra pergunta, agora “argumentativa

120
teórica”. Mesmo sendo a segunda uma pergunta fechada, pois a professora poderia
responder apenas “sim”, o que se verificou foi um estímulo a uma ampla colocação e
defesa de opinião.
Salvo as devidas diferenças de contexto de pesquisa, Coracini (2002) parece
fazer uma crítica a esse tipo de pergunta que ela chama de “pergunta seguida de uma
explicação e da mesma pergunta reformulada”, pois no seu contexto o professor
mantém o turno principal (o estímulo), enquanto os alunos assumem o turno secundário
(a resposta ou reação). Não há como aprofundar essa questão aqui, mas parece
inevitável o coordenador assumir o turno principal quando pretende que todas as ações
da reflexão crítica sejam discutidas. De qualquer forma, fica uma reflexão a ser feita em
outras oportunidades.

Avançamos, com o recorte apresentado, na percepção da leitura como uma


prática social, essencial para o pleno exercício da cidadania e no destaque às
características de como a professora conduz o exercício de leitura, incentivando práticas
de ajuda mútua. Como uma contribuição no processo de formação cidadã, essas
observações marcam e reiteram a preocupação em se pensar nesta faceta do papel da
escola.

Finalmente, uma última discussão sobre a aula 1, pois o próximo recorte revelou
o reflexo das experiências do campo histórico da vida da professora, em sua prática.

Recorte 19 Sessão Reflexiva 4 – 08/03/07 (discussão sobre a aula 1)


84 P ( ) quando eu estava aprendendo eu não tinha esta oportunidade de
participar. Nós sentávamos e ouvíamos em silêncio. Então, quando se
chamava na frente, na lousa, era um castigo.
85 C Uma situação constrangedora.
86 P Constrangedora. Aquela coisa: eu não vou, porque eu tenho medo, porque
a professora vai brigar. Você não podia falar nunca, então você era
chamado porque você tinha feito alguma coisa errada e você ia falar e a
classe toda ia rir de você. Então...
87 C Então você aí eu acho que você tá trabalhando a auto-estima.
88 P Porque é uma dificuldade que eu sempre vivi, de me colocar, por causa
de todo esse método que eu sempre vivi a vida toda. Então é o que eu não
quero para eles. Então até hoje, quando eu chamo na lousa e eles não
sabem, aí eu falo: “Olha ele não sabe, vamos ajudar?”. Quer dizer, então pra
que eles não riam dos amigos, não se sintam inferiorizados, criticados: “Olha
quando eu tenho que me expor é uma coisa assim que eu tenho que ter
medo”. Né? “Eu vou me expor porque, entendeu, eu não tenho medo, se eu

121
não souber alguém vai me dar uma mão, vai me ajudar”. E então a
participação realmente de todos, um ajudando sempre o outro e sem essa
critica. Então por isso que eles vão, eles contam história, eles vêm à lousa,
eles brigam pra vir à lousa, não pra deixar de falar. No meu tempo quando a
professora apontava ,você já se escondia, você queria sumir ali, então é algo
assim que, realmente não foi meu foco, mas eu acho que por conta da
situação que eu vivi eu não quero pra eles e é algo que eu venho
trabalhando ... Em todas as situações...

Na ocasião da primeira aula filmada para esta pesquisa, a professora estava


iniciando sua carreira no magistério, com apropriação parcial do quadro da teoria de
base que a instituição onde ela trabalhava construiu coletivamente. Foram observadas
práticas contraditórias, mas como explicar tantas ações que mesmo inconscientes
acabavam sendo coerentes? Vejo aqui várias razões:
1. A professora ter participado da construção coletiva do PPP;
2. A participação nos HTPC daquele ano, no qual fizemos oficinas de reflexão
crítica e discussões de aprofundamento teórico;
3. Sua história.
É esse último item que focalizo agora, pois nos trechos negritados dos turnos 84,
86 e 88 ficou muito evidente as influências da sua vida escolar na justificativa das ações
da professora. Em primeiro plano não esteve uma busca de aplicação teórico-prática,
mas sim uma certeza de querer algo diferente do que vivenciou de negativo. Este
comportamento da professora não é exclusivo dela, como afirma Cunha (2005: 34-35)
“... o estudo sobre o Bom Professor (Cunha, 1989: 160) deu outras indicações relevantes
para a reflexão. Uma delas foi a compreensão de que:
É de sua história enquanto aluno que os professores reconhecem ter maior
influência [...] Em muitos casos esta influência se manifesta na tentativa de repetir
atitudes consideradas positivas e, em outras, há um esforços de fazer exatamente o
contrário do que faziam ex-professores, considerados negativamente.
Este dado parece fundamental para quem se envolve com a educação de
professores...”.

