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1 Advogado. Pós-graduando em Direito Público e Graduado pela Uni- Democracia. Participação Popular. Inércia Partici-
versidade Tiradentes – UNIT/SE. E-mail: angelojose.sa@gmail.com pativa. Internet. Redes Sociais.
com as necessidades reais da população e que es- Nesse sentido, se destaca o modelo semidi-
tava defasado culturalmente, já que a constituição reto ou participativo ou ainda colaborativo, ten-
vigente era de 1944, quando a Islândia ficou inde- do em vista que nele os cidadãos, igualmente,
pendente da Noruega e representava apenas uma elegem representantes, mas também mantém o
transcrição da Constituição Norueguesa. seu poder de informar e impor as suas vontades
Assim, após muitas manifestações populares, políticas, uma vez que tem à sua disposição al-
inclusive panelaços, conhecidas como “Revolução guns instrumentos que os possibilitam exercer
das Panelas e Frigideiras”, o povo islandês conse- sua soberania diretamente.
guiu aprovar a elaboração de uma nova constitui- Vale destacar que estes instrumentos, no Bra-
ção, mas diferentemente dos processos usuais de sil, se consolidam por meio do plebiscito, o refe-
gênese constitucional, com a classe política reu- rendo e a iniciativa popular, previstos no art. 14 da
nindo-se em assembleia nacional constituinte, os Constituição Federal e regrados por leis ordinárias
islandeses optaram por uma escrita colaborativa, como a Lei nº 9.709/98, que regulamenta o insti-
com participação direta da população. tuto da iniciativa popular de leis. Ocorre que este
modelo democrático que deveria ser um corretivo
Assim, estabeleceu-se um Conselho Constitucio- a ambos os modelos clássicos, o direto e o repre-
nal formado por 25 pessoas de diferentes idades, sentativo, também sofre com sérios problemas,
profissões e níveis educacionais, as quais não sendo que o principal é o que se convencionou ti-
possuíam vinculação política anterior. Estas fo- tular de inércia participativa, isto é, a condição de
ram eleitas por votação popular dentre 522 que se pouca ou não participação popular no sistema se-
candidataram, após uma seleção aleatória de 950 midireto (BENEVIDES, 1996, p. 45).
cidadãos no registro nacional. Essas 25 pessoas Este problema, a inércia participativa, é patente
ficaram encarregadas de criar um esboço do texto no Estado Brasileiro, porque desde a promulgação
constitucional. (NICHEL; OLIVEIRA, 2015, p. 4). da Constituição de 1988, até os dias atuais, me-
nos de uma dezena de vezes a população se valeu
O Conselho Constitucional ficou responsável de institutos de democracia direta para externar a
por receber contribuições da população seja di- sua vontade bem como sempre se sentiu limitada
retamente por e-mails e sítios governamentais, politicamente à escolha dos representantes pelo
seja monitorando redes sociais como Facebook e voto, sendo que passado esse momento, a vonta-
Twitter, com isso qualquer cidadão com acesso à de popular era “esquecida” e substituída pela von-
rede mundial de computadores puderam opinar tade do representante, que muitas vezes era de
na construção de um novo texto constitucional. ordem privada travestida de pública, verificando-
Apesar de ser uma experiência de sucesso, se que na verdade a democracia representativa
vale ressaltar que a Islândia tem uma população no Brasil não passa de um sistema oligárquico e
de aproximadamente trezentos mil habitantes, de baseado no poder e interesse econômico de pou-
modo que a logística envolvida nesse tipo de co- cos em detrimento das necessidades básicas de
laboração política difere muito do necessário para muitos (AUAD ., 2004, p. 315).
se incluir no átrio decisório os habitantes de um Enfatiza-se que no espaço universitário, entre os
país como o Brasil, cuja população já ultrapassa os cientistas políticos e representantes de movimen-
duzentos milhões de pessoas. tos sociais, muito se discute as causas dessa inér-
Dessa forma, não se pode deixar de concordar cia participativa. Há posicionamentos que atribuem
com Mill (1981, p. 38) quando afirma, categorica- esse problema aos cidadãos, outras despejam a
mente, que o sistema representativo é o melhor responsabilidade no sistema de participação.
