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10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO


PACIENTE(S) : ROBERTO LUIZ JUSTUS
IMPETRANTE(S) : ALBERTO ZACHARIAS TORON E
OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DO HABEAS CORPUS N° 39.955 DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTAS: 1. COMPETÊNCIA CRIMINAL. Habeas corpus.


Impetração contra decisão de ministro relator do Superior Tribunal de
Justiça. Indeferimento de liminar em habeas corpus. Rejeição de proposta
de cancelamento da súmula 691 do Supremo. Conhecimento admitido no
caso, com atenuação do alcance do enunciado da súmula. O enunciado da
súmula 691 do Supremo não o impede de, tal seja a hipótese, conhecer de
habeas corpus contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido ao
Superior Tribunal de Justiça, indefere liminar.

2. AÇÃO PENAL. Tributo. Crime contra a ordem tributária, ou


crime tributário. Procedimento administrativo não encerrado. Pendência de
recurso administrativo. Lançamento não definitivo. Delito ainda não
tipificado. Jurisprudência assentada do Supremo. Constrangimento ilegal
caracterizado. Extinção do processo. HC concedido de ofício para esse fim.
Pedido prejudicado. Crime contra a ordem tributária não se tipifica antes do
lançamento definitivo de tributo devido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os

Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade

da ata de julgamento e das notas taquigráficas, preliminarmente, em rejeitar a

proposta de cancelamento do enunciado da Súmula nº 691, formulada pelo


relator, vencidos Sua Excelência e o Senhor Ministro MARCO AURÉLIO. No

mérito, em julgar prejudicado o pedido de habeas corpus, e conceder a ordem,

de ofício, para efeito de trancamento da ação penal, suspendendo o prazo

prescricional, tudo nos termos do voto do relator. O Ministro MARCO AURÉLIO

conhecia da impetração e indeferia a ordem, mas concedia-a de ofício, nos

mesmos termos dos demais membros da Corte. Votou a Presidente. Falou pelo

paciente o Dr. ALBERTO ZACHARIAS TORON. Ausente, justificadamente, o

Senhor Ministro NELSON JOBIM (Presidente). Presidiu o julgamento a Senhora

Ministra ELLEN GRACIE (Vice-Presidente).

Brasília, 10 de agosto de 2005.

ELLEN GRACIE - PRESIDENTE

CEZAR PELUSO - RELATOR


21/06/2005 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO


PACIENTE(S) : ROBERTO LUIZ JUSTUS
IMPETRANTE(S) : ALBERTO ZACHARIAS TORON E
OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DO HABEAS CORPUS N° 39.955 DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator):

Trata-se de habeas corpus, impetrado contra indeferimento, pelo

Min. GILSON DIPP, de igual medida, em caráter liminar, pleiteada ao Superior

Tribunal de Justiça, nos autos do HC nº 39.955.

O paciente está sendo processado pela suposta prática de

crimes descritos nos incisos I e IV da Lei nº 8.137/90 (fls. 39). Ocorre que o

lançamento tributário foi impugnado na instância administrativa e pende de

julgamento “recurso voluntárid’ protocolado, no Conselho de Contribuintes do

Ministério da Fazenda, em 31 de maio de 2004 (fls. 116).

O paciente alega, desde a primeira instância, ausência de justa

causa para a ação penal, dada a pendência do recurso administrativo, em que se


discute a existência do débito tributário, cuja caracterização é pressuposto do

crime contra a ordem tributária, descrito no artigo 1o da Lei n- 8.137/90.

Não tendo logrado bom sucesso, consoante a decisão que lhe

determinou a realização do interrogatório, impetrou habeas corpus ao Tribunal

Regional Federa! da 3a Região, para sobrestar esse ato processual. O relator,

Des. ANDRÉ NABARRETE, indeferiu-lhe a liminar, sob fundamento de que “não

é necessário o término do procedimento administrativo para se configurar a

materialidade” (HC nº 18.108, fls. 30-31).

No Superior Tribunal de Justiça, onde deduziu idêntico pedido,

foi-lhe negado seguimento, no HC nº 39.955, pois não seria admissível habeas

corpus contra indeferimento de liminar, “a não ser em casos de evidente

ilegalidade, sob pena de indevida supressão de instância” (fls. 25-26).

Requereu aqui concessão da ordem, para que seja reconhecida

a ilegalidade da decisão que lhe indeferiu liminar no Superior Tribunal de Justiça.