Diante dessa constatação, cabe ao trabalho do coordenador pedagógico,


considerar tais influências quando do exercício da sessão reflexiva. Talvez, a exploração
da biografia do professor em sua vida escolar possa revelar um ponto de partida para
explorar valores e crenças que se solidificaram no caminho. Dessa forma, estamos
atuando com a ação do informar para ajudar o professor a reorganizar seus

122
conhecimentos rumo à práxis, já que muitos desses valores podem ser compatíveis com
os objetivos teóricos, como pudemos observar no último recorte.

O próximo recorte se refere ao segundo assunto tratado na sessão reflexiva 4,


como anunciado.

Recorte 20 Sessão Reflexiva 4 – 08/03/07 (discussão sobre sessão reflexiva 1)


131 C ( ) Naquele momento, não sei se dá pra lembrar ou só assim... Se acha que
essa maneira de eu te questionar... Te coloquei em maus lençóis?
132 P Na verdade, da maneira como foi colocado, principalmente naquela época
eu não consegui assimilar qual era a sua intenção, qual era sua pergunta
realmente, né, até porque esse foi meu primeiro ano trabalhando na
educação infantil.
133 C E foi nosso primeiro momento, né?
134 P Então sua pergunta tava tipo uma pergunta de vestibular, de prova que
é desse tamanho [ ] (demonstra com as mãos) e quando você termina a
pergunta aí você fala: Como é que é mesmo?
135 C (Risadas) Aí nem lembra mais...
136 P Aí você volta, então quer dizer, pra aquele momento realmente... Tanto
que...
137 C Mas se eu tivesse atuado com você hoje da mesma forma. Não, peraí. Hoje,
você acha que eu consegui atuar de uma outra forma. Eu estou me
esforçando para não ficar presa nos questionamentos de uma maneira
muito metódica das ações da reflexão crítica. Você acha que eu consegui
isso hoje?
138 P Sim.
139 C Você está se sentindo mais à vontade hoje?
140 P Sim, porque aqui, dessa maneira que foram feitas essas perguntas e na
época, né, é colocado de uma maneira, como se eu tivesse culpa,
entendeu? “Ah, você fez isso e não era bem isso”. Eu senti realmente esse
peso, mas não sabia te passar isso na época, né. Hoje, da maneira que a
gente tá fazendo essas nossas conversas, eu me sinto mais à vontade,
entendeu? Até quando eu vejo que minha ação não foi muito boa, quando
foi negativa eu consigo colocar isso pra você, de uma maneira mais solta,
entendeu? E quando você me faz alguma pergunta, eu também compreendo
mais.
Dessa maneira que foi feito, naquele momento que eu nem tinha tanta
experiência assim, não que eu tenha muita hoje, mas naquele momento
realmente eu lembro que foi... Eu me senti assim [ ] (faz gesto querendo
demonstrar sufocamento).

