Você está na página 1de 14

EDUCAÇÃO INFANTIL E DESAFIOS ATUAIS: ASPECTOS DA FORMAÇÃO

E DA ATUAÇÃO DE PROFESSORES. Marilete Terezinha De Marco, Elieuza


Aparecida de Lima, Jeniffer de Arruda, Juliana Marcelino Guimarães Akuri, Amanda
Valiengo, Ana Laura Ribeiro da Silva. Unesp, Campus de Marília, SP.
mariletedemarco@hotmail.com, aelislima@ig.com.br, je_arruda@hotmail.com,
juakuri@hotmail.com, ducavaliengo@gmail.com, analaurars@gmail.com

Eixo Temático: Educação Infantil e Ensino Fundamental

Resumo: A pesquisa realizada durante o Mestrado de Educação junto ao Programa de


Pós-Graduação em Educação da Unesp Campus de Marília, SP, teve como foco a
formação inicial e continuada de professores de Educação Infantil de quatro escolas da
rede pública do município de Medianeira, PR, buscando verificar os impactos das
aprendizagens em suas práticas pedagógicas. Para desenvolver a pesquisa, embasamos
nossas discussões em fundamentos teóricos de autores contemporâneos como Luria
(1988), Leontiev (1988; 2004), Libâneo (2004), Campos (2008), Saviani (2009) e Mello
(2012), dentre outros. Recorremos à Teoria Histórico-Cultural por entendermos seus
princípios como premissas revolucionárias sobre o desenvolvimento humano, a
humanização na infância, o papel da escola e do professor, por meio de processos de
mediação na apropriação de conhecimentos e habilidades especificamente humanos.
Nesta oportunidade, compartilhamos resultados obtidos a partir de relatos das professoras
entrevistadas e das observações de práticas pedagógicas realizadas no ambiente escolar.
Com base nos dados obtidos, inferimos que os cursos de formação inicial e continuada
não contemplam a plenitude de conhecimentos teóricos, práticos e metodológicos
essenciais à atuação docente potencialmente humanizadora.

Palavras-chave: Educação. Educação Infantil. Formação Docente.

1 Introdução

Dentre os temas em destaque no contexto da educação brasileira, encontra-se a


formação do professor. No que se refere à Educação Básica até o Ensino Superior, esse
assunto tem sido recorrente em estudos, pesquisas, preocupações e é, atualmente, um dos
grandes desafios da sociedade contemporânea. Ao tratar, especificamente, sobre a
docência na Educação Infantil, encontramos um número expressivo de legislações,

1
políticas e diferentes propostas curriculares voltadas à formação e qualificação docente
para melhorar a prática educativa com a criança pequena.
Nesse cenário, referenciamos a Constituição Federal (BRASIL, 1988) que, desde
sua promulgação, mantém assegurado o direito dos cidadãos à educação, de forma ampla
e irrestrita. Na sequência, as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL,
1996) determinam que a formação do professor deve ser realizada em nível superior,
visando garantir a qualidade ao trabalho docente.
Nossas reflexões sobre a formação e a docência no âmbito da Educação Infantil
estão amparadas nos estudos de Luria (1988), Leontiev (2004), Libâneo (2004), Saviani
(2009) e Mello (2012), bem como em outros fundamentos da Teoria Histórico-Cultural
(THC), como contribuições para discutirmos a formação humana em suas máximas
possibilidades.
Com o intuito de verificar as percepções de professores de Educação Infantil de
quatro escolas da rede pública do município de Medianeira, PR. acerca de sua formação
inicial e continuada, compartilhamos os resultados obtidos em uma pesquisa de Mestrado
junto ao Programa de Pós-Graduação da Unesp Campus Marília, SP. Os dados produzidos
e analisados no trabalho de investigação vêm ao encontro da urgência de investimento e
de atenção vitais à formação docente, tanto inicial e continuada.
Compreendemos que, para assegurar à criança o direito de receber uma educação
de qualidade e, ao mesmo tempo, cumprir os objetivos legais que regem a Educação
Infantil, torna-se fundamental repensar a formação do professor e o modo como esta
formação impacta a prática pedagógica realizada com a criança pequena.

