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PROBLEMAS MORAIS E PROBLEMAS ETICOS

Nas relações cotidianas entre os indivíduos, surgem continuamente

t Vétpau~ problemas como estes: Devo cumprir a promessa x que fiz ontem ao
meu amigo Y, embora hoje

certos prejuízos? Se
perceba que o cumprimento me causará
alguém se aproxima, noite, de maneira suspeita
e receio que me possa agredir, devo atirar nele, aproveitando que nin-
toiliz cas guém pode ver, a fim de não correr o risco de ser agredido? Com res-
peito aos crimes cometidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra

Loo2 Mundial, os soldados que os executaram, cumprindo ordens milita-


res, podem ser moralmente condenados? Devo dizer sempre a verda-
de ou há ocasiões em que devo mentir? Quem, numa
guerra de inva-
são, sabe que o seu amigo está colaborando com o inimigo, deve
Z
calar, por causa da amizade, ou deve denunciá-lo como traidor?
Podemos considerar bom o homem que se mostra caridoso com o
mendigo que bate à sua porta e, durante o dia --como patro
explora impiedosamente os
operários e os
empregados da sua empre-
sa? Se um indivíduo procura fazer
o beme as
conseqüências de suas
ações prejudiciais àqueles que pretendia favorecer, porque lhes
são
causa mais
prejuízo do que beneficio, devemos julgar que age correta-
mente de um ponto de vista
moral, quaisquer que tenham sido os etei-
tosde sua ação?
Em todos estes casos, trata-se de problemas
práticos, isto é, de
problemas que se apresentam nas relações efetivas, reais, entre indiví-
duos ou quando se julgam certas decisões e ações dos mesmos. Trata-
se, por sua vez, de problemas cuja solução no concerne somente à

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E
OBJETO DA ÉTICA
ETICA

pessoa que os propõe, mas também a outra ou outras pessoas que razões para
argumentos ou
justificar a decisão adotada ou os passos
sotrerão as
conseqüências da sua decisão e da sua ação. As conse- dados.
quencias podem afetar somente um indivíduo (devo dizer a verdade Tudo isto faz parte de um tipo de
Ou devo mentir a comportamento efetivo, tanto
X?); em outros casos, trata-se de ações que atingem dos indivíduos quanto dos grupos sociais e tanto de ontem
vários indivíduos ou grupos sociais (os soldados nazistas deviam exe- quanto de
hoje. De fato, o comportamento humano prático-moral,
ainda que
cutar asordens de cxtermínio emanadas de seus superiores?). Enfim, sujeito variação de uma época para outra e de uma sociedade para
a
as conseqüencias
podem estender-se a uma comunidade inteira, como outra, remonta até as proprias origens do homem como ser social.
a nação (devo
guardar silêncio em nome da amizade, diante do proce A este comportamento prático-moral, que já se encontra nas for-
dimento de um traidor?). mas mais primitivas de comunidade, sucede
Em situações como estas que acabamos de enumerar, os indiví-
posteriormente- muitos
milênios depois a reflexo sobre ele. Os homens não só agem
duos se defrontam com a necessidade de pautar o seu moralmente (isto é, enfrentam determinados problemas nas suas rela-
comportamento
por normas que se julgam mais apropriadas ou mais dignas de ser cum- ções mútuas, tomam decisões e realizam certOs atos
para resolvë-los e,
pridas. Estas normas são aceitas intimamente e reconhecidas como ao mesmo tempo, julgam ou avaliam de de outra mancira
uma ou
obrigatórias: de acordo com elas, os indivíduos compreendem que têm estas decisões e estes atos), mas também refletem sobre esse compor-
o dever de agir desta ou daquela maneira. Nestes casos, dizemos que o tamento prático e o tomam como objeto da sua retlexão e de seu pen-
homem age moralmente e que neste seu comportamento se evidenciam Dá-se assim
samento. a passagem do plano da prática moral para o da
varios traços característicos que o diferenciam de outras formas de teoria moral; ou, em outras palavras, da moral etetiva, Vivida, para a
conduta humana. Sobre este comportamento, que éo resultado de uma moral reflexa. Quando se verifica esta passagem, que coincide com o
decisão refletida e, por isto, não puramente espontânea ou natural, os início do pensamento filosótico, já estamos propr-amente na estera
outros julgam, de acordo também com normas estabelecidas, e formu- dos problemas teórico-morais ou éticos.
lam juízos como os seguintes: "X agiu bem mentindo naquelas
circuns A diferença dos problemas prático-morais, os éticos são caracte-
tâncias"; "Z devia denunciar o seu amigo traidor"', etc. rizados pela sua generalidade. Se na vida real um
indivíduo concreto
Desta maneira temos, pois, de um lado, atos e formas de
conpor enfrenta uma determinada situação, deverá resolver por si mesmo,
tamentos dos homens em face de determinados problemas, que cha- Com a ajuda de uma norma que reconhece e aceita intimamente, o
mamos morais, e, do outro lado, juízos que aprovam ou desaprovam problema de como agir de maneira a que sua ação possa ser boa, isto
moralmente os mesmos atos. Mas, por sua vez, tanto os atos quanto é, moralmente valiosa. Será inútil recorrer à ética com a esperança de
OS juizos morais pressupõem certas normas que apontam o que se encontrar ncla uma norma de ação para cada situação concreta. A éti-
deve fazer. Assim, por exemplo, o juízo: "Z devia denunciar o seu ca podecá dizer-lhe, em geral,
o que é um comportamento paurado
amigo traidor", pressupõe a norma "os interesses da pátria devem ser por normas, ou em que consiste o fim- o bom- visado pelo com-
postos acima dos da amizade". portamento moral, do qual faz parte o procedimento do indivíduo
Por conseguinte, vida real, defrontamo-nos com problemas
na concreto ou o de todos. O problema do que fazer em cada
situação
práticos do tipo dos enumerados, dos quais ninguém pode eximir-se. concreta é um problema prático-morale não teórico-ético. Ao contrá-
E, para resolv-los, os indivíduos recorrem a normas, cumprem deter- rio, definir o que é o bom não é um problema moral cuja solução cai-
minados atos, formulam juízos e, às vezes, se servem de determinados ba ao indivíduo em cada caso particular, mas um problema geral de