Creio que é visível o avanço que tivemos nessa análise em colaboração. Em


relação ao que observei individualmente por ocasião da primeira sessão reflexiva.
O problema não estava em fazer perguntas para utilizar as ações da reflexão
crítica, mas a maneira como formulei as perguntas realmente dificultou a reflexão da

123
professora, não cumprindo meu objetivo, como explica a professora nos turnos 132, 134
e 140 nos trechos negritados.
O impacto no lado emocional da professora trouxe conseqüências negativas ao
andamento da atividade, pois a intimidou, mexeu negativamente com sua auto-estima, o
que observamos nas verbalizações em negrito no turno 140, principalmente na
utilização da palavra culpa e no gesto de sufocamento;
Considerando os recortes que foram apresentados sobre a “análise em
colaboração”, não deixei de formular perguntas, mas, repensando no jogo de poder que
está em questão na ação da formação (papéis envolvidos), houve progresso. A
professora se sentiu à vontade para se expressar mais tranqüilamente, como foi expresso
no turno 140, na frase em itálico.
A “análise em colaboração” parece ter sido um verdadeiro instrumento-e-
resultado, como esclarece Newman & Holzman (1993), pois ao mesmo tempo que nos
deu oportunidade de reflexão, essa atividade nos permitiu uma auto-análise num
movimento dialético de reconstrução.

A seguir, foram escolhidos dois recortes da sessão reflexiva 4 a respeito da aula


3, porque neles abordamos o reconstruir sobre os momentos que foram discutíveis na
ação da professora, pois aí se efetivaram os avanços de nossa análise em colaboração.
O recorte a seguir mostra a maneira como a professora deu voz a um aluno que
queria responder à questão “O que é ecologia?”. Contudo, depois desconsiderou sua
resposta.

Recorte 21 Sessão Reflexiva 4 – 08/03/07 (discussão sobre a aula 3)


172 P Porque às vezes, assim, você deu o espaço, ele dá uma resposta e se você
disser se tá certo ou errado você vai tá fechando ali.
173 C Como você pode fazer para não fechar, não dar a resposta, mas... Valorizar?
174 P Eu acredito que naquele momento eu poderia ter dito: “Já já nós
conversamos sobre isto, o que você falou, sobre a manteiga, tal...” E
continuaria a construção do que eles estivessem falando e no final:
“Manteiga, o que que vocês acham?”... Então, no final, então depois que eu
terminei eu deveria ter falado: “Olha, lembra daquilo que o Gustavo falou,
manteiga, o que você acha Gustavo, agora?”

Depois de ler a transcrição da aula, a professora identifica que fez uma pergunta
e não considerou a resposta de um aluno, mas a princípio justifica sua ação no turno

124
172. É através da “pergunta argumentativa criativa”, do turno 173, que há o estímulo e o
espaço para a professora rever e sugerir novas formas.
Ficou claro no turno 174, principalmente ao observarmos os verbos usados no
futuro do pretérito, que estão negritados, que nas sugestões dadas pela professora houve
uma percepção da importância de se valorizar um momento em que se dá voz ao aluno.
Ela realmente sentiu que houve perdas e assim avançou no olhar de que se deve ter
cuidado com essa estratégia. Ter práticas de se dar voz ao aluno requer um
planejamento de como essas vozes serão valorizadas, reencaminhadas ou revozeadas,
para serem realmente significativas no desenvolvimento da atividade.
Esse último recorte parece ter tido importância ao fazer a professora pensar
sobre como lidar com a atenção das crianças.

Recorte 22 Sessão Reflexiva 4 – 08/03/07 (discussão sobre a aula 3)


193 C ( ) a Bruna tá completamente alheia a tudo isto, você aí, é... Fez a pergunta
pra ela, você perguntou “O que é ecologia?” e você viu que ela estava... [ ]
(fiz um gesto querendo dizer que a Bruna não estava prestando atenção).
Nesse momento, o que você pensou?
194 P Trazer ela mesmo pra conversa, pra roda mesmo da conversa, porque ela
tava aqui oh, falando com a Geovana, quer dizer, elas estavam falando outra
coisa. Elas estavam fora.
()
205 C E aí eu queria que você pensasse se essa seria a melhor forma de agir nesse
tipo de situação.
206 P Não, é negativo, bem negativo.