2 Breve retomada histórica sobre a Educação Infantil

De acordo com Lima et al (2012, p. 93), a história da Educação Infantil no Brasil


“[...] é marcada por avanços, impasses e retrocessos; como construção situada a partir dos
movimentos e processos históricos, sociais e políticos vividos dentro e fora do país.”
Os movimentos citados pelas autoras contribuíram para a formalização do direito
à educação a todos os cidadãos brasileiros. Esse direito foi consolidado com a
promulgação da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), sendo a educação dever
do Estado, da família com o apoio da sociedade. Em seu artigo 205, fica estabelecido que
a educação “[...] visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

2
Nesse contexto histórico e político, é somente no ano 1996, com a publicação das
Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1996), que a
Educação Infantil é reconhecida como a primeira etapa da Educação Básica, oferecida em
creches e em pré-escolas para crianças de zero a cinco anos de idade. Com a conquista
desse direito, a formação do professor de criança pequena passa a ser um tópico de
destaque em estudos, políticas e projetos na área da educação.
Logo em seguida, com vistas a cumprir à disposição legal, o Plano Nacional de
Educação – PNE (BRASIL, 2001) aponta aspectos a serem contemplados pelos currículos
dos cursos de formação, visando superar a dicotomia entre a teoria e a prática. Dentre
eles, destaque para a sólida formação teórica nos conteúdos específicos a serem
ensinados, ampla formação cultural e foco na atividade docente.
A verdade é que houve uma sucessão de leis e documentos esparsos que tratavam
sobre a formação docente, cujo objetivo compreendia a regulamentação da formação
docente, de modo a privilegiar os requisitos considerados essenciais à atuação
profissional no contexto escolar. No âmbito da Educação Infantil, defendemos que a
formação do professor exige conhecimentos científicos capazes de orientar ações
educativas mediadora de um desenvolvimento integral da criança pequena.
Do ponto de vista epistemológico, localizamos estudiosos e pesquisadores
comungam acerca do valor da formação teórica e prática do professor para uma atuação
plena e exitosa. Dentre eles, Campos (2008) afirma que é preciso pensar em currículos e
práticas de formação profissional visando garantir condições adequadas à promoção do
desenvolvimento infantil. A autora aponta os momentos de formação em serviço como
instrumentos necessários ao aperfeiçoamento e atualização profissional.
Fundamentos da Teoria Histórico-Cultural, por meio dos escritos de Luria (1988),
um de seus representantes notáveis, assinalam que as crianças aprendem e se
desenvolvem a partir de situações educativas intencionais e mediadoras do acesso à
cultura mais elaborada. Segundo Luria (1988), quando bem orientada, a criança pode
conquistar estágios superiores de desenvolvimento, razão pela qual se justifica a
preocupação com a formação do professor que trabalha com crianças pequenas.
Na concepção de Libâneo (2004), o professor precisar estar preparado para
desenvolver ações específicas promotoras de atividades motivadoras de aprendizagens e,
consequentemente, de desenvolvimento. Segundo o autor, ao professor compete
[...] organizar e estruturar corretamente a atividade de assimilação do
estudante, formulando objetivos e parti das ações que deve realizar no

3
marco das matérias de estudo e das funções que estas desempenham no
perfil profissional e no currículo, selecionando os conteúdos que
assegurem a formação dos conhecimentos e características da
personalidade necessárias para a realização dos diferentes tipos de
atividade, organização do processo de aprendizagem com base nos
componentes funcionais da atividade: orientação, execução e controle.
(LIBÂNEO, 2004, p. 121).

