) dadores. LITERATURA COMPARA bA :textos fon Rf: Rocco ,1992.
CRISE DA LITERATURA COMPARADA?*
René Etiemble
Krise du Komparatistik, The Crisis of Comparative Literature,
Crise de la littérature comparée. Isso também deve ser dito em sérvio e em japonês... Ainda que a palavra crise esteja na moda e que, para desafiar o leitor, os autores de artigos ou de obras sobre qualquer assunto a utilizem indiscriminadamente em qual quer situação - lugar-comum , a literatura comparada, efeti vamer experimenta, pelo menos há vinte anos, o que não é mais conveniente cchamarmos de crise. Eu me proponho fazer aqui o diagnóstico desse fato com a intenção, quem sabe, de prescrever, ou pelo menos sugerir, alguns remédios. Contra todo chauvinismo.. Marius-François Guyard, professor da Faculdade de Letras de Estrasburgo, publicou em 1951, na coleço Que sais je?, a pri meira edição de um trabalho destinado sobretudo ao grande pú blico, mas muito discutido pelos especialistas: La littérature com parée. Ainda que tenha sido prefaciado por Jean-Marie Carré, professor da Sorbonne, foi friamente recebido aqui e em outros lugares, sobretudo nos Estados Unidos. Numa recensão que pu blicou sobre e contra esse trabalho, Calvin S. Brown observou, ironicamente, queo nosso compatriota classifica os trabalhos com paratistas sob as seguintes designações: 'Escritores franceses no estrangeiro'", "Escritores estrangeiros na França'', "Influências entre literaturas estrangeiras'". Assim, quem poderia proibir os comparatistas americanos de dar à sua literatura a mesma posi ção central: the same central position? Da mesma forma, quem
"ETIEMBLE, René, Crise de la littérature comparée? Comparaison n'est pas raison.
Paris: Gallimard, 1963, p. 9-23. iowSkI Skwarczynska, Jan Stefania de direção a pub: Polônia, naUniversidade Lódz, de Lodziensis, da tiarumsob ca, Scien Societas 1958,a Desdemudaram. tempos os sorte Por mo): capitais cumplicidade como de acusá-lo para pouco(1altando hurgues espir1to mostrar umcosmopolitismo, por oé, isto mo, paratis praticaro por julgando-o culpado Lukács, Georges Pravaa, condenava, no Fadaiev escritores ditador dos 1950,o burguesa! Em ciência momento, essa ali.proibia , naquele Stalin tiraniade qaverdade ue Rússia.Écomparatismo na noticias do desse estudo nenhum entretanto, que lamentável, universal.E ra literatu ocidentale literatura confundir quaseachegava alemo centrífuga", um pouco disciplina "um nossa considerava cano ameri umAssim, selegitimas". igualmente distintase ciplinas dis duas literária são história literária a e critica "aquejulgava razão, Benedetto, com Foscolo Luigi lembrava que Croce, detica estreferia-se é Simone Franco italiana. a e alemå, resentavaa à francesa, concepção daalamericana ém Guyard; de tesesa às esponder tambm parecia maneira, sua janeiro-março 1953),å parada literatura Orientações em comparee, Littérature Revue de especial da número um antes, tempo Pouco raison'" comparaison pa s n'e st ou comparée "Littérature intituladas algumas pá produzi artigo, dimensões umde restritoàs Estando ginas vista. ponto de meu exporo neles para Parisl'Université de de Annales ofereceu-me os Sarrailh Reitor eleito,o ser ciplina. Ao dis nossa concepção paraa outra uma introduzir ali tentaria ção, institui nessaadmitido sendo escondi que, nunca Carré, Marie Jean morte de comSorbonne a aberta na comparadas, teraturas cátedra lide candidatura paraa minhaapresentei Quando way insensato: that verdade, emmétodoé, esseGuyard: lies.madness tulado de pocontestar s o em vin poderes, seus excessiva de talvez conscimanlcia age não então, uma Brown,temn que CalS. paiUnidos, s Esta cidados dos Guyard, codos que vistaComo ponto dedele?literaturaparaoa adota patriota, sua windicaria paraa bom mo rei não Central , Império Centro,o s onsciente civilização, reconhecida uma doPaide o quatro seu do favorecida pe terá, logo que anos nome mil los população enorme pel a China, ainda,a que, Pooutras? r todas as sobreprevalcçafavorecida privilgio dotada deliteratura uma que exigir deDeus,e lingua de éa línguatal : sua indiscutivel, que a de fato, muçulmano, de quisermos, o secleou,paraárabe, aprovcitar-sc proibir odo ousaria OMPARADA LITERATURA 192 CRISE DA LITERATURA COMPARADA? 193
e Witold Ostrowski, uma revista que já está no sétimo número