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o8JETO DA £TICAa ETICA

caráter teórico, de competência do investigador da moral, ou seja, do estão sujeitos é um problema teórico, cujo estudo é da competência da
ético. Assim, por exenplo, na Antigüidade grega, Aristóteles se propõe ética. Problemas éticos são tanbém o da
obrigatoriedade moral, isto
o problema teórico de definir o que é o bom. Sua tarefa é investigar o é, o da natureza e fundamentos do comportamento moral enquanto
conteúdo do bom, e não determinar o que cada indivíduo deve fazer obrigatório, bem como o da realização moral, no só como en1preen-
em cada caso concreto para que o seu ato possa ser considerado bom. dimento individual, mas também como empreendimento coletivo.
Sem dúvida, esta investigação teórica não deixa de ter conseqüências Os homens, porém, em seu comportamento prático-moral, não
somente cumprem determinados atos, como, ademais, julgam ou ava-
práticas, porque, ao se definir o que é o bom, se está traçando um
caminho geral, em cujo marco os homens podem orientar a sua condu- liam os mesmos; isto é, formulam juízos de aprovação ou de reprova-
ta nas diversas situações particulares. Neste sentido, a teoria pode ção delese se sujeitam consciente e livremente a certas normas ou
regras de ação. Tudo isto toma a forma lógica de certos enunciados
influir no comportamento moral-prático. Mas, apesar disso, o proble-
ou proposições. Neste ponto, abre-se para a ética um vasto camnpo de
ma prático que o indivíduo deve resolver na sua vida cotidiana e o pro-
investigação que, em nosso tempo, constituiu uma sua seção especial
blema teórico cuja solução compete ao investigador, a partir da análi-
sob o nome de metaética, cuja tarefa é o estudo da natureza, função c
se do material que Ihe é proporcionado pelo comportamento etetivo
justificação dos juízos morais. Precisamente este último é um proble-
dos homens, não podem ser identificados. Muitas teorias éticas orga-
ma metaético fundamental: ou seja, examinar se se podem apresentar
nizaram-se em torno da definição do bom, na suposição de que, se sou-
razões ou argumentos-e, em tal caso, que tipo de razões ou de argu-
bermos determinar o que é, poderemos saber o que devemos tazer ou
mentos para demonstrar a validade de um juízo moral e, particular-
não fazer. As respostas sobre o que é o bom variam, evidentemente, de mente, das normas morais.
uma teoria para outra: para uns, o bom é a felicidade ou o prazer; para
Os problemas teóricos e os problemas práticos, no terreno moral,
Outros, o úil, o poder, a autocriação do ser humano, etc. se diferenciam, portanto, mas não estão separados por uma barreira
Mas, juntamente com este problema central, colocam-se também
intransponível. As soluções que se dão aos primeiros não deixam de
outros problemas éticos fundamentais, tais como o de definir a essên-
influir na colocação e na solução dos segundos, isto é, na própria prá-
à diterença de
Cia ou os traços essenciais do comportamento moral, tica moral;por sua vez, os problemas propostos pela moral prática,
Outras tormas de comportamento humano, como a religião, a politi- vivida, assim como as suas soluções, constituem a matéria de reflexão,
ca, o atividade científica, a arte, o trato social, etc. O proble-
direito, a o fato ao qual a teoria ética deve retornar constantemente para que
ma da essëncia do ato moral envia a outro problema importantissim0: não seja uma especulação estéril, mas sim a teoria de um modo efeti-
o da responsabilidade. E possível falar em comportamento moral vo, real, de comportamento do homem.
somente quando o sujeito que assim se comporta é responsável pelos
Seus atos, mas ist0, por sua vez, envolve o pressuposto de que pde
tazer o que queria fazer, ou seja, de que pôde escolher entre duas ou
mais alternativas, e agir de acordo com a decisão tomada. O proble- 2.0 CAMPO DA ÉTICA
ma da liberdade da vontade, por isso, é inseparável do da responsabi-
Os problemas éticos caracterizam-se pela sua generalidade e isto os
idade. Dccidir e agir numa situação concreta é um problema prático-
distingue dos problemas morais da vida cotidiana, que sao os que se
moral; mas investigar o modo pelo qual a responsabilidade moral se nos apresentam nas situações concretas. Mas, desde que a solução
relaciona com a liberdade e com o determinismo ao qual nossos atos