Segundo os pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, é a atividade que


mediatiza a relação entre o homem e a realidade objetiva. É por meio da atividade que o
homem entra em contato com os objetos e fenômenos do mundo, atua sobre eles e quando
os transforma, transforma a si mesmo. Para Leontiev (1978), a atividade compreende os
processos que são determinados, psicologicamente, pelo fato do seu objetivo coincidir
com o motivo que estimula a pessoa a uma atividade específica. Em determinado na vida,
há uma atividade promotora de mudanças essenciais na personalidade e no
desenvolvimento infantil. Assim explica o autor:
A atividade principal é a atividade da qual dependem, de forma íntima,
as principais mudanças psicológicas na personalidade infantil,
observadas em um certo período de desenvolvimento. É precisamente
no brinquedo que a criança, no período pré-escolar, por exemplo,
assimila as funções sociais das pessoas e os padrões apropriados de
comportamento. (LEONTIEV, 1978, p. 64-65, grifos do autor).

Para alcançar os objetivos propostos por uma atividade bem organizada, elaborada
e significativa para a criança, novamente voltamos à formação do professor. Promover o
crescimento e estimular a conquista de estágios superiores de desenvolvimento da criança
pequena é tarefa atribuída aos professores capacitados e conhecedores do processo de
desenvolvimento infantil, dentre outras especificidades que a docência na Educação
Infantil requer.

3 Resultados e discussões de ações investigativas

A pesquisa, cujos resultados apresentamos a seguir, foi desenvolvida em um


município do interior do oeste do Paraná, em quatro escolas da rede pública de Educação
Infantil, distribuídas em bairros distintos.
Como instrumentos de trabalhos, privilegiamos a apropriação de conhecimentos
teóricos para fundamentar nosso entendimento sobre a temática proposta, acerca da
formação inicial e continuada do professor atuante na Educação Infantil. Ao intensificar
leituras e estudos a respeito da formação docente, compreendemos que a formação deve

4
ser um processo contínuo de novas apropriações e conhecimentos, para subsidiar e
melhorar a prática educativa.
Durante o trabalho, fizemos duas observações de práticas pedagógicas de cada
professora envolvida na pesquisa, em diversos ambientes do cotidiano escolar, como sala
de referência de turma, parquinhos, passeios de rua, recreio e outros, totalizando sessenta
e quatro horas. Também realizamos entrevistas semiestruturadas com cada professora,
compostas por vinte e quatro questões que abordaram aspectos sobre formação, tempo de
trabalho na Educação Infantil e especificidades para trabalhar com a criança pequena.
Após a realização das entrevistas, fizemos a transcrição das mesmas. Utilizamos alguns
dados coletados durante a pesquisa para enriquecer e fundamentar a importância do tema,
objeto desse artigo.
Participaram da pesquisa, oito professoras, sendo duas de cada escola. Visando
preservar o anonimato das participantes da investigação, usamos a denominação P1
(professora 1) a P8 (professora 8) na análise dos resultados. Ressaltamos que a
participação das professoras deu-se mediante consentimento livre e esclarecido conforme
normativa do Comitê de Ética em Pesquisa da Unesp Campus de Marília, São Paulo.
Para dar início à análise dos dados produzidos, apresentamos aspectos sobre a
formação inicial das professoras pesquisadas. Das oito professoras participantes da
pesquisa, cinco são formadas no Curso Superior de Pedagogia na modalidade presencial
ou à distância. As outras três professoras têm graduação em História, Letras e Turismo e
todas possuem formação em nível de especialização em áreas da Educação Infantil.
De acordo com as informações obtidas, verificamos que a formação das
professoras participantes da pesquisa, atende aos requisitos da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1996), que exige a formação do professor em
nível superior, determinada na letra da lei, em seu artigo 62.
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível
superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em
universidades e institutos superiores de educação, admitida, como
formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e
nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em
nível médio na modalidade normal. (BRASIL, 1996, artigo 62).

Na visão de Libâneo (2004), os cursos de graduação devem prover instrumentos


ao professor realizar um trabalho educativo com mais efetividade. Destaca que os
ensinamentos da Teoria Histórico-Cultural são basilares na formação docente,
considerando a abordagem sobre “[...] a natureza e a estrutura da atividade humana, a

5
relação entre atividade de ensino, atividade de aprendizagem e desenvolvimento
humano.” (LIBÂNEO, 2004, p. 7).
Nessa mesma linha de pensamento, Saviani (2009), ressalta que, uma formação
inadequada reflete, diretamente, na prática educativa que o professor realiza. Conforme
o autor,
[...] a formação de professores só se completa com o efetivo preparo
pedagógico-didático. Em consequência, além da cultura geral e da
formação específica na área de conhecimento correspondente, a
instituição formadora deve assegurar, de forma deliberada e sistemática
por meio da organização curricular, a preparação pedagógico-didática,
sem a qual não estará, em sentido próprio, formando professores.
(SAVIANI, 2009, p. 149).