modelo para as sociedades atuais, contudo ele De qualquer maneira, o que importa é desen-
mantém o povo – detentor de todo o poder – longe volver ou encontrar meios e/ou instrumentos que
do átrio decisório, refém dos eleitos e de suas von- possam vencer a inércia participativa e proporcio-
tades que frequentemente não comungam com a nar aos cidadãos e à sociedade meios de interagir
vontade e interesse popular. diretamente com seus representantes e demons-
trar a sua vontade soberana de modo a extirpar da Ou melhor, essas tecnologias, principalmente a
política nacional aqueles interesses que não con- internet, apresentaram-se ao mundo como ferra-
dizem com os princípios do Estado Democrático de mentas de interatividade, promotoras de conhe-
Direito e que contrariem o interesse público real. cimento, de troca de saberes, de comunicação e
Por conseguinte, se percebe a necessidade de discussão em tempo real, criaram um espaço tão
uma evolução social e política, uma mudança pro- amplo e por vezes tão dissociado do mundo físico
funda no modo como o indivíduo se entende como que se convencionou chamar de ciberespaço, que
cidadão e como acha que deve exercer seu papel segundo Lévy (2003, p. 28) é um neologismo de-
para com a sociedade. Indubitavelmente que toda senvolvido a partir da palavra cibernética, termo
evolução numa sociedade está intimamente li- usado para designar a ciência do comando e do
gada às suas necessidades e consequentemente controle, em outras palavras, aquela que estuda
aos avanços tecnológicos oriundos da tentativa de os sistemas e mecanismos de controle automá-
satisfação destas carências. tico, direção e comunicação nos seres vivos e má-
Nesse sentido, o surgimento dos primeiros quinas (HOUAISS, 2009).
Estados talvez não tivesse ocorrido sem o desen- Não se pode deixar de reconhecer que, no co-
volvimento da escrita, assim como o nascimento tidiano das pessoas, o impacto dessas novas tec-
e desenvolvimento do alfabeto é supedâneo para nologias, desse novo modo de interagir com os
o aparecimento da moeda e, em última análise, outros e com o mundo, desse ciberespaço foi de
da democracia, uma vez que com a escrita e o al- significado nunca antes experimentado, possibili-
fabeto foi possível que os cidadãos pudessem ter dades imensas se abriram, realizações impensá-
um corpo de leis escritas que guiassem a socie- veis hoje são realidade.
dade (LÉVY, 2003, p. 23). Inegavelmente, por meio da internet, as co-
Do mesmo modo, a prensa tipográfica de Johan- municações são instantâneas, as cartas foram
nes Gutenberg e o motor a vapor foram passos im- substituídas pelo correio eletrônico, o e-mail, os
portantes para as revoluções iluministas dos sécu- bancos informatizaram-se, de modo que é possí-
los XVII e XVIII e da revolução industrial do século XIX. vel realizar diversas transações financeiras sem
Modernamente, as mídias como o telefone, o sair de casa, inclusive investir em bolsas de va-
rádio e a televisão introduziram as sociedades à lores de todo o mundo. As lojas virtuais, espaços
globalização, criou-se uma mídia descentralizada de compra pela internet, faturam tanto quanto
que interligou as sociedades, de certo ponto favo- as físicas e cada vez mais se solidificam como
recendo a criação de blocos econômicos como a um novo meio de consumir.
