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18/08/2021 Historiadores contra a má fama da Idade Média | Cultura | EL PAÍS Brasil

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HISTÓRIA MEDIEVAL

Historiadores contra a má fama da Idade Média


Principais medievalistas espanhóis pedem que esse período pare de ser identificado com uma época
sombria e sinistra e resgatam sua influência no mundo contemporâneo

Grupo de mulheres em uma ilustração medieval. HISTORICAL PICTURE ARCHIVE / CORBIS/ GETTY

GUILLERMO ALTARES

18 JUL 2021 - 17:05 BRT

Dentes podres, fome, pestes, torturas, corpos pendurados na entrada das cidades, senhores feudais com o “direito da
primeira noite”... A Idade Média tem bastante má fama. Tanto que os principais medievalistas espanhóis assinaram um
manifesto no qual reivindicam o bom nome do período que estudam e que, afirmam eles, é essencial para compreender o
mundo contemporâneo. Sem a Idade Média não existiriam nem a maioria das línguas que falamos, nem a medição do tempo,
nem as cidades em que vivemos, nem muitas das receitas que preparamos, nem mesmo a influência dos clássicos romanos e
gregos, resgatados nos mosteiros medievais.

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“Pode-se dizer que vem sendo qualificado de ‘medieval’ tudo que tem relação com o atraso, a ignorância, a incultura, a
insalubridade, a barbárie, a crueldade, o fanatismo, o horror, a miséria, a monstruosidade, a violência...”, diz o texto surgido do
seminário El Legado Medieval, organizado por María Jesús Fuente e realizado no Instituto de Historiografia Julio Caro Baroja da
Universidade Carlos III de Madri, da qual Fuente é professora emérita de História Medieval. “O termo é um estigma que os
medievalistas assumem com estoicismo, mas neste ano de pandemia seu uso tem sido intensificado para qualificar assuntos
muito diferentes”, continua o manifesto, assinado por mais de 70 pesquisadores das principais universidades espanholas.
“Assim, surgem afirmações como ‘Não seja medieval e apoie a ciência e a medicina’, ou ‘essa esquerda medieval se acha
sofisticada’. Em críticas contra aqueles que apoiam a educação pública, pode-se encontrar: ‘Eles têm uma aversão às escolas
subvencionadas que é primitiva, medieval”.

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Fiction, o gângster Marsellus resume assim a tortura à qual vai submeter um sujeito: “Vou fazer um trabalho
medieval no seu traseiro”―, apesar do esforço de alguns escritores tão lidos como o italiano Umberto Eco. O
autor de O Nome da Rosa escreveu nas Notas sobre seu célebre romance: “É desnecessário dizer que todos
os problemas da Europa moderna, tais como os sentimos hoje, foram formados no período medieval: da
democracia comunal à economia bancária, das monarquias nacionais às cidades, das novas tecnologias às Ken Follett: “Os
vikings eram
rebeliões dos pobres… A Idade Média é nossa infância, à qual sempre temos de retornar para realizar nossa
como a máfia da
anamnese”. Idade Média:
violentos,
ladrões e
“A Idade Média é uma época de luz”, afirma, referindo-se aos manuscritos medievais ilustrados, María Jesús assassinos”
Fuente, que ganhou em 2020 o prêmio de ensaio Leonor de Guzmán. Ela considera que esse é um período
que “tem sido muito idealizado ou considerado um tempo maldito”. A professora Fuente diz que as
falsidades começaram praticamente desde a criação do termo no Renascimento, assinalando que autores
como Voltaire contribuíram para difundir as calúnias sobre a Idade Média. Como aponta outro signatário, o
filólogo Alberto Montaner, um dos grandes especialistas em El Cid, foram precisamente os ilustrados que “Que Ricardo
criaram os piores tópicos sobre o período, porque o consideravam “a era do feudalismo no campo político e Coração de Leão
do obscurantismo no intelectual”. “Daí surge a imagem de uma Idade Média de masmorras senhoriais e tenha se deitado
com o rei da
calabouços inquisitoriais, caça às bruxas e fogueiras para hereges. Na verdade, a Inquisição, da forma como França não
era conhecida no século XVIII, teria surgido no início da Idade Moderna (final do século XV), enquanto que a significa que
fosse gay”
caça às bruxas foi um fenômeno desconhecido na Idade Média e ocorreu entre os séculos XV e XVII.”

