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CADERNOS DE ASTRONOMIA

Uma publicação do Núcleo Cosmo-ufes & PPGCosmo - UFES

De Newton a Einstein: a geometrização da gravitação


Júnior Diniz Toniato
Universidade Federal do Espírito Santo

Resumo
Discute-se de que forma se dava o entendimento da atração gravitacional na teoria de Newton e até o advento
da relatividade geral de Einstein. Explica-se como o surgimento do eletromagnetismo levantou questões à física
newtoniana e conduziu até a relatividade especial. Também se discute as dificuldades de se adequar a gravitação
de Newton a uma formulação relativística e as diversas teorias gravitacionais que surgiram antes de Einstein
apresentar sua ideia de interpretar a gravitação como um fenômeno geométrico.
Abstract
It is discussed how the understanding of gravitational attraction was given in Newton’s theory and until the
advent of Einstein’s general relativity. It is explained how the emergence of electromagnetism raised questions
to Newtonian physics and led to the theory of special relativity. It also discussed the difficulties of adapting
Newton’s gravitation to a relativistic formulation and the various gravitational theories that emerged before
Einstein present his idea interpret gravity as a geometrical phenomenum.

Palavras-chave: Newton, Einstein, gravitação.


Keywords: Newton, Einstein, gravitation.

DOI: 10.47083/Cad.Astro.v1n1.31666

1 Introdução nética, que as leis de Newton começaram a ser


entendidas terem aplicações limitadas, levando a
Durante aproximadamente dois mil anos, a uma nova revolução na física iniciada com a teo-
compreensão dos fenômenos ligados à atração ria da relatividade especial. Albert Einstein foi o
gravitacional foi pautada pelas teses de Aristó- protagonista dessa nova fase de redefinição de pa-
teles (385 323 a.C.). A mudança dessa forma de drões na ciência. Suas ideias modificaram profun-
pensar a gravidade iniciou-se, em grande parte, damente o entendimento da natureza, em especial
com os estudos de Galileu Galilei (1564 1642) a forma como entendemos a atração gravitacio-
sobre a natureza dos movimentos e sua defesa do nal, profundamente reformulada com a proposta
método empírico em contraste com a metodologia de se entendê-la como um fenômeno geométrico, e
abstrata predominante no raciocínio aristotélico. não como uma força, conforme interpretava New-
Junto com Galileu, outros grandes cientistas da ton.
época, entre eles, Francis Bacon (1561 1626), Neste texto, vamos detalhar esse caminho de
Johannes Kepler (1571 1630) e René Descartes evolução do conhecimento científico acerca da
(1596 1650), ajudaram a pavimentar um ca- gravitação, analisando os fundamentos da gravi-
minho que, pouco depois, possibilitou que Isaac tação newtoniana, como o eletromagnetismo fez
Newton (1643 1727) elaborasse a primeira te- transparecer problemas na teoria de Newton e,
oria da gravitação, fundamentada no método ci- por fim, de que forma Einstein reformulou a fí-
entífico e com uma profunda sistematização ma- sica com sua teoria da relatividade.
temática. O artigo é organizado da seguinte forma. A
A física newtoniana reinou por quase 300 anos, Seção 2 apresenta a gravitação de Newton e a
com larga comprovação experimental e ampla Seção 3 discute o eletromagnetismo e o princípio
aplicação tecnológica. Somente em meados do da relatividade. Na Seção 4 é explicado como
século XIX, com o advento da teoria eletromag- o conceito de espaço-tempo surge naturalmente

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na teoria da relatividade especial. As fórmulas ção.


matemáticas são utilizadas de forma bastante in- Somado a essa lei, ainda temos a lei da inércia,
tuitiva, de modo a tornar esse texto acessível não afirmando que um corpo só altera o estado de
só a estudantes de nível médio e superior mas seu movimento sob a ação de uma força. Em
também a qualquer leitor interessado em ciência. outras palavras, um corpo em repouso tende a
Entretanto, as Seções 5, 6 e 7, possuem um apro- permanecer em repouso, a menos que atue sobre
fundamento matemático maior ao discutirem as ele uma força. Por fim, a lei da ação e reação
dificuldades encontradas por cientistas em refor- determina que uma interação entre dois objetos
mular a gravitação newtoniana de acordo com as é recíproca, ou seja, enquanto o objeto A atua
ideias relativísticas. O leitor não interessado em com uma força sobre um outro objeto B, este,
tais detalhes pode direcionar-se diretamente para por sua vez, também deve exercer uma força de
a Seção 8, finalizando nossa análise com a discus- volta sobre A. Essa força de reação possui mesma
são sobre como Einstein reformulou a gravitação intensidade e direção mas sentido contrário.
na teoria da relatividade geral. Conhecida como segunda lei de Newton, a re-
Espero, assim, que este texto seja acessível lação (1) é de fundamental importância pois,
a diferentes públicos dos Cadernos de Astrono- conhecendo-se a natureza de uma interação,
mia, podendo ser apreciado sobre diferentes óti- obtêm-se a aceleração resultante e, com o auxílio
cas, conforme o desejo do leitor. do cálculo diferencial e integral, pode se descrever
todo o movimento consequente com as expressões
da posição e velocidade em função do tempo.
2 A gravitação Newtoniana Em seus trabalhos, Newton dedicou-se a estu-
dar uma interação em particular, a gravitação,
No período histórico da Renascença, a redes- elaborando a lei de força que rege esse fenômeno.
coberta dos antigos pensadores gregos e ára- Um corpo de massa M atrai um outro corpo, de
bes proporcionou uma profunda transformação massa m, de forma proporcional ao produto de
das ideias científicas em diversas áreas do co- suas massas e ao inverso do quadrado da distân-
nhecimento. Na física e astronomia, um marco cia entre eles,
dessa revolução científica é o icônico trabalho de
Isaac Newton, o Philosophiae Naturalis Princi- Mm
F~g = G 2 r̂, (2)
pia Mathematica,1 ou simplesmente, o Principia. r
Construindo as bases do cálculo matemático ne-
cessário para uma descrição teórica sucinta dos onde F~g representa a força gravitacional e a dis-
fenômenos físicos, Newton estabeleceu as leis da tância entre os dois corpos é dada pelo vetor
física que governam os movimentos de origem me- ~r = ~r1 ~r2 , sendo r o seu módulo.2 A cons-
cânica, suas causas e consequências. Na chamada tante de proporcionalidade, G, é conhecida como
mecânica clássica de Newton, a interação entre constante gravitacional e seu valor é determinado
objetos se dá através de Forças, grandezas físi- empiricamente.3 Mais do que uma simples lei de
cas que possuem intensidade, direção e sentido, força, Newton postulou que essa interação deve
sendo, portanto, representadas matematicamente estar sempre presente entre corpos massivos e,
através de vetores. A ação de uma força sobre um dessa forma, a gravitação na superfície da Terra
objeto produz uma aceleração na mesma direção estende-se até os corpos celestes, governando in-
e sentido, enquanto a intensidade depende da ca- clusive o movimento orbital da Lua e dos plane-
pacidade do objeto de resistir a esse movimento, tas. Estas ideias mostraram-se bastante consis-
uma propriedade de inércia natural de um corpo, tentes quando Newton também provou que sua
definida como massa inercial. Em linguagem ma- teoria gravitacional reproduzia as leis de Kepler
temática, essa lei é expressa como, (1571 1630) do movimento planetário, já devi-
2
O vetor r̂ é um vetor unitário na direção e sentido de
F~ = m~a, (1) ~r, isto é, do centro de massa do corpo 1 para o centro de
massa do corpo 2.
onde F~ representa a força resultante que atua so- 3
A primeira medição experimental da constante gravi-
bre um corpo de massa m e ~a indica sua acelera- tacional foi realizada por Henry Cavendish, em 1798, com
um resultado incrivelmente próximo do valor conhecido
1
Princípios Matemáticos da Filosofia Natural [1] atualmente (6,674⇥10 11 m3 /kg·s2 ).

