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Informativo Técnico Rizipiscicultura

Rizipiscicultura: uma alternativa rentável para o


produtor de arroz irrigado

Gosuke Sato

Resumo rizipiscicultura, arroz irrigado, pei- Somente no biênio 1996/97, a


xes. Epagri, através do projeto finan-
A rizipiscicultura é a técnica de ciado pelo Projeto de Execução Des-
criar peixes ou crustáceos nos qua- Introdução centralizada (PED) do Ministério
dros de arroz irrigado. Os peixes do Meio Ambiente, adaptou cerca
exercem um controle biológico so- Rizipiscicultura é uma técnica de 90ha de arrozeiras para
bre as pragas da arrozeira (plantas de criar peixes nos quadros de ar- rizipiscicultura, envolvendo 38 pro-
e insetos), permitindo a produção roz irrigado. Ela apresenta várias dutores rurais da Região do Baixo
do arroz sem o uso de agrotóxicos. vantagens para a produção do ar- Vale do Rio Itajaí Açu.
Com o objetivo de avaliar a produ- roz, que vão desde o aumento da O objetivo deste trabalho foi o
tividade de arroz, peixe e controle produtividade até a redução de suas de testar as produtividades do pei-
de pragas através da rizipis- pragas (plantas e insetos). xe e do arroz e verificar a eficiência
cicultura, foram implantados na O Estado de Santa Catarina pos- do peixe no controle biológico de
Estação Experimental de Itajaí ex- sui cerca de 130.000ha de arroz pragas, utilizando-se de um
perimentos compostos de duas den- irrigado, distribuídos em pequenas policultivo da carpa capim (Cteno-
sidades (D1 = 15.000 alevinos/ha e propriedades, o que facilita a im- pharingodon idella), carpa comum
D2 = 30.000 alevinos/ha) e três plantação da rizipiscicultura. Mais (Cyprinus carpio) e tilápia do Nilo
proporções de espécies entre carpa de 20 anos se passaram desde o (Oreochromis niloticus).
comum (Cyprinus carpio), carpa primeiro trabalho de pesquisa efe-
capim (Ctenopharingodon idella) e tuado em Santa Catarina (1), en- Material e métodos
tilápia do Nilo (Oreochromis tretanto, pouco foi feito em termos
niloticus). A produtividade do ar- de pesquisa, a não ser práticas iso- O experimento foi conduzido na
roz, 144 dias após a semeadura, ladas de alguns produtores rurais, Epagri/Estação Experimental de
demonstrou um aumento médio de que na região de Turvo estão pro- Itajaí no período de 27/11/96 a
22,98% em relação à testemunha. duzindo cerca de 2.700kg/ha/ano 29/4/97. O delineamento experimen-
A maior produtividade de peixe, de peixes (2). tal foi inteiramente casualizado,
após 123 dias de cultivo, foi de Nos últimos anos, com a preo- sendo utilizadas 24 parcelas de
1.451kg/ha. A média de ataque da cupação crescente em relação à 220m² em média, onde foram insta-
larva da bicheira da raiz, com ava- poluição ambiental, causada pelos lados 6 tratamentos com 3 repeti-
liação feita 27 dias após o agrotóxicos utilizados nas arro- ções, mais 3 tratamentos adicio-
peixamento, foi de 14,6 por perfilho. zeiras, a rizipiscicultura está sendo nais com 2 repetições cada um. Os
A análise econômica efetuada com apontada como uma das alternati- tratamentos se constituíram na
os peixes ensejou um lucro de vas viáveis para tentar diminuir combinação de 2 densidades (D1 =
R$ 497,29 por hectare, que esse impacto ambiental negativo. 15.000 e D2 = 30.000 alevinos/ha) e
corresponde a cerca de 30% da pro- Neste caso, o peixe entra como um 3 proporções de espécies (P1 = 1:7:7;
dutividade do arroz. Concluiu-se agente biológico no controle de plan- P2 = 1:5:9 e P3 = 1:9:5, para carpa
que a prática da rizipiscicultura é tas daninhas e insetos, tendo como capim, carpa comum e tilápia, res-
economicamente viável e auxilia alvo principal a larva da bicheira- pectivamente). Os tratamentos
na preservação do meio ambiente. -da-raiz, e contribui para a redução adicionais foram constituídos da
Termos para indexação: do uso de agrotóxicos. testemunha D0P0 (sem peixe),

