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Apesar de a LDB atual manter o termo “pré-escola” para a educação de 4 a 6 anos, hoje o termo não traz
mais a conotação de preparação, mas sim de uma fase que se constitui como parte da educação infantil,
etapa anterior à educação fundamental.
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desenvolvimento global da infância. Essa visão reflete-se nos principais documentos
que embasam a Educação Brasileira, como a Constituição Federal de 1988, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) e o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(RCNEI).
A Constituição Federal de 1988 tem a preocupação de garantir o atendimento na
Educação Infantil, bem como determina seu financiamento. Por isso, em 1990 foi
sancionada a Lei 8.069, chamada de Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Essa
lei contribuiu enormemente, pois detalhou, em mais de 260 artigos, deveres e direitos a
serem respeitados e considerados em várias instâncias: sociais, culturais e
governamentais. Os artigos 15 e 16, por exemplo, destacam o direito à liberdade, à
dignidade e ao processo de desenvolvimento, pontuando “o brincar” nesse processo.
Também no ECA, o capítulo IV é exclusivo para tratar dos direitos à educação,
cultura, esporte e lazer (art. 53-59), no qual observamos a preocupação com o
atendimento à Educação Infantil como dever do Estado.
A LDB inova em trazer a creche e a pré-escola para compor o sistema de ensino,
e nessa proposta a Educação Infantil passou a ser a primeira etapa da Educação Básica
(art. 89).
Outra contribuição fundamental foi a determinação de que os professores
deveriam ser habilitados em nível superior para atuar na Educação Básica, o que deveria
ocorrer até o final da Década da Educação2 que se iniciou um ano após a publicação da
lei. Sendo assim, a partir deste ano de 2007, somente graduados deverão ser admitidos
para o trabalho na Educação Infantil.
Outro ponto a se destacar foi a consideração do pleno desenvolvimento e o
preparo para o exercício da cidadania como princípios e fins da educação nacional (art.
2º).
Ainda ficou garantida, como dever do Estado, a gratuidade no atendimento na
Educação Infantil (art. 4º, IV), ficando a oferta desse atendimento sob responsabilidade
dos municípios (art. 11, V).
A LDB ainda destina a Seção II exclusivamente para tratar da Educação Infantil
nos artigos 29, 30 e 31. Neles destaca-se a finalidade do desenvolvimento integral da
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A Década da Educação refere-se ao período de 1997 até 2006, como período de transição para que a
LDB fosse respeitada em sua íntegra.
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criança, bem como uma avaliação de acompanhamento e registro desse
desenvolvimento.
A partir do artigo 9º, no qual se determina o estabelecimento de competências e
diretrizes para a Educação Infantil, a fim de nortear currículos e seus conteúdos
mínimos, é que em 1998 o Ministério da Educação e do Desporto (MEC) propôs o
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI).
Esse documento, organizado em três volumes, traz reflexões e fundamenta
concepções atreladas à Educação Infantil, bem como estabelece objetivos gerais, além
de tratar sobre a formação pessoal e social, abordando a identidade e a autonomia da
criança. O RCNEI ainda contém documentos referentes ao que é chamado de
conhecimento do Mundo, tratando das diferentes linguagens: “Movimento, Música,
Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática”.
De caráter instrumental e didático, o Referencial é um guia de orientação e foi
feito para uma contribuição ao ato de planejar, desenvolver e avaliar as práticas
educativas. O objetivo é que se respeite a pluralidade e diversidade étnica, religiosa, de
gênero, social e cultural das crianças brasileiras. Há uma preocupação com a criação de
propostas educativas que possam ser favoráveis às diferentes demandas de crianças e de
seus familiares em todo o território brasileiro.
Apesar das leis e de seus inegáveis avanços, esta pesquisa foi motivada
inicialmente por observações do trabalho dos professores de Educação Infantil com os
quais eu trabalhava enquanto coordenadora. Parecia haver um consenso do pensar essa
forma de ver a criança e seu desenvolvimento. No entanto, na prática pedagógica
surgiam muitas arbitrariedades relacionadas a este “novo” (historicamente falando)
paradigma de educação.
O discurso normalmente destoava das ações. Havia uma apropriação de um
discurso considerado bem visto e atual, mas a prática não o refletia integralmente. É
nesse ponto que parecia estar o problema, pois a qualidade do trabalho pedagógico
suscitava algumas dúvidas.
A esse respeito, Cunha (2005) pondera que as mudanças surgem das tensões
entre o novo e o velho e, a partir de suas colocações, podemos concluir que conflitos são
inerentes a todo processo de inovações.
As influências histórico-culturais de saberes que recebemos, como bem discutem
Gómez (1992) e Gitlin (2005), nos trazem conhecimentos que muitas vezes não
permitem a compreensão de quanto somos influenciados em nossa forma de pensar. Ao
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discutir a formação de professores, Pérez Gómez analisa as influências positivistas, que
por tanto tempo permearam a educação. A citação abaixo exemplifica seu
posicionamento:
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“(...) everyday politics shape how we see people, our relations with those different from ourselves, and
the conclusions that we draw about those relationships.”
“(…) everyday politics not only influences “others” who receive the dominant perspectives found within
many knowledge approaches, but also the producers or architects of that knowledge.”
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Precisamos ter educadores críticos e para isso uma nova cultura de formação
deve começar a ser inerente ao cotidiano pedagógico. Neste processo, o Projeto
Político-Pedagógico deve se constituir efetivamente como instrumento de construção de
sentidos, já que tal projeto representa a organização pedagógica da unidade escolar
através dos objetivos, metas, caracterizações de seus usuários, calendário,
fundamentação teórica, projetos de trabalho para cada turma e outros itens que possam
ser úteis à base de planejamento da unidade escolar. Importantíssimo ressaltar que este
documento deve ser revisado anualmente pelo grupo de trabalho, com o intuito de ser
apropriado como produção daquele grupo.
Parece que não estamos diante apenas de questões de formação. Muito já se
pesquisou sobre a formação de professores, muitos caminhos já foram apontados e
ainda há arbitrariedades no reflexo desse vasto conhecimento advindo da pesquisa nas
práticas escolares. Como discute Magalhães (2004), é mesmo muito complexo o quadro
que está por trás desta inconsistência da práxis, bem como é complexo o contexto de
trabalho do professor. Na seguinte citação a autora explicita bem a questão:
As razões para isso apontam para um quadro complexo que inclui questões de
responsabilização na relação entre construir e aplicar conhecimentos... (Magalhães,
2004: 59-60)
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como a mais coerente nesse contexto. Apesar do documento sintetizar as representações
que o grupo tem sobre os prescritos que fundamentam a Educação Infantil brasileira
atualmente (LDB, ECA, RCNEI), ainda assim se reproduzia o discurso em meio a uma
prática contraditória.
Por isso, de maneira mais específica, o objetivo desta pesquisa está voltado à
criação de possibilidades de uma práxis coerente com a fundamentação teórica a partir
de uma ótica sócio-histórico-cultural. Para tanto, será necessário entender como o
trabalho de coordenadora pedagógica, no contexto da Educação Infantil, pode propiciar
a tomada de consciência da professora participante, de tal forma a termos essa visão
refletida nas práticas cotidianas das vivências escolares. Como decorrência, há uma
preocupação em se valorizar o trabalho colaborativo, que não é a idéia limitada de
ajuda, pois a colaboração pressupõe negociação de sentidos e muitas vezes há conflitos,
já que é necessário compartilhar representações e posicionamentos de poder, como
tratam Magalhães (2004) e Liberali (2004).
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Na busca dos objetivos citados, a organização deste trabalho foi feita em cinco
partes. No Capítulo I encontra-se parte do arcabouço teórico que fundamenta esta
pesquisa, no qual apresentamos a teoria sócio-histórico-cultural, destacando o método
da práxis, a mediação e a zona proximal de desenvolvimento como conceitos que
contribuem quando se busca coerência com tal proposta teórica. Ainda nesse capítulo é
feita uma breve discussão contrapondo a teoria citada e a teoria que sustenta o ensino
como transmissão, isso porque foram observadas nos dados ações que tendiam entre
esses dois paradigmas.
No capítulo II, optamos por concentrar as demais contribuições teóricas que nos
ajudaram, na busca pela coerência teórico-prática, no fazer pedagógico. Por isso
discutimos sobre o Projeto Político-Pedagógico, a colaboração e a ação do coordenador
pedagógico, a reflexão crítica e questões relacionadas a “perguntas”.
A discussão dos resultados da análise foi feita no Capítulo IV, a partir das
próprias perguntas de pesquisa, que subdividiram o capítulo em duas partes. Em cada
uma delas apresentamos uma discussão pautada na fundamentação teórica apresentada
nos dois primeiros capítulos e depois uma organização das categorias de perguntas
encontradas nos dados, como uma forma de organizar as categorias de análise
encontradas, para melhor compreensão do leitor.
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CAPÍTULO 1
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transmissão encontrado em teorias ditas tradicionais como o behaviorismo, pois nos
dados são observados conflitos entre essas teorias nas ações da professora. Sendo assim,
serão importantes para localizarmos historicamente as influências que ainda pairam
sobre as ações pedagógicas.
Como três facetas de um mesmo diamante, esta teoria nos desafia a ter uma
abordagem sustentada nas seguintes dimensões:
A TSHC, segundo Rego (1995: 93), desenhou-se pela teoria de Vygotsky, por
ele ter teorizado uma psicologia a partir do materialismo histórico-dialético de Marx.
Isto significa que será na apropriação da experiência histórica e cultural que se dará o
processo de desenvolvimento do homem porque “... organismo e meio exercem
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The task of sociocultural analysis is to understand how mental functioning is related to cultural,
institutional, and historical context. (Minha tradução)
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influência recíproca; portanto, o biológico e o social não estão dissociados. Nesta
perspectiva, a premissa é de que o homem constitui-se como tal através de suas
interações sociais; portanto, é visto como alguém que transforma e é transformado nas
relações produzidas em uma determinada cultura”.
Parece haver uma variedade de termos usados para a mesma abordagem teórica
de Vygotsky. Wertsch, na citação acima, usa o termo “sócio-cultural” enquanto Rego
(1995) diversifica em sua obra o uso de termos como perspectiva “histórico-cultural”,
“sócio-histórica” e abordagem “sócio-interacionista”. Em Daniels (2003) encontramos
referência a uma “abordagem cultural-histórica” ao falar do legado vygotskyano;
contudo, nesta pesquisa houve a opção pelo termo “sócio-histórico-cultural”, como
denominada por Magalhães (1996).
Esta opção justifica-se pela compreensão de que cada um dos termos do conceito
tem sua especificidade e ao serem destacados fortalecem a idéia de que há nesta teoria a
preocupação com o contexto de vida em que estamos, ou seja, com o momento vivido,
não só com o momento em si, mas como chegamos até ele, considerando tudo o que
aconteceu anteriormente e que de alguma forma levou a uma dada constituição política,
econômica e cultural. A teoria sócio-histórico-cultural aponta para a importância de uma
compreensão profunda do mundo em que estamos, como ele se constituiu, onde as
relações humanas e a produção cultural são fundamentais, porque é nessas relações,
dentro de um determinado contexto, que o ser humano se constrói.
Algumas considerações são agora apresentadas para esclarecer o contexto de
produção intelectual de Vygotsky e as influências que marcaram a construção de uma
inovadora concepção para sua época que, de acordo com Rego (1995), trouxe uma
maneira diferente de entender a origem e a evolução do psiquismo humano e as relações
do homem em sociedade.
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Como suas obras chegaram aos Estados Unidos durante a guerra fria, as
traduções foram “limpas” das questões marxistas e por isso ele foi ser equivocadamente
interpretado como cognitivista. O contexto histórico cognitivizou suas obras. Duarte
(2001) faz muitas observações a esse respeito, ao criticar as apropriações indevidas,
neoliberais, feitas sobre as obras vygotskyanas. Vygotsky não foi cognitivista, nem
somente interacionista ou construcionista – ele foi um marxista dialético.
De acordo com Newman & Holzman (1993: 23): “De modo significativo,
Vygotsky foi um metodólogo marxista”. Nesse contexto é importante trazer a figura de
Marx e entendê-lo como um materialista, o que significa entendê-lo como “... alguém
que toma o mundo material, ou a matéria, como básicos e as idéias, ou a mente, como
derivadas”.
Decorrente disso, a preocupação tanto de Vygotsky como de Marx era
considerar como ponto de partida da ciência e da história “... a vida-que-se-vive e não as
interpretações ou abstrações extrapoladas da vida” (Newman & Holzman, 1993: 24).
Nas palavras de Marx e Engels era necessário considerar o homem “em seu processo de
desenvolvimento real, em condições determinadas, empiricamente visíveis”, (1973: 47-
48, apud Newman & Holzman, 1993:24).
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transformação de uma sociedade com a revisão de conflitos e contradições
intelectuais, políticos, econômicos e culturais do novo Estado Socialista.
• Os desafios emergentes para Vygotsky eram o analfabetismo, as diferenças
culturais entre as centenas de grupos étnicos que formavam a nova nação e a
ausência de serviços para os incapazes de participar plenamente da nova
sociedade.
Optar pela TSHC na atualidade no campo educacional, então, é optar por uma
forma de pensarmos, dentro do Projeto Político-Pedagógico de cada realidade escolar,
quais são nossos desafios e objetivos rumo à transformação que queremos promover e
que seja coerente com todo o quadro exposto. Não há como ser condizente com o sócio-
histórico-cultural e não assumir um compromisso com uma escola que esteja
intimamente vinculada com o que há fora dela, ou seja, não pensar numa educação que
vise algo mais do que o trato com conteúdos.
Trazer a discussão da TSHC nesta pesquisa objetiva esclarecer ao leitor sobre a
abordagem que se pretende seguir e com ela uma opção permeada, de maneira
marcante, pela questão política, fundamental para os atores da educação, como será
tratada a seguir.
Esclarecer a todos os envolvidos no processo educativo sobre as teorias de
aprendizagem que possam embasar as ações pedagógicas é primordial. Dessa forma,
podemos torná-los conscientes de que todas as teorias de aprendizagem que permearam
a história humana, influenciadas por correntes filosóficas e psicológicas, possuem
diferentes visões de mundo. Assim, há diferentes visões de ser humano, de escola, de
relações, de aprendizagem, isso porque os objetivos da formação a que se pretende
chegar atendem a diferentes interesses de cada época, que, acima de tudo, estão
atendendo a interesses políticos.
Autores já citados como Pérez Gómez (1992) e Gitlin (2005), outros como
Freire (1970), Freire e Faundez (1985), Kincheloe (1993), Liberali (1996) tratam das
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questões políticas. Não se trata aqui de política partidária, mas, sim, dos valores e
interesses que acompanham as ações humanas, principalmente dos grupos hegemônicos,
ou seja, daqueles que de alguma forma detêm o poder.
As contribuições de Freire (1970) trouxeram novas percepções ao cenário
político-educacional, por apontar como se organizam as relações de poder na sociedade
opressora e como podemos buscar a superação dessa organização através da conquista
da liberdade. Para tanto é preciso reconhecer-se como opressor ou oprimido. Porém, o
que se espera não é uma escolha extremista de se estar em uma ou em outra posição.
Não se deve assumir o lugar de opressor ao deixar de ser oprimido ou vice-versa. A
lógica não é ocupar o lugar do outro, mas eliminar tais posições, superando os mitos que
sustentam as injustiças, valorizando a palavra de todos, dando espaço para que todos
tenham voz e vez num processo de transformação radical.
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A autoridade é então exercida a favor da liberdade, pela quebra da oposição
educador-educando através da visão de que ambos participam do processo de
aprendizagem, mediatizados pelo mundo.
É com base nesses conhecimentos que esta pesquisa pode contribuir, já que
busca instigar os participantes a entrar em contato com tais reflexões. A partir disso
podemos pensar que mesmo sendo a escola um espaço onde são reproduzidos valores e
concepções, quando compreendemos o que nela ocorre é possível optar pela
manutenção ou transformação dessas reproduções e assim da realidade na qual estamos
inseridos.