e cujo título, em três linguas, por si só configura um programa: Zaganienia Rodzajów Literackich, Voprosy literaturnyh Zanroy, Les problèmes des genres littéraires. Em 1962, a Academia de Ciên cias da Hungria organizou, em Budapeste, de 26 a 29 de outu bro, um Congresso Internacional de Literatura Comparada, do qual participaram não apenas representantes do mundo socialis e ta com exceção da Albânia e da China , como também presentantes da Bélgica, da Suíça, dos Países-Baixos e da Fran ça, inclusive, ex officio, W.-A.-P. Smit, presidente da Associação Internacional de Literatura Comparada. Agora que o mundo so cialista fica livre de uma incômoda personalidade e reconhece que a nossa disciplina responde à exigência fundamental do marxis mo, a literatura comparada, concebida segundo as normas de Gu yard, parece ainda mais provinciana. Mesmo que os Voprosy Is toriide 1958 tenham censurado os estudiosos soviéticos de se te rem isolado do resto do mundo (ainda que não se possa enten der Lomonossov sem recorrer àcultura européia, nem os demo cratas revolucionários russos sem conhecer o pensamento dos so cialistas utópicos da França eda Inglaterra) écurioso ver reapa recer, no mesmo ano, uma reedição de La littérature comparée, na qual Guyard não altera nada daquilo que escrevera em 1951. ..e todo provincianismo Atitude ainda mais incompreensivel, neste momento, é ver se que o mundo inteiro, ou pelo menos parte dele, se dedica cada vez mais às nossas pesquisas. Comprovam isso o Centro de In vestigaciones de Literatura Comparada de la Universidad de Chile, os trabalhos publicados no Peru por Estuardo Nuñez Autores germanos en el Perú (Lima, 1953) e Autores ingleses y nortea mericanos en el Perú, em Estudios de literatura comparada (Li ma, 1956) e ainda, segundo as normas mais rigorosas da es cola francesa, Los viajeros italianos en el Peri, de Raúl Porras Barrenechea (Lima, Ecos, 1957). Testemunho ainda mais como vente, dadas as circunstâncias políticas, é o trabalho de Jakob Ben lechouroun sobre o Lirismo russo e sua infuência na poesia hebraica; não somente os temase as imagens, mas até os tor neios frasais da poesia judia contemporânea teriam sofrido grande influência dos clássicos russos. Não é tarefa minha, então, in formar aos japoneses a existência do Hikaku Bunkaku, Journal 194 LITERATURA COMPARADA of Comparative Literature, publicado pela Comparativelt ture Society of Japan, ou dos Hikaku Bunkakukenkyy, de littérature comparée, publicados pelo Instituto de EÉtudes Comparada da Universidade de Tóquio. Literatura Políticae literatura comparada A primeira tarefa dos comparatistas agora, dentre todas ae que se impõem, é renunciar a todo tipo de chauvinismo vincianismo, reconhecendo, enfim, que a civilização humana, on. de os valores se intercambiam hámilênios, não pode ser com. preendida nem apreciada sem que se faça constante referência a essas trocas, cuja commplexidade impede a quem quer que seia de ordenar a nossa disciplina em função de uma lingua ou de um país, privilegiando-o dentre os denmais. Não se trata de proibir a um povo ou a um grupo de povos de interessar-se por questões que lhes dizem respeito. Änecessá rio, ainda, que a política não intervenha excessivamente, alteran do o funcionamento dessas pesquisas particulares. -Se, por exemplo, a conferência com a qual I-G. Nieoupakojeva abriu, depois de Vlanu,o Congresso de Budapeste em 1962. Após um elogio àescola francesa e uma crítica àescola americana, a qual, segundo ela, parecia desnacionalizar de forma inoportuna as li da Academia de Ciências de Mos teraturas, essa influente figura cou condenou a tendência do mundo capitalista de estudar co mo um conjunto privilegiado a história comparada das literatu ras da Europa Ocidental, não obstante tivesse aprovado um dos das li temas desse congresso: o início de umn estudo comparado teraturas da Europa oriental e balcânica. De duas, uma, respondi lhe, resumidamente: ou bem se admite, e eu admito de bom gra do, que, por razões geográficas, históricas e, hoje em dia politi cas, o mundo socialista tem bons motivos para estudar partic larmente as relações culturaise especialmente literárias nos pal ou então é ne ses danubianos, no leste e no sudeste da Europa, geográficas, histó cessário admitir que pelas mesmas razões ricas e hoje políticas , os povos da Europa ocidentalal também possuem motivos para estudar as relações culturais e Dtel a Itala entre S paises que foram civilizados por Roma, como OCiden a Peninsula lbérica, a Franca, a Inglaterra, a Alemanha Evitemos, somente, que tal e, por que não, a África do Norte. tanto a leste quanto a oeste, esses estudos regionais de telae CRISE DA LITERATURA COMPARADA? 195
comparada não sirvam para instigar ou dissimular manobras de