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OBIETO DA ETICA ETICA

dada aosprimeiros influi na moral vivida- sobretudo quando se tra- válidos para qualquer moral. Mas o campo da ética nem está à mar-
ta não de uma ética absolutista, gem da moral efetiva, nem tampouco se limita a uma determinada
apriorística ou puramente especulati-
a ética pode contribuir para fundamentar ou justificarcerta for- forma temporal e relativa da mesma.
ma de A ética é teoria,
comportamento moral. Assim, por exemplo, se a ética revela investigaçãoou explicação de um
tipo de expe
uma relaço entre o
comportamento moral e as necessidades e os inte riencia humana ou forma de comportamento dos homens, o da moral,
resses sociais,
ela nos ajudará a situar no devido lugar a moral efetiva, considerado porém na sua totaiidade, diversidade e variedade. O que
real, de um grupo social que tem a pretensão de que seus princípios e nela se afirme sobre a natureza ou fundamento das normas morais
deve valer paraa moral da sociedade grega, ou para a moral que
Suas normas tenham validade universal, sem levar em conta necessi- vigo
dades e interesses concretos. Por,outro lado, se a ética, quando trata ra de fato numa comunidade humana moderna. E isso que assegura o
de definir o que é seu caráter teórico e evita sua redução a uma disciplina normativa ou
o bom, recusa reduzi-lo satisfaz meu
àquilo que
interesse pessoal, exclusivo, evidentemente influirá na prática moral pragmática. O valor da ética como teoria está naquilo que explica,e
não no fato de prescrever ou recomendar com vistas à ação em situa-
a0 rejeitar um comportamento egoísta como moralmente válido. Por
causa de seu caráter prático, enquanto disciplina teórica, tentou-se ver ções concretas.
na ética uma disciplina normativa, cuja função fundamental seria a de Como reação a estes excessos normativistas das éticas tradicio-
indicar o melhor comportamento do ponto de vista moral. Mas esta nais, procurou-se nos últimos tempos limitaro domínio da ética aos
caracterização da ética como disciplina normativa pode levar-e, no problemas da linguagem e do raciocínio moral, renunciando-se a
passado, treqüentemente levou-a esquecer seu caráter propriamen- abordar questões como a definição do bom, a essência da moral, o
te teórico. Certamente, muitas éticas tradicionais partem da idéia de fundamento da consciência moral, etc. Pois bem; embora as questões
que a missão do teórico, neste campo, é dizer aos homens o que sobre a linguagem, natureza e significado dos juízos morais tenham
devem uma grande importância-e, por isto, se justifique que sejam estuda-
fazer, ditando-lhes as normas ou princípios pelos quais pautar
seu comportamento. O ético transforma-se assim numa espécie de das de maneira especial na metaética - não podem ser as únicas
legislador do comportamento moral dos indivíduos ou da comunida- questões tratadas na ética e também não podem ser abordadas inde-
de. Mas a função fundamental da ética é a mesma de toda teoria: pendentemente dos problemas éticos fundamentais, levantados pelo
estudo do comportamento moral, da moral efetiva em todas as suas
explicar, esclarecer ou investigar uma determinada realidade, elabo-
rando os conceitos correspondentes. Por outro lado, a realidade manifestações. Este comportamento se apresenta como forma de
uma

moral varia historicamente e, com ela, variam os seus princípios e as comportarmento humano, como um fato, e cabe àética explicá-lo,
suas normas. A pretensão de formular princípios e normas universais, tomando a prática moral da humanidade em seu conjunto como obje
deixando de lado a expêriência moral histórica, afastaria da teoria to de sua reflexão. Neste sentido, como qualquer teoria, a ética é
precisamente a realidade que deveria explicar. Também écerto que explicação daquilo que foi ou é, e não uma simples descrição. Não he
cabe formular juízos de valor sobre a prática moral de outras socieda-
muitas doutrinas éticas do passado não são uma investigação ou
des, ou de outras épocas, em nome de uma moral absoluta e univer
esclarecimento da moral como comportamento efetivo, humano, mas
razo de ser desta pluralidade e das
uma justificação ideológica de determinada moral, correspondente a sal, deve, antes, explicar a
mas

mudanças de moral; isto é, deve esclarecer o fato de os homens terem


determinadas necessidades sociais, e, para isto, elevamm os seus princí-
recorrido a pråticas morais diterentes e até opostas.
pios e as suas normas à categoria de princípios e normas universais,