Ao optar então pela teoria sócio-histórico-cultural como base para esta pesquisa,
já tendo esclarecido as questões políticas implícitas, será agora explorada a questão do
método, pois se constitui parte integrante da discussão da TSHC.
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When trying to understand various viewpoints and their limitations, I think it useful to recognize that the
basic assumptions and units of analysis that guide any inquiry in the human sciences are tied to political,
cultural, and institutional interests. (Minha tradução)
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1. 2. Método da práxis
Vygotsky vê o conhecimento como fruto da reorganização das apropriações que
fazemos pela interação com o meio social e dá uma dimensão revolucionária à
educação. Contrapondo-se ao behaviorismo, ao pragmatismo e mesmo ao
interacionismo, pois, entre outras razões, essas abordagens não consideravam as
construções sócio-históricas, dando espaço para formações individualistas e alienadas,
Vygotsky, segundo Newman & Holzman (1993), trouxe os conceitos de instrumento-e-
resultado e instrumento para resultado. Estes conceitos facilitam a compreensão da
organização social, de como aí se estabelece o trabalho, a quem ele serve, como será
tratado a seguir.
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era a metodologia dominante no século XX, em que o método é separado do conteúdo
experimental e dos resultados, é entendido como algo a ser aplicado, um meio funcional
para um fim, já que se prevê a eficiência. Por isso, é um instrumento para se atingir um
resultado.
É exatamente nesse sentido que esta pesquisa tem sua preocupação central. Por
isso, busca contribuir com ações que possam partir das questões arbitrárias da práxis
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para estabelecer discussões, revisão de pontos de vista e de concepções teórico-
metodológicas. O intuito é possibilitar transformações da prática pedagógica.
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Não é objetivo desta pesquisa abordar a teoria da atividade, levando-se em conta a amplitude e
complexidade do assunto.
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culturalmente disponíveis. A figura 1 traz a representação do conceito apresentada por
Daniels (2003: 25).
Artefato
Sujeito S Objeto O
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O autor ainda salienta que o signo possui uma característica importante de ser
considerada, que é a “ação reversa”, pois ele age diretamente sobre o indivíduo,
conferindo à ação psicológica formas qualitativamente novas e superiores que permitem
ao homem o controle de seu comportamento. Assim, a partir do uso de signos, uma
estrutura específica do comportamento, diferente daquela proporcionada pelo
desenvolvimento biológico, se torna possível e com isso surgem novas formas de
processos psicológicos com origem cultural.
Bruner (1993: VIII), na introdução da obra Pensamento e Linguagem de
Vygotsky, exemplifica a questão afirmando:
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Newman & Holzman (1993: 53) enriquecem a discussão ao afirmarem que “pelo
argumento de Vygotsky, os instrumentos, quer práticos, quer simbólicos, são
inicialmente “externos”: usados exteriormente sobre a natureza ou na comunicação com
os outros. Mas os instrumentos afetam seus usuários: a linguagem, usada primeiramente
como um instrumento comunicativo, acaba por moldar as mentes daqueles que se
adaptaram a seu uso”.
21
autor afirmou que através dessa relação era possível resolver ou formular problemas
próprios da análise psicológica do ensino.
Para tanto ele criou uma nova concepção, partindo da determinação de dois
níveis de desenvolvimento, a saber:
• o nível de desenvolvimento real – que se refere ao “nível de
desenvolvimento das funções mentais da criança que se estabeleceram
como resultado de certos ciclos de desenvolvimentos já completados”.
Está relacionado com o que as crianças podem fazer por si mesmas, pela
solução independente de problemas, caracterizando aqui o
desenvolvimento mental retrospectivamente;
• o nível de desenvolvimento potencial – é relativo ao que a criança
consegue fazer com a ajuda dos outros, através da solução de problemas
sob orientação de alguém mais capaz. Assim relaciona-se com os
processos mentais em formação, que estão em maturação e
desenvolvimento.
O conceito de ZPD é a distância entre esses dois níveis de desenvolvimento,
definindo as funções que ainda não amadureceram, pois estão em processo de
desenvolvimento. Com isso caracteriza-se o desenvolvimento mental prospectivamente.
De outra forma, a ZPD é um espaço de trabalho no qual uma pessoa atua para a
aprendizagem e, conseqüentemente, o desenvolvimento do outro. Para tanto é
necessário reconhecer o que uma pessoa pode realizar sem ajuda (ZDR – zona de
desenvolvimento real) e o que necessita do outro para realizar. O objetivo, então, é que
a realização de algo feito na ZPD possa, em breve, ser feito na ZDR, buscando a
autonomia de atuação dos sujeitos envolvidos.
A ZPD é considerada um instrumento-e-resultado, pois leva ao desenvolvimento
e nela o conhecimento é co-construído, ou seja, a fala de um é uma das estratégias para
a construção/crescimento do outro. Nas relações interpsicológicas vai se criando uma
base para a construção intrapsicológica. Como o próprio autor explica:
22
as funções superiores se originam como relações efetivas entre indivíduos humanos.
(Vygotsky, 1930-33/1998: 75)
23
Ele constatou em sua pesquisa que há uma variação enorme da capacidade de
crianças com iguais níveis de desenvolvimento mental quando estão aprendendo sob a
orientação de um professor. Com isso pontua que considerar o que a criança pode fazer
com a ajuda dos outros seria mais produtivo para avaliar o desenvolvimento mental.
24
o As diferentes funções do psiquismo se desenvolvem de maneira
desigual e não proporcional;
25
generalização, o contexto lingüístico e a memória lógica. O conceito no vácuo não
promove aprendizagem, pois não trabalha com o que é significativo.
... um conceito se forma não pela interação das associações, mas mediante uma
operação intelectual em que todas as funções mentais elementares participam de uma
combinação específica. Essa operação é dirigida pelo uso das palavras como o meio
para centrar ativamente a atenção, abstrair determinados traços, sintetizá-los e
simbolizá-los por meio de um signo. (1934/1993:70)
7
A expressão foi utilizada por Vygotsky (1934/1993:72) ao se referir ao que um outro autor, Tolstoi,
dizia ser necessário para a aquisição de novos conceitos e palavras. O significado da expressão está
relacionado às situações em que a criança lê ou ouve uma palavra desconhecida em meio a outras já
conhecidas e depois de algum tempo passa a sentir a necessidade do uso de tal palavra, demonstrando já
ter compreendido o novo conceito.
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Vygotsky (1934/1993) aponta para a importância de se considerarem os
conceitos cotidianos que a criança forma sem a ajuda do aprendizado sistemático,
aquele que construímos em nossa relação com os outros, mas não de forma
hierarquizada (a atenção aqui está voltada ao objeto ao qual o conceito se refere e não
ao ato do pensamento), no entanto, não se pode esquecer que a formação de conceitos,
sejam cotidianos ou científicos, estão interligados, pois fazem parte de um único
processo.
Acreditamos que as discussões feitas até aqui sobre a TSHC e alguns conceitos a
ela relacionados foram apoio para o trabalho de formação realizado com a professora,
tanto durante a coleta dos dados, quanto nas sessões reflexivas e na observação, análise
e discussão dos dados. A TSHC nos oferece princípios de ação, de visão de mundo e de
educação e os conceitos a ela relacionados nos ajudam na organização das ações.
27
A preocupação em se utilizar um método que já traga em sua prática o resultado
é um exemplo disso. Valorizar tanto as características da mediação da professora e da
coordenadora quanto o fato de conseguirem ou não estabelecer a ZPD em suas ações
também são evidências para uma avaliação formativa, ou seja, voltada para a
aprendizagem, o que revela uma organização que busca estar pautada na TSHC. O que
se quer é respeitar a influência dos vários contextos em que as pessoas em sua situação
real de trabalho estão inseridas e utilizar essa mesma situação como fonte de estudo,
aprendizagem e, conseqüentemente, de desenvolvimento.
28
aprendizagem era vista como o processo de selecionar e associar os estímulos e
respostas (acontecimentos físicos) e as coisas sentidas ou percebidas (acontecimentos
mentais), processo este visto como passivo, mecânico e automático.
29
palavra, controlar – o comportamento humano” (Skinner, apud Milhollan & Florisha,
1978: 69).
Quadro 2
30
Com estes esclarecimentos, a intenção foi mostrar que nem todas as teorias são
opostas, mas, sim, diferentes, com propósitos, visões e objetivos diversificados.
Compreender isso se torna fundamental para o trabalho com a formação de professores,
pois proporciona o conhecimento dessas produções históricas e tudo o que nelas está
implícito e assim alcança-se a liberdade da escolha, que deve ser feita coletivamente,
por ocasião da produção do Projeto Político-Pedagógico.
Como veremos a seguir, é certo que a produção do PPP fica balizada por
documentos de orientação, seja de esferas mais amplas como a federal, ou de esferas
mais imediatas, como propostas estaduais ou municipais, ou mesmo de entidades
particulares, mas todo documento de orientação, todo referencial ou proposta curricular
só se concretizará na ação diária do professor. Na sua prática está a responsabilidade de
concretização ou não dos prescritos, sendo assim, o PPP é uma ferramenta fundamental
de apropriação de conhecimentos contidos em documentos de referência que possam ser
usados, pois será algo produzido em micro contexto e deve traduzir um consenso do
grupo de profissionais que ali atuarão.
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32
CAPÍTULO 2
Na busca por teoria e estudos que pudessem contribuir com os objetivos desta
pesquisa, colaborando para que o trabalho pudesse se desenvolver de maneira coerente
com a TSHC, optamos por fazer a discussão dos assuntos que serão apresentados a
seguir. Assim, este capítulo tem por objetivo apresentar mais uma parte da
fundamentação teórica, o que será feito em três seções.
8
O termo ensino-aprendizagem é a tradução da palavra russa obouchenie, utilizada por Vygotsky no
sentido de representar “tanto os processos de ensino como os de aprendizagem” (Dolz & Schneuwly,
2004: 45).
Daniels (2003: 20) também faz um esclarecimento a este respeito, dizendo: “O tradutor de Davydov
(1995) diz que ensino ou ensino-aprendizagem é mais apropriado como tradução de obuchenie, na medida
em que o termo se refere a todas as ações do professor que geram desenvolvimento e crescimento
cognitivos. Sutton (1980) também lembra que a palavra não admite uma tradução inglesa direta. O autor
argumenta que ela significa tanto ensino como aprendizagem e se refere a ambos os lados do processo de
duas vias, sendo portanto apropriada uma visão dialética de um fenômeno composto de opostos que se
interpenetram”.
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estratégias de interação entre professora-aluno e coordenadora-professora durante a
coleta dos dados. Nessa discussão, estiveram presentes vários autores como Freire e
Faundez (1985), Nuttall (1982), Mackay (2001), Coracini (2002), Ricardo (2002),
Méndez (2002) e Ninin, Hawi, Damianovic e Mello (2005).
O PPP tem papel privilegiado nesta pesquisa, pois é aqui reconhecido como
ponto de partida da organização das atividades pedagógicas da escola e
conseqüentemente da formação/educação9 de professores.
Autores como Vasconcellos (2006), Almeida (2004), Marçal & Souza (2001),
Gandin & Gandin (1999) vêm discutindo questões relativas à produção do PPP. Seja
tratando por planejamento participativo ou projeto coletivo é unânime a visão entre eles
da importância de se fazer um trabalho compartilhado, pois suas experiências e
pesquisas revelam resultados positivos, nem sempre a curto prazo, ou seja,
proporcionam conquistas que de outra forma não surgiriam.
Neste sentido, Almeida (2004: 22) destaca alguns pontos, entre eles a
importância de haver uma coordenação durante o trabalho de construção do PPP:
9
Cunha (2005: 35), Magalhães & Celani (2005: 135) e Smyth (1992: 270) utilizam o termo educação de
professores. As primeiras autoras o fazem em paralelo com o termo formação de professores. Todos
criam a possibilidade de outra forma de se referir a essa questão. O termo educação de professores
passará a ser preferencialmente usado nesta pesquisa.
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Tal qual o professor que acaba sendo o agente principal das decisões no campo,
o diretor e o coordenador também têm em suas mãos a responsabilidade de lidar com o
poder nas relações, centralizando-o ou compartilhando-o e isto fará toda diferença
quando da produção do PPP. Almeida (2004: 23) afirma que: “Quando existe um
objetivo comum, definido e perseguido pelo grupo, os diretores percebem que
compartilhar o poder é bom” e ainda, falando de sua experiência10 declarou que “O
construir juntos um Projeto despertou nos professores e alunos a responsabilidade, a
vontade de acertar. E o respeito mútuo apareceu como decorrência”.
Gandin & Gandin (1999) fazem uma crítica séria à maneira como se estabeleceu
a prática de produção das propostas pedagógicas nas escolas. Avaliam que ao mesmo
tempo em que foi positiva a valorização que a LDB faz ao planejamento como
ferramenta mais importante que o regimento para a implementação de processos
pedagógicos, acabou sendo negativo o fato de a proposta pedagógica ser uma
determinação legal advinda da esfera administrativa.
Estes autores ainda afirmam ser: “... lamentável que, em nossa prática escolar, o
formal tenha tanta valia e sejam desmerecidos os estudos dos pesquisadores e
profissionais da educação. O formalismo termina tomando conta. No caso específico,
10
Esta experiência refere-se ao estudo feito em seis das 152 escolas que integraram o Projeto Noturno,
que ela fez por ocasião da elaboração da tese de doutorado. Tal projeto ocorreu nos anos de 84 e 85 na
rede estadual de São Paulo.
35
em vez do estudo rigoroso do planejamento e de suas implicações na prática, tarefa que
deveria estar continuamente em estudos nas faculdades e em execução por quem
trabalha na educação, coloca-se a exigência do cumprimento de uma determinação
legal” (p. 16). Sendo assim, há uma preocupação em atender a burocracia em detrimento
do verdadeiro exercício de construção de mudanças, através do uso do projeto político-
pedagógico como ferramenta.
Gandin & Gandin (1999: 19) acentuam a crítica dizendo que: “Criou-se uma
estranha situação, dentro da qual as escolas podem falar o que quiserem, mas devem
fazer o que todas fazem (...) estão na situação de algum agricultor que pudesse planejar
à vontade, mas que, necessariamente, tivesse que plantar milho, dentro de um
determinado terreno e numa quantidade previamente estabelecida”.
36
Com as contribuições acima, fica claro perceber que estamos diante de algo
muito sério, fundamental, no ideal de qualquer mudança ou transformação do universo
escolar.
(...)
(...)
(...)
37
O objetivo de todo o trato a respeito do PPP foi apontar sua real importância no
contexto escolar e, assim, justificar sua utilização no processo de educação em serviço
ou educação continuada do professor. Se realmente representar esta construção coletiva,
enquanto instrumento teórico-metodológico que é, traduzirá a compreensão da teoria
que fundamenta o trabalho pedagógico e servirá de subsídio para o exercício da reflexão
crítica, que irá servir-se desse documento, ou melhor, do conteúdo estabelecido no
documento, mesmo que temporariamente, para a reflexão, como será tratado a seguir.
38
ser gerados no processo, mas são vistos como positivos na superação de visões
estanques, dualistas, ingênuas, oprimidas.
Magalhães (2004) diz que o foco não está no professor ou no aluno, mas sim na
construção colaborativa, pois é ai que os sujeitos se transformam. É por isso que esta
pesquisa discute o papel do Projeto Político-Pedagógico como um instrumento que pode
representar um espaço importante para o exercício da colaboração.
39
- Dar assistência ao professor, no sentido de tornar seus processos mentais claros
através de explicações e demonstrações extraídas de suas aulas, enfocando o processo
de construir a prática;
Pollard (2002) também aborda essa questão afirmando que para Dewey, pensar
criticamente, organizar o pensamento reflexivo não é algo espontâneo que se dê por
uma habilidade nata. Ao contrário, tal capacidade é aprendida, necessita de
procedimentos para ser desenvolvida.
