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DEZEMBRO DE 2022. ANO XIII.

NÚMERO 45 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA - VENDA PROIBIDA

Arrocha
Jornal
JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL/JORNALISMO DA UFMA, CAMPUS DE IMPERATRIZ

FOTO DE CAPA: MARCUS MARINHO

Escritores no
Maranhão
Arrocha

Jornal
2 ANO XIII. EDIÇÃO 45
IMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2022

Editorial - Múltiplos sentidos da escrita Charge


NATÁLIA CATHERINE

E
screver é criar, representar, dade da produção literária. Nesta
resistir e registrar histórias. edição, destacamos: a história da
Histórias que serão lidas, ou- Academia de Letras de Impera-
vidas e compartilhadas. Na edição triz. Uma homenagem à trajetória
45°, o jornal Arrocha traz como de um dos grandes escritores de
temática de reflexão e de debate o Imperatriz, Adalberto Franklin;
universo da escrita, narrativas que abordamos também a escrita de
são grafadas por diversos escrito- autores indígenas; a escrita preta;
res maranhenses com estilos, rit- a escrita LGBTQIAP+; e a escrita
mos e objetivos particulares. feminina. Vamos ainda descobrir
A ideia desta edição é ir além como se tornar escritor(a), e se en-
da abordagem sobre os diferentes cantar com os gêneros de Cordel e
gêneros e formatos das produções de Fanfic.
dos autores maranhenses. É mos- As formas de exercer a escrita
trar que para se tornar escritor(a) são muitas, porém os incentivos
não há barreiras de idade, classe so- ainda são poucos. Por isso, esse
cial, gênero ou qualquer outro mar- campo parece restrito, não em re-
cador social. Basta, antes de tudo, lação aos escritores ou aos múl-
querer, lutar e persistir. A escrita, tiplos tipos de texto, mas, princi-
conforme defendemos nas pró- palmente, em relação a projetos
ximas páginas, nasce e se projeta e Políticas Públicas que tornem a
como um mecanismo fundamental leitura e a escrita bens acessíveis a
para o exercício da cidadania. Para todos, porque a prática da textua-
além dos cânones hegemônicos, a lidade é elemento fundamental do
escrita pode ser um mecanismo cotidiano dos cidadãos.
de protagonismo, de denúncia e Nosso objetivo é levantar a
de reivindicação de direitos para discussão do incentivo à escrita
povos, populações e comunidades e vislumbrar perspectivas para o
marginalizadas historicamente. nascimento e o fortalecimento
Compreendemos e defende- de novos escritores de variados
mos a escrita como uma ferra- gêneros. Essa é a perspectiva de
menta de libertação, de expressão,
de resistência e de existência, por
isso, trouxemos pautas impor-
abordagem dessa 45° edição do Ar-
rocha, uma maneira de fomentar
as diversas formas do exercício da
Sobre a escrita ...
tantes e curiosas sobre a diversi- escrita em nosso estado.
Escrever é descrever.
É usar as palavras, os símbolos, a fim de transmitir o que se pensa, o que se ouve, o que se sente, o que se sabe.
Escrever é propor mudanças, causar inquietações.
Escrever por vezes é criticar, relatar problemáticas e injustiças.
Escrever é ter um olhar atento e sensível ao que está em volta.
É representar alguém, um povo, uma cultura. É representar a si mesmo.
É também fantasiar, abrir “portas” para a criatividade.
É a maneira que muitos acham de serem “ouvidos”.

Expediente
Escrever é divertir e advertir.
É uma ação que tem lugar em qualquer área. Toda e qualquer escrita tem a sua importância. Tem a sua função.
Por isso, escrever é uma das mais belas artes que existe. Denise Ribeiro

Publicação laboratorial interdisciplinar do Curso de Comunicação Social/Jornalismo


Tornar-se um escritor é ter muita paixão envolvida nas
da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). As informações aqui contidas não A escrita é fundamental para a sociedade, pois
produções,vontade de mostrar ao mundo coisas novas,
representam a opinião da universidade é por meio dela que colocamos no papel o que
curiosidades.Também me descobri uma escritora depois
está apenas na imaginação. Ser escritor é poder
Jornal Arrocha. Ano XIII. Número 45 desse projeto, bastante entusiasmada para que outras
expressar aquilo que está no nosso coração.
Dezembro de 2022 pessoas também se interessem e despertem o lado escritor.
Joassan Trajano
Aline Xavier
Reitor - Prof. Dr. Natalino Salgado Filho
Vice-reitor - Prof. Dr. Marcos Fábio Belo Matos
Diretor do Campus de Imperatriz - Prof. Dr. Leonardo Hunaldo Quando escrevo me aceito e me liberto do peso de Escrever é uma forma de colocar para fora o que somente as
Coordenadora do Curso de Jornalismo - Profa. Dra. Michelly de Carvalho precisar que você me aceite… palavras com seu imenso poder consegue definir. E a escrita
Professores: Escrever é muito mais que colocar palavras em um acalma, acalenta, conforta e dá forças para continuar
Dra. Leila Lima de Sousa (Jornalismo Impresso) papel, é transbordar e transmitir tudo que está vivendo esse imenso mundo real. Portanto, não há como
Dr. Marco Antônio Gehlen (Planejamento Gráfico e Editorial) dentro de você. Escrever é poder, é um poder que falar da escrita sem falar da vida e sem contar as histórias
Dr. Marcus Tulio Borowiski Lavarda (Fotojornalismo) não pode ser tirado de ninguém. Elenir Castro que estão ao nosso redor. Alicy Teixeira

Repórteres Diagramadores(as):
ALICY BEATRIZ TEIXEIRA DEBORA DE ARAUJO MAIA
ALINE XAVIER DA SILVA CRUZ A importância da escrita está no desenvolvimento de novas habilidades, é onde é mostrado o mundo diferente de cada escritor. Ao escre-
GUILHERME CARNEIRO SILVA
CLARA FERNANDA TELES NUNES JANAYNA SOUSA GUIMARAES ver sobre os escritores de cordel, foi percebido como é importante a escrita de diversos gêneros na nossa literatura, os escritores usam de
DENISE PEREIRA RIBEIRO JEAN QUEIROZ DOS SANTOS SILVA suas lindas palavras rimadas, para falar de suas histórias, suas lutas, principalmente das mulheres, que buscam igualdade nessa área
ELENIR SANTOS DE CASTRO JULIA VICTORIA PANTOJA BRITO também. E diferente da fala, a escrita no papel não se apaga, tornando assim um apoio fundamental para a memória humana.
FABIANA VIANA BARBOSA KARLA GIOVANNA JUSTINO PORTUGAL Fabiana Viana
JOASSAN TRAJANO LIMA KATHERINE MALAQUIAS MARTINS
JOSYCLEIDE DE SOUSA SANTOS KETCIA MIRELA FREITAS SILVA
KAYLANE DA SILVA FREIRE LARA SABRINA DE CASTRO SOUSA Foi uma honra para mim poder realizar essa homena-
VENILSON SOUSA CORDEIRO LAURYA SANTANA DE SOUSA PINHEIRO DA SILVA “Para refletir sobre a nossa escrita...
gem a Adalberto Franklin. Um grande sonhador, hu-
Fotógrafos(as): LUANA SOUSA BANDEIRA A partir de situações de leitura e escrita, me veio esse grande
mano, humilde e parceiro. Conheci pessoas especiais ao
MARIA EDUARDA VALE ANCHIETA desafio de escrever sobre a escrita dos Povos Originários.
DEBORA DE ARAUJO MAIA MARIA GABRIELA SANTANA RIBEIRO entrevista-las e aprendi muito sobre a escrita. Ela tem o
Ao escrever essa temática, me deparei com uma grande lacuna,
JANAYNA SOUSA GUIMARAES PEDRO ITALO DA SILVA FARIAS poder de transformar pessoas, lugares e classes. É uma
a falta de escritores indígenas em Imperatriz. A escrita precisa
JEAN QUEIROZ DOS SANTOS SILVA RENATA EVELLYN DE LIMA RODRIGUES forma de esvaziar a mente e tranquilizar o coração.
também ser problematizada pelo viés da exclusão. Quem pode
JULIA VICTORIA PANTOJA BRITO SAIURY LIMA DA SILVA Faz com que você saia da sua bolha para pensar no seu
JULIANA CARVALHO RABELO PINHEIRO se tornar escritor? No caminho fiquei muito entusiasmada ao
SARAH PEREIRA DA ROCHA ambiente de convívio e nas pessoas ao ser redor. Bem
KARLA GIOVANNA JUSTINO PORTUGAL trazer o projeto da Professora Walquiria Lima, sobre o estudo
SOPHIA SOUSA BECKER como, Adalberto Franklin fazia: “Adalberto foi sempre
KATHERINE MALAQUIAS MARTINS da escrita de povos originários nas escolas públicas. Em meio
VALDEIRES FERREIRA GONCALVES um grande sonhador, um sujeito que pensava sempre
KETCIA MIRELA FREITAS SILVA a tantos avanços tecnológicos, a escrita dos povos indígenas
Ensaio fotográfico (p. 12 e 13) na literatura de Imperatriz como um todo, a sua grande
LARA SABRINA DE CASTRO SOUSA demarca um lugar na rede, embora muitos paradigmas ainda
característica era ser um incentivador da produção de
LAURYA SANTANA DE SOUSA PINHEIRO DA SILVA 1. SAIURY LIMA precisam ser quebrados. Viajei sobre o universo encantador
LUANA SOUSA BANDEIRA livros em toda nossa região.” - Ribamar Silva.
2. GIOVANNA PORTUGAL das obras de Eliane Potiguara, uma das pioneiras dessa
MARCUS DE ARRUDA MARINHO Kaylane Freire
3. SARAH ROCHA escrita”. Josycleide Santos
MARIA EDUARDA VALE ANCHIETA 4. KETCIA FREITAS
MARIA GABRIELA SANTANA RIBEIRO 5. MARIA GABRIELA
NATHIELLY MARIA LIMA DOS SANTOS 6. JANAYNA SOUSA
PEDRO ITALO DA SILVA FARIAS “Escrever é uma maneira de falar sem ser interrompido.” Um curto pensamento sobre a escrita. No meu ver, escrever
RENATA EVELLYN DE LIMA RODRIGUES Revisora: - Jules Renard é uma transmissão de pensamentos e sentimentos. São
SAIURY LIMA DA SILVA DEIVANIRA VASCONCELOS Na sociedade na qual vivemos, escrever é uma dádiva, vários os tipos, jeitos, estilos de escrita existentes e cada
SARAH PEREIRA DA ROCHA é o local onde nossas vozes podem ser ouvidas e lidas. um deles significa alguma coisa. A escrita pode mudar uma
SOPHIA SOUSA BECKER Em um país que mais mata LGBTQIAP+, escrever sobre vida inteira, ela tem o poder de transformar nossos jeitos
VALDEIRES FERREIRA GONCALVES esse assunto, sobre as lutas, de como somos marginali- e pensamentos. Trazendo para esse lado, a escrita se torna
VIVIA MARIA MOURA DE ALMEIDA zados e sobre nossas feridas, a escrita é uma das formas algo de grande responsabilidade para quem a torna pública.
WANESSA NATALI CABRAL NASCIMENTO de reivindicar nossos direitos. Quando nós falamos Escrever é arte, faz parte da nossa vida independente de
sobre nós, o impacto é ainda maior, pois entendemos gostar de ler ou não. Se torna até clichê dizer que a escrita
as nossas feridas, que tão cedo não serão cicatrizadas. cura feridas, mas é um clichê que retrata a realidade de
Todas as edições do Arrocha estão disponíveis no site: Venilson Sousa muitas pessoas, afinal, não é em vão que muitas pessoas
www.imperatriznoticias.ufma.br optam por escrever em seus diários do que falar em alto e
bom tom. Clara Teles
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ETNIA
“Sou mulher, escritora, poeta, ativista, professora, empreendedora, contadora de histórias, mãe, avó, de origem étnica Potiguara”. Para a escritora, a educação sobre a diversidade deve ser estimulada desde a infância.

Potiguara: uma escritora que corre o mundo ARQUIVO PESSOAL


JULIANA LUBIN
Bienais do Livro, atividades e pales-
tras do Sesc, universidades e escolas
Brasil afora.
Entre as obras de Eliane Poti-
guara, destacam-se “A Terra é Mãe do
Índio” (1989), “Metade Cara, Metade
Máscara” (2004), os infantojuve-
nis “O Coco que Guardava a Noite”
(2004), “O Pássaro Encantado” (2014)
e “A Cura da Terra” (2015), além da
cartilha de alfabetização Akajutibiro:
“Terra do Índio Potiguara” (2004).
Segundo a autora, livros que são re-
tratos de vivências próprias: “Eu con-
to na minha literatura as dores dos
povos indígenas, das nossas avós,
tataravós, da nossa ancestralidade.
As obras de Eliane têm o po-
der de ajudar a explicar o Brasil. Pois
trata-se de uma literatura de cons-
cientização, de reflexão, que leva a
população a pensar e, mais que isso,
fazer com que a sociedade brasileira Escritora Eliane Potiguara com seu livro “Metade Cara, Metade Máscara” de 2004
tenha empatia pela questão indígena.
Reconhecer que os povos indígenas
são os primeiros povos do país, as
primeiras nações, os primeiros povos
étnicos que aqui já estavam.
Quando Pedro Alvares Ca-
Produção literária de Eliane Potiguara
bral chegou ao Brasil, classificou Conhecer a produção literária indígena é um caminho necessário para transformação social. Listamos
de forma impositiva a população já algumas das obras de Eliane Potiguara para você se aprofundar:
existente, os chamou de índio. “O
povo que ficou tinha vergonha de ser
indígena, porque ser indígena era e ‘Metade Cara, Metade Máscara’
ainda é, sinônimo de racismo, de não
ter oportunidade para estudo de não Fala de amor, de relações humanas, paz, identidade,
ter oportunidade para trabalhar, não histórias de vida, mulher, ancestralidade e famílias. É
ter oportunidade para nada”, afirma uma mensagem para o mundo, uma vez que descre-
Eliane. ve valores contidos pelo poder dominante e, quando
resgatados, submergem o self selvagem, a força
“Eu sou uma escritora espiritual, a intuição, o grande espírito, o ancestral,
pensadora, eu mobilizo o velho, a velha, o mais profundo sentimento de
a população a refletir reencontro de cada um consigo mesmo, reacen-
dendo e fortalecendo o eu de cada um, contra uma
sobre a questão
auto-estima imposta pelo consumismo, imediatismo
indígena, sobre o e exclusões social e racial ao longo dos séculos. A
racismo” obra já está em sua terceira edição.