Nos termos do decidido no HC nº 84.014-AgReg (Rel. Min.

MARCO AURÉLIO), em cujo julgamento admitiu-se exceção à orientação da

súmula 691, quando se trate de flagrante constrangimento ilegal, concedi a

liminar (fls. 196/198).

Prestou informações o Superior Tribunal de Justiça.

A PGR requereu-as atualizadas ao Conselho de Contribuintes,

que informou ter o Processo Administrativo Fiscal nº 16327.002075/2002-52

dado entrada naquele órgão em 07/07/2004, sem que tenha sido julgado até a

data da resposta (11/03/2005. Cf. fls. 222).


Invocando o entendimento firmado pelo Plenário no

julgamento do HC nº 81.611 (Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), opina a PGR

pela concessão da ordem (fls. 225/228).

É o relatório.
21/06/2005 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

VOTO

PROPOSTA DE REMESSA AO PLENO

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (PRESIDENTE) - Tenho


uma questão de ordem a propor à consideração do eminente Relator.

Estamos, decidida e declaradamente, a propor uma


restrição à Súmula; na verdade um cancelamento, porque, na medida em
que admitirmos, sendo flagrante a ilegalidade, caber o habeas corpus
contra o indeferimento da liminar, teremos de examinar todas as
impetrações em que essa ilegalidade flagrante seja alegada.

Homenageio os advogados do meu País; nenhum deles


deixará de falar que a "sua ilegalidade" é flagrante. E vamos tornar
inócua a Emenda Constitucional 22.

Ora, restringir o alcance de uma súmula vale por


cancelá-la: a competência é do Pleno.

Vimos, da tribuna, o ilustre Advogado analisar os


fundamentos da Súmula. Na primeira vez, falou-se que o Tribunal lhe
estaria a dar uma "interpretação bitolada". O Mestre Victor Nunes
costumava dizer que, quando se discute se determinada súmula merece
interpretação ampliativa ou restritiva, ela já não cumpre o seu
papel, que é o cie encerrar discussões que o Tribunal tem por ociosas
à vista dos precedentes e na extensão deles extraída.

A própria liminar do eminente Ministro Cezar Peluso,


em outra decisão de Sua Excelência mostra, efetivamente, que Sua
Excelência, na verdade, não concorda com os precedentes que
alicerçam a Súmula 691.

No caso, não há prisão. Não há urgência qualificada.


Creio que a matéria deva ser submetida ao Plenário.

Não estou antecipando nenhum julgamento quanto ao


verbete; o que defendo é a instituição da Súmula.

Se, em cada Turma, pudermos dizer que este caso é


peculiar, então a Súmula perde a sua razão de ser.

De tal modo que proponho, efetivamente, que levemos o


problema à discussão do Plenário.
21/06/2005 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Senhor Presidente, é

claro que o pano de fundo é da maior extravagância possível, diante

do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal quanto à

impossibilidade de se ter a persecução enquanto pendente o processo.

Há pronunciamentos firmes que vêm sendo reiterados.

Veria uma possibilidade de não se colocar propriamente

no lixo o Verbete nº 691 da Súmula e chegar-se ao afastamento sem

ressalvas. Seria o acionamento do artigo 654, § 2º, do Código de

Processo Penal, com a concessão de ofício.

Votei contra a aprovação do verbete. Haveria a saída

da concessão de ofício do habeas, mas concordo plenamente com Vossa

Excelência, considerada a remessa do processo ao Plenário. Devemos

preservar a Súmula do Supremo até revisão do verbete.


21/06/2005 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

VOTO

(S/PROPOSTA DE REMESSA AO PLENO)

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Sr.

Presidente, Vossa Excelência está sugerindo que submetamos o feito ao Pleno.

Estou de acordo.

A Súmula, realmente, não me é nada simpática. Não tenho nada

a opor. A liminar permanece. Não há prejuízo para o paciente.

Na verdade, a Súmula envolve uma alternativa: ou a ilegalidade

é flagrante ou não é. Se flagrante, concede-se a ordem; se não é flagrante, não

se concede.
PRIMEIRA TURMA

EXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 85.185-1


PROCED.: SÃO PAULO
RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO
PACTE.(S): ROBERTO LUIZ JUSTUS
IMPTE.(S): ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S ) (ES ) : RELATOR DO HABEAS CORPUS Nº 39.955 DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: A Turma, acolhendo proposta do Presidente,


decidiu remeter o presente habeas corpus a julgamento do Tribunal
Pleno. Unânime. Falou pelo paciente o Dr. Alberto Zacharias Toron.
1º . Turma, 21.06.2005.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à


Sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e
Eros Grau.