União Europeia, a NAFTA e o MERCOSUL. Além disso, o desenvolvimento de ambientes
Em linhas gerais, com a corrida armamentista virtuais possibilitou também a criação de cursos
e tecnológica desencadeada pelo fim da Segunda superiores à distância, com aulas ministradas
Guerra Mundial e o início da Guerra Fria, as po- em tempo real por meio da internet, de modo que
tências econômicas e militares da época, Esta- não importa se o aluno está a milhares de qui-
dos Unidos da América e a União das Repúblicas lômetros de distância, basta estar conectado à
Socialistas Soviéticas, acabaram por presentear rede mundial de computadores.
a humanidade (ainda que a intenção inicial de Isto só se tornou possível porque a internet
tais avanços fosse bélica) com diversos avanços não é somente uma mídia de massa ou um meio
tecnológicos significativos e que culminaram em de comunicação individual.
uma revolução social e cultural. Nesse sentido, a televisão, por exemplo, utiliza-
Como se observa, talvez essa revolução só seja se de um sistema em “estrela (um)/todos”, cuja
comparável à invenção da roda e da escrita, é uma interação entre os interlocutores ocorre em via
revolução global e instantânea, sem fronteiras, é única, de modo que os telespectadores assistem
a revolução digital trazida pela internet e pelas a programação sem poder dar uma contrapartida
tecnologias da informação que podem promover a ao emissor da mensagem e o telefone opera num
evolução que a sociedade tanto precisa. sistema “um/um” em que a comunicação ocorre
entre dois interlocutores individualizados, siste- No que concerne a essa afirmação sustenta
ma esse que não possibilita a comunicação em Faria (2012, p. 82) que:
grupo (LÉVY, 2011, p. 63).
Enquanto que, a internet, por sua vez, atua por Na literatura recente de ciência política e sociologia
meio de um sistema “todos/todos” em que é per- política, há importante conjunto de estudos apoia-
mitido o envio e recebimento de mensagem por dores da tese segundo a qual a internet estimula a
várias pessoas, sendo que neste caso a via é de participação política (cívica e política propriamente
mão dupla, ou seja, os receptores da mensagem dita), por permitir maior acesso à informação de
também podem interagir com as pessoas do outro utilidade política, facilitar a discussão e o desen-
lado da relação (LÉVY, 2011, p. 64). volvimento de relações sociais, bem como oferecer
Em suma, por consequência, a tecnologia da fóruns alternativos para engajamento e expressão
informação que possibilitou esse avanço em di- política. (POLAT, 2005; WARD et al., 2003).
versas áreas da sociedade, a despeito da necessi-
dade de implementação de medidas de segurança Em conformidade, corrobora-se que a contri-
contra fraudes, também promove ou ainda pode buição da internet e dos sistemas de informação
promover uma grande reviravolta no que enten- pode ocorrer de diversas formas tanto no que se
demos por política e no modo em que praticamos refere à participação popular como também na
a nossa democracia, pode ser este o início da nova governança. Assim, em alguns setores dos gover-
democracia: a ciberdemocracia. nos de diversos países essa maior interação dos
representantes com os representados por meio
2 A TECNOLOGIA COMO da internet, por exemplo, já está acontecendo.
No que se refere à governança digital já há no
ALIADA DO SISTEMA Brasil diversos órgãos que adotaram a rede mun-
REPRESENTATIVO-PARTICIPATIVO dial de computadores e os sistemas de informa-
ção como ferramentas principais ou auxiliares
Como já mencionado neste trabalho, a demo- para a persecução de seus objetivos, a exemplo do
cracia direta caiu em desuso pelo desenvolvimen- Tribunal Superior Eleitoral que disponibiliza diver-
to dos Estados Nacionais de forma que se impos- sos serviços ao eleitor em seu sítio na internet.
sibilitou aos cidadãos tomarem parte de todos De igual forma, a Receita Federal do Brasil é
os assuntos do Estado como antes ocorria nas um dos órgãos mais avançados no que se refere
ágoras da Grécia Antiga. à governança digital e ao uso dos sistemas de in-
Assim, convencionou-se que o sistema de go- formação para auxiliar no serviço público, porque
verno compatível com as sociedades atuais seria permite ao contribuinte realizar incontáveis ope-
o representativo, deixando de lado o exercício di- rações relacionadas a tributos, aduanas e cadas-
reto do poder pelo povo, excetuado os casos de tros de pessoas físicas e jurídicas, como também,
plebiscito, referendo e iniciativa popular. diversos outros setores do governo aderiram a es-
No entanto, como o modelo representativo ses sistemas informatizados.
carece de participação do povo no governo, res- Entretanto, um dos pontos mais emblemáticos
tringindo-o ao voto a cada quatro anos, em diver- dos últimos anos no que diz respeito à presença
sas democracias representativas instituíram-se dos órgãos públicos na internet e à facilitação do
sistemas de participação popular, os quais fra- acesso dos cidadãos ao governo foi a inovação
cassaram por problemas, todavia não serão es- trazida pela Lei nº 12.527/2012, que tem a deter-
miuçados neste estudo. minação de que os órgãos e entidades públicas
Hoje, é seguro afirmar que com a cibernéti- tenham as suas informações de interesse coletivo
ca, com a tecnologia da informação e a internet, ou geral divulgados em sítios na internet:
podemos ter um novo panorama de participação
popular direta na democracia, permeando todo o Art. 8º É dever dos órgãos e entidades públicas
ciclo democrático. promover, independentemente de requerimen-
tos, a divulgação em local de fácil acesso, no internet, que, em última análise, acabam enqua-
âmbito de suas competências, de informações de drando-se no conceito de ágora virtual defendido
interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou por Lévy (2011, p. 64).
custodiadas. Os principais sistemas governamentais no
[…] Brasil voltados para a colaboração popular nos
§ 2º Para cumprimento do disposto no caput, assuntos de governo são o e-Democracia, e-Ci-
os órgãos e entidades públicas deverão utilizar dadania e o canal Fale com a Presidência, mas
todos os meios e instrumentos legítimos de entre os três o e-Democracia, da Câmara dos
que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação Deputados merece mais destaque, seja por ser o
em sítios oficiais da rede mundial de computa- pioneiro no que diz respeito a portal participativo
dores (internet). no legislativo brasileiro, seja por ser um portal da
[…] Câmara dos Deputados, que é a Casa dos Repre-
Art. 10 Qualquer interessado poderá apresentar sentantes do povo.
pedido de acesso a informações aos órgãos e
entidades referidos no art. 1o desta Lei, por qual- 2.1 E-DEMOCRACIA
quer meio legítimo, devendo o pedido conter a
identificação do requerente e a especificação da Conceitualmente, a e-Democracia também co-
informação requerida. nhecida como Democracia virtual significa uma
[…] nova maneira de discussão de debates entre o go-
§ 2o Os órgãos e entidades do poder público verno e a população por meio da internet. No Brasil,
devem viabilizar alternativa de encaminhamento essa nova forma de discussão iniciou-se, em 2009,
de pedidos de acesso por meio de seus sítios ofi- na Câmara dos Deputados, por meio do projeto e-
ciais na internet. (grifou-se) (BRASIL, 2011) -Democracia com o lançamento de uma plataforma
sob o formato de projeto piloto de um portal virtual
Como se pode notar, já é preocupação do Estado atrelado ao sítio da Câmara dos Deputados.
que os cidadãos possam ter acesso por meio da Para o princípio do projeto foram definidas
internet às informações e serviços que antes da duas discussões que iriam nortear os testes até
revolução digital só eram possíveis se o indivíduo a liberação definitiva da ferramenta. As discus-
fosse pessoalmente à repartição pública, tão gran- sões ocorreram sobre a política de mudança do
de é essa preocupação que o legislador tratou de clima e o Estatuto da Juventude, as quais foram
incluir no texto da lei a determinação expressa de divididas em comunidades virtuais. O projeto foi
que os órgãos e entidades públicas mantenham se desenvolvendo, atrelando mais temas e mais
essas informações e serviços ao alcance de todos comunidades virtuais e em 2011 ocorreu o seu
por meio da rede mundial de computadores. lançamento definitivo.