Os escritores originários têm


o poder de quebrar as classificações
coloniais através de suas obras. Asse-
Eliane Potiguara, umas das primeiras escritoras e poetas de etnia indígena brasileira gurados na Declaração Universal dos
Direitos dos Povos Indígenas, Eliane
aponta a importância do documento,
CLEIDE SANTOS Uma conversa com Eliane Po-
porque foi escrito a partir de depoi-
tiguara, uma das pioneiras na escrita

A
s culturas indígenas têm sido mento de milhares de povos indíge-
indígena no Brasil, nos faz refletir o
transmitidas e preservadas nas do mundo inteiro.
tamanho do prejuízo que os povos
por meio de tradições orais há Para a escritora, a necessi- A cura da terra
tradicionais tiveram em suas cultu-
milhares de anos. Graças ao acesso dade de comunicação e da visi-
ras.
à literatura brasileira, a presença bilidade da literatura originaria Moína é uma menina muito curiosa, de origem
Eliane Potiguara, 72, nasceu na
de escritores indígenas tem sido é de extrema importância para a indígena, e que adora se aconchegar nos braços da
cidade do Rio de Janeiro. É Conside-
fundamental para a preservação da população, pois muitos autores se avó para ouvir histórias. Ela quer entender o senti-
rada a primeira escritora indígena
memória histórica e social de povos apropriam da literatura indígena do de sua vida, as suas transformações. Mas uma
do Brasil. Recebeu em dezembro de
tradicionais. O inevitável contato en- mesmo sem conhecer a realidade história em especial revelará à menina o sofrimen-
2021, o título de doutora “honoris
tre os povos originários e o “branco” dos povos tradicionais. “Escritores to pelo qual seu povo passou, as descobertas e a
causa”, do Conselho Universitário
colonizador trouxe inúmeros pre- como José de Alencar e Gonçalves sabedoria de seus ancestrais e como conseguiram
(Consuni), órgão máximo da Uni-
juízos a valorização cultural desses Dias contam em suas obras uma a Cura de um de seus bens mais preciosos: a terra.
versidade Federal do Rio de Janeiro
povos. Somente a história contada história de forma romantizada.
(UFRJ). Foi nomeada Embaixadora
diretamente pelos povos tradicionais Daí se dá a necessidade de nos
Universal da Paz em Genebra, em
pode efetivamente estruturar a luta colocarmos no papel de escritores
2011. Eliane tem participação em cen-
antirracista. da realidade dos povos indígenas.
tenas de seminários, Feiras literárias,
Eu sou uma escritora pensadora,
ARQUIVO PESSOAL
eu mobilizo a população a refletir
sobre a questão indígena, sobre o
racismo”, declara Eliane.
“Minha militância sempre foi
rebuscada com a literatura. Eu faço
política, mas vou fazendo também Tembet
os meus poemas”, resume a escritora
e ativista. A coleção Tembetá traz as trajetórias e as reflexões
A escrita indígena conscientiza de grandes pensadores indígenas, em livros que
sobre a importância de se trabalhar reúnem ensaios, depoimentos e entrevistas. A
a educação da população desde a homenageada deste volume é Eliane Potiguara,
infância, trazendo a real história precursora da luta pelos direitos das mulheres
escrita por povos tradicionais. Assim, indígenas e do movimento de literatura indígena.
levando a sociedade a se envolver na
luta pela cidadania e dignidade dos
povos originários, respeitando as ex-
pressões, a espiritualidade, as línguas
Autora Potiguara em uma sessão de autógrafos na SALIPI com os fãs do seu trabalho e as culturas dos povos indígenas.
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O PROCESSO DA ESCRITA
Para viver o sonho: o processo de se tornar um escritor não é fácil. Os autores Zezinho, João Ribeiro e João Marcos rememoram desafios e dificuldades para conseguir realizar o sonho de se tornarem escritores
GIOVANNA JUSTINO

Três histórias,
um mesmo sonho:
o processo de
escrita de autores
maranhenses

“Na infância lia muito cordel, outros escritos também. E passei a sonhar ser escritor”. Zezinho revela que o sonho de se tornar escritor nasceu com a paixão pela leitura de escritos de outros autores

DENISE RIBEIRO interessado e perguntou se havia algo elas, como é o caso de José Ribeiro, estudo conduzido nos três últimos construir um público aos poucos.
escrito sobre o homem, como disse- escritor e fundador da Academia meses de 2019 mostrou que o bra- (...) Também estar atento às oportu-

C
ada caminho é único, assim ram que não, ele resolveu transformar João-Lisboense de Letras (AJL). Ele sileiro leu por completo, em média, nidades, como por exemplo, publicar
como cada escritor e suas obras. os contos de Joaquim em seu pri- revela que o desejo de ser escritor 1,05 livros nesse período. Entre os em jornais, publicação em revistas e
A caminhada até a linha de che- meiro livro. “Fiz algumas pesquisas a surgiu na adolescência e que o amor que se dizem leitores, a quantidade editais de fomento”.
gada nem sempre é fácil. O mundo respeito, conversei com familiares do pela escrita é mais importante que sobe para 2,04. João Marcos, além de escritor,
da escrita pode parecer utópico para Joaquim, com vizinhos e escrevi meu qualquer crítica. “É aquela história, O hábito da leitura é funda- é também jornalista formado pela
quem vê de fora, mas, para quem se livro de cordel”. escrevo por prazer não é por interes- mental para formar escritores. Este Universidade Federal do Maranhão
aventura, muitos são os desafios. Zezinho é também professor se econômico, nem por fama. É mais é o caso do escritor João Marcos, (UFMA), o que o ajudou muito a
Diferente de muitas profissões, de Literatura e Língua Portuguesa, pela questão de passar conhecimento, apaixonado pela escrita e pela leitura melhorar a sua escrita e o desen-
não existe um curso específico que o que contribuiu na realização do pode ser que hoje leiam cinco pessoas desde criança. Ele começou devagar, volvimento de técnicas. Mesmo
forme escritores. Qualquer pessoa sonho de se tornar um escritor. Hoje, primeiro escreveu contos. E aos 14 apaixonado por textos jornalísticos,
que queira pode se tornar um. Esse é com 58 anos, já possui dois livros anos concluiu seu primeiro livro. é o gênero fantasia o que mais lhe
um sonho que às vezes nasce ainda lançados e está trabalhando em um
“Desde então não parei “Foi mais ou menos com nove anos fascina, embora pretenda escrever
na infância, mas também pode surgir terceiro. O percurso foi trabalhoso, mais, escrevi vários de idade, eu assistia muitos dese- sobre tudo. “Penso em uma escrita
na adolescência ou na fase adulta. mas gratificante, segundo ele. Dentre livros, inclusive um livro- nhos, contos de fadas e outros, e foi mais versátil, eu não preciso me
Ser escritor era um sonho para as dificuldades, a questão financeira reportagem de Conclusão quando pensei que poderia construir desvincular da fantasia, que é o meu
José Conceição da Silva, ou Zezinho, tem sido um dos maiores desafios, de Curso. Me inspirei minhas próprias histórias. A primeira gênero principal, que já trabalho há
como é popularmente conhecido, que principalmente para quem deseja muito em contos de fadas, história que eu produzi foi um conto muitos anos. E sim, posso escrever
ele conseguiu realizar. “Eu sempre publicar de forma independente. “Foi chamado “Verdadeira história do pe- outros gêneros. Com a graduação vi,
tive vontade de escrever, desde a muito desafiador, a questão finan-
sempre fui apaixonado” queno polegar”, algo bem de criança por exemplo, que posso escrever tex-
minha infância eu lia muito cordel. ceira foi bem complicada. Foi difícil mesmo. Com catorze anos, no Ensino tos jornalísticos, livros-reportagens.
Não só cordel, mas qualquer escrito e juntar dinheiro para pagar a revisão. Médio, eu tive a ideia de criar um Eu sou apaixonado. Gosto bastante
passei a sonhar em ser um escritor”. A capa eu idealizei, mas quem fez o e daqui a cem anos ele seja referên- livro de fantasia, que se chama “O cír- dessas produções jornalísticas, mas
O primeiro livro de Zezinho é design foi outra pessoa. Tive despesa cia, de certa forma, a visão aqui é de culo de fogo”. Desde então não parei enquanto não surge uma pauta boa,
conhecido pelo título de “A lendária com frete também, mas o importan- futuro”. mais, escrevi vários livros, inclusive sigo escrevendo fantasias, que é onde
história de Joaquim na Mata”. A ideia te é não desistir. Eu sonhei muito e Para José Ribeiro, talvez o um livro-reportagem de Conclusão de sempre gostei de estar”, finaliza.
surgiu quando ele chegou à cidade de achava quase impossível”. único problema seja fazer com que Curso. Me inspirei muito em contos A escolha do gênero antes da
Arame, que fica na região de Grajaú, Escrever para um grande públi- as pessoas se acostumem a ler livros de fadas, sempre fui apaixonado”. construção do livro facilita o tra-
no Maranhão. No local, contava-se a co torna qualquer escritor passivo a com mais de duzentas páginas. O pro- Para o escritor, é fundamental balho do escritor e ajuda o público
história de Joaquim, um homem mui- críticas. Esse é mais um desafio para blema citado pelo escritor é também não perder nenhuma oportunida- alvo a encontrar os livros que lhe são
to mentiroso e engraçado que ado- muitos escritores. Embora alguns identificado em pesquisas como a de. “Existem várias oportunidades úteis. Dessa forma, cria-se pontes de
rava contar histórias. Zezinho ficou lidem bem ou nem se importem com realizada pelo Instituto Pró-Livro. O que podem ser abraçadas e assim interesse entre leitores e as obras.

JANAYNA SOUSA

JANAYNA SOUSA

O escritor e
jornalista João
Marcos mostra
seu livro- O escritor João
reportagem: Ribeiro conta
“A sombra da sobre o processo da
Gameleira”. escrita.
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TORNAR-SE ESCRITORA
Gabriela Lages Veloso fala sobre o processo de escrita com prosa e poesia e como esses gêneros retratam a realidade. Mesmo jovem, a escritora já coleciona diversos prêmios nacionais e internacionais

“Escrevo para que nossas conquistas (Re)lembrança

não sejam levadas pelo vento”


Hoje falo em nome de
todas as mulheres do
passado, presente e futuro.
Escrevo para que tudo
que minhas ancestrais
ARQUIVO PESSOAL viveram não seja apagado.
na literatura. Sou editora do Núcleo Escrevo porque acredito
poético de divulgação feminina
que somos todos iguais,
“Sociedade Carolina” e colunista do
blog “Feminário Conexões”, que são independente de cor,
projetos feministas que divulgam e gênero ou fé.
incentivam a escrita de mulheres”, Escrevo para que nossas
declara. conquistas não sejam
levadas pelo vento.
A escrita na pandemia - A pandemia
proporcionou a muitos escritores
mais tempo de produzir textos e Pôr do sol
livros, e fez com que o consumo
de livros fosse maior. Ao longo do
isolamento, foram publicadas mais Dia.
de mil obras por mês, quantidade Noite.
muito acima do ano de 2019, cuja Caminho entre
média era de 30 livros. Os dados são a luz e a sombra.
do Clube dos Autores, plataforma Excesso.
de autopublicação e mostra um
aumento de 30% no número desse
Ausência.
tipo de produção em 2020. Procuro o entrelugar.
Um olhar atento e empático Direita.
são características dos escritos de Esquerda.
Gabriela Lages. Durante a pandemia Habito a terceira margem.
seu olhar se voltou não só para o Vivo na linha tênue do
sofrimento, perigos, dificuldades e
preconceitos enfrentados pela po-
horizonte.
pulação, mas também foi percebido Nem isto, nem aquilo.
por ela o negacionismo de muitas
Gabriela Lages recebe certificado do Prêmio Literário Amei 2022, onde apresentou sua obra, o “Mar” pessoas o que a motivou a escrever
criticamente sobre isso.
DENISE RIBEIRO Brasileira Contemporânea, pesqui- literário se deu através da internet. “A maior parte da minha produ- Macabéa
sando sobre o romance “Passageiro Todos os seus textos foram publi- ção literária aconteceu no período

“M
e descobri escritora”, do fim do dia”, de Rubens Figueiredo. cados, inicialmente, em formato da pandemia, pois eu comecei a es- Com quantas Macabéas
conta Gabriela Lages “Ao estudar esse autor contempo- digital. Para Gabriela, as redes sociais crever no segundo semestre de 2019 se faz o mundo? Mulheres
Veloso. A escritora, 24 râneo, eu pude perceber que além de facilitam muitas coisas e tendem a e a pandemia iniciou no primeiro
semestre de 2020. Por isso, a pan-
pacatas, desajeitadas,
anos, é formada em Letras pela analisar, eu poderia também escre- favorecer os novos escritores.
Universidade Estadual do Maranhão ver Literatura. E somente dois anos “Através das redes sociais, eu demia teve vários impactos sobre a silenciadas, que
(Uema) e Mestranda do PPGLetras, depois de seguir o mesmo caminho, tenho conhecido novos(as) escrito- minha escrita, muitos, incrivelmen- quase não deixam
na linha de pesquisa em “Estudos eu soube como descrevê-lo literaria- res(as), bem como espaços voltados te, positivos. Com a tristeza pelas marcadas suas imagens no
Teóricos e Críticos em Literatura”. mente. Assim, escrevi o meu primei- diretamente para a literatura, tais mortes ocasionadas pela COVID-19, espelho.
Atualmente, é colunista da Revista ro texto literário: a crônica ‘Insight’, como concursos, podcasts, revistas, me tornei ainda mais atenta às Macabéa, até quando
Sucuru e do “Feminário Conexões”, que, posteriormente, foi finalista do editoras, canais no YouTube, entre dores alheias, valorizei ainda mais a
vida e suas possibilidades. Consegui
aceitarás o destino que te
editora do núcleo poético “Sociedade Prêmio Literário AMEI 2020”. outros meios de publicação/divul-
Carolina” e membro do projeto Entre gação, tanto de prosa, quanto de observar, também, o negacionismo e impuseram?
“Vasos y Versos”, que conta com a poesia. Sem dúvida, seria muito com- falta de empatia de muitas pessoas, Até quando permanecerás
participação de escritores de diversas “Eu nunca tinha plicado divulgar minha escrita sem o o que me motivou a escrever, criti- invisível?
nacionalidades. escrito nenhum texto auxílio da Internet. Com ela, mesmo camente, a respeito. Porque escre-
Foi a partir de um olhar atento sem sair, fisicamente, do Nordeste, ver também é denunciar, resistir e,
às mazelas sociais de São Bernardo,
literário, mas sentia meus textos já circularam todo o quem sabe, provocar mudanças nos
bairro próximo à Cidade Operária, que precisava escrever Brasil e até mesmo alguns outros leitores”.
localizado na capital maranhense, sobre aquele lugar, ele países, tais como Portugal, Espanha, O objetivo da escrita literá- Sobre viver
que Gabriela sentiu a necessidade me chamava” Argentina, Peru, México e Colômbia”. ria é na maioria das vezes causar
de escrever seu primeiro texto.“No Embora nova no ramo da literatu- reflexões aos leitores e promover Minha casa é o mundo.
percurso que eu fazia de casa para a ra, Gabriela já é reconhecida pelo seu mudanças no meio social. A escrita
universidade, sempre passava por um Gabriela iniciou seus escritos com belo trabalho, inclusive coleciona é tão importante quanto a leitura,
Navio sem porto.
lugar periférico que enfrentava gra- crônicas, seguido de contos e agora alguns prêmios. Mas, antes de ser es- mas o Brasil ainda é um país com
ves problemas sociais, chamado São está no meio poético, visto que es- critora e poeta, Gabriela Lages Veloso poucos leitores. Segundo dados
Bernardo. Problemas como esgoto e crever poesia pode demandar menos é mulher e ser mulher é símbolo de de um estudo do Instituto Pró-Li- Minha comida é esmola.
lixo a céu aberto, iluminação defici- tempo. “Eu continuo escrevendo pro- resistência. Não foi fácil chegar onde vro, 44% da população não lê e
tária à noite, ruas estreitas, pessoas sa, mas, atualmente, por conta das ela chegou. 30% disse nunca ter comprado um Chuva no deserto.
em situação de rua, entre outros”. demandas do Mestrado, tenho tido “O preconceito é renitente. Então, livro. Outro dado interessante é a
Apesar de sentir que precisava menos tempo para a escrita literária. eu poderia dizer que ser escritora é quantidade de horas investidas em
Invisível, que sou,
escrever sobre aquele local, Gabriela Por isso, tenho optado pela escrita uma forma de resistência. A literatu- leitura semanalmente. No país são
esperou um pouco para tornar, de da poesia. Mas, eu costumo trazer ra é uma importante arma de comba- investidas 5,2 horas semanais. Já a
fato, seu texto existente. O tempo foi elementos da prosa para a poesia, e te contra as desigualdades de gênero, Índia, considerado o país que mais Ando para sempre e
passando e, em 2019, Gabriela teve a elementos da poesia para a prosa”, ao dar voz e poder às mulheres. Por lê por uma pesquisa do NOP World, nunca.
oportunidade de iniciar a investiga- comenta. isso, além de escrever, eu luto pela as pessoas investem 10,5 horas por
ção científica na área de Literatura A entrada da escritora no meio democratização do espaço da mulher semana à leitura.