Nossa discussão aqui esteve em torno de usar a estratégia de dar a voz ao aluno
para causar-lhe uma situação constrangedora, na tentativa de fazê-lo ficar quieto ou
participar.
Primeiro fiz uma “pergunta de esclarecimento” para que ela fizesse um discurso
sobre sua prática, necessário à ação de descrever, que, segundo Liberali (2004) torna
mais clara a ação para o próprio praticante. Depois, no turno 205, lancei um
questionamento do tipo “argumentativo teórico”, pois a resposta iria considerar os
valores presentes na ação. Talvez não devesse ter feito uma pergunta fechada nesse
momento, pois limitou a resposta da professora, como se observa no turno 206.
O grande avanço foi a professora perceber a contradição de sua ação, pois o
constrangimento não é nem educativo, nem incentivador. Ela reconhece, mas não

125
consegue chegar ao reconstruir, admitindo a dificuldade de se trabalhar com muitos
alunos e conseguir um comportamento adequado nos momentos de conversa.
Então, procurando colaborar, fiz uma troca de experiência sugerindo falas que
pudessem cativar a criança à participação, como: “Bruna, eu queria tanto que você
ajudasse, participasse, é importante que você fale aqui com a pro”, “Eu posso contar
com sua atenção um pouquinho?”. Seria apropriado, nesse momento, se pudéssemos
estudar ou pesquisar dinâmicas que facilitassem a participação de crianças nessa idade,
mas não houve condições para isso.

Nesse segundo momento, a partir do que foi discutido, é possível identificar as


seguintes características da mediação nas ações da coordenadora:
• Interação entre coordenadora e professora feita majoritariamente por
questionamento da coordenadora que privilegiavam as ações da reflexão crítica;
• Presença de alguns questionamentos contraproducentes, segundo Mackay
(2001), pois limitam a participação do outro e prejudicam o alcance do objetivo;
• Preocupação em oferecer espaços de participação à professora;
• Momentos de intimidação à professora;
• Revisão de posturas;
• Valorização das falas da professora;
• Espaço para questionamentos da professora;
• Valorização do conhecimento da professora;
• Conflitos sobre como tornar a colaboração mais presente no trabalho com a
professora;
• Conflitos sobre formas mais apropriadas de se dirigir à professora.

A partir dessas características, podemos dizer que a mediação na relação


coordenadora-professora também foi marcada por conflitos, contudo, pela proposta de
fazer parte de um trabalho colaborativo e pautado na reflexão crítica, tais características
foram sendo revistas no processo, em busca de coerência com as bases teóricas da
pesquisa. As mudanças refletiram-se nas ações da professora, que passou de uma
situação de intimidação e pressão do início a outra de maior participação e reflexão
sobre a própria prática. Sendo assim, na maior parte das vezes, a mediação pôde ser
considerada de base vygotskyana.

126
Contribuições e considerações finais

Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há
linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se
faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até os confins do mundo.
Salmo 19: 2-4

Busquei neste salmo a inspiração para encerrar este trabalho, pois a poesia que
contém tal cântico revela-me o quanto de palavras há no silêncio dos dias, e trazendo a
idéia a esta pesquisa, o quanto de palavras existe no tempo, nas experiências, nos
momentos, mesmo que não seja dita nenhuma palavra. O campo semiótico nos limita
muito quando queremos traduzir todo sentimento, toda aprendizagem diante do mundo
e das experiências reais. Mas não temos escapatória. Será na linguagem, com ou sem
palavras, que acessamos todo o mundo, material e não material.

Poesia à parte, segundo Liberali, Magalhães e Lessa (2006: 20), a Lingüística


Aplicada Crítica centraliza a importância da linguagem como:

- mediadora na construção do conhecimento nas interações entre formadores,


professores e coordenadores nos encontros de formação (Magalhães, 2005) e

- objeto de uma atividade de formação, cujo motivo é suprir as necessidades


dos participantes dos encontros para trabalhar com novos conhecimentos, teorias e
práticas didáticas necessárias a necessidades do contexto de ação profissional
(Liberali, 2005).

Creio que esta pesquisa buscou trilhar estes caminhos no uso da linguagem,
fazê-la instrumento-e-resultado, pois, descortinava a situação (pela descrição) e ao
mesmo tempo, procurava dar subsídios para transformá-la (pelas ações de informar,
confrontar e reconstruir).