Subprocurador-Geral da Republica, Dr. Wagner de Castro


Mathias Netto.

Ricardo Dias Duarte


Coordenador
10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO


PACIENTE(S) : ROBERTO LUIZ JUSTUS
IMPETRANTE(S) : ALBERTO ZACHARIAS TORON E
OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DO HABEAS CORPUS N° 39.955 DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

R E L ATÓ RIO

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator):

Trata-se de habeas corpus, impetrado contra indeferimento, pelo

Min. GILSON DIPP, de igual medida, em caráter liminar, pleiteada ao Superior

Tribunal de Justiça, nos autos do HC nº 39.955.

O paciente está sendo processado pela suposta prática de

crimes descritos nos incisos I e IV da Lei nº 8.137/90 (fls. 39). Ocorre que o

lançamento tributário foi impugnado na instância administrativa e pende de

julgamento “recurso voluntário” protocolado, no Conselho de Contribuintes do

Ministério da Fazenda, em 31 de maio de 2004 (fls. 116).

O paciente alega, desde a primeira instância, ausência de justa

causa para a ação penal, dada a pendência do recurso administrativo, em que se

discute a existência do débito tributário, cuja caracterização é pressuposto do

crime contra a ordem tributária, descrito no artigo 1º da Lei nº 8.137/90.


Não tendo logrado bom sucesso, consoante a decisão que lhe

determinou a realização do interrogatório, impetrou habeas corpus ao Tribunal

Regional Federal da 3a Região, para sobrestar esse ato processual. O relator,

Des. ANDRÉ NABARRETE, indeferiu-lhe a liminar, sob fundamento de que “não

é necessário o término do procedimento administrativo para se configurar a

materialidade” (HC nº 18.108, fls. 30-31).

No Superior Tribunal de Justiça, onde deduziu idêntico pedido,

foi-lhe negado seguimento, no HC nº 39.955, pois não seria admissível habeas

corpus contra indeferimento de liminar, “a não ser em casos de evidente

ilegalidade, sob pena de indevida supressão de instância” (fls. 25-26).

Requereu aqui concessão da ordem, para que seja reconhecida

a ilegalidade da decisão que lhe indeferiu liminar no Superior Tribunal de Justiça.

Nos termos do decidido no HC nº 84.014-AgReg (Rel. Min.

MARCO AURÉLIO), em cujo julgamento admitiu-se exceção à orientação da

súmula 691, quando se trate de flagrante constrangimento ilegal, concedi a

liminar (fls. 196/198).

Prestou informações o Superior Tribunal de Justiça.

A PGR requereu-as atualizadas ao Conselho de Contribuintes,

que informou ter o Processo Administrativo Fiscal nº 16327.002075/2002-52

dado entrada naquele órgão em 07/07/2004, sem que tenha sido julgado até a

data da resposta (11/03/2005. Cf. fls. 222).


Invocando o entendimento firmado pelo Plenário no

julgamento do HC nº 81.611 (Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), opina a PGR

pela concessão da ordem (fls. 225/228).

É o relatório.
10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

PROPOSTA

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) -

1. A súmula nº 691, aprovada pelo Plenário, em 24 de setembro de

2003, enuncia:

“Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de ‘habeas


corpus’ impetrado contra decisão de relator que, em ‘habeas corpus’
requerido a tribunal superior, indefere a liminar”.

As razões que a inspiraram a orientação constam dos seguintes

precedentes: HCs nº 70.648, 76.347-QO, 79.238, 79.350, 79.748, 80.287,

80.316, 80.631,80.550 e 80.081.

Da sua leitura colhe-se que o fundamento último do enunciado

estaria “na relevantíssima circunstância de que a antecipação pretendida

transgride princípios processuais básicos, como o postulado da hierarquia dos

graus de jurisdição, de um lado, e o princípio da competência, de outro” (HC nº

79.748, Rel. Min. CELSO DE MELLO, p. 52).