Vários outros autores, como Schön (1992), também contribuíram para a
discussão da reflexão. Voltado para a prática do professor, este autor insistia num
trabalho de conscientização do significado das ações do professor. Ao falar sobre o
processo de reflexão, faz a seguinte observação:
... Não é suficiente perguntar aos professores o que fazem, porque entre as
acções e as palavras há por vezes grandes divergências. Temos que chegar ao que os
professores fazem através da observação directa e registrada que permita uma
descrição detalhada do comportamento e uma reconstrução das intenções, estratégias e
pressupostos. A confrontação com os dados directamente observáveis produz muitas
11
Active, persistent, and careful consideration of a belief or supposed form of knowledge in the light of
the grounds which support it and the further conclusions to which it tends. (minha tradução)
40
vezes um choque educacional, à medida que os professores vão descobrindo que
actuam segundo teorias de acção diferentes daquelas que professam. (Schön, 1992: 90)
Tal citação está diretamente ligada aos objetivos deste trabalho, pois foi
justamente pela observação da distância entre o que se fala e o que se faz que houve a
motivação para a realização desta pesquisa.
Entre os muitos autores que tratam sobre a reflexão, foram citados aqui Dewey,
através de Fisher (2001) e Pollard (2002), e Schön (1992), pois eles tiveram grande
influência sobre Smyth (1992)12, autor que operacionalizou as ações da reflexão crítica.
Houve assim um avanço no paradigma, pois, ao darem ênfase à prática, os primeiros
autores configuravam-se num paradigma humanista, enquanto Smyth (1992),
enfatizando a dimensão política do pensamento reflexivo-crítico, situa-se no paradigma
crítico.
Dentro deste último paradigma, a definição de Kemmis (1987: 74) é bastante
apropriada:
12
Segundo Magalhães (notas de aula).
13
To reflect critically is to locate oneself in an action frame, to locate oneself the history of a situation, to
participate in a social activity, and to take sides on issue. Because successful critical reflection has public
consequences (transformations of these kinds), it is always a public activity, presaging an organized,
systematic form of critique in which people collaborate in the development of their own social theory and
practice, and the conditions of their own work. (Minha tradução)
41
conseqüentemente, ao atingir os sujeitos, também estaríamos reconstruindo toda uma
sociedade pelos ideais de mudança implícitos nesta teoria.
O desafio então é: como concretizar tudo isso no dia-a-dia?
14
Before we can engage teachers in untangling the complex web of ideologies that surround them in their
teaching, they first need to focus on those manifestations of their teaching that perplex, confuse, or
frustrate them; that is to say, attention must be given to the practicalities of the here and now that teachers
are so vitally concerned about. Indeed, if teachers are going to uncover the nature of the forces that inhibit
and constrain them and work at changing those conditions, they need to engage in four forms of action
with respect to their teaching (each of which has its origins, broadly speaking, in the work of Paulo
Freire). These actions can perhaps be best characterized by a number of moments linked to a series of
questions: 1) Describe – what do I do? 2) Inform – what does this mean? 3) Confront – how did I come to
be like this? And 4) Reconstruct – how might I do thing differently? (minha tradução)
42
Segundo Liberali (2004), podemos dizer das quatro ações que:
43
objeto de estudo e de desenvolvimento do olhar profissional. Haverá oportunidade de
conflitos se instalarem e impulsionarem mudanças, aprimoramento pela consciência do
que está implícito nas próprias ações. A reflexão crítica pressupõe que o professor tenha
um movimento de autotransformação, pela análise da própria prática.
Nossas ações são organizadas por uma série de representações, ou seja, nas
maneiras como compreendemos as coisas. Ao agirmos, nossos objetivos são
simultâneos, coexistem. Há multiplicidade de vozes. Assim, a grande saída proposta é
partir da prática, das necessidades que ela trará, delimitando um espaço dentro do qual
possamos voltar nossos olhares e reflexões.
44
em conta, numa perspectiva marxista, o vivido, as experiências reais e as necessidades
por elas impostas com o desafio/responsabilidade de um trabalho coletivo.
A linguagem que permeia todas as relações humanas não poderia deixar de estar
presente. A linguagem faz com que ao mesmo tempo estejamos criando, desenvolvendo
e retrabalhando os objetos de nossas atividades (Faïta, 2005). Como afirma Bakhtin
(1992): “Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão
sempre relacionadas com a utilização da língua”.
Diferente das outras teorias abordadas até aqui no arcabouço teórico, pois elas
foram escolhidas logo no início do trabalho por opção e identificação da pesquisadora e
anuência da orientadora, a questão das “perguntas” nesta pesquisa foi uma necessidade
apontada pelos dados durante o processo de análise.
Tornou-se, então, necessário dedicar uma parte do capítulo teórico à questão das
“perguntas”, o que será feito em duas partes com a seguinte organização:
45
2. 3. 1. Retrospectiva de alguns estudos sobre “a pergunta”
... Creio ser fundamental que o professor valorize em toda sua dimensão o que constitui
a linguagem, ou as linguagens, que são linguagens de perguntas antes de serem
linguagens de respostas... O importante, sobretudo, é ligar, sempre que possível, a
pergunta e a resposta a ações que foram praticadas ou a ações que podem vir a ser
praticadas ou refeitas. (Freire e Faundez ,1985: 49)
46
Outros autores também têm focalizado a questão da pergunta em suas pesquisas
como instrumentos para alcançarem objetivos diversos. Contudo, diferentemente dos já
citados, os que se seguem se preocuparam em estabelecer tipos de perguntas para suas
discussões. Uma dessas autoras é Nuttall (1982), que, voltada para o ensino da
compreensão da leitura, buscou analisar as questões que pudessem ser usadas para
ensinar e não somente para testar. Neste contexto, seus estudos revelaram que o
“esforço” é uma palavra chave no processo de compreensão da leitura e que as
perguntas podem ajudar quando direcionam tal esforço. Usadas desta forma elas estão
estimulando um posicionamento ativo no processo de busca de significado e ajudam a
identificar os pontos não compreendidos num texto, nos quais devemos nos concentrar.
Assim, não só o tipo de pergunta, mas a maneira de usá-la passa a ser crucial para o
“ensinar”.
15
“...our attitude to wrong answers is important. A perfect answer teaches nothing, but each wrong
answer is an opportunity for learning. It must be investigated to see why it was wrong, and how far: often
it may be only partly incorrect”. (Minha tradução)
47
... muitas das perguntas que você faz dependem da forma como a classe está
reagindo: eles podem ter dificuldades que você não previu, e você pode querer levá-los
a uma resposta ou investigar para ter certeza que a resposta correta não foi dada pela
razão errada... O trabalho de análise e discussão de um texto é o importante – o
processo de se chegar à resposta mais do que a resposta em si; e isto somente pode ser
feito na oralidade. (Nuttall, 1982: 129)16
• esclarecer;
16
“... many of the questions you ask depend on the way the class is responding: they may have difficulties
that you did not predict, and you will then want to prompt them to help them to work out an answer, or
probe to make sure that a correct answer was not given for the wrong reason… It is the work of analyzing
and discussing the text that is important – the process of arriving at the answer as much as the answer
itself; and this can only satisfactorily be dealt with orally”. (Minha tradução)
48
Nesta pesquisa em particular, todas estas razões estiveram presentes de alguma
forma, pois na coleta de dados a busca foi por informações, por pistas para se iniciar
uma discussão procurando esclarecer fatos, sempre com a cooperação em pauta para
ajudar as pessoas envolvidas a refletirem e aprenderem. Além disso, a pergunta geral a
que foram submetidos todos os dados preza pela possibilidade de transformação através
da interação professora-pesquisadora.
Ricardo (2002) também cria uma tipologia de perguntas para discutir o interesse
de crianças em textos científicos. Este estudo revela o quanto o uso das perguntas pode
interferir no interesse das crianças pela leitura, pois as perguntas podem ser usadas de
maneira a quebrar a formalidade dos textos didáticos normalmente utilizados em sala de
aula e assim estabelecer uma interação durante a leitura. O que ocorre então é a criação
de “... um espaço dialógico cuja estratégia mais recorrente é a utilização de perguntas
simples no discurso científico” (p. 74).
Méndez (2002) se volta para a discussão de uma avaliação para formação das
pessoas envolvidas no processo de ensino-aprendizagem e neste contexto faz várias
reflexões sobre o uso da pergunta.
49
escolha do momento, sobre conteúdos verdadeiramente relevantes e significativos para
quem deve elaborar reflexivamente uma resposta que desafia o seu pensamento...”.
No intuito de apontar as perguntas que não devemos fazer, o autor indica em seu
trabalho os tipos de perguntas que não podem ser instrumentos de avaliação e
aprendizagem. As perguntas que incentivam respostas iguais entre os alunos, por
exemplo, “... requerem um esforço de memória comum, circunstancial, mínima, a curto
prazo e não-significativa”.
O autor também diz que deveríamos evitar perguntas cujas respostas podem ser
copiadas mecanicamente, já que não estão a favor do desenvolvimento das capacidades
do pensamento autônomo e fundamentado. Também critica os obstáculos que algumas
perguntas representam aos alunos, bem como o condicionamento do tempo de resposta.
Por fim, porém não menos importante (já que esta retrospectiva de estudos
seguiu a ordem cronológica da publicação das obras), está o estudo de Ninin, Hawi,
50
Damianovic e Mello (2005). Neste a preocupação está na utilização de questionários
como instrumentos de pesquisa para coleta de dados e é em torno deste objetivo que
elas discutem sobre uma tipologia de perguntas.
A seguir encontra-se um quadro com o resumo dos estudos dos autores citados
que fizeram classificações de perguntas em seus trabalhos. Tais classificações serão
apenas citadas, pois não é interesse desta pesquisa aprofundar todas as tipologias
encontradas. A apresentação do quadro justifica-se pela preocupação de situar o leitor
sobre as contribuições dos autores consultados.
51
Resumo das classificações de perguntas
Quadro 3
Nuttall (1982) Mackay (2001) Coracini (2002) Ricardo (2002) Méndez (2002) Lucioli (2003) Ninin, Hawi,
Damianovic e Mello
(2005)
FOCO: ensino da FOCO: maior habilidade na FOCO: aula de leitura – enfoque FOCO: interesse de FOCO: avaliação FOCO: utilização de FOCO: utilização de
compreensão da leitura comunicação político (poder) crianças em textos para formação perguntas em aula de questionário para coleta
científicos língua inglesa de dados
QUANTO À FORMA ABERTAS DIDÁTICAS SIMPLES MESMA PARA FORMA
Questionamento ativo: RESPOSTA ORGANIZAÇÃO DA - matriciais
- sim/não - de contato - facilitadoras da aprendizagem: - QU (que, o que, o qual, AULA -declarativas
- alternativas - investigadoras: • encadeadas quem, quanto, como, onde, RESPOSTAS - interrogativas
- questões de quem, o que, • simples • múltipla escolha por quê, para quê) COPIADAS DE INCENTIVAÇÃO - listas
qual, quando e onde • comparativas • com lacunas - sim/não MECANICA- - gráficas
- questões de como e por quê • extensivas e - períodos hipotéticos MENTE DE CONTEÚDO TIPO
precisas - perguntas de animação: - encaixadas: - fechadas
QUANTO À • fundamentadas • seguida de explicação você sabia? EXIGE TEMÁTICA - abertas
APRESENTAÇÃO • hipotéticas e da mesma pergunta já imaginou? REFLEXÃO - dependentes
• reflexivas reformulada PROBLEMATIZA- NATUREZA
- escrita ou falada
• conclusivas • pergunta e resposta REPRESENTAM DORA - etnográfica:
- abertas/fechadas (MC, F/V) Questionamento passivo: pelo professor UMA SUCESSÃO • descritiva
- idioma da resposta - estímulo não verbal • incitativa DE OBSTÁCULOS DE CONFIRMAÇÃO • estrutural
- idioma da pergunta + QU contrastiva
- perguntas de associação •
- repetição de palavras chaves - pergunta que tem por função CONDICIONA- SOBRE - secundária
QUANTO AO TIPO - perguntas espelhadas verificar o contato DAS A UM VOCABULÁRIO - polêmica
- pausa TEMPO DE - de esclarecimento
- compreensão literal
FECHADAS COMUNICATIVAS RESPOSTA DE - delicada
- reorganização e - respostas sim/não EM SÉRIE COMPLEMENTA- CONTEÚDO
reinterpretação
- identificação (+ objetivas) ÇÃO - fatos
- inferência - atitudes e crenças
CONTRAPRODUCENTES
- valores - indutivas: DE ACOMPANHA- - comportamento
- respostas pessoais MENTO - sentimento
• simples
• crítica - padrões de ação
PARA - razões conscientes
• às avessas REFORMULAÇÃO TEMÁTICA
• alternativas DE RESPOSTAS - introdução
• complexa
- afins
• pessoal - filtragem
- múltiplas e de maratona
- ambíguas Baseado em Rea &
- retóricas Parker, 2000; Babbie,
- discriminatória 2001
Podemos observar termos semelhantes entre os autores em suas classificações,
mas isto nem sempre significa que dão o mesmo significado a classificações
aparentemente iguais.
Somando as contribuições dos autores citados, é possível afirmar que parece que
estamos diante de um conflito, porque todas as perguntas admitem respostas
contrastivas, ou talvez, melhor dizendo, opostas, conflituosas, divergentes. A intenção
da pergunta pode mudar seu objetivo e de alguma maneira seu conceito. Por exemplo,
se considerarmos que perguntar é buscar uma resposta, reconhecer a própria ignorância
em relação ao que foi perguntado, não podemos deixar de admitir que perguntar
também pode ser uma forma de colocar o outro em conflito, de acordo com a situação e
o contexto e assim também podemos constranger.
Nós podemos perguntar não para querer uma resposta, mas para dizer algo
através da pergunta. Assim a pergunta pode ser uma dúvida ou uma afirmação.
53
2. 3. 2. Algumas tipologias de perguntas...
Para este trabalho serão utilizadas algumas das classificações encontradas, o que
se justifica pelos objetivos desta pesquisa, além dos esclarecimentos que as tipologias a
serem apresentadas trouxeram à discussão da análise.
Coracini (2002) faz um estudo sobre as perguntas que normalmente são feitas
pelo professor e das respostas que os alunos dão que surgem em reação a estas
perguntas. O estudo parte da fala do professor, pois a autora analisa como esta fala
representa um ponto de apoio, pois os alunos estão sempre tentando responder
exatamente o que o professor quer, mesmo quando se acredita que o trabalho leva em
conta uma metodologia centrada no aluno. Ela afirma:
Coracini (2002) analisa que tal passividade é decorrente das imagens que se
constroem historicamente, do que é ser aluno e professor, do papel de cada um. As
ideologias, ou seja, as idéias que permeiam nosso olhar para o mundo vão colaborando
para essas imagens serem determinantes em nosso comportamento.
55
- Pergunta que tem por função verificar o contato: são perguntas formadas por
partículas interrogativas colocadas no final da oração ou intercaladas, cuja função é
verificar a atenção e o acompanhamento do interlocutor, como por exemplo: “não é?”,
“né?”, “tá?”. A autora registra que são questões próprias da linguagem familiar, e que
seu uso mostra uma tentativa de modernizar a relação professor-aluno.
Sobre todas as classificações de Coracini (2002) apresentadas até aqui se pode
dizer que prevalece a dependência da fala do aluno em relação à fala do professor. O
que predomina como resposta “correta” depende da interpretação do professor. Do
aluno se espera uma reação verbal, uma resposta que fica sempre avaliada de acordo
com os critérios do professor. É comum que muitas respostas sejam expressas por
movimentos corporais (como os de cabeça) só para concordar com uma afirmação ou
negação feita. A este respeito há uma colocação esclarecedora, feita não só a partir dos
estudos e dados desta autora, mas também da observação de outros estudos que ela fez:
... todas as vezes que o professor não obtém a resposta esperada ou desejada,
aquela que ele, professor, considera como correta, por corresponder à sua leitura, ele insiste
até obtê-la por uma série de perguntas diretivas. (p. 82)
56
... Como em quaisquer outras situações sociais, o que é dito é menos importante do
que como é dito.