Talvez seja interessante apresentar as considerações finais em três momentos: as


limitações, as conquistas e os desafios que permearam esta pesquisa.

As limitações e dificuldades provenientes da coleta de dados deixaram uma


lacuna em relação ao acompanhamento da prática da professora, para que fosse possível
analisar melhor os reflexos em suas ações a partir do que era discutido nas sessões

127
reflexivas. Nessas sessões o discurso da professora mostrou avanços inegáveis, mas não
podemos afirmar o mesmo em relação à sua prática, pois, desde a primeira aula, já
foram observadas evidências do conflito de paradigmas que embasavam suas ações.

Outra limitação considerável foi a demora muito grande na transcrição dos


dados, o que dificultou um olhar mais preciso para os mesmos nas primeiras sessões
reflexivas. Certamente, quando fazemos a transcrição logo depois da coleta de dados e
nos damos conta dos fatos ocorridos, podemos optar em retomar aspectos da prática
antes não percebidos, sem que informações se percam.

Dificuldades de agendamento para os encontros de coleta de dados parecem ser


pouco previsíveis. Precisamos ir lidando com tais percalços de acordo com as
possibilidades dos participantes.

Certamente a maior limitação que tivemos foi relacionada à impossibilidade de


fazermos das necessidades observadas da professora o foco do trabalho nas sessões
reflexivas. Um exemplo disso foi a necessidade da professora em aprofundar o
conhecimento de como trabalhar com a leitura na educação infantil. Estudos relativos a
isso poderiam ter sido planejados para dar suporte a um aperfeiçoamento.

Quanto às conquistas, é possível dizer que as observações iniciais que fiz na


introdução se confirmaram, ou seja, a professora detinha significativas informações
sobre a base teórica de trabalho, às vezes sendo coerente com ela e outras não, mas
todos os momentos de sessões reflexivas proporcionaram algum tipo de avanço, não só
para a professora, mas também, e muito, para a pesquisadora.

Ao retomarmos a pergunta geral da pesquisa: “Como as interações professora-


coordenadora oferecem possibilidades de transformação das práticas da professora?”,
podemos concluir que as interações oferecem possibilidades de transformações em
relação à prática pedagógica à medida que oferece oportunidades de trazer para estudo a
própria prática, num exercício que considera a co-construção do conhecimento.

Durante o referido exercício, foi fundamental contar com as ações da reflexão


crítica, pois elas pressupõem o questionamento, a investigação e, a partir do
esclarecimento, o estímulo à busca de alternativas para as revisões e reconstruções
necessárias. Também apontam para as necessidades de estudo e pesquisa teórica aos
participantes, pois ao concretizarmos a ação do informar, os participantes, seja professor
ou coordenador, podem se deparar com dúvidas sobre os princípios que embasam as

128
ações, suas origens e bases teóricas, estimulando aos participantes que se envolvam
num aprofundamento.

Mas, parece que a maior contribuição deste trabalho esteve pautada na atenção
dada aos questionamentos feitos durante a mediação, seja da professora com seus
alunos, ou da coordenadora com a professora, pois a partir daí houve elementos para se
criarem categorias de análise e, com as discussões decorrentes destas categorias,
verificou-se:

• O quanto as perguntas feitas pela professora aos seus alunos revelam de seus
valores e concepções de ensino-aprendizagem;

• O cuidado que se deve ter ao elaborar as questões quando se quer trabalhar com
as ações da reflexão crítica durante as sessões reflexivas. Muitas vezes, em
busca de concretizarmos tais ações, não atentamos para o fato de quanto
estamos nos distanciando dos nossos objetivos, por não considerarmos as
respostas, nem as reações, nem as emoções, ou seja, nada do impacto ou efeito
provocado pela pergunta no ouvinte;

• O fato de que uma pergunta não tem um efeito por seu sentido literal, mas será
compreendida por outros elementos a ela relacionados, como a entonação
presente (ou o tom de voz), o contexto da situação, o momento da formação do
professor por conta do seu histórico de vida.