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D1P1SA e D2P1SA, ambos sem


alimentação suplementar.
Os quadros de arroz foram adap-
tados para a rizipiscicultura, esca-
vando-se lateralmente um refúgio
de cerca de 2,5% da área, com 0,5m
de profundidade, e elevando-se a
taipa (Figura 1).
A cultivar de arroz utilizada foi
a EPAGRI 108, pré-germinada e
semeada a lanço no dia 27/11/96, na
densidade de 80kg/ha.
As arrozeiras foram povoadas,
27 dias após a semeadura do arroz,
com alevinos de carpa capim, carpa
comum e tilápia de 2,76, 1,91 e
0,88g, respectivamente. Foi ofere-
cida diariamente, cerca de 10% da
sua biomassa, uma ração comer-
cial extruzada de 28% de proteína
Figura 1 – Adaptação dos quadros de arroz para rizipiscicultura
bruta, sendo que no primeiro mês
ela foi triturada para facilitar a sua
ingestão.
A avaliação do nível de infestação de semeadura, que foi prejudicada diferença estatisticamente signifi-
da bicheira-da-raiz foi realizada 55 pela germinação das plantas dani- cativa.
dias após a semeadura do arroz e 27 nhas, enquanto estavam sendo pre- • Avaliação de larvas e pupas
dias após a introdução do peixe. paradas as parcelas, e também pelo da bicheira-da-raiz – a incidên-
A avaliação da produtividade do ataque intensivo de larvas da cia de larvas da bicheira-da-raiz
arroz foi realizada 144 dias após a bicheira-da-raiz. Entre os tratamen- variou de 12 a 27,2 larvas por
semeadura e a do peixe, 123 dias tos que constituíram a combinação perfilho, entretanto não houve di-
após o seu povoamento. das duas densidades e das três pro- ferença significativa entre os trata-
Não foi utilizado nenhum tipo porções de espécies, não houve uma mentos. É considerada prejudicial
de herbicida durante o experimen-
to e a avaliação da infestação de
plantas daninhas foi qualitativa.
Semanalmente, foi realizado um 6.000

acompanhamento da qualidade da
água em relação a temperatura, 5.000

oxigênio dissolvido, pH e amônia. 4.000


Produtividade
(kg/ha)

Resultados e discussão 3.000

• Produtividade do arroz – a 2.000

média da produtividade do arroz


nos locais com a presença dos pei- 1.000

xes foi de 5.166kg/ha, 22,98%


0
maior que a testemunha, sem pei- D1P1 D1P1SA D1P2 D1P3 D2P1 D2P1SA D2P2 D2P3 D0P0
xe, que foi de 4.201kg/ha (Figura Tratamento
2), enquanto a média da região é de
6.000kg/ha. Esta diferença prova- Nota: D = densidade (D0 = sem peixe, D1 = 15.000 alevinos/ha e D2 = 30.000
velmente foi em decorrência da alevinos/ha); P = proporção de espécies (P0 = sem peixe, P1 = 1:7:7; P2 =
quantidade reduzida de semente 1:5:9 e P3 = 1:9:5, respectivamente, para carpa capim, carpa comum e
utilizada (80kg/ha) para dar maior tilápia do Nilo); SA = sem alimentação.
espaço aos peixes e pelas condições Figura 2 – Produtividade do arroz por tratamento (kg/ha)

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informações de agricultores que a


30
incidência da bicheira-da-raiz pode
25
Larvas diminuir a partir do segundo ano
Pupas de rizipiscicultura. Por outro lado,
sabe-se que as carpas se alimen-
Larvas e pupas

20
tam das larvas de mosquitos
(n o)