Escrever ... Gabriela fica em


segundo lugar no
prêmio Emílio
Lansac Toha 2022.
Escrever é libertar-se Escrever é dar asas Escrever é ora um
de si mesmo. à imaginação. alento, ora um
É poder recriar o É contemplar o desconsolo.
mundo com o poder mundo com outros É transitar entre
da palavra. olhos. mundos, eras e
seres.
Arrocha

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6 ANO XIII. EDIÇÃO 45
IMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2022

LITERATURA FEMININA
A luta antes era para ter o direito de ler e escrever. Agora, o desafio da escrita insurgente e insubmissa feminina é para que as autoras possam ser vistas e valorizadas

Escrita feminina: do
KETCIA FREITAS

autorreconhecimento
à visibilidade
CLARA TELES lidade dentro da literatura para as e ser reconhecida com maior ampli-
mulheres. É isso que a professora tude. Quantas mulheres escritoras

A
escrita exige que lidemos com Tereza quer dizer quando fala que existem e quantas são nacionalmente
diversos sentimentos. Escre- “às vezes se a gente não tiver muita conhecidas? Quantas escritoras você
ver é um ato de coragem, um clareza do nosso potencial como pa- já leu?
desafio diário. Para mulheres que trimônio mesmo do nosso conheci- Maria Firmina dos Reis (1822-
escrevem, a escrita é mais que um mento, a gente trata de se boicotar”. 1917) é a escritora maranhense mais
ato. Ela pode ser libertadora a ponto Como querer que outros valorizem conhecida nacionalmente quando
de ser também um ato de manifes- a escrita feminina se, muitas vezes, se trata de literatura. Apesar de toda
tação contra as barreiras existentes não há a valorização da mulher de a visibilidade concedida à escritora
que diminuem a visibilidade femini- si própria como escritora? atualmente, ela foi esquecida por
na no meio literário. décadas antes do historiador parai-
Visibilidade significa quali- bano Horácio de Almeida “trazê-la”
dade ou caráter do visível. “A gente
“Ler é um ato de volta, em 1962, mais de um século
se expõe ao escrever. Ler é um ato político, escrever depois de seu primeiro livro publi-
político, escrever é um ato político é um ato político e cado, em 1859. Muitas vezes a escrita
e é algo que fica ali registrado e é algo que fica ali feminina é vista somente como um
marca a nossa presença no mundo”. registrado e marca apelo social, como uma quebra de es-
Essa é uma das falas sobre a escrita tereótipos, uma forma de resistência.
a nossa presença no Porém, não somente isso representa
feminina elaborada pela professo-
ra de pedagogia e escritora, Tereza
mundo” a literatura feminina. Esses fatores
Bom-Fim, que faz parte da Acade- são importantes e são questões que
mia Imperatrizense de Letras. Para A visibilidade feminina vem exaltam a história das mulheres da
ela, temos que “arregaçar as mangas” de um longo caminho, e não é à toa literatura. Mas, existem diferenças
e permanecer firmes na luta. que as mulheres fazem manifesta- entre a escrita feminina e a mascu-
Não tem como falar de ções históricas e protestos em prol lina, especialmente no modo como
visibilidade sem falar do autorre- dos seus direitos. Mas elas também elas escrevem ao contar detalhes
conhecimento da mulher enquanto querem ser vistas na sociedade. Na da vida comum das mulheres ou ao
escritora e da importância de se literatura não é diferente. Em um descreverem um personagem, assim
permitir conhecer a si mesma como campo predominantemente machista, como nos temas que escolhem como
autora, para poder trazer a visibi- a escrita feminina precisa ser vista pontos centrais de suas histórias. Livros de Tereza Bom Fim acompanham marca-páginas produzidos manualmente pela autora

O pseudônimo na escrita feminina


FOTOS: KETCIA FREITAS

O
pseudônimo é um nome fictício siderada pela oposição como “escritora a personagem de Lady Whistledown, da
usado por um indivíduo como maldita” e ainda teve cerca de 36 obras série Bridgerton. Embora os exemplos
alternativa ao seu nome legal. censuradas. Ela não foi a única, mui- citados sejam de autoras e personagens
Apesar de não ser tão utilizado como tas outras escritoras usaram pseudôni- vividas antes dos anos 2000, existem
antes, ele fora necessário para que as mos para publicar suas obras, dentre escritoras que utilizam pseudônimos
mulheres pudessem escrever e publi- as mais conhecidas, estão Cecília Mei- para que sua escrita seja mais visível
car suas obras sem serem censuradas, reles, Clarice Lispector, Cora Coralina aos olhos da sociedade e assim possa
perseguidas ou até mesmo para serem e Maria Firmina dos Reis, que utiliza- ser valorizada e bem sucedida. Nesse
levadas a sério na sociedade. Esse foi o ram o pseudônimo como mecanismo sentido, apesar de serem outros os mo-
caso de muitas autoras brasileiras. de proteção. tivos, ainda assim a mulher, em alguns
Cassandra Rios, conhecida pelo São vários os exemplos que po- casos, precisa utilizar de outros nomes
pseudônimo Odette Pérez Ríos, foi uma dem ser citados para explicar os mo- e esconder sua verdadeira identida-
das primeiras escritoras brasileiras a tivos pelos quais as mulheres usavam de como um mecanismo de proteção,
escrever sobre feminismo, homossexu- pseudônimos, em sua maioria nomes para que assim possa se fazer vista e
alidade feminina e erotismo. A escrito- de homens ou nomes mais “neutros”. respeitada em um mundo que, apesar
ra, além de ter sido perseguida durante Em obras de época do audiovisual po- de tantas evoluções, ainda não evoluiu
o período da ditadura militar, foi con- demos ver bons exemplos disso, como socialmente o necessário.
Arrocha

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SAIURY LIMA

Imperatriz e
a visibilidade
das escritoras

Livro “Amores em tempo de @” escrito por Hyana Reis. O livro foi um dos vencedores do concurso promovido pela Academia Imperatrizense de Letras de Imperatriz que buscava estimular o reconhecimento de novos escritores

CLARA TELES autoras e suas obras. O depoimen- Enquanto Hyana, que foi com reconhecimento sobre seus es- de dizer que vai fazer, tem que dizer
to transmite um pouco da luta das uma das vencedoras da última critos. Desde a primeira premiação que fez, essa é a diferença”, acredita.

A
tualmente Imperatriz é a mulheres na busca por visibilidade e edição do prêmio literário da Aca- do Prêmio Nobel de Literatura, em Em Imperatriz, apesar da
cidade que recebe a maior valorização no ambiente literário. demia Imperatrizense de Letras, 1901, apenas dezessete mulheres existência de projetos voltados à
feira literária do Maranhão, o “Precisa de um investimento acredita que apesar de não ser ganharam distinção até hoje, uma leitura infanto-juvenil e adulta, ainda
Salão de Livros de Imperatriz, Salimp, tanto financeiro, quanto de engaja- proposital, a AIL ainda é carente quantidade de 14,3% de 119 premia- são tímidos os projetos voltados ao
que esse ano teve sua 18° edição. Por mento por parte dos movimentos da representatividade feminina dos no total. No Brasil, por exem- apoio e à visibilidade da escrita fe-
conta desse evento anual, a literatura sociais e das próprias mulheres e acha que essa questão precisa plo, existem muito mais prêmios minina, o que acaba não ampliando
tem alcançado uma maior visibilida- escritoras, precisamos de união”. ser melhorada para que as mulhe- literários nacionais com nomes ou estimulando o espaço feminino
de. Esse é o primeiro passo para que Esse é o pensamento da professora e res sejam cada vez mais visíveis homenageando escritores homens. na produção da literatura no municí-
as escritoras possam ter o reconhe- membro da Academia João Lisboense na Instituição “eu acompanho a Voltando à Imperatriz, quando pio. Em uma pesquisa realizada pela
cimento que merecem. “Para que de Letras, Natividade Silva, quando Academia de perto. Eu sei de um perguntada sobre o que a cidade e a reportagem, com dezesseis pessoas,
a gente tenha esse acolhimento na se trata do que pode ser feito para esforço que eles fazem pra que AIL poderiam fazer para ajudar na vi- para saber quais escritoras mara-
literatura feminina a gente tem que uma maior visibilidade das mulheres haja uma maior representativida- sibilidade feminina, Bom Fim respon- nhenses já leram, a maioria respon-
fazer esse acolhimento né, ele não na literatura. Para Tereza, que foi a de”, destaca a escritora. de que a mulher não tem que esperar deu que menos de cinco, apenas uma
existe de forma gratuita. A gente tem quinta mulher a entrar na Academia Quando o assunto é pre- fazerem algo, precisa fazer o próprio respondeu que já leu mais de vinte.
que estar na luta diária para que ele Imperatrizense de Letras (AIL), apesar miação, a invisibilidade feminina movimento em busca de mudança. “A Quando perguntadas quais conhe-
aconteça”. O comentário da escri- da pouca quantidade de mulheres também está expressa e pode ser gente tem que fazer de tudo um pou- cem de nome, a maioria não sabe e a
tora Hyana Reis mostra a realidade dentro da instituição, a AIL acolhe refletida na pouca quantidade de co, como for, no seu estilo, no seu mais referenciada foi Maria Firmina
de como os leitores locais acolhem bem mulheres escritoras. mulheres que foram agraciadas jeito, a gente tem que fazer e não tem dos Reis.

FOTOS: SAIURY LIMA

Conheça projetos que apoiam


a literatura feminina:
Uma das alternativas para que escritoras alcancem um nível maior de visibilidade dentro da literatura são os projetos criados para
incentivar pessoas a lerem e conhecerem seus livros.

Além de projetos, há clubes de livros voltados para a leitura de mulheres. Conheça mais:

Clube do Livro de Imperatriz Mulheres em Prosa Projeto Leia Mulheres:

Coordenado pela escritora Coordenado pela escritora Hya- É um projeto nacional, com um
Hyana Reis: clube voltado para a na Reis: grupo de mulheres que clube em São Luís, que tem o
literatura e tem como regra que leem mulheres criado especial- propósito de fazer com que as
metade dos livros anuais seham mente para fortalecer a literatu- pessoas leaim mais escritoras.

É
necessário um incentivo lite- autoria feminina sejam mais bem di- escritos por mulheres. ra feminina.
rário em Imperatriz. Gostar vulgadas para a população. É funda-
de ler é uma construção so- mental que os projetos de incentivo
cial, é algo aprendido. Para ter esse e de valorização da diversidade de
incentivo, é preciso que a cidade de- escrita sejam implementados desde
senvolva mais campanhas de cons- os anos iniciais de ensino, para que Projeto Mural das Minas Projeto O Centro Maranhense
cientização, que ofereça subsídios haja maior visibilidade das mulhe- de Documentação e de
necessários para a criação de grupos res na literatura. Só assim, meninas É um projeto que reúne 50 Pesquisa Maria Firmina
e projetos literários voltados para e mulheres terão a possibilidade de escritoras da região Tocantina dos Reis tem por missão
a valorização da escrita feminina. assumir posições importantes na li- com o intuito de aumentar a organizar e conservar materiais
É preciso também que as obras de teratura brasileira. visibilidade de escritoras mara- produzidos em pesquisas e
nhenses. projetos de autoria feminina.
Arrocha

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EDUCAÇÃO
Curso de jornalismo da UFMA/Imperatriz se destaca na produção de livros-reportagem. Professores e alunos do curso comentam sobre importância da escrita a partir de suas vivências

EDUFMA publica livros feitos na UFMA/Imperatriz KATHERINE MARTINS


ALINE XAVIER rações jornalísticas. Os escri-
tores, jornalistas egressos da

T
ornar-se um escritor e graduação, participam de todo
publicar seus livros é so- o processo de levar o livro ao
nho de grande parte de leitor, o que inclui a produ-
acadêmicos Brasil afora. Com ção, publicação e lançamento.
esse dado no horizonte, o cur- O projeto também se
so de Jornalismo, da Univer- torna importante pela possi-
sidade Federal do Maranhão bilidade de levar a marca da
em Imperatriz, destaca-se na instituição e as memórias do
produção de livros-reporta- Maranhão para todo o país e
gem resultantes de Trabalhos para o mundo.
de Conclusão de Curso, e há O professor e orientador
mais de dez anos tem estimu- do projeto, Alexandre Maciel,
lado os estudantes de jorna- frisa que Imperatriz ganha
lismo a também se tornarem muito com esses projetos e
escritores. com a memória registrada
O livro-reportagem é nos livros. A ideia era também
um gênero jornalístico. Uma que a prefeitura da cidade se
produção literária que discu- interessasse pela publicação
te questões sociais, resgata e tiragem do material, para
biografias e retoma assuntos utilizar como material didá-
históricos. Tem como princi- tico nas escolas municipais,
pal característica uma escrita ampliando as obras à disposi-
extensa, em profundidade, ção no acervo sobre a história
com muitos dados detalhados. e a memória do município. No
Nesses textos, os jornalistas total, serão 10 volumes publi-
têm mais espaço e liberdade cados, com previsão de con-
para criá-los, por meio de téc- clusão no fim de 2023.
nicas literárias que resultam O primeiro livro da
em um texto mais próximo coleção Memória de Fôlego,
da literatura que o texto do “O que é que o Mercadinho
jornalismo convencional. É tem?”, do ex-aluno e jornalis-
muito comum que o escritor ta André Wallysson Ferreira
se coloque como narrador da Silva, conta um pouco da
nessas obras. história do Mercadinho, um
O livro-reportagem tem dos principais setores comer-
sido importante para Impera- ciais de Imperatriz e região.
triz, pois muito da história e De acordo com o escritor, a
da memória da cidade é recu- idealização da obra partiu de
perado nas produções. Nesse vivências pessoais. “A ideia
sentido. O curso atualmente surgiu porque as minhas raí-
conta com um projeto de estí- zes já estão no mercadinho, a
mulo à prática do jornalismo minha bisavó tinha restauran-
de profundidade, chamado te de comida no mercadinho,
“Memórias de fôlego”. a minha avó também teve, e
O projeto já tem uma eu também trabalhei no mer-
coleção de livros-reportagens cadinho em uma loja de uti-
que tem como objetivo regis- lidades domésticas, então eu
trar as memórias de Impera- sempre estive por ali, minha
triz e do Maranhão, através família sempre esteve ligada
de trabalhos de conclusão de Professor Dr. Alexandre Maciel, coordenador do projeto ‘Jornalismo de Fôlego’, que estimula o estudo e a produção de livros-reportagem àquele setor, fora que lá é
curso dos próprios alunos da um patrimônio, um lugar que
graduação. “A elaboração de passaram pela banca avalia- quando o curso de Jornalismo Além da elaboração de ele- representa muito bem a nossa
um livro-reportagem como dora da Universidade e foram completou 15 anos. O projeto mentos pré e pós-textuais e cultura”.
TCC permite que o concluinte aprovados com excelência, envolve alunos, ex-alunos e demais ajustes necessários dos A obra foi lançada na
coloque em prática, a partir sendo escolhidos para inte- são coordenados por profes- trabalhos até a edição final. 18º edição do Salão do Livro
do exercício pleno da entrevis- grar o projeto “Memórias de sores do curso que auxiliam A iniciativa também de Imperatriz e contou com
ta e da busca de vozes plurais, fôlego”. Segundo o professor conta com a parceria da edi- a presença de um público
do olhar atento às problemáti- Alexandre Maciel, o principal tora da própria Universidade, diverso, além de professores
cas da região que habita e com objetivo do projeto é “demar- ” O livro-reportagem é a EDUFMA, que abre espaço da UFMA como o coordena-
as devidas balizas éticas, um car a trajetória e a tradição do um gênero jornalístico. para os acadêmicos terem dor e orientador do projeto,
projeto jornalístico-autoral curso de Jornalismo da UFMA Uma produção literária suas produções publicadas. Alexandre Maciel; da coor-
a serviço da interpretação da de Imperatriz de produzir que, conta sobre O processo acontece através denadora de diagramação e
memória”, declara o professor livros-reportagens com a mar- histórias reais, de uma análise da qualidade checagem de dados históricos,
doutor Alexandre Maciel, pro- ca do jornalismo de fôlego”. questões sociais, dos livros e posterior encami- professora Yara Medeiros; da
fessor do curso de jornalismo Além disso, o projeto garante biografias e assuntos nhamento para publicação. As coordenadora de revisão e
da UFMA/Imperatriz e coor- uma reaproximação com os históricos” obras serão distribuídas em dados históricos, professora
denador do grupo de pesquisa ex-alunos e valoriza suas pro- versões impressa e digital. Roseane Arcanjo Pinheiro; e
“Jornalismo de Fôlego”. duções acadêmicas. O projeto “Memórias de do Vice-reitor e coordenador
A coleção dos livros-re- As obras que foram sele- nos preparativos, que vão de Fôlego” é um sonho antigo do da revisão de Língua Portu-
portagens do curso de jorna- cionadas vêm sendo estrutura- atualizações de dados, revisão curso de Jornalismo de Impe- guesa, professor Marcos Fábio
lismo da UFMA é resultado das nos últimos 10 anos com a de língua portuguesa, diagra- ratriz, criado com o intuito de Matos, escritor e ocupa uma
de uma seleção de Trabalhos proposta inicial de que seriam mação, checagem de informa- divulgar os trabalhos que são cadeira na Academia Impera-
de Conclusão de Curso que lançadas no ano de 2021, ções históricas e jornalísticas. resultados de cuidadosas apu- trizense de Letras.
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MEMÓRIAS DE FÔLEGO DÉBORA MAIA


Escritores Maranhenses comentam sobre o processo de escrita, inspiração e os principais desafios para publicar

A escrita pelo olhar de


escritores: desafios e
potencialidades
ALINE XAVIER
difícil, complicado, vender o de técnicas de reportagem,
livro, mais complicado ainda redação jornalística e jorna-

P
ara se tornar um escri- é viver de literatura. Então as lismo impresso. É necessário
tor é preciso trilhar um editoras universitárias, nesse colocar em prática o ato da
caminho, uma longa sentido, elas têm um papel narrativa, uma narrativa que
jornada, estruturada, prin- muito importante porque elas possa ir além do relato fac-
cipalmente pelo gosto pela chancelam nosso trabalho e tual, que seja mais literária,
leitura. Todo escritor tem um elas nos ajudam a fazer essa que relate com maior profun-
percurso de leitura. Escrever divulgação para a comunidade didade os fatos do cotidiano.
não é uma tarefa fácil para acadêmica de uma forma mais “Em termos de aprendizado,
graduandos, que enfrentam ampla”, argumenta. é você fazer uma maratona
problemas de falta de experi- O próximo livro da de jornalismo, de entrevistas,
ência e de tempo para dedicar coleção “Memórias de Fôlego” uma maratona de pesquisa
às produções. Mas, na UFMA, a ser lançado será “Prata da documental, de texto, porque
com os incentivos do projeto casa: uma biografia de Neném ocupa mais de 50 páginas.
“Memórias de fôlego” e da Bragança”, que conta a traje- E se o aluno já não tem um
EDUFMA, o estudante tem tória do cantor e compositor texto desenvolvido, não acon-
um espaço para produções paraense, que se considerava selho. Tem que ser um texto
acadêmicas e uma oportuni- filho de Imperatriz e se con- bom, pois não vai dar tempo
dade de possível publicação. sagrou na cidade. A autoria no livro-reportagem de o alu-
A EDUFMA é uma das do livro é de Gustavo Araújo no aprender a escrever me-
editoras universitárias mais Lopes, e será a próxima obra lhor. Então melhor ir para o
produtivas do Nordeste e do projeto a ser lançada. Em campo de outras mídias nesse
publica obras de escritores seguida, será lançado o livro caso”, diz Alexandre Maciel.
do Maranhão e de todo o “Carpideiras: fé, mistério e Com 31 anos de escrita e
Brasil. Segundo o professor devoção”, que explica a histó- 22 obras publicadas de varia-
doutor Marcos Fábio Matos, ria das mulheres carpideiras dos temas que vão desde a
vice-reitor da UFMA, “a edi- da cidade de Caxias- MA, da escrita acadêmica, literária,
tora para nós é fundamental, escritora Maísa de Paula Oli- contos e até novelas, o escri- André Wallysson autor do livro “O que é que o mercadinho tem”
porque é por meio dela que veira Sousa. tor, professor universitário
a gente consegue ir dando Para se tornar um es- e imortal da Academia Baca- nhos a percorrer para se tor- jornalismo literário, definir a
vazão a produção acadêmica critor de livro-reportagem é balense e da Academia Impe- nar um escritor. “Parece um forma da linguagem e como se
que é feita na Universidade. importante mostrar o que foi ratrizense de Letras, Marcos chavão dizer isso, mas não é, quer escrever e, a partir disso,
Não é fácil publicar no Bra- aprendido ao longo do cur- Fábio Belo Matos, conta é verdade. Para você ser um colocar no papel as histórias.
sil, ser autor no Brasil é bem so, sobretudo nas matérias sobre os desafios e os cami- escritor, você tem que fazer Relata, ainda, que para ele, o
um caminho de leitura, que é desafio para se tornar um escri-
DÉBORA MAIA o caminho que vai te dar um tor não foi tão grande, pois ele
subsídio de conteúdo, de téc- como jornalista já escrevia. “O
nica, de exemplo, do que os que eu indico para quem quer
outros escritores já fizeram”, se tornar um escritor é estudar,
relata Marcos Fábio Matos. no caso, eu estudei Comuni-
Ele ainda argumenta que é cação Social, por isso escrevi
importante acompanhar e ler o livro-reportagem. Mas quem
com afinco outros autores pretende se tornar um escritor
para construir um estilo e um precisa estudar e ler muito,
ritmo próprios de escrita. O para que ele encontre seu estilo
escritor cita, ainda, que duas próprio”, conta André.
de suas grandes inspirações A partir dessas observa-
são Machado de Assis e Aluí- ções é possível entender um
zio Azevedo. pouco mais sobre o universo
O jornalista e escritor da escrita e o rumo a seguir
André Wallyson explica que para obter êxito nessa trajetó-
o processo de escrita é longo, ria de se tornar um (a) escritor
que é preciso estudar sobre o (a) de sucesso.

Confira abaixo as obras que serão lançadas pela coleção “Memórias de Fôlego”:
Ano previsto
Título Autor
para a publicação
Santas latas de São Domingos
2023.1 - Crônicas de uma cidade do Narcísio Ferreira Cruz
Araguaia
A Santíssima Trindade:
2023.1 Quanto custa uma praça Juliana Neves Carvalho Costa
de Imperatriz?
Cara Idade:
2023.1 história do Lar Fernando Costa da Silva
São Francisco de Assis.
Uma história
2023.1 do município João Marcos Santos
Professor Marcos Fábio, Vice-Reitor da UFMA e membro da Academia Imperatrizense de Letras de João Lisboa
Arrocha

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ACADEMIA IMPERATRIZENSE DE LETRAS/ AIL


‘’Isso é ser um escritor, estar sempre de mente e olhos abertos para ouvir. Observar e captar e entender o que se passa em torno das suas relações.’’

Academia Imperatrizense de Letras:


visibilidade aos escritores locais
JULIANA CARVALHO
JOASSAN TRAJANO

“N
inguém será um
escritor se não
tiver lido antes,
e os jovens devem começar
a ler bem cedo, para me-
lhor desenvolver a escrita,
a literatura, sem a qual não
há civilização, não há vida
moderna, desenvolvimento.
A literatura é um sinal de
maturidade da população,
da sociedade, então é pre-
ciso ler muito”, declarou
Agostinho Noleto, advoga-
do, escritor e membro da
Academia Imperatrizense de
Letras.
Agostinho Noleto co-
meçou a ler na sua cidade
natal, que o menino visitava
constantemente, até ler qua-
se tudo o que tinha no local.
Do hábito de leitura surgiu
o desejo de escrever.
Quando veio para Im-
peratriz, a cidade estava pas-
sando por mudanças sociais,
econômicas e culturais. “Foi
magnífico ver a pequena
cidade transformando-se em
um centro de crescimento e
desenvolvimento no Mara-
nhão e na Amazônia toda”. Prédio da Academia Imperatrizense de Letras, lugar que há trinta e um anos tem buscado incentivar, valorizar e estimular a cultura e a literatura da Região Tocantina
Isso levou ele a pensar e
a escrever sobre as coisas pessoas que escrevem como Edimilson Sanches. partir das 17 horas, para de- vários projetos para incen-
que aconteceram naquela se fossem um grupo qualifi- Atualmente, a Acade- liberar sobre assuntos admi- tivar as pessoas a se inte-
época. A partir daí, Noleto cado e específico que dis- mia conta com 40 mem- nistrativos e sobre assuntos ressarem pela leitura e pela
começou a redigir e prepa- cute um determinado tema, bros e tem o propósito de culturais. Algumas reuniões escrita. Entre eles, pode-se
rar textos, e só depois veio a no nosso caso a literatura. promover a literatura uni- são fechadas quando se tra- destacar o Salão do Livro de
formação profissional. Então, é importante você versalmente, com foco nas ta da parte administrativa. Imperatriz: SALIMP – evento
A escrita, para mui- estar convivendo com essas obras de Imperatriz e Região O processo para ocupar literário que é considerado
tos, significa dar sentido à pessoas. A outra coisa, no Tocantina. Como mais uma uma cadeira na AIL aconte- uma das maiores feiras de
vida, é a expressão daquilo caso específico da Academia ce depois da divulgação de livros da Região Tocantina.
que está no pensamento. Imperatrizense de Letras, é edital, que abre apenas dian- O SALIMP é reconhe-
Muitos, quando começam a que você está vinculado a te do falecimento ou pela cido pela Assembleia Le-
escrever, se encantam pelo uma entidade forte, talvez desistência de um membro. gislativa do Estado como
mundo da palavra. Ela nos seja uma das entidades mais Muitos, quando ‘’As pessoas se inscrevem Patrimônio Cultural e Ima-
leva a criar e colocar no pa- importantes no termo de e apresentam um compro- terial do Maranhão. No
começam a escrever, se
pel aquilo que está na nossa cultura dessa região inteira. vante das suas obras lite- ano de 2022, foi realizada
Então, é para nós um am- encantam pelo mundo rárias e a Academia realiza a décima oitava edição do
imaginação. Por conta disso,
a Academia Imperatrizense paro bem importante para da escrita. Ela nos leva uma eleição secreta para evento, cujo tema central
de Letras tem a função de a gente poder fazer o nosso a criar e colocar no a escolha dos membros. foi a “Educação na cidade
dar voz aos escritores, como trabalho. Por outro lado, é papel aquilo que está O resultado dessa eleição, de Imperatriz”. O evento,
conta o escritor Marcos a simbologia. Representa na nossa imaginação. numericamente não é publi- que é realizado no Centro
Fábio, que faz parte de duas muito ser de uma Academia cado, só é anunciado quem de Convenções de Impera-
Academias. Maranhense de Letras, e como Academia foi o vencedor. Não é di- triz, recebeu na edição de
de Bacabal, ele faz parte da a gente acaba fomentando vulgado o número de votos 2022 cerca de cem mil visi-
Academia Bacabalense de cultura e em especifico a para não causar nenhuma tantes de várias partes do
Letras. Chegou em Impera- literatura’’, afirma Marcos insatisfação com alguém Maranhão durante os nove
triz em 2006, 10 anos de- Fábio. forma de incentivo, a Insti- que foi menos votado. Por dias de evento. Mais de 300
pois, submeteu a sua can- É no sentido de fomen- tuição premia todos os anos isso, o interesse é divulgar editoras expuseram obras
didatura para a Academia tar a educação e a cultura da os escritores locais. Além quem foi o eleito e a partir no local. No total, 35 mil
Imperatrizense de Letras e região Tocantina que surge disso, a relação da organi- daí marca uma cerimônia de livros foram expostos. A 18º
foi escolhido. a Academia Imperatrizense zação com a sociedade é de posse para o novo membro’’, edição do SALIMP contou
“É muito importante de Letras (AIL). Criada no proximidade, principalmen- afirma Trajano Neto - atual com palestras, oficinas, ex-
para um escritor fazer parte dia 27 de abril de 1991 por te com as instituições de presidente da Academia Im- posições, debates, gincanas
de uma Academia, por duas vários autores e educadores ensino públicas e privadas. peratrizense de letras. culturais e apresentações
razões: primeiro ele está Imperatrizenses liderados A academia se reúne ordina- A academia Imperatri- musicais, além de lançamen-
entre iguais, ele está entre pelo jornalista e escritor riamente às quintas feiras, a zense de Letras desenvolve tos de livros.
Arrocha

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ACADEMIA IMPERATRIZENSE DE LETRAS/ AIL


Para além do imaginário: escritores da Academia Imperatrizense de Letras desmistificam os cânones da escrita e refletem sobre a simplicidade e a importância das miudezas cotidianas

JOASSAN TRAJANO
O que é ser escritor? NATHIELLY MARIA
ele, são mais apegados às formas
gramaticais, à língua mais tradi-

O
escritor é aquele que não cional e os jovens são mais livres
escreve apenas para si mes- para escrever conforme a lingua-
mo. É aquele que se pro- gem do momento.
põe a estender uma mensagem, Atualmente, Agostinho já
qualquer que seja ela, ao leitor, tem sete livros publicados, são
ao público que lê. É necessário, eles: “Violência e Justiça”, “Guerri-
também, que essa mensagem seja lheiros Sem Rosto”, obra premia-
construtiva, impactante. Para que da no prêmio literário de 1996,
assim, o leitor, sobretudo aquele “Velho Jaborandy”, “Kevellyn”,
mais exigente, se reconheçam den- “Portal da Amazônia’, “Dois es-
tro do texto que foi escrito. tranhos no caminho” e “O Arca-
Ser escritor é ser molda- no rei”. Aos 79 anos, Agostinho
do, em primeiro lugar, através Noleto continua interessado em
da leitura. É primordial ser um escrever.
grande leitor. Alguém que lê não O jovem que quer ser um
apenas pela necessidade técnica escritor deve seguir a trilha do
ou profissional, mas que teve o conhecimento através da lingua-
prazer de viajar no texto. Esse é o gem. Por sua vez, a boa lingua-
primeiro passo para se forjar um gem nasce da leitura. A leitura é
escritor propriamente dito. “Agora um caminho fundamental para
esse termo escritor ele é muito a boa escrita. ‘’Leiam muito, e
forte.Eu posso dizer a você que eu assim comecem a escrever e se
já tenho sete livros publicados de expressar através da linguagem
gêneros de poesias e crônicas, lhe escrita. Iniciem com pequenos
digo que ainda não me considero textos, e vai desenvolvendo,
um escritor simplesmente porque amanhã quem sabe teremos um
escrevi essa quantidade de livros. Da esquerda para a direita, de camisa azul, Agostinho Noleto, escritor com 7 livros publicados, em um bate-papo sobre a importância do Salimp
NATHIELLY MARIA
romancista ou um grande poe-
Talvez esteja até sendo rigoroso ta. Não há outro caminho, é a
comigo mesmo, mas o alcance experiência pessoal e o amor aos
desse termo escritor ele é imensu- livros, à literatura, à linguagem
rável’’, afirma Trajano Neto. que, para mim é a expressão
Trajano Neto é autor de maior da pessoa humana,” desta-
sete livros: “Translúcidos”, “Entre ca Agostinho Noleto.
Tantos e Outros”, “Miscelânea”, “A Para o Poeta e escritor
Pedra”, “Noturnos”, “Andanças”, e Humberto Barcelos, que é um dos
a sequência “Andanças II”. Além mais novos membros da Acade-
disso, o escritor participou da mia Imperatrizense de Letras, ser
Coletânea “Quintessência”, obra escritor parte de uma necessida-
vencedora do Prêmio Literário de fundamental do desejo de se
AIL 2015, em conjunto com ou- expressar. Nesse sentido, ressalta
tros autores. Participou também que existem bons escritores que
de duas coletâneas da Academia estão no anonimato. “Escritores
Imperatrizense de Letras. são pessoas que sentem a ne-
O escritor é um observa- cessidade de se expressarem de
dor universal do ser humano e uma forma específica, como se
das condições sociais em que os dá com o uso da palavra escrita
homens vivem, desde os mais em alguns casos. Fazem da escrita
simples aos mais complexos. Cabe a sua profissão, mas na grande
ao escritor interpretar e traduzir maioria das situações, escrevem
aspectos da vida para o texto. O por uma necessidade de regista-
escritor vai estar sempre sob o rem seus pensamentos, ideias ou
julgamento do leitor. É o leitor simplesmente acontecimentos do
quem decide se o texto é bom, Escritor, Trajano Neto, durante reunião da Academia Imperatrizense de Letras no Salimp 2022
JULIANA CARVALHO
cotidiano. Há, inclusive, escritores
agradável, coerente, ou se o texto não publicados cujas produções
é bem apresentado tanto, na ques- permanecem no anonimato. Mes-
tão visual ou no quesito gramati- mo estes se sentem compelidos a
cal. “Isso é ser um escritor, estar escreverem por uma necessidade
sempre de mente e olhos abertos pessoal de assim fazer”, destaca o
para ouvir. Observar e captar e escritor.
entender o que se passa em torno A academia de Letras possui
das suas relações. O escritor é uma importância fundamental
aquele que tem a capacidade de na sociedade porque ela oferece
criar a sua logística textual dentro suporte em três níveis específicos:
de um tema que lhe seja ofereci- primeiro em relação à literatura,
do ou que ele naturalmente ache promovendo a escrita de livros e a
conveniente para os seus propó- atuação de autores dentro de um
sitos como escritor’’, acredita o contexto que lhes permita promo-
escritor e imortal da AIL, Trajano ver suas obras. Segundo, tem a ver
Neto. com a educação, já que a literatu-
A escrita não está restrita à ra está vinculada nitidamente à
idade. Tanto jovens como velhos educação e ambas andam juntas.
estão dispostos a escrever e a E, por fim, é o reflexo cultural que
deixarem a sua marca. Em relação o trabalho da Academia oferece
à característica da escrita, Agos- na sociedade onde atua. A escrita
tinho Noleto comenta que não é fundamental para a sociedade.
há muita diferença entre novos e Através dela, os escritores expres-
escritores mais experientes.’’Tal- sam ideias ou pensamentos. É
vez o estilo, linguagem mais uma das principais formas que a
moderna, uma linguagem modifi- sociedade tem para se comunicar
cada que os jovens usam, que os e para relatar histórias que acon-
velhos talvez não usem tanto’’. Os teceram, preservando a memória
escritores mais velhos, segundo Poeta imperatrizense, Humberto Barcelos, posa para foto durante reunião da Academia Imperatrizense de Letras no Salimp 2022 histórica e social.
Arrocha

Jornal
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EnsaioFtgráfc
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14 ANO XIII. EDIÇÃO 45
IMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2022

LITERATURA E CULTURA
Jornalista, editor, escritor e historiador, deixou seu legado em Imperatriz e teve importantes contribuições em diversas áreas. Segue inspirando leitores, escritores, jornalistas
ACERVO PESSOAL

As obras de
A história de Aldaberto
Franklin
Adalberto Entre as principais obras
de Adalberto Franklin, po-

Franklin por
demos citar “Breve história
de Imperatriz: o livro abor-
da uma linha cronológica
sobre o início da cidade, a
partir do processo de ex-

dois amigos
ploração territorial do es-
tado, como por exemplo,
o processo de colonização
dos franceses, holandeses
e portugueses no litoral e o
desconhecimento das terras
do sul do Maranhão. É uma
obra disponibilizada gra-
tuitamente em meios digi-
tais, para fins educacionais.
Como evitar plágio em
monografias – Nesse livro,
Adalberto explica como evi-
tar o plágio em monografia
e dá algumas orientações
técnicas para o uso de tex-
tos da internet.
Apontamentos e fontes
para a História Econômica
de Imperatriz – O livro es-
tuda o crescimento e o de-
senvolvimento econômico
Adalberto Franklin, na cidade de Imperatriz. O
escritor e jornalista. autor escreveu sobre o ciclo
Deixou um grande da borracha, ciclo do gado,
legado em Imperatriz. ciclo da castanha e outras
atividades que geravam lu-
cro para a cidade.
KAYLANE FREIRE grande parte do seu tempo, talento, A relação dos dois foi muito forte, “Fé e Riqueza”. Por seus relevantes Adalberto foi casado e
esforço e saúde. Embora fosse um passaram momentos felizes e tristes serviços prestados a Imperatriz e ao teve três filhos e duas netas.

C
onhecido por sua sensibilidade, grande intelectual, era um ser huma- juntos. Ribamar Silva é o sucessor da Maranhão, Adalberto Franklin foi Faleceu no dia 2 de março
amor ao próximo e dedicação no muito acessível, seu grande prazer vigésima cadeira da Academia Impe- homenageado pela Câmara Municipal de 2017, deixando muitas
a cidade de Imperatriz, Adal- era receber estudantes para comentar ratrizense de Letras, que em vida, era de Imperatriz com a “Comenda Barão saudades aos seus familia-
berto Franklin, ao longo de sua vida, sobre suas obras e contribuições para de Adalberto e tem como patrono de Coroatá”, em 2000, e com o título res, amigos e admiradores
teve participação ativa em órgãos a cidade. Nos anos de contribuição Dushee de Abranches. O amigo revela de “Cidadão Imperatrizense”, em do seu trabalho.
e movimentos da Igreja Católica. e trabalho para que é uma honra 2012, quando completava 50 anos de
Filho de Iracema e Martinho Castro, Imperatriz, Adal- ocupar a cadeira idade. O último título foi concedido
nasceu em 28 de abril de 1962 em um berto fez muitos “Adalberto foi sempre que foi de Adal- por indicação do vereador Edmilson
município chamada Uruçuí, que fica amigos, um deles é um sonhador, um sujeito berto. “Me sinto Sanches. Também em 2012, a Assem-
VIVIA MARIA
localizado no estado do Piauí. Com Ribamar Silva, que
poucos dias de nascido, sua família
que pensava sempre na profundamente bleia Legislativa lhe conferiu a maior
destaca: “Adalber-
mudou-se para Balsas no Maranhão. to foi sempre um
literatura de Imperatriz lisonjeado por
ocupar a cadeira
homenagem da Casa: o título de
“Cidadão Maranhense”, por indicação
Neste município, ficou até 1972, quan- grande sonhador, como um todo. A sua que ele fundou.” do deputado César Pires.
do a família foi viver em Imperatriz. um sujeito que grande característica Vigési- O escritor também foi mentor e
Ainda jovem, Adalberto começou sua pensava sempre era ser um incentivador mo membro da criador da primeira editora da cidade.
carreira profissional como tipógrafo na literatura de da produção de livros Academia Im- Fundada em 1991, a Ética Editora
e empresário gráfico. Depois, como Imperatriz como peratrizense de publicou mais de 700 livros, de várias
jornalista, foi editor de alguns jornais,
em toda nossa região.”
um todo, a sua Letras, Adalberto regiões, tanto do Maranhão como de
como “O Portal 21” e “O Progresso” e, grande caracte-
(Ribamar Silva) Franklin lançou grande parte do Brasil. A Editora tem
por um breve período, foi redator de rística era ser um livros que até os o maior acervo de obras de interesse
telejornais da Tv Mirante e colunista incentivador da dias atuais são regional dos estados do Maranhão,
do Jornal “O Estado do Maranhão”. produção de livros em toda nossa fontes de estudos, tais como: “Ofício Piauí e Tocantins. Atualmente a
Em vida, Adalberto era um consis- região.” Ribamar Silva foi um amigo das letras”, “Breve história de Impe- Editora tem outro nome, e, a irmã de
tente pesquisador da história impe- próximo de Adalberto que morou no ratriz”, “Apontamentos e fontes para Adalberto é responsável pelo empre-
ratrizense e regional, a isso dedicava condomínio da família do escritor. a história econômica de Imperatriz”, endimento.

ACERVO PESSOAL

Premiações de Adalberto
ACERVO PESSOAL
Homenagem feita pela Câmara Municipal de Imperatriz, -
com a “Comenda Barão de Coroatá”, em 2000.

Prêmio Literário Acadêmico Imperatrizense de Letras em


2006, pelo livro “Francisco de Paula Ribeiro: desbravador dos
sertões de Pastos Bons: a base humana e geográfica do Sul do
Maranhão”, em coautoria com João Renôn F. de Carvalho.

Prêmio Literário Acadêmico Imperatrizense de Letras 2009,


com a obra “Apontamentos e fontes para a história econômi-
ca do Brasil.”

Título de “Cidadão Imperatrizense”, em 2012, quando com-


pletava 50 anos de idade.

Título de “Cidadão Maranhense”, maior homenagem da casa,


conferida pela Assembleia Legislativa, por indicação do de-
Adalberto recebendo o Título de “Cidadão Imperatrizense”, em 2012. putado César Pires, no ano de 2012.
Arrocha

Jornal
ANO XIII. EDIÇÃO 45
IMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2022
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ENTREVISTA
Siney Ferraz e Ribamar Silva contam sobre a amizade e obra de Adalberto Franklin

Escritor, intelectual e amigo:


Adalberto Franklin sob o olhar de seus afetos FOTOS: WANESSA NATALI
Adalberto, além de escritor, era um ótimo amigo e sabia bem como preservar suas
amizades. Para contar a história de Adalberto, nos apoiamos na memória de dois de
seus grandes amigos. Na reportagem que abre a homenagem ao escritor, trouxemos
as lembranças de Ribamar Silva sobre a amizade vivida entre os dois. Na entrevis-
ta que segue, Siney Ferraz é quem rememora as contribuições e o legado do escritor.
Siney, doutor em história, era amigo de longas datas de Adalberto Franklin. A amizade
dos dois se deu devido a identificação com a escrita e trabalhos regionais. Ele con-
cedeu uma entrevista ao Jornal Arrocha para falar sobre a vida e obra de Adalberto
Franklin.

KAYLANE FREIRE Carvalho, 1924 - que é um livro mui-


to conhecido publicado pela Editora
Jornal Arrocha (JA) Gostaria que você me contas- Ética -, é um exemplo da superação de
se: como conheceu Adalberto Franklin? E como barreiras. O professor João Renôr en-
surgiu essa amizade? controu uma forma de publicar esse
Siney Ferraz (SF): Quando eu trabalho pela Universidade Federal
cheguei em 1992 para trabalhar, eu do Piauí – UFPI, uma edição grande e
já recebi algumas informações que muito legal, na qual foi republicada a
Adalberto tinha iniciado o curso de terceira tiragem de Carlota Carvalho.
história e não tinha concluído. Mas A primeira edição do livro foi publica-
todos sabiam e falavam que ele tinha da em 1924 e, em 2000, eles republica-
uma paixão secreta pela história e ele ram pela Ética com o acréscimo de co-
fazia umas pesquisas pessoais e não mentários, tanto de Adalberto quanto
institucionais. Ele tinha um curso de de João Renôr, e esse mesmo trabalho
diagramação, e seu grande projeto comentado foi publicado pela Federal
seria montar uma editora, e ele con- do Piauí. Quanto ao processo, se deu
seguiu, transformou ela em um íco- durante alguns anos, quando as pro-
ne de publicações a nível regional. O duções da Editora e de Adalberto co-
pessoal do Tocantins, do Pará, do Ma- meçaram a ganhar destaque, e, graças
ranhão publicou livros pela Editora às parcerias e conhecimento do Adal-
Ética, e eu acompanhei essa editora berto deu tudo certo.
desde o início, pelo fato das publica-
ções e escrita. Eu e ele conseguimos JA: Você acha que a história dele pode ter
fazer essa amizade pela identidade da incentivado outras pessoas?
escrita e pelo fato de eu estar escre- SF: Sim, Adalberto era um profis-
vendo e ele engajado e comprometido sional excelente, muita gente se espe-
com o ramo da escrita e da publica- lha em sua história e seus trabalhos
ção regional de trabalhos. e, procuram recuperar essa dinâmica
para nossa cidade. A partida de Adal-
JA Quais os trabalhos vocês já realiza- berto foi uma perda muito grande,
ram juntos? tanto para o lado emocional da cidade
SF: Um dos grandes trabalhos que como para o lado intelectual.
realizamos juntos foi a publicação do
meu livro, que foi um dos primeiros a JA: Um dos primeiros livros lançados
ser publicado pela Editora Ética. Além pela editora Ética foi “Movimento Cam-
disso, ele formatou e fez todas as cor- ponês no Bico do papagaio: sete barra-
reções do meu trabalho de mestrado, cas em busca de um elo”, de sua autoria.
desde o início. Todos os meus traba- Poderia nos contar um pouco sobre essa
lhos para entregar, como resenha, obra e como Adalberto ajudou para que
textos que os professores cobravam ela fosse publicada?
para mim, eu escrevia e levava para SF: Cheguei em Imperatriz no ano
ele formatar e eu encaminhar para
os professores. Naquela época, pou-
cas pessoas tinham computador, e eu de 1992. Em 1994, entrei entrei no
era uma das que não tinham, então mestrado e durante meus trabalhos
eu levava tudo manuscrito e ele orga- de mestrado era ele que me ajudava a
nizada. Ele e a Editora Ética eram re- formatar. No ano de 1997, eu defendi
ferência na formatação de trabalhos. minha dissertação e a gente já vinha
negociando essa questão da publica-
JA: Como se dava a busca pelas fontes ção. Esse meu livro juntamente com o
de pesquisa de Adalberto? Por exemplo de Carlota Carvalho e o de Francisco
as Referências bibliográficas, entrevis- de Paula Ribeiro, foram os livros de
tados e etc. maior peso e de mais movimentação e
SF: Ele tinha acesso a alguns ar- divulgação da editora dele. O meu tra-
quivos históricos. Com a questão da balho vendeu em média uns cinco mil
internet, ele tinha uma capacidade exemplares e levei ele para vários luga-
nessa questão de trabalhar com a res. Em algumas universidades eles po-
informática, ele pesquisava muito dem ser encontrados, alguns professo-
os arquivos de Pernambuco, de São res também compraram e tem alguns
Luís, e também com o professor João exemplares na França e na Alemanha.
Renôr, (um amigo e pesquisador re- Ele me ajudou com ideias, com a parte
gional). Eles iam pessoalmente nos da digitalização e formatação do livro,
arquivos na biblioteca pública de São depois, fez as cópias e ficou com algu-
Luís, onde tem arquivos históricos. mas para vender também.
Adalberto também tinha um acervo
muito grande de livros de História. JA: Para finalizar, quais as contribuições
dos trabalhos de Adalberto para a cida-
JA: Na sua opinião, a produção de Adal- de?
berto superou as barreiras regionais? E SF: Os seus trabalhos pessoais são
como foi esse processo? utilizados em monografias, artigos e
SF: Sim, foram publicados livros pesquisas. Eles contribuíram e ainda
na região do Sul do Pará, na região contribuem muito, pois, eles são im-
do Tocantins e muitas pessoas de portantes para a leitura, para a litera-
São Luís publicaram trabalhos pela tura e para a história de Imperatriz e
editora dele. O trabalho de Carlota Escritor Ribamar Silva, acima, e professor Siney Ferraz, ao centro, relembram e celebram a importância do trabalho de Adalberto Franklin e a amizade toda nossa região.
Arrocha

Jornal
16 ANO XIII. EDIÇÃO 45
IMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2022

ESCRITA POPULAR
A crítica social: a importância do cordel na cultura popular. Criados como símbolos de resistência através da arte, os escritos protagonizam a polifonia e a diversidade de vozes

Cordel: Escrita pela igualdade social


FABIANA VIANA
VALDEÍRES FERREIRA

O
cordel é de origem portu-
guesa. Veio junto com a
colonização do Brasil, no
fim do século XVIII. Assim foi in-
troduzido na cultura brasileira, se
popularizando precisamente no
interior do Nordeste. Em Portu-
gal, os escritores iam para bairros
mais pobres e penduravam seus
livros em um cordão para serem
vendidos, por isso o nome de
“cordel”. Chegando no Nordeste,
sofreu algumas adaptações, como
o diálogo com o gênero literário
popular, que tem como sua prin-
cipal característica a oralidade,
passando a ser cantado. As pesso-
as declamavam de forma rimada
e apresentavam seus trabalhos de
cidade em cidade.
No Ceará, a valorização des-
se tipo de literatura é bem maior.
Em muitos lugares, há o incenti-
vo da escrita de cordel e projetos
para levar os folhetos para vários
lugares do estado, com divulga-
ção em universidades e escolas
públicas. Há, por exemplo, um
espaço na Bienal do Livro que
se chama “praça do cordel”, que O cordel é uma arte que enaltece a cultura e identidade nordestina. A arte produzida pela população pobre e periférica permite denunciar e reivindicar espaços negligenciados
enaltece o trabalho dos cordelis-
tas. você programou para fazer ou às cantadores, repentistas e impro- da Imprensa, que são folhetos de Essas são as características fun-
“Não é fácil, tem que es- vezes nem programou. A literatu- visadores que iam de cidade em um papel mais barato, de uma li- damentais desse tipo de escrita.
tudar, ter conhecimento, muita ra de cordel, essa poesia popular, cidade, de feira em feira, levando teratura que era mais fácil de cir- “Um ritmo específico são os ele-
leitura”, afirma Paulo de Tarso, consegue levar para as pessoas a notícias e suas histórias. cular essa estrutura poética, essa mentos que vão definir o cordel.
escritor de 59 anos, originário de alegria, a graça, a rima, a métrica Esses são os principais ele- diversidade temática, ela surge no Podem ser em quadra de sexti-
Tauá, interior do Ceará, que tem e a oração”, afirma. mentos que diferenciam o cordel Nordeste mesmo. A inspiração do lhas, setilha, décima, os versos
mais de 90 livros de sua autoria. Segundo a pesquisadora da do português. De acordo com a que vem de Portugal está muito alexandrinos podem ser variados
O escritor reflete sobre as carac- literatura de cordel e professora fala de Gisele, “na época que a mais relacionada a uma questão (...) O cordel é feito de diversas
terísticas básicas necessárias para do curso de jornalismo da UFMA/ família real portuguesa veio para do material do físico do cordel”, formas, por exemplo, tem cor-
quem quer começar a escrever São Luís, Maria Gislene Carvalho: argumenta. del que é feito em livros, não é
cordel. Embora muito se fale “é muito difícil situar o cordel O Cordel tem uma regra apenas o folheto que define. Tem
sobre a simplicidade do cordel, com uma origem, tem muitos teó- básica. Para Paulo de Tarso, o cordéis que são declamados, can-
das rimas e das histórias, Paulo ricos, principalmente folcloristas,
“O cordel é uma forma cordel só é cordel se tiver rima, tados. Então, também não é o pa-
destaca que se tornar um escritor o pessoal da antropologia dos poética que também métrica e oração. A rima são os pel, nem sempre vai ser apenas a
de cordel exige muito estudo e anos 1970, que defendia o cordel carrega a luta pela versos que rimam entre si, uma escrita. Então, o que unifica esse
leitura. Além da observação aten- com origem em Portugal, mas resistência e pela sextilha, uma oitava, uma décima. universo simbólico é a dimensão
ta da realidade. outros estudos mais recentes já igualdade social” A métrica é a medida do verso, o poética da métrica. É uma ques-
A vivência de Paulo de avaliaram isso de outra forma” tamanho que aquele verso pode tão de memória e performance.
Tarso com o cordel foi iniciada O cordel que veio de Por- ser feito, é necessário contar Existe toda uma forma de fazer
em 1987, quando escreveu o pri- tugal tinha outras características o Brasil, eles trouxeram os cor- as sílabas. A sétima sílaba tem cordel, um comportamento de
meiro folheto. Entre suas obras, e elementos particulares, era déis que tinham lá. E isso serve que ser sempre a tônica. Dentro cordelista, os autores poetas rei-
destaca-se uma coletânea sobre totalmente diferente do que se de inspiração para quando se vai do verso, a oração é aquilo que vindicam quando fazem cordel.
Luiz Gonzaga, com 13 cordéis: espalhou pelo Brasil, chamado imprimir o cordel, para vender completa, que dá sentido ao con- Quando você vê uma xilogravura
“E aí você vai fazendo isso de de “cordel no Nordeste”. Então, essa poesia. Então, a origem do junto da estrofe. Esses são os três é uma imagem, mas você vê as
uma forma natural, os temas a origem do cordel brasileiro é cordel brasileiro é o próprio Nor- elementos básicos. pessoas chamando de cordel, não
vão aparecendo e você vai crian- nordestina. Ele se caracteriza deste. E aí ele tem alguns elemen- Para Maria Gislene, o cor- é o cordel, não é a poesia de cor-
do. Os títulos vão nascendo, se pelas cantorias, as poesias, as de- tos desses folhetos europeus que del tem uma métrica específica del. Mas, está dentro do universo
encaixando dentro daquilo que clamações que eram feitas pelos surgem ali enquanto tá surgindo e uma forma poética específicas. simbólico do cordel”, finaliza.