alta política. Pela idéia que alguns alemæs têm da literatura comparada, eu percebo, em certos casos, um reflexo do sonho europeu que foi, depois de tantos outros, o de Hitler, e que é motivo de in quietação para nossos colegas soviéticos tanto quanto para nós. Certamente, a Europa não esperou esse maníaco para se sentir, para se querer uma; Roma, Carlos Magno, Carlos V, Luís XIV, Napoleãoe Bismarck provam-nos que, sob diferentes linguaja res, uma Europa se buscou constantemente, encontrando-se al gumas vezes, da Antigüidade à Idade Média, da Renascença ao Século das Luzes e do Primeiro Império aos nossos dias. Não é necessário, contudo, que por meio de tentativas hoje esboça das de reconstituir a Europa - das quais o Mercado Comum ea Comunidade Européia de Energia Atômica são, até o presen te, as mais espetaculares não énecessário, repito, que a litera tura comparada tenda a reconstituir, em beneficio de uma Euro pa conservadora e cate rio e perigoso. Não um novo centro do mundo, arbitrá tamhém. que a partir de agord, reunidos por uma ideologia comum, os paises socialistas encon trem nisso um pretexto para negligenciar ou vilipendiar suas an tigas relações esuas relações atuais com a Europa Ocidental. Por sorte, todos os tipos de comunicações ou de relatos apresentados no Congresso de Budapeste pelos representantes dos paises so cialistas sugeriam que as teses de Nieoupakoieva acentuavam uma posição teorica, posição essa de que eu já tinha tomado conheci mento através de algumas publicações soviéticas, mas que outros representantes nuançavam com discernimento e, às vezes, com energia. Os discursos de encerramento e os termos da final provaram que, apesar de certas divergências no resolução emprego do vocabuláio divergências essas que poderão ser atenuadas lo go (eu penso, particularmente, no emprego dos termos realismo, realismo crítico, realismo socialista, que não têmo mesmo senti do nas linguas dos paises socialistas e nas dos paises capitalistas mas queo recente "Discurso de Praga"", pronunciado por Louis Aragon, poderia conduzir a um único sentido), os compara tistas do mundo capitalista e do mundo socialista concordam sobre o essencial: o objeto, e a seguir os métodos de sua comum. disciplina E necessário ento desejar que um artigo como o do Prof. 196 LITERATURA COMPARADA Host Rüdiger, de Mayence, "Nationalliteraturen und Europäi- Literatur"", publicado em maio de 1962, no Schweie sche natshefte, não signifique um retorno a qualquer chauvinismo eu. ao nacionalie ropeu que, mesmo restrito, não seria preferivel inteira francês de Marius-François Guyard. Não é, portanto,ensaio de mente sem razão que, não obstante Os seus méritos, o Lateini. Ernst Robert Curtius sobre Europäische Literatur und sches Mittelalter [Literatura europeia e Idade Média latinal sUs socialistas. Em cite certa inquietude aos comparatistas dos países a exposicão contrapartida, quando Nieoupakoieva investe contra Internacional de Litera. de René Wellek no segundo Congresso Hill, 1958), quando con Chapel tura Comparada (realizado em sensato artigo tão moderado e de Henry H. H. Remalk testa o "Comparative Literature at the Crossroads: Diagnosis, Therapy censura a Henri Peyre de afir and Prognosis", quando também comparatismo é, sem dúvi mar queo traço mais apreciável do consegue dar aos homens, que ele da, a consciência supranacional sinal de ver ai um evidente de seu patriotismo não posSo evitar degenerar em nova descon russo, patriotismo esse que não deve contra o espírito cosmopolita (não no sentido burguês, mas fiança montanista desse termo). no sentido socrático, A literatura comparada é o humanismo útil, então, lembrar ao Congresso de Budapeste Pareceu-me fórmulas, que eu via como o credo de todo comparatista: duas bas em que cada um se 0antigo isolamento local e nacional, interdependência universal das tava a si próprio, dá lugar a uma éverdadeiro para a produção material aplica-se nações. Oque nação tornam-se pro à intelectual. As obras de uma de espírito oduçdo comumn de todas as demais. A estreiteza e a par pr exclusivismo nacionais não podem mais ser admitidos; tormta o nacionais e mesmo regionais Marx). de numerosas literaturas universal"" (Karl em diante, uma literatura de agora coisa que me fosse útil e que tosse P "Se eu soubesse qualquer judicial à minha família, eu a excluiria minha de meu pensamento coisa de útil para a família e que hau SOubesse qualquer esquecê-la. Se Sou fosse útil àminha pária, eu procuraria fosse prej qualquer coisa de útil para a minha pátria e que prejudicial: àhu- à Europa, ou, ainda, que fosse útil à Europa (Montesquieu). ue manidade, eu a consideraria um crime" 197 CRISE DA LITERATURA COMPARADA?