15 (pernilongos) e dos quironomídeos


(fase larval de um díptero, também
10 conhecido como minhoquinha ver-
melha) que, a exemplo da bicheira-
5
-da-raiz, atacam também as raízes
0 das plantas do arroz.
D1P1 D1P1SA D1P2 D1P3 D2P1 D2P1SA D2P2 D2P3 D0P0 Em relação às pupas, em geral a
ocorrência foi pequena, com 4,5
Tratamento pupas por amostra no tratamento
D1P1SA, e o mínimo de 1,33 no
Nota D = densidade (D0 = sem peixe, D1 = 15.000 alevinos/ha e D2 = 30.000 D2P2, onde o número de larvas
alevinos/ha); P = proporção de espécies (P0 = sem peixe, P1 = 1:7:7, P2 = também foi menor (Figura 3).
1:5:9 e P3 = 1:9:5, respectivamente, para carpa capim, carpa comum e • Avaliação das plantas da-
tilápia do Nilo); SA = sem alimentação. ninhas – em levantamento visual
efetuado nos tratamentos, verifi-
Figura 3 – Médias do número de larvas e pupas da bicheira-da-raiz por cou-se que não houve infestação de
tratamento plantas daninhas nas parcelas com
peixes, enquanto que nas parcelas
sem peixe foram identificadas dez
às plantas de arroz ocorrência su- como espécie principal (Figura 3). espécies (grama boiadeira =
perior a 5 larvas por perfilho. O Ao contrário do que se esperava, Luziola peruviana; capim-arroz =
tratamento com menor número de mesmo onde não foi colocado pei- Echinocloa colonum, E. crusgalli;
larvas foi D2P2, onde foram coloca- xe, a média da incidência da larva chapéu-de-couro = Sagittaria
dos 30.000 alevinos/ha e tilápia foi de 14,6 por perfilho. Existem montevidensis; cuminho = Fim-
bristylis miliacea; aguapé =
Heteranthera reniformes; erva-ja-
caré = Alternanthera phyloxeroides;
1.600
junquinho ou barba-de-bode =
Eleocharis sp.; aguapezinho =
1.400 Sagittaria guyanensis e capim-
-branco = Brachiaria mutica. No-
Produtividade de peixes

1.200
tou-se que as invasoras laterais,
1.000 como a grama-boiadeira e o capim-
(kg/ha)

800 -branco, não são controladas pelos


peixes, sendo necessária uma re-
600 moção periódica.
400 • Avaliação dos peixes – foi
detectada uma diferença significa-
200 tiva na produtividade de peixes em
0 relação às duas densidades, entre-
D1P1 D1P1SA D1P2 D1P3 D2P1 D2P1SA D2P2 D2P3 tanto não foram verificadas dife-
Tratamento renças entre as três proporções de
espécies. A produtividade do peixe
Nota: D = densidade (D0 = sem peixe, D1 = 15.000 alevinos/ha e D2 = 30.000 foi maior no tratamento D2P2, com
alevinos/ha); P = proporção de espécies (P0 = sem peixe, P1 = 1:7:7, P2 = 1.451kg/ha, onde a densidade foi
1:5:9 e P3 = 1:9:5, respectivamente, para carpa capim, carpa comum e
maior e a tilápia foi a espécie prin-
tilápia do Nilo); SA = sem alimentação.
cipal. Esta produtividade foi obtida
Figura 4 – Produtividade média de peixes por tratamento (kg/ha) em 123 dias de cultivo e, se compa-