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OBJETo DA ÉTICA ETICA

Aética parte do fato da existência da história da moral, istoé, A ética é a teoria ou ciência do
comportamento moral dos
toma como ponto de partida a diversidade de morais no tempo, com homens em sociedade. Ou seja, é ciência de uma forma
específica
de
seus respectivos valores, princípios e normas. Como teoria, n0 se Comportamento humano.
identifica com os princípios e normas de nenhuma moral em particu- A nossa definição sublinha, em
primeiro lugar, o caráter cierntíi-
lar e tampouco pode adotar uma atitude indiferente ou eclética dian- co desta
disciplina; isto é, corresponde à necessidade de uma aborda-
te delas. Juntamente com a explicação de suas diferenças, deve inves- gein científica dos problemas morais. De acordo com esta abordagem,
a ética se ocupa de um
tigar o principio que permita compreendë-las no seu movimento e no objeto próprio: o setor da realidade humana
seu desenvolvimento. que chamamos moral, constituído-como já dissemos- por um
Como as demais ciências, a ética se defronta com fatos. Que estes tipo peculiar de fatos ou atos humanos. Como ciência, a ética parte de
sejam humanos implica, por sua vez, em que sejam fatos de valor. certo tipo de fatos visando descobtir-lhes os
princípios gerais. Neste
Mas isto não prejudica em nada as exigências de um estudo objetivo sentido, embora parta de dados empíricos, isto éé da existência de um
e racional. A ética estuda uma forma de comportamento humano que comportamento moral efetivo, não pode permanecer no nível de uma
os homens julgam valioso e, além disto, obrigatório e
inescapável. simples descrição ou registro dos mesmos, mas os transcende com
Mas nada disto altera minimamente a verdade de que a ética deve for- seus conceitos, hipóteses e Enquanto conhecimento cientifico,
teorias.
necer a compreensão racional de um aspecto real, efetivo, do compor- a ética deve
aspirar à racionalidade
e objetividade mais
completas e,
tamento dos homens. ao mesmo tempo, deve
proporcionar conhecimentos sistemáticos,
metódicos e, no limite do possível, comprováveis.
Certamente, esta abordagem cientifica dos problemas morais ain-
da está muito longe de ser satisfatória, e das dificuldades
para alcan
3. DEFINIÇÃO DA ÉTICA çá-la ainda continuam se beneficiando as éticas especulativas tradicio-
nais e as atuais de inspiração positivista.
identificam com os A ética é a ciência da moral, isto é, de
Assim como osproblemas teóricos morais no se uma esfera do comporta-

problemas práticos, embora estejam estritamente relacionados,


tam- mento humano. No se deve confundir aqui a teoria com o seu
obje-
to: o mundo moral. As
bém não se podem confundir a ética e a moral. A ética no cria a proposições da ética devem ter o mesmo rigor,
a mesma coerência e
moral. Conquanto seja certo que toda moral supõe determinados fundamentação das proposições científicas. Ao
no é a ética que os contrári0, os princípios, as normas ou os juízos de uma moral deter-
principios, normas ou regras de comportamento,
estabelece numa determinada comunidade. A ética depara com uma minada não apresentam esse caráter. E não-somente no tën um ca-
ráter cientifico, experiência histórica moral demonstra como
experiëncia histórico-social no terreno da moral, ou seja, com uma mas a

serie de prâticas mnorais já em vigor e, partindo delas, procura deter muitas vezes são incompatíveis com os conhecimentos fornecidos pe-
minar a essëncia da moral, sua origem, as condições objetivas e subje las ciencias naturaise sociais. Daí
podermos afirmar que, se se pode
tivas do ato moral, as fontes da avaliação moral, a natureza e a fun- falar numa ética científica, não se pode dizer o mesmo da moral. Não
existe uma moral científica, mas existe- ou pode existir- um co-
ção dos juízos morais, os critérios de justificação destes juízos e o
principio que rege a mudança e a sucessão de diferentes sistemas nhecimento da moral que pode ser científico. Aqui, como nas outras
morais. ciências, o científico baseia-se no método, na abordagem do objeto, e

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OBJETO DA ÉTICA ETICA

não no próprio objeto. Da mesma maneira, pode-se dizer que o mun- da o


comportamento moral: humano
o como o adquirido ou conquis-
do físico no é científico, embora o seja a sua abordagem ou estudo tado pelo homem sobre o que há nele de pura natureza. O comporta-
porém, não existe uma moral científica
por parte da ciência fisica. Se, mento moral pertence somente ao homem na medida em que, sobre a

em si, pode existir uma moral compatível com os conhecimentos cien- sua própria natureza, cria esta
segunda natureza, da qual faz parte a

tificos sobre o homem, a sociedade e, em particular, sobre o compor sua atividade moral.
tamento humano moral. E este o ponto em que a ética pode servir
para fundamentar uma moral, sem ser em si mesma normativa ou pre-
ceptiva. A moral não é ciência, mas objeto da ciência; e, neste sentido,
é por ela estudada e investigada. A ética não é a moral e, portanto, 4. ETICA E FILOSOFIA
não pode ser reduzida a um conjunto de normas e prescrições; sua
missão é explicar a moral efetiva e, neste sentido, pode influir na pró- Ao ser definida como umconjunto sistemático de conhecimentos
pria moral. racionais e objetivos a respeito do comportamento humano moral, a
Seu objeto de estudo é constituído por vários tipos de atos humna- éticase nos apresenta como um
objeto especifico que se pretende estu-
nos: os atos conscientes e voluntários dos indivíduos que afetam dar cientificamente. Esta pretensão se opõe à concepção tradicional
outros indivíduos, determinados grupos sociais ou a sociedade em seu que a reduzia a um simples capítulo da filosofia, na maioria dos casos,

conjunto. especulativa.
Na definição antes enunciada, ética e moral se relacionam, pois, A favor desta posiçãopropõem vários argumentos de impor
se