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damente comprovadas por observações astronô- ção Newtoniana começou a encontrar dificuldades
micas. O trabalho de Kepler explicava o compor- em explicar alguns fatos. Em particular, a órbita
tamento cinemático das órbitas celestes e New- de Mercúrio também se mostrou anômala e, su-
ton deu um passo a mais, elucidando que a ori- gestões de que causa poderia ser um outro planeta
gem desses movimentos está na força gravitacio- desconhecido, mais próximo ainda do Sol, se mos-
nal. Mais ainda, muitos acreditavam que a na- traram equivocadas. Mas a confiança na gravita-
tureza dos fenômenos terrestres era distinta da- ção Newtoniana era tão grande que o hipotético
quela que governava os astros celestes, e Newton planeta chegou até a receber um nome, Vulcano.
explicou ambos com uma única formulação teó- Assim, a ideia de que a gravitação de Newton pre-
rica, levando-o a chamá-la de Teoria Universal da cisava ser repensada só emergiu depois que uma
Gravitação. nova revolução reformulou as bases conceituais da
Note que as massas utilizadas na expressão (2) física. Essa transformação começou com o eletro-
são as massas inerciais de cada corpo, as mes- magnetismo de Maxwell (1831 1879) e se con-
mas utilizadas na formulação da segunda lei de solidou com a relatividade especial de Einstein
Newton (1). Isso é importante para explicar um (1879 1955).
fato que já havia sido observado alguns anos antes
de Newton, por Galileu (1564 1642). Todos os
corpos são acelerados igualmente em um campo 3 O Eletromagnetismo e o princípio da
gravitacional uniforme. É o que ocorre nas pro- relatividade
ximidades da superfície da Terra, onde podemos
aproximar M e r pela massa e o raio da Terra, James Clerk Maxwell foi outro cientista que
tornando a força gravitacional uma constante, co- marcou a história da física. Seu mais notável
nhecida como força peso (P ), trabalho foi a formulação da teoria clássica do
eletromagnetismo. Em meados do século XIX,
GMT
P = mg, com g = , (3) conhecia-se bem os fenômenos elétricos e magné-
RT2 ticos. Além disso, Faraday já havia demonstrado
onde MT e RT são a massa e o raio da Terra e empiricamente a famosa lei da indução, onde um
g é a chamada aceleração da gravidade na Terra. campo magnético que oscila no tempo produz um
Substituindo a força peso na segunda lei de New- campo elétrico, é o princípio operacional dos gera-
ton (1), vemos que a aceleração produzida é sem- dores elétricos. Mas, apesar da considerável apli-
pre igual a g, independente da massa do objeto cação tecnológica que já tinha na época (baterias,
atraído para o solo, o que é condizente com os geradores, circuitos...), todo esse conhecimento
experimentos. Em outras palavras, massa iner- era, do ponto de vista teórico, apenas qualitativo
cial (resistência a qualquer movimento) e massa e coube a Maxwell a formulação de uma descrição
gravitacional (responsável por produzir atração matemática desses fenômenos.
gravitacional) são assumidas serem quantidades Mais do que uma formulação teórica do ele-
equivalentes. Esta igualdade é conhecida tam- tromagnetismo, Maxwell se apoiou em um dos
bém como princípio da equivalência de Galileu. fundamentos primordiais da ciência para intro-
Outro grande sucesso da gravitação Newtoni- duzir em sua teoria um efeito reverso da lei da
ana está relacionado com a descoberta do planeta indução, ou seja, um campo elétrico variável no
Netuno. Comportamentos inesperados na órbita tempo deve produzir um campo magnético. Sem
de Urano podiam ser explicados como consequên- esse fenômeno, a teoria eletromagnética não es-
cia da influência gravitacional de um planeta des- taria de acordo com o princípio da conservação,
conhecido e nunca antes observado. Usando a te- eternizado nas palavras de Lavoisier: “Na natu-
oria de Newton, pôde-se calcular onde encontrar reza nada se cria, tudo se transforma”. Mais es-
este planeta no céu e, em 1846, foi visualizado em pecificamente, a correção de Maxwell garantia a
telescópio o gigante gasoso Netuno. Pela primeira conservação da carga elétrica.
vez na história, uma previsão puramente teórica O efeito recíproco da lei de indução, introdu-
mostrava a existência de algo que escapava aos zido por Maxwell, mostra que, um campo elétrico
nossos olhos (e telescópios). variável no tempo produz um campo magnético
Entretanto, com o passar dos anos e o aumento também variável no tempo que, por sua vez, pro-
na precisão de medidas astronômicas, a gravita- duz um novo campo elétrico, e assim sucessiva-

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mente. O efeito é autossustentável e se propaga recebe esse nome devido ao fato de que, para co-
como uma onda. Previa-se, assim, a existência nhecermos o potencial ', num dado instante de
das ondas eletromagnéticas, mais tarde compro- tempo t, é preciso saber a configuração em que se
vadas com os experimentos do físico alemão Hein- encontra a fonte ⇢e num instante anterior t d/c,
rich Hertz (1857 1894). Descobria-se que ele- onde d é a distância entre a fonte e o ponto onde
tricidade e magnetismo eram, na verdade, duas estamos calculando o potencial. Isso ocorre por-
manifestações de um mesmo fenômeno, o eletro- que a informação no campo eletromagnético viaja
magnetismo, sendo separáveis somente em situa- como uma onda, com velocidade constante igual
ções estáticas. Essa talvez seja a maior unificação a c e, por maior que seja essa velocidade (aproxi-
na física desde a gravitação universal de Newton. madamente 300.000 km/s no vácuo), leva-se um
Mas um ponto mais relevante para a história tempo finito para se percorrer qualquer distância,
que queremos contar está na maneira como a teo- de modo que, o potencial ' sempre depende da
ria de Maxwell possui uma estrutura causal muito configuração de cargas num instante anterior.
bem comportada, ao contrário da mecânica de Não é só o potencial elétrico que funciona de
Newton. Vamos ver essa questão à partir de uma forma temporal "retardada". Estamos frequente-
análise qualitativa das equações destas duas te- mente lidando com esse fenômeno no nosso dia a
orias. O eletromagnetismo de Maxwell pode ser dia. Quando olhamos para um objeto, estamos
inteiramente descrito à partir dos chamados po- enxergando como ele era no passado. Isso por-
tencial escalar e potencial vetor, grandezas que que a luz que sai do objeto demora um tempo
dizem qual é o campo eletromagnético produzido para chegar ao nossos olhos e formar a imagem
por uma distribuição de cargas elétricas. Vamos em nosso cérebro. Esse atraso pode ser muito
nos concentrar apenas no potencial escalar ' mas pequeno, quase imperceptível, mas ele existe e é
as conclusões são as mesmas para o potencial ve- consequência do fato de que a luz se propaga com
tor. Dada uma densidade de cargas ⇢e , o poten- velocidade finita. Estamos sempre olhando para
cial escalar satisfaz a equação dinâmica, o passado e nunca para o presente. Quanto mais
distante está o objeto, mais no passado estamos
1 @2' ⇢e olhando.
r2 ' = , (4)
c2 @t2 "0 Acontece que, a gravitação Newtoniana, na sua
formulação em termos de um potencial gravitaci-
onde r2 é o operador diferencial Laplaciano, en-
onal , relaciona este com a sua fonte geradora,
volvendo derivadas espaciais de segunda ordem.4
uma densidade de massa ⇢m , à partir de uma
Em coordenadas cartesianas assume a forma,5
equação ligeiramente diferente, a saber,
@2 @2 @2
r2 = + + . (5) r2 = 4⇡G⇢m . (6)
@x2 @y 2 @z 2

A expressão (4) é uma equação de onda, o lado es- Note que não há variações temporais na expres-
querdo contem as variações temporais e espaciais são acima. Consequentemente, a solução dessa
do potencial elétrico e o lado direito traz a fonte equação não é um potencial retardado e a teo-
que o produz, a densidade de cargas do sistema. ria diz que a informação no campo gravitacional
A constante c representa a velocidade da luz no deve viajar a uma velocidade infinita. Newton sa-
vácuo e "0 , também uma constante, é a chamada bia desse problema e também se incomodava com
permissividade elétrica no vácuo. A solução dessa a ação à distância da força gravitacional, mas os
equação é conhecida como potencial retardado e sucessos de sua teoria fez com que deixasse para
os futuros cientistas a resolução desse impasse [2].
4
Para o leitor não familiarizado com o cálculo varia- Um segunda contradição entre o eletromagne-
cional, uma derivada é uma medida taxa de variação de
uma certa quantidade. Por exemplo, a velocidade de um
tismo de Maxwell e a teoria da gravitacional de
carro é uma derivada da posição em relação ao tempo e Newton foi ainda mais importante na evolução do
a aceleração é a derivada temporal de segunda ordem da conhecimento acerca da gravitação. A física new-
posição. Na equação (4), leva-se em conta não só a taxa toniana é inteiramente construída sobre o alicerce
de variação temporal do campo (@ 2 /@t2 ) como também
a maneira como ele varia no espaço tridimensional (r2 ).
do princípio da relatividade de Galileu: as leis da
5
As coordenadas x, y e z descrevem as populares di- física devem ser as mesmas independente do refe-
mensões largura, altura e profundidade. rencial a partir do qual são observadas. Posterior-

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mente, Newton refinou esse princípio com a iden- o mesmo valeria para a luz mas, diferente de um
tificação de referenciais inerciais e não-inerciais. meio material, que é possível de se detectar de
Nos referenciais inerciais, toda aceleração detec- várias formas, para o eletromagnetismo deveria
tada pode ser associada a uma força cujo agente haver um meio especial apenas para dar suporte à
causador é devidamente identificado (gravitação, propagação das ondas eletromagnéticas. Apesar
atrito, tração e etc). O segundo tipo, os referen- do teor um tanto quanto artificial desse meio, os
ciais não-inerciais, ocorre quando não é possível cientistas deram-lhe um nome, éter, e se esforça-
determinar a origem de uma força para explicar ram para detectá-lo experimentalmente, mas não
uma aceleração e, consequentemente, as leis de houve resultados positivos. Restava, então, uma
Newton não se aplicam.6 Não é difícil concluir questão fundamental para toda a física: ou a teo-
que os referenciais inerciais são aqueles que se ria de Maxwell estava errada, ou a relatividade de
movimentam com velocidade constante, uma vez Galileu era imprecisa, e, consequentemente, isso
que, sob a influência de um movimento não uni- levaria a inconsistências na teoria newtoniana.
forme, um observador deverá associar a qualquer A teoria de Maxwell também trazia resultados
objeto uma aceleração sem causa aparente. bastante precisos, de modo que cientistas como
O ponto chave aqui é que, embora a física seja Henri Poincaré (1854 1912) e Hendrik Lorentz
a mesma entre referenciais inerciais, cada referen- (1853 1928) seguiram na linha da corrigir a re-
cial deve adotar seu próprio sistema de coordena- latividade galileana e, Albert Einstein foi quem
das para descrever um fenômeno observado. As obteve maior sucesso na descrição de como a te-
relações entre as coordenadas de dois referenciais, oria de Newton deve ser modificada.
A e B, são dadas pelas transformações de Galileu, Assumindo-se correto o eletromagnetismo
maxwelliano, com a impossibilidade de se detec-
tA = tB = t, (7) tar o éter, vinha também a conclusão de que a
xA = xB + uAB t, , (8) velocidade da luz é uma constante, independente
do referencial e da fonte que a emite.7 Portanto,
onde uAB é a velocidade com a qual o referen- o novo princípio da relatividade deveria ser alte-
cial B se move em relação à A. Por simplicidade, rado de forma que mantivesse invariante a teoria
consideramos que uAB possui componente na di- de Maxwell e respeitasse a constância da veloci-
reção x apenas e, portanto, as coordenadas y e z dade das ondas eletromagnéticas. Dessa forma,
permanecem as mesmas em cada referencial. A as transformações de Galileu, (7) e (8), dão lugar
equação (7) traduz a hipótese básica da relati- às transformações de Lorentz,
vidade de Galileu na qual o tempo é considerado
absoluto, ou seja, o mesmo para qualquer referen- tB uAB
xB
c2
cial. Por fim, variando (8) com relação ao tempo tA = q , (9)
u2AB
e, sendo uAB constante, obtém-se que ~aA = ~aB 1 c2
e, segundo (1), as forças em cada sistema são as (xB uAB tB )
xA = q . (10)
mesmas, ou seja, a física Newtoniana não muda. u2AB
Em outras palavras, a mecânica de Newton é in- 1 c2
variante sob as transformações de Galileu.
A primeira grande diferença, em relação à re-
Se aplicarmos o princípio da relatividade de
latividade de Galileu, é que o tempo não é mais
Galileu ao eletromagnetismo de Maxwell, a equa-
absoluto, ele depende do referencial tal como a
ção (4) não mais será uma equação de onda.
coordenada espacial. Como já foi dito anterior-
A princípio, isso não representaria um problema
mente, as Leis de Newton devem se adaptar a
pois o mesmo ocorre na física acústica, teoria que
esse novo conceito de relatividade e, tal reformu-
descreve o comportamento do som. A ondas so-
lação, resulta na teoria da relatividade especial de
noras são influenciadas pelo movimento do meio
Einstein.8
material em que elas se propagam e o som só sa-
tisfaz uma equação de onda no referencial em que 7
A velocidade da luz assume valores distintos de-
este meio está em repouso. Poderia-se pensar que pendendo do meio de propagação (vácuo, ar, água...).
Essa propriedade que dá origem ao fenômeno da refração
6
Ainda pode-se ajustar as Leis de Newton de forma quando a luz muda de meio de propagação. Mas, dentro
a manter sua validade para alguns casos de referenciais de um único meio, sua velocidade é constante.
8
não-inerciais através do formalismo de forças fictícias. Neste mesmo número dos Cadernos de Astronomia