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rada com o sistema Turvo, com vés da literatura que são níveis • A introdução do peixe nas
2.700kg/ha em 330 dias, pode ser perfeitamente toleráveis às espé- arrozeiras aumenta a produtivida-
considerada muito boa. A menor cies utilizadas para um período de do arroz.
produtividade, de 492kg/ha, foi ob- curto de tempo. A prova disto é que • O peixe não controla satisfato-
servada nos tratamentos sem ali- mesmo nestes dias não foram ob- riamente a bicheira-da-raiz mas
mentação complementar (Figura servados peixes respirando na su- controla as ervas daninhas.
4), evidenciando assim a importân- perfície. • A rizipiscicultura consorciada
cia da ração. A média geral de Em relação aos valores de pH e é viável se controlada a sobrevi-
sobrevivência foi de 65%. Neste amônia, foram observadas poucas vência de peixes em pelo menos
particular, deve-se tomar um cui- variações, e estas se mantiveram 60%.
dado especial em relação às aves, dentro dos padrões aceitáveis às • A densidade de 30.000 alevi-
às lontras e ao furto, principalmen- espécies utilizadas. nos/ha demonstrou ser melhor que
te em decorrência da facilidade com • Análise econômica – atra- a de 15.000/ha.
que se encontram os peixes, em vés de análise financeira, orça- • Novos estudos devem ser
função da maior concentração nos mentação parcial e custo de produ- feitos para que se conheçam melhor
refúgios de pouca profundidade. ção, utilizado normalmente para as influências dos peixes sobre a
O peso médio individual por es- calcular o custo de produção do cultura do arroz irrigado.
pécie foi de 140g para carpa capim, arroz, foi efetuada a análise econô-
70g para carpa comum e 68g para mica para adaptação de 1ha de ar- Agradecimentos
tilápia. Neste caso, os peixes atin- roz irrigado à rizipiscicultura. Os
giram os pesos recomendados para resultados, considerando o preço À Aquasul Centro de Piscicultu-
a fase de terminalização (engorda) de cada peixe em R$ 0,20 no trata- ra pela cessão dos alevinos.
nos viveiros de piscicultura ou em mento com densidade de 30.000
densidades menores nos próprios peixes/ha, foram: custo variável Literatura citada
quadros de arroz. Em ambos os total = R$ 3.254,51; custos fixos
casos recomenda-se a utilização de = R$ 154,20 e custo total de 1. NOLDIN, J.A. Criação de peixes em
tilápias sexualmente revertidas ou R$ 3.408,71. A receita, consideran- lavoura de arroz irrigado. Florianópolis:
fazer uma sexagem manual para do-se a sobrevivência média de 65%, Empasc, 1982. 3p. (Empasc. Pesquisa
evitar a sua reprodução. foi de R$ 3.906,00. Isto resultou em em Andamento, 1).
• Qualidade da água – a mai- um lucro de R$ 497,29/ha, que
or média mensal da temperatura corresponde a um aumento de cer- 2. BOLL, M.G.; SATO, G.; ISHIY, T.;
máxima da água ocorreu em janei- ca de 30% na produtividade do ar-
ROCZANSKI, M.; SILVEIRA, S.
ro, com 31,9oC, e a menor média roz (3). Somado ao aumento médio
Rizipiscicultura em Santa Catarina:
mensal da temperatura mínima de 22% na produtividade do arroz,
uma alternativa para produção susten-
ocorreu em abril, com 19,8oC. A quando introduzido o peixe, o acrés-
temperatura máxima ocorreu em cimo total pode ultrapassar 50%. tável de alimentos. In: SIMPÓSIO
janeiro, com 36oC, e a mínima, de Neste caso, mesmo com a queda de BRASILEIRO DE AQÜICULTURA, 9.,
16oC, em abril. Estas grandes vari- 14% na produtividade do arroz, em 1996, Sete Lagoas, MG. Resumos... Sete
ações se encaixam dentro da ampli- relação à produtividade da região, Lagoas: Abraq, 1996. p.151.
tude tolerável das espécies utiliza- a implantação da rizipiscicultura
das e ocorreram em decorrência da foi vantajosa. Atualmente o preço 3. SATO, G. e CASTAGNOLLI, N. Produ-
pequena profundidade e ausência de carpas e tilápias juvenis de 70g, ção de alevinos-II na rizipiscicultura.
de renovação da água. como foi no presente caso, está In: ACUICULTURA VENEZUELA
Os valores médios mensais da em torno de R$ 0,30 por peixe, e 1999, Puerto La Cruz, Venezuela.
concentração de oxigênio dissolvi- nesse caso o lucro passaria para Anais... Venezuela: WAS/LAC; SVA;
do na água em geral foram baixos, R$ 2.450,29. Isto equivale à produ-
USB; ASA. 1999. p.440-452.
variando de 1,07mg/L em março ção de 6t/ha de arroz com preço de
para 1,78mg/L em janeiro. O nível R$ 20,00 a saca de 50kg.
Gosuke Sato, biólogo, Dr., Epagri/Campo
ideal para as espécies estudadas é
Experimental de Piscicultura de Camboriú.
acima de 4mg/L. Pelo menos em Conclusões
dois dias foi detectado um valor C.P. 20, 88340-000 Camboriú, SC, fone:
mínimo de 0,6mg/L, entre 8 e 9 De acordo com as condições do (047) 365-1319, e-mail: cepc.sc@matrix.
horas da manhã, mas sabe-se atra- experimento concluiu-se que: com.br.

50 Agropec. Catarin., v.15, n.3, nov. 2002

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