como uma ciência específica e seu objeto. Ambas as palavras mantêm täncia desigual,
que conduzem à negação do caráter científico e inde-
assim uma relação que no tinham propriamente em suas origens eti- pendente ética. Argumenta-se que esta não elabora proposições
da

mológicas. Certamente, moral vem do latim mos ou mores, "costu- objetivamente válidas, mas juízos de valor ou normas que no podem
me" ou "costumes", no sentido de conjunto de normas ou regras pretender essa validade. Mas, como já assinalamos, isso se aplica a
um tipo determinado de ética- a normativa-
adquiridas por hábito. A moral se refere, assim, ao comportamento que se atribui a fun
ção fundamental de fazer recomendações e formular uma série de nor-
adquirido ou modo de ser conquistado pelo homem. Etica vem do
grego eth0s, que significa analogamente "modo de ser" ou
"caráter" mas e
prescrições morais; mas esta objeção não atinge a teoria ética,
enquanto forma de vida também adquirida ou conquistada pelo
ho- que pretende explicar a natureza, fundamentos e condições da moral,
relacionando-a com as necessidades sociais dos homens. Um código
mem. Assim, portanto, originariamente, ethos e mos, ""caráter" e

num modo de comportamento que nao cor-


moral, ou um sistema de normas, não é ciência, mas pode ser explica-
"costume", assentam-se
responde a uma disposição natural, mas que éé adquirido ou conquis- do cientificamente, seja qual for o seu caráter ou as necessidades
tado por hábito. E precisamente esse caráter não natural da maneira sociais às quais corresponda. A moral-dizíamos antes-não é cien-
de ser do homem que, na Antigüidade, lhe confere sua dirnensão tífica, mas suas origens, fundamentos e evolução podem ser investiga
moral. dos racional e objetivamente; isto é, do ponto de vista da ciência.
de moral de ética Como qualquer outro tipo de realidade natural ou social-a
Vemos, pois, que o significado etimológico e

não nos fornecem o significado atual dos dois termos, mas nos situam moral não pode excluir uma abordagem científica. Até mesmo um
no terreno especificamente humano no qual se torna possível e se fun tipo de fenômeno cultural e social como o dos preconceitos não é uma

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OBJETO DA ETICA ETICA

caso; é verdade que os preconceitos não são


cientíticos e com um objeto especifico de investigação e com uma abordagem sis-
exceçao no

com eles não se pode constituir uma ciência, mas é certamente temática, metódica, objetiva e racional comum às diversas ciências.
que
Um dos últinos ramos que se desprendeu do trenco comum foi a psi-
possivel uma explicação científica (sistemática, objetiva e racional)
dos preconceitos humanos pelo fato de constituírern parte de uma rea- cologia, ciência simultaneamente natural e social, embora ainda hoje
lidade humana social. haja quem se empenhe em fazer dela -scb a forma de tratado da
Na negação de qualquer relação entre a ética e a ciência se quer alma-uma simples psicologia filosókica.
basear exclusiva da primeira à filosofia. A ética é entoo Hoje trilham este caminho cientifico várias disciplinas- entre
atribuiço
a

parte de uma filosotia especulativa, isto é, elas a ética-que eram tradicionalmente consideradas como tarefas
apresentada como uma

constituída sem levar em conta a ciencia a vida real. Esta ética filo-
e exclusivas dos filósofos. Mas, atualmente,este processo de conquista
sófica preocupa-se mais em buscàr a concordäncia com princípios ti- de uma verdadeira natureza cientítica assume antes a característica de

losóficos universais do que com a realidade moral no seu desenvolvi- uma ruptura com as filosofias especulativas que pretendem sujeitá-las
mento históricoreal, donde resulta também
e o caráter absoluto e e de uma aproximação com as ciências que lhes mãos pro-
põem em

veitosas conclusões. Desta marneira, a ética tende a estudar um tipo de


apriorístico das suas afirmações sobre o bom, o dever, os valores mo-
rais, etc. Certamente, embora a história do pensamento filosófico fenômeno que se verifica realmente na vida do homem como ser social
e constituem o que chamamos de mundo moral; ao mesmo
esteja repleta deste tipo de éticas, numa época em que história,
a
a
tempo,
antropologia, a psicologia e as ciëncias sociaiS nos proporcionam procura estudá-los não deduzindo-os de princípios absolutos ou
materiais valiosíssimos para o estudo do fato moral, não se justifica apriorísticos, mas afundando suas raízes na própria existência históri-
mais a existência de uma ética puramente filosófica, especulativa ou ca e social do homem.
dedutiva, divorciada da ciência e da própria realidade humana moral. Ora, o fato de que a ética assim concebida isto é, com um obje-
Em favor do caráter puramente filosófico da ética, argumenta-se to próprio tratado cientificamente- busque a autonomia própria a
éticas constituíram sempre uma parte do um saber cientifico não significa que esta autonomia possa ser consi-
também que as questões
losófico. E assim foi na realidade. Quase desde as ori- derada como absoluta com relação aos demais ramos do saber e, em
pensamento.
gens da filosofia, e particularmente desde Sócrates na Antigüidade primeiro lugar, com relação à própria filosofia. As importantes con-
grega, os filósofos no deixaram de tratar em grau maior ou menor tribuições do pensamento filosófico neste terreno-desde a filosofia
da
destas questões. E isto vale, especialmente, para o vasto período grega ate os nossos dias longe de ser relegadas ao esquecimento,
história da filosofia durante o qual, por não se ter ainda elaborado um devem ser altamente valorizadas porque, em muitos casos, conservam
saber científico sobre diversos setores da realidade natural ou huma a sua riqueza e vitalidade. Daí a necessidade e a importância do seu
na, a tilosotia se apresenta va como um saber total que se Ocupava pra- estudo.
ticamente de tudo. tempos modernos, lançam-se as bases de
Mas, nos Uma ética cientifica pressupõe necessariamente uma concepção
um verdadeiro conhecimento cientifico que é, originariamente, tisi- filosófica imanentista e racionalista do mundo e do homem, na qual
co-matemático, e, na medida em que a abordagem científica se es- se eliminem instâncias ou fatores extramundanos ou super-humanos e
tende progressivamente a novos objetos ou setores da realidade, inclu irracionais. De acordo com esta visão imanentista e racionalista do
sive à realidade social do homem, vários ramos do saber se despren- mundo, a ética científica é incompatível com qualquer cosmovisão
dem do tronco comum da filosofia para constituir ciências especiais universal e totalizadora que se pretenda colocar acima das ciências