Cordel: escrita de resistência e crítica social


CINESE PRODUÇÕES AUDIOVISUAL
FABIANA VIANA

O
cordel é uma forma poéti- existe mais. Foi lá onde teve a primei-
ca que também carrega a ra vivência com o cordel. Foi quando
luta pela resistência e pela ela aprendeu a ler através da leitura
igualdade social. É assim que a de cordéis. Depois, sua experiência “Mula sem cabeça” é um
escritora maranhense Lilia Diniz artística enveredou pelo campo da
folheto de cordel em que a
descreve sua experiência com a cultura popular, do teatro popular,
literatura de cordel. “Quando eu teatro de rua e teatro de bonecos. “Foi
escritora e imortal da Aca-
escrevo alguma coisa na linha do na vivência artística que pude conhe- demia Imperatrizense de
cordel, eu trago muito a questão cer grandes repentistas e violeiros, Letras, Lilia Diniz, faz uma
social. Essa questão social seja que trabalham diretamente com essa releitura da lenda origi-
no campo de gênero, na questão linguagem que é o cordel. É claro que
nal na qual uma mulher é
agrária, ou mesmo em poemas nem todo cordelista é repentista e
que falam de amor eu trago essa nem todo repentista é cordelista, mas
punida ao se envolver com
pegada aí desse engajamento, des- essas artes se encontram e dialogam, um padre celibatário.
sa poesia mais engajada”. conversam juntas”, complementa.
Lilia é natural da cidade de
Alto Alegre dos Padres, interior E para quem tem interesse em conhecer os
do Maranhão, cidade que já não escritos, segue a sugestão de cordel: “Quando eu escrevo alguma coisa na linha de cordel, eu
trago muito a questão social”, enfatiza Lilia Diniz
Arrocha

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ANO XIII. EDIÇÃO 45
IMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2022
17

POESIA DE RESISTÊNCIA
Através do cordel histórias são contadas através de rimas que descrevem as asperezas e as bonitezas do cotidiano. Revelam a luta e a resistência de um povo forte e acolhedor

Rimas que contam a história popular LUANA BANDEIRA

O cordel é uma forma de expressar,


um lamento ou declaração através
de uma história cantada. Paulo
de Tarso, cordelista ouvido pela
reportagem, escreveu versos de
cordel sobre a vida e obra de Luiz
Gonzaga, em comemoração ao
centenário do artista. Confira um
trecho abaixo:

Deus, autor da criação

Dai-me aqui sabedoria

Para que eu venha contar

Com uma imensa alegria

O centenário do Rei

Através da poesia

Aqui na terra foi Rei

Majestade do baião

Um exímio sanfoneiro
A produção de cordel no nordeste sofreu adaptações como o diálogo, que passou a ser cantado nas obras. Na foto, estande do cordelista Paulo de Tarso no Salão do Lirvo de Imperatriz

RAFAEL BRUNO DO CARMO LUANA BANDEIRA


Que alegrou meu sertão

N
o Maranhão, de acordo
com a professora e pesqui-
sadora Gislene Carvalho, a Foi primeiro, sem segundo
aceitação da literatura de cordel é
boa. Porém, falta um maior inves-
timento em Políticas Públicas para
Nossa eterno Gonzagão
estimular esse tipo de produção
literária. “Com essa ausência de
estímulo para publicação, os auto-
res ficam muito fragilizados. Uma Pois eu sou gonzaguiano
outra coisa, é quando a gente tem
a possibilidade de publicar, como
é que é feita essa inserção dentro Desde o tempo de menino
das escolas, das universidades,
dos mais diversos espaços. Então
entre a escrita e aceitação a gente Ninguém melhor que Luiz.
transita bem. A grande questão é
a distribuição, é como fazer essa
produção chegar ao leitor. É um
desafio muito grande, muito gran-
de mesmo, que aí são anos e anos
de ausência de Política Pública, é aí
que a gente também vai levar déca-
das para conseguir atingir isso”.
O cordel é um fenômeno
social, uma literatura que é car- Maria Gislene, pesquisadora de cordel, trata da origem do cordel no nordeste e, ao lado, Paulo de Tarso com uma de suas obras
regada de informação e de crítica
social. Sua importância não pode
ser medida de maneira superficial literatura, isso porque ele foge ao do Nordeste, e que nessa articula- O cordel é um gênero li-
ou dentro de padrões formais da cânone literário. “Pois há espaço ção enquanto memória e tradição, terário que visibiliza e enaltece
literatura. Na verdade, o cordel para outras vozes além daquelas é também o espaço de circulação os referentes culturais e sociais
rompe com diversos cânones lite- que já têm um reconhecimento na de vozes e pensamentos, que nordestinos. É uma arte que nasce
rários. “É um texto opinativo em literatura, as vozes hegemônicas. É da nossa realidade e uma escrita
muitos momentos, então ele não é um espaço de circulação de vozes, que precisa ser mais valorizada,
é uma marca de memória nordesti- reconhecida em sua potenciali-
só literatura. Ele é um espaço em
na. Dessa forma, ele traz elementos
“A literatura de cordel, dade e diversidade. Dessa forma,
que as vozes de algumas pessoas,
de outras pessoas que estão além da vivência nordestina, não só do essa poesia popular, os depoimentos de cordelistas e
dos cânones, para circulação de Nordeste de sertão, mas do Nor- consegue levar para as pesquisadores deixam evidente
suas vozes. É o espaço em que as deste como um todo”, ressalta a pessoas a alegria, a graça, a necessidade de que as pessoas
pessoas podem criar, que as pesso- professora. a rima, a métrica e a precisam ler mais cordel. É nesse
as podem falar, que elas escolhem A pesquisadora Gislene Car- oração” gênero literário que a polifonia de
o que elas vão falar no cordel, valho destaca também que “a gran- vozes pode se fazer presente, para Gonzagão centenário (Cordel) - Autor: Paulo
elas escolhem os temas, escolhem de importância do cordel tá nesse além das vozes majoritárias, das de Tarso. O livro conta histórias sobre a vida
as abordagens”, explica Gislene lugar de ser um elemento cultural, vozes hegemônicas. O cordel abre e a obra de Luiz Gonzaga.
Carvalho. que carrega muitos elementos, tra- podem ser vozes literárias, vozes a possibilidade para que outras
O cordel tem uma impor- ços de memória, que é um fenô- jornalísticas, vozes opinativas histórias possam ser contadas e
tância significativa dentro da meno das tradições e diversidades podem ser as mais diversas”. escritas.
Arrocha

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18 ANO XIII. EDIÇÃO 45
IMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2022

FANFICTION
O mundo da escrita e leitura de fanfics é cheio de aventuras, romances, mistérios, choros e risos. Ao falar sobre esse segmento de escrita feita por fã é notório o universo democrático que o caracteriza

Um passeio pelo estilo da escrita de fanfics


RENATA LIMA

Com um celular na
mão e uma ideia
na cabeça, várias
histórias são criadas

EDUARDA ANCHIETA
ALICY TEIXEIRA

Editoras Independentes
O
que escrever numa matéria

O
sobre fanfiction? Talvez,
Maranhão, por conta do ra”. Tem uma grande preocupação
como qualquer jornalista
comércio de algodão, era com os escritores, isso porque a
que quer escrever histórias com os
bastante próspero durante dona é uma escritora, Nicoly Pa-
melhores finais possíveis, o bom
o Império e foi um dos primeiros checo, que conseguiu publicar sua
seria encontrar uma quantidade
estados a possuir uma tipografia. história Ele é “Como Rheya - Do R
boa de fontes, todas disponíveis,
Durante o lançamento dos primei- ao A”, com a ajuda dos seus fãs, que
com respostas que pudessem
ros poemas de Gonçalves Dias, em já acompanhavam como fanfic.
contemplar todas as perguntas da
1840, e a ida de Aluísio de Azevedo Mas antes de uma fanfic
repórter e, de quebra, que todo o
para o Rio de Janeiro, pode-se dizer tornar-se livro é necessário mu-
relato oral fosse complementado
que o Maranhão passava por seu dar algumas coisas: nome dos
com excelentes imagens. Essa, sem
período de ouro literário. personagens, local ou até mesmo
dúvida, é uma fanfic que diaria-
Neste período, havia muitos o enredo. Qualquer coisa que re-
mente os jornalistas criam em suas
desafios para publicar uma obra. meta a obra original deve ser tira-
mentes ao receberem uma pauta e
Primeiro que ela necessitava aten- da ou alterada para evitar a prá-
saírem às ruas para fazer apuração
der um grande público e segundo, tica do plágio e respeitar a lei n.º
de conteúdo.
que durante muito tempo as edito- 9.610/98, que afirma que a obra
O mundo das “fics”, como
ras prendiam-se a publicar grandes derivada “constitui criação inte-
pode ser chamado carinhosamen-
sucessos e, preferencialmente, de lectual nova, resulta da transfor-
te, surgiu em 1960, com “Jorna-
autores já renomados. Mas esse mação de obra originária” (artigo
da nas Estrelas”, uma série que
cenário mudou e, atualmente, no 5º, VIII, g).
passava na televisão e foi can-
Brasil, tem surgido várias editoras A editora Violeta já publi-
celada repentinamente. Mas foi
independentes. cou alguns livros que antes eram
nos anos 2000, com a internet e
Ensaio de Luisa Moreira e Soraya Souza para recordação e celebração da viagem casual Muitas editoras indepen- fanfics. Como por exemplo, “Eros
a geração de “Harry Potter”, que
dentes nascem com a proposta de à primeira vista”, de Ruth Olivei-
elas realmente ganharam força.
publicar histórias vindas do mun- ra. O livro conta com 568 pági-
Milhares de jovens e adolescentes editoras. “After” e “50 tons de cin- de Conclusão de Curso (TCC) na
do das fanfics. Exemplo dessa re- nas, um romance com drama, que
começaram a escrever suas pró- za” são exemplos de histórias que Universidade Estadual da Região
alidade são as editoras Violeta e trata da história do encontro de
prias versões das histórias e, nos começaram como uma fanfic e Tocantina do Maranhão (UEMA-
Euphoria. A editoria Violeta, por HaruGoo e Juno. É uma história
dias de hoje, é possível encontrar hoje já ocupam até mesmo as telas SUL), em 2018, sobre “A influência
exemplo, se apresenta como “uma que tem muita influência da mi-
aplicativos com Wattapad, Spirit, de cinema em todo o mundo. das Fanfics nas produções de texto
editora de livros nova e sonhado- tologia grega.
FanFiction, além de sites voltados Apesar de muitos jovens no Ensino Médio”, esse gênero pos-
para essa comunidade, que têm assumirem que gostam de criar sibilita uma escrita mais dinâmica, EDUARDA ANCHIETA

crescido cada vez mais a ponto de sua própria fanfic na cabeça, o “livre e sem muita cobrança da fi-
ser possível encontrar fanfiquei- processo de escrita não é nada gura professoral”. Para ela, a escrita
ros em toda região e lugar. fácil. Muitas vezes são criados de fanfic também é uma forma de
Atualmente, o seguimento outros personagens ou alguns alimentar a criatividade. Então, em
da fanfiction tem crescido bastan- personagens da história original aula com o público da Educação Bá-
te apesar do Governo não investir são deixados de lado. Tudo vai sica, propôs para seus alunos/as a
nesse tipo de produção literária. depender do gosto e da criativida- produção de textos sobre assuntos
Segundo o Sindicato Nacional dos de de quem escreve. O fanfiqueiro que gostavam:: “a proposta foi que
Editores de Livros (Snel), duran- tem autonomia para fazer a sua fizessem uma fic a partir de algo do
te a pandemia, o Brasil teve uma versão da história. Então, já que gosto deles.”. No final, trazer esse
alta de 48,5% nas vendas de livros. tudo depende da imaginação, não gênero para dentro da sala de aula
Além disso, mais de 70 milhões de é preciso se preocupar com a es- é uma ótima forma de desenvolver
histórias foram adaptadas pelos crita? Precisa sim, pois a escrita é e envolver os alunos, além de ser
fãs, muitos deles adolescentes, uma parte fundamental! possível observar a particularidade
jovens e até adultos, que criaram Para Deivanira Vasconcelos de cada um diante da imaginação,
sua própria versão de histórias Soares, professora e doutoranda em elemento fundamental quando fala-
Janayna Sousa, fã e leitora assídua de fanfics, lendo o livro físico “After”
famosas e foram publicadas em Letras, que já orientou um Trabalho mos de fanfics.
Arrocha

Jornal
ANO XIII. EDIÇÃO 45
IMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2022
19

HISTÓRIAS DE FICÇÃO
A fanfic é uma produção literária de ficção que estimula a troca e o compartilhamento de um fã para o outro. O universo tem construído suas próprias lógicas e regras de escrita

O universo da Fanfiction em Imperatriz RENATA LIMA

A Fanfic pelo olhar dos fanfiqueiros

Janayna Sousa

“Neste ano já li mais de 100 histórias. Gosto


muito de romances, suspense policial, dupla
identidade. São tantas as minhas histórias favo-
ritas. E eu já acompanhei uma que a escritora
demorava postar e eu ficava muito tensa espe-
rando. Às vezes até começava a criar versões do
que tinha acontecido na minha cabeça”.

Clara Teles

“Eu tenho 19 anos e gosto muito de ler fanfics


repetidas. Sempre que estou sem ter o que fazer,
leio. Já foram 50 fanfics só nesse ano. Eu consigo
viajar nas histórias, a minha favorita é Stupid
Wife, o triste é que é inspirado em pessoas reais
que não estão juntas. Gosto de ler romances e
meu aplicativo favorito é o Wattapad.”

Ana Maria Conceição do Nascimento

“Eu estou no segundo período de jornalismo,


comecei a ler HQ e depois, aos 12 anos, me
apaixonei pelo mundo das fanfics. Os romances
clichês me prendem porque eu imagino viver
um amor avassalador. Nunca me arrisquei es-
crever, mas todo final de semana eu tô viajando
em uma história.”

Isabella Franco

“Aos 14 anos comecei a escrever fanfics, era


muito fã de One Direction e lia muitas histórias
sobre eles e, em certo momento, decidi eu mes-
ma escrever sobre eles. A fic une pessoas. Estou
em um grupo de WhatsApp com algumas
meninas que nunca vi, cada uma é de um lugar
diferente do Brasil e, por sermos apaixonadas
pela mesma história, nos tornamos best’s “

Ayrton Souza

“Eu gostava muito de ler histórias sobre o Bem


10, quando pequeno, e quando eu falava de
fanfic com amigos homens, eles não viam muito
Artemisa Lopes e Laura Zacca, escritoras e entusiastas do universo da escrita de ficção, defendem a ideia de que ler e escrever fanfic é para todas as idades
bem e sempre rendia piadas, mas aí a gente co-
meçava a inventar histórias sobre as coisas que

E
m Imperatriz, duas jovens a profissão que quer seguir, ou histórias já existentes. Por conta gostávamos, e de repente, não tinha mais essas
que são apaixonadas por suas aptidões. E eu sempre tive da correria, Renata não tem piadas. Todo mundo se envolvia na brincadeira.”
teorias e versões de séries, a letra muito bonita e gostava de escrito muito. Mas algumas de
filmes e livros, uniram-se para ler e escrever. Tudo isso me levou suas fanfics possuem 77 mil vi-
construir um podcast voltado a área de Comunicação”, comple- sualizações no Wattapad. É uma Ana Gabriela Fonseca
para comentar seus pontos de menta Artemisa. coletânea de oneshots - histó-
vista de algumas obras. Artemisa Assim como Artemisa, rias curtas - sobre a série adoles- “Indicaria o Wattpad. Gosto muito de roman-
Lopes, 26 anos, e Laura Zacca, 27 que começou nos aplicativos de cente americana Teen Wolf. ces que se passam em um ambiente, que sou
anos, são formadas em Comuni- fanfics, como o Wattapad, e hoje Cada leitor tem suas fascinada, amo Rare as Blue, porém ainda tá em
cação Social pela Universidade produz podcast voltados para peculiaridades nas escolhas de andamento. Ela é sobre fórmula 1, por eu saber
Federal do Maranhão (UFMA) de esse mundo da literatura, sua leitura. Renata gosta de um esti- tudo da vida dos pilotos, do local onde eles
Imperatriz, e comandam o pod- parceira Laura, que também lia e lo que chama de healing - cura. estão, da atmosfera de competições, consigo me
cast “Luna SolisCast”. O podcast escrevia fanfics, está produzindo Um tipo de história que começa sentir lá dentro. Além do que quero trabalhar
pode ser ouvido pelo Spotify e os o seu primeiro livro: “Faltam dois com personagens machucados, com a área esportiva, consequentemente apren-
episódios saem todo sábado às capítulos que eu estou postergan- tristes ou amargurados e no do mais sobre os termos e até mesmo sobre a
19h30 da noite. do. Eu comecei na faculdade e fiz decorrer da história encontram vida pessoal dos pilotos.”
Para Artemisa Lopes, a uma pausa e depois mudanças na a cura e a felicidade.
fanfic é uma forma de se expres- obra”, declara. O livro que está No final da história, não é
sar e é feita para outras pessoas sendo produzido pela jornalista difícil falar sobre o gênero das Elizangela Almeida
que admiram a mesma obra. “A é um conto com um pouco de fanfics, na verdade não há difi-
fanfic é uma ficção de fã para fã”, mitologia, deuses e semi-deuses culdades em encontrar fontes. “Eu já tentei ler por meio de vários sites ou
afirma ela que desde muito nova com poderes. Os fanfiqueiros estão em todos aplicativos, mas o que mais me prendeu foi o
amava ler e às vezes até se arris- Do mesmo modo que Laura os cantos. Apenas, muitas vezes, wattapad. Gosto de ler hot, sobre lobisomens,
cava a escrever sua própria versão e Artemisa, Renata Rodrigues, 19 adormecidos ou provando de LGBTQIA+, terror, cientifico e de zumbi. A últi-
das histórias que lia. Os leitores anos, estudante de jornalismo outros gêneros literários. Mas ma fanfic que li é com os personagens do anime
de fanfic, em sua maioria, pos- da UFMA, considera que “dá seus é só falar de fanfic que eles se Haikyuu, ocorre em Tóquio. Os protagonistas
suem um senso crítico e acredi- pulos na escrita”, como ela mes- empolgam novamente e voltam a principais são o Kenma e a S/n, uma estudante
tam que sempre têm como melho- ma afirma. A escrita desse gênero sorrir, porque ler e escrever esse universitária. Eu amei ler essa história.”
rar um conto. “Eu acredito que digital parte do desejo de criar gênero faz parte da essência de CRÉDITO DAS FOTOS POR ORDEM:
desde pequena a pessoa já mostra seus próprios enredos a partir de cada um. FOTOS 1 E 2: EDUARDA ANCHIETA
FOTOS 3 A 7: RENATA LIMA
Arrocha

Jornal
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IMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2022

LITERATURA PRETA
A escrita e literatura negra no Maranhão: os desafios enfrentados pelos escritores e os processos de resistência e de reconhecimento a partir escrita própria

Quando o povo preto escreve...


PEDRO ÍTALO
ELENIR CASTRO apenas os homens tinham o direito da temática abolicionista.
de assinar o nome. As mulheres Os anos se passaram, mas

C
om uma população negra de viviam sob o regime autoritário de a valorização de obras escritas
56%, o Brasil tem sua histó- uma sociedade machista, racista e por intelectuais pretos permanece
ria marcada nos corpos de patriarcal, em um momento histó- insuficiente. De acordo com um
negros e negras arrancados de suas rico quando as mulheres apresen- levantamento realizado pelo Grupo
casas, tratados como animais, si- tavam sua arte, estilo de escrita e de Estudos da literatura Brasileira
lenciados e invisibilizados histori- inspiração através de um pseudôni- Contemporânea – grupo de pesqui-
camente, realidade que vem sendo mo. Muitas delas viveram anonima- sadores vinculados à Universidade
transformada e ressignificada há mente e ninguém jamais conheceu de Brasília (UnB) –, entre 2004
décadas pelo Movimento Negro as verdadeiras obras desses artistas. e 2014, apenas 2,5% dos autores
brasileiro. No que diz respeito a Por esses e outros motivos, Maria publicados não eram brancos. No
atuação da população negra em Firmina assinou a primeira edição mesmo período, apenas 6,9% dos
espaços de poder, vemos uma do seu romance “Úrsula”como personagens retratados em roman-
crescente participação em diversos “Uma Maranhense”. ces eram pretos e apenas 4,5 %
campos da sociedade, como aconte- O desenvolvimento intelectu- eram protagonistas da história.
ce na área da literatura. A literatu- al de Maria Firmina dos Reis e sua A falta de espaço em grandes
ra preta articula e difunde a visão história de vida são considerados Editoras e o racismo institucional
do cotidiano de negros e negras que muitas vezes desvaloriza a
com obras com denominadores produção intelectual negra, podem
comuns que vão além de gêneros, ser apontados como alguns dos
formatos, linguagem e temas. É “O ato da escrita, motivos para a menor presença
uma literatura que coloca em evi- especialmente no que da literatura negra em estantes de
dência, também, a reflexão social. diz respeito à trajetória livrarias.
Busca denunciar violências, opres- de vida, possibilita No Maranhão, segundo da-
sões e se configura como um lugar um processo de dos do IBGE (2019), cerca de 82,5%
de reconhecimento e de respeito da população se autodeclara como
para o povo preto.
construção pessoal e de negra. Imperatriz, que tem uma
A literatura negra nasce reconhecimento de si grande parcela de população negra,
com o objetivo de resistência, para como pessoa negra” apresenta um cenário literário
conscientizar, sensibilizar e acolher em que os brancos são a maioria.
aqueles que não se veem repre- A educadora e Coordenadora da
sentados em outros lugares. Isso Coordenação de Educação da Igual-
porque, na maioria das vezes, o pa- inusitados se comparados a outros dade Racial de Imperatriz (CEIRI/
pel do negro na literatura é quase escritores e personalidades de sua UREI), Eró Cunha, comenta: “É uma
imperceptível, também porque em época. história toda mesmo de tentati-
muitos clássicos da literatura, os A inquietação e o desconforto va de deslegitimar a produção da
pretos são marginalizados, estereo- levaram a maranhense a desenvol- literatura, trajetória, a vivência
tipados e violentados. ver mecanismos de escrita. Ela viu da população negra e isso tudo é
Com o intuito da resistência, e ouviu criticamente aqueles que resquício desse processo de colo-
surgiu a obra de Maria Firmina dos oprimiram, perseguiram e desuma- nização, dessa relação de opressão,
Reis, uma mulher negra que fez nizaram outros seres humanos. Viu de exploração desse corpo, dessa
uma revolução que mudou a his- e ouviu relatos de dor, sofrimento e presença negra em diferentes espa-
tória e a sociedade. Maria Firmina solidão em cativeiro, especialmente ços”.
escreveu numa época em que as choque emocional, físico e mental. Essa ação vem de anos em que
mulheres escritoras, poetisas, artis- Em 1859, Maria Firmina escre- negros eram vistos como seres infe-
tas não podiam assinar seus nomes veu o que foi considerado o primei- riores. Dentro da literatura nacional, Eró Cunha enfatiza a importância da inclusão e o respeito nas práticas escolares em todos os níveis
e não eram ativas na política. O ro romance escrito por uma mulher o povo preto foi retratado por sécu-
tempo as esqueceu. No século 19, no Brasil, “Úrsula”, que é percursor los através de muitos estereótipos. O também educador e militan- aversão a ler o escrito de pessoas
te do movimento negro em Impera- negras é o que pode ser identificado
PEDRO ÍTALO
triz, Davi Brandão, fala que a invi- no caso de Machado de Assis. Um
sibilidade da população negra vem escritor negro, mas que teve sua
do período da escravidão brasileira. negritude apagada. Machado de Assis
“A supremacia branca em todas as tem um grande feito história, e não
profissões, ainda permanece e tem só por ter sido um grande escritor
esse poder. Então nós, negros, temos de sua época, mas por ter fundado a
essa invisibilidade maior por causa Academia Brasileira de Letras”.
do nosso histórico, pela forma como Fausto Ricardo Silva, Mestre
foi construída a nossa sociedade. em Educação pela UFMA, argumenta
Quando vivemos quase 400 anos que o apagamento da produção in-
no regime de escravidão, e quando telectual de pessoas pretas “se dá de-
tivemos esse movimento abolicionis- vido a própria existência do racismo
ta, nós não tivemos uma reparação que, ao privilegiar uma cultura nacio-
social”, argumenta. nal, marcadamente branca, impossi-
Ao paramos para pensar no bilita que tenhamos acesso a escritas
que a cor da pele reflete em uma negras e indígenas. É o epistemicídio
sociedade que quer a todo custo que havia dito anteriormente. Somos
embranquecer suas raízes, é possível educados e educadas numa sociedade
compreender como a escrita apa- que difunde um único conhecimento
rece como uma porta de saída, um como correto e válido, e a educação,
lugar de resistência para que negros tanto quando a indústria gráfica
e negras escrevam suas histórias. alimenta esse sistema. Não tem como
Mas, muitas vezes, pelo processo culpabilizar as pessoas negras por
de apagamento histórico, alienação não lerem escritas negras, até porque
cultural e de “epistemicídio” das muitas vezes nem chegamos a conhe-
contribuições pretas para a socieda- cê-las”, finaliza.
de brasileira, o próprio povo preto Essa situação decorre da
acaba por desconhecer a presença de internalização da ideologia de que o
grandes escritores negros na literatu- “branqueamento” será a única forma
ra brasileira. de ganhar respeito e dignidade so-
cialmente. Estudos da área de saúde
A escrita preta em Imperatriz - As pessoas realizados em diferentes momentos
não têm o hábito de ler pessoas apontam para os negros como as
negras, desconhecem a produção maiores vítimas de discriminação
de escritores pretos. Trata-se de um explícita, são psicologicamente mais
reflexo perverso do racismo estru- vulneráveis ​​a desdobramentos mais
tural. Domingos Almeida, escritor comuns, como: ansiedade, ataques de
Imperatrizense, comenta sobre a pânico, depressão, crises de identi-
problemática do apagamento da pre- dade e distorções no autoconceito.
Davi Brandão é militante do Centro de Cultura Negra Negro Cosme de Imperatriz e estimula o conhecimento da produção de autores negros sença negra na escrita nacional. “Essa (Continua ...)
Arrocha

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ANO XIII. EDIÇÃO 45
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MARIA GABRIELA

CADERNOS NEGROS

C
adernos Negros é uma série em que borbulhavam movimentos
literária independente que de empoderamento e autoestima da
transmite textos afro-brasi- população negra. Com a libertação
leiros. A série foi idealizada por de Angola e Moçambique da coloni-
jovens estudantes que acreditaram zação europeia, movimentos como
no poder de conscientização, sensi- os Panteras Negras, Black is Be-
bilização e aceitação da literatura e autiful e Imprensa Negra Pau-
viram na poesia uma oportunidade lista, além de ecos do ativismo de
de expressar e divulgar adequada- Rosa Parks, Nelson Mandela, Abdias
mente a arte negra. Os cadernos do Nascimento, Beatriz Nascimento
visam combater a discriminação e Lélia Gonzalez. Como muitas ma-
racial e resistir no campo das letras rés que convergem na mesma dire-
de forma literária, social e política. ção, a onda de luta pela igualdade
Os cadernos negros nasceram se espalhou pelo mundo para lutar
na década de 1970 em uma situação contra a discriminação racial.

O jornalista e escritor Domingos Almeida tem um canal do Youtube chamado “Prosa de Pret@”, onde aborda conteúdos relacionados a pautas negras

Escrita da pele para a pele - Foi de compreensão e pertencimento muito se tem escrito e visibilizado
perguntado a um grupo de pro- racial. nesse campo epistemológico. E
fessores negros que trabalham em Quando falamos da escrita autoras e autores negros e negras
Imperatriz e região: a escrita ajuda como uma forma de aceitação, tem se destacado muito.”
no processo de reconhecimento estamos pontuando a prática de O epistemicício é usado para
pessoal? Uma pessoa pode se reco- usar o ponto de vista de uma pes- explicar que o contato de euro-
nhecer negra através da escrita? soa preta para contar uma histó- peus e povos indígenas e africanos
A psicóloga e mestra em educa- ria e isso traz ao leitor um novo criou desigualdades, diferenças,
ção, Lizandra Sodré, diz que “o ato sentimento, talvez uma reflexão violências e alienações. O branco
da escrita, especialmente no que sobre si mesmo, um acolhimento e europeu impôs hierarquias sociais
diz respeito à trajetória de vida, apoio para que possa se reconhe- que subordinavam, apagavam,
possibilita um processo de cons- cer negro. marginalizavam e roubavam as
trução pessoal e de reconhecimen- contribuições intelectuais e cultu-
to de si como pessoa negra. “Tentativa de deslegitimar rais afro-indígenas, impondo uma
Já para o Mestre em Educação, história única, a do colonizador.
a produção da literatura, Para Suzana Rossi, “por meio
Fausto Ricardo Silva Sousa, a es-
crita permite retratar a “realidade
trajetória, a vivência da de uma escrita, podemos realizar
vivenciada, rememorar aconteci- população negra e isso uma análise sobre os porquês “(...) As diferenças de estilo, concepções de litera-
mentos marcantes e refletir sobre tudo é resquício desse de determinadas situações acon-
nossas experiências de vida, que processo de colonização, tecerem, o que faz com que as tura, forma, nada disso pode mais ser um muro
possuem o racismo como marca- dessa relação de opressão, questões étnico-raciais sejam erguido entre aqueles que encontram na poesia
dor estrutural, nos leva a com- postas. Assim, uma pessoa negra
de exploração desse cor- que não se reconhece ao perceber um meio de expressão negra. Aqui se trata da
preender nossa negritude, nossa
po, dessa presença negra que muitos momentos de sua vida
condição de pessoas negras.”
em diferentes espaços” foram marcados por falas e ações
legítima defesa dos valores do povo negro. A po-
A autoaceitação é aceitar
nossos erros e nossos acertos. racistas, pode acabar passando esia como verdade, testemunha do nosso tempo.”
Se trata de poder reconhecer e Sônia Conceição, Mestranda por um processo de autorreconhe- Cadernos Negros 1, 1978
celebrar quem somos e buscar em Educação Profissional, acredi- cimento.”
mudar o que achamos necessário. ta que nós “temos na atualidade o A literatura preta nasce de um
Todos esses elementos interagem que se denomina “epistemicidio”, movimento de resistência e de re-
na construção de nossa autoima-
gem como pessoas pretas e fazem
termo abordado por mulheres
negras feministas, como Suely
existência, protagonizado por ne-
gros e negras para que as histórias VOCÊ TEM QUE LER!
parte da noção de autoestima. Carneiro, que trata do apagamen- possam ser contadas por aqueles
Para a professora Maria dos Reis, to ou ostracismo das e dos intelec- que a vivenciaram, narradas numa
a escrita contribui para o processo tuais negros e negras. No entanto, posição de primeira pessoa.
Arrocha

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22 ANO XIII. EDIÇÃO 45
IMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2022

LGBTQIAP+
Invisibilidade, silenciamento e marginalização LGBTQIAP+ na literatura brasileira: a importância de ressignificar as representações sobre a comunidade e do protagonismo político desses sujeitos
JÚLIA BRITO

Não somos nós


falando sobre nós

Karoline desenvolve estudos ligados diretamente aos sujeitos que integram a comunidade LGBTQIA +. Dessa maneira, tem lutado pela igualdade e o respeito aos direitos básicos

JEAN QUEIROZ
VENILSON SOUSA vou ter interesse em escrever? Por marginalizados socialmente.
que vou escrever sendo uma pessoa Jean Pierr trabalha com

“A
escrita é a libertação, é assumidamente LGBTQIAP+? Parece questões relacionadas ao ativismo
um espaço que você pode que não há espaço para esse tipo LGBTQIAP+, atuando na formação
utilizar a criatividade para de produção, então precisamos de política através de apresentações
discutir temas que muitas vezes uma mudança na sociedade”, afirma em Rodas de Conversa e Seminários
são reprimidos no cotidiano e na Alvarenga. (Universidade, escolas públicas e ati-
oralidade. Então você pode utilizar Uma mudança estrutural da vidades do Coletivo LGBT ArcoITZ).
a escrita como um escape para fugir sociedade é urgente para que as pes- O estudante de sociologia faz leitu-
dessa realidade que pode ser tão soas LGBTQIAP+ deixem de ser vistas ras que se conectam às suas próprias
massacrante.” A frase é de Karolly- como objetos e passem a ser com- vivências enquanto pessoa gay. Por
ne Silva Ferraz, 25 anos, advogada, preendidas como sujeitos de suas isso, indica o livro “Direitos em Dis-
que tem a escrita inserida na sua próprias histórias. puta - LGBTI+: Poder e Diferença no
vida em diversos campos: acadêmi- Brasil Contemporâneo”, da autora
co, dentro da sua atuação profissio- A escrita como estratégia de luta Regina Facchini. Este, em especial,
nal e na militância nos movimentos “A escrita é primordial para que se ele lê para pensar e repensar as lutas
sociais. possa elaborar estratégias de luta, por direito e saúde.
A escrita pode ser um ato de resistência e formação política da Pierr expôs, ainda, que suas
libertação, mas também pode ser comunidade LGBTQIAP+. Digo isto, leituras o ajudam a contribuir com
elitista e limitadora. Em muitos ca- porque nós, LGBT’s, somos uma o coletivo LGBTQIAP+ de Imperatriz,
sos, exclui a população LGBTQIAP+, parcela da sociedade carente de considerando o fortalecimento do
que está inserida em contexto de conhecimento”, declarou Jean Pierr, corpo coletivo e a construção de uma
vulnerabilidade e, por conta disso, 39 anos, estudante de Sociologia na visão crítica do espaço municipal, na
acaba não acessando esses espaços, Universidade Federal do Maranhão, identificação de opressões e violên-
não conseguindo discutir temas escritor que integra a comunidade. cias homofóbicas. Ele reitera que
que são da sua própria realidade. Os sujeitos LGBT’s muitas vezes não muitas pessoas da cidade maranhen-
De acordo com Karoline, na escrita têm o reconhecimento merecido por se dizem nunca ter sofrido LGBTfo-
Ricardo Alvarenga, escritor universitário e jornalista, professor visitante na UFMA
acadêmica não é diferente, pois a vários motivos: primeiro, por conta bia. No entanto, para Pierr, existem
representação que existe vem do sobre nós, não somos nós falando ção ainda muito pequena, tanto do da homofobia. Segundo, por serem preconceitos diários na cidade.
outro. Em alguns livros dentro do das nossas demandas, dos proble- ponto de vista dos temas de pessoas ACERVO PESSOAL
Direito, sua área de atuação, por mas que a gente enfrenta”. Ka- trabalhando com o tema LGBTQIAP+,
exemplo, a temática LGBTQIAP+ é roline reflete que as experiências quanto de pessoas que publicamente
escrita por pessoas cisgêneras hete- LGBTQIAP+ são faladas em terceira tenham essa representação da sua
rossexuais, que acabam ocupando o pessoa, partem de escritos de outras orientação sexual”, nessa declaração,
local de fala dessa comunidade. pessoas que não têm essa vivência, Ricardo Alvarenga, 30 anos, profes-
Ainda trazendo pontos cita- o que acaba tirando o protagonis- sor universitário e jornalista, dialoga
dos pela advogada que ressoam em com o depoimento de Karoline. Ele
torno da oportunidade de crescer também acredita que assim como
no ramo da escrita acadêmica, não “Não somos nós falando em outros âmbitos da sociedade,
existe estímulo para que temas sobre nós, não somos ser uma pessoa lgbtqia+ dentro da
voltados à população LGBTQIAP+ Academia ainda é um grande tabu.
sejam mais discutidos. Pois a co-
nós falando das nossas
Apesar do tema ser tratado com mais
munidade é colocada à margem da demandas, dos problemas naturalidade, ainda não é o suficiente
sociedade. A sexualidade e o gênero que a gente enfrenta” para se dizer que isso é uma questão
ainda são tabus sociais e temas não resolvida.
estimulados a serem discutidos Para o professor e pesqui-
dentro das escolas e Universidades. mo da comunidade, que de fato sador, a primeira mudança que a
Nos espaços educacionais, as vive as opressões diárias, que tem sociedade precisa ter é na forma de
pessoas LGBTs sofrem processos capacidade e qualificação suficiente compreender o sujeito. O preconceito
violentos de opressão para tentar para falar das demandas e reivindi- que existe contra os membros da co-
se adequar às normas sociais. Não é cações de forma técnica e acadêmi- munidade lgbtqia + é muito grande.
comum ver muitos textos acadêmi- ca. Posto isso, tem uma discussão Isso acaba gerando um constran-
cos que trabalham e que trazem a na Academia sobre ser sujeito ou gimento e um fechamento para as
perspectiva da primeira pessoa, do objeto de estudo. Em muitas publi- possibilidades de crescimento. “Então
indivíduo falando da sua realidade, cações, a comunidade LGBTQIAP+ é se eu cresço em uma sociedade que
em espaço de protagonismo. reduzida a objeto de estudo. não me valoriza, que não valoriza mi-
“Não somos nós falando “Eu sinto uma representa- nha fala, minhas ideias, por que que Jean Pierr, escritor e ativista LGBTQIAP+. Através da militância busca conscientizar e cobrar direitos
Arrocha

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ANO XIII. EDIÇÃO 45
IMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2022
23

ESCRITA SITUADA
Invisibilidade e marginalização LGBTQIAP+ na literatura brasileira: a importância de ressignificar as representações sobre a comunidade e de reconhecer o lugar de protagonismo através da escrita

Quando nós escrevemos sobre nós ARQUIVO PESSOAL GABRIEL SEVERINO


VENILSON SOUSA

O
reconhecimento da di-
versidade no campo da
literatura levou décadas
para ser efetivado, de forma que a
arte da palavra também passasse
a ser considerada um ato políti-
co. Essas escritas expressam, nos
dias atuais, as dificuldades e a
heterogeneidade sexual existente
no Brasil, expondo preconceitos,
silenciamentos e invisibilidades
dos sujeitos, com interferências
de gênero, classe e raça.
Sabemos que na verdade
não é a representação que inco-
moda, mas o modo como ela se
mostra: o gay sendo motivo de
chacota, a lésbica estereotipada
e sexualizada, travestis e pessoas
trans que são marginalizadas,
colocadas como prostitutas e
ridicularizadas. O que incomoda,
para muitos, é a humanização
dessas pessoas; é a possibilidade
de encará-las como protagonistas
e como espelho.
A importância de ressigni-
ficar as representações sobre a
comunidade LGBTQIAP+ tem sido
uma reflexão constante na Uni-
versidade através da produção de
investigações científicas. É o caso
de Gabriel Severino, 25 anos, for-
mado em Comunicação Social- Jor-
nalismo pela Universidade Federal
do Maranhão, mestrando pela
mesma instituição. Seu estudo é
uma extensão da Graduação no
qual analisou a representatividade
da comunidade LGBTQIAP+ em
jornais impressos no Maranhão.
No entanto, ele ainda sentia a ne-
cessidade de entender mais sobre
a representatividade em outros
meios ou plataformas de comuni-
cação, então, no Mestrado, Severi-
no decidiu estender sua pesquisa
para a ficção seriada.
A Dissertação de Gabriel é
voltada para compreender como
se dá a representação da comuni-
dade em produtos audiovisuais,
tendo como objeto principal o
seriado “Pose”, que está disponível
na Netflix. “Para além de ser seria-
do que tem essa representativida-
de, pois tem personagens e atores
e atrizes que são da comunidade,
ele se passa em um momento
onde o movimento lgbtqia+ teve
força muito grande na década de
70 e 80 pois nesse momento teve
o surto da AIDS e o movimento
tomou forma, até mesmo após Gabriel Severino, de 25 anos, formado em Comunicação Social-Jornalismo pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e faz mestrado na mesma instituição
A Rebelião de Stonewall. Então,
entender como os atores fazem
parte e representam ali a socieda- evoluído bastante, as pessoas LGB- ele entrevistou homens trans e estereotipadas. Mas, nem por isso,
de é interessante principalmente TQIAP+ ainda são ignoradas e tira- transmasculinos de várias partes fará com que o processo reflexivo
pensando nesse contexto histórico das dos seus locais de protagonis- do Brasil via vídeo e áudio, e tam- iniciado com a leitura deixe de au-
político e social que a série tem”. mo. Mayran pontua que ainda são bém agregou experiências próprias xiliar na compreensão de uma de-
Por outro lado, Luiz Gus- invisibilizados pois nomes como para contar situações cotidianas, terminada realidade, contribuindo
tavo Mayran, homem trans, 32 João W. Nery, Amara Moira, Vange a partir desses relatos. Da comédia para a construção da representa-
anos, professor, revisor e escritor, Leonel, Poeta JoMaka, Kika Sena, “A invisibilidade e a à tragédia, o susto, a surpresa, o tividade e empoderamento. Assim
utiliza a literatura para expressar seguem invisíveis no grande cená- amor, o sexo, a gratidão. A obra de fazendo com que o leitor tenha
sua vivência e de outras pessoas rio, na grande crítica - com exce-
falta de investimento Mayran vai abranger um pouco de proximidade com as diferenças e
da comunidade. Ele tem a escrita ção da última. “Muito se ouviu são as maiores tudo. O lançamento está previsto as semelhanças das problemáticas
inserida na sua vida através da falar de Oscar Wilde, por exemplo, dificuldades enfrentadas para 2023, antes de novembro. vividas pela comunidade, possi-
sua comunicação e na forma dele mas não sabem que ele foi preso por essa comunidade, A escrita é uma expansão bilitando a convivência em um
se reconhecer e alocar enquanto por ser gay e morreu pouco depois principalmente ao acesso de horizontes, uma vez que é a mundo diverso.
indivíduo. O escritor expõe que a disso. Há um apagamento que é a agentes literários e às partir da leitura que os sujeitos A Comunidade LGBTQIAP+
invisibilidade e a falta de investi- proporcional à resistência. Segui- absorvem conhecimentos para tem voz, mas essas vozes ainda
mento são as maiores dificuldades mos escrevendo através das eras”,
editoras. “ Luiz Gustavo desenvolver diversos pensamentos não estão nos principais palcos.
enfrentadas por essa comunidade, relatou Luiz Gustavo. Mayran sociais e críticos. Na literatura fic- É preciso pensar em formas de
principalmente ao acesso a agen- Mayran está escrevendo uma cional podem aparecer histórias, fortalecer a presença de pessoas
tes literários e às editoras. Tam- coletânea de contos que visa prota- fatos e vivências, utilizando da gays, lésbicas, trans, travestis,
bém, é claro, o interesse destas em gonizar as vivências, experiências e liberdade narrativa para a criação entre outras, nas grandes editoras
produzir e lançar o trabalho deles. expressões pela ótica transmascu- de personagens que darão vida a e entre as principais obras publi-
Apesar da sociedade ter lina - ‘Transeuntes’. Neste projeto, estes contos de maneira menos cadas no país.
Arrocha

Jornal
24 ANO XIII. EDIÇÃO 45
IMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2022

LITERATURA INDÍGENA
Uma educação plural, respeitosa e interessada: a busca pelo respeito à diversidade étnica, para visibilizar as vozes de povos que foram marginalizados e silenciados historicamente

Pelos caminhos da literatura e da escrita


LARA CASTRO

As serpentes que roubaram a


noite e outros mitos

Escrito por Daniel Munduruku e ilustrado


pelas crianças da aldeia Katõ, “As serpen-
tes que roubaram a noite e outros mitos”
é um livro feito de mitos contados pelos
mais velhos da aldeia. São histórias con-
tadas e recontadas às crianças indígenas
como forma de despertar nelas o amor
pela própria história e pelas lutas de seu
povo. A obra faz parte da “Coleção Me-
mórias Ancestrais”, da editora Peirópolis.

Professora Walquiria Lima e seus alunos no projeto de leitura de poemas indígenas no salão do livro de Impeatriz- MA 2022
Coração na aldeia, pés no
mundo
CLEIDE SANTOS Costa, intitulado “Pelos caminhos da de se trabalhar essas literaturas é
É um cordel escrito por Auritha Ta-
literatura e escrita indígena na educa- que damos voz e visibilidade a esses

A
braçar a docência é abraçar bajara, a primeira mulher indígena no
ção básica”. Por meio desse projeto, povos que são esquecidos, que são
muitos mundos e sonhos. É Brasil a publicar um livro em forma-
as crianças têm a oportunidade de discriminados, que são estereotipa-
participar do processo indi- to de cordel, no qual a autora narra sua
conhecer as mais diversas histórias e dos. E a gente volta a dar o direito de-
vidual e coletivo da aprendizagem, história em três momentos: primeiro
narrativas indígenas. les de serem quem são, os primeiros
do caminhar do aluno. Abraçar a retrata a questão identitária como mu-
O projeto é realizado na Escola povos originários do Brasil”, afirma
docência também é se colocar como lher indígena, depois apresenta a sua
Municipal Pedro Abreu, localizada na Walquiria Lima.
um eterno aprendiz que busca novos jornada nas grandes cidades e a busca
Vila Fiquene, com alunos do sétimo O projeto vai ao encontro da
textos literários, novas metodologias pelo reconhecimento como mulher e,
e oitavo ano, na disciplina de Lite- Lei 11.645/08 que torna obrigatório
e que sempre procura inovar para por fim, traz a luta contra a violência e
ratura. Durante todo o ano letivo os o estudo da história e cultura indí-
que sua aula saia do comodismo. o seu entendimento como LGBTQIA+.
gena e afro-brasileira nas escolas de
Nesse contexto, trabalhar a Ensino Fundamental e Médio. O en-
literatura dos povos tradicionais sino da literatura indígena tem sido
brasileiros é trazer oportunidades “Um novo olhar para implementado também nas unidades
para estudantes da Educação Básica. com aqueles que são escolares “Maria Evangelista de Sou-
Um novo olhar para com aqueles que os primeiros povos do sa” e no “Centro de Ensino Raimundo A Oncinha Lili
são os primeiros povos do país, apre- país” Soares da Cunha”, ambas também da
sentando sua cultura, seus saberes cidade de Imperatriz/ Maranhão.
e tradições, por meio das narrativas Para facilitar essa jornada, Escrito por Cristino Wapichana é
contadas pelos próprios indígenas estudantes leem e debatem sobre os montamos uma lista com 3 livros um convidativo para pais e professo-
em suas obras. Mediadas pelo profes- poemas e desmistificam os conceitos para você conhecer um pouco mais res trabalharem com os pequeninos.
sor, a experiência possibilita à crian- da escrita, da cultura e da vivência sobre a literatura indígena. Lendo Conta a história da bela oncinha Lili e
ça conhecer os mais diversos povos dos povos originários. Portanto, é obras de autoria indígena, além do sua família, com colagens lindas e di-
tradicionais do Brasil e, com isso, a partir desse contato diário com acesso a outras narrativas que fogem vertidas. Mostra como um filhote de
levar o estudante a refletir sobre o textos literários que os estudantes do padrão branco e europeu, você onça vive, seu lar e seus familiares.
seu contexto familiar e a sua relação vão aprimorando o seu pensar, o seu terá mais oportunidades de entender
com o meio ambiente. agir e o seu convívio social, pois a as urgências da luta dos povos tradi-
Assim, surgiu o projeto da literatura permite que todos sejam cionais e contribuir ainda mais para
professora mestra Walquiria Lima da vistos com igualdade. “A importância a luta antirracista.

A escrita indígena nas redes


SARAH ROCHA
nicação entre os povos indígenas
CLEIDE SANTOS Kelly faz parte do Coletivo de era complicado, já que ainda exis-
Mulheres indígenas “AMIGA”, tem “povos isolados”. Mas, atual-

A
lém das formas tradi- e do movimento “Juventude da mente, a comunicação possibilita-
cionais de escritas po- Terra Indígena Araribóia”, onde da pelas redes sociais faz com que
tencializadas em livros está fixado seu povo na cida- vários comunicadores de diversos
acadêmicos e de literatura, a de de Amarante/Maranhão. É territórios indígenas possam ocu-
escrita através das redes sociais integrante da equipe do Mídia par o espaço digital para visibi-
vem se tornando uma realida- Índia há 4 anos e colunista do lizar suas lutas e necessidades.
de para visibilizar a cultura e a “Terra Nós”, site parceiro do Mí- “O Mídia Índia hoje é for-
demanda dos povos indígenas. dia Índia e idealizado pela ope- mado por 16 líderes. Mas temos
Nesse sentido, a rede “Mí- radora Vivo, que traz notícias e colaboradores que são de etnias
dia Índia” é um Coletivo forma- entretenimento através de víde- diferentes, de estados diferen-
do por indígenas de diversas os e reportagens. É uma versão tes. Então essa comunicação de
comunidades, regiões e povos, voltada para o público juvenil. fotos de pessoas do Pará, escrita
protagonizada por jovens in- “Para mim é muito impor- de pessoas do Maranhão, cria-
dígenas que contribuem para tante debater as pautas sobre ção de conteúdos de pessoas do
romper com uma comunicação a valorização da cultura, da es- Amazônia e outros estados, faz
hegemônica e não participati- crita dos nossos povos e da de- com que criemos uma união e
va. Um dos maiores objetivos da marcação de terra e preservação que a gente saiba e aprenda a fa-
Mídia Índia é a garantia de uma do meio ambiente”. Kelly Gua- lar em uma só língua dos nossos
comunicação representativa. jajara argumenta que a tecno- ancestrais e não venhamos per-
Na cidade de Imperatriz/ logia tem sido um dos maiores der a nossa identidade”, informa.
Maranhão, a social media Kelly suportes para os povos indíge- A pauta mais debatida pelo
Bone Guajajara, 26, sobrinha nas, porque permite conectar Mídia Índia é a valorização da cul-
de Sônia Guajajara, liderança não só um povo, mas todos os tura e da escrita dos povos originá-
indígena eleita deputada fede- povos, com um único intuito. rios e a demarcação de terras, além
ral pelo estado de São Paulo. Segundo ela, antes a comu- Kelly Guajajara apresentando site Mídia Índia de poemas escritos por indígenas da preservação do meio ambiente.

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