Parece de fundamental importância a responsabilidade do coordenador


pedagógico em proporcionar oportunidades de se trabalhar com os conflitos e
arbitrariedades advindos da prática pedagógica, quando se pensa em formação de
professores. Com os horários e espaços já existentes para o trabalho pedagógico em
várias realidades, como a das escolas públicas, por exemplo, há uma possibilidade real
de um trabalho comprometido com transformações qualitativas para a educação.

Em relação aos desafios que ficam, é preciso considerar que a coerência da


professora em sua prática parece não depender só de seu conhecimento e postura. As
condições de trabalho parecem influenciar quando, por exemplo, a professora mal
consegue ouvir em decorrência da relação do número de alunos e da idade, espaço
físico/mobiliário/possibilidade de movimentação; carga horária/dobra de período/estar
estudando. Há fatores de energia envolvidos, pois a teoria sócio-histórico-cultural exige
olhar a cada um, exige o considerar de cada história mesmo num olhar de grupo.

129
Contudo, mesmo em virtude de todos os problemas que afetam negativamente a
estrutura da ação do professor na escola pública, a pesquisa revelou que é possível a
realização de uma prática bem diferente da tradicional. É possível realizar ações e
intervenções que se adequem independente de investimentos e materiais, pois se dão,
em muitos momentos, na mediação através do diálogo, discussões e criação de situações
de conflito dialógico no qual se pode lançar mão da intervenção. De acordo com Lessa
et alii (2004, apud. Magalhães, Liberali, Lessa, 2006) é na linguagem que temos a arena
onde os conflitos são problematizados.

Quero afirmar que não é preciso esperar haver salas com menos de 25 alunos de
3 e 4 anos, ou com menos de 32 alunos com 5 e 6 anos nas quais a professora atua
sozinha para só então buscarmos uma prática inovadora, coerente com novos
paradigmas pedagógicos que superem o comportamentalismo, e o behaviorismo
conhecidos como ensino tradicional. É possível e já acontecem muitas ações
pedagógicas que estão alicerçadas em outros valores e outros ideais de formação.
Contudo, não se pode garantir o ideal em condições adversas, mas se pode garantir a
utopia tratada por Rios (1993: 76), quando diz:

... se o universo da utopia é o da dialética constante da possibilidade e da


impossibilidade, e se o possível é algo construído, aquele descrédito não se justifica.

Um dos grandes desafios, então, é superar os conflitos advindos das condições


de trabalho do professor, para que tais conflitos não sejam âncoras e sim motivos para
reflexões e reorganizações.

É necessário assumir também a transição de paradigma que já ocorre e o que é


natural nesse quadro, como esclarece Cunha (2005: 25): “O novo não se constrói sem o
velho e é a situação de tensão e conflito que possibilita a mudança”.

Esses conflitos ficaram evidentes quando as características da pessoas mediação


da professora foram identificadas, mas também estiveram presentes nas características
da mediação da coordenadora com a professora, apontando a necessidade do exercício
contínuo da reflexão crítica, para que estejamos atentos com a relação teoria-prática.
Neste desafio a presença “do outro” foi marcante.

130
Usar as perguntas no processo de mediação de maneira construtiva certamente é
um grande desafio, pois nessa ação estará implícita a opção de se trabalhar de maneira
colaborativa, ou seja, trabalhar em prol do desenvolvimento do outro. A contradição
certamente será muito positiva, pois será da condição de desconforto em relação ao
pensarmos sobre o que fazemos que poderemos sentir a necessidade de mudanças.

Finalmente o maior dos desafios: fazer das necessidades dos professores


oportunidades de estudo e aprofundamento. As necessidades observadas durante a
reflexão crítica devem ser o guia do trabalho de formação, o objetivo central, pois será
assim que atingiremos a transformação da prática, já que estaremos dando suporte para
o aprimoramento do professor a partir de suas ações concretas, do que realmente ele
vive.

Do processo vivido, fica a certeza da aprendizagem das envolvidas e da crença


no poder de desenvolvimento que possibilitamos uns aos outros, neste caminhar eterno
pela superação e conquistas que cada um vai desenhando a partir de suas necessidades e
seus sonhos.

131
132
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