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08ETO DA ÉETICA ETICA

positivas ou em contradição com elas. As questões éticas fundamen- disciplinas filosóficas especiais, como a lógica, a filosofia da lingua-
taiscomo, por exemplo, as que concernem ås relações entre res- gem e a epistemologia.
ponsabilidade, liberdade e necessidade- devem ser abordadas a par- Em suma, a ética científica está estreitamente relacionada com a
tir de pressupostos filosóficos básicos, como o da dialética da necessi- filosofia, embora, como já observamos, no com qualquer filosofia; e
dade e da liberdade. Mas, neste problema como em outros, a ética esta relação, longe de cxcluir o seu caráter
científico, o pressupõe
cientítica deve apoiar-se numa filosofia estreitamente relacionada necessariamente quando se trata de uma filosofia que se apóia na pró-
com as ciências, e não numa filosofia especulativa, divorciada delas, pria ciencia.

que pretenda deduzir de princípios absolutos a solução dos problemas


éticos.
Ademais, como teoria de uma forma específica do comportamen-
to humano, a ética não pode deixar de partir de deterininada concep- 5. A ÉTICAE OUTRAS CIÊNCIAS
ção filosófica do homem. O comportamento moral é próprio do
homem como ser histórico, social e prático, isto é, como um ser que Através de scu objeto -

uma forma específica do comportamento


transforma conscientemente o mundo que o rodeia; que faz da natu- humano-a éticase relaciona outras ciências que, sob ângulos
com

reza externa um mundo à sua medida humana, e que, desta maneira, diversos, estudam as relações e o comportamento dos homens em
transforma a sua própria natureza. Por conseguinte, o comportamen- sociedade e proporcionam dados e conclusões que contribuem para
to moral não é a manifestação de uma natureza humana eterna e esclarecer o tipo peculiar de comportamento humano que é o moral.
imu Os agentes morais, em primeiro lugar, são indivíduos concretos
tável, dada de uma vez para sempre, mas de uma natureza que esta
sempre sujeita ao processo de transformação que constitui precisa- que tazern parte de uma comunidade. Seus atos são morais somente se
mente a história da humanidade. A moral, bem como suas mudanças considerados nas suas relações com os outros; contudo,
sempre apre
fundarnentais, não são senão uma parte desta história humana, isto é, sentam um aspecto subjetivo,
interno, psíquico, constituído de moti
do processo de autocriação ou autotransformação do homem que se vos, impulsos, atividade da consciência que se propõe fins, seleciona
manifesta de diversas maneiras, estreitamente relacionadas entre si: meios, cscolhe entre diversas alternativas, formula juízos de aprova
desde suas formas materiais de existência até as suas formas espiri- ção ou de desaprovação, etc.; neste aspecto psíquico, subjetivo, inclui-
se também a atividadc
tuais, nas quais se inclui a vida moral. subconsciente. Ainda o que comportamento
Vemos, assim, que se a moral é inseparável da atividade prática moral rcsponda-como veremos-à neccssidade social de regular as
do homem-materiale espiritual-,a ética nunca pode deixar de ter relações dos indivíduos numa certa direção, a atividade moral é sem-
como fundamento a concepção filosófica do homem que nos dá umna pre vivida interna ou intimamente pelo sujeito em urm
processo subje-
visão total deste como ser social, histórico e criador. Toda uma série tivo para cuja elucidação contribui muitíssimo a
psicologia. Como
de conceitos com os quais a ética trabalha de uma maneira específica, ciência do psíquico, a psicologia vem em da èticaajuda quando põe
como os de liberdade, necessidade, valor, consciência, sociabilidade em evidência as leis que regem as motivações internas do
comporta
etc., pressupõem um prévio esclarecimento filosófico. Também os mento do indivíduo, assim como
quando nos mostra a estrutura do
problemas relacionados com o conhecimento moral ou com a forma, caráter e da personalidade. Dá a sua ajuda também examina quando
significação e validade dos juízos morais exigem que a ética recorra a os atos voluntários, a formação dos hábitos, da consciência
a gênese

28 29
OBJETO DA ÉTICA ETICA

moral e dos juízos morais. Em poucas palavras, a psicologia presta dam-se, também, as estruturas nas quais se integram estas relações,
umaimportante contribuição à ética quando esclarece as condições assim como as formas de organização e de relação dos indivíduos con-
internas, subjetivas, do ato moral. Assim, portanto, na inedida em que cretos dentro delas. Estas relações, assim como as
instituições e orga-
0s atos morais são atos de indivíduos concretos, por estes vividos ou nizações sociais, não existem sem os indivíduos, mas às ciëncias
interiorizados de acordo com a sua constituiço psíquica, a ética não sociais interessa, sobretudo, não o aspecto psíquico ou subjetivo do
pode prescindir da ajuda da psicologia, entendida não-somente no comportamento humano-que, como dissemos, é uma tarefa da psi-
sentido tradicional de ciência do psíquico consciente, mas também cologia- mas as formas sociais em cujo ambito atuam os indivíduos.

como psicologia profunda, ou dos fatores subconscientes que


esca- O sujeito do comportamento moral é o indivíduo concreto, mas,
não deixam de influenciar o sendo um ser social e, independentemente do grau de consciência que
pam ao controle da consciência e que
comportamento dos indivíduos. tenha disto, parte de determinada estrutura social e inserido numa
A explicação psicológica do comportamento humano possibilita rede de relações sociais, o seu modo de comportar-se moralmente não
a comprecnsão das condições subjetivas dos atos dos indivíduos e, pode ter um caráter puramente individual, e sim social. Os indivíduos
contribui a compreensão da sua dimensão moral. nascem numa determinada sociedade, na qual vigora uma moral efe-
deste modo, para
Problemas morais da responsabilidade e da culpabilidade não
como o
tiva que não é a invenção de cada um em particular, mas que cada um

abordados sem considerar os fatores psíquicos que inter- encontra como dado objetivo, social. Esta moral, como veremos mais
podem ser
se julga responsável e culpado. A
sujeito adiante, corresponde necessidades e exigências da vida social. Por
a
vieram no ato, pelo qual
o

psicologia, com a sua análise das motivações ou impulsos irresistíveis, esta relação entre moral e sociedade, a ética não pode prescindir do
um ato humano escapa a uma avaliação
conhecimento objetivo das estruturas sociais, de suas relações e insti-
taz-nos ver também quando
estudando o comporta- tuições, proporcionado pelas ciencias sociais e, em particular, pela
ou julgamento moral. Por todas estas razões,
mento moral, a ética não podec prescindir dos
dados fornecidos e das sociologia como ciência da sociedade.
conclusões deduzidas pela psicologia. Deste modo, quando
se supe- Mas, por importante que seja-e o é em alto grau-o conheci-
e, isto a mento dos Batores soCiais do comportamento nioral, este não se reduz
restima este aspecto subjetivo do comportamento humano,
a uma mera expresso daqueles; por outro lado, embora os atos
função dos fatores psíquicos e se tende a esquecer aspecto objetivo
o

de transtormá-lo emn morais sejam condicionados socialmente, não se reduzem à sua torma
e social do comportamento humano, até o ponto

chave da explicação do comportamento moral, cai-se no psicologismo social, coletiva e impessoal. Para que possa falar propriamente do
se

isto é, tendência psíquico, e a conside-


reduzir moral ao comportamento moral de um indivíduo, é preciso que os fatores
ético, na a o
embora sociais que nele influemeo condicionam sejam vividos pessoalmente,
rar a ética como um simples capítulo da psicologia. Contudo,
somente
Os atos morais tenham seu respectivo aspecto psíquico,
a ética não se passem pela sua consciência ou sejam interiorizados, porque
assim poderemos responsabilizá-lo por sua decisão e por sua ação.
reduz à psicologia.
ciências que Exige-seefetivamente que o indivíduo, sem deixar de ser condiciona-
A ética apresenta também estreita relação com as
do socialmente, disponha da necessária margem individual para
estudam as leis que regem o desenvolvimento e a estrutura das
soCie-

sociais, figuram antropologia poder decidir e agir: somente com esta condição poderemos dizer que
dades humanas. Entre estas ciências a

estuda o comportamento do homem se comporta moralmente. Por todas estas razões chegamos à conclu-
social e a sociologia. Nelas se
são de que estudo do comportamento moral no pode exaurir-se no
ponto de vista de determinadas relações; estu
o
como ser social sob o