Quando questionadas sobre as disciplinas mais importantes no curso de


graduação, das docentes graduadas em Pedagogia obtivemos as seguintes respostas: “P1:
Artes”, “P2: Psicologia na Educação Infantil”, “P3: Psicologia na Educação”, “P4:
Fundamentos da Educação Infantil para as séries iniciais”, “P5: Educação Infantil”.
Esses dados nos permitem inferir que, a maioria das professoras destaca as
disciplinas que tratam sobre o comportamento humano em suas respostas. Esse resultado
ratifica os estudos de Saviani (2009), que defende uma formação docente que contempla
competências específicas voltadas a uma prática pedagógica adequada ao cumprimento
da função professor.
À questão: “Em sua opinião, o que você poderia ter aprendido em sua formação
que você considera importante?”, observamos que, das cinco professoras formadas em
Pedagogia, três responderam que faltou prática pedagógica ou estágio em turmas de
Educação Infantil.
O resultado apresentado é, deveras, preocupante. Revela que, os cursos de
formação não proporcionam a prática ou estágio, instrumentos fundamentais para
solidificar a teoria apreendida durante a graduação. De acordo com Libâneo (2004), a
atividade de formação docente é um processo de aprendizagem da profissão de ser
professor, durante o qual são adquiridos conhecimentos teóricos e ferramentas cognitivas
que promovem o desenvolvimento das competências do pensar. Para o autor, ambas
atividades, profissional e cognitiva, demandam o desenvolvimento de ações específicas,
que compreendem a atividade do professor como uma atividade que demanda
instrumentalização.
Assim comenta o autor:

6
Tanto a atividade profissional quanto a atividade cognitiva implicam o
desenvolvimento de ações muito específicas, obrigando-nos a não tratar
a atividade docente como algo abstrato, mas como atividade que requer
instrumentalidades. (LIBÂNEO, 2004, p. 138).

Ao comentar sobre a importância da prática na formação do professor, Mello


(2000), esclarece que a prática deve estar presente no curso de formação docente desde o
primeiro dia de aula. Por meio de orientação em escolas de Educação Infantil, de Ensino
Fundamental ou Médio, é possível reconstruir ou simular situações reais, estudos de
casos, depoimentos visando a qualificação do professor em sua prática educativa. Na
visão da autora, o estágio do professor merece a mesma atenção da residência médica,
pois ambos são equivalentes ao materializar na prática a teoria aprendida nos cursos
formadores.
[...] a culminância de um processo de prática que ocorre pelo exercício
profissional pleno, supervisionado ou monitorado continuamente por
um tutor ou professor experiente que permita um retorno imediato ao
futuro professor dos acertos e falhas de sua atuação. (MELLO, 2000, p.
104).

Sobre essa questão, Duarte (1999) salienta a importância da prática nos cursos
de graduação. O autor comenta que a prática pedagógica realizada é responsável pela
formação do aluno, ao exercer o papel de mediador entre a vivência do aluno e o processo
histórico de objetivação universal, pelo qual o aluno faz novas apropriações.
As informações obtidas por meio das entrevistas realizadas nos permitem fazer
algumas inferências acerca da formação inicial das professoras de Educação Infantil
participantes dessa pesquisa. A partir das respostas docentes, entendemos que a falta de
prática e de estágio durante a formação em nível de graduação, pode dificultar a prática
educativa realizada em sala de aula. A ligação entre os dois aspectos, teóricos e práticos,
deveria prover o suporte necessário para a realização de um trabalho voltado à
humanização e ao pleno desenvolvido da criança pequena.
A seguir, analisamos as percepções docentes quanto à formação continuada. À
pergunta: “Em sua escola/município, há momentos em que os professores se encontram
para estudar? Sobre qual temática vocês debatem?” destacamos as seguintes respostas:
P3: Na verdade a gente pontua, assim ,..((pensa)) É sobre a dificuldade
do momento, sobre o que a gente está tendo dificuldade [...].

P4: A gente estuda sobre as dificuldades na sala de aula,


principalmente. Por exemplo, agora a gente está estudando as
dificuldades com crianças especiais.

7
P8: Se surge alguma coisa.:::...digamos assim, algum documento,
alguma coisa que você tem que decidir, tem que mandar pra secretaria,
uma exigência, a gente se reúne fora de hora pra debater sobre o
assunto pra daí ver o que podemos fazer.

As respostas docentes, acima recortadas, mostram como a formação continuada


é conduzida nas escolas e no município de Medianeira, Paraná. Em nosso entendimento,
essa formação parece não se configurar como um processo onde o crescimento e
atualização profissional são prioridades. Ao contrário, parece que a formação está
centrada na solução de problemas de aprendizagem e dificuldades apresentadas pelas
crianças pequenas e também em estudos de documentos legais. Sem dúvida alguma, são
aspectos importantes e merecem atenção do professor. Porém, acreditamos que a
formação continuada deve privilegiar conteúdos não apreendidos durante a formação
inicial, além de fornecer elementos que resultam em uma prática educativa com mais
qualidade.
No âmbito da formação de professores para a Educação Infantil, a formação
continuada é uma preocupação constante. Conforme Chaves, Lima e Girotto (2012), a
solução desse problema reside em uma proposta de educação que verse sobre as
potencialidades da criança e vise a uma prática educativa motivadora de emancipação.
Ao mesmo tempo, as potencialidades docentes também devem ser discutidas, o que
geralmente não acontece nos cursos de formação ou em seu local de trabalho.
Quando questionadas se os momentos de estudos são necessários e importantes
para a formação contínua, obtivemos as seguintes respostas:
P2: Sim. Porque você tem uma troca de conhecimento, daí sempre você
acaba aprendendo:::... Troca de experiência e troca de ideias renovam.

P3: Porque a gente, como eu disse, precisa estar se reciclando. Então,


se eu não fizer esses cursos, eu vou ficar sempre fazendo aquelas
mesmas coisas, que podem ou não surtir um efeito desejado. Então,
assim, se eu conhecer um novo, eu posso passar o novo para as
crianças.

P6: Porque às vezes eu tenho uma dúvida e a outra colega sabe me


responder a minha dúvida. Então é:::...assim pra se tirar muitas
dúvidas. São bons esses estudos. E cada vez aprende mais.

P7: Sim. Muita coisa pra aprender. E muitas coisas mudam.

Pelas respostas apresentadas, verificamos que, na percepção das professoras, os


encontros para estudos são momentos que permitem a troca de conhecimentos e
experiências entre colegas. Nesse contexto, os ensinamentos da Teoria Histórico-Cultural

8
revelam que o homem se desenvolve e se humaniza pelas relações sociais e culturais no
ambiente em que vive. As apropriações de conhecimentos construídos e transmitidos
historicamente estimulam a constituição da natureza social dos homens.
De acordo com Vigotskii (1988), tanto a sociedade quanto a história social
moldam a estrutura das formas de atividades que diferem os homens dos animais.
Acrescenta que, pelas interações sociais que acontecem no ambiente escolar, as pessoas
podem se apropriar de novos conhecimentos, construções e significados. Desse ponto de
vista, verificamos pelas respostas docentes, que nos encontros de formação continuada,
existe a possibilidade de seu desenvolvimento profissional, intelectual e emocional. Ao
compartilhar experiências, elas aprendem, ensinam e se renovam.
Em outra questão, perguntamos: “O que as crianças mais gostam de fazer na
Educação Infantil?” Em unanimidade, as professoras responderam que “brincar” é o que
as crianças mais gostam de fazer. Abaixo, apresentamos as respostas docentes:
P1: Brincar ((risos))

P3:Brincar.

P5: Brincar, ouvir histórias ((risos)) É o que eles amam fazer.

P7: Brincar. É o que elas mais gostam de fazer. Se você não tiver a
parte lúdica todos os dias, eles pedem.

P8: Elas adoram ((pensa)) dançar:::... ou brincar no parquinho de


areia. Enfim, atividades motoras, massinha, tudo.

As respostas docentes nos permitem atestar que as professoras valorizam a


brincadeira na rotina diária da escola. Ao mesmo tempo, verificamos que, o vocábulo
“brincar” é utilizado para indicar a prática de lazer realizada no ambiente escolar. Inclui
brincadeiras livres, de roda, no parquinho, na areia, com massinha, na cama elástica, e
outras. Dessa forma, parece que, o brincar está vinculado a qualquer proposta livre que
não requer planejamento ou organização. Porém, de acordo com os pressupostos da
Teoria Histórico-Cultural, “[...] a brincadeira é constituição histórica e cultural, atividade
principal dos três aos seis anos, e motivadora de saltos decisivos no desenvolvimento da
inteligência e da personalidade da criança nessa etapa da vida.” (MARCO, 2014, p. 71).
Nos estudos de Leontiev (2004), brincar é vital para a formação do humano nas
pessoas na infância. Por meio de objetos como brinquedos, carrinhos, bonecas, bolas,
sementes e toquinhos a criança realiza apropriações cada vez mais complexas. Quando se

9
coloca no lugar do outro, a criança compreende melhor as relações sociais que presencia
em sociedade. O autor esclarece que, mediante a brincadeira, a criança
[...] toma posse do mundo concreto enquanto mundo dos objetos
humanos com o qual reproduz as ações humanas. Conduz um
“automóvel” dispara a “espingarda”, se bem que seu carro não possa
ainda rolar nem a espingarda disparar. Mas a criança não tem
necessidade disso neste estágio do seu desenvolvimento, pois suas
necessidades vitais são satisfeitas pelos adultos, independentemente da
produtividade objetiva de sua atividade. (LEONTIEV, 2004, p. 305).

Segundo a Teoria Histórico-Cultural, para que a atividade proporcione novas


apropriações, é necessário que a criança conheça o objetivo de tal atividade, que deve
coincidir com um motivo, uma necessidade ou interesse. Nessa ótica, Leontiev (2004)
salienta que a atividade se caracteriza pelo processo no qual a criança se envolve
completamente naquilo que faz, satisfazendo necessidades de conhecimento e
descobertas naquele momento.
Embasadas nos preceitos da referida Teoria que ampara a pesquisa ora
detalhada, entendemos que a brincadeira não é sinônimo de “passatempo”. Ao contrário,
“[...] a brincadeira é uma constituição histórica e cultural, atividade principal dos três aos
seis anos, e motivadora de saltos decisivos no desenvolvimento da inteligência e da
personalidade da criança nessa etapa da vida.” (MARCO, 2014, p.71).
Leontiev (1988) apresenta a brincadeira como uma atividade organizada,
orientada, não instintiva e precisamente humana. Acrescenta que, durante o período pré-
escolar e mediante a brincadeira, a criança assimila funções dos papéis sociais assumidos
pelas pessoas, bem como padrões de comportamento apropriados. Essa afirmação ratifica
o papel do professor na organização da brincadeira. Para ser instrumento de
desenvolvimento da criança, a brincadeira precisa de organização, planejamento e
objetivos claramente definidos e bem compreendidos pela criança.
A infância pré-escolar é o período da vida em que o mundo da realidade
humana que cerca a criança abre-se cada vez mais para ela. Em toda a
sua atividade e, sobretudo, em seus jogos, que ultrapassaram agora os
estreitos limites da manipulação dos objetos que a cercam, a criança
penetra um mundo mais amplo, assimilando-o de forma eficaz.
(LEONTIEV, 1988, p. 59).

Nessa perspectiva, a brincadeira deixa de ser uma proposta educativa para


simplesmente “passar o tempo” e se torna uma atividade que permite a apropriação de
novos conhecimentos e descobertas pela criança.
À questão “O que as crianças menos gostam de fazer na Educação Infantil?”

10
P1: Atividades rotineiras tipo assim :::... chamadinha, leitura do
alfabeto. Isso eles não gostam mesmo.

P3: Ficar presas numa atividade direcionada por muito tempo. A


criança não gosta. Ela aprende brincando, então ela gosta muito de
brincar.

P6: Cumprir regras na sala.

P7: [...] mas o que elas menos gostam é ficar sentadas, ouvindo.

P8: Olha, até agora assim, que eu me lembre, não existe nada que elas
não gostam de fazer... elas adoram fazer tudo.

Segundo Mello (2012), quando a atividade proposta pela professora é atraente,


todas as crianças, ou sua maioria, aderem a esta atividade em um curto espaço de tempo.
Acrescenta que, em um ambiente for rico e diversificado, a criança que está em outra
atividade também está descobrindo, se exercitando e aprendendo. Para a autora, não é
necessário que a professora reúna todo o grupo para realizar uma atividade, mas ela deve
oferecer oportunidades para a criança experimentar e explorar.
Com base nas leituras realizadas durante a pesquisa, compreendemos que as
brincadeiras organizadas e planejadas, assim como os brinquedos devem ser o foco da
prática educativa com as crianças pequenas. Ademais, é por meio delas que as crianças
elaboram novos papéis sociais e, ao evoluir, se humanizam.
No contexto da formação do professor atuante na Educação Infantil, Campos
(2008), aponta que, quanto menor a idade da criança, mais polêmica é a definição do
papel da professora. Para a autora, a criança precisa de um atendimento diferente do
modelo escolar, no qual o tempo, espaços e aulas são organizados e conduzidos
intencionalmente pelo professor. Sinaliza a necessidade de construir uma nova identidade
para o professor no que diz respeito à fundamentação teórica adquirida na formação
inicial, para visualizar um novo papel para o professor na educação da criança pequena.

Considerações Finais

Os recortes legais e teóricos apontados neste trabalho revelam a urgência por


uma formação docente capaz de promover a capacitação específica para trabalhar com a
criança pequena. Sabemos que pertence ao professor a tarefa de realizar uma prática
educativa voltada ao pleno desenvolvimento dos diversos aspectos da criança pequena,
privilegiando o ensino contextualizado e significativo e valorizando suas experiências de

11
vida, sua história, cultura e relações sociais. Entender e respeitar as diferenças e histórias
de cada criança, determinantes para os processos de ensino e de aprendizagem e
apropriações de novos conhecimentos, é outra importante capacidade docente.
A partir da pesquisa realizada com as professoras de Educação Infantil da rede
pública da pequena cidade de Medianeira, Paraná, formos aprendendo e apreendendo
novos conhecimentos e realidades. A análise dos dados produzidos na pesquisa ora
discutida, mostra uma realidade distinta daquela apresentada em documentos legais que
estabelecem os objetivos e fundamentos da Educação Infantil.
As vozes docentes revelam professoras cientes das carências em sua formação
inicial que resultam na falta de conhecimentos específicos para trabalhar com crianças
pequenas que se materializam na dificuldade para enfrentar e resolver situações
corriqueiras do dia-a-dia do universo escolar.
No âmbito da formação continuada, não é muito diferente. A investigação
realizada mostrou que no município de Medianeira, a formação voltada para a educação
humanizada ainda caminha a passos lentos, com parcos investimentos, planejamento e
continuidade.
A formação continuada oferecida às professoras da rede pública de Educação
Infantil não proporciona atualização, aperfeiçoamento e crescimento profissional.
Tampouco responde às interrogações deixadas nos cursos de graduação frequentados
pelas professoras ou preenche as carências intelectuais, cognitivas e pedagógicas,
necessárias à prática educativa que objetiva à humanização da criança.
Segundo Kramer (2006), pensar em formação para professores que atuam na
Educação Infantil requer um atendimento que contemple as especificidades de cada faixa
etária, cujo objetivo é a qualidade da educação. Segundo a autora, este é um dos mais
importantes desafios para as políticas educacionais, pois trabalhar com crianças pequenas
é ainda uma tarefa nova e recente na história da escola brasileira. Os processos de
formação esporádicos e emergenciais atualmente existentes não provocam mudanças
substanciais quanto aos aspectos educativos e profissionais, necessários a uma educação
mais humanizada, cujo objetivo é o pleno desenvolvimento da criança, sua inserção social
e sua autonomia, como sujeito de vontades e de direitos.

REFERÊNCIAS

12
BRASIL. Constituição Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

_______. Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9.394, de 20 de


dezembro de 1996. Diário Oficial da União, v. 84, n. 248, 23 dez. 1996.

_______. Plano Nacional de Educação. Lei 10.172/2001. 9 de janeiro 2001. Diário


Oficial da União.

CAMPOS, M. M. Educar crianças pequenas: em busca de um novo perfil de


professor. Retratos da Escola, v. 2, n. 2/3, p. 121-131, jan./dez. 2008.

CHAVES, M.; LIMA, E. A.; GIROTTO, C. G. G. S. Intervenções Pedagógicas e


realizações humanizadoras com professores e crianças. In: CHAVES, M.
(Org.).Intervenções pedagógicas e educação infantil. Maringá: Eduem, 2012. p.37-49.

DUARTE, N. A individualidade para-si: contribuição a uma teoria histórico-social da


formação do indivíduo. 2. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 1999.

KRAMER, S. As crianças de 0 a 6 anos nas políticas educacionais no Brasil: educação


infantil e/é fundamental. Educação e Sociedade, v. 27, n. 96, p. 797-818, 2006.

LEONTIEV, A. N. O Desenvolvimento do Psiquismo. Lisboa: Horizonte Universitário,


1978.

LEONTIEV, A. N. Uma contribuição à Teoria do Desenvolvimento da Psique Infantil.


In: VIGOTSKII, L. S., LURIA, A. R., LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento
e aprendizagem. São Paulo: Ícone: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. p. 59-
83.

LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Centauro, 2004.

LIBÂNEO, J. C. A aprendizagem escolar e a formação de professores na perspectiva da


psicologia histórico-cultural e da teoria da atividade. Educar em Revista, Editora
UTFPR, n. 24, p. 113-147, 2004.

LIMA, E. A.; VALIENGO, A.; RIBEIRO, A. E. M.; SILVA, A. L. R. Práticas Educativas


na educação infantil: a busca da profissionalidade. In: CHAVES, M. (Org.) Intervenções
pedagógicas e educação infantil. Maringá: Eduem, 2012. p. 93-106.

LURIA, A. R. In: VIGOTSKII, L. S., LURIA, A. R., LEONTIEV, A. N. Linguagem,


desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone: Editora da Universidade de São
Paulo, 1988. p. 21-39.

MARCO, M. T. de. Percepções de professores da Educação Infantil sobre sua


formação inicial e continuada e suas práticas docentes: o caso de Medianeira/PR.
Mestrado em Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Faculdade de
Filosofia e Ciências, Unesp, Marília, SP. 2014.

13
MELLO, G. N. Formação inicial de professores para a educação básica: uma (re)visão
radical. São Paulo Perspectiva [online]. 2000, vol.14, n.1, pp. 98-110. ISSN 0102-8839.
http://www.scielo.br/pdf/spp/v14n1/9807.pdf

MELLO, S. A. Uma teoria para orientar o pensar e o agir docentes: o enfoque histórico-
cultural na prática de educação infantil. In: CHAVES, M. (Org.). Intervenções
pedagógicas e educação infantil. Maringá: Eduem, 2012. p. 19-35.

SAVIANI, D. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no


contexto brasileiro. Revista brasileira de Educação, v. 14, n. 40, p. 143-155, 2009.

VIGOTSKII, L. S. Aprendizagem e Desenvolvimento Intelectual na Idade Escolar. In:


VIGOTSKII, L. S., LURIA, A. R., LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e
aprendizagem. São Paulo: Ícone: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. p. 103-
117.

14

Você também pode gostar