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Julho & Agosto | 1

Smá
uSu
FICHA TÉCNICA
Conselho Editorial
Luefe Khayari
Mário Henriques
ANO 03|19 ED.07
JUNHO & JULHO
A revista Palavra & Arte


Oliveira Prazeres
É um projecto indenpendente que surge com intuito

riorio
Revisão de divulgar toda produção artístico-cultural feita
Mário Henriques por artistas angolanos (residentes ou não no terri-
tório nacional), tirando-os do anonimato e promo-
Design & Diagramação vendo todas as formas de manifestações artísticas
Oliveira Prazeres de jovens que procuram se expressar através da
sua arte. Pretendemos, assim, ser capazes de res-
Selecção de fotos p/ Portfólio ponder a demanda de espaços capazes de abordar
Allicia Santos| Vienws of Angola temas do nosso raio de actuação com a maturida-
de e seriedade que se exige, contribuindo dessa for-
Colaboração ma para a divulgação artístico-cultural angolana.
Editorial| 03 Dias Neto
Kaz Mufuma
Cronicando: O decadente ensino da Nelson Malamba Palavra&Arte | Editorial
literatura em Angola| 66 Nelson Paim
A nova edição da Palavra&Arte chega para cobrir o vazio deixado por um ano de
Entredanças: O que será identidade| 66 Medias Sociais & Contacto estiagem desde que saiu a última edição. O lago do tempo que separa esta edição da
facebook.com / revistapalavraearte última foi preenchido por diversas promessas não cumpridas, bem como de perda
Estilos & Cores: Afrofuturismo | 66 instagram.com / palavraearte de interesse de pessoas que se haviam comprometido com a revista. Desilusões,
twitter.com / palavraearte
Proposta Literária: Através da chuva, dores de cabeça e socos no estômago foram desmedidos, mas não nos fizeram per-
+244 991 276 972
mundos que se cruzam | 66 der o ânimo que tem catalisado, desde o começo, a nossa perseverança e que tem
Redacção nos levado a agraciar leitores, novos e velhos, cultores e amantes da arte com aquilo
Dossier: Kuduro, do gueto para o mundo, redaccao@palavraearte.co.ao que amamos fazer, falar de arte, impulsionar o poderio cultural que existe em Ango-
la e expressar um desmedido apoio à contínua busca pela identidade de um povo
o estilo que rompeu barreiras| 66
Publicidade que, entre diversos e distintos trambolhões sociais, se desconhece cada vez mais.
publicidade@palavraearte.co.ao
Portfólio: Angola um recanto do mundo Tal como a Palavra&Arte, o tema que há meses vem sendo cozinhado para
que vale a pena conhecer| 66 É proibida a reprodução total ou esta edição já foi trucidado, menosprezado, humilhado, invejado, imitado, adap-
parcial desta publicação, para tado, enfim, tantos adjectivos que poderiam justificar a sua extinção, mas aí
Ensaio: A dicotomia entre onomástica quaisquer fins, sem prévia autori- está, a continuar a dar a volta por cima, a vencer barreiras e a mostrar que, onde
zação. quer que vá, representa uma identidade, desde as periferias aos centros ur-
antroponímica como meio de manifestação
banos, do mundo real ao virtual e vice-versa, ou seja, sempre a se reinventar,
cultural e como meio de expressão cultural Site tal como há quase três décadas tem sido com os seus fazedores. Isso é kuduro!
www.palavraearte.co.ao
| 66 Mais que um estilo de música, de dança, kuduro é um estilo de vida, algo que
Baixe grátis a revista e o suplemen-
Faça com Estilo: Como criar um grupo carna- to semanal representa a identidade de quem o faz e, em diversas circunstâncias, de quem o
ouve, dança e aprecia. Ainda não recebe dos líderes culturais o merecido reconheci-
valesco | 66
Visite o nosso site e tenha acesso a mento, porque “somos tão cegos que nem vemos que ‘os de fora’ estão a dar mais
Entidades: Museu da Moeda | 66 todas matérias publicadas importância aos ritmos africanos, mais especificamente, ao angolano, do que nós
nas edições anteriores
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próprios” (Aneth Silva). Kuduro tem sido uma vítima da pouca importância que o angolano dá
naquilo que é de sua própria origem, embora tenha sido criado da fusão de outros estilos,
AQUI PODERÁS LER ARTIGOS QUE TRAZEM UM
como vários outros estilos predominantes no mundo, mas que seus países bateram no peito OLHAR DIFERENTE SOBRE A PRODUÇÃO ARTÍSTICA E
e assumiram: é nosso! É um pouco disso, além de muitas outras coisas, que falta no kuduro,
como a coragem e admitir que faz parte do nosso ser e, que de um modo ou doutro, trará
CULTURAL ANGOLANA
sempre resquícios da nossa identidade, e, “Apesar das críticas e definições menos boas, o
estilo jamais poderá ser descartado da nossa vivência, pois é a maior bandeira cultural do
nosso país e continuará a ser, pelo menos por mais alguns anos” (Masundidi Nsangu Landa).
Como se sabe, “cada etnia tem a sua própria identidade, mundividência e, consequente-
mente, uma expressão cultural única, apesar de haver muita fonte de convergência e ponto
de diálogo entre elas” (Isis Hembe de Oliveira). Nesta edição, e como em todas as anteriores,
damos foco a identidade. Fizemo-lo através de uma análise social onde o questionamento
principal é o estado do ensino da literatura em Angola. Na referida análise, referimos como a
educação, de modo geral, no nosso país tem trilhado, por longos anos, caminhos espinhosos
que não se sabe ao certo aonde nos levará, e, com a literatura, de modo particular, tem sido
pior. O olhar sobre a identidade é visto ao falarmos de algo presente em diversas formas de
arte para manter vivo o espírito cultural africano, Afrofuturismo. A esta altura, leitores e segui-
dores da Palavra&Arte já devem ter percebido que em nossos temas cruzam sempre, de um
modo ou de outro, assuntos que abordam a identidade. Falar de identidade, das característi-
cas que um grupo, uma entidade ou uma pessoa possui e realçar a sua importância, é uma das
premissas que nos impulsiona a continuar a fazer a revista. Falar da continuidade dos vários
aspectos identitários que fazem um povo dá-nos a plena certeza de que o trilho que decidi-
mos fazer vale a pena ou, doutro modo, não teríamos como convidar o mundo a conhecer An-
gola, esta terra que “é fresca, é viva, tem o som dos pássaros pela manhã, dá para sentir toda
galáxia no fim do dia, bem debaixo dos nossos narizes a partir de cada recanto (Allicia Santos).
Uma vez mais, pela Palavra e pela Arte, damos o rosto e mostramos que, por mais que nos im-
ponham a desistir, com cada barreira, com cada comentário maldoso, destrutivo, com portas
e janelas a serem fechadas, após sete edições, já deve ser evidente que não estamos cá para de-
sistir tão cedo, para ceder a ímpetos negativos. A nossa palavra é a nossa arte e, como o kuduro,
“é uma espécie de catarse individual ou colectiva, [onde] através das letras podemos vislum-
brar toda uma geração que sonha, que sobrevive aos dramas existenciais” (Cláudio Kimahenda).
Sem soberba, podemos afirmar que, no final desta década, a Palavra&Arte estará marcada
como o maior recanto, completamente independente, de linguagem exclusivamente artística
e cultural, feito apenas por jovens. E mesmo que não for, contentar-nos-á saber que, apesar
de nossos recursos bastante limitados, sem qualquer apoio particular ou institucional, contri-
buímos para a busca de alguma felicidade para o nosso povo. Porque, parafraseando um dos
Pais do kuduro, “Felicidade todos nós queremos” (Sebem), seja ela social, cultural ou artística. BAIXE E LEIA AS EDIÇÕES DA NOSSA REVISTA
Luefe Khayari, EM: HTTP://PALAVRAEARTE.CO.AO
Coordenador Editorial

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Cronicando |06

estudaram alguma obra e que nem, se- to pela leitura nele sendo o exemplo.
quer, dão importância a isso. Isso é grave!
Creio que a cultura do livro deve ser
O decadente ensino O estudo da Literatura, além de todo
o conhecimento cultural que nos pro-
construída em grande parte na escola,
através dos professores, e, para isso,
porciona, permite desenvolver nossa estes precisam estar capacitados. As
da literatura em Angola capacidade de raciocinar, de analisar e
discutir ideias, livrando-nos de sermos
políticas de educação direccionadas ao
estudo da Literatura Angolana e Univer-
Texto: Leopoldina Fekayamãle | pessoas passivas e que mal sabem de- sal também contam para construção da
fender uma opinião ou estruturar um cultura de leitura, bem como as políticas
discurso em condições. A Literatura é para a formação dos professores de Li-

F
alar sobre o estado da educação no Literatura – Ensino da Literatura Ango- uma forte fonte de desenvolvimento das teratura. Também conta muito as po-
contexto angolano é um assunto lana e da própria Literatura Universal. nossas capacidades intelectuais e uma líticas de estado para o acesso ao livro
que levanta sempre muitas ques- O ensino da Literatura tem sido alvo de potencial forma de aperfeiçoarmos as e nisso, infelizmente, ainda temos um
tões e traz inúmeros debates. E apesar “adaptações”. Temos um grande núme- nossas habilidades de comunicação tan- longo caminho a percorrer, porque con-
das divergências, dos pontos a favor e/ou ro de professores não formados nes- to na escrita como na fala. E todo esse seguir livros e a preços acessíveis não
contra, há sempre um ponto convergente: ta área que leccionam esta disciplina. desenvolvimento das nossas capacida- é das coisas mais fáceis no nosso país.
a qualidade. A qualidade, tanto de muitos Destes, numa escala de 1 a 100%, 10% des intelectuais ajuda-nos a lidar com
professores como de uma grande percen- entendem Literatura. E estes fazem as diferentes situações da vida diária. Portanto, por tudo isso, pelo tipo
tagem de alunos, deixa muito a desejar. parte do conjunto de professores aos de cidadãos e profissionais que que-
quais se atribuiu a responsabilidade Com professores não formados e remos, creio ser necessário que todos
O estado da educação em Angola é, de de ensinar esta disciplina ou cadeira. “adaptados” que não sabem a impor- nós, desde as instituições que definem
uma forma geral e em todos os níveis, tância dos livros, da leitura, da escri- as grandes políticas de educação até
preocupante. Estou consciente de que, Creio que alguns dos graves proble- ta e da Literatura de uma forma geral, às instituições que definem as peque-
enquanto pessoas, somos o resultado mas relativamente à falta de leitura, ao como teremos alunos a ler? Como ire- nas, pensemos em que ponto estamos
de um conjunto de conhecimentos que fraco conhecimento sobre a nossa cul- mos superar as dificuldades que temos relativamente à educação tanto gene-
abrange várias áreas científicas. A nossa tura, à falta de conhecimento sobre os relativamente à leitura? É mais fácil en- ricamente como em áreas específicas.
formação e construção da carreira pro- escritores e suas obras e a forma como sinar o aluno a ler ou despertar o gos-
fissional têm participação em um pouco estes marcaram nossa história enquan-
de tudo. E, nisto, a escola tem um papel to nação são resultados da péssima for-
fundamental, pois é nela onde temos o mação e pouca informação que recebe-
primeiro contacto (de uma forma geral) mos na escola sobre Literatura. Como
com as diversas áreas do conhecimento ganhar gosto pela leitura com professo-
e, desse contacto, descobrimos, muitas res que não leram, sequer, um livro na
vezes, a nossa inclinação ou aptidão para vida? Como aprender sobre a importân-
seguir determinada carreira profissional. cia da leitura e da Literatura tanto na-
cional como universal com professores
Entretanto, o que me proponho que também não sabem sobre isso e, às
abordar aqui e o que mais me preo- vezes, nem se esforçam para passar aos
cupa não é o estado da nossa edu- alunos os conhecimentos adequados?
cação, genericamente – não que isso
não seja importante, que não se enten- Existem muitos professores de Litera-
da assim –, mas é o estado da nossa tura que não sabem como estudar uma
educação relativamente ao ensino da obra literária com os alunos, que nunca

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E n t r e Da n ç a s
Desenho representando um lugar na floresta
onde abundam frutos e animais
O QUE SERÁ IDENTIDADE? diversos estilos de dança sofrem alterações
com a internacionalização. Mas todos es-
ses outros estilos, como o tango, a salsa, a
Sonas são normalmente gráficos deliniáveis que podem valsa, por exemplo, são estilos que se sabe
ser desenhados sem levantar o dedo ou passar duas exactamente de que países saem, qual é o
vezes na mesma linha. Para fazer um lusona, o artista jeito tradicional (clássico) de dançar e que
começa por alisar a areia e passar com a ponta dos dedos alterações sofrem em competições; infe-
para criar uma grelha de pontos equidistantes, chamados lizmente não podemos dizer o mesmo do
tobe, que servem como suporte para o lusona. Ao lado Kuduro, do Semba e da Kizomba.
temos uma grelha de tobe e desenho final que
representa a A mizade principal. Um grande motivo de orgulho, A grande questão dessa história toda é:
onde estão os órgãos de direito, nomeada-
é verdade!
Tenho dito que é maravilhoso ver a inter- mente o Ministério da Cultura, para registar
nacionalização das nossas danças, por- as nossas danças?
Texto: Aneth Silva | que, através destas, mais pessoas, vindas Para dizer que temos identidade cultural,
de todos os cantos do mundo, terão temos de conseguir partilhar patrimónios
Poderia circular em meio a palavras pom- conhecer a alguém que tenha vindo dar um curiosidade e oportunidade de se deslo- que simbolizem verdadeiramente a nossa
posas, longas, mas directas, para tentar passeio por essas bandas ou quando des- carem para cá, e, assim, reconhecer e ala- nação, ou melhor, temos de compreender a
explicar este conceito… mas vou aqui reco- locámo-nos para terras do alheio e países vancar a carreira de jovens artistas ango- constituição dessa identidade.
rrer ao dicionário para responder a essa, do primeiro mundo e nos é perguntado o lanos, contribuir para o turismo nacional,
aparentemente, fácil pergunta: “Identidade que gostamos de dançar, cheios de orgulho para economia, intercâmbio entre países, Claramente, não estou para aqui a dizer que
é o conjunto de características que DISTIN- e de boca cheia, falamos do nosso Kudu- contribuindo até mesmo para o Plano essa identidade é imutável ou permanente,
GUEM uma pessoa ou uma coisa (enten- ro, da nossa Kizomba e do nosso Semba. Nacional de Desenvolvimento flexível. mas que é um conjunto de manifestações
da-se aqui nação também), e, por meio das Todos os estilos que têm colocado Angola e práticas que transformam e definem o
quais, é possível INDIVIDUALIZÁ-LA’’. no mapa. É verdade! Tudo isso seria muito bonito indivíduo e, consequentemente, a sociedade
e seria perfeito se nós fôssemos respon- da qual ele faz parte.
Se lhe perguntar que características Como angolanos, temos uma ginga natural, sáveis, astutos e visionários; se fôssemos
distinguem o nosso país, Angola, prova- um talento próprio e sem esforço para as pessoas que entendem que não podemos Se não formos capazes de fazer isso com
velmente terá uma série de respostas a danças, não apenas as do nosso país, mas dar valor apenas ao que vem do exterior, as danças que já são internacionalmente
pipocar pela sua mente ou na ponta da sua de outros também. Somos dotados, devo mas preservar e desenvolver também o reconhecidas, o que poderemos dizer das
língua para dar, e tenho quase a certeza de admitir… nota-se até mesmo em seres que é nosso. Somos tão cegos que nem inúmeras que fazem parte do folclore ango-
que a sua ou as suas respostas estariam minúsculos, não totalmente desenvolvidos, vemos que “os de fora” estão a dar mais lano, que estão espalhadas por todo o país
certas. chamados crianças, que animam as festas importância aos ritmos africanos, mais e nem sequer são ouvidas por muitos ango-
familiares com todos os toques novos que especificamente, ao angolano, do que lanos?
Mas pensemos por um instante: será que são inventados diariamente um pouco por nós próprios. O único problema é: já está
tudo o que pensou pode realmente ser todo o país. a ser dançado no exterior, já foi alterado
identificado como nosso, digo, de Angola? e misturado com outros estilos (especifi-
Vários são os angolanos que, por causa camente a Kizomba e, em alguns casos,
Percebo constantemente que, sempre desse talento e entrega à dança, têm le- o Kuduro), o que não é mau, visto que
que surge um assunto como este, uma das vado o bom nome de Angola para países
coisas de que temos sempre muito orgulho vários, principalmente na Europa, onde
de falar e identificar como traço cultural de têm desenvolvido desde festas e festivais
Angola é a dança, as nossas danças (que a grandes competições que têm o nosso Desenho representando um lugar na floresta
são incontáveis). E quando queremos dar a Kuduro e a nossa Kizomba como atracção onde abundam frutos e animais

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E S T I LO E C O R E S
O afrofuturismo surge como uma proposta estética na

AFROFUTURISMO
direcção de uma expressão cultural inspirada em valores
africanos.
Cada etnia tem a sua própria identidade, adaptados à modernidade. A solidificação de
O continente africano vive um momento cultural bastante interessante. mundividência e, consequentemente, uma alguns países africanos no que diz respeito
Entender este fenómeno obriga-nos a fazer uma imersão na história. expressão cultural única, apesar de haver à integridade dos seus estados e a potencia-
muita fonte de convergência e ponto de lização da consciência histórica e identitária
diálogo entre elas. Todavia, essa diversida- na diáspora africana são os mais sonantes.
de foi diluída pelo processo de colonização É neste contexto que surge o Afrofu-
que homogeneizou o continente tendo turismo como mais uma proposta esté-
como matriz a cultura dos países coloniza- tica na direcção de uma expressão cul-
dores. Assim, podemos dizer que a diversi- tural inspirada em valores africanos.
dade africana está por baixo do tapete da
cultura inglesa, francesa, portuguesa, bem O Afrofuturismo é uma miscelânea de filo-
como russa e norte-americana, sendo estas sofia da arte e filosofia da história centrada na
duas últimas resultantes da influência polí- perspectiva africana. Explorando a expressão
tica que a Guerra Fria teve sobre o mundo. da cosmologia, da fantasia, tradição oral ou es-
crita, lendas e mitos originários do continente.
Com advento do fim da colonização, África
viveu um momento de afirmação identitária Não se limitando somente à cultura en-
das suas nações, muitas delas formadas a quanto expressão artística, o Afrofutu-
partir da demarcação territorial da própria co- rismo também se estendeu para o cam-
lonização. Viveu-se, portanto, um momento po das ciências naturais e da filosofia.
de solidificação de valores como o sentimen- Entre os precursores desse género estão:
to de unidade nacional, nacionalismo, etc.
Literatura: Samuel Delany, Octavia But-
Nesta altura, a cultura assentava-se ler e Ralph Ellison. Artes plásticas:
sob a vanguarda revolucionária envolvida Jean-Michel Basquiat e Angelbert Me-
Consta-se que África é na luta de libertação. Portanto, era ainda toyer. Música: Sun Ra e George Clinton.
o continente com maior uma cultura justificadamente reactiva ao
O legado do Afrofuturismo é extenso e
grau de diversidade étnica. sistema colonial. Agregando isso ao con-
ainda há muita água por escorrer, pois é
Segundo os dados da con- texto sociológico de constantes guerras
uma visão estética bastante recente. Mas
ceituada revista científica civis, o continente viveu uma inércia cul-
já se pode destacar a influência que teve
Cience Express, existe mais tural. No entanto, muita coisa foi feita nos
sobre a improvisação no universo jazzísti-
diversidade em África do 30 anos posteriores às independências.
co, a partir da obra Sun Ra, a influência em
que em todo resto do mun- Mas África não é só uma demarcação literatura dessa estética em obras como
do. Estes dados são resulta- geografia. O sentimento de pertença so- a saga de quadrinhos, “O Pantera Ne-
dos de uma pesquisa sobre breviveu ao tempo e ao espaço e se conso- gra”, adaptada ao cinema recentemente.
a genética humana que du- lidou em todos os lugares do mundo, prin-
É possível identificar elementos afro-
Texto: Isis Hembe | rou dez anos, tendo envol- cipalmente naqueles que registaram forte
futuristas em obras de artistas como
A Última Jornada do Ditador Mussunda N'zombo vido vários países, dentre herança da escravidão. A esses espaços
Afrikaaa Bambataa, Erykah Badu, Missy
eles, os Estados Unidos, a deu-se o nome de diásporas africanas.
Antes da Grande Extinção (Ato I) , 2017 Elliott, Janelle Monáe, Ellen Oléria, Keita
França, a Tanzânia e o Mali.
Obra de Kiluanji Kia Henda
Hoje muitos fenómenos convergem para Mayanda, Ndaka Yo Wiñi, Kiluanji Kia Hen-
um renascimento dos valores africanos da, Nástio Mesquita, Ibrahim Mahama, etc.
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P r o p o s ta L i t e r á r i a
ta que nos mostra e faz sentir a eternidade e simultânea efemeridade do tempo.
Esse tempo pode ser o da narrativa – o tão bem trabalhado tempo da narrativa.
Mas pode ser também o tempo da nossa vida, do dia-a-dia; o tempo que temos
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Através da chuva para fazer nossa existência valer a pena ou, ainda, o tempo que talvez tenhamos
para construir um futuro melhor que o presente ou o passado. E esse tempo, na
“mundos que cruzam” narrativa, é tão inquieto, tão impermanente que nos faz viajar desde o deserto
imponente do Namibe, passando pela Baía Azul de Benguela, por Luanda, por
Texto: Leopoldina Fekayamãle | Malange, por Lisboa até as ruas de Estocolmo, na Suécia. E vice-versa.

P
Aspectos característicos da cultura e espiritualidade africana cruzam-se com
ropor-me a falar sobre o “Através da Chuva”, livro do mitos e crenças suecas de forma ora implícitas ora explícitas. A viagem do velho
escritor Miguel Gullander, não é tarefa fácil, pois não Svart, o protagonista da história, da Suécia até a Angola com o objectivo principal
sou, nem de longe, um daqueles peritos em críti- de avistar uma Palanca Negra Gigante acaba sendo um cruzamento entre dois
ca literária que desvenda os segredos de um livro e traz mundos, dois continentes, dois países distintos, mas que se revelam próximos.
acima, como um Prometeu, aspectos que os leitores não Afinal, somos todos feitos pelo mesmo tecido…
imaginavam presentes no mesmo. Também não sou uma
A viagem do velho Svart para avistar, no coração de Angola, um animal raro
“gigante” no que concerne a conhecimentos sobre lite-
e único em todo o universo também acaba sendo uma viagem de cada um de
ratura ou uma “entendida” na matéria. Sou apenas uma
nós. Uma viagem para dentro das nossas sociedades e uma chamada de atenção
menina apaixonada pela literatura que acredita no poder
para a forma como as construímos, como as tornámos desiguais e poluímo-las
da palavra, principalmente no poder da palavra escrita.
com as nossas próprias acções. Uma viagem para dentro dos nossos modos de
Além de não ser fácil pelos motivos que já referi, acrescen-
Miguel Gullander é profes- vida. Uma viagem para questionar os nossos preconceitos de raça, de cor e per-
to o facto de se estar diante de uma escrita madura, capaz
sor e escritor. Há muitos ceber como matamos uns aos outros por motivos que nunca valem a pena. E no
de nos levar até ao mais profundo do nosso imaginário e
final das contas, uma viagem fascinante para dentro de nós mesmos!
anos em países africanos, questionar as nossas convicções, questionar preconceitos,
este luso-sueco irrompeu questionar a nós próprios sobre o sentido da vida. E mais
ainda, faz-nos questionar sobre o sentido que damos à
nas nossas vidas com uma
nossa vida e como damos.
AV. HOJI YA HENDA
escrita urgente, crua, cheia
Entre os vários palcos sobre os quais a narrativa aconte-
ED-47.6º ANDAR
de lampejos. Viveu em Ben-
ce, destacam-se Angola e Suécia, no entanto, destaca-se INFO: 929057679
guela e no Namibe e é leitor mais ainda, em relação ao espaço, o casamento perfeito
de português em Windhoek. que se faz na obra entre os dois lugares. Dois países dis-
Em 2008 acompanhou uma tintos, longe um do outro por milhares de quilómetros
expedição pela mata ango- de distância, com modos de vida diferentes, com culturas
diferentes, com tradições diferentes, com mitos e crenças
lana na pegada da palanca
diferentes, mas que se cruzam em “Através da Chuva”
negra, com a qual se inspi-
e transpõem todas as barreiras possíveis e, sobretudo,
rou para escrever o último mostram-nos que enquanto seres humanos estamos mais
romance, Através da Chuva, entrelaçados do que possamos imaginar.
na figura do protagonista, o Dois mundos que se cruzam entre personagens singu-
criptozoólogo Svart. lares que também se cruzam e reflectem-se em espelhos
paralelos, mostrando um pouco de cada um de nós, inde-
pendente de onde sejamos ou pertençamos. Somos le-
vados a reflexões: das mais simples às mais complexas. A
cada página, um pouco mais de profundidade. Uma escri-
Sinta-se em casa ------_
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d ossi e r
Em destaque
Kuduro: um breve olhar
Kuduro:NÓias e ParanÓias
Da ideo-estÉ tica aos sons mais “fodidos”
Rangel e o kuduro
ASCENSÃO DE ORGUITA: MADOÍSMO,
REVOLUÇÃO OU BADISMO?
The king of Kuduro
ENTRE A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA
E UMA ESTÉTICA SUBVERSIVA: O KUDURO

KUDURO
DO GUETO PARA O MUNDO
Noite e Dia: a rebeldia que salvou uma vida
DA MÚSICA À LITERATURA:
O ESTILO QUE ROMPEU BARREIRAS DIMENSÃO LITERÁRIA DO KUDURO
Mais que um estilo de música, de dança, kuduro é um estilo de vida, algo que representa a
identidade de quem o faz e, em diversas circunstâncias, de quem o ouve, dança e aprecia
O evangelho do kuduro, segundo Kalaf Epalanga,
´ os brancos sabem danÇar”
em “Tambem
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KUDURO
Do gueto para o mundo

KUDURO
o estilo que rompeu barreiras

um bre ve olhar Kuduro:Nóias e Paranóias


Te x t o : M a s u n d i d i N s a n g u L a n d a |
Te x t o : S é r g i o Va n - d ú n e m |

O
kuduro é, sem dúvidas, o estilo mais angolano que existe. Por este motivo é
que se tornou no ópio que corre nas veias de todo o povo angolano. É incrível O kuduro é um estilo que derrubou mente, Dog Murras, Caló Pascoal, Os Radi-
a forma como este estilo musical toca a alma das pessoas (crianças, jovens as barreias do preconceito e conseguiu cais, Mestre Yara, Killamon, os Caixa Baixa,
e adultos), com um simples toque das músicas: “lhe avança”, “estou a cair com ca- chegar às nossas casas. Lembro-me, os Lambas, Bruno M e tantos outros…
deira”, “estou a partir cama”, ”toque do naná“, “vou matar lá um”, ou “abri o livro”. O quando era criança, de ter sido castiga-
estilo, antes marginalizado e considerado acolhedor de marginais e drogados, é hoje
do com vara por pronunciar o nome do O estilo musical kuduro assenta numa
um dos estilos mais conhecidos além-fronteiras, senão mesmo o mais conhecido,
e que livrou muitos jovens do mundo das drogas, do roubo e da criminalidade, ou músico “Queima Bilhas”. Na época, con- base de ritmos tradicionais, com raiz em
seja, deu-lhes dignidade e, comummente, uma melhor forma de estar na sociedade. siderava-se o nome imoral demais para estilos como Kabetula, Kazukuta do Sam-
se pronunciar em público. Entretanto, bizanga, o Cabecinha do Bengo e com
O estilo começou com a geração dos animadores (Toni Amado, Sebem, etc), pas- hoje, quando “partimos cama” ou “fize- grandes influências de certos estilos do
sou pela geração de rimas (Os Lambas, Puto Prata, etc) e foi crescendo cada vez mos amor”, não nos ocorrem as noções Congo Democrático, nomeadamente o
mais. É um estilo como um outro qualquer, pois é cantado por homens e mulheres. de moral ou de ética do antigamente. Sukuse e o Kwasa. Tem ainda influências do
No estilo kuduro, tudo pode acontecer. Desde os “biffes” à forma como cantam e
Tecno, do Pop e do Rap norte- americano.
dançam, que é muito contagiante. Antes só havia uma forma de dançar o kuduro,
O estilo kuduro nasceu no princípio
era chamada de “Andegrone”, termo que mais se parece com a palavra inglesa “un-
derground” e cujo significado é debaixo do solo ou subterrâneo. Talvez seja por este da década de noventa, no meio subur- Este último, acabou por trazer elemen-
facto que, ao dançar, os bailarinos se jogam ao chão, dão “mortal” sobre os tectos, bano, tendo como mentor o músico e tos como a rima e, até, a própria mé-
partem as cadeiras sobre o corpo e, até, chegam a mastigar cacos de garrafa. bailarino Tony Amado, cuja inspiração trica levada por artistas vindo do Rap.
para tal nascera de um movimento do Bruno M, Rei Panda, Nail e outros fo-
Por não ser um estilo uniforme, surgiram várias meninas no movimento; desde actor belga Jean-Claude Van Damme, ram os responsáveis por esta “deambu-
a Fofandó, Noite Dia e, mais recentemente, a Badi Orguita, que, com a sua carga feito no filme intitulado “O Desafio do lação artística”, que serviu para enrique-
feminina, sem vergonha e longe de se intimidar pelo preconceito dalgumas pessoas,
Dragão”, que veio a público em 1988, cer mais ainda o estilo musical Kuduro.
apareceu para “acarcar” todos os kuduristas, especialmente as meninas. E não é que
ela “acarcou” mesmo! no qual o actor dança embriagado.
O estilo foi muito combatido pelos mais
Badi Orguita é, sem sombras de dúvidas, alguém que veio provar à sociedade que O neologismo kuduro pretendia conservadores, devido a agressividade
não há uma idade própria para emergir no mundo da música, em particular no do designar “rabo duro”. Com o passar na dança, as suas fracas composições e
kuduro. O seu “acarque” foi tão forte que não foi preciso muito tempo para que ela do tempo, foi ganhando outras co- o uso de calões e expressões populares
se tornasse machete e destaque em todas as redes sociais (Facebook, WhatsApp, notações, passando a significar um dos musseques, que, por si só, reflec-
Instagram). Ela é mais uma que veio aumentar a tensão que se vive entre as kuduris-
género musical e estilo de dança. tiam a pobreza existente neles, de onde
tas, impondo a sua posição no movimento, mesmo sendo a que se veste sem estra-
a maioria dos artistas era originária.
vagância ou a que menos aparece nos principais palcos da nossa praça.
O kuduro acolheu outros nomes que
O que dizer mais sobre o kuduro, após a aparição da Badi Orguita? Bem haja a o desenvolveram, tais como: Rei Webba, As letras de kuduro caracterizam-se
todos que lutam em prol do kuduro e da cultura angolana. Sebém, Queima Bilhas, Camilo Travasso, pela sua simplicidade, humor e, muitas
Bruno de Castro, Dj Znobia e, posterior- vezes, até pelas ofensas explícitas; as

16 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 17


Se be m edoisTon i Amado
KUDURO
Do gueto para o mundo
o estilo que rompeu barreiras
grandes nomes do kuduro
K U D U R O
Da ideo-estética aos sons mais “fodidos”
Vem o que vier / ninguém mata o kuduro
vocês vão correr um por um / Vocês vão cair um por um
(As Palancas, em Viva o kuduro)

Te x t o : J o ã o F e r n a n d o A n d r é

E
m sentido primitivo, a música estava mas é com Sebem, pelo seu dinamismo,
relacionada a tudo que dizia respeito que o estilo passa a ser visto com mais fre-
às musas, tudo que dava ideia de coi- quência na televisão, ganhando, décadas
sa agradável ou bem-posta. A vida seria depois do seu surgimento, um programa
uma tristeza se a música não existisse, dis- (o «Sempre a Subir», primeiramente apre-
se certa vez o filósofo alemão Nietzsche. sentado pelo próprio Sebem (em compan-
Sebem e Tony Amado hia da Carina) e, posteriormente, pelos
no Angola Music Awards Três estilos musicais são mais ouvidos
kuduristas Presidente Gasolina e Príncipe
de 2013 | Foto: Paulino Damião, em Angola: o kuduro, o kizomba e o sem-
Ouro Negro). O kuduro surge numa An-
via Rede Angola ba. Em Angola, o semba e o kizomba são
gola que estava no cume de uma guerra
os estilos musicais mais apreciados pela
entre as FAA, Forças Armadas Angolana,
elite. O semba, estilo tradicional angolano,
e a UNITA, União para a Independência
letras são normalmente escritas em Língua semanticamente a estar associado à ideia sempre esteve ligado à elite, pois, no pe-
Total de Angola, que viria a terminar no
Portuguesa, com recurso a uma ou outra de confusão, desorganização e rejeição. ríodo colonial, servia de meio de recreação
terceiro ano do século XXI. Contextual-
palavra nas línguas nacionais ou, ainda, em Talvez seja movido pela ideia de combate e de passagem da mensagem para a insu-
mente, uma Angola com uma população,
inglês. Porém, é o calão, falado nos nossos ao produto de criação das novas gerações. rreição, para a luta pela independência e
maioritariamente, miserável, se nos ati-
musseques, que domina grande parte das É a luta geracional existente dentro de para a esperança de dias melhores num
vermos ao princípio de que se considere
letras de kuduro. Por sua vez, enquanto todas as manifestações artísticas feitas em país que ainda não tinha começado. Nas
pobre todo ser humano que sobreviva,
estilo de dança, o Kuduro vai beber de mo- Angola. linhas do semba e de outros estilos (como
diariamente, com menos de um dólar.
vimentos de danças africanas, tais como a o das músicas antilhanas) surge o kizom-
Cabetula, a Cabecinha e o Kwasa associa- Apesar das críticas e definições menos ba, um estilo, ao que se atesta, criado pelo Embora Amado seja o pai do kuduro, o
dos ao Break-dance e ao Popping (ameri- boas, o estilo jamais poderá ser descarta- músico Eduardo Pain, também conheci- primeiro músico a lançar um álbum des-
cano). As performances são apresentadas do da nossa vivência, é a maior bandeira do por general Kambwengo. Ao lado dos se estilo foi Bruno de Castro. Partindo do
individualmente e, outras vezes, em grupo, cultural do nosso país e continuará a ser, dois estilos, surge um terceiro: o kuduro. método dialético, Simbad (2018) nega a
com muita teatralização e com recurso à pelo menos por mais alguns anos, tal como eventual ideia de que o kuduro provenha
O kuduro é um estilo criado dentro da
expressão facial. expressou o escritor José Eduardo Agualu- das zonas periféricas. Em nosso conceber,
última década do século passado (xx), não
para se saber a origem do kuduro, torna-se
sa, num comentário sobre kuduro, “Talvez há uma data certa como alguns estudio-
imperativo conhecer o local e a produto-
O kuduro, por um lado, tem sido um nunca antes em toda a história de Angola sos têm dito (1995), mas podemos dizer
ra (estúdio, como costumam a chamar os
estilo emergente e com muita aceitação um outro fenómeno cultural tenha conse- que – o estilo propriamente dito – surge
cultores do estilo) onde foi criada a primei-
a nível internacional e, por outro lado, guido ganhar tanta expressão”. entre 1993 a 1994. Ao que se reconhece, o
ra música nesse estilo em Angola (Sam-
paradoxalmente, internamente, continua referido estilo foi criado por Tony Amado,
bizanga? Rangel? Cazenga? Ou Viana?).
18 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 19
KUDURO maior parte da população angolana é jovem, intento, seleccionámos algumas músicas de
Do gueto para o mundo
o estilo que rompeu barreiras podemos, desse jeito, concluir que o referi- compositores como Sebem, Cabo Snoop,
do estilo é mais apreciado por crianças, ado- Fofandó, Bruno M, Os Lambas, Noite-Dia,
lescentes e jovens e que, como afirma Sim- Rei Loy e o Elenco da Paz. Mapeámos es-
bad (2018), «vai-se a uma festa de bairro, e o ses cantores, porque pensamos serem dos
kuduro ou o que é chamado de afro-house mais conhecidos cultores do estilo e que,
– kuduro retornando à origem, na visão da- no que diz respeito à ideo-estética, ligada
quele que é tido como o criador – domina as ao estilo próprio e à sonoridade, realiza-
pistas». Outrossim, é possível dizer que essa ram músicas que marcaram e maracarão a
juventude apreciadora desse estilo musical vida desse estilo (se não foi [será] pela subs-
e dançante (incluindo algumas crianças e tância das músicas, foi [será] pela dança).
adolescentes, como dissemos) vem das pe- Para começar, esclarecemos que se mui-
o ku d u r o riferias, musseques e cidades de Angola (e, tos dos kuduristas são vistos como delin-
com pequeno relevo, do Brasil, de Portugal
s e mp re fo i e doutros países indeterminados), e – ao
quentes pelo modo como se vestem, pelo
uso de brincos, cortes de cabelo extrava-
m u s i ca e da n ca contrário das palavras do pai do kuduro – gantes e pintados e, na maioria das vezes,
podemos deduzir que o afro-house é a ter- a maioria das músicas do estilo em causa
ceira variante (ou um subestilo) do kuduro. são marginalizadas pelas suas mensagens.
Desde a sua génese, o kuduro sempre foi Pensamos que, no que toca à ideo-estéti- Destacados muitos(?) dos aspectos da his-
música e dança. Uma dança que requer mui- ca, é necessário haver certa cultura e agili- Ora, Sebem, na música «A felicidade», mais
toriografia e da ideo-estética desse estilo, do que tudo, procura transmitir o prazer
ta elasticidade por parte do bailarino. A sua dade para se cantar e dançar kuduro cujas é nosso desiderato interpretar, decodificar
dança primária era chamada de «under- canções, geralmente, são feitas com base da felicidade, o quão boa ela é. Numa An-
alguns dos grandes hits do estilo musical, gola que estava (ou vinha) de uma guerra,
ground», um conjunto de movimentos con- num «encadeamento de frases (ou versos) «os sons mais fodidos», nos dizeres dos fiéis
trolados dos braços, da cabeça e dos pés, que rimam emparelhadamente», objectiva- era, obviamente, uma mensagem como
apreciadores e cultores do mesmo. Para tal
combinando – ao lado de muita criativida- das, nalguns casos, no papel e, geralmente,
de – movimentos (passos) do ndomboló, do em registo auditivo. A música kuduro, com o
break, do b-boy e mais alguns estilos dançan- passar dos tempos, desdobrou-se em duas
tes. Nos últimos tempos, a sua dança quase variantes: underground e lamento. O «un-
M om e n t os d o fe st i val A Felicidade» é um
que se tem reduzido ao movimento dos pés derground» (como era designada também a " I l ove ku d u r o" dos melhores hits
para os homens e o remexer do glúteo para dança na sua génese) é cantado, geralmente,
do kuduro, porque
as dançarinas (normalmente, jovens de bun- numa «prosa composta por frases extensas,
das avantajadas). Dos tradicionais bailarinos exigindo dos cultores, na maioria das vezes, traz uma mensagem
do estilo, hoje, ainda podemos encontrar maior aceleração da voz». Já o lamento, mais que todo um povo
os irmãos Cara-Feia e Pipino, residentes no preocupado com os problemas sociais e pes-
município do Cazenga. Quanto aos canto-
precisava para
soais (cujo expoente é o cantor Rey Loy, o pai
res, podemos dizer que os seus expoentes do lamento), é feito numa prosa menos exten- dançar e festejar
são: Sebem, os Lambas, Bruno M, Puto Li- sa, menos acelerada no cantar e – em nossa pelo fim de um mal
las e a Noite-Dia. Dessarte, convém sempre percepção – tem uma sonoridade mais suave.
falar de kuduro música casada com o ku- que durou quase ou
Se tivermos em conta os dados do último
duro dança, ou seja, música e coreografia. censo em Angola (2014), que indicava que a vinte e dois anos

20 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 21


A segunda e a terceira estrofe são domina- um atleta que não tem pés». Enfim, como «A
KUDURO das pelo ego do cantor, que exibe a beleza dança dos combas», o «Ma», o «Aonde», o
Do gueto para o mundo
o estilo que rompeu barreiras das suas músicas e chama atenção para a «Por cada lágrima» ou o «Tchubila», «Anda
tristeza que reside no seu âmago, apesar pára» é um dos melhores hits do kudu-
de muitos o terem incentivado a continuar ro, pela dança, sonoridade e o conteúdo.
a fazer kuduro. Realçam-se, na terceira es- Os Lambas, no hit «Diga não ao crime»,
trofe, duas frases que carregam lógica e trazem uma mensagem positiva para a ju-
filosofia: «o peixe não enche o cesto se não ventude que anda perdida no mundo da
for retirado do mar» e «(as) virtudes do ho- delinquência; procuram incentivar a juven-
mem honesto são como o sol quando está a tude a apostar no estudo e no trabalho;
brilhar». Contudo, no hit «Anda pára», é na afirmam não serem bandidos. Nesse hit, o
quarta e quinta estrofe que, apesar do exa- apelo deles «vai para os adultos e os adoles-
gerado ego do músico, há mais conteúdo,

´
centes, para não levarem o crime na mente»,

F o fa n d o
porquanto, nela, o músico protesta contra para «terem mente criativa», andarem de
a riqueza de algumas pessoas quando a cabeça erguida, sempre firme, não faze-
maior parte da população angolana vive rem o que lhes prejudica, porque o tempo
em situação de pobreza, a falta de habi- é curto; para participarem da luta contra o
tação própria para muitas famílias, reafir- crime (da delinquência ao aborto, segun-
essa, de que «a felicidade todos nós que- vela, produzida pela Semba Comunicações.
ma o seu gosto especial pelo estilo kuduro, do um dos versos cantado pelo Nagrelha,
remos», que acalmaria ou levaria as pes- Fofandó, a primeira mulher a cantar ku- apesar de ouvir também outros estilos mu- o Estado Maior do kuduro). Outrossim,
soas ao deleite, a esquecerem – ainda que duro, na música «Iniquidade», transmite sicais, reclama a perda de identidade afri- realça-se, nesse hit, a seguinte passagem
por pouquíssimos minutos – as sequelas uma mensagem de abandono do mal, man- cana por parte de muitos africanos, a ba- filosófica: «ser esperto não é ser inteligente»
do conflito armado que separou e dizimou dar a «iniquidade fora» da vida das pes- nalização das línguas africanas, a perda dos (Bruno King). Portanto, «Diga não ao cri-
milhares de pessoas. Assim, apesar de pou- soas (ou dos locais de convívio). Deve-se valores morais, do civismo e da moral, afir- me» é um dos melhores hits do kuduro, e
cas palavras (versos), «A Felicidade» é um ter em conta, ainda, nesse hit, a passagem ma que o kuduro é o estilo da maioria e, o se não for dançante, deve ser apreciada a
dos melhores hits do kuduro, porque traz que, quase como na bíblia, chama atenção que poucos kuduristas fariam, admite que mensagem que abarca nas suas entranhas.
uma mensagem que todo um povo preci- para se ter em mente a dualidade da vida ele, Bruno M, sem os seus ouvintes, «é como
sava para dançar e festejar pelo fim de um e da morte, porque «viemos do pó, mas é
mal que durou quase ou vinte e dois anos. do (ao) pó que voltaremos». É, sem dúvidas,
Cabo Snoop, vencedor da categoria de para se terminar a interpretação, um dos
«Músico de África em Expressão Portugue- hits desse estilo dançante, pelas massas.
sa» do aclamado prémio Mtv base, no hit Bruno M, na música «Anda pára», começa
«Windeck», denuncia o aproveitamento, so- por cumprimentar os senhores e senhoras, B ru n o M
bretudo, dos homens para com as mulheres
quando estas estão em estado de embria-
parecendo que está a dar um discurso numa
tribuna. Ainda na primeira estrofe mostra ´
u lt i ma li n ha
gue, quando sabem que um homem está ex-
tremamente apaixonado por elas e, também,
que ele não canta por interesse, cita o nome do K uduro
de algumas pessoas que lhe têm ajudado no
tenciona denunciar a prostituição e o exi- mundo da música (uma das características
bicionismo. Assim, a música Windeck, mais do estilo) e, em gesto de repúdio aos seus co-
do que pela mensagem, fica marcada como legas que não fazem música com boa estéti-
um hit pela sua dança. Nota-se que a referi- ca e conteúdo, sentencia que «se cantar à toa
da música chegou a dar título a uma teleno- fosse crime, muitos estariam atrás das grades».
22 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 23
KUDURO
Do gueto para o mundo podemos constatar nos seguintes versos: as suas famílias. Dessarte, se soubessem
Noite-dia (ou Noite e Dia, como é grafado
o estilo que rompeu barreiras «O pai é pobre mas a mãe é doente / Os canu- o quanto é importante a banheira da zun-
habitualmente), na música «Abre o livro»,
procura transmitir a ideia de que ela é a ra- cos não estudam minha camba não trabalha/ gueira, os fiscais não a levariam, e o resto

“O kuduro inha do kuduro e faz uma réplica às pes-


soas que dizem que não dançam kuduro.
Pensar no futuro e pedir sempre pra Deus».
O Elenco da Paz, segundo classificado do
dos cidadãos nunca banalizariam o esforço
delas. Enfim, é essa musa, zungueira, (que

é um estilo Embora o coro dessa música remeta para Top dos mais Queridos 2017 – em nossa chegou a inspirar o poeta nacional, Agos-
uma mensagem positiva, pensamos que a percepção, um dos grupos que melhores tinho Neto, e muitos outros homens faze-

musical verdadeira mensagem que a cantora queria mensagens tem procurado transmitir por dores da poesia angolana) que o Elenco da
transmitir com o coro não seja a de «abrir meio do estilo kuduro –, na música «Da Zun- Paz, grupo mais premiado a nível do kudu-
ro, traz como fundo do hit «Da Zungueira».

dançante.
um livro», pois a dança desse hit não en- gueira», mostra a importância da zungueira
volve algum livro. Segundo a nossa visão, o (vendedeira, normalmente nos locais im- À guisa de conclusão, podemos dizer que
coro dessa música incentiva os bailarinos a próprios para a venda, ou ambulante), o re- o kuduro é um estilo musical, principal-
É o estilo mais dançarem com mais movimentos das per-
nas, a abrirem as pernas «sem maldade».
levo que a sua banheira (negócio) tem para
o seu bem e para o bem de toda a sua fa-
mente, dançante. Por outro lado, é o esti-
lo mais ouvido e mais dançado em Ango-

ouvido e mais Sabendo que o/a artista é o criador de coi- mília. Os cantores apresentam a zungueira
como uma mulher batalhadora, dinâmica
la. As suas músicas, na maioria das vezes,
são manifestações do ego e da criatividade
sas belas, Noite-dia, criou esse hit e, como
dançado em as melhores manifestações artísticas sur-
gem do inconsciente, concebemos que ela
e trabalhadora. «Da Zungueira» também
é, com certeza, uma chamada de atenção
das crianças, adolescentes e jovens que o
cantam, mas alguns cultores (como Bruno

Angola. As não chegou a dar por conta de que o livro


que pede para ser aberto seja uma metá-
para os fiscais (funcionários das adminis-
trações municipais que têm, diariamente,
M, Bd Bigodão, Rey Loy, Dj Nile, Rey Panda
e o Elenco da Paz) têm procurado, com as

suas músicas, fora das pernas. Portanto, «Abre o livro» é o papel de evitar a venda ambulante nos suas músicas, mostrar a realidade social,
uma das músicas mais dançada e mais ou- cascos urbanos) e para aqueles que menos- económica, política e cultural de Angola,

na maioria vida do estilo musical kuduro e, pelo modo prezam a actividade dessas mulheres que, ou seja, chamar atenção para com a delin-
como as bailarinas da Noite-dia e a multi- vendendo, levam «o pão de cada dia» \ para quência juvenil, a pobreza, a desigualdade
as mesas dos seus lares, ou seja, sustentam social, o desemprego e a unidade nacional.
das vezes, são
dão dançam, esse hit levanta polémica so-
bre o seu verdadeiro intento, permitindo

Re i L oy
múltiplas interpretações, das boas às más.
manifestações Rei Loy, o rei do kuduro lamento, na músi-

do ego e da
ca «Minha profissão», traz a mensagem da
importância do trabalho digno (não impor- Pai d o Lam e n t o
criatividade
tando qual seja). O cantor procura dizer que
aguarda o seu momento de sucesso, que
tem esperança de atingir a ribalta. Aconsel-
dos artistas ha as pessoas a não sentirem vergonha dos
seus trabalhos, porque mais vale trabalhar

que o cantam” do que ser ladrão ou viver das aparências.


Por outra, ele apresenta o sofrimento
da população das zonas periféricas. Como

24 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 25


KUDURO Rangel”, é quem tem uma das maio- rece com as suas vestes (saia compri-
Do gueto para o mundo
o estilo que rompeu barreiras res rivalidades contra o Nagrelha, que da e lenço) de senhora angolana, sem
é o melhor kudurista do Sambizanga. embarcar em estravagâncias, o que é
Com tantas figuras de renome, sem es- habitual em cantoras mais novas. As-
quecer Karliteira, Reeducador, Própria sim, a alcunha de “mãe de todas as
Lixa, Nacobeta, Dada 2, etc., o Ran- kuduristas” assenta-lhe na perfeição.
gel ainda tem uma nova estrela. BADI Neste aspecto, Orguita revoluciona
ORGUITA. Ela surpreendeu todos com e promove uma nova forma de olhar
o seu sucesso “Vou te Acarcar”. Sen- para o kuduro. Não como um estilo
do já adulta, não só chamou atenção musical marginal, mas constitutivo das
com a sua música, como também pela nossas gentes e que move massas, da

OR ANGEL sua forma de vestir e actuar, que, de


certa forma, mostram que não dá ou-
vidos para os comentários negativos.
qual todos nós fazemos parte: crianças,
jovens e adultos. Quantos mais velhos
dançam e cantam kuduro nas senta-
E O KUDURO Como disse Domingas Monte: “Num
das e nos seus quartos? Muitos! Alguns
também já alimentaram o sonho de ser
Te x t o : E r o n i l d e B a r t o l o m e u primeiro olhar, pensa-se «essa tia» é
kudurista, mas nunca tiveram a cora-
uma «madó» (termo angolano para
gem de Orguita. Ela é uma ARTISTA.”
designar, pessoas que querem mos-

R
angel, outrora município, é um gem obrigatória para o estilo kuduro. A ri- trar-se, aparecer). Porém, depois de Com este “acarque”, o Rangel de-
dos distritos que constitui a área validade entre Sambizanga e Rangel, que algumas visualizações, compreende-se mostra, mais uma vez, que, se quise-
urbana da província de Luanda, nasceu logo a seguir, foi, também, um dos que se está diante de uma revolucio- res ter sucesso, basta saberes como
capital de Angola. O Rangel tem 6,2 km² marcos para a ascensão do Rangel. Fofan- nária, inconformista natural, que apa- chegar à capital do kuduro, o Rangel.
e cerca de 260 mil habitantes. Está limi- dó, conhecida como a Rainha do kuduro,
tado a Oeste pelo município da Ingom- infelizmente, não conseguiu manter-se na
bota, a Norte pelo município do Sambi- ribalta ao longo dos anos, embora tenha
zanga, a Este pelo município do Cazenga voltado com o sucesso “ndi dó” recente-
e a Sul pelos municípios de Kilamba Kiaxi mente. Enquanto isso, Noite Dia carre-
e Luanda. É constituído pelas comunas gou a bandeira do Rangel neste estilo,
AHETU: VOZES DESPRENDIDA S
da Terra Nova, Rangel, Marçal e Precol. e, hoje, é a kudurista com mais sucesso.
É o começo da “ C o l e cç ã o M u l h e r e s ” criada por

O distrito deu e dá cartas no mundo da Esta capacidade de promover kuduris- Cl áudia C a ssoma pa r a d i s s e r ta r s o b r e a s s u n t o s q u e
arte, principalmente na dança e na mú- tas fez do Rangel o lugar mais procurado a f e c ta m m e n i n a s e m u l h e r e s ; pa r a co n ta r h i s t ó r i a s ;
sica. Nomes como Mateus Pelé do Zan- por aqueles que almejassem sucesso no pa r a h o m e n a g e a r , e m p o d e r a r e pa r a m u d a r .
gado e Joana Perna Mbuco elevaram-no estilo. Como exemplo vivo, temos a polé- De f o r m a e n g a j a d o r a e e m t o m d e s p e r ta d o r , e s t e v o l u m e
à categoria de um dos mais conhecidos mica Jéssica Pitbull, oriunda do Sambizan-
narr a violência domés tic a , infidelidade, identidade se xual ,
do país. Esta fama reflecte-se ainda mais ga, que encontrou o sucesso no Rangel. Por
i n d e p e n d ê n c i a , r e i v i n d i c a ç ã o , r e i n v e n ç ã o e vá r i o s
graças aos kuduristas que nele habitam. trás de todo o sucesso que o Rangel gran-
jeou no estilo Kuduro, há o nome dos con- outros tema s pertinentes. Em c a d a u m d o s co n t o s ,
O estilo kuduro surgiu na década de 90. Cl áudia
ceituados DJ´s De Vitor, Ditox, Znobia, etc. e x i b e u m a d i s p o s i ç ã o d e â n i m o s e a p r e s e n ta
Mas só no princípio do século XXI é que o
a m i l i tâ n c i a d a s m u l h e r e s e t e r n i z a d a s e m l i n h a s
distrito foi ganhando os primeiros canto- Quanto ao kuduro no masculino, dis-
d e s s a f e r r a m e n ta f e i ta r e l e va n t e .
res de renome. Nomes como Noite e Dia, pensamos as apresentações. Puto Lilas,
Puto Prata, Puto Lilas, Saborosa e Fofan- o mais consagrado kudurista do Rangel,
w w w.cl audi ac a s som a .com
dó colocaram o distrito como uma para- também conhecido como “A defesa do
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KUDURO
Do gueto para o mundo

The K ing of Kuduro


o estilo que rompeu barreiras

ASCENSÃO DE ORGUITA: MADOÍSMO,


REVOLUÇÃO OU BADISMO?
Te x t o : D o m i n g a s M o n t e

B
adi Orguita, a mãe de todas as kudu- kuduro. Não como um estilo musical mar-
ristas, como ela mesma se intitula, é ginal, mas constitutivo das nossas gentes
a nova sensação do mundo artístico e que move massas, da qual todos nós
em Angola. Surgiu do gueto, como grande fazemos parte; crianças, jovens e adultos.
parte dos kuduristas, e vem afirmando-se Quantos mais velhos dançam e cantam
no mercado nacional, com o seu “Vou te kuduro nas sentadas e nos seus quartos?
arcarcar”, que já faz furor nas pistas de Muitos! Alguns também já alimentaram o
dança. O fenómeno despontou do “Rangu” sonho de ser kudurista, mas nunca tiveram
ou Rangel, e tem 54 anos de idade. a coragem de Orguita.
A sua primeira aparição na televisão foi Para isso, necessário será ser badi, pois
no programa “Janela Aberta” do canal 1 cantar kuduro não é para qualquer um.
da Televisão Pública de Angola (TPA). Com Com o surgimento da Orguita, podemos
a sua performance, mostrou-se-nos uma dizer que fomos todos “acarcados” e, até ao
mulher destemida e, acima de tudo, despi- momento, estamos de queixo caído. Ela é
da de preconceitos. A forma como segura o uma ARTISTA.
microfone ao longo de toda a apresentação É dum assombro invulgar o nome dela,
é representativo disso; [FIRMEZA]. “Badi Orguita”, e a sua música de estreia,
Num primeiro olhar, pensa-se “essa tia” é “Vou te Acarcar”, o que nos leva a dizer que
uma “madó” (termo angolano para designar neste aspecto ela foi bastante assertiva e
pessoas que querem se mostrar, aparecer). que, o seu nome e a música, acabam por
Porém, depois de algumas visualizações, representar tudo o que já foi referenciado
compreende-se que se está diante de uma atrás, que se pode resumir numa palavra;
revolucionária, inconformista natural. Apa- CORAGEM. Não foi coincidência, aí está a
rece com as suas vestes (saia comprida e genialidade de um artista, como afirma
lenço), de senhora angolana, sem embarcar James Joyce: “os génios não cometem erros.
em estravagâncias, algo que é comum nas Os seus erros são sempre voluntários e dão
cantoras mais novas; aqui a alcunha de origem a alguma descoberta”.
mãe de todas as kuduristas assenta-lhe na Portanto, vamos afirmar que Badi Orgui-
perfeição. ta, a mãe de todas as kuduristas, “acarcou”
Neste aspecto, Orguita revoluciona e madoísticamente todo o mundo e, para tal, A homenagem com felicidade
promove uma nova forma de olhar para o foi preciso ela ser badi. Caricatura de Nelson Paim | 2018

28 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 29


KUDURO
Do gueto para o mundo O kuduro surgiu como um milagre para livrar
o estilo que rompeu barreiras
uma grande massa social de traumas que
ENTRE A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA (?) uma guerra pode causar e da simbólica agressividade
E UMA ESTÉTICA SUBVERSIVA: com que o sistema trata as maiorias
O KUDURO
Te x t o : H é l d e r S i m b a d O importante é rimar. Deve-se referir também o
com gangs e se reflectia nas suas composições

N
peso do ego-criativo e as frequentes citações de
ão podemos negar que, mais do que metáfora, a verdade é que o «centro», fruto das il- em que, frequentemente, se atacavam entre
gente próximas ou distantes, por razões de ini-
um estilo nascido em Angola durante os has sociais criadas pelo poder político – violência si com mensagens agressivas. Mesmo a Noi-
mizades, maioritariamente, dos cultores do es-
anos 50 e 60, o «Semba» é um género simbólica –, sempre olhará a periferia com des- te-dia – é assim que preferimos assinar o seu
tilo que acarinham com mensagens ou agridem.
musical que nos parece ter acompanhado, fun- confiança. Entretanto, verdade seja dita, a práti- nom – em «Kibeixa», coautoria de Puto Prata
damentalmente, a história política do partido ca não inocenta de todo os maiores cultores des- A elasticidade dos movimentos na dança, a revelava uma brutalidade enorme, imperando
MPLA. Com efeito, é natural que se lhe dê mais te estilo. O «Kuduro» desenvolveu-se no «gueto» agressividade imprimida pelos intérpretes bem com a voz numa mensagem até certo ponto pa-
aberturas. A «Kizomba» ocupou durante muito e pode-se dizer que seja consequência da guerra como a violência discursiva – agora menos, cífica, como no excerto «mana dança sô». Sa-
tempo as pistas de dança. Hoje, vai-se a uma fes- civil. Uma maneira de evasão – estética subver- fruto de alguma evolução em termos de ida- bemos que esta partícula «sô», assim grafada,
ta de bairro, e o «Kuduro» ou o que é chamado siva – que surgiu como que um milagre para li- de e pensamento – denunciam alguma violên- para se demarcar de «só», é usada com sentido
de «Afro-house» – variante, segundo alguns (Pai vrar uma grande massa social de traumas que cia. Contudo, vamos ater-nos naqueles que de «favor», e a kudurista em questão fazia-a
Profeta e seus símiles); «Kuduro», retornando à uma guerra pode causar e da simbólica agres- revolucionaram ou produziram grandes hits. com uma agressividade como que a imperar.
origem, na visão daquele que é tido como o cria- sividade com que o sistema trata as maiorias. Sem rodeios, Os Lambas, Bruno M, Puto Pra- Entretanto, não deixam de ser estes, quanto
dor (Tony Amado) – domina as pistas. «Semba» ta, Noite-dia, Os Xtrubantu, Puto Lilas, Magné- a nós, os grandes artistas deste estilo cujas fi-
Pelo seu posicionamento geográfico, o muni-
e «Kizomba» resistem, mas andam mais confi- sio dos Caixa Baixa, Rey Panda, Agre G, Yani- guras paternas são Tony Amado e Man Sibas.
cípio do Rangel teve grande peso para eman-
nados a «pedidos», «casamentos» e a cerimó- lson Number One, dentre vários fizeram-nos Se nos ativermos ao conceito de «violência
cipação do estilo. Não só congregava um
nias restritas, como aniversários, baptismo, etc. dançar, e «Kuduro» é isto – dança – com gran- simbólica» de Boudieu, segundo o qual – tra-
grande número de cultores como também
Fruto do exercício racional que efetuámos para grande parte dos principais estudos musicais. des hits, e elegemo-los por serem aqueles que, ta-se duma «violência que é cometida com a
alcançar à origem do Kuduro, partiremos do mé- Rangel era e é habitado por gente com algu- esteticamente, no âmbito da sonoridade e es- cumplicidade entre quem sofre e quem a pra-
todo dialético para negar a ideia de uma even- ma possibilidade. Mantendo fronteira com o tilo próprio, melhor realizaram o Kuduro can- tica, sem que, frequentemente, os envolvidos
tual proveniência de zonas periféricas. Assim centro e a periferia bem como pela sua proxi- tado. Houve músicas de mensagens positivas, tenham consciência do que estão sofrendo ou
sendo, contrariamente ao que se lê em diversos midade geográfica é a partir desta circuns- como a «Iniquidade» de Fofandó, «A felicida- exercendo» (Luciano, 2005) – o Kuduro cons-
documentos, possivelmente não terá começado crição geográfica que o «Kuduro» se expandia. de» de Sebém dentre outras músicas. Entre- tituir-se-ia como um símbolo de subversão de
no «gueto», na medida em que as discotecas e tanto, a métrica «mais fodida», encarnando a gente que, inconscientemente, se colocou à
Trata-se de um estilo musical no qual supera- linguagem do estilo ou com mais estilo encon-
dancings, nas décadas de 80 e 90 do século pas- margem do sistema no poder. Isto se observa,
bundam diferentes mensagens. Contudo, gran- tra-se nas vozes daqueles os quais já referimos.
sado, não eram tantos e estavam confinadas por exemplo, no registo audiovisual do grupo
de parte das músicas que se transformam em
maioritariamente no castro urbano, estando al- Dos citados, alguns como Nagrelha, Noite-dia «De Fire/ De Faia ou Defaiú» em que se vê, no
verdadeiros hits trazem uma mensagem que,
gumas em zonas intermédias. Contudo, é indubi- e Puto Lilas cantam numa prosa feita com fra- princípio, um Rei Panda a ditar as regras do
apesar de violenta e obscena, não deixa de ser
tavelmente no gueto onde se transformou para ses extensas, o que lhes exige uma maior ace- jogo dizendo, por via duma tradução, que «ago-
subversiva. Em termos estéticos, o «Kuduro» é
hoje se apresentar com diferentes tonalidades. leração vocálica. Cultores como Bruno M, Mag- ra o que conta é dinheiro e que todos falariam
um estilo que impõe aos cultores alguma agilida-
nésio, Agre G e Yanilson recorrem a uma sintaxe em calão», em clara reacção ao português.
Como tudo o que é novo, na sua fase embrio- de, e as composições obedecem a um encandea-
nária, foi e ainda é – pelo menos, para alguns mento de frases que rimam emparelhadamente, prosaica cuja métrica é mais curta, por tanto A nação Kuduro é autónoma e resistirá. Vem
– um género musical estereotipado como «mar- não importando, em muitos casos, a sequência com menos aceleração no cantar e, quanto a o que vier, como diriam as «Palancas», ninguém
ginal». Tal preconceito advém de um inevitável lógica das ideias objectivadas formalmente no nós, mais eufónica. Os artistas citados, na sua matará o Kuduro. Vocês vão correr um por um,
olhar-de-cima. Em qualquer sociedade, dito em papel e, subsequentemente, em registo auditivo. maioria, tiveram uma relação muito próxima vocês vão cair um por um. Honras ao Kuduro.

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KUDURO
Do gueto para o mundo

Noit e e dia
o estilo que rompeu barreiras

DA OPACIDADE À TR A S NPARÊ NCIA


A “rebeldia” que salvou uma vida
Te x t o : C l á u d i o K i m a n h e n d a |

O
génio festivo e inventivo faz parte da idiossincrasia do
povo angolano. Esta característica é bem mais visível
diante das agruras da vida. Para contrapor o sofrimento,
o povo angolano forja sempre um novo mito. Um mito capaz de
reunir, integrar e solidificar os laços. Capaz de tirar da opacidade
à transparência: a luz. Estamos convictos de que o estilo Kuduro
tem vindo a ser esse mito capaz de unificar todas as franjas da
sociedade. Como diz Marcos Napolitano “a música tem sido (…) a
tradutora dos nossos dilemas nacionais e veículo de nossas utopias
sociais” (Napolitano, 2002).

A inexistência de trabalhos, o crescente número de desempre-


gados, a globalização assimétrica e económica, o êxodo rural, as
desigualdades sociais, tudo isso permitiu o surgimento do estilo Anabela Etianeth Ferreira Bento ou,
Kuduro. O Kuduro é hoje aclamado como um estilo revitalizador.
simplesmente, Noite e Dia, nasceu
no dia 24 de Outubro de 1984.
Noite e Dia distingue-se pela
postura majestática e sensual.
32 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 33
KUDURO NOITE E DIA: DA OPACIDADE À TRANSPARÊNCIA
Do gueto para o mundo
o estilo que rompeu barreiras profundas, consulta e confronto de diver-
sas fontes; desfazer-se de preconceitos, de
ANOS 90: NASCIMENTO DO KUDURO estereótipos, crenças e experimentar um
carácter de transubstanciação. Escrever
uma biografia é vivenciar e compreender a
Existem duas versões, que divergem, quanto ao surgimento do Kuduro: por um lado, vida do biografado.
temos a versão de Tony Amado, por outra, a de Sebem. O primeiro afirma ter “cria-
Em relação à nossa Anabela Etianeth Fe-
do” o estilo baseando-se no filme de Jean-Claude Van Damme, Kickboxer. Já o Sebem
rreira Bento, Noite e Dia, de sublinhar que
reivindica o facto de ele ser o “expoente máximo” na divulgação do referido estilo, logo não queremos fazer uma biografia comple-
assume-se também como criador. ta por nos sentirmos circunscritos à visão.

O PSEUDÓNIMO E A MÚSICA
O kuduro não surgiu como a teoria nem de género cinematográfico. Via-se Anabela Etianeth Ferreira Bento ou, simples-
mente, Noite e Dia, nasceu no dia 24 de Ou- É milenar a mania de mudar o nome
do Bing-Bang, não foi através de uma de tudo desde o drama à pornografia.
tubro de 1984, no município do Cazenga, Rua próprio por alcunhas. É uma tendência de
explosão, ela tem uma história, como É exactamente num destes filmes onde
azul da Precol. Anabela Etianeth distingue-se todas as faixas etárias, seja ela da meninice,
qualquer outro género musical. surge a inspiração da criação da dança
pela postura majestática e sensual. Nascida juventude ou idade adulta. Os cognomes
O estilo kuduro, como dissemos, kuduro, segundo os seus criadores.
numa família humilde, iniciou sua vida profis- são dados mediante características físicas,
emergiu de uma atmosfera de crise. Na Desde esta época, o Kuduro vem galvani-
sional como bailarina do grupo de dança Fano profissão ou tipo de actividade, gostos, por
década de 90, sucederam, em Angola, zando e criando espaços de confluências
Jackson, tendo captado a atenção de familia- analogia, por similitude, etc., e com Anabela
alterações político-sociais significativas. entre os mais variados sectores da nos-
res, amigos e simpatizantes do grupo. A du- não foi diferente. O pseudónimo “Noite e Dia”
O conflito armado trouxe para Luanda sa sociedade. Neste quesito, o Ku-duro,
ração do conjunto foi efémera. Para acalmar a advém do gosto pelas roupas brancas e pre-
inúmeras famílias que esperançavam como dissemos, criou uma espécie de
predilecção pela dança, ingressou no Destino, tas. Neste caso, por analogia à noite e ao dia.
encontrar paz. unidade nacional na diversidade.
um outro grupo de dança, preferencialmen-
O êxodo rural, neste caso, acentuou Embora consensual que o Kuduro seja Quando descobriu a música, motivada
te, tradicional. A curiosidade despertou-a, em
os musseques que cresceram de forma estilo nacional, há ainda a problemática por Fofandó, Puto Prata, mestre Yara, entre
determinada altura, a largar voos para outros
vertiginosa. É nestes bairros periurba- da sua criação. Existem duas versões, outros, que faziam sucesso, Anabela passou
ares: a música. É-nos praticamente difícil ilus-
nos onde, por causa da vida sedentária que divergem, quanto ao surgimento definitivamente a Noite e Dia.
trar outros contornos da carreira por inexis-
e dura, algumas pessoas encontraram do Kuduro: por um lado, temos a versão Noite e Dia é o nome mais sonante quando
tência de material. Em Angola, não é cultura
motivos ou escapatórias de sobrevivên- de Tony Amado, por outra, a de Sebem. se fala em vozes femininas do kuduro.
elaborar fichas biográficas. Talvez por alguma
cia. Para enfrentar a penúria há quem O primeiro afirma ter “criado” o estilo
inexperiência, já que escrever uma exige muito
tenha trocado o lar pela janela aberta; baseando-se no filme de Jean-Claude Van
esforço do biógrafo.
Há, também, quem “se tenha entregado Damme, Kickboxer. Já o Sebem reivindica
o facto de ele ser o “expoente máximo” Como nos diz Marcela Boni Evangelista, na
às religiões”; como houve quem se tenha
na divulgação do referido estilo, logo resenha da obra de David Margolick, Stran-
entregado ao crime e outras malfeito-
assume-se também como criador. Não ge Fruit: Billie Holiday e a biografia de uma
rias; famílias arranjaram pequenos negó-
queremos fomentar qualquer discussão canção: “Escrever uma biografia é um desafio
cios. Enfim, todos procurando alternati-
quanto ao surgimento do estilo, mas que envolve a entrega do biógrafo a um universo
vas para opor-se aos embaraços da vida.
trazer uma proposta biográfica. outro. (…) Escrever uma biografia é mergulhar em
Estas e outras necessidades desenvolve-
uma história de vida e, muitas vezes, considerar
ram, no angolano, a índole inventiva. Este trabalho é um fragmento e pre-
as muitas vidas que se enlaçam na trajectória do
Consequentemente, nasceram alguns tende contribuir para elaboração da
biografado.” (Evangelista, 2013).
negócios como é o caso dos vídeos clu- biografia da cantora de kuduro Anabela
Etianeth Ferreira Bento, conhecida por Concordamos que escrever uma biografia é
bes, onde não havia restrições de idade
Noite e Dia. um trabalho árduo, pois ela requer pesquisas

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KUDURO
Do gueto para o mundo
o estilo que rompeu barreiras

O HALL OF FAME E A PROIBIÇÃO DOS PAIS

A
adolescência é o período de transição entre a infância e a
idade adulta. É também a fase da descoberta não só do
ponto de vista da fisionomia, mas, sobretudo, das aptidões.
Em geral, os pais, apesar de não serem alheios aos problemas desta
etapa da vida, embaraçam-se, não têm autoconfiança, não sabem A TEMÁTICA E A PERFORMANCE
como explicar e proíbem simplesmente. É necessária rebeldia para As letras da Noite e Dia revestem-se duma
não deixar morrer o talento que fervilha em nós. originalidade inconfundível, ou seja, meio
“açucaradas” e “Instigantes” que despertam o
Se, no início da sua carreira, os pais de Anabela tivessem que carac-
corpo para a dança. Muitas vezes, estas letras
terizar a cantora, diriam apenas que é desobediente. A desobediência
criam uma música do tipo selfie. Música selfie é
costuma ser confundida com rebeldia, por ambos conceitos apresen- para mim uma espécie de auto-retrato. Neste
tarem aspectos semelhantes. sentido, o autor dá maior ênfase em si mes-
A sua rebeldia em cantar um estilo “marginal”, fê-la sentir a dureza mo, revelando um certo narcisismo. É uma
dos seus pais que a proibiam com uma certa violência. Para “supor- característica bem visível nas letras das músi-
tar” a pressão dos pais, aliou-se aos irmãos Beny e Mina. Estes acon- cas de Noite e Dia.
selhavam a irmã, mais nova, a ser talentosa, a brilhar e não lhes fazer Quanto à dança Kuduro, é muitas vezes
passar vexame. teatralizada. Esse tipo de movimentações tem
O primeiro dueto de Noite e Dia foi com Puto Prata. Puto Prata era uma dimensão profícua, sendo que se tor-
conhecido pelo lado criativo e pelas composições. Ele compôs uma na uma espécie de veículo de comunicação,
canção para a estreante que a gravou sem qualidade. acabando, muitas vezes, por ter uma vertente
curativa e interventiva.
O grande êxito de Noite e Dia, que a colocaria definitivamente no
hall of fame, é a música Kibexa. Realista e nitidamente inspirada na Um verdadeiro exemplo é a música “Lhe
avança”. Ainda que tal música nasça num con-
expressão “persistência é o caminho do êxito” de Charles Chaplin, a
texto imediatista do “selfie music”, onde o su-
artista irrompeu os paradigmas da sociedade e dos seus familiares.
pérfluo tem peso de ouro, “Lhe Avança”, para
Depois deste hit (N.T êxito ou acerto), provou-nos que o Kuduro mim, só pode significar a vontade dos homens
não é um estilo marginal. O kuduro é o portento de salvação para que. Quando bem dirigidos, estes homens são
muitos jovens, alienados ou não, que vivem à margem do politica- capazes de trazer mudança social.
mente ou artisticamente correcto. Ele possibilita a integração destes A forma majestática e excêntrica de como
ao convívio social. O kuduro é uma espécie de catarse individual ou se apresenta, o talento e a rebeldia fizeram da
colectiva. Através das letras podemos vislumbrar toda uma geração Anabela Etianeth Ferreira Bento a luz que irra-
que sonha, que sobrevive aos dramas existenciais. É a partir desta dia entre os palcos; da opacidade e privações
visão que pensamos ser, o estilo kuduro, um antídoto à dor e ao des- encontrou a transparência, a luz. A luz que
espero. Um chamamento à resistência e à resiliência. carrega no palco, que imprime em cada hit. A
luz que lhe tornou rainha.

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KUDURO
Do gueto para o mundo
o estilo que rompeu barreiras Na Idade Média, música e poesia permaneceram disparatadas». Com isto, se a poesia está
unidas: escrita e cantada pelos trovadores, as em tudo é porque está também na músi-
cantigas de amigo, amor e maldizer, documen- ca, no kuduro, pois também aborda, de for-
DA MÚSICA À LITERATURA: tadas na Literatura Portuguesa, marcam uma ma geral, os temas do quotidiano (alegrias,
relação bem estreita entre essas duas artes. E conflitos). A música é uma construção que
DIMENSÃO LITERÁRIA DO KUDURO procurando uma aproximação da música, os parte do pessoal e que passa para o social.
simbolistas vão usar análise da letra na música
Texto: Wakala Isaac Manuel Muzombo Assim sendo, a música «Morte» que pro-
Morte, de Dj Naile e Fortaleza Urbana para isto.
Em seus poemas, um grande número de alite- pomos desconstruir apresenta alguma di-

T
rações, assonâncias, rimas e sinestesias com- mensão literária como, por exemplo, a per-
al como muitos vocábulos em Por- uma espécie de abismo”, recorremos à tradição
provando assim que música e poesia caminha- sonificação feita à morte. Ela é tida como
tuguês têm origem Grega, o vocá- e à história da poesia, que é marcada e acom-
ram juntas e que são várias as suas afinidades um ser que pode fazer/deixar de fazer, tem
bulo música também teve a mesma panhada pela música: desde a Antiguidade,
passando pelos trovadores, até aos simbolistas,
vida e age. Daí o pedido de mais tempo de
origem, isto da palavra «musiké» que faz Na literatura Portuguesa, esta forma de
notamos a afinidade entre música e poesia, en- vida do sujeito poético. Ainda assim, faz
referência ao antigo canto em verso. Além fazer poesia deu-se na Idade Média. Mas,
tre outros aspectos, pelos sons, ritmos, rimas, recurso a uma música com algum cunho
desta fonte, há outras que afirmam que o de qualquer das formas, hoje, «O que pre-
aliterações, onomatopeias e jogos de palavras literário , para expressar os seus desejos.
vocábulo vem de «musiké tecné», que é arte tendemos é encontrar a poesia na música,
Depois desta abordagem, passa-
das musas, ninfas, as deusas do ritmo e do Com base algumas afinidades descritas na letra da canção». Pretendemos encon-
mos a conceituar o kuduro e a apresen-
canto. Para Dietrich Schwanitz existiam nove pela citação anterior, para o estilo kuduro, trar a literariedade escondida no kuduro.
tar algumas ideias a que alguns inves-
musas, seis delas ligadas à música: Clio (his- na sua estrutura formal, o primeiro sinal de Para Manuel Bandeira , é «que a poesia está
tigadores se dedicaram no estudo das
tória e poesia épica), Calíope (poesia e ora- semelhança que temos é a rima, pois, a bus- em tudo – tanto nos amores como nos chi-
manifestações culturais orais angolanas.
tória), Terpsícore (canto coral e dança), Érato ca de rima no kuduro é constante (muitas nelos, tanto nas coisas lógicas como nas
(canção de amor), Euterpe (música e flauta), vezes, sem unidade das ideias anunciadas
e Poliímnia (canto e hinos). Esta abordagem nos vários versos), dando-lhe, assim, o ritmo
sobre as diferentes funções das musas re- e a musicalidade que lhe são necessárias. Na
mete-nos para a ligação da música com as tentativa da busca do ritmo, a maioria dos
outras artes. Faz-nos perceber ainda que a kuduristas opta pelo mesmo tipo de rimas,
música não era uma arte isolada ou autóno- a emparelhada. A rima também justifica a
ma, mas sim que integrava/integra outras construção moderna do kuduro, porque, se-
formas de arte, no nosso caso, a arte literária.
Mesmo que não pareça, faz sentido a ideia
gundo Chatelain, na música tradicional an-
golana, o recurso a rimas é raro. «Na poesia
Os Lambas
de que exista uma relação entre a música
kuduro e a literatura (poesia ou outro). Algu-
existem poucos sinais de rima, mas muitos
de aliteração, ritmo e paralelismo» . Além
Na g r e l ha e
mas músicas transmitem mais algo de poé-
tico, mas outras, nem por isso. Na realidade,
disso, a própria noção que alguns kuduristas
têm em organizar as letras em verso e es-
Brun o K ing
são duas artes diferentes, pelo que existem tas, por sua vez, em estrofes, como se pode
também diferenças entre elas, por isso é que ver em Bruno M., apresenta-nos uma visão
de proximidade entre as duas artes. Des-
Grande é a resistência em aceitar a letra de
sarte, isto é indicativo de que há uma apro-
música como poesia. Alguns críticos já traçaram
ximação entre o kuduro e a arte literária.
listas de factores que manifestam a diferença
entre essas duas artes. E, embora Manuel Ban- Quanto à ligação da música e literatura,
deira já tenha dito “que por maiores que sejam em séculos passados,
as afinidades entre duas artes, sempre as separa

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KUDURO
Do gueto para o mundo passaremos a estudar a cultura do povo angolano, aliás, porque ela
o estilo que rompeu barreiras (a cultura) passa por vários meios, na língua, dança, vestuário, músi-
CONCEITO DO KUDURO ca, etc. Assim, para o filósofo alemão, Herder, embora não descreva
quais sejam os primeiros elementos da cultura, mas afirma que «as
Na tentativa da desconstrução do conceito kuduro, apoiar- canções e a poesia do povo representam a quintessência da cultura».
nos-emos nas palavras de um dos ícones do mesmo estilo, o Ainda na classificação de Chatelain, que já citámos, acres-
considerado kudurista erudito, Bruno M. assim, para ele, o «ku- centa que «Em regra, a poesia é cantada, e a música ra-
duro é um tesouro ambulante guardado nos cofres da rua» … ramente se compõe sem palavras». Contudo, por a poe-
Quanto a esta afirmação, achamos que se deve ao facto de o sia não constituir um género à parte, pensamos em analisar
estilo encontrar a rua como o seu palco, porque é na rua em que alguns aspectos da arte literária que o estilo musical kuduro
começam os grupos de música e com eles os desafios de cantar e engendra. Escolhemos uma das músicas para esta análise.
dançar. Fala de rua para se referir ao quotidiano. Sendo assim, é
do quotidiano que vem a inspiração da maioria dos kuduristas, tal
como nos foi confirmado pelos kuduristas Rei Panda e Rei Loi. A de-
ANÁLISE DA LETRA NA MÚSICA MORTE, DE
finição de Bruno M. leva-nos ainda a considerar o kuduro como um
[…] Pode-se
estilo de margem, porque está entre uma suposta canonicidade da
afirmar que as
DJ NAILE E FORTALEZA URBANA
música angolana e as culturas de massa. Ainda assim, o kuduro é
manifestações
um estilo que aborda temas de interesse social, desde a tristeza à
culturais orais
alegria, o quotidiano dos trabalhadores e dos desempregados. Nele Esta música está marcada por dois senti- co, sentimo-lo a procurar refúgio ao Divino,
angolanas classi-
estão presentes as sátiras, a poesia variada, etc. Achamos que é mentos: para que Este protegesse os seus compan-
ficam-se em seis
uma verdadeira forma de se fazer a literatura, pois, como dizia Cha- 1º. Tristeza/medo heiros.
classes principais
telain, na sua obra intitulada Grammática Elementar de Quimbundo: […].
2º. Perspetivas do eu lírico Protege os meus irmãos de euforria, Deus
A expressão de sentimentos de tristeza Todo Poderoso, eu te peço.
do sujeito poético resulta das vítimas da A seguir, assistimos a sua identificação.
«A quinta classe é a da poesia e nos povos africanos intimamente associada
morte. Além da tristeza, parece estar a ex- Faz autoapresentação diante da morte,
música, que vão de mãos dadas. Os ao canto». É neste sentido que continuamos
primir algum temor diante da morte. A pri- dando a conhecer as suas responsabilida-
estilos, épico, heróico, bélico, cómi- a defender o kuduro como sendo uma mani-
meira estrofe da letra é dominada comple- des familiares e a isso é acrescido a ideia
co, satírico, dramático e religioso, festação literária. «Constitui a poesia negra
tamente pelo sentimento de tristeza/medo de responsabilidade paternal, por isso, a
estão bem representados, embora angolana, não um produto da imaginação,
e angústia do eu lírico, fruto do desapare- morte é entendida ainda pelo sujeito poé-
a importância não seja igual […].» […], mas o exteriorizar de um episódio vivido,
cimento eterno dos seus colegas músicos, tico como uma entidade que age, com isso,
Provavelmente, não existe outra arte an- quer individual quer colectivamente. Na sua
os quais ele cita: (Action Nigga, Lourdes pede-se-lhe tempo, para que não lhe leve
golana, a não ser o kuduro, que descreve to- estruturação, figuram adágios e remoques».
Van-Dúnem, Máquina do Inferno, Perereca, cedo demais.
das as formas de viver do nosso povo e que Na realidade, o kuduro aborda os viveres
Amizade, Pega Leve, Bangão, Mamukueno
tenha tanta audiência. Como diz o kudurista dos angolanos, o sofrimento da zungueira, Morte, eu sou pai de família,
e outros). Fala da partida destes colegas
Rei Loi, na conversa que tivemos com ele, em os ambientes festivos, as mortes, a política, Não me leve agora, eu te peço
para um lugar eterno, sem possibilidades
sua casa, «O kuduro é o estilo mais aprecia- o contraste entre a vida dos musseques e a Morte, me dá mais um tempo
de regresso. O temor do sujeito poético é
do e que faz vibrar o povo em Angola». Isto cidade, as diferentes classes sociais, etc. Por Morte, num me leve e nem me faz ruído.
imensurável, pois apresenta uma autêntica
se deve ao facto de o kuduro representar, de isso, «Dadas as características da poesia po-
rejeição à morte, que pode ser considerado No primeiro momento do poema, fazem-
forma clara, a vida do povo, ou seja, boa parte pular angolana, representa ela uma excelen-
um medo mórbido. se interrogações à morte, personificando-a.
do nosso quotidiano está representado nele. te fonte de estudo do viver de tal povo. Desde
Por o medo da morte lhe parecer algo O eu lírico traz um verso autobiográfico,
Além disso, Óscar Ribas, na sua obra Misoso, a dor à alegria, desde o elogio à crítica, im-
incessante e que domina o seu espírito, qualificando-se, e anuncia os seus medos
volume 3, trata «doutra forma de expressão põe-se essa poesia como um valioso subsí-
sentindo-se incapaz de impedi-la, o eu líri- por não saber como estão os seus colegas
literária, a poesia, que, como se sabe, anda dio psicológico». Assim, a partir do kuduro,

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KUDURO
Do gueto para o mundo
o estilo que rompeu barreiras

falecidos. Surge aqui a incerteza do estado Porém, os questionamentos feitos pelo


das pessoas falecidas, ou seja, o que se pas- eu lírico na letra resultam do desespero e Em termos estruturais, a letra está com- agarradas ao mesmo tema, que é o pe-
sa com os mortos? Há ainda a tentativa de angústia provocados pelas mortes constan- posta por um intro e uma retirada, duas dido à morte para que não leve cedo o
chamar atenção à morte pelos danos que tes de seus colegas. É uma solicitação feita estrofes cantadas por duas pessoas dife- eu lírico. O que justifica o título da le-
ele causou. ao Agostinho Neto, sobre a realização dos rentes. A primeira é cantada por Fortale- tra. Acima disto, acrescenta-se a utopia
Morte, eu tenho uma pergunta: desejos anunciados pelo sujeito poético no za Urbana e a segunda por Dj Naile. A pri- de uma Angola unida e reconstruída.
Por que só os melhores vão cedo? seu poema. meira estrofe tem 32 versos, e a segunda Portanto, o kuduro enquanto parte dos
Eu também sou um, tenho medo. Disseram havemos de voltar… tem 23 versos. No total, a letra é composta textos da literatura popular e pela descrimi-
Como está o Perereca? Ninguém voltou… Comé, Agostinho Neto? por 55 versos. O refrão é feito uma vez e nação que passa, devia ser mais valorizado,
Morte, por que és ingrata? depois de cada estrofe. Na verdade, essa porque, para Arnaldo Saraiva «O desprezo
Vê o que fizeste com o Action Nigga, Bangão, Entretanto, o poema de Agostinho Neto construção poemática feita nas letras do e a desatenção em relação à literatura dita
e o Kiss Prata? não se referia a este contexto que o eu líri- Kuduro não corresponde integralmente popular é muito mais do que um desprezo
O eu lírico, tendo conhecido alguns res- co menciona, pois, este poema faz parte da com os requisitos de um poema (sílabas e uma desatenção de ordem literária: é o
ponsáveis de grupos e localidades actuais literatura de combate, pelo que Neto alme- métricas, enumeração, número de versos desprezo e a desatenção ao homem popu-
do estilo kuduro, porém estes responsáveis java liberdade. No entanto, como afirmá- por cada estrofe e figuras de estilo), pois, lar». Portanto, esses estilos populares, «…
já falecidos, dá recomendações à morte mos, o questionamento feito ao Neto surge de forma geral, as estrofes do kuduro são por mais pobres que sejam, terão sempre
para que transmita a eles (responsáveis já em virtude de desalento com o fenómeno irregulares, com mais de 11 versos, mas o interesse literário». Além disso, «Se a mú-
falecidos), que o legado ou os grupos deixa- morte. que é usado e correspondente ao poema sica não agrada a gente surda ou muda,
dos, por exemplo, Bruno King e Nagrelha são a rima e a subjetividade. não quer dizer que a devemos desprezar».
(Os Lambas), já estão separados, fazem ca- 2º PERSPECTIVA DO EU LÍRICO As duas estrofes da letra continuam
rreiras a solo, por desentendimentos.
A seguir, no refrão, faz-se sequência dos Se a morte lhe cedesse o pedido de vida
questionamentos à morte, mencionando
todos os músicos que foram vítimas dela.
longa:
2BIBLIOGRAFIA
Apesar do medo incessante, o desejo de
Há aqui lamentações, expressão de senti-
uma vida longa domina-o também, senti-
mentos de cansaço, saturação, aborreci-
mos isto quando traça como meta: querer M. Bruno, Programa Sempre a Subir, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=QOvc-
mento, insatisfação e, no fim, surge outra
ver o seu companheiro Naile a vencer o Top TX6rEDY Consultado aos 01/12/17.
preocupação, a de saber até quando ela
dos Mais Queridos. No entanto, sabe-se que M. Bruno, Tchubila (letra). Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=qWbpg2TLqfE
deixará de vitimar as pessoas.
o kuduro, embora seja a música mais toca- .Acesso, aos 08/03/2018.
Já não basta, morte? Perereca, Amizade!
da em Angola, como afirmámos, é alvo de CABRAL, Clara Bertrand, Património cultural imaterial – Convenção da UNESCO e seus contex-
Já não basta, morte? Puto Kiss, Djei Zi Py!
censura constante, pelo que fazer referên- tos, edições, 70, Lda, Lisboa, 2011.
Já não basta, morte? Máquina, Pega Leve!
Já não basta, morte? Até aonde, morte?
cia à vitória do mais prestigiado prémio da Entrevista com o músico Rei Loy, em sua residência, Cazenga, 07/04/2018.
música angolana parece exagerado, pois o ERVEDOSA, Carlos, Roteiro da Literatura angolana, União dos Escritores Angolanos, 1975 – 1985.
sujeito poético sabe que isto é algo que po- JOSÉ, Roberto Silveira, O Livro dos dias: A poesia na música de Renato Russo, in “Existência e
Fazem-se ainda questionamento ao poe-
derá levar muitas décadas. Mas dominado Arte”- Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade
ma de Neto, Havemos de Voltar , onde
por desejos de vida longa, ainda acredita. Federal de São João Del-Rei - Ano I - Número I – janeiro a dezembro de 2005
o sujeito poético (em Neto) anuncia uma
mensagem de esperança, dizendo que ha- Quero ver o Dj Naile a vencer o Top dos Mais NETO, Agostinho, Havemos de Voltar, Disponível em http://www.agostinhoneto. org/index.
php?option=com_content&id=561: desterro Acesso aos 13/04/2018.
víamos de voltar às casas, às nossas lavras, Queridos
às praias, aos nossos campos

42 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 43


KUDURO
Do gueto para o mundo
o estilo que rompeu barreiras
além de estar numa situação ilegal, afirma ser um músico-kudurista que cruzava
a Europa “pregando as boas novas do kuduro”, causando estranheza aos nórdicos
O evangelho do kuduro que nada sabiam deste estilo que aos poucos ganhava o mundo. É neste episódio
que o autor viaja com reflexões entre o presente e o passado das origens do kudu-
segundo Kalaf Epalanga em ro, que nos fazem surgir nos bairros mais recônditos de Luanda e de Lisboa, nos
“Também os brancos sabem dançar” puros guetos por onde o kuduro flui. Dicas e paranóias, nomes de kuduristas, baila-
rinos e impulsionadores deste estilo são recorrentes na memória do autor.
“Ninguém me pediu para virar um missionário e enfrentar o mundo,
como um élder a espalhar o evangelho do kuduro” “Também os brancos sabem dançar” é de longe um
romance despretensioso. Escrito de forma simples e com
Te x t o : O l i v e i r a P r a z e r e s uma narrativa fluída, que proporciona aos seus leitores
uma leitura rápida e fácil. É visível a preocupação do autor
em narrar de forma biográfica para que os leitores e o
mundo entendam e conheçam o berço, as origens e o
2014. O último livro de Kalaf é resulta-
desenvolvimento do kuduro, este estilo que tem rompido
do de um desafio proposto pelo então
barreiras e ganhado o mundo.
amigo e escritor José Eduardo Agualusa
aquando da realização de mais uma
edição do festival Back2Black, no Bra-
Kalaf Epalanga
sil, onde ambos conversaram sobre o
kuduro.

É deste desafio que o autor autoficcio-


na as muitas experiências e aventuras
em prol da internacionalização do kudu-
ro enquanto membro da banda Buraka

K
alaf Epalanga é um gentleman Som Sistema. “Também os brancos
contemporâneo, uma mistura sabem dançar” é um romance musical
mais cool de Alfred Pennywort dividido em três partes com histórias
– mordomo de Bruce Wayne, o Batman distintas entre o kuduro, kizomba e uma
– e de um angolano puramente ben- Europa que se faz multicultural. É na
guelense, que destila todo o seu swag e essência da primeira parte do livro que
swing sempre que é visto. Kalaf, além de a história do kuduro nos é apresentada
músico e ex-integrante da banda Buraka por uma personagem autodiegética – o
Som Sistema, é também conhecido como próprio Kalaf –, na tentativa de uma
um poeta e cronista de grande estatura aventura frustrada, audaz e irrespon-
corporal e fala afável. Quem o conhece sável de entrar em território norueguês
reconhece nele o gosto apurado por fac- com seu passaporte angolano já cadu-
tos, poesia e boa música. cado e apresentar-se no festival de Oya
com a banda Buraka Som Sistema. A
A sua estreia literária dá-se em 2011
detenção num posto fronteiriço não tar-
com o livro de crónicas “Estórias de amor
dou. Kalaf é submetido a um interroga-
para meninos de cor”, depois seguiu-se
tório como se fosse um terrorista, pois,
“O angolano que comprou Lisboa”, em

44 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 45


O HOMEM QUE PLANTAVA AVES MURMÚRIOS DO SILÊNCIO
GOCIANTE PATISSA MOZIER JOCAND
A narrativa de Patissa marca-se como uma escrita crítica, que,
pela construção de um humor fino, destila suas críticas contra Numa estética emotiva, o escritor em causa faz-se refém da rea-
paradigmas do homem. Com um conjunto de 14 contos e uma lidade e forçadamente decidi esculpir em murmúrios um silêncio
fábula, Gociante Patissa constrói suas histórias explorando um gritante numa oficina viva em que se trabalha a palavra para
enredo criativo e único. abafar as chaminés da intolerância cultural, do desperdício da
Com a caractéristica de um escritor-parodista, o autor cria suas memória religiosa e do sacrifício com que se faz o homem e a
histórias com uma escrita concisa e leve, porém estruturada pe-
sociedade aos olhos de Deus nos dias de hoje.
las palavras de um homem que enxerga além da construção so-
cial, mas tão necessária de ser repensada.

DIÁRIO DE UM PROFESSOR (A)NORMAL


EDY LOBO DIAS DA NOSSA VIDA, ISAQUIEL CORI

Neste “diário”, temos um conjunto de reflexões de um professor Dias da Nossa Vida é um romance de matriz realista que nos
sobre a condição de pessoa que actua como profissional na sala dá a conhecer o quotidiano de um responsável dos Serviços de
Informação da República de um país fictício que, numa relação
de aulas para atender à educação escolar formal. Por norma,
de analogia entre a realidade e a ficção, bem se poderia chamar
nos tempos de hoje, os diários são peças obsoletas - substituí- Angola, em razão da biografia do autor; do quadro político que
das pelas páginas das redes sociais e outros meios electrónicos. traça, muito similar ao de uma Angola não tão longínqua; da alu-
Entretanto, temos entre nós um professor que faz diários, como são à cidade capital, Luanda, e de todo um conjunto de factores
e ideais que vêm formalmente objectivados na obra, que se li-
muitos outros também. A diferença reside na ousadia de este
gam à realidade através das categorias de intertextualidade e
professor partilhar, sem vergonha, o seu diário com os demais. verosimilhança.

RITMOS DA LUTA, O SEMBA COMO FERRAMENTA


AS SIMETRIAS DE MULHER, MARQUITA 50 DE LIBERTAÇÃO, FERNANDO CARLOS
Ritmos da luta: O semba como ferramenta de libertação é uma
pintura teatralcolorida com tons e sons poéticos que imprimem
Em As Simetrias de Mulher, Marquita 50 pretende rejuvenescer a
na nossa história recente o encanto da palavra cantada. Esta su-
agressevidade dos versos com que busca todos os seus sonhos gestiva obra traz no coração da sua tela-musseque uma fotogra-
do mundo, no mundo, os conflitos da alma contra a sociedade fia implantada pelo agrupamento musical Ngola Ritmos, que nos
injusta, bem como o contraste da existência que ajuda a enten- anos 40 entrou para a nossa história, escrevendo seu percurso
der o sentido para a experiência viva dos homens no trabalho com letras e ritmos de ouro, dando ao semba uma postura se-
nhorial. A dramática história reflecte ainda o amor pela terra, a
de escritor em detrimento daqueles que degradam a literatura.
necessidade de liberdade, a resistência ao colonialismo, a eman-
ciapação e o empoderamento do homem angolano.
46 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 47
Po rt folio
E S PA Ç O

PÚBLICO Angola
Um recanto do
mundo que vale a

DISPONÍVEL pena conhecer


Texto: Allicia Santos |

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48 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 49


A Necessidade do Fomento
do Turismo Nacional

T
urismo é toda deslocação feita para fora do seu
ambiente habitual, num período superior a um
dia e inferior a 365 dias sem que no destino se
desempenhe uma função remunerada. Falar de Turismo
é referirmo-nos a experiência de visitarmos um outro lo-
cal, a convivência com pessoas desconhecidas, a audácia
de decidir viver uma aventura, ou seja, é o sair da zona
de conforto e ver o grande contraste do novo e do velho
de Angola. Gostaria de citar: Angola é um país grande e
belo. Angola possui, de facto, um ecossistema muitíssi-
mo rico, de florestas a deserto, de planícies e montanhas
a estes 1.200 km2 de costa marítima, as praias, com uma
singularidade de formarem ondas para o sentido oposto
ao comum; de grutas e águas termais, quedas, rápidos,
cachoeiras, lagos e lagoas. Angola é, vale mesmo sublin-
har, um mosaico cultural, como enunciou o poeta maior,
desde ruínas históricas a história viva como o povo him-
ba e camussequele que no nosso território habita. Sair
de Luanda e conhecer a história, interagir com os locais,
conhecer pessoas fora da nossa esfera social, ouvir as
suas histórias, o seu profundo conhecimento da vida é
algo que vale a pena, tal como sentir as suas dificulda-
des, a sua simplicidade de viver e, apesar de tudo, ainda

Grutas
ser-se incrivelmente feliz, com um sorriso de uma ponta
a outra. Conhecer Angola, sua história, sua cultura e suas
gentes é uma experiência única!

do S a ssss a
Diz a lenda que nossos ancestrais costumavam se esconder
nessas cavernas para fugir do pagamento de impostos

50 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 51


A r c o do Deserto do
Fotografia no fenómeno do turismo nacional

Se não houvesse turistas aventureiros, nacionais, cu-


riosos, com máquinas fotográficas, não saberíamos de
muitas riquezas do nosso país. A fotografia é uma lin-
guagem, um instrumento visual de comunicação. Se não
capturássemos esses momentos, esses lugares, ninguém
acreditaria nas coisas mágicas que existem no nosso país.
E poderia também citar aqueles momentos caricatos em
que se fotografa a essência de um determinado povo e
depois as imagens estarem todas escuras, por motivos
alheios ao que é o nosso discurso. Passo a citar o Views of
Angola como um dos maiores propagadores dos poten-
ciais turísticos dos recantos do nosso país. Sim, potenciais
turísticos, pois, para ser um destino ou um local turístico
é necessário que existam condições para uma estadia:
alojamento, meios de comunicação, transportes, restau-
ração. Além de contadores de histórias e turistas inter-
nos, o grupo mostra-nos Angola de outros tipos. Uma
Angola nossa, que não aparece na tv. Retratos do nosso
quotidiano, estratos de diversas experiências vividas, inú-
meros quilómetros percorridos.

Rostos, conversas, trajectos. Angola tem sabor, tem


cheiro, tem cor. Somos receptivos, acolhedores, caloro-
sos e dispostos a ajudar. Existem lugares e experiências
que, contadas sem ilustração visual, parece que saíram
de um conto, parece que foram fábulas; podemos chegar
a questionar a sanidade mental da pessoa, se apenas ou-
virmos a explanação das suas aventuras no nosso país. É
como se tivesse saído de um filme. A nossa terra é fresca,
é viva, tem o som dos pássaros pela manhã, dá para sen-

Na m i b e
tir toda galáxia no fim do dia, bem debaixo dos nossos
Foto: @adyleao | narizes, a partir de cada recanto. As cidades do interior
aconchegam a alma. Angola é autêntica. É um destino vir-
gem e cheio de potencial, da qual, através de um clique,
temos acesso a apenas uma ínfima parte.

52 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 53


,
Sob os ceus est relados do Cunene
A danca
, dos
e m b o n d e i r os
N z e t o, Z a i r e

"Silêncio, estrelas, céus


colorindo todo o lugar para si, e
isso é algo que nenhum dinheiro
pode comprar”
Foto: @marinonicolas |

Foto: @bellawhitefoto |

54 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 55


A l e g r ia K u lu m bi m bi
do povo, Uma Coisa Ant iga e Mist eriosa

Huila
Foto: @jessartes|

Mbanza Congo, Património Mundial da Humanidade

"Aqui encontram-se as ruínas da primeira


Sé Catedral em África. Junto a ela está o
cemitério dos Reis do Kongo onde
foram enterrados 14 reis.”
Foto: @agamoto|

56 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 57


Leba como nunca vist e!
Igreja catolica
em Samba Caju

Foto:
@adyleao
|

Foto:
@kodilu|

Rapidos do K wanz a
…2.7km é o cumprimento da ponte sobre o rio Kwanza que liga a província
de Malanje a do Kwanza-Sul, encontram-se as Cataratas do Porto Condo,
também conhecidas como Rápidos do Kwanza, no município de Canganda- Foto: mauro_s3rgio|
la, que exibem uma beleza inolvidável a qualquer altura do ano.

58 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 59


Ilha de Luanda é um cordão litoral, em Angola, composto por
uma estreita porção de terra com 7 km de comprimento,
separando a cidade de Luanda do Oceano Atlântico.
criando a Baía de Luanda.
Foto:@gayjosiartistry|

Ilha de
Luanda
60 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 61
E n s a i o

A dicotomia entre onomástica antroponímica


como meio de manifestação cultural e A Onomástica antroponímica é também
como meio de expressão cultural um repertório do valor cultural de um povo
Texto: Hamilton Artes tural, mas relançar as bases para se debater

P
abertamente e compreender se há algo de mástica europeia de Nzinga Nguvo para
ela sua extensão sociocultural e im- para o campo da aceitação cultural e não
comum relativamente à onomástica antro- o rótulo de «Dom João I do Kongo»; Mue-
pregnação linguística quanto à sua con- do universalismo cultural. Por existir simi-
ponímica e, posteriori, restabelecer a dicoto- ne-Soyo para o rótulo de «Dom Miguel»;
cepção no subconsciente dos diferen- laridade na Onomástica Bantu, recorre-se à
mia existente entre a onomástica como meio Nzinga-a-Mbemba (filho de um dos reis)
tes falantes, o presente diálogo subscreve-se segmentação, primeiro, por a manifestação
de manifestação e como meio de expressão. para o rótulo de «Dom Afonso». Viu-se
na dicotomia existente entre a Onomástica funcionar como a macro identidade cultural,
também que a convivência existencial com
antroponímica como meio de manifestação como meio de inclusão sociocultural e segun-
Segundo Júlia Kristeva (1969, p. 28), “Na teo- a instituição cultural colonial deu continui-
cultural e como meio de expressão cultural do, por a expressão, circunscrevendo o cam-
ria de Peirce, o signo linguístico é uma relação dade a despersonalização antroponímica
na perspectiva da diversidade e interacção po da singularidade, ser indecisa, pois que,
triádica que se estabelece entre um objecto, o e, subsequentemente, a alienação em que,
sociolinguística. Assim sendo, a Onomástica à medida que absolve o significado regional
seu representante e o interpretante.”. Se ater- para se sentir assimilado, se devia ou se
é o ramo da linguística que estuda os nomes de cada grupo etnolinguístico, “Jamba” é para
se ao signo linguístico «Deus», arbitrariedade deve abandonar a instituição cultural an-
próprios e de lugares. A mesma ramifica-se o povo Ovimbundo, e “Venokanya”, para o
defendida por Freud, aquele remete-se para golana, desde os nomes, a língua, o vestir.
em Antroponímia e Toponímia. Parte-se do povo kwanyama. Também os exclui uma vez
«Nzambi» em determinada comunidade lin-
pressuposto de as palavras “manifestação” e que tem havido uma certa resistência na
guística, e «Kalunga», para outras. A dicotomia A breve incursão diacrónica é simples-
“expressão” serem sinónimos não perfeitos, coabitação da diversidade antroponímica. Às
consiste no facto do signo «Deus» ser plural, mente para subsidiar o presente diálogo.
porém no presente diálogo são antagónicas. vezes, somos aceites na pluralidade, isto é, na
isto é, quanto à manifestação, trata-se de uma Concomitantemente, as fronteiras dico-
manifestação. Negados na singularidade, isto
Divindade, e quanto à expressão, há uma sin- tómicas entre a onomástica como meio
Para o Dicionário da Língua Portuguesa é, na expressão. Acredita-se que o referido
gularidade, pois que a sua concepção e inter- de manifestação cultural e como meio
Contemporânea (2001, p. 2362), “manifes- processo decorra aleatoriamente pela forma
pretação é segundo a dúvida que se tem da sua de expressão é estreitíssima do ponto de
tação” provém do latim manisfetatio, -õnis, como os indivíduos são instruídos pela sua
suposta tonalidade de pele, se branca ou negra, vista ontológico. Na manifestação, todo o
que significa acção de manifestar ou de se comunidade de pertença ou pelas influências
ou do seu tamanho corporal, se gordo ou ma- ser Bantu não morre, transcende de for-
manifestar. No presente diálogo, translada socioculturais que acabam por se reflectir no
gro. Numa leitura hermenêutica, julga-se ser ma ilimitada e vasta. Na expressão, esta
o conceito etimológico para o campo do se- comportamento social. Porém, Herbert Scha-
similitudes relativas em função da dimensão transcendência não é vertical. O espaço
mantismo. Por conseguinte, abandona o sig- ffer (1984, p. 19) diz que “Não esqueçamos
interpretativa de cada grupo etnolinguística. cósmico cultural angolano por não ser ho-
nificado lexical pejorativo atribuído por uma que nem as influências do meio nem o equi-
mogéneo torna difícil a coabitação entre
parte da comunidade linguística angolana pamento constitucional determinam a per-
Notar-se-á que, para determinada comunida- a manifestação e a expressão. Neste pro-
em que está intrinsecamente relacionada à sonalidade – repetia com insistência [Alfred
de linguística, os gémeos chamam-se Kakulu e cesso transcendental, assiste-se, a prior,
ideia de confusão, frustração. Por exemplo, Adler]. – Eles constituem a estrutura e as es-
Kabasa. Para o povo kwanyama, é Mandume e transcendência antroponímica genealógi-
qual será a análise dos diferentes segmen- timulações a partir das quais o poder criador
Weyulo, Ngueve e Hossi para os Ovimbundos. ca, posteriori, a fisionomia antroponímica.
tos sociais angolanos, se numa proposição do ser molda a estrutura do seu psiquismo”.
Reter-se-á o denominador comum gémeos.
for escrito” o Mário manifestou o seu des- A título de exemplo, numa actividade que
Num olhar historiográfico, vê-se que a proble- A Onomástica antroponímica é também
contentamento pela forma como é gerida o aconteceu num dos municípios da província
mática em torno da onomástica antroponímica um repertório do valor cultural de um povo,
bem público”? Ele será visto como confuso, do Cunene, alguém se dirigiu a mim nos se-
Bantu sempre dividiu abordagens, tendo em por sua vez, a consciência despida do con-
frustrado. Quer-se com isto dizer que, para guintes termos: “ele é Venokanya, Kwanya-
conta os diferentes processos a que se esteve hecimento antropológico cria assimetrias
o diálogo a que se propôs, a manifestação ma, mas não é da minha área, «Ombadja»”.
sujeito, principalmente desde os reinados em entre as comunidades sociolinguísticas. Por
Onomástica antroponímica refere-se à ideia que houve uma marginalização significativa toda comunicação ser infinita, fica o repto
da pluralidade cultural. Subsequentemen- Não se pretende abordar de forma iso-
imposta pelo analfabetismo funcional quando de se ter cautela na abordagem e convi-
te, a pluralidade antroponímica remete-nos lada por Angola ser um mosaico multicul-
os reis do reino do Congo passaram para ono- vência entre a manifestação e a expressão.

62 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 63


FAÇ A C O M E S T I LO
Texto: Roldão Ferreira | julgados necessários), o Porta Painel, os Che- e Manual do Júri para melhor se prepararem e
............................................ fes das Alas de Bailarinos (Homem e Mulher), concorrerem com eficácia.
o Teatrista, o Coregráfico, o Músico, O Pintor, 10) Consultar a Comissão Provincial Prepara-
Em 13 pontos, lançamos elementos fundamentais o Decorador Alegórico, o Chefe da Falange de tória do Carnaval na pessoa responsável da
para constituição de um grupo carnavalesco, des- Apoio e o Chefe de Protocolo. área da Acção Cultural para melhores esclareci-
de a escolha da dança, organização, composição mentos sobre o comportamento do grupo em
dentre outros elementos técnicos ou administra- 5.4) Recorrer ao arquivo videográfico para tipos actuação.
tivos inerentes da actividade carnavalesca. Neste de actuação dos grupos já consagrados em
âmbito, enumeramos os seguintes pontos: termos de dança e indumentárias. 11) Participar atentamente nos encontros sobre
palestras seminários, oficinais e workshops a
1) Escolher o tipo de dança que irão representar 5.5) Contactar alfaiates, funileiros, decoradores que forem convidados, com pontualidade disci-

Como criar entre o Semba, Kabetula, kazukuta ou Dizanda ou e outros artífices para quantificar os custos plinar.
outro tipo existente no local. totais inerentes a primeira actuação do grupo.
12) Pesquisar obras literárias sobre o nosso Car-
um grupo 2) Escolher o nome do grupo, consultando alguns 6) Angariamento de Fundos. naval, entrosando o Tradicional ao Modernismo,
sem imitações a comportamentos estrangeiros,
carnavalesco
nomes já existentes ou outro mais actualizado
para que não haja conscidências 7) Filiar-se na Associação Provincial junto do nú- para a preservação das nossas raízes culturais.
cleo municipal da área em que estão sediados.
3) Indicar as características do grupo, se é de raiz 13) Realização de actividades recreativas para
tradicional para participar em concurso ou ape- 8) Procurar um espaço para sede e ensaios pre- concentração dos membros no sentido de os
nas Bloco de Animação parativos do grupo moldar numa única linguagem e/ou angaria-
mento de fundos.
4) Seleccionar 5 (cinco) elementos que deverão in- 9) Consultar o regulamento Geral do Carnaval
tegrar o Corpo Directivo para os seguintes cargos:

- Presidente
- Secretário-geral
- Director Artístico
- Comandante
- Tesoureiro

5) Marcação da data e local para uma reunião de


concertação, com a seguinte ordem de trabalho:

5.1) Análise do nome, tipo de dança e característi-


cas escolhidas.

5.2) Distribuição de tarefas aos membros presen-


tes ou não, para angariamento de sócios e patro-
cinadores individual ou colectivo.

5.3) Escolha do tema a apresentar pela primeira


vez elaborando-se o enredo, seleccionando-se os Fonte: Carnaval, Revista anual
elementos que irão apresentar o Rei, a Rainha, o do Ministério da Cultura, 2015,
Conde, a Princesa, a Enfermeira, os dois Gentios,
ano 12, nº11, pág. 08 e 09
o Comandante, os Percussionistas (uma Ngoma,
duas Caixas, uma Corneta e outros instrumentos Fotos: @jessartes|
64 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 65
Entidades Símbolos Monetários de Angola
NZIMBU

Museu da moeda É uma pequena concha "marisquinho” ou búzio cinzento,


que as populações, mulheres essencialmente, extraíam
nas praias da ilha de Luanda. Segundo Parreira, o Nzimbu
(Olivancillaria nana) é diferente do cauri (Cyporea Caurica
ou Cyporea moneta). Os Nzimbu eram propriedades do
BREVE HISTORIAL DO MUSEU DA MOEDA Estamos no final século XVI, onde se co- soberano do Kongo. Na época, esses locais constituíam
meça a usar o Marfim. Este novo meio de uma verdadeira casa de moeda, onde se recolhiam, em
grande quantidade. Era uma moeda de conta, de mais
O Museu da Moeda apresenta a história pagamento revela-se a principal fonte de
valor que corria, naquele reino, muitos séculos antes da
do dinheiro desde o Zimbo até ao Kwanza. receita do comércio com o exterior. Findo
chegada dos primeiros portugueses no território (1482).
Único na sua vocação, este museu expõe este período, surge o Cobre. Esta moeda
as colecções de numismática e de notafilia de troca tornou-se numa referência nas SAL
do Banco Nacional de Angola. Há à dispo- transacções comerciais, sendo o metal Este produto provinha de minas ou salinas da Kisama (caso
sição alguns objectos de enquadramento mais usado para fabricação de utensílios das pedras de sal de Ndemba), das regiões entre o Lui e
e dispositivos audiovisuais que ilucidam de uso diário como facas, enxadas, flechas, o Cwango e as de Benguela, etc.). O sal era moldado em
melhor os visitantes sobre o nosso passa- punhais, copos, manilhas, colares e fios. peças de diversas formas: pedras, barras, etc., embaladas
do. Este breve roteiro tem o propósito de em pacotes e transportado pelos profissionais "carrega-
fundamentar a interpretação dos temas Aproximamo-nos do Cauri, um pouco an- dores” que percorriam de lés-a-lés o território angolano.
que constituem a narrativa do museu. A tes da nossa viagem terminar, apresentan-
museografia assenta em núcleos temáti- do-se como concha branca de rara beleza,
CRUZETA DE COBRE
cos que focam os pré-monetários e outros que se afirma durante muitos séculos Os povos das regiões do Kongo, Ndongo e Lunda eram,
meios de pagamento, histórias de moedas como a moeda corrente em várias regiões desde muitos séculos, exímios ferreiros. O metal era usa-
singulares, a iconografia do dinheiro, a do mundo. Por último, as Contas, objectos do para fabricação de utensílios de uso corrente. Por se-
evolução da banca, ilustrações de notas, ornamentais feitos de sementes, de raízes rem muito procurados, os utensílios fabricados tornaram
os elementos de segurança e testemunhos aromáticas, cilindros, de marfim, pedaços a ser uma referência nas transacções comerciais.
pessoais sobre o papel do dinheiro na vida de ossos, dentes, unhas e outros adornos.
do cidadão angolano. É por tudo isto, e muito mais, que a His-
tória da nossa Moeda é considerada rica. MOEDA METÁLICA E FIDUCIÁRIA EM ANGOLA
Em 1694, o governador Jacques de Magalhães trouxe a
A HISTÓRIA DO KWANZA Venha conhecer o nosso Museu da Moeda,
primeira moeda metálica, a Macuta. Com o incremento
baluarte da nossa História.
do tráfico de escravos, apareceram várias moedas estran-
Falar da trajectória do Kwanza é uma au-
PLANTA E SERVIÇOS geiras em ouro e prata. Em Angola, a introdução do pa-
têntica viagem no tempo, com importantes
pel-moeda data de 1864, com a criação do Banco Nacional
e obrigatórias paragens. Começamos no Ultramarino (BNU).
Nzimbu, pequena concha ou búzio, extraí- O Museu da Moeda dispõe de todas as
do das praias da Ilha de Luanda. Na sua facilidades necessárias para que os seus
visitantes disfrutem de uma visita com KWANZA
maioria eram apanhados principalmente
A Lei da Moeda Nacional, nº 71-A/76 de 11 de Novembro
por mulheres, sendo que os de cor cin- todo o conforto possível. Assim, têm ao
criou o Kwanza, nome que deriva do maior rio que corre
zenta eram considerados de maior valor. seu dispor uma cafetaria com mais de em Angola. A 8 de Janeiro de 1977, o Governo do país pro-
Chegamos ao Libongo, pequeno pedaço de 26 m², um bengaleiro com 10 m² de arru- cedeu a troca das velhas notas da moeda colonial pelas
tecido de várias dimensões e qualidades, mação, 6 instalações sanitárias e uma loja novas notas nacionais.
feito à base de fibras da palmeira-bordão. de brindes com uma área superior a 50 m².
O Sal também foi uma das nossas moedas. Nesta loja, todos poderão levar um pedaço VISITE O MUSEU DA M O E DA
Este bem proveniente das minas ou sali-
na nossa cultura para casa. Um pedaço da
nas da Quiçama, era moldado em peças Endereço: Av. 4 de Fevereiro 151, Luanda |Horário: 09h - 15h | Telefone: 226 431 231
nossa História. Da nossa Angola.
de diversas formas como pedras e barras. http://www.museudamoeda.bna.ao

66 | Palavra&Arte Julho & Agosto | 67


PALAVRA&ARTE

ANOS Ao serviço da
arte e cultura
nacional
W W W. PA L AV R A E A R T E .C O. AO

68 | Palavra&Arte

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