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30
OBETO DA ÈTICA
TICA

seu aspecto social e de que a ética não se reduz à sociologia. A redu-


ção dos atos morais aos fatos sociais e a procura da chave de explica-
humano que varia e se diversifica no tempo.O antropólogo social, de
um lado, e o historiador, do outro, colocam diante de nossos olhos a
dos primeiros segundos leva sociologismo ético, isto é, à
ção nos ao
relatividade das morais, seu caráter mutável, sua mudança e sucessão
tendência a transformar a ética num capítulo da sociologia. Esta últi- de acordo com a mudança e a sucessão das sociedades concretas. Mas
ma fornece dados e conclusões indispensáveis para o estudo do mun- isto não significa que no passado moral da humanidade haja somente
do moral, mas não pode substituir a ética. um amontoado de ruínas, nem que tudo aquilo que, em outros tem-
Enquanto a sociologia pretende estudar a sociedade humana em
pos, foi moralmente vital, se extinga por completo, ao desaparecer a
geral, base da análise das sociedades concretas, ao mesmo tempo
na vida social que condicionava determinada moral. Os dados e as con-
em que investiga os fatores e condições da mudança social, isto é,
da clusões da antropologia e da história contribuem para que a ética se
passagem de uma formação antropologia social estu-
social a outra, a afaste de uma concepção absolutista ou supra-histórica da moral,
da, principalmente, as sociedades primitivas ou desaparecidas, sem mas, ao mesmo tempo, lhe impõem a necessidade de abordar o pro
histórico de mudança blema de se, através desta diversidade e sucesso de morais efetivas,
preocupar-se com a sua inserção num processo
e de sucessão. No estudo do comportamento dessas comunidades, existem também, ao lado de seus aspectos históricos e relativos,
entra também a análise de seu comportamento moral.
Seus dados e outros que perduram, sobrevivem ou se enriquecem, elevando-se a um
conclusões assumem grande importância no exame das origens, fonte nível moral superior. Em resumo, a antropologia e a história, ao mes-
e natureza da moral. Os antropólogos conseguiram estabelecer rela- mo tempo que contribuem para estabelecer a correlação entre moral e
Goes entre a estrutura social de uma comunidadeeocódigo moral que vida social, propõem à ética um problema fundamental: o de determi-
n o r m a s que hoje, de acordo com nar se existe um progresso moral.
as rege, demonstrando assim que as
nosso código moral atual, parecem e m
certos casos imorais- como Toda ciência do comportamento humano, ou das relações entre
a de não respeitar a vida dos anciãos e dos prisioneiros-correspon- os homens, pode trazer uma contribuição proveitosa para a ética
dem a certa forma de vida social. As conclusões dos antropólogos como ciência da moral. Por isto, também a teoria do direito pode tra
dos teóricos da
constituem uma séria advertência contra as pretensões zer semelhante contribuição, graças à sua estreita relação com a ética,
sociais
moral que, desconhecendo a relação entre esta e as condições visto que as duas disciplinas estudam o comportamento do homemn
absoluto certos princípios e
concretas, procuram elevar ao plano do como comportamento normativo. De fato, ambas as ciências
abor
certas normas que correspondem a uma
forma concreta de vida dam o comportamento humano sujeito a normas, ainda que no cam-
sOcial. E esta advertência se justifica também mediante o estudo po do direito se trate de normas impostas com um caráter de obriga-
da
quase sempre pela ética tradicional- da história
negligenciado ção exterior e, inclusive, de maneira coercitiva, ao passo que na este-
morais efetivas por
moral como processo de sucessão de determinadas ra da moral as normas, embora obrigatórias, não são impostas coer-
outras. citivamente.
Se existe uma diversidade de morais não só no tempo, mas tam-
A ética se relaciona, também, com a economia politica como ciên-
bem no espaço, e não sociedades que se inserem num
somente nas cia das relações econômicas que os homeñs contraem no processo de
sociedades hoje
processo histórico definido, mas inclusive naquelas produção. Esta vinculação se baseia na relação efetiva, na vida social,
desaparecidas que precederam as sociedades históricas, é preciso que entre os tenómenos econômicos e o mundo moral. Trata-se de uma
a ética como teoria da moral tenha presente um
comportamento relação em dois planos:

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OBJET DA ÉTICA

a) Na medida em que as relações econômicas influem na moral


dominante numa determinada sociedade. Assim, por exemplo, o siste-
ma economico no quala força do trabalho se vende como mercadoria
e no qual vigora a lei da obtenção do maior lucro possível gera uma
moral egoísta e individualista que satisfaz o desejo do
lucro. O
conhe
cimento desta moral tem de se basear nos.dados e nas conclusões da
economia política a respeito desse modo de produção, ou sistema eco-
nomico.
b) Na medida em que os atos econômicos produção de bens CAPÍTULO Moral e história
através do trabalho e apropriação e distribuição dos m e s m o s - não
podem deixar de apresentar uma certa conotação moral. A atividade
do trabaihador, a divisão social do trabalho, as formas de proprieda-
de dos meios de produção e a distribuição social dos produtos do tra-
balho humano, colocam problemas morais. A ética como ciência da
moral não pode negligenciar os problemas morais apresentados, espe-
cialmente em nossos dias, pela vida econômica; ora, a economia pol-
tica, como ciência das relações econômicas ou dos modos de produ-
ção, contribuipara a elucidação dos mesmos.
Vemos, portanto, que a éica se relaciona estreitamente com asS
ciências do homem, ou ciências sociais, dado que o comportamento
moral não é outra coisa senão uma forma específica do comporta-
mento do homem, que se manifesta em diversos planos: psicológico,
social, prático-utilitário, jurídico, religioso ou estético. Mas a relação
da ética com outras ciências humanas ousociais, intima
baseada na

relação das diferentes formas de comportamento humano, não nos


deve fazer esquecer o seu objeto especifico, próprio, enquanto Ciencia
do comportamento moral.

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