Na verdade, essa informatização do governo e Segundo Faria (2012, p. 185), o sítio “é um es-
da política não ocorre só no Brasil. Nos Estados paço virtual, interativo, com interface amigável,
Unidos da América, em meados do ano 2000, foi criado para estimular cidadãos e organizações ci-
implantado pelo Presidente Bill Clinton, um siste- vis de todo tipo e interesse a contribuírem na for-
ma informatizado em que todos os pedidos de in- mulação de leis federais […]”.
formação, transações, serviços de governo, formu- Com isso, o e-Democracia permite que os cida-
lários, procedimentos administrativos e judiciais, dãos possam participar efetivamente das discus-
bem como diversos outros serviços prestados pe- sões para elaboração de projetos de lei que sejam
los estados podem ser solicitados e acompanha- de interesse popular, por meio de atividades como
dos pela rede mundial de computadores, através a participação em debates e estudos, apresenta-
do site governamental denominado First Gov. ção de opiniões em fóruns de discussão e cons-
Em remate, no tocante à participação popular trução de redes sociais para a apresentação de
propriamente dita, podemos analisar alguns pro- propostas a serem analisadas por outros cidadãos
gramas do governo consubstanciados em sites da e pelos representantes.
Naturalmente, além dos fóruns de discus- Na imagem (FIGURA 1), um participante faz
são e das comunidades virtuais legislativas o uso da ferramenta Wikilegis para propor que o
sítio e-Democracia inova com outra funciona- art. 2º do Novo Código de Processo Civil repita a
lidade, o Wikilegis. redação do seu artigo correspondente no Código
Convém esclarecer que Wikilegis é o equi- de Processo Civil de 1973, o art. 262 e §2º. O tex-
valente legislativo da Wikipédia, que é uma to sancionado não acatou a sugestão, tampouco
enciclopédia digital em que os usuários têm a manteve o texto do projeto, sendo aprovado com a
liberdade de editar o texto, criar artigos e des- seguinte redação: “O processo começa por inicia-
sa forma colaborar para o crescimento da enci- tiva da parte e se desenvolve por impulso oficial,
clopédia, ocorre que no Wikilegis o produto final salvo as exceções previstas em lei”.
não é um artigo de enciclopédia, mas sim um As sugestões são compiladas por um consul-
projeto de lei. tor legislativo da Câmara dos Deputados compila
Em face dessa realidade, certifica-se que com em um relatório as principais e mais pertinentes
essa ferramenta os cidadãos têm a oportunida- sugestões realizadas pelos usuários, em seguida,
de de ser o legislador, de elaborar o seu próprio faz uma análise técnica e conclui sobre cada alte-
projeto de lei, promover alterações em projetos ração e, posterior, envia o relatório para a Câmara
já existentes e submetê-las à apreciação das co- objetivando que os deputados tenham ciência das
missões e inclusive apresentá-los aos deputa- indicações dos cidadãos (FARIA, 2012, p. 181).
dos (FARIA, 2012, p. 187). Sistemas como o e-Democracia não são exclu-
É importante salientar que no Wikilegis, o tex- sivos da Câmara, sendo que o Senado Federal, por
to da lei fica integralmente disponível e os usuá- sua vez, na esteira do projeto iniciado pela Câmara
rios têm a possibilidade de sugerir alterações de dos Deputados, criou o seu próprio portal de inte-
artigos específicos, bem como fazer comentários ração com os cidadãos: o e-Cidadania.
em cada um dos trechos do projeto de lei. De A priori, esse portal se assemelha bastante
modo que as referidas condições de uso fazem com o mantido pela Câmara, tanto em conteúdo
do referido sistema uma ferramenta extrema- quanto em funcionalidades, entretanto ao contrá-
mente importante e inovadora, no que diz res- rio do e-Democracia, divide-se em três setores, o
peito à participação popular. e-Fiscalização, destinado ao acompanhamento do
Como ilustração da discussão em voga, a ima- orçamento e ações administrativas; o e-Legisla-
gem a seguir mostra a sugestão de um usuário ção, para proposição e alteração de projetos em
que, em contribuição ao ora projeto de lei, propu- andamento e leis vigentes; e o e-Representação,
sera uma mudança na redação do art. 2º do Novo que abre aos cidadãos a oportunidade de exprimir
Código de Processo Civil. de modo direcionado ao Senado as suas opiniões
sobre a atuação dos senadores.