Perguntas investigadoras exigem um ouvinte empático e meticuloso para serem
realmente eficientes. (Mackay, 2002: 16)
57
58
CAPÍTULO 3
Metodologia de Pesquisa
(...) Não é por outra razão que sempre digo que a única maneira que alguém tem de
aplicar, no seu contexto, alguma das proposições que fiz é exatamente refazer-me, quer dizer,
não seguir-me. Para seguir-me, o fundamental é não seguir-me.
A epígrafe inicial apresenta-se para trazer à tona o que parece ser um incentivo
que os autores fazem à criatividade, originalidade, coragem, transformação e, ao mesmo
tempo, humildade. As escolhas durante a pesquisa apresentadas a seguir representam a
busca de fazer esses substantivos tornarem-se adjetivos, atributos dos agentes da
educação. Mesmo com todas as limitações do processo vivido, o que será dito a tempo,
a intenção foi exatamente a de contribuir para a educação no tocante às reflexões
promovidas e no trabalho com a formação do professor.
3. 1. A metodologia de pesquisa.
Esta é uma pesquisa crítica de colaboração, pois, de acordo com Magalhães
(1996) e Cole & Knowles (1993), propõe a participação de todos no processo de
construção do conhecimento, para que ele seja significativo, dando igualdade de
oportunidades para o posicionamento, a colocação de sentidos e significados e a
discussão.
São vários os autores que têm contribuído com as pesquisas e discussões sobre a
metodologia colaborativa e colaborativo-crítica além dos acima citados, como Liberali
(2002, 1998), Magalhães (2006, 2004, 2002, 1998, 1994), Magalhães & Celani (2005),
Hunsaker & Johnston (1992), Dillon, O’Brien & Ruhl (1989).
59
Estudos feitos, por exemplo, por Hunsaker & Johnston (1992: 364) mostraram
que “... as conversações e negociações típicas de projetos colaborativos dão apoio à
reflexão do professor e mudam seus procedimentos de trabalho” 17 (minha tradução).
A opção por este tipo de metodologia de pesquisa se fez logo no início do
trabalho, pela identificação da mesma com a proposta teórica que norteou a idéia inicial
de um trabalho em conjunto, pois é uma pesquisa que se fez com pessoas e não sobre
pessoas e isto implica aprendizagem para todos os envolvidos.
3. 2. O contexto da pesquisa
Esta pesquisa foi realizada em duas escolas de Educação Infantil da rede pública
municipal da cidade de Mauá, que faz parte do grande ABC paulista, no Estado de São
Paulo. Nessas escolas atendem-se crianças de 3 a 6 anos e elas localizam-se em lados
opostos da cidade.
A pesquisa acabou ocorrendo nos espaços de duas escolas, pois de 2005 para
2006 a professora participante da pesquisa mudou de escola. Estas mudanças ocorreram
por ela trabalhar em sistema de contrato temporário, e sendo assim, todo ano passa por
um concurso para se recolocar e por isso seu local de trabalho se redefine a cada ano.
Então, a coleta de dados que se iniciou em novembro de 2005 esteve em andamento até
2006 no espaço das duas escolas, isto porque eu não mudei de local de trabalho e a
conciliação de horários para nos encontrarmos para gravar as aulas e sessões reflexivas
ficou muito difícil. Houve ainda a necessidade de terminarmos a coleta dos dados
provenientes de sessões reflexivas em outro espaço em 2007, já fora das escolas.
17
(...) conversations and negotiations typical of collaborative projects support teacher reflection and
changes in working procedures.
60
Ocorre nessa escola o atendimento de um grupo considerável de alunos que provém de
bairros mais distantes e carentes (42%).
A outra escola fica em uma comunidade que é formada por pessoas mais
carentes, trata-se de uma periferia bem distante do centro, mas também em área
urbanizada com as casas de alvenaria (nem todas acabadas), contando com asfalto,
transporte público e com um comércio local. Também fica próxima a uma escola de
ensino fundamental da rede do estado.
3. 3. Primeiros passos...
No final de 2002, pela primeira vez na história da cidade de Mauá, foi criada a
função gratificada18 de professor coordenador pedagógico, cuja sigla é PCP. Depois de
estar atuando nessa rede municipal há onze anos, sempre no ensino fundamental,
candidatei-me à função em uma escola de Educação Infantil, pois, até então, devido ao
tipo de concurso que fiz e à antiga legislação, não podia optar por sair do ensino
fundamental.
Foi interessante participar do processo de seleção, pois devia apresentar um
projeto de trabalho ao Conselho de Escola, que indicaria à Secretaria de Educação a
proposta que julgasse mais apropriada. A Secretaria, então, aprovaria ou não a decisão.
Ao assumir a coordenação em fevereiro de 2003, na escola municipal de
educação infantil para a qual havia concorrido, ocorreu um grande problema: o diretor
da escola havia deixado a função e então assumi a coordenação e a direção sem nunca
ter desempenhado antes nenhuma das duas funções. Um mês depois, em virtude das
férias da única escriturária da escola, assumi também todas as demandas da secretaria.
Foi muito difícil, pois sentia que nada saía como eu gostaria e as questões pedagógicas
não estavam sendo encaminhadas totalmente de acordo com meu projeto de trabalho.
Somente em julho daquele ano foi que a nova diretora chegou e só em agosto pude
reorganizar o HTPC, transformando-o em um momento privilegiado de estudos.
18
A função gratificada de PCP é a oportunidade que um professor da rede municipal tem de exercer a
função de coordenador pedagógico recebendo por isso uma porcentagem a mais em seu salário. Tal
oportunidade é oferecida por meio de uma seleção interna, que exige a apresentação de um projeto de
trabalho ao conselho de escola. Ao conselho cabe a indicação do projeto à Secretaria de Educação, sendo
que será esta última a decidir sobre a aprovação ou não do candidato.
61
De agosto a dezembro percebi que precisava ter mais conhecimento para
melhorar minha atuação. Tinha um grupo de professoras bastante envolvido e gostaria
de estar mais preparada. Foi aí que tive contato com os cursos da COGEAE-PUC/SP.
Em 2004 iniciei então o curso sobre o Papel do Coordenador Pedagógico e
durante esse curso fui tomando consciência do meu papel e dos conflitos e dificuldades
dos professores ao trabalhar com teorias de ensino-aprendizagem. Ao mesmo tempo, foi
crescendo meu conhecimento e intimidade com a importância do Projeto Político-
Pedagógico e fui apurando uma didática de produção coletiva desse documento, na qual
procurava envolver todos os funcionários da unidade.
Palavras... Palavras... Como fazem a diferença! Durante o primeiro semestre do
curso da COGEAE recebi o seguinte recado das professoras num dos trabalhos
produzidos:
Ps: acho que você deve pensar urgentemente no seu mestrado. Formação de
Professores – LAEL.
Ao ler realmente impactei-me com as palavras. O mestrado para mim era uma
conquista distante. Comecei a pensar no assunto, mas preferi fazer o módulo
intermediário no segundo semestre, dando continuidade e ampliando assim meus
conhecimentos e, com isso, a visão das possibilidades de como poder contribuir para o
trabalho pedagógico. Foi assim que, observando principalmente os conflitos entre teoria
e prática no fazer pedagógico, resolvi investir na pesquisa.
62
entre outras, a partir da contribuição de todos. A idéia foi pensar no que deveríamos
perseguir para sermos coerentes com toda a orientação proposta pelos RCNEI e outros
documentos que apontam para uma teoria sócio-histórico-cultural.
A avaliação feita pelo grupo sobre a construção do PPP que fizemos me deu
muito ânimo, pois houve uma ênfase grande no quanto foi positiva a participação de
todos, na troca de experiências de vida e na construção democrática.
O depoimento de uma merendeira sobre a experiência mais positiva de sua vida
escolar ilustrou a importância da atividade para o grupo. Tratava-se de um momento
ocorrido em 1961, ou seja, 44 anos antes daquela data, em que uma professora olhou-a
nos olhos para ouvi-la, demonstrando preocupação com suas dificuldades. Ela disse que
nunca mais uma professora a olhou daquela forma. O grupo ficou sensibilizado. Foi
uma oportunidade para pensarmos o quanto nos importamos com nossos alunos. Em
uma das avaliações uma professora assim escreveu:
A partir desse momento começou a ficar claro para mim que no processo de
coleta de dados, no qual as sessões reflexivas estavam previstas, o PPP seria
instrumento fundamental para o questionamento da prática pedagógica. Pela produção
coletiva ele ganhara um status de acordo consensual dos funcionários daquela unidade.
Seria um parâmetro para as convergências e divergências teórico-práticas.
Durante o período de análise dos dados, o PPP não deixou de ter importância,
contudo, não poderia mais ser o foco no trabalho, pois uma grande aprendizagem do
processo desta pesquisa foi perceber que só a partir dos dados coletados é que se pode
realmente definir um foco para a análise. No caso da observação feita, os dados
apontavam para a questão da pergunta, devido ao excessivo número de vezes em que
ocorreu.
63
O PPP, assim, teve importância fundamental no início deste trabalho, pois
possibilitou reflexões e vivências nas quais a relação teoria-prática estavam em pauta,
assim como a produção coletiva do projeto e com isto questões relacionadas à gestão
democrática, mas foi nas características da mediação, reveladas pelos tipos de perguntas
na ação pedagógica, que o foco do trabalho se constituiu.
3. 3. 2. As oficinas de reflexão
“Eu fui treinada para escrever bonito e não para pôr a teoria na prática”.
(Professora S. -19/04/05)
64
Expus a sugestão das oficinas de reflexão crítica, nas quais iríamos observar a
prática de uma colega e a partir dela desenvolver as quatro ações desta reflexão
(Smyth, 1992). O grupo se mostrou apreensivo e então eu expliquei que como
coordenadora me via na responsabilidade de desenvolver tal trabalho, mas que como
pesquisadora, poderia e deveria, por estar trabalhando com uma pesquisa crítica de
colaboração, contar com sugestões e ajuda do grupo. Diante da ansiedade causada,
perguntei então se se sentiriam melhor se iniciássemos por uma situação fictícia, para
que todas pudessem compreender o que está sendo proposto para a prática de cada um.
Na hora todas pareceram bem mais à vontade, expressando-se de forma a concordar. A
professora C. disse que começar assim será bem mais tranqüilo, mas mesmo sabendo
que será importante a observação de sua aula, sente que não se sentirá à vontade.
Analisou com um exemplo de como era observada no passado.
Num outro momento a professora I. me falou que a professora C. não teve escolha
quando recebia a supervisora para observar suas aulas e agora estávamos negociando
a forma de observação da prática. Pareceu-me elogiar a maneira como o grupo estava
participando.
65
oficinas de reflexão crítica, na qual fizemos a observação da aula de uma colega. Ela
expressou sua indignação com a exposição que estava sendo feita da professora,
dizendo que não se sentiria bem em participar.
Felizmente a outra voluntária, pensando de maneira bem diferente, expôs que
estava entendendo que seria para seu crescimento profissional e pessoal. Foi assim que
em novembro de 2005, iniciei as filmagens de suas aulas e as sessões reflexivas
respectivas às mesmas.
Depois de quase dois anos de trabalho com essa professora, por ocasião da
última sessão reflexiva feita, foi que ela revelou que a princípio nem pensava em ser
colaboradora, pois sentia que não poderia ajudar por sua inexperiência e também porque
não queria se expor. Segundo ela:
Este histórico foi trazido para a metodologia para ressaltar uma questão que
não será explorada nesta pesquisa, mas que pode suscitar novos olhares: o estigma da
resistência à mudança, que recai sobre a imagem dos professores.
Se foi durante um trabalho de aproximadamente 5 meses que a professora
mudou seu olhar, sua percepção e sua decisão sobre participar como colaboradora de
uma pesquisa que objetivava (e isto foi esclarecido desde o início) provocar
transformações na prática pedagógica, então minha atuação como coordenadora pôde
quebrar resistências. Não é possível esgotar essa discussão aqui, até porque somente
uma professora mostrou mudança.
Fica a necessidade de aprofundar os estudos sobre quais fatores estão
interagindo nessa resistência e no discurso que a envolve. No momento há apenas uma
certeza: foi possível superar algumas resistências.
3. 4. As participantes da pesquisa
3. 4. 1. A pesquisadora
66
série até 2002. De 2003 até 2006 passou a ser coordenadora e agora é professora de
educação infantil. A saída da coordenação pedagógica foi necessária para uma redução
de carga horária, requerida junto à secretaria de educação, para melhor cumprir os
créditos do mestrado e dedicar-se à pesquisa.
3. 4. 2. A professora participante
Estudante de pedagogia desde 2005, iniciou sua atuação como professora nesse
mesmo ano. Fez magistério, mas anteriormente atuou quatorze anos na área de recursos
humanos como chefe e assistente de RH.
67
entender o que as pessoas fazem, nós precisamos saber o que elas pensam” (minha
tradução) 19.
Contudo, a coleta de dados a partir dos diários e notas de campo foi secundária,
usada em poucos momentos. Os dados primários para a análise foram as filmagens e
gravações em áudio de aulas e de sessões reflexivas. Tais instrumentos de coleta, como
afirma Brookfield (1995), são extremamente necessários para um distanciamento da
prática, o que também é argumentado por Magalhães (1998), que acrescenta a
importância de tais instrumentos na compreensão das ações verbais e não verbais da
sala de aula.
19
“(...) if we want to understand what people do, we need to know what they think”
68
3. 6. A coleta de dados
3. 6. 1. Filmagens e gravações em áudio
Em novembro de 2005 iniciamos a filmagem da primeira aula da professora na
primeira escola já referida. A esta se sucederam mais duas aulas e uma sessão reflexiva
ainda em 2005. Em todas essas ocasiões, sempre marcávamos o dia e horário com
antecedência e antes da sessão reflexiva, deixava que a professora assistisse a filmagem
primeiro e escolhesse o trecho para que pudéssemos discutir. Com isso, procurava fixar
o intuito do trabalho, ou seja, a colaboração para a revisão e transformação do trabalho
pedagógico, com vistas à coerência teórica.
Com a mudança de escola da professora, tivemos que continuar a coleta de
dados na segunda escola municipal referida no contexto da pesquisa. Para tanto foi
necessário permissão da nova direção. Isto ocorreu porque por ser a professora
contratada, a cada ano que consegue passar no concurso seletivo, deve ir para onde há
vagas, quando da chegada de sua classificação.
Uma novidade ocorreu já no final de 2005: a prefeitura contratou uma empresa
para assessorar pedagogicamente toda a secretaria de educação e em 2006 não foi
construído o PPP como nos anos anteriores. Uma minuta de proposta pedagógica foi
apresentada para todas as escolas da cidade, produzida pelos profissionais da empresa.
Nessa transição não estava claro para mim, nem para a professora como a minuta iria se
transformar no projeto da escola, por isso continuamos buscando a coerência com a
organização teórica que havíamos feito em 2005, até porque de nenhuma forma ela era
contrária às propostas gerais da tal minuta.
No total, foram feitas cinco filmagens de aulas, sendo três na primeira escola,
que será identificada como escola A, e duas na segunda escola, identificada por escola
B.
69
reflexiva retomando a terceira, que acabou se constituindo em uma sessão reflexiva
sobre a sessão reflexiva anterior, trazendo resultados muito positivos.
Surpreendente para mim foi quando fiz, depois da quarta sessão reflexiva, a
transcrição da aula discutida e percebi o quanto não havia notado o tipo de interação
estabelecida entre professora e alunos.