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Mas se a mecânica clássica estava errada, como o tempo não é mais absoluto, a quantidade que
explicar os sucessos da física Newtoniana? Ocorre permanece invariante sob a transformação de re-
que, até antes da compreensão do eletromagne- ferenciais é dada por,
tismo, a ciência lidava com fenômenos que envol-
viam velocidades muito menores do que a veloci- ds2 = dx2 + dy 2 + dz 2 c2 dt2 . (14)
dade da luz. Nesse limite (uAB ⌧ c), as transfor-
mações de Lorentz se reduzem às transformações Em analogia com o que discutimos no parágrafo
de Galileu, mostrando que a teoria de Newton, na anterior, a invariância de ds sugere que a repre-
verdade, possui um limite de aplicabilidade e, a sentação geométrica natural da relatividade es-
baixas velocidades, ela funciona adequadamente. pecial é um espaço quadridimensional, onde o
tempo faz o papel da quarta coordenada. Devido
a isso, nomeamos essa estrutura de espaço-tempo.
4 O conceito de espaço-tempo Em notação tensorial, escrevemos,

Na física Newtoniana, com a relatividade de 3 X


X 3
Galileu (7)-(8), o espaço tridimensional euclidi- ds2 = ⌘µ⌫ dxµ dx⌫ . (15)
ano é sua representação geométrica natural. A µ=0 ⌫=0

distância entre dois pontos r1 = (x1 , y1 , z1 ) e


Note que, agora, cada índice assume valores de 0 a
r2 = (x2 , y2 , z2 ) é a mesma, independente do re-
3, para incluir o tempo e dxµ = (c dt, dx, dy, dz),
ferencial inercial adotado. Em outras palavras, a
com a multiplicação da coordenada temporal por
quantidade
c para que todas as componentes tenham unida-
d2 = dx2 + dy 2 + dz 2 , (11) des de comprimento. A métrica passa a ser re-
presentada por ⌘µ⌫ e recebe o nome de métrica
se mantém invariante quando aplicada as trans- de Minkowski (1864 1909), em homenagem ao
formações de Galileu, onde dx = x1 x2 , e similar matemático que primeiro utilizou essa descrição
para dy e dz. A expressão anterior está escrita no geométrica da relatividade especial. Em coorde-
sistema de coordenadas cartesiano mas é válida nadas cartesianas ela assume a forma de uma ma-
para qualquer sistema de coordenadas adotado. triz identidade 4 ⇥ 4 mas com um sinal negativo
Por isso, é mais conveniente utilizarmos uma no- na componente temporal,
tação independente das coordenadas, escrevendo 0 1
1 0 0 0
3 X
X 3 B0 1 0 0C
d2 = ij dx
i
dxj , (12) ⌘µ⌫ =B
@0
C. (16)
0 1 0A
i=1 j=1
0 0 0 1
com dxi = (dx, dy, dz) sendo um vetor e ij um
tensor de dois índices, conhecido como a métrica Na relatividade especial, cada referencial pode
do espaço euclidiano. Tensores são generalizações medir as dimensões de um objeto e sua veloci-
dos vetores (que possuem somente um índice) que dade, tudo em relação às suas coordenadas espa-
satisfazem regras específicas para transformações ciais e temporal. Esses valores mudam de refe-
de coordenadas. Eles podem ser vistos como as rencial para referencial, dando origem aos fenô-
componentes de uma matriz 3 ⇥ 3. Em coordena- menos da dilatação temporal e contração espa-
das cartesianas, a métrica ij possui a forma de cial. Quanto mais rápido se move um observa-
uma matriz identidade, dor mais lentamente passa o tempo para ele, ao
passo que as distâncias que ele mede ficam me-
0 1
1 0 0 nores. Mas a quantidade ds é invariante e define
ij = @0 1 0A . (13) o que chamamos de comprimento próprio, uma
0 0 1 medida de distância que independe do referencial
e seu movimento. Uma vez que a velocidade da
Com a relatividade restrita de Einstein, va- luz é também uma constante universal na rela-
lendo as transformações de Lorentz (9)-(10), onde tividade especial, é possível definir uma variação
apresenta-se, traduzido para o português, o artigo de Eins- de tempo também independente de referencial,
tein que lançou a teoria da relatividade especial. o tempo próprio, dado por d⌧ = ds/c, que será

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muito importante na construção de grandezas ci- a constância da velocidade da luz implica na con-
nemáticas, como a velocidade. dição de normalização da quadrivelocidade,
A teoria da relatividade especial revolucionou a
dxµ dx⌫
física no início do século XX, evidenciando a natu- ⌘µ⌫ = c2 . (18)
d⌧ d⌧
reza como nunca havíamos pensado e mostrando
que a física Newtoniana é apenas uma aproxima- Na expressão acima, estamos fazendo uso da no-
ção de uma formulação mais complexa. Entre- tação de Einstein e índices repetidos implicam
tanto, o termo “especial” atenta para o fato de que os mesmos estão sendo somados sobre todos
que a teoria possui aplicação restrita,9 válida so- os valores que possam assumir. Há, portanto,
mente para os casos de movimentos uniformes. A uma soma dupla em µ e ⌫, tal como na expres-
generalização da relatividade especial só foi possí- são (15). Na verdade, a condição acima é obtida
vel após uma extensa discussão acerca do princí- dividindo (15) por d⌧ 2 .
pio da equivalência e engloba a natureza da gra- Além disso, a constância da massa m, implica
vidade. Vamos discutir a seguir como se deu a
dx⌫
evolução dessas ideias até a formulação da teoria ⌘µ⌫ F µ = 0. (19)
d⌧
relatividade geral.
No caso gravitacional, podemos definir uma qua-
driforça Fgµ , nos moldes como define-se a força
gravitacional Newtoniana, a partir do gradiente
5 Generalização da gravitação newtoniana do potencial gravitacional ,
Nos anos que se seguiram a apresentação da F~g = mr
~ . (20)
teoria da relatividade especial, não se imaginava
encontrar uma maior dificuldade para adaptar a No domínio da relatividade restrita generalizamos
gravitação newtoniana aos conceitos revolucioná- essa definição como
rios que a teoria de Einstein trazia. Uma das
questões chaves estava na equação satisfeita pelo @
Fgµ = mc2 ⌘ µ⌫ . (21)
campo gravitacional Newtoniano, equação (6), e @x⌫
a ação à distância instantânea que ela implica, O termo c2 é inserido para que passe a ser adi-
violando o postulado da relatividade especial de mensional. No entanto, o campo gravitacional
que nada se propaga mais rápido que a veloci- deve satisfazer uma equação dinâmica que seja
dade da luz. A solução desta incompatibilidade invariante segundo as transformações de Lorentz.
mostrou-se mais complexa do que se esperava. Para isso, o mais simples seria o potencial gravi-
Em 1907, Einstein registrou as suas primeiras tacional satisfazer uma equação de onda como o
especulações acerca da possibilidade de estender potencial escalar do eletromagnetismo, ou seja
sua teoria da relatividade especial a movimen-
tos acelerados [3]. Sua descrição é simples e suas 1 @2 4⇡G
r2 = ⇢m , (22)
ideias sobre o tema podem ser reconstruídas fa- c2 @t2 c2
cilmente [4]. A proposta naturalmente surge com Mas a condição (19), juntamente com a força
uma generalização da força Newtoniana ao forma- gravitacional definida em (21), implicam que,
lismo quadridimensional da relatividade restrita,
✓ ◆ d
= 0. (23)
µ d dxµ d⌧
F = m , (17)
d⌧ d⌧ Em outras palavras, o potencial gravitacional
deve permanecer constante ao longo da trajetó-
onde m é a massa do objeto que sofre ação da
ria de uma partícula, ou seja, a força gravita-
força F µ , e xµ indica a sua posição no espaço-
cional deve ser nula na partícula. Uma análise
tempo. Note que as variações temporais são to-
um pouco mais detalhada mostra que, uma te-
madas em relação ao tempo próprio. Esta defini-
oria como a proposta acima, falha em cumprir
ção é feita no espaço-tempo de Minkowski, onde
o princípio de equivalência de Galileu, que deve
9
Relatividade restrita é também um sinônimo pra re- permanecer inalterado. Essa inconsistência física
latividade especial. levou Einstein a abandonar a formulação de uma

Cadernos de Astronomia, vol. 1, n 1, 17-29 (2020) 23


De Newton a Einstein: a geometrização da gravitação J.D. Toniato

teoria da gravitação invariante de Lorentz e o fez com M0 sendo uma constante de integração.
repensar o princípio de equivalência para estabe- Usando este resultado na equação (24), obtém-
lecer as relações entre um campo gravitacional e se a equação de movimento para uma partícula
uma aceleração correspondente [5]. A afirmação teste,
Galileana de que, na ausência de forças externas, @ dvµ d
c2 µ = + vµ . (26)
todos os corpos caem com a mesma aceleração @x d⌧ d⌧
(igualdade entre as massas inercial e gravitaci- Nordström afirmava que a equação dinâmica
onal), foi então reformulada por Einstein no que de sua teoria, sendo independente da massa, era
hoje conhecemos como o princípio de equivalência um reflexo da igualdade entre as massas gravita-
forte, tornando-se uma hipótese heurística neces- cional e inercial. A aceleração de diferentes par-
sária para a elaboração do que viria a ser a teoria tículas em um campo gravitacional não depende
relatividade geral. de suas respectivas massas, implicando que a teo-
O princípio de equivalência forte assegura que ria contém o princípio de equivalência de Galileu.
não é possível distinguirmos entre um referencial Porém, essa teoria possui problemas ao descrever
acelerado uniformemente e um outro sob a in- o movimento de uma partícula teste em queda
fluência de um campo gravitacional homogêneo livre, por exemplo. Considere um campo gravi-
e estático. É a essência do famoso experimento tacional estático, @ /@t = 0 , e assuma que este
mental do foguete parado na superfície da Terra campo atue somente no sentido da queda da par-
ou sendo acelerado com intensidade g. Uma pes- tícula, por exemplo = (z) . As equações (26)
soa no interior desse foguete, sem contato visual são escritas como
com o exterior, não poderia distinguir entre uma
dvµ d
situação ou outra. = vµ , µ 6= 3 , (27)
d⌧ d⌧
Mas antes que ele voltasse a publicar sobre
o assunto, o físico finlandês Gunnar Nordström d dv3 d
c2 = + v3 . (28)
(1881 1923) propôs algumas variações nessa for- dz d⌧ d⌧
mulação para escapar dos problemas acima cita- Escrevendo as velocidades da partícula em termos
dos. do tempo local t, teremos

dt v0 dxi
v0 = c , vi = Vi , com Vi ⌘ . (29)
d⌧ c dt
6 As teorias gravitacionais de Nordström
Substituindo isso nas equações de movimento,
Buscando contornar o problema da adaptação verifica-se que
da gravitação newtoniana à relatividade restrita, ✓ ◆
Nordström primeiramente manteve a generaliza- dVz 2 V2 d
= c 1 , (30)
ção da equação dinâmica do campo gravitacio- dt c2 dz
nal (22), como proposta por Einstein. Todavia, dVx dVy
= 0, = 0. (31)
sua contribuição relevante veio no tratamento da dt dt
quadriforça. Propôs que a massa de um corpo
dependesse do campo gravitacional. As equações onde definimos V 2 = Vx2 + Vy2 + Vz2 . Esse re-
(17) e (21) dão origem à expressão sultado diz que corpos que possuam velocida-
des horizontais caem mais lentamente que aqueles
dvµ dm @ que não as possuam, ou seja, corpos girantes em
m + vµ = mc2 µ , (24) queda livre serão acelerados mais lentamente que
d⌧ d⌧ @x
os não girantes [6].
e o termo de derivada da massa impede o surgi- Outra questão problemática está relacionada
mento da condição (23). Contrariamente, a con- com a determinação da fonte do campo gravita-
tração dessa última expressão com v µ nos leva cional. A densidade de massa, como se sabe, é
a uma equação diferencial facilmente integrável dada em termos da projeção do tensor de energia
que indica a dependência da massa com o campo e momento Tµ⌫ , na direção do observador que se
gravitacional, a saber move com velocidade v µ ,

m( ) = M0 e , (25) ⇢m = Tµ⌫ v µ v ⌫ . (32)

Cadernos de Astronomia, vol. 1, n 1, 17-29 (2020) 24


De Newton a Einstein: a geometrização da gravitação J.D. Toniato

O tensor de energia e momento descreve a densi- Para analisarmos a conservação da energia, fica
dade e o fluxo de energia e momento no espaço- mais fácil utilizarmos a maneira pelo qual Eins-
tempo. É uma generalização relativística do ten- tein apresentou esta teoria de Nordström em 1913
sor de tensões da física Newtoniana. Utilizar este [7]. O tensor de energia-momento da matéria em
parâmetro ⇢m como a fonte do campo gravitacio- um sistema fechado é tal que,
nal resulta em uma dinâmica do campo que impli-
citamente depende do sistema de referência ado- T µ⌫ = ⇢ vµv⌫ . (38)
tado. Einstein, então, sugeriu que a única quan-
Já a contribuição do próprio campo gravitacional
tidade escalar que poderia ser fonte do campo
será dado por,
gravitacional era o traço do tensor de energia-
✓ ◆
momento da matéria, µ⌫ c4 µ↵ ⌫ @ @ w
t = ⌘ ⌘ ⌘↵ , (39)
4⇡G @x↵ @x 2
T = Tµ⌫ ⌘ µ⌫ . (33)
com,
Isso levou Nordström à formulação de uma se- @ @
w ⌘ ⌘ µ⌫ . (40)
gunda teoria gravitacional, no qual acatava as crí- @xµ @x⌫
ticas de Einstein. Sob essas definições, o tensor de energia-momento
total, T µ⌫ + tµ⌫ , se conservará. Basta ver que,
6.1 Segunda teoria de Nordström @tµ⌫ T @
= ⌘ µ⌫ , (41)
Como dito na seção anterior, em sua segunda @x⌫ @x⌫
teoria gravitacional, Nordström modifica a fonte onde utilizamos a equação (34) e,
do campo escalar da densidade de energia ⇢ para
o traço do tensor de energia-momento, T . Isso @T µ⌫ T µ⌫ @

= ⌘ , (42)
implica em considerar que, assim como o campo @x @x⌫
eletromagnético, o campo gravitacional deve car- considerando-se a conservação da massa, expressa
regar uma certa energia, o que leva a uma não como,
linearidade na teoria (já que a relatividade es- @
(⇢ v µ ) = 0. (43)
pecial afirma que qualquer forma de energia é @xµ
equivalente à uma massa e, portanto, deve ge- Portanto, a divergência do tensor de energia-
rar um campo gravitacional). Nordström incluiu momento total é nula, garantindo a conservação
essa não linearidade através da adição de um fa- da energia.
tor gravitacional na fonte do campo, Essa teoria chamou a atenção de Einstein, que
a qualificou como a única teoria gravitacional sa-
1 @2 4⇡G T tisfatória até aquele momento. Tanto que pouco
r2 = , (34)
c2 @t2 c4 tempo depois, publicou uma reformulação geomé-
e também na força gravitacional (21), trica para ela como veremos a seguir.

mc2 @ 6.2 Reformulação de Einstein-Fokker


Fgµ = ⌘ µ⌫ . (35)
@x⌫ Em 1914, Einstein e seu aluno, Adriaan Fok-
Novamente estamos trabalhando com uma formu- ker (1887 1972), publicaram um trabalho no
lação onde o campo escalar é adimensional. qual aplicam a teoria matemática do cálculo dife-
A equação de movimento resultante dessa mo- rencial aos últimos resultados de Nordström [8].
dificação é tal que Mostra-se então que a equação de movimento (36)
consiste em uma geodésica em um espaço-tempo
@ dvµ d descrito pela métrica
c2 = + vµ , (36)
@xµ d⌧ d⌧ 2
gµ⌫ = ⌘µ⌫ . (44)
com a dependência da massa sendo agora dada
de forma linear, A métrica de Minkowski define um espaço-tempo
cuja geometria é plana, tal como o espaço tridi-
M ( ) = M0 . (37) mensional euclidiano. Já uma métrica como gµ⌫

Cadernos de Astronomia, vol. 1, n 1, 17-29 (2020) 25


De Newton a Einstein: a geometrização da gravitação J.D. Toniato

descreve um espaço-tempo de geometria curva. equação só se reduz à teoria de Nordström no


Uma geodésica é a menor distância entre dois caso de um sistema de coordenadas conformal-
pontos e, em um espaço plano, ela se reduz a mente Cartesiano. Na métrica (44), somente o
uma reta. Portanto, nessa formulação de Eins- fator conforme tem uma dinâmica devidamente
tein e Fokker, os efeitos da gravitação são descri- determinada pelo conteúdo material de um sis-
tos como consequência de uma geometria curva, tema, ou seja, sua estrutura não pode ser mudada
que altera o caminho seguido por partículas tes- apenas modificando-se a distribuição de matéria
tes. desse sistema.
Em geometrias curvas, uma quantidade muito Ainda assim, a teoria de Nordström desem-
importante para a descrição da curvatura do penhou um papel importantíssimo para Einstein
espaço-tempo é o tensor de Ricci, Rµ⌫ , calculado na sua busca pela teoria geral da relatividade,
à partir de derivadas segundas da métrica. O seu mostrando-o todo o potencial do ferramental ma-
traço, R = Rµ⌫ g µ⌫ , é conhecido como escalar de temático do cálculo diferencial e indicando o ca-
curvatura e, para a métrica (44) ele é dado por, minho a ser seguido.
✓ ◆
6 2 1 @2
R= 3
r . (45)
c2 @t2 7 A proposta de Einstein
Como a métrica gµ⌫ nada mais é que uma trans- Einstein publicou em 1913 um famoso artigo
formação conforme de ⌘µ⌫ , o tensor de energia- em conjunto com seu amigo matemático Marcel
momento se transforma como Grossmann (1878 1936). O trabalho, conhecido
como Entwurf (esboço), generaliza a ideia con-
T (gµ⌫ )
T (⌘µ⌫ ) ! 4
. (46) tida na formulação de Einstein-Fokker e descreve
o campo gravitacional como um tensor de dois
Assim, facilmente vemos que a equação dinâmica índices arbitrário [9]. Foram os indícios proveni-
(34) pode ser reescrita como entes de suas tentativas passadas, para formular
uma teoria para uma campo gravitacional está-
24⇡G tico [10], que levou a essa significante modificação
R= T. (47)
c4 na representação do potencial gravitacional.
Novamente, essa formulação descreve o campo A relatividade especial, faz uma generalização
gravitacional em termos de variáveis geométricas. do princípio de inércia Newtoniano ao descrever a
Assim, o princípio de equivalência forte está ga- trajetória de partículas livres segundo geodésicas
rantido, pois todo corpo teste sentirá os mesmos no espaço quadridimensional de Minkowski. Isso
efeitos da gravitação, uma vez que ela está con- nada mais é do que o princípio de Hamilton da
tida na geometria do espaço-tempo. Um ponto mínima ação, a dinâmica de uma partícula teste
interessante é que a massa não precisa mais ser é obtida a partir do princípio variacional,
Z Zp
dependente do campo escalar.
Embora esta teoria escalar da gravitação tenha ds = dx2 + dy 2 + dz 2 c2 dt2 = 0. (48)
sido bem aceita, hoje podemos evidenciar proble-
Utilizando os avanços do cálculo diferencial da
mas que à época não eram tão claros ou care-
época, Einstein propõe que na presença de um
ciam de evidências experimentais para confirmá-
campo gravitacional a métrica plana de Min-
los. Por um lado, a teoria de Nordström sa-
kowski deve ser substituída por uma estrutura
tisfaz os princípios básicos de equivalência, con-
mais geral. O comprimento próprio é então re-
servação da energia e possui um correto limite
definido como,
para a gravitação Newtoniana. Por outro lado,
ao utilizar o traço do tensor de energia-momento ds2 = gµ⌫ dxµ dx⌫ . (49)
como fonte do campo gravitacional, não se aco-
pla o eletromagnetismo à gravitação, isso por- Partículas livres seguirão geodésicas na métrica
que, para o electromagnetismo, T = 0 . Além gµ⌫ e o campo gravitacional será representado por
disso, não podemos interpretar a equação (47) suas dez componentes [11].10
de forma plena devido à restrição existente na 10
O tensor gµ⌫ é simétrico, ou seja, gµ⌫ = g⌫µ , e só há
definição da geometria do espaço-tempo. Essa 10 componentes independentes.

Cadernos de Astronomia, vol. 1, n 1, 17-29 (2020) 26


De Newton a Einstein: a geometrização da gravitação J.D. Toniato

Essa interpretação dos fenômenos gravitacio- 8 A geometrização da gravitação


nais abdica do conceito de força da mecânica
Newtoniana (e também da ideia inicial de Nords- Recapitulando as últimas sessões, Einstein ob-
tröm) para entender a gravitação como uma ma- servou que a gravitação Newtoniana não possui
nifestação da geometria do espaço-tempo. Con- uma generalização imediata para se adequar ao
tudo, assim como na gravitação Newtoniana, o princípio da relatividade de Lorentz. A solução
princípio da mínima ação apenas determina o mo- dessa questão passava por repensar o princípio de
vimento de uma partícula teste sujeita ao campo equivalência de Galileu, que Einstein reformulou
gravitacional. Era preciso ainda estabelecer as através do experimento mental do foguete. Uma
equações dinâmicas para gµ⌫ . pessoa dentro de um foguete, sem contato visual
com o exterior, não pode distinguir entre as duas
A equação do campo gravitacional (6) conti-
situações a seguir: i) está parado na superfície
nuou sendo uma espécie de inspiração na busca
da Terra ou ii) está em movimento com acele-
pela dinâmica da gravitação. O lado esquerdo
ração igual ao do campo gravitacional da Terra.
deveria conter uma combinação da métrica gµ⌫ ,
Em outras palavras, não há distinção entre mo-
suas primeiras e segundas derivadas. O lado di-
vimento inercial (foguete acelerado) e movimento
reito traria a fonte do campo que, àquela época
sobre influência da gravitação (foguete parado).
já se entendia que deveria ser o tensor de energia-
momento Tµ⌫ . Além disso, a equação resultante A ideia de Einstein para solucionar o problema
deveria ser de tal forma que a teoria final fosse da gravitação é ampliar o conceito de movimento
uma verdadeira generalização da teoria da relati- inercial de forma a incluir a atração gravitacio-
vidade especial e, assim, todos os sistemas de re- nal nele. A forma com a qual ele conseguiu esta
ferências seriam equivalentes entre si. Em outras proeza baseia-se na interpretação geométrica in-
palavras, a equação dinâmica deveria ser covari- troduzida por Minkowski à teoria da relatividade
ante. Entretanto, no artigo Entwurf, Grossmann especial. O movimento de uma partícula livre
mostrou que o tensor de Ricci, Rµ⌫ , seria a única (sem atuação de forças) é uma geodésica, uma
quantidade covariante que poderia ser construída curva determinada pela estrutura geométrica do
com a métrica e suas duas primeiras derivadas, espaço-tempo. Em coordenadas cartesianas, essa
mas ambos os cientistas, equivocadamente, acre- curva se reduz a uma reta, mas este não é sempre
ditaram que a equação de campo construída com o caso. Isso é semelhante ao que acontece quando
Rµ⌫ falhava em obter o limite Newtoniano para traçamos a menor distância entre dois pontos em
campos fracos. Isso chegou a levar Einstein a um mapa-múndi. Em uma versão plana do mapa
abrir mão da covariância geral da teoria [12]. obtém-se uma reta. Mas em uma versão do tipo
globo a menor distância entre dois pontos não
Somente após o trabalho feito junto com Fok-
será uma reta, pelo simples fato de que a traje-
ker, aplicando o cálculo tensorial à segunda teo-
tória tem de acompanhar a superfície curva do
ria de Nordström, foi que Einstein voltou a acre-
globo.
ditar que o tensor de Ricci poderia sim ter um
papel fundamental na derivação de uma equação Einstein, portanto, assume que essa propri-
dinâmica covariante para o campo gµ⌫ condizente edade deve continuar valendo quando a gravi-
com o limite Newtoniano, já que a equação (47), dade se faz presente, ou seja, partículas livres
construída com o escalar de Ricci, corretamente devem continuar seguindo geodésicas no espaço-
fornece esse limite. A busca por uma teoria da tempo. Mas essa geodésica não pode ser equiva-
gravitação, sob o conceito geométrico represen- lente àquela sem a presença de um campo gravi-
tado pelo tensor métrico gµ⌫ , que fosse comple- tacional e, sua modificação não pode estar asso-
tamente covariante, teve seu desfecho, como bem ciada com o sistema de coordenadas que se adota
sabemos, com a formulação da equação de campo (o exemplo anterior do mapa plano e do globo é
de Einstein, um analogia de como a forma de uma geodésica
muda de acordo com as coordenadas adotadas).
R 8⇡G Resta a opção de se modificar a geometria do es-
Rµ⌫ gµ⌫ = 4 Tµ⌫ . (50) paço tempo. Dessa forma, a teoria da relatividade
2 c
geral, inclui a gravitação como uma forma de mo-
Para uma discussão mais detalhada desse pro- vimento inercial e, em consequência, deixa de in-
cesso veja as referências [13–15]. terpretar essa interação como um força, passando

Cadernos de Astronomia, vol. 1, n 1, 17-29 (2020) 27


De Newton a Einstein: a geometrização da gravitação J.D. Toniato

a vê-la como uma consequência da curvatura do


espaço-tempo.
A fonte do campo gravitacional é toda forma
de massa e energia, seguindo as ideias da relati-
vidade especial. Portanto, matéria/energia curva
o espaço-tempo que, por sua vez, influencia no
movimento da matéria/energia, que altera a es-
trutura do espaço-tempo... e assim por diante.
O leitor atento, observará que esse é um processo
análogo ao da criação de ondas eletromagnéticas
na teoria de Maxwell. Não por acaso que, poucos
anos depois da formulação da teoria da relativi-
dade geral (1915), o próprio Einstein demonstrou
que ondas gravitacionais devem existir, uma pre-
visão que se mostrou verdadeira quase 100 anos
depois.
Obviamente, a relatividade geral encontrou
Figura 1: Simulação computacional do fenômeno do
confirmação experimental muito antes disso. Já
avanço do periélio orbital, comparando as previsões da
em seu primeiro trabalho, Einstein provou que relatividade geral e da gravitação newtoniana (Fonte:
as anomalias na órbita de Mercúrio, antes um Ref. [16]).
problema inexplicado na gravitação newtoniana,
eram naturalmente previstas em sua teoria. A
teoria de Newton prevê que a órbita de plane- tese de doutorado em 2014. Já lecionou como
tas é uma elipse, mas a relatividade geral, com professor substituto na UFES e atualmente é
sua inovadora descrição da gravitação como ge- pós-doutorando no PPGCosmo/UFES, desenvol-
ometria, prevê que essas elipses podem girar no vendo pesquisas na área de gravitação e cosmolo-
espaço, como ilustrado na Figura 1. Esse fenô- gia com especial enfoque a teorias alternativas e
meno é hoje conhecido como o avanço do periélio testes gravitacionais.
orbital e é mais acentuado na órbita de Mercú-
rio. Levando em conta esse efeito, as previsões
teóricas concordam satisfatoriamente com as ob-
Referências
servações astronômicas.
Posteriormente, outros testes fortaleceram e es- [1] I. Newton, Principia: princípios matemáti-
tabeleceram a teoria da relatividade geral como a cos de filosofia natural (EDUSP, São Paulo,
formulação padrão para a descrição dos fenôme- 2008).
nos gravitacionais. Esse caminho de consolidação
da teoria de Einstein é o que se discute no se- [2] A. Janiak (ed.), Newton: Philosophical Wri-
guinte artigo dessa série de textos A Gravitação. tings, Cambridge Texts in the History of Phi-
losophy (Cambridge University Press, 2014),
2 ed.
Agradecimentos
[3] A. Einstein, On the relativity principle and
J.D. Toniato agradece à FAPES e CAPES pelo the conclusions drawn from it, in The collec-
apoio financeiro através do programa Profix. ted papers of Albert Einstein. Vol. 2: The
swiss years: Writings, 1900-1909 (English
translation), editado por A. Beck e P. Ha-
Sobre o autor vas (Princeton University Press, Princeton,
1987), 252–311.
Junior Diniz Toniato (junior.toniato@ufes.br)
é doutor em física pelo Centro Brasileiro de Pes- [4] C. H. Brans, Gravity and the tenacious sca-
quisas Físicas (CBPF), Rio de Janeiro - RJ, tendo lar field, in Symposium to honor Engelbert
recebido dessa instituição o prêmio de melhor Schucking (1996).

Cadernos de Astronomia, vol. 1, n 1, 17-29 (2020) 28


De Newton a Einstein: a geometrização da gravitação J.D. Toniato

[5] J. D. Norton, Einstein, nordström and the 4: The swiss years: Writings, 1912-1914
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Exact Sciences 45 (1), 17–94 (1992). Princeton, 1996), 107–120.

[6] J. D. Norton, Einstein and Nordström: Some [11] D. Lehmkuhl, Why einstein did not beli-
Lesser Known Thought Experiments in Gra- eve that general relativity geometrizes gra-
vitation, in The Attraction of Gravitation: vity, Studies in History and Philosophy of
New Studies in History of General Relativity, Science Part B: Studies in History and Phi-
editado por J. Earman, M. Janssen e J. D. losophy of Modern Physics 46, 316 – 326
Norton (Birkhäuser, Boston, 1993), vol. 5 de (2014).
Einstein Studies, 3–29. [12] J. Stachel, Einstein’s search for general co-
variance, 1912 - 1915., in Einstein and the
[7] A. Einstein, On the present state of the pro- History of General Relativity, editado por
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ton, J. Renn, T. Sauer e J. Stachel (Springer
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Netherlands, Dordrecht, 2007), 113–312.
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the absolute differential calculus, in The col-
[14] J. D. Norton, How Einstein found his fi-
lected papers of Albert Einstein. Vol. 4: The
eld equation, 1912-1915, in Einstein and the
swiss years: Writings 1912-1914 (English
History of General Relativity, editado por
translation), editado por A. Beck e P. Ha-
D. Howard e J. Stachel (Birkhäuser, Boston,
vas (Princeton University Press, Princeton,
1989), vol. 1 de Einstein Studies, 101–159.
1996), vol. 4, 293–299.

[9] A. Einstein e M. Grossmann, Outline of a ge- [15] M. Janssen e J. Renn, Untying the knot: how
neralized theory of relativity and of a theory einstein found his way back to field equati-
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bert Einstein. Vol. 4: The swiss years: Wri- Genesis of General Relativity, editado por
tings 1912-1914 (English translation), edi- M. Janssen, J. D. Norton, J. Renn, T. Sauer
tado por A. Beck e D. Howard (Princeton e J. Stachel (Springer Netherlands, Dordre-
University Press, Princeton, N. J., 1996), cht, 2007), 839–925.
151–188.
[16] T. Ribeiro, Scalar gravitation: inconsistency
[10] A. Einstein, On the theory of the static gra- of planetary orbits, Rev. Bras. Ens. Fis.
vitational field and note added in proof, in 38(4), e4313 (2016).
The collected papers of Albert Einstein. Vol.

Cadernos de Astronomia, vol. 1, n 1, 17-29 (2020) 29

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