Figura 1 – Sugestão de Alteração de Artigo no De um modo geral, o e-Democracia e o e-Cida-
Wikilegis dania, destacando-se aqui o Wikilegis, corroboram
com a ideia de Lévy (2011, p. 64) de inteligência
coletiva quando ele a reafirma como base de uma
ágora virtual, em contrapartida àquela ágora física
que existia na democracia direta ateniense, como
demonstrada no primeiro capítulo.
Para o autor, essa inteligência coletiva, defini-
da por ele como “uma inteligência distribuída por
toda parte, incessantemente valorizada, coorde-
nada em tempo real, que resulta de uma mobili-
Fonte: http://edemocracia.camara.gov.br/web/codi- zação efetiva das competências” seria a base de
go-de-processo-civil/wikilegis/-/wikilegis/contribui uma nova democracia – a ciberdemocracia (demo-
ção/310854. cracia virtual) – em que, partindo da premissa de
que ninguém sabe de tudo, todos podem e devem Como já dito anteriormente, a internet é um
colaborar para a democracia com as inteligências meio de comunicação instantâneo que trabalha
que lhe são inerentes (LÉVY, 2003, p. 29). no sistema “todos/todos”, ou seja, todos os ato-
Consequentemente essas inteligências seriam res do processo comunicativo são capazes de en-
incessantemente valorizadas e coordenadas em viar mensagens assim como são capazes de rece-
tempo real, exatamente como ocorre no e-Demo- bê-las (LÉVY, 2011, p. 65).
cracia, principalmente no Wikilegis. A partir dessa análise, a internet por si só já
Diante do exposto, conclui-se que somente seria uma rede social em sentido lato, mas é ne-
agora, com os meios digitais, tornou-se possí- cessário entender que essa relação “todos/todos”
vel efetivar as funções da participação popular, também pode ser limitada na internet e tornar-se
no governo, então previstas por Rousseau, de uma relação “um/todos” ou “um/um”. Portanto,
acordo com Pateman (1992, p. 38), em três di- algumas ferramentas da internet aparecem como
mensões: a função integrativa, aquela que dá a catalisadores para essa nova forma de democracia,
sensação ao cidadão de pertencer à sua comu- que é a ciberdemocracia, principalmente no que diz
nidade, uma vez que participa efetivamente das respeito à participação popular. Consolida esse en-
decisões; a função educativa, pois uma vez cha- tendimento, Lévy (2003, p. 113) ao informar que:
mado a decidir sobre os rumos da comunidade
o cidadão se vê na obrigação de tentar enten- De acordo com um estudo citado pela Mind Sha-
der as intrincadas relações humanas e políti- re, independentemente do seu estatuto sexual,
cas existentes no meio; e a função de aceitação económico ou social, os utilizadores da Internet
das decisões coletivas, já que o cidadão por ter votam mais, estão melhor informados, sentem
participado do processo decisório terá a cons- em si uma melhor capacidade de acção sobre o
ciência de que uma lei, por exemplo, foi fruto da mundo que os envolve e tem mais confiança no
decisão coletiva soberana, ainda que essa vá de processo democrático do que aqueles que não
encontro ao seu pensamento individual. recorrem a ela.
relação entre o povo e o Estado, entre os repre- popular pode, enfim, cumprir as três funções a ela
sentados e os representantes. atribuída por Rousseau, que são a aceitação das
O Brasil, por exemplo, com a promulgação da decisões coletivas, a função integrativa e principal-
Constituição Federal Republicana de 1988, adotou mente a função educativa (PATEMAN, 1992, p. 38).
o modelo de democracia semidireta, uma vez que Entretanto, para isso, ainda é necessário que
a Constituição Cidadã preleciona que a soberania se desenvolva ou que se convencione acerca de
popular será exercida pelo povo indiretamente por uma maneira de valorar e filtrar essa participa-
meio de seus representantes eleitos por sufrágio ção popular, de modo a moderar as ideias parti-
universal e diretamente por os institutos do ple- cipadas para que se possa definir o que levar em
biscito, referendo e da iniciativa popular. consideração e o que não.