Na quinta sessão retomamos mais uma vez a aula já discutida anteriormente para
observarmos juntas a transcrição e a professora também se assustou em ver o quanto o
registro escrito radiografava o que não percebemos somente com a observação da
gravação da aula.
Ninin (2002: 72) chama a atenção para este fato:
Fiquei muito preocupada em perceber isso tão tarde. Sei que foi uma
aprendizagem no processo, mas sinto que aprendi coisas diferentes junto com a
professora. Ao exercitar o papel de pesquisadora, fui tomando consciência da efetiva
função da pesquisa, pois descobri algo que não esteve em meu olhar nem no dia da aula,
nem no dia da primeira sessão reflexiva sobre esta aula. Esta sensação de perda de
controle na verdade me mostrou o quanto a pesquisa pôde revelar em seu curso e o
quanto ela foi um instrumento-e-resultado no processo das envolvidas (professora e
pesquisadora).
Ao todo foram feitas sete sessões reflexivas, isto porque na última data em que
nos reunimos, considerei dois momentos distintos, sendo o primeiro para refletir sobre
outra sessão reflexiva e o segundo momento para uma reflexão a respeito de uma aula
sobre a qual não havíamos conversado ainda. Segue um resumo dos dados coletados
para análise:
70
Dados coletados
Quadro 3
Que tipo? Sobre o quê?/Quem? Quantos? Quando?
Filmagem Aulas: fase II (5 e 6 anos) na escola A 3 11/11/2005
16/11/2005
21/11/2005
Gravações Sessões reflexivas com a professora 2 16/12/2005
em áudio 11/01/2006
Diário A professora registrou suas 1 Dezembro
impressões da 1ª sessão reflexiva de 2005
Filmagem Aula: fase II (5 e 6 anos) na escola B 2 08/05/2006
15/05/2006
Notas de Sessão reflexiva 1 29/05/2006
campo
Filmagem Sessão reflexiva sobre sessão 3 26/06/2006
reflexiva 11/09/2006
08/03/2007
Filmagem Sessão reflexiva com a professora 1 08/03/2007
3. 6. 3. Procedimentos de análise
Para melhor situar o leitor em relação aos recortes das quatro aulas que foram
selecionadas, segue um quadro com o número dado para identificar a aula, a data em
que ela ocorreu, bem como o assunto e a atividade desenvolvidos.
71
Aulas analisadas
Quadro 4
AULA DATA ASSUNTO ATIVIDADE
1 11/11/2005 Data e rotina. Escrita coletiva da data e leitura de
palavras para compor a rotina
(programação) do dia.
2 16/11/2005 Na primeira Prática escrita da adição a partir da
parte da aula observação da junção de figuras de
foi trabalhada a peixes, acompanhada de uma história
adição. que oralmente foi contada pela
professora.
3 21/11/2005 Conceito de Discussão oral sobre o conceito.
ecologia.
4 08/05/2006 Diferença entre Conversa sobre as partes do carro e
algarismos e identificação das letras e algarismos
letras de placas de carros.
72
Abaixo segue o quadro que resume os procedimentos para análise:
73
A metodologia procurou mostrar a pesquisa crítica de colaboração como a opção
para o trabalho da pesquisadora com a professora participante, trabalho este que
ocorreu em duas escolas públicas de educação infantil da rede municipal de Mauá.
Filmagens de aulas e de sessões reflexivas foram as formas primárias20 de coleta de
dados. A observação inicial dos dados revelou uma grande incidência de perguntas na
mediação vivida pelas participantes. Sendo assim, essas perguntas passaram a ser foco
para o estabelecimento de categorias de análise, que, a partir de agora, serão mais
detalhadamente explicadas, para um melhor esclarecimento ao leitor.
3. 7. Categorias de análise
20
Chamo de formas primárias os dados utilizados para a análise, pois, no início da pesquisa, coletei dados
durante o trabalho com todo o grupo de professoras nos HTPC, que chamo de secundários, porém, esses
dados não foram utilizados para a análise.
74
sendo tratado. Há uma intenção de revelar através dessas perguntas o que já foi
aprendido. O que se observou foi uma incidência maior dessas perguntas em relação às
outras, em todas as aulas analisadas. Considerando esse fato, abaixo será apresentado o
número de vezes em que a questão foi utilizada em cada aula e quanto isso representou
em porcentagem em relação ao número total de perguntas feitas:
Mesmo com uma incidência muito pequena dessas perguntas (seis no total das
quatro aulas), elas foram trazidas para uma reflexão sobre a postura da professora em
situações em que não se tem a atenção desejada dos alunos.
75
1 “Agora nós vamos sentar que a prô vai fazer a chamada, quando a prô
faz a chamada a gente tem que ficar como? Quietinho, por quê? Senão
não escuta. Depois, senta. Agora nós vamos fazer a chamada. Arieli...”
2 “Muito bem. Quem não veio ainda? Vamos ler a placa do Joel?”
76
A pergunta normalmente era formulada com “por que” ou “o que é”. Houve uma
ocorrência de treze vezes nas aulas selecionadas, sendo respondidas seis vezes por
alunos, pois as demais foram respondidas pela professora ou ficaram sem respostas.
Como no exemplo, a professora diz: “Tá escrito tchau? Por que tá escrito tchau? Olha, é
quase assim. Tá escrito saída. Na hora que a gente vai embora que a gente fala tchau,
mas olha que letra é essa? S”.
g. Pergunta para confirmar o já dito: são aquelas que parecem não estar
questionando nada, mas, sim, apenas afirmando ou confirmando informações já dadas.
Constituem-se de partículas interrogativas, muitas vezes monossilábicas, como “né?”,
“tá?”, “não foi?”. Houve alto índice de utilização no decorrer das aulas observadas:
quarenta e quatro ocorrências. Segue-se uma exemplificação:
77
- As referências que serão feitas de vezes ou porcentagens de incidência do uso
de perguntas referem-se àquelas feitas ao longo das quatro sessões reflexivas analisadas,
que somam:
- 77 perguntas feitas pela professora;
- 176 perguntas feitas pela coordenadora.
78
Em relação à incidência, uma única vez essa pergunta foi feita pela
professora, enquanto que pela coordenadora foram 23 vezes, estando
presentes em todas as sessões reflexivas. Seguem-se dois exemplos:
1. “Eu acho que pra essa atividade... Olha, olha a posição que você
ficava. Em que posição você poderia ter montado a sala pra que todos
vissem?”
2. “E pensando no reconstruir, teria alguma coisa dessa aula que você
faria diferente?”
79
d. Pergunta de acompanhamento: são aquelas feitas com a intenção de
verificar se o ouvinte está atento à conversa. Não são feitas, necessariamente,
para abrir espaço para o outro falar, mas acabam dando oportunidade para um
sinal do ouvinte, principalmente gestos de cabeça, concordando ou não com as
colocações que, no final, trazem majoritariamente a palavra “entendeu?”, mas
também algumas vezes com as colocações: “Já te falei isso?”, “Consegue ver?”,
“Certo?”, “Isso é tranqüilo pra você?” e “Viu que não deu certo?”.
Também esse tipo de pergunta apareceu em todos os encontros; foi, contudo,
mais utilizada pela professora (12 vezes) do que pela coordenadora (11 vezes),
principalmente quando consideramos o número total de perguntas feitas por uma
e outra.
Vejamos os exemplos:
1. Mas por quê? Porque é algo que eles gostam, entendeu? Acho que,
por isso, acho que desde o começo a minha intenção foi essa, mas
trazer alguma coisa pra leitura em cima de algo que eles gostam.
2. Ah, tem algo aqui extremamente positivo e isso parece já ser um traço
em todas as suas aulas. Você consegue identificar? Acho importante
destacar o que tem sido bem coerente com nossa proposta teórica.
80
g. Perguntas para confirmar algo já dito: de maneira similar ao que
ocorreu nas aulas, esse tipo de pergunta parece apenas afirmar ou confirmar algo
já dito, sem questionar efetivamente nada. Aqui também apareceram em todas as
sessões reflexivas com as partículas interrogativas “né?”, “tá?”, “não foi?”. A
incidência de perguntas desse tipo somou 60% das perguntas feitas pela
professora nas quatro sessões reflexivas selecionadas, enquanto a coordenadora
usou desse recurso em 15% das perguntas que fez.
1. “... esse momentinho que aconteceu aqui, por que você estava
perguntando? Você tava dando espaço, mas assim, tinha que ser só a
sua resposta, não podia fugir daquilo.”
Neste exemplo a mesma frase poderia ter sido dita sem a pergunta: “...
esse momentinho que aconteceu aqui, ao perguntar você tava dando
espaço, mas ...”
81
i. Perguntas hipotéticas: essas perguntas foram feitas para lançar uma
hipótese ou uma possibilidade diante de uma situação. Foram feitas somente no
último encontro analisado, numa incidência muito pequena, 1 vez pela professora e 3
pela coordenadora, não estando presentes nos dados discutidos. Estão exemplificadas a
seguir:
1. “E se eles tivessem dito sim por embalo?”
2. “Porque eles falam assim em coro. E se mudasse?”
82
CAPÍTULO 4
“... o valor de uma tese está na descoberta e na formulação de perguntas essenciais que
despertem a curiosidade de outros pesquisadores. O valor não está tanto nas respostas,
porque respostas são sem dúvida provisórias, como as perguntas...
Mas, à medida que encontramos as perguntas essenciais que nos permitirão responder
e descobrir novas perguntas, forma-se essa cadeia que possibilitará que a tese se vá
construindo”.
Toda análise de dados deve ser feita a partir das perguntas de pesquisa e é neste
ponto, como bem observou Faundez (no livro em que “conversou” com Paulo Freire),
que está o segredo: encontrar perguntas essenciais. Nessa busca, as perguntas desta
pesquisa foram formuladas, reformuladas e finalmente estabelecidas para focalizar o
papel da professora através das interações estabelecidas entre ela e seus alunos.
83
c. Dos estudos sobre “a pergunta”;
A partir da criação das categorias foi possível, então, voltar aos dados,
procurando uma caracterização da mediação estabelecida, com o apoio do quadro
teórico.
84
resultado esteja inserido na prática. Tem que se criar um espaço em que haja
construções de conhecimento e que nessas oportunidades todo mundo fale, questione,
pergunte, cresça. A efetiva aprendizagem pela mediação é desejada para que se
desencadeie o desenvolvimento (Vygotsky, 1930-1933).
Ao rever os dados, foi possível perceber que a professora que participa desta
pesquisa está buscando de muitas formas se atualizar e fazer um trabalho coerente com
a teoria sócio-histórico-cultural. Ela descreve aspectos fundamentais da teoria,
mostrando compreensão teórica, tanto da TSHC, teoria que pretende usar como base em
seu trabalho, como da teoria tradicional/comportamentalista, que critica e questiona.
Contudo, em sua prática, ou seja, em sua rotina de trabalho, acaba expondo seus
conflitos e dificuldades em ser coerente.
Como já foi dito na seção da metodologia, quatro aulas foram selecionadas para
a análise, considerando-se para isso as que mais elementos ofereciam para a criação das
categorias de análise.
Antes da apresentação dos recortes da primeira aula, há uma breve consideração
sobre a atividade, para orientar o leitor quanto ao contexto da aula.
85
Recorte 121 Aula 1
14 Professora Agora eu quero saber em que mês nós estamos?
15 Alunos Eu sei. Setembro.#
16 Professora Setembro já foi.
17 Alunos Março.#
18 Professora Março também já foi.
19 Alunos Maio #
20 Professora O mês é passado, agora nós estamos num mês novo. Evelin, você
fez aniversário, não foi? // Que dia é seu aniversário?
21 Evelin Foi dia 2.
22 Professora 2 do quê?
23 Evelin Não sei.
24 Professora Novembro. Olha, vamos escrever novembro. Agora nós vamos
fazer a rotina. =
21
As seguintes convenções devem ser consideradas para as transcrições: # falas sobrepostas ou
concomitantes; ... falas interrompidas; // ênfase ou amplitude alta; [ ] ação não verbal; = pausa ou
silêncio; ( ) quando há cortes no trecho trancrito.
86
Coracini (2002) chama questões desse tipo de “perguntas de contato”. Segundo
ela, são utilizadas para verificar a atenção e o acompanhamento do interlocutor numa
proposta de modernização da relação professor- aluno. Já Mackay (2001) denomina este
tipo de pergunta como “pergunta indutiva simples”, pois, nesse caso, objetiva induzir à
resposta, sem encorajamento para que o respondente se coloque, ou negue a afirmação
feita. O autor considera que esse tipo de pergunta é contraproducente, ou seja,
desvaloriza o próprio objetivo da pergunta, pois sugere a resposta. Ele afirma que
devemos evitar tal tipo de pergunta, no entanto, no contexto desta pesquisa, da aula
observada e do assunto, a professora parece estar organizando sua fala ao relembrar
sobre o aniversário. Não parece ter sido negativa sua ação, no sentido de responder a
própria pergunta feita, considerando-se pontualmente esse exemplo.
Nesse primeiro recorte, observei que as crianças dominavam o conceito da
palavra mês, pois, por três vezes, sugeriram nomes demonstrando classificar
corretamente a partir desse conceito. Contudo, o que seria necessário para ajudar esses
alunos a reorganizarem tal conhecimento? Seria uma questão de ordem? De
temporalidade? De vocabulário?
Ao dar uma pista à aluna Evelin sobre seu aniversário, observei que a professora
buscou o conhecimento espontâneo da aluna de maneira muito positiva, relacionando a
pergunta com algo significativo e compreensivo para as crianças, ou seja, o aniversário,
mas como tal ajuda não foi suficiente, a professora dá a resposta.
Acredito que houve coerência teórica ao se partir do que o grupo já
compreendia, por dar oportunidade para que todos participassem, ao se oferecerem
elementos da vida cotidiana para fazer as crianças pensarem. Contudo a sessão reflexiva
deveria ter trazido à baila como essa questão poderia ter se resolvido de maneira
diferente. Poderíamos ter explorado reflexões a respeito do tipo de pergunta mais
adequada a se fazer aos alunos, para não se fixar apenas na verificação do conteúdo e
sim no desafio de pensar e reorganizar o que se sabe.
O erro não foi aproveitado para uma reorganização, como Nuttall (1982) e
Méndez (2002) defendem. O erro deveria ser uma oportunidade de aprendizagem, o que
poderia ter sido feito com uma reflexão sobre as causas do erro.
Sendo assim, não se conseguiu constituir uma mediação na qual se pudesse
trabalhar na ZPD de forma que se chegasse a uma transformação, já que nem com a
ajuda da professora chegou-se à resposta certa. Talvez isso fosse possível ao se
apresentar para a criança diariamente como se organizam os meses, toda a seqüência e a
87
cada mês sugerido numa situação como esta, se localizasse a criança em relação à
ordem do mês que cada um falou. Afinal, não se trata apenas de se chegar a uma
resposta certa e, sim, de criar ou valorizar o processo da chegada a tal resposta (Nuttall,
1982). Estaríamos, assim, trabalhando um conceito dentro de uma hierarquia de
conceitos cientificamente organizados.
22
Esse documento, conhecido pela sua sigla RCNEI, foi produzido pelo Ministério da Educação, ou seja,
um órgão federal, para ser justamente um referencial, um apoio, ou ainda um conjunto de sugestões ao
trabalho da Educação Infantil nacional, dotadas de fundamentação teórica.
88
desenhar os eventos; encaixar figuras e palavras previamente preparadas em cartaz
indicando a ordem dos eventos, são algumas formas de participação.
O recorte que apresento a seguir foi parte de uma aula na qual a professora, de
posse dessas idéias, programou essa atividade de forma diferente da que normalmente
usava. Em vez de simplesmente registrar escrevendo na lousa, às vezes contando com a
participação da criança para a escrita, ela escreveu em placas de papel colorido várias
palavras. Algumas dessas palavras faziam parte da rotina daquele dia e outras, não.