A raivosa
atualidade da
Idade Média

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Imagem de um manuscrito medieval na exposição ‘A Luz da Idade Média’, na Biblioteca Nacional da Espanha.

Parafraseando os clássicos, todos os signatários consultados respondem à pergunta sobre “o que os medievais fizeram por
nós”. “O castelhano”, destaca Ricardo Córdoba, professor de História Medieval na Universidade de Córdoba. “É uma língua
medieval. A divisão do tempo, o método de contar as datas pelo ano do nascimento de Cristo e a atual divisão em
comunidades autônomas também são absolutamente medievais. E, salvo algumas exceções, continuamos usando os nomes
de santos, que têm origem medieval. Sem falar da gastronomia.” As universidades, uma gestão muito ecológica dos recursos
naturais, a inserção das minorias no tecido jurídico, a medicina e a álgebra ―não podemos esquecer que a Idade Média
abrange tanto o mundo cristão quanto o islâmico― são outras contribuições muito citadas pelos especialistas.

Isabel del Val, professora da Universidade de Valladolid, sustenta: “Nossa raízes estão aí, nas cidades e na vida urbana”. Parte
das ideias em torno da Idade Média se deve ao fato de ser um período muito longo, que dura quase mil anos, desde o fim do
mundo romano até o Renascimento, o que significa que algumas partes são muito mais conhecidas do que outras. “Há mais
distância entre o início e o fim da Idade Média do que entre nós e a descoberta da América”, assinala.

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O papel da mulher na vida social, afirma Isabel del Val, também era muito mais importante do que se poderia imaginar: “No
século IX, uma mulher chamada Duoda vivia na propriedade de seu marido, um personagem importante dos carolíngios. Ela
escreveu um livro para seu filho, administrou uma fazenda da família. É uma idade das trevas? Sabemos pouco, mas aquilo
não parece muito sombrio”. Ana Echevarría Arsuaga, professora da Universidade Nacional de Educação a Distância da
Espanha (UNED), que pesquisa sobre rainhas e minorias religiosas, assinala: “O direito da mulher desde o século XI até os
séculos XV/XVI permite uma gestão de propriedades sem paralelo em toda a Europa. As mulheres daquela época tinham
mais possibilidades de administrar uma propriedade do que as do início do século XX”.

Miniatura medieval da Batalha de Montiel com as tropas de Pedro I se refugiando no castelo.

Então, além da língua, do tempo, da gastronomia, da álgebra e dos clássicos, o que os medievais fizeram por nós? Remedios
Morán Martín, professora da UNED especializada em história do direito, acrescenta: as leis. “Durante a Plena e a Baixa Idade
Média, os espaços dos diferentes reinos e condados já estavam muito mais consolidados e foi possível agir de forma mais
eficaz do ponto de vista da criação de novas instituições que permitissem a atuação do poder real. Entre essas instituições,
destaco o nascimento das Cortes ―as primeiras foram convocadas em Leão em 1188 e foram pioneiras no mundo [como
órgão parlamentar]. E ainda a criação dos Conselhos, também como órgãos de assessoramento, a partir dos quais era
conduzida a administração da monarquia ―e que se transformariam nos atuais ministérios. Estamos no oitavo centenário do

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nascimento de Afonso X, o Sábio (Toledo, 23 de novembro de 1221−Sevilha, 4 de abril de 1284), que tem passado muito
despercebido, e não podemos esquecer o trabalho jurídico e cultural que ele realizou para tentar modernizar a monarquia.”

“Esquece-se que a Idade Média impregna o nosso cotidiano: o garfo, o papel-moeda, os óculos, o relógio mecânico, o livro, a
imprensa e a água de rosas vêm daquela época”, diz o manifesto. “Mas, além das invenções, os séculos medievais foram
grandes criadores de estruturas sociais, territoriais, políticas e educacionais que nos convidam a refletir sobre o caminho
percorrido desde então até os dias de hoje.” O sábio cantor e compositor francês Georges Brassens resumiu tudo isso em uma
de suas letras mais famosas: “Perdoe-me, príncipe, se sou terrivelmente medieval”.

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