Tal conclusão sintetiza, na verdade, dois argumentos deduzidos

pelo eminente Min. MOREIRA ALVES, no leading case em que se transformou o

julgamento do HC nº 76.347-QO, e que consistem nas seguintes afirmações:

“a) - se concedida a liminar pelo relator do ‘habeas corpus’ nesta


Corte, estarão prejudicados os ‘habeas corpus’ interpostos perante o
Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Regional Federal, pela
impossibilidade de estes, examinando o mérito - que é o mesmo da liminar
—, concluírem pela improcedência do pedido, por terem de cassar
necessariamente, até por causa do mesmo fundamento, a liminar
concedida, no âmbito de sua competência, por Juiz que é hierarquicamente
superior;

b) - com isso, obtém-se indiretamente que, por falta de


competência, não é permitido diretamente, ou seja, que o relator do
‘habeas corpus’ nesta Corte conceda liminar contra despacho de juiz de
primeiro grau;"

Das premissas, não tiro as conseqüências.

1 Há um terceiro, que não interfere no meu raciocínio: "c) - se


se entender, ao contrário, que, com a concessão da liminar pelo
relator nesta Corte, não ficam prejudicados os julgamentos dos
'habeas corpus' que tramitam no Tribunal Regional Federal e no
Superior Tribunal de Justiça, ter-se-á de admitir que, se o
primeiro deles julgar o writ perante ele Interposto, e que visa
ao mesmo fim a que visam os interpostos sucessivamente diante do
Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, e o
indeferir, esse acórdão não só cassará a liminar concedida pelo
Ministro desta Corte, como também tomará prejudicado o julgamento
pela Turma a que ele pertence do próprio habeas corpus, além de
tornar prejudicado o julgamento do writ impetrado também junto ao
Superior Tribunal de Justiça, violando por duas vezes o princípio
da hierarquia de jurisdição pela cassação de liminar deferida por
Juiz superior e por impedir que o Tribunal superior (e, no caso,
são dois) delibere, em definitivo, contra o julgado pela Corte
inferior" .
Não encontro óbice jurídico a que, por obra da eficácia de

eventual liminar concedida por Ministro desta Corte ou do julgamento definitivo,

se tornem prejudicados pedidos de habeas corpus em curso perante o Superior

Tribunal de Justiça, ainda nos casos em que haja - porque pode não havê-la2 -

coincidência absoluta entre os objetos das impetrações aqui e ali. A

prejudicialidade é fenômeno peculiar, sobretudo, ao ordenamento processual, e

depende apenas da existência de relações lógico-jurídicas entre questões e

causas (interna e externa). O habeas corpus é também ação e, como tal, pode,

como qualquer outra, ter seu objeto prejudicado por força de decisão desta Corte

noutra demanda. E este é, precisamente, um dos casos mais relevantes de

prejudicialidade que despontam à nossa ordem jurídico-constitucional.

O artigo 5° inc. LXVIII, da Constituição da República, prescreve:

“conceder-se-á ‘habeas-corpus’ sempre que alguém sofrer ou se achar


ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção,
por ilegalidade ou abuso de poder”, (grifei)

2
Nem todo habeas corpus contra indeferimento de liminar tem por
objeto a mesma providência perseguida no habeas corpus em que foi
aquela indeferida. Em caso de trancamento da ação penal por falta
de justa causa, por exemplo, pode-se requerer em liminar a mera
sustação de interrogatório designado; em caso de prisão
preventiva, com mandado expedido mas não cumprido, pode-se pedir
o só recolhimento do mandado, etc. . Em tais hipóteses, o objeto
do writ perante o Supremo será, tão-somente, aferição da
admissibilidade da tutela antecipada, ou, rectius, provisória
(liminar), requerida e negada na instância inferior, jamais a
substituição do julgamento de mérito do habeas corpus.
A essa norma, que reedita textos análogos de Constituições

anteriores e reproduz o disposto no art. 647 do Código de Processo Penal,

ajustam-se outras duas de não menor relevo, ambas desse mesmo velho

Código. A primeira, o art. 649, estatui:

“O juiz ou o tribunal, dentro dos limites da sua jurisdição, fará


passar imediatamente a ordem impetrada, nos casos em que tenha
cabimento, seja qual fora autoridade coatora”. (grifei)

A segunda, art. 654, § 2º, é não menos incisiva:

“Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício


ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que
alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal”.

Conjugando-se todas essas provisões, tem-se, por exigência

hermenêutica da própria natureza da garantia da liberdade física do cidadão, que

não se pode deixar de entender, em primeiro lugar, que o emprego do advérbio

de tempo sempre, aliás constante também do art. 647 do Código de Processo

Penal, está logo a indicar que o propósito normativo aí é de inibir ou reparar, de

pronto, todo e qualquer constrangimento ilegal a tão conspícuo direito, cujo

resguardo não é compatível com dilações oriundas da complexidade do sistema

dos remédios processuais ordinários. Nesse sentido, não seria incurial


reconhecer que, nesse tema, a eficácia do habeas corpus só pode encontrar

limites e restrições na própria Constituição.3

Em segundo lugar, que, ante a proeminência do valor jurídico

que constitui objeto da mesma garantia constitucional, essa tutela transpõe, até,

o cânone primário que, ordenado a preservar a imparcialidade e a isenção dos

juizes, consagra a passividade ou a inércia do ofício jurisdicional, que, de regra,

só se desencadeia mediante provocação dos interessados. A lei impõe aos

juizes e tribunais dever jurídico de prestar de ofício a tutela.

Em terceiro lugar, que esse dever abstrai a qualidade ou

condição jurídica da autoridade coatora, pois a identidade funcional desta não

diminui a gravidade da ameaça ou da ofensa à liberdade de locomoção. Daí,

aliás, antecipar-se logo - o que adiante se comprovará ad rem - quão

equivocada é a conclusão de que a cognoscibilidade do pedido por esta Corte

esbarraria na impossibilidade de concessão direta de liminar contra decisão de

juiz de primeiro grau.

Basta, portanto, que, em qualquer processo, esteja provada

violência, atual ou iminente, à liberdade física individual, para que daí exsurja o

dever jurídico de, provocado ou ex officio, o órgão jurisdicional, que seja

PONTES MIRANDA adverte: "Sendo ilegal o constrangimento, nao há


por onde criar empecilhos aos processos de habeas-corpus, a não
ser pelas limitações naturais, razoáveis e constitucionais, que
derivem das leis... Abusos de poder ou ilegalidade, mesmo
praticados no curso dos processos, qualquer que seja o termo em
que se acharem facultam o habeas-corpus" (História e Prática do
Habeas-corpus 4a ed., RJ: Borsoi, 1961. p. 486, § 122, nº 3).
competente para conhecer da espécie, por cobro imediato à injúria à liberdade

da pessoa, ainda quando o ato constritivo provenha de juiz ou de tribunal.

A ressalva que comporta tal asserto, a que ninguém recusaria

adesão, essa respeita tão-só à questão de competência, ou seja, a questão da

predefinição do órgão sobre o qual pesaria o dever jurídico, em qualquer

daquelas duas situações típicas que lhe dão origem. No caso, trata-se de

indagar se o Supremo tem, ou não, competência para conhecer de pedido de

habeas corpus contra ato jurisdicional de Ministro do Superior Tribunal de

Justiça.

A resposta parece-me positiva.

O artigo 102, inciso I, letra “i”, da Constituição da República,

estabelece a competência desta Corte para processar e julgar, originariamente:

“o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o


coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam
sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate
de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância”.

A norma não discerne, nem haveria razão por discernir, quanto à

tipologia ou estrutura subjetiva do ato coator representado por decisão

jurisdicional, pouco se dando seja esta monocrática ou colegiada, porque releva

apenas a afirmação, em si, da coação iminente ou atual à liberdade.


Ora, quanto esteja autorizado a proferir decisão jurisdicional,

todo Ministro é considerado órgão fragmentário do Superior Tribunal de Justiça,

pela razão óbvia de que atua em nome deste. De modo que, por boa e

irrepreensível conseqüência, se a decisão monocrática contém ilegalidade

suscetível de reparo por via de habeas corpus, tal ato, provindo de um dos seus

órgãos, é imputável ao próprio Superior Tribunal de Justiça e, como tal, desata a

específica competência constitucional desta Corte para conhecer de pedido

tendente a repará-lo.

Objetar-se-á que o ato é provisório, porque ainda sujeito a

controle no julgamento colegiado do habeas corpus em que se negou a liminar.

Essa característica da decisão, suposto importante para outros efeitos jurídicos,

não tem repercussão alguma no tema da viabilidade do pedido de ordem ao

Supremo, porque nem a Constituição nