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“Nada sou, nada posso, nada sigo” - Análise do poema

Nada sou, nada posso, nada sigo.


Trago, por ilusão, meu ser comigo.
Não compreendo compreender, nem sei
Se hei de ser, sendo nada, o que serei

Fora disto, que é nada, sob o azul


Do largo céu um vento vão do sul
Acorda-me e estremece no verdor.
Ter razão, ter vitória, ter amor.

Murcharam na haste morta da ilusão.


Sonhar é nada e não saber é vão.
Dorme na sombra, incerto coração.

 Assunto/divisão em partes lógicas (justificação)


Nós optamos por dividir este poema em 2 diferentes partes...
A primeira parte composta pelos 2 quartetos (1º e 2º Estrofe) e a segunda
parte com o terceto (3º Estrofe).
1º estrofe: Nesta primeira estrofe, principalmente no primeiro verso está
bastante presente a ideia de anulação do sujeito poético face a si mesmo e a tudo o que
o rodeia (a repetição do advérbio "nada" associada às formas verbais salienta esta
atitude). Esta ideia é reforçada nos seguintes versos onde também é evidenciada a
incapacidade de definição e conhecimento de si mesmo (o recurso ao advérbio "não” e
à conjunção “nem” traduzem esta ideia).
2º estrofe: Esta segunda estrofe evidencia o contraste entre o sonho (“o nada”) e
a realidade (“Ter razão, ter vitória, ter amor”). “Fora disto, que é nada” (v.5) significa
que é algo fora daquilo que não existe e por baixo “Do azul/Do largo céu" (v.5 e 6),
símbolo da irrealidade, surge o "vento vão do sul", que desperta o sujeito poético do
estado ilusório, do sonho. Este contraste do sonho/realidade é acentuado pelo "vento”
do pensamento.
Desta forma, podemos concluir que a 1º e a 2º estrofe dão-nos a entender o
conflito interior vivenciado pelo sujeito poético.
3º estrofe: A terceira estrofe remete à incerteza (isto ao ser realizado um apelo
ao “incerto coração". O sujeito poético evidencia o desejo que o seu incerto coração
permaneça na “sombra”, ou seja, no sonho, na irrealidade. Torna-se evidente a
inutilidade do sonho e da inconsciência (Sonhar é nada e não saber é vão). Por fim,
predomina o sentimento de resignação perante a ilusão do sonho que impede a
felicidade.
Por fim, na 3º estrofe, o “eu” lírico chega à conclusão, como já mencionamos
anteriormente, da inutilidade do sonho.

 Tema
A grande temática presente neste poema e, a qual já comentamos quando
explicamos a 2.º estrofe, é o Sonho e a Realidade (contraste entre o sonho e a
realidade).
Esta temática é caracterizada:
 pela estranheza e desconhecimento do “eu” (“Não compreendo
compreender, nem sei/Se hei de ser, sendo nada, o que serei.” v.3e4).
 pelo refúgio e a evasão através do sonho (“um vento vão do sul / Acorda-
me” v.6 e 7) e
 pelo contraste entre o sonho (“o nada” v.5) e a realidade (“Ter razão, ter
vitória, ter amor.” v.8).
 Contudo o poeta é um ser só (“Trago, por ilusão, meu ser comigo” v.2), cheio de
incertezas (“incerto coração”v.12) e incapaz de ser feliz.

 Marcas estilísticas/forma
Neste poema, é possível verificar características próprias da poesia de Fernando Pessoa
órtonimo, assim como:
 Utilização de estruturas versificatórias de inspiração tradicional (neste caso, as duas
quadras e um terceto).
 Os versos são curtos
 É utilizada a rima emparelhada (AABB CCDD EEE).
 A linguagem é simples, densa e espontânea, mas com sentido simbólico e metafórico.
 Para além disso, é frequente o uso do presente do indicativo (“sou”/ “posso”/ “sigo”)
 Por fim, existe uma predominância de recursos expressivos simples (repetição,
metáfora, aliteração, apóstrofe, enumeração).

 Analise estilística (identificar recursos e explicar a sua expressividade)

Estrutura Anafórica - “Nada sou, nada posso, nada sigo.”


 A repetição do advérbio "nada", associado às formas verbais, evidencia a
atitude de negação/descrença do sujeito poético face a ele mesmo e a tudo o
que o rodeia.
Aliteração - Sugere o estado de angústia e de reflexão em que o sujeito se encontra.
(com sons similantes em /-s/)
 “nem sei/ se hei de ser, sendo nada, o que serei”
(com sons nasais (/-m/, /-ão/,/-nh/,/-n/)
 “Sonhar é nada e não saber é vão. / Dorme na sombra eterno coração."
Enumeração - “Ter razão, ter vitória, ter amor.”
 Realçar os diversos ideias do sujeito (e a grandiosidade dos mesmos)
Estrutura Anafórica - “Ter razão, ter vitória, ter amor”
 Destaca a vontade de alcançar os seus ideias
Metáfora - “Murcharam na haste da ilusão"
 A haste floral – flores que murcham (morrem), simbolizam os sonhos que
morreram por ser uma ilusão.
Apóstrofe - “Dorme na sombra, incerto coração”
 O “eu” dirige-se a ele próprio (coração dele) - reforço da ideia de autoanálise.
Personificação - “Dorme na sombra, incerto coração"
 Atribuição de características humanas ao coração, que representa o “incerto” eu
lírico que se refugia na ilusão.

 Inventar uma questão - Responder

Explicite a oposição sonho/realidade, tendo em conta o conteúdo da segunda estrofe.

A grande temática presente no poema “Nada sou, nada posso, nada sigo”, de
Fernando Pessoa, é a oposição Sonho/Realidade.
Num primeiro momento, é possível afirmar que o sujeito poético encontra-se
num estado ilusório (o sonho), do qual vai despertar com o surgimento do “vento vão
do sul”, este aparece por baixo do “azul/Do largo céu", símbolo de irrealidade, e fora
do “nada”, ou seja, fora daquilo que não existe. Deste modo, o contraste entre o sonho
(o “nada”) e a realidade (“Ter razão, ter vitória, ter amor.") é evidenciado pelo
“vento” (o pensamento).
Em suma, o “eu lírico” através do próprio pensamento consegue despertar do
sonho, chegando, assim, à conclusão da inutilidade deste.

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