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Atos dos Apóstolos – 2020.2 – Faculdade Dehoniana – Prof. P.

Claudio Buss 1

A ASSEMBLÉIA DE JERUSALÉM
(At 15,1-35)
O texto que estamos para afrontar narra uma das passagens fundamentais da Igreja das
origens. A importância da Assembléia de Jerusalém é devida à sua posição estratégica (se
encontra ao centro dos Atos dos Apóstolos), sobretudo pelo seu conteúdo. No c. 11,19-20
Lucas narra que os dispersos à causa da perseguição em ocasião da morte de Estêvão
“espalharam-se até a Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a Palavra, senão a judeus.
Havia entre eles, porém, alguns cipriotas e cireneus. Estes, chegando a Antioquia, falaram
também aos gregos, anunciando-lhes a Boa Nova do Senhor Jesus”.
Temos aqui muitas coisas importantes:
1. A primeira quanto à cidade de Antioquia, que aquista sempre um peso maior; a segunda
é que próprio em Antioquia nascem as primeiras comunidades mistas, compostas de judeus e
gregos. Em At 10 Lucas conta a história de Cornélio, um pagão convertido à fé cristã – porém,
este poderia representar uma exceção; em At 11, a expansão da Palavra chega ao ponto em
que nascem comunidades mistas e Antioquia torna-se o centro do fenômeno cristão.
2. O problema que vem discutido em Jerusalém, nasce propriamente em Antioquia, e é
natural que surja em um lugar onde as comunidades mistas tornam-se sempre mais importantes
e que constituem uma articulação fundamental da passagem da Palavra a outros lugares.
Esta grande Assembléia aconteceu em Jerusalém nos anos 48-49 d.C.
a. Nela é debatido o problema da necessidade da imposição dos ritos da lei judaica aos
pagãos recém-convertidos, em particular, a obrigação da circuncisão, sinal de presença ao
povo da Aliança e de submissão a Deus;
b. Depois da primeira evangelização dos pagãos, a questão se apresenta aos representantes
da Igreja é a seguinte: a circuncisão deve ser uma prática obrigatória também para os cristãos
que foram redimidos por Cristo e que já vivem no momento escatológico? * Por parte dos
convertidos do judaísmo, a vida cristã, sem as obrigações da Lei, devia ser considerada
relaxada demais e com o perigo de prejudicar a própria continuidade entre o Antigo e o Novo
Testamento.

A descrição do problema (vv. 1-5):

• São os judeu-cristãos da Judéia que visitam a Igreja de Antioquia os que fazem estourar o
problema, criticando asperamente o hábito de não impor a circuncisão aos pagãos que se
convertem, de acordo com a atuação dos cipriotas e dos cireneus que fundaram a
comunidade (11,20).
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• v. 2: o conflito é claro: a circuncisão é necessária ou não para a salvação? A nós hoje


poderia soar estranho esta questão. Mas poderíamos fazer uma comparação: o batismo é
necessário ou não para a salvação? A circuncisão era sinal da aliança e da participação ao
povo de Deus (Gn 17,10-14.23-27; 34,15-24). Esta era uma questão crucial nas origens da
Igreja, porque a pergunta tinha sua consequência à consideração de “fazer parte do povo
de Deus ou não”.
• Do ponto de vista geográfico e teológico é importante assinalar a centralidade da Igreja de
Jerusalém, considerada como Igreja-Mãe. Já do cap. 8 dos Atos se via claramente que o
trajeto da Palavra ia para outros lugares e Antioquia tornava-se já uma comunidade mista
de hebreus e pagãos (At 11,19-20). Próprio em Antioquia surge o problema, que vem
depois levado à Igreja mãe representada pelos apóstolos e anciãos/ presbíteros.
• O conflito sobre a circuncisão vem trazido aos apóstolos e anciãos de Jerusalém, onde
Tiago era uma figura relevante ao lado de Pedro. Este é conhecido como “irmão do
Senhor” (Mt 13,55; At 12,17; 1Cor 15,7). Um parente de Jesus. É fácil imaginar que a
necessidade da circuncisão era sustentada pelo judeu-cristãos, enquanto que a oposição
era constituída por Paulo, Barnabé, que tinham acolhido os pagãos na Igreja sem a
circuncisão.
• O evangelista destaca que também em Jerusalém, no exame da “questão” (v. 6), aconteceu
uma “acirrada discussão” (v. 7). Com efeito, os convertidos vindo do grupo dos fariseus
realçam “a necessidade” dos ritos judaicos, dizendo que é “preciso circuncidar os gentios
e impor-lhes a observância da lei de Moisés” (v. 5), apesar de que nem todos os membros
da comunidade de Jerusalém pensem da mesma forma. As posições divergente exigem um
esclarecimento da questão que, ao mesmo tempo, é teológica e cultural. *Na narração dos
Atos, há uma solução progressiva dos vários problemas determinados pela separação da
Igreja do judaísmo. Em primeiro lugar, enfrenta-se a questão do culto (7,44-50), depois, a
das leis alimentícias (10,9-16), finalmente, a das práticas da Lei (15,7-21).
• OBS.: Termina o tempo apostólico; em 16,4 os Doze são mencionados pela última vez.
Também Jerusalém passa para um segundo plano; a cidade santa se torna o que era na
época do escritor: uma venerada recordação, mas também uma cidade tornada estranha
pelo seu fechamento ao cristianismo.
• De outra parte a Assembléia de Jerusalém constitui o início da grande missão da época
pós-apostólica, uma missão liberta do problema da Lei e que dará nascimento a Igreja
dos Gentios.
• Mostrar a continuidade entre o tempo apostólico e a Igreja pós-apostólica é uma
preocupação fundamental do autor sacro: é do Colégio dos Apóstolos e da Igreja-mãe que
provém a legitimação da missão em terra pagã. A importância que Lucas atribui às
decisões da assembléia de Jerusalém é dada pelo cenário que oferece ao leitor: estão
presentes os apóstolos, os anciãos, a inteira comunidade; são pronunciados discursos das
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principais autoridades, vem escrita uma carta oficial. Enfim, Lucas apresenta uma
assembléia plenária com caráter de pronunciamento de decisões universais vinculantes.

ORGANIZAÇÃO DO TEXTO:

vv. 1-3: Antioquia


vv. 4-29: Jerusalém
vv. 30-35: Antioquia

*À reunião dos responsáveis em Jerusalém na qual examina-se a questão (v. 6),


corresponde a decisão tomada da cúpula da Igreja que deve ser transmitida à comunidade
de Antioquia (vv. 22-29). Durante o encontro merecem destaque as intervenções de Pedro e a
de Tiago. Entre elas, menciona-se o testemunho de Paulo e Barnabé que determina uma pausa
na narração (v. 12).

- A INTERVENÇÃO DE PEDRO (vv. 7-11)

• A primeira parte se relaciona com o episódio da conversão de Cornélio;


• Pedro não toca diretamente a questão da circuncisão, nem se refere à experiência da
primeira viagem de Paulo e Barnabé. Porque? Para Lucas o evento da conversão de
Cornélio há um valor fundamental e normativo; esta legitima também a missão de Barnabé
e Saulo.
• v. 7: a escuta da Palavra do evangelho por parte dos pagãos é o sinal da misteriosa
“eleição” de Deus que chama os gentios a fazerem parte do povo de Deus, assim como
chamou Israel.
• v. 8: a confirmação de que a conversão dos pagãos entra no projeto divino é o dom do
Espírito Santo, derramado sobre a família do centurião por parte da imperscrutável
providência do Deus que “conhece os corações” e não faz acepção de pessoas.
• v. 9: por causa desta imperecível e livre intervenção divina, os gentios estão em pé de
igualdade com o próprio Israel, que continua sendo o primeiro eleito e o destinatário
privilegiado da missão. Por isso, Pedro pode dizer que o Espírito foi dado a eles “como a
nós” (v. 8; 10,47), realçando a relação que existe entre o Pentecostes de Cesaréia e o de
Jerusalém. O que unifica agora é a fé que purifica dos corações de todos os que se
convertem, sem levar em conta mentalidade, a cultura e os hábitos que qualificam a história
de cada ser.
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• v. 10: com a frase “agora, pois”, que tem valor conclusivo, declara que impor as práticas
da Lei aos pagãos seria “provocar” Deus e desafiá-lo. Com isso Pedro afirma que os
preceitos rituais do judaísmo não podem ser impostos aos incircuncisos.
• Lucas constrói um discurso de Pedro com uma linguagem paulina: a justificação se
obtém mediante a fé e não pela Lei.
• O testemunho de Barnabé e Paulo, que relatam os milagre e os prodígios operados por
Deus entre os pagãos, aceitos na Igreja sem a imposição da circuncisão (v. 12), dá crédito
às palavras de Pedro.

A SOLUÇÃO PASTORAL DE TIAGO

• Este se apresenta resolutivo. O início do discurso é constituído por um “Irmãos, escutai-


me”: coloca súbito em evidência a autoridade a qual se espera a última palavra. O discurso
de Pedro (chamado Simeão, à maneira aramaica), vem reassumido e pontualizado com a
nota que Deus escolheu um povo (laos!) entre os pagãos (v. 14). Também aqui se coloca
em evidência como isto corresponde ao plano de Deus - o ato eletivo de Deus que escolheu
Israel e, que agora escolhe também os pagãos, para que entrem a fazer parte do seu povo.
• Se Pedro, em sua intervenção, destaca que os pagãos são “eleitos” por Deus de forma
semelhante a Israel (v. 7), Tiago confirma esta perspectiva, dizendo que Deus “visitou” as
nações, assim como “visitou” Israel (Lc 1,68.78; 7,16; 19,44), para “tomar dentre os
gentios um povo para o seu nome” (v. 14).
• Para ilustrar este desígnio divino, Tiago cita o profeta Am 9,11-12 – Deus reconstitui o seu
povo (a casa de Davi), o Israel escatológico, ao qual os pagãos vem associado graças a
Cristo.
• Tiago, tira as consequências (lucanas): a entrada das nações na Igreja, anunciada pelos
profetas, comporta a liberdade da Lei de Moisés. Para Lucas esta verdade proclamada por
Tiago é definitiva; esta corresponde ao pensamento de Pedro, o representante do colégio
apostólico, e foi sempre prevista por Deus, anunciada pelas Escrituras, e confirmada por
“sinais e prodígios”.
• Tal decreto coloca em luz a observância de algumas regras de tipo ritual requeridas ao
“estrangeiro que habita no país” (Lv 17 – 18), e que ora é exigida aos cristãos-helenistas
para tornar possível a convivência e a comensalidade comum com os judeus-cristãos. Não
se trata de condições para a salvação, porque são de caráter cultual-ritual. O escopo é a
comunhão das comunidades cristãs provenientes do judaísmo e daquelas provenientes do
paganismo, sem haver ofensas de sensibilidade mútua.
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A CARTA APOSTÓLICA

• Ressalta-se a importância da escolha de Silas e Judas como representantes oficiais da


comunidade de Jerusalém, enviando-os a Antioquia com Paulo e Barnabé, para
comunicar aos fiéis as decisões do Concílio.
• A carta tem como destinatários os “irmãos”, destacando que os que perturbaram a
comunidade não tinham nada a ver com as autoridades de Jerusalém, silenciando, assim,
a atitude bastante conservadora dos cristãos ao redor de Tiago (v. 24a; cf. Gl 2,11-14).
• Faz-se o elogio de Paulo e Barnabé, destacando sua generosidade em levar em frente a
missão, reconhecendo que sua visão acerca da questão da circuncisão era correta.
• Introduz-se o decreto apostólico com a fórmula solene: “pareceu bem ao Espírito e a
nós” (v. 28), realçando que as resoluções nele contidas foram fruto da procura da
vontade de Deus (5,32) e que, no âmbito da Igreja, representam uma necessidade
prática, não querendo as autoridades impor aos convertidos do paganismo “outro peso
além destas coisas necessárias” (28b).
• A partir de agora o narrador pode concentrar-se na missão universal de Paulo;
• Lucas insiste sobre o efeito do decreto a Antioquia: alegria, consolação e conforto. O
decreto coloca fim à série de problemas nascidos com a missão aos pagãos.
• Lucas termina o relato frisando a boa acolhida da delegação por parte da Igreja de
Antioquia. A assembléia de Jerusalém sancionou o direito ao pluralismo cultural no
âmbito da própria comunidade cristã, distinguindo entre fé e cultura.
• O v. 35 representa uma transição para a narração da missão de Paulo que começa logo
depois. Paulo e Barnabé assim, podem continuar a missão... sinal salvífico: uma
salvação que não vem dos homens, mas de Deus.

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