Entretanto, tais institutos de democracia parti- Ademais, também é necessário a adoção de
cipativa, mesmo previstos pela Constituição e regu- medidas de segurança incontestes que deem ao
lamentados pela legislação ordinária, não tiveram processo participativo a lisura que se exige no
o destaque que deveriam durante os vinte e cinco meio político.
anos passados desde a promulgação da Lei Maior. Em suma, é irrefragável a importância do
Desse modo, a democracia participativa (semi- presente estudo para a democracia atual, sen-
direta), que tinha nascido para curar as enfermi- do o principal caminho para que se entenda que
dades do modelo representativo, passou a enfren- o momento atual é de evolução da democracia
tar a sua própria crise, uma crise de efetividade. representativa e semidireta. A participação po-
Todavia, em meados de década passada, come- pular antes deficiente, hoje tem a oportunidade
çaram a surgir ferramentas revolucionárias, cuja de prosperar sem que padeça das mais varia-
capacidade de transformar o mundo e a sociedade das enfermidades, uma vez que a inércia parti-
ultrapassa a de qualquer invento que o homem já cipativa dificilmente será vencida sem a ajuda
tenha imaginado: o computador pessoal, a inter- de mecanismos como a internet e os sistemas
net e os meios digitais. de informação a exemplo das redes sociais, que
No campo do Direito e da Ciência Política, es- possibilitarão a criação de uma democracia par-
sas ferramentas demonstraram o seu poder de ticipativa cibernética em que todos os cidadãos
definitivamente concretizar em um sistema real a têm sua voz ativa e ouvida por toda a coletivi-
democracia ideal pensada por tantos estudiosos dade. Obviamente que diante da plenitude da
durante tanto tempo. temática, várias outras discussões serão re-
Com a internet, o governo se aproxima das levantes e necessárias para a continuidade e
pessoas e estas passam a ter a possibilidade de aprofundamento desta análise.
interagir com seus representantes. Hoje qualquer
pessoa pode dirigir-se a qualquer membro do go- REFERÊNCIAS
verno, sugestionar, reclamar, elogiar; a iniciativa
popular é facilitada, com o Wikilegis da Câmara AUAD, Denise et al. Mecanismos de participação
dos Deputados é possível inclusive propor altera- popular no Brasil: plebiscito, referendo e
ções na legislação, artigo por artigo. iniciativa popular. Revista Brasileira de Direito
Um novo mundo de possibilidades se abre para a Constitucional, v. 3, n. 1, p. 291-323, 2004.
democracia, que deve se adequar como toda institui-
ção social humana e aproveitar essas possibilidades, BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A
tornando-se, assim, uma ciberdemocracia baseada cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa
na inteligência coletiva e nas comunidades virtuais. popular. 2. ed. São Paulo: Ática, 1996.
No Facebook, Twitter, WhatsApp e em diversas
outras redes sociais, os cidadãos se unem em prol BRASIL. Presidência da República. Constituição
de um interesse comum sem intermédio ou lide- Federal de 1988. Disponível em: http://www.
rança de partidos políticos, centrais sindicais ou planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
organizações de classe. Com elas, a participação Constituicao.htm. Acesso em: 1 set. 2013.
FARIA, Cristiano Ferri Soares de. O Parlamento RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet.
aberto na era da internet: pode o povo colaborar Porto Alegre: Sulina, 2009.
com o Legislativo na elaboração das leis? Brasília:
Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2012. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. 3.
ed. São Paulo: Martin Claret, 2009.
HOUAISS. Dicionário eletrônico Houaiss da língua
portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.