A quantidade de palavras foi a mesma da quantidade de alunos, justamente para
dar oportunidade para que todos participassem, vindo até a frente da classe apresentar a
palavra recebida e tentar lê-la com a ajuda do grupo, decidindo qual seria usada ou não.
As usadas foram sendo fixadas na lousa pela professora, não necessariamente na ordem
em que ocorreriam num primeiro momento, já que o objetivo central da professora
nessa hora era a utilização dessa atividade diária (registro da rotina) para um exercício
de leitura.
Recorte 2 Aula 1
26 Professora Você sabe o que está escrito aqui Leonardo?
27 Leonardo Não.
28 Alunos Merenda.#
29 Professora Merenda? Merenda começa com essa letra?
30 Alunos Não.#
31 Professora Gilmar, Gilmar, merenda começa com essa letra?
32 Gilmar Não.
33 Professora Que letra é essa?
34 Alunos F.#
35 Professora E essa?
36 Alunos I.#
37 Professora I, né, merenda então não pode ser merenda, o que será que está escrito
aqui?
40 Aluno É parque.=
41 Professora Também não. Olha é uma coisa que nós fazemos quando a gente vem
pra essa sala aqui (eles estavam na sala de vídeo/biblioteca, pois a escola
funciona em salas ambientes e cada dia estão em uma sala diferente).
42 Aluno Atividade.
43 Aluno Vídeo.
44 Professora Atividade começa com essa letra? [ ] (apontando a letra “F” da palavra
“Filme”)
45 Alunos Não.#
46 Professora Olha [ ], F, I, Filme, nós assistimos filme?
47 Alunos Não.#
48 Professora Nunca assistimos?//
49 Alunos Não, eu assisti vídeo.#
89
50 Professora Então faz parte da nossa rotina, não faz?//
51 Alunos Faz.#
52 Professora Vamos colocar lá na lousa. =
90
juntos avançariam em conhecimento. Talvez isso pudesse ocorrer com a possibilidade
de outros opinarem a respeito para uma construção coletiva de significado, pelo
exercício de vários terem vez para colocarem sua voz, falarem sobre o que o outro
falou.
Creio que nesta situação ela estaria atuando na ZPD, pois, os alunos estariam
adquirindo uma nova forma de se referirem a uma atividade tanto da rotina escolar
como da doméstica, expandindo o vocabulário ou talvez até compreendendo as várias
possibilidades lingüísticas de se referir a uma situação, o que seria um aprendizado
sobre o funcionamento da linguagem e suas diversas possibilidades. O campo de
possibilidades aqui é apenas hipotético, mas não utópico. Dessa maneira, seria
considerado, por exemplo, o que Magalhães (1996) trata sobre a aprendizagem numa
abordagem sócio-histórico-cultural, ou seja, a importância do “outro” diante de qualquer
conhecimento novo.
As perguntas feitas nos turnos 26, 29, 31, 35, 37, 44, 46 são todas chamadas por
esta pesquisa de “verificação de conteúdo”, buscando saber o nome ou a identificação
de uma letra ou a capacidade de leitura de uma palavra, já que as crianças não eram
alfabetizadas. A presença desse tipo de pergunta foi muito grande em todas as aulas (ver
mais detalhadamente no próximo item) e neste recorte tais perguntas parecem ser a
estratégia que a professora usa para motivar os alunos à leitura.
Novamente tais perguntas parecem estar objetivando a facilitação da
aprendizagem de acordo com Coracini (2002), mas sempre com perguntas fechadas, que
só admitem uma resposta e neste ponto valem as observações já feitas no recorte
anterior. O que é necessário acrescentar é que algumas dessas perguntas são
classificadas por alguns autores como perguntas de “sim ou não”, como as dos turnos
26, 29 (2ª pergunta), 31, 44 e 46. Nuttall (1982), Mackay (2001), Ricardo (2002) e
Ninin, Hawi, Damianovic e Mello (2005), como apresentados no capítulo teórico, usam
essa tipologia para denominar perguntas restritivas, nas quais o respondente irá
confirmar ou negar uma idéia ou situação, sem incentivo para maior participação.
Certamente essa opção da professora deveria representar uma necessidade de reflexão
ao seu trabalho de formação, pois se esta maneira de incentivar a leitura não está sendo
produtiva, quais outras formas poderiam ser utilizadas? Talvez fosse uma oportunidade
de se propor à professora estudos sobre estratégias de leitura que pudessem ajudá-la a
alcançar seus objetivos.
91
Em relação às perguntas dos turnos 29 (1ª pergunta) e 48, são chamadas nesta
pesquisa de “perguntas para questionar a resposta anterior”. Parecem dizer que a
resposta dada não foi a esperada e que deve ser revista. Coracini (2002) assinala esta
questão, dizendo que as perguntas diretivas são uma forma de o professor fazer o aluno
chegar à resposta que ele quer. Para ela, essa maneira de condução durante as aulas está
diretamente ligada às questões políticas através de valores historicamente criados e
mantidos pela ideologia dominante. Parece que no recorte apresentado, a prática da
professora é o reflexo de suas crenças, adquiridas pelas experiências de sua história
vivida. Tais crenças podem assim estar impregnadas de valores do paradigma
tradicional. Nesse caso, podem refletir a valorização de respostas pré-determinadas,
conteudistas, sem espaço para a diversidade de opiniões.
Mais uma vez há um exemplo de “pergunta para confirmar o já dito” no turno
50, para a qual vale discussão anterior.
Recorte 3 Aula 1
72 Professora Agora vai vim o Vitor. O Vitor tá falando que aqui está escrito
escovação. O que que vocês acham?
73 Alunos Não.#
75 Professora O! [ ] (gesticulando interrogativamente e mostrando com o dedo a placa)
76 Alunos Tá... não #
77 Professora O!O que que vocês acham, tá escrito escovação?
78 Alunos Não.#
79 Professora Por que não?//
80 Alunos Porque começa com E.#
81 Professora Oh, mas que letra é essa? [ ] (mostrando com o dedo a letra E)
82 Alunos E... Escovação.#
83 Professora Então tá escrito, olha [ ] es-co-va-ção. A escovação está na nossa
rotina?
84 Alunos Tá.#
85 Professora Então tá.=
A professora parece querer oferecer pistas, dar chances para que eles consigam
antecipar ou ler a partir de indícios, contudo, observamos que suas duas perguntas
iniciais negritadas nos turnos 72 e 77 são idênticas e não surtem efeitos.
92
Ao dizer o que o aluno Vitor pensava, no turno 72, ela fez uma questão que
exigia como resposta SIM ou NÃO, o que dificulta saber se haveria ou não algum tipo
de compreensão, pois se o coro tivesse dito sim, talvez muitos, “no embalo” do grupo,
não estariam pensando sobre sua leitura.
Contudo, como a resposta foi “não” repetidamente, a professora conseguiu criar
no turno 79 uma questão chamada nesta pesquisa de “pergunta que incita à
argumentação/explicação”, importante para provocar uma participação mais ativa.
Mackay (2002) chama a esta pergunta de “investigadora simples”, por ser usada
normalmente no início de uma busca mais detalhada de informações.
Em seguida da questão citada, utilizando o “por quê?”, a professora usa outra
questão com a conjunção adversativa “mas” no turno 81, ou seja, trazendo a idéia de
que havia uma contradição. Sendo assim, os alunos tiveram que argumentar e então se
instalou um conflito, pois eles sabiam que escovação começava com a letra E em sua
percepção sonora, mas não estavam conseguindo antecipar esta leitura pela grafia.
Foi quando a professora focou a primeira letra, mostrando-a com o dedo na
placa, que alguns alunos reconheceram a letra E enquanto símbolo gráfico. Nesse
momento, a professora usou um gestual facial que impunha um posicionamento do
grupo diante da contradição, já que diziam que a palavra sugerida pelo colega começava
com E, que aquela palavra mostrada também iniciava com E e negavam a possibilidade
da leitura sugerida pelo colega ser correta. Foi somente aí que o grupo percebeu e entrou
num consenso com a professora.
Essa última ação da professora trouxe a esta pesquisa a necessidade de um olhar
mais atento sobre outras linguagens que não seja só a oral no processo de mediação.
Parece que a combinação de questões, mais o gestual da professora foram importantes
na ajuda aos alunos.
Na filmagem, fica claro que para se alcançar o consenso da leitura, foi
fundamental o referido gestual. Ao apontar a letra E com o dedo e, assim que alguns a
reconheceram, expressar em sua face uma imagem interrogatória sobre a contradição,
criou condições para que nessa hora houvesse a mudança de opinião. O fato que
chamou atenção foi a importância de se utilizar todos os tipos de linguagem no processo
de mediação, a saber: oral, gestual, pictórica, escrita e simbólica.
Em sua classificação, Mackay (2002) coloca essas expressões e movimentações
de corpo e face como parte das “perguntas passivas”, denominando-as mais
especificamente de “estímulo não verbal”. No entanto, ele diz que são utilizados para
93
que o respondente saiba que está sendo ouvido, mas o que se observou nos dados foi
mais que isso, foi o uso desse gestual como uma forma de efetivar a dúvida, o conflito.
Parece que as pistas para oferecer pontes entre o conhecimento espontâneo e o
científico precisam ser bem pensadas, ou seja, planejadas, pois a condução parece estar
muito intuitiva. Nem sempre está se considerando a ZDR e a ZPD, fundamentais ao
desenvolvimento, segundo Vygotsky (1930-1933). Talvez aqui fosse oportuno um
trabalho com a professora a respeito de algumas formas de ação que viessem a
contribuir, como, por exemplo, as referidas por Luciolli (2003: 22): a valorização da
imitação, a colaboração, as experiências compartilhadas e também as pistas fornecidas
às crianças.
A fala em coro dificulta a condução do processo de leitura. Talvez seja
necessário criar uma forma de se organizarem as falas, já que foi observada uma
estrutura de comunicação na qual é comum aparecer a pergunta da professora seguida
da resposta em coro dos alunos. Seria possível e positivo mudar essa estrutura?
Se nos basearmos nas contribuições de Méndez (2002), é possível dizer que sim,
pois a respeito dessa questão, mesmo sem classificar perguntas de “sim e não”, ele
afirma que quando as perguntas dão margem para a mesma resposta pelo grupo de
alunos, tais perguntas devem ser evitadas, já que estão trabalhando com a memória
comum e mínima. Nessa situação, o caminho leva a soluções simples, sem respostas
elaboradas e próprias, comparadas e argumentadas.
Coracini (2002) detectou situação semelhante em seus estudos, ao observar que,
mesmo em grupo, há uma tendência de buscar uma resposta para atender o desejo do
professor e, nessas situações, não se observa discussão ou questionamentos.
94
30 Aluno Ele ficou com 3.
31 Professora Isso, o Gilmar ficou com 3 peixinhos?
32 Alunos Ficou.#
33 Professora Então 1 mais 2 é igual ... //
34 Alunos 3#
35 Professora Vamos escrever na folha o que a prô escreveu aqui, olha que 1
peixinho mais dois peixinhos é igual a 3. Só que a gente não precisa
desenhar o peixinho. Nós vamos escrever os números do jeito que a
prô escreveu.=
95
43 Alunos Eu não sei.#
44 Yago É um animal.
45 Professora O Yago falou que ecologia é um animal. O que você acha que é
Gustavo?
46 Gustavo Mantega.
47 Alunos Mantega. Abelha.#
48 Professora O quê? Abelha?!?!? //
49 Alunos Mantega.#
50 Professora Olha, vamos escutar a Isadora. Fala Isadora. O que é ecologia?
51 Isadora É um animal que come e se alimenta.
52 Professora Ela falou que ecologia é um animal que come e se alimenta. A prô
vai falar pra vocês.
53 Vitor {}
54 Professora O que foi? [ ] (olhando para o Vitor)
55 Vitor A borboleta.
56 Professora Olha, a borboleta, o animal que se alimenta, fazem parte da
ecologia... Olha ecologia é uma ciência que estuda as relações e o
equilíbrio da natureza, por isso que a prô não tinha falado pra
vocês. Olha, pra que nós possamos conviver bem e para a gente
poder sobreviver. Então ela falou assim, ecologia é um bicho que
se alimenta, não é? //
57 Alunos É.#
58 Professora Então quer dizer o bicho que se alimenta ele também faz parte da
ecologia. Aí o Vitor falou. É a borboleta. Aí o outro falou é o
elefante, faz parte também da ecologia. A Bruna, ela vai falar pra
gente que é ecologia. Ela tá falando com a Giovana. O que é
ecologia?
59 Bruna =
60 Professora Então vamos prestar atenção. Ecologia é também, não só os seres
vivos, mas também a água, o ar, tudo o que desenvolve, toda a
vida faz parte da ecologia. Todos os animais, por mais
pequenininhos. Como chama esse bichinho aqui?
61 Alunos Joaninha.#
62 Professora Joaninha, então da joaninha ao elefante, todos fazem parte da
natureza... tá?
63 Aluno Até o bebê?
64 Professora Até o bebê, depois a prô vai mostrar ...
96
Ao fazer uma pergunta que “incita à explicação” (como denominada nesta
pesquisa) sobre o significado da palavra “ecologia” ao grupo e imediatamente a um
aluno em especial no turno 42, duas respostas se sucederam: uma negativa do grupo e
uma objetiva do aluno Yago. Diante da resposta do aluno, a professora não afirmou ou
negou, mas sim revozeou ao perguntar à outra criança a opinião dela sobre a resposta do
colega.
No trecho, do turno 42 ao 45, foi observado que a professora:
1. Mostrou intenção de partir do conhecimento espontâneo do
grupo, de considerar o que as crianças sabiam primeiramente, pois
utilizou, como já foi discutido, um tipo de pergunta aberta, investigadora
simples segundo Mackay (2001), que objetiva conseguir informações do
outro;
2. Assim, valorizou o espaço de o aluno se colocar, dar sua opinião e
ser ouvido;
3. Não aceitou ou rejeitou a resposta, mas recolocou-a para outro
aluno, buscando outras opiniões e incentivando outras colocações. Dessa
forma valorizou, mesmo que talvez de maneira inconsciente ou não
sistematizada, a “natureza social do aprendizado” como tratada por
Vygotsky (1930-33/1998: 115), por incentivar que uma criança
interferisse na vida intelectual de outra;
4. Não agiu como detentora do saber, já que não ofereceu respostas
para simples reprodução e em suas explicações fez analogias
aproveitando as colocações de vários alunos;
5. Valorizou, como fala Nuttall (1982), mais o processo de se chegar
à resposta do que a resposta em si, pois estimulou um processo ativo de
busca de significado pela maneira como usou as perguntas.
97
Tanto nos turnos 51e 54 como no 64 a professora volta a demonstrar a
preocupação em ouvir os alunos, utilizando suas opiniões para exemplificar e explicar o
conceito trabalhado nos turnos 56 e 58; contudo, não foi possível saber se houve
reorganização do conhecimento. No turno 63, parece que um aluno conseguiu perceber
a inclusão do bebê, enquanto ser vivo, no conjunto do que faz parte da ecologia, num
exercício de classificação, porém, logo depois deste recorte, a professora iniciou a
contação da história do livro. Como isto poderia ter sido feito é uma questão a ser
retomada com a professora, até para refletir se tal conceito seria apropriado ou não e se
era relevante para seu objetivo.
Em relação ao interesse da professora na participação dos alunos, no turno 58 se
observa que a oportunidade dada à aluna Bruna, diferente das outras vezes, não foi dada
para que sua hipótese fosse considerada e, sim, para chamar sua atenção em relação à
sua conversa com outra aluna.
A pergunta utilizada, que aparentemente é para incitar a explicar, na verdade é
considerada nesta pesquisa como “pergunta para chamar a atenção do comportamento”.
Neste caso, tal pergunta se aproxima do que Mackay (2001) chama de pergunta
contraproducente, pois foi feita para constranger, é ambígua. A professora sabia que ela
não iria responder, pois estava alheia à discussão, mas lhe impôs uma forma de inibição.
Talvez fosse importante rever essa postura e se pensar em formas de facilitar a
comunicação, pois ela não era a única a conversar. Poderia se considerar, por exemplo:
- A disposição das crianças, pois estavam em mesas de quatro lugares, de tal forma que
um grupo sempre fica de costas ou de lado para a professora;
- A melhor forma de se tratar um conceito abstrato para que se torne mais concreto,
considerando a idade dos alunos;
- A maneira de falar, como trata Mackay (2001) e Nuttall (1982).
Parece claro que os dados, mais e mais, exemplificam as contradições e a busca
da professora por uma prática coerente com o que acredita e com as orientações teóricas
que quer seguir.
Mais uma vez apresenta-se a necessidade de ajuda ao profissional da educação,
pois há muitos fatores como tempo, número de alunos, condições de trabalho, entre
98
outros – que não poderão ser tratados aqui – que interferem no planejamento e
realização de cada momento de uma aula.23
Recorte 6 Aula 4
1 Professora Vocês lembram que outro dia a prô falou assim pra vocês, tudo tem
nome? Nós temos um nome, é... tudo que nós, é... consumimos, o que
nós comemos, tudo que nós fazemos, tudo que nós pegamos existe um
nome. Aí nós estávamos trabalhando o cartaz de rótulos, lembra? A
gente trazia marca, lia letrinha, aí o que que tá escrito aqui mesmo?
2 Coro Guaraná. #
3 Aluno 1 Coca-cola.
4 Professora Coca-cola. E aqui?
5 Coro Bombom.#
6 Professora Bombom. Mas o bombom tem nome. Como é que chama?
(interrompendo o início da resposta do coro) Que letra é essa daqui,
a 1ª?
7 Coro L.#
8 Professora E essa? [ ] (apontando a 2ª letra)
9 Coro A.#
10 Professora Que marca que é?
11 Coro A.#
23
Para um aprofundamento sobre as interferências que o professor pode ter em seu trabalho, ver Cunha
(2005). No capítulo 3, mesmo tratando sobre a situação do professor universitário, são pertinentes suas
observações a esse respeito.
99
exploração de opiniões, pois, como vimos em Mackay (2001), as perguntas são
fechadas, objetivas. Méndez (2002) critica o uso desse tipo de questionamento quando
se quer trabalhar com a reflexão, capacidade de raciocínio e pensamento autônomo.
Coracini (2002), ao classificar as perguntas que o próprio professor responde, também
parece fazer uma crítica ao que ela chama de “perguntas infantilizadas”, pois estimulam
respostas de uma palavra e não incentivam analogias.
O erro que ocorre no turno 2 é ignorado e assim perde-se uma oportunidade de
ser ele mesmo objeto de estudo de acordo com sugestões dos autores vistos, como
Nuttall (1982), por exemplo.
As perguntas dos turnos 4 e 8 aproximam-se do que Coracini (2002) chama de
“perguntas de lacuna”, pois têm uma entonação ascendente no final, estimulando que o
aluno complete ou preencha oralmente. A autora analisa que as respostas para essas
perguntas só exigem conhecimentos elementares, não exigindo muito dos alunos.
Recorte 7 Aula 4
15 Professora Como é que chama esse produto?
100
16 Coro Sabão.#
17 Professora Sabão em pó. Mas qual o nome deste sabão em pó? Ó, essa letrinha [ ]
(apontando a letra A) eu acho que vocês conhecem.
18 Coro A.#
19 Professora Ahn? //
20 Coro Aci.#
21 Professora Ó. [ ]
22 Coro Ácido.#
23 Professora Ace. Ó, Ace.
Esse recorte foi selecionado para ilustrar o fato de a professora lançar desafio e
ela mesma resolver (turno 23). Isto não foi incomum em sua postura. Parece ser
necessário à professora aprofundar conhecimentos para lidar com a leitura no processo
de alfabetização, pois ao ver que suas perguntas não estão sendo produtivas, dá a
resposta.
Mais uma vez ela ignora o erro no turno 22. Poderia ser uma oportunidade de
explorar a leitura.
A pergunta do turno 19, considerada aqui de pergunta para “questionar resposta
anterior” não trouxe o resultado esperado, pois os alunos não conseguiram ler o rótulo
apresentado da maneira que a professora esperava. Parece aqui ter ocorrido, mais uma
vez, o que Coracini (2002) fala a respeito das perguntas “didáticas”, ou seja, uma
insistência por parte da professora através de uma série de perguntas diretivas para
conduzir o aluno à resposta prevista. Paralelamente à ação da professora, os alunos se
esforçam para atender seu desejo, o que não necessariamente irá indicar compreensão
ou reflexão.
Recorte 8 Aula 4
33 Professora Sabe escrever cor... Quem sabe escrever cor?
34 Coro Eu não # Eu também # O Davi – { }.
35 Professora Ninguém quer vir escrever cor?
36 Coro O pro, o pro.#
37 Professora Oi.
38 Aluno 4 Sabia que eu tava ali na rua andando de bicicleta da escola e eu vi um
carro igualzinho esse.
39 Professora É? Então ta, a pro vai escrever cor.
101
alfabetizados na classe, e sim espera a participação de quem queira desenvolver a
atividade com a ajuda da professora, a partir da hipótese de escrita que cada um tem.
Este esclarecimento foi dado, pois é muito comum essa prática no contexto de trabalho
dessa professora, devido às orientações pedagógicas recebidas em relação ao estímulo à
alfabetização já na educação infantil.
Tais perguntas podem ser comparadas às perguntas didáticas de animação, como
tratadas por Coracini (2002), mas parece que na tentativa de motivar, a professora
consegue abrir um espaço no qual o aluno passa a ser o centro. As perguntas parecem
um convite e uma oportunidade para se expor hipótese e opinião, que se fossem
concluídas e consideradas, poderiam ser alvo de reflexão, como nas “perguntas
reflexivas” apontadas por Mackay (2001). O problema é que não foram efetivadas.
No turno 39, depois de ouvir uma colocação de um aluno sobre algo vivido (o
que foi incomum nessa aula) retoma o turno sem considerar o que ouviu com uma
pergunta “para confirmar algo já dito”. Mesmo parecendo ser uma pergunta de contato,
segundo Coracini (2002), na verdade revela outra função, ou seja, interromper a
participação do aluno. Em seguida, como sua motivação à participação dos alunos não
surtiu efeito para que alguém viesse à lousa, ela mesma escreve a palavra.
Recorte 9 Aula 4
46 Professora A luz, o motor... Que mais? Deixa a Letícia contar que ela quer falar
uma coisa. Fala Letícia.
47 Aluno 7 Eu já vi carro que tem dois bancos na frente e tem porta na frente e do
lado.
48 Professora Não é todos que tem porta na frente?
49 Aluno 7 Não. Tem carro que tem criança não tem porta só, só tem, só tem uma
porta que não é porta. Parece, mas não é.
50 Professora Ah. Então quer dizer que tem carros que as portas são diferentes de
um tipo do outro?
Mais uma vez há um aspecto positivo quando a professora dá voz a uma aluna e
a ajuda organizar sua fala e assim o seu pensamento. Essa ação pareceu esboçar um
trabalho na ZDP, pois a interação privilegiou a ajuda à expressão da idéia e as perguntas
dos turnos 48 e 50 foram importantes nesse momento. A primeira por questionar a
resposta anterior e exigir reflexão e nova elaboração por parte do aluno. Mesmo
podendo ter sido respondida com “sim ou não”, a pergunta parece ter provocado o efeito
102
de uma questão que Mackay (2002) chama de “extensiva e precisa”, pois motivou a
uma resposta com explicações e justificativas.
Já a pergunta do turno 50 colaborou, pois ao “confirmar o já dito” o fez de
maneira a organizar o pensamento do aluno. É possível dizer que é uma pergunta
investigadora conclusiva, segundo Mackay (2002), pois dá fechamento a uma idéia pela
interpretação de uma resposta.
103
• Raras oportunidades de valorização do conhecimento já alcançado pela criança,
no intuito de sistematizá-lo para elevá-lo a outros patamares.
104
mediação entre coordenadora-professora, como já foi dito. Contudo, uma observação se
faz necessária para situar o leitor sobre um fato importante no processo da pesquisa.
24
A letra C será usada para identificar as falas da coordenadora, enquanto a letra P será usada para as
falas da professora.
105
28 P Não sei por quê. =
106
As perguntas dos turnos 23, 25 e 27 também são todas consideradas por essa
pesquisa como perguntas “argumentativas teóricas”, por exigirem uma reflexão que de
alguma maneira se voltarão a princípios teóricos que embasaram a ação. Entretanto,
estão voltadas à ação de confrontar, pois, segundo Liberali (2004), questionam tais
princípios no contexto histórico em que estão inseridos, buscando inconsistências da
prática. Essas perguntas se aproximam do que Mackay (2001) chama de “perguntas
extensivas e precisas”, e ele assim as classifica porque são feitas sobre respostas
inconsistentes ou que apontam para tópicos que necessitam de mais esclarecimentos ou
explicações. De maneira mais genérica, podemos dizer que Méndez (2002) defende o
uso desse tipo de pergunta quando fala das questões que exigem reflexão e desafiam o
pensamento.
Apesar de organizar as perguntas feitas à professora procurando utilizar as ações
da reflexão crítica, no intuito de instigar a reflexão e aguçar seu olhar, parece que a
maneira como expus as questões encurralou a professora de tal modo, que ela acabou
desistindo de respondê-las.
Nos turnos 25 e 27 várias perguntas se seguiram no mesmo parágrafo, o que
parece ter dificultado a elaboração de respostas. Talvez seja interessante observar que
nessa primeira sessão reflexiva, foram feitas 21 perguntas pela coordenadora e apenas 5
pela professora, que, na verdade, não questionou efetivamente nada, pois foram
“perguntas para confirmar algo já dito” terminadas com “Né?” ou “Tá?” ou “perguntas
de acompanhamento” como as terminadas em “Entendeu?”. Parece que a professora
esteve em uma postura tímida, ou intimidada, tentando corresponder aos objetivos do
encontro com as respostas que pôde dar.
Mesmo assim, apesar da dificuldade das aprendizes do processo, parece que
alguma reflexão ocorreu, pois após essa primeira sessão reflexiva, pedi à professora que
fizesse um relato sobre o que sentira, dando suas impressões sobre o que fizemos. Um
trecho desse relato expressa as contribuições desse primeiro encontro:
107
chamava alguém para ler para todos da classe, a minha posição bem como a do aluno, não
possibilitava a visão de todos, e que alguns se esforçavam para ler, alguns conseguiam e alguns
não devido à posição, o que foi ótimo, pois ficarei mais atenta nessas situações.
Em um determinado momento que todos falavam alto, achei que um grupo não estava
prestando atenção já há algum tempo, pareciam somente brincar com um caderno e durante a
aula pedi para o aluno guardar o caderno, pois naquele momento não era para pegar o
caderno, porém, com a filmagem observei que o que realmente estava acontecendo, é que
tentavam ler a capa do caderno, e estavam em conflito, pois cada um dizia uma palavra
diferente, com a filmagem percebi que perdi a oportunidade de ler para eles a palavra que
naquele momento tanto os interessava e que poderia ser interessante para todos, e a partir
dessa observação começo a pensar sobre a próxima atividade a partir da leitura e construção
dessa palavra contida na capa deste caderno.
Resumidamente, esse estudo e as filmagens possibilitaram uma observação maior do
meu trabalho e conseqüentemente levou a uma reflexão mais minuciosa, me proporcionou mais
segurança e entendimento, pois embora sempre esteja lendo sobre teorias e práticas de autores
diversos, a vivência e a prática sempre gera dúvidas e em alguns momentos insegurança e, ter
a possibilidade de detectar e analisar essa prática de modo mais completo viabiliza um
trabalho mais direcionado e novos pontos de partida.
109
Este recorte foi selecionado, pois revela um aspecto negativo e outro positivo em
relação à mediação que eu buscava fazer enquanto coordenadora. Antes um
esclarecimento: o desafio do bingo de letras desenvolvido na aula 2 era que cada grupo,
por ter recebido uma palavra, deveria colocar uma tampinha sobre cada letra dessa
palavra que fosse sorteada pela professora. A isso ela chamou de “construção de
palavra”. Como eu não via a ação dessa forma, tentei fazê-la rever sua idéia. O
problema foi que fiz uma “pergunta argumentativa teórica”, negritada no turno 10, e não
permiti que ela respondesse. Eu mesma respondi e fiz outra pergunta do mesmo tipo,
querendo que ela trouxesse elementos teóricos para sustentar sua afirmação. Contudo,
ao se constituir em uma pergunta de alternativa, passa a ser “contraproducente” segundo
Mackey (2001), pois supõe que haja apenas duas respostas possíveis, já incorporadas na
pergunta. Há uma indução de resposta, sendo que o objetivo é a reflexão. Induzir o que
eu penso a alguém não garante que a pessoa irá rever seu pensamento; antes, é na
contradição, no conflito, que devemos focar. Talvez fosse necessário, em ocasião de
conflito como essa, investir em leituras sobre alfabetização no processo de formação da
professora.
No turno 12 parece ter ocorrido algo positivo, pois não deixei de demonstrar o
desejo de que a professora revisse sua colocação, mas ofereci mais elementos para ela
pensar. Em seguida, fiz uma pergunta que não tem base nas quatro ações da reflexão
crítica, especificamente, mas que oferece uma oportunidade de repensar ao interlocutor.
Chamo nesse trabalho de “pergunta para questionar respostas anteriores” e o objetivo é
mesmo pôr em xeque algo dito, dando espaço para o respondente reconsiderar. Meu
esforço teve o objetivo de lidar com o “erro”, ou a incompreensão da professora, de
maneira a fazer dessa incompreensão um ponto para reflexão, como fala Méndez (2002)
e Nuttall (1982).
110
positiva, pois tivemos a oportunidade de discutir muito sobre teorias de ensino-
aprendizagem que estavam trazendo conflitos à professora.
111
O que surpreendeu foi a forma como a professora se expressou a partir de então.
Talvez a descontração com a brincadeira do turno 5 tenha colaborado, ou talvez seja
necessário um aprofundamento sobre as razões envolvidas, mas o fato é que foi a
primeira vez que ela se colocou com tanta expressividade, o que ocorreu em todo o
encontro. Talvez tenhamos mesmo que nos atentar para o “clima”, entendido como uma
situação favorável aos participantes, o que poderá ser definido somente com o
conhecimento mútuo dos mesmos. O cuidado de ir observando as dificuldades do
processo podem ser pistas para uma revisão de posturas, sem abrir mão da opção teórica
utilizada. Neste caso, a reflexão crítica.
O segundo recorte da sessão reflexiva 2 mostrou que a verificação de conteúdo
pode ser proveitosa quando feita com critério. É preciso saber o que o outro sabe, para
podermos intervir. Parece que essa situação vai ao encontro do que Méndez (2002)
chama de “avaliação formativa”, pois ao mesmo tempo em que se está avaliando o
participante, está se criando oportunidade para ele tomar consciência do que
efetivamente já compreendeu e, no caso dessa pesquisa, de o coordenador saber o que
ainda é preciso desenvolver com o professor.
112
11 C Posso responder com uma outra pergunta? O que é o tradicionalismo pra
você? Como você entende uma educação tradicional?
12 P Eu entendo que tradicionalismo, como é o que eu aprendi, o método que eu
aprendi.
13 C Tenta colocar isso em palavras. De que forma era trabalhado no
tradicional?
113
Ao concluir as discussões sobre os recortes 1, 2 e 3 da aula 1 de 11/11/05 e sobre
o recorte 10 da sessão reflexiva 1 de 16/12/05, tais discussões foram observadas pela
orientadora e depois pelo grupo de colegas do seminário de orientação (em 26/02/07) e
este fato mudou os rumos desta pesquisa. Nos múltiplos olhares que observaram meu
trabalho, houve um questionamento fundamental: eu, enquanto pesquisadora, estaria
sendo coerente com minha base teórica de atuação? Estaria sendo mediadora enquanto
pesquisadora? Estaria utilizando minhas teorias de fundamentação de maneira crítica?
Estaria considerando a ZDR e estabelecendo a ZPD com a professora?
As observações surgiram pela maneira como conduzi aquela primeira sessão
reflexiva. Meu questionamento, que procurou se estruturar em questões relativas às
quatro ações da reflexão crítica (descrever, informar, confrontar e reconstruir), parece
ter encurralado a professora, como já foi exposto anteriormente. Parece que ela tenta se
defender o tempo todo, até um momento que usa o “Não sei por quê” para encerrar o
constrangimento. Percebemos juntos (eu e o grupo do seminário de pesquisa) que a
pergunta pode suscitar um sentimento negativo em relação à auto-estima da pessoa
questionada, prejudicando meus objetivos.
A partir dessas reflexões em grupo, resolvi mudar minha atuação que já estava
planejada, pois já havia combinado com a professora que, após expor os dados e a
discussão proveniente deles ao grupo com o qual estudava, eu os levaria a ela, para que
tomasse contato com eles. Decidi, então, com um consenso positivo do grupo, que não
lhe apresentaria minha discussão e, sim, somente os dados, para que ela pudesse revê-
los e então conversarmos sobre eles. E, num segundo momento, lhe exporia o que eu
havia feito, para vermos as convergências e divergências de nossas opiniões. Na
verdade iríamos conversar, fazendo uma nova discussão, na qual eu não dirigiria mais o
diálogo com perguntas para explorar as ações da reflexão crítica somente, mas
procuraria co-construir as reflexões com maior participação da professora.
Isto me fez lembrar Freire & Faundez (1985) que “conversaram” um livro. Sem
pretensões de equiparar esta construção ao trabalho dos mestres citados, a idéia da
conversa passou a compor a metodologia de trabalho nesse momento. Na obra citada
Freire faz a seguinte afirmação:
114
circunda o teu escritório, podemos fazer e estamos fazendo algo sério e rigoroso. O
estilo é que é diferente, enquanto oral. É mais leve, mais afetivo, mais livre. (p. 11)
Como poderia, sem abrir mão de perguntar para realizar as ações do informar e
confrontar, fazer das perguntas minhas aliadas e não causar situações constrangedoras
como pareço ter feito?
Resolvi tratar dessas minhas dúvidas com a própria professora e com ela foi
possível encontrar respostas, que ainda serão apresentadas mais adiante. Mesmo que
não sejam definitivas, representaram uma construção mais democrática, um momento
único, envolvendo nossa mútua e dialética formação.
115
Recorte 15 Sessão Reflexiva 4 – 08/03/07 (discussão sobre a aula 1)
5 C Daí você pode falar um pouquinho qual era sua intenção, se você acredita
que foi a melhor forma de montar a data, se hoje você faria algo
diferente...
6 P Nessa fase eles não têm muita noção de tempo...
7 C Eles confundem futuro com passado.
8 P Isso. Daí os meses, eu acho que tem que ser escrito mesmo, todo dia acho
que tem que ser feito essa questão da rotina pra eles irem se familiarizando...
Fazendo a escrita e lendo, eu acredito que isto contribua.
9 C O fato é que... Você perguntou várias vezes e eles deram respostas coerentes,
eles falaram nomes de meses, só que não o que era certo. O fato de eles
terem participado e dado várias respostas, mas não a correta, é... Teria algo
assim que você pudesse fazer além de ficar dando a oportunidade de pensar
nisso todo dia, pra que eles pudessem organizar? Porque eles já estavam
em novembro e é... Aqui mostra que eles tiveram muitas oportunidade de
verem nomes de meses, eles não falaram qualquer coisa, mas assim pra
ajudá-los a organizar esse conhecimento, tem algo que a gente pudesse
fazer?
10 P Não sei, agora me ocorreu algo fixo, tipo um calendário fixo, os meses...
Todos os meses na medida que fosse findando um mês a gente utilizasse um
símbolo pra dizer: “Esse mês acabou e ai começou esse”. E aí eles fariam,
talvez uma identificação melhor. Não sei. Eu não fiz isso, me ocorreu agora.
116
fechadas, pois admitem como resposta o “sim” ou “não”, mas tiveram outro efeito ao
serem combinadas.
Na sessão reflexiva 1, as perguntas agrupadas pareciam representar um obstáculo à
professora, o que é criticado por Méndez (2002), mas parece que nem sempre que
agrupamos perguntas estamos dificultando.
No turno 9, as questões foram também “argumentativas criativas”, como
denominadas por essa pesquisa, mas já do tipo “abertas” e “investigadoras” como
chama Mackay (2001), instigando o respondente a pensar e falar. Coracini (2002) fala
de um tipo de pergunta chamada “incitativa”, que se assemelha a essas só no tocante ao
estímulo para fazer o outro falar. No entanto, no contexto em que classifica esse tipo de
pergunta, a autora diz que a resposta é alcançada pela consulta a um texto, o que não
ocorre aqui, pois a professora irá sugerir uma ação a partir de princípios teóricos.
Talvez o uso das palavras “a gente” no turno 9 possa ser um fator de identificação
do pesquisador/professor, um estreitador de laços, uma forma mais amistosa de exercer
o questionamento e que possa ser levada em conta.
117
Eu até poderia ter deixado o filme, mas ter acrescentado o vídeo. Eu tava
falando de alguma coisa que eles faziam naquela sala com uma palavra que
não era do conhecimento deles, do cotidiano deles, da vida deles. E eu insisti,
e eu poderia, como você falou, tudo bem, vamos acrescentar uma palavra a
mais, né, no vocabulário, eu tava trabalhando o quê? Palavras que dissessem
respeito a rotina e o filme não era. Na hora eu não consegui captar, eu não
percebi, tanto que foi até o final. =
118
2001) e considerando-se o raciocínio implícito na situação, é que o valor das perguntas
é estabelecido.
O recorte a seguir não traz nenhuma pergunta feita à professora, mas foi muito
significativo na mediação que pude fazer com ela sobre sua práxis, pois parece
demonstrar internalizações das minhas falas, a partir de discussões anteriores, feitas
através das perguntas. Ela consegue verbalizar sobre a importância da utilização da base
teórica na prática pedagógica.
119
A instrução efetiva, isto é, a que resulta em aprendizagem, pressupõe que o
professor tenha avaliado os dois níveis de desenvolvimento de seus alunos, isto é, as
atividades em que agem independentemente e as em que necessita da participação do
outro para agir e que é onde deve situar a instrução.
O próximo recorte foi escolhido por tratar mais especificamente de uma das
ações da reflexão crítica, o confrontar, necessária na formação do professor, para que
não se percam os objetivos da formação global do aluno.
No turno 81, mais uma vez iniciei com uma pergunta pedindo um
esclarecimento, depois fiz uma explicação e outra pergunta, agora “argumentativa
120
teórica”. Mesmo sendo a segunda uma pergunta fechada, pois a professora poderia
responder apenas “sim”, o que se verificou foi um estímulo a uma ampla colocação e
defesa de opinião.
Salvo as devidas diferenças de contexto de pesquisa, Coracini (2002) parece
fazer uma crítica a esse tipo de pergunta que ela chama de “pergunta seguida de uma
explicação e da mesma pergunta reformulada”, pois no seu contexto o professor
mantém o turno principal (o estímulo), enquanto os alunos assumem o turno secundário
(a resposta ou reação). Não há como aprofundar essa questão aqui, mas parece
inevitável o coordenador assumir o turno principal quando pretende que todas as ações
da reflexão crítica sejam discutidas. De qualquer forma, fica uma reflexão a ser feita em
outras oportunidades.
Finalmente, uma última discussão sobre a aula 1, pois o próximo recorte revelou
o reflexo das experiências do campo histórico da vida da professora, em sua prática.
121
não souber alguém vai me dar uma mão, vai me ajudar”. E então a
participação realmente de todos, um ajudando sempre o outro e sem essa
critica. Então por isso que eles vão, eles contam história, eles vêm à lousa,
eles brigam pra vir à lousa, não pra deixar de falar. No meu tempo quando a
professora apontava ,você já se escondia, você queria sumir ali, então é algo
assim que, realmente não foi meu foco, mas eu acho que por conta da
situação que eu vivi eu não quero pra eles e é algo que eu venho
trabalhando ... Em todas as situações...
122
conhecimentos rumo à práxis, já que muitos desses valores podem ser compatíveis com
os objetivos teóricos, como pudemos observar no último recorte.
123
professora, não cumprindo meu objetivo, como explica a professora nos turnos 132, 134
e 140 nos trechos negritados.
O impacto no lado emocional da professora trouxe conseqüências negativas ao
andamento da atividade, pois a intimidou, mexeu negativamente com sua auto-estima, o
que observamos nas verbalizações em negrito no turno 140, principalmente na
utilização da palavra culpa e no gesto de sufocamento;
Considerando os recortes que foram apresentados sobre a “análise em
colaboração”, não deixei de formular perguntas, mas, repensando no jogo de poder que
está em questão na ação da formação (papéis envolvidos), houve progresso. A
professora se sentiu à vontade para se expressar mais tranqüilamente, como foi expresso
no turno 140, na frase em itálico.
A “análise em colaboração” parece ter sido um verdadeiro instrumento-e-
resultado, como esclarece Newman & Holzman (1993), pois ao mesmo tempo que nos
deu oportunidade de reflexão, essa atividade nos permitiu uma auto-análise num
movimento dialético de reconstrução.
Depois de ler a transcrição da aula, a professora identifica que fez uma pergunta
e não considerou a resposta de um aluno, mas a princípio justifica sua ação no turno
124
172. É através da “pergunta argumentativa criativa”, do turno 173, que há o estímulo e o
espaço para a professora rever e sugerir novas formas.
Ficou claro no turno 174, principalmente ao observarmos os verbos usados no
futuro do pretérito, que estão negritados, que nas sugestões dadas pela professora houve
uma percepção da importância de se valorizar um momento em que se dá voz ao aluno.
Ela realmente sentiu que houve perdas e assim avançou no olhar de que se deve ter
cuidado com essa estratégia. Ter práticas de se dar voz ao aluno requer um
planejamento de como essas vozes serão valorizadas, reencaminhadas ou revozeadas,
para serem realmente significativas no desenvolvimento da atividade.
Esse último recorte parece ter tido importância ao fazer a professora pensar
sobre como lidar com a atenção das crianças.
Nossa discussão aqui esteve em torno de usar a estratégia de dar a voz ao aluno
para causar-lhe uma situação constrangedora, na tentativa de fazê-lo ficar quieto ou
participar.
Primeiro fiz uma “pergunta de esclarecimento” para que ela fizesse um discurso
sobre sua prática, necessário à ação de descrever, que, segundo Liberali (2004) torna
mais clara a ação para o próprio praticante. Depois, no turno 205, lancei um
questionamento do tipo “argumentativo teórico”, pois a resposta iria considerar os
valores presentes na ação. Talvez não devesse ter feito uma pergunta fechada nesse
momento, pois limitou a resposta da professora, como se observa no turno 206.
O grande avanço foi a professora perceber a contradição de sua ação, pois o
constrangimento não é nem educativo, nem incentivador. Ela reconhece, mas não
125
consegue chegar ao reconstruir, admitindo a dificuldade de se trabalhar com muitos
alunos e conseguir um comportamento adequado nos momentos de conversa.
Então, procurando colaborar, fiz uma troca de experiência sugerindo falas que
pudessem cativar a criança à participação, como: “Bruna, eu queria tanto que você
ajudasse, participasse, é importante que você fale aqui com a pro”, “Eu posso contar
com sua atenção um pouquinho?”. Seria apropriado, nesse momento, se pudéssemos
estudar ou pesquisar dinâmicas que facilitassem a participação de crianças nessa idade,
mas não houve condições para isso.
126
Contribuições e considerações finais
Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há
linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se
faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até os confins do mundo.
Salmo 19: 2-4
Busquei neste salmo a inspiração para encerrar este trabalho, pois a poesia que
contém tal cântico revela-me o quanto de palavras há no silêncio dos dias, e trazendo a
idéia a esta pesquisa, o quanto de palavras existe no tempo, nas experiências, nos
momentos, mesmo que não seja dita nenhuma palavra. O campo semiótico nos limita
muito quando queremos traduzir todo sentimento, toda aprendizagem diante do mundo
e das experiências reais. Mas não temos escapatória. Será na linguagem, com ou sem
palavras, que acessamos todo o mundo, material e não material.
Creio que esta pesquisa buscou trilhar estes caminhos no uso da linguagem,
fazê-la instrumento-e-resultado, pois, descortinava a situação (pela descrição) e ao
mesmo tempo, procurava dar subsídios para transformá-la (pelas ações de informar,
confrontar e reconstruir).
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reflexivas. Nessas sessões o discurso da professora mostrou avanços inegáveis, mas não
podemos afirmar o mesmo em relação à sua prática, pois, desde a primeira aula, já
foram observadas evidências do conflito de paradigmas que embasavam suas ações.
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ações, suas origens e bases teóricas, estimulando aos participantes que se envolvam
num aprofundamento.
Mas, parece que a maior contribuição deste trabalho esteve pautada na atenção
dada aos questionamentos feitos durante a mediação, seja da professora com seus
alunos, ou da coordenadora com a professora, pois a partir daí houve elementos para se
criarem categorias de análise e, com as discussões decorrentes destas categorias,
verificou-se:
• O quanto as perguntas feitas pela professora aos seus alunos revelam de seus
valores e concepções de ensino-aprendizagem;
• O cuidado que se deve ter ao elaborar as questões quando se quer trabalhar com
as ações da reflexão crítica durante as sessões reflexivas. Muitas vezes, em
busca de concretizarmos tais ações, não atentamos para o fato de quanto
estamos nos distanciando dos nossos objetivos, por não considerarmos as
respostas, nem as reações, nem as emoções, ou seja, nada do impacto ou efeito
provocado pela pergunta no ouvinte;
• O fato de que uma pergunta não tem um efeito por seu sentido literal, mas será
compreendida por outros elementos a ela relacionados, como a entonação
presente (ou o tom de voz), o contexto da situação, o momento da formação do
professor por conta do seu histórico de vida.
129
Contudo, mesmo em virtude de todos os problemas que afetam negativamente a
estrutura da ação do professor na escola pública, a pesquisa revelou que é possível a
realização de uma prática bem diferente da tradicional. É possível realizar ações e
intervenções que se adequem independente de investimentos e materiais, pois se dão,
em muitos momentos, na mediação através do diálogo, discussões e criação de situações
de conflito dialógico no qual se pode lançar mão da intervenção. De acordo com Lessa
et alii (2004, apud. Magalhães, Liberali, Lessa, 2006) é na linguagem que temos a arena
onde os conflitos são problematizados.
Quero afirmar que não é preciso esperar haver salas com menos de 25 alunos de
3 e 4 anos, ou com menos de 32 alunos com 5 e 6 anos nas quais a professora atua
sozinha para só então buscarmos uma prática inovadora, coerente com novos
paradigmas pedagógicos que superem o comportamentalismo, e o behaviorismo
conhecidos como ensino tradicional. É possível e já acontecem muitas ações
pedagógicas que estão alicerçadas em outros valores e outros ideais de formação.
Contudo, não se pode garantir o ideal em condições adversas, mas se pode garantir a
utopia tratada por Rios (1993: 76), quando diz:
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Usar as perguntas no processo de mediação de maneira construtiva certamente é
um grande desafio, pois nessa ação estará implícita a opção de se trabalhar de maneira
colaborativa, ou seja, trabalhar em prol do desenvolvimento do outro. A contradição
certamente será muito positiva, pois será da condição de desconforto em relação ao
pensarmos sobre o que fazemos que poderemos sentir a necessidade de mudanças.
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Referências Bibliográficas
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