candaloso paradoxo se apenas os paises capitalistas desejassem
epudessem assegurar hoje em literatura comparada os princípios internacionalistas de Montesquieu e Karl Marx! Determinadas essas questões, julguei-me feliz por ouvir nossa colega da Academia de Ciências de Moscou sustentar que a lite as ratura comparada deve estudar não somente as relações entre diferentes literaturas da época moderna e contemporânea, mas, no seu conjunto, a história dessas relações, devendo voltar ao pas sado mais antigo. Nieoupakoïeva, que revela uma grande simpa tia pela escola francesa de literatura comparada, me recorda, muito a propósito, que o ensino de nossa disciplina é ministrado, na Sorbonne, por um Institut de Littératures modernes et compa rée, e que, tradicionalmente, se estuda aí não mais que as rela Ções internacionais a partir dos séculos XVI e XVII, dando maior ênfase aos séculos XIX e XX. Como se o estudo das relações en tre a literatura grega e a literatura latina não pudessem ou não devessem nos interessar, a nós os comparatistas! Como se as re lações entre o mundo grego, o árabe, o judaico, o romano, o es lavo e o império mongol da Idade Média não fossem dignos de nossa atenção! Como se, quando, ao ocupar-se da origem da tra gédia e da comédia, o comparatista pudesse negligenciar, a par tir de então, o livro do cônego Etienne Drioton sobre Le Théâtre Egyptien, prelúdio indispensável a toda reflexão sobre o trágico eo cômico dos gregos e, conseqüentemente, sobre a dramaturgia da Europa. Quanto aos comparatistas japoneses, se, desdea era Meiji, eles se interessam, com razão, pelas relações de seu pais com as literaturas da América e da Europa, se eles encontram motivo para estudar a influência da poética inglesa sobre a prosódia ja ponesa, a influência das letras inglesas e italianas sobre Natsu me Soseki, ou ainda a influência da literatura francesa sobre Aku tagava Ryanosuke, como, sem trair o espírito de nossa discipli na, negligenciariam eles as relações antigase duráveis que os uni ram àChina eao mundo budista? Quando Koichi Sakai exami na a influência do Tch'a King sobre oChashin Monogatari, ele se comporta do mesmo modo que o francês que estuda como o mito de Teseu, de Édipo ou de Prometeu são tratados hoje por Cocteau e por Gide. Poder-se-á objetar, de antemão, que a literatura compara da, difundida de modo desmesurado no espaço - jáque preten 198 LITERATURA COMPARADA de cobrir todo o planeta -poderáviras sê-lo também no tempo, não permitiria, aos estudiosos da matéria, a obtenção de que mais do que rudimentos, ainda que investissem nisso toda onada responderei que me limito até aqui a definir o es- asua vida? Eu disciplina, e que, justamente, se trata, no presen nirito de nossa nosso of te, de verificar se podemos concillar as exigencias de cio com a duração da vida de um homem, mesmo que se ja ele comparatista.
NOTAS
Paris: Gallimard, 1958, p. 154.73.
Cf. Hvgiène des Lettres. t. 3, Savoir et goû. edicôes O autor cita o título em francês de uma obra editada em Tel Aviv, em hebreu. Dvir, 19S5. (N. da T.) de Bruxe nacionalismo, como bem acentuou Mortier, professor da Universidade 3 Tal condenava se comparado ao de Louis Raynaud, que las, apresenta um grande progressomnovimento no romantismo o fato de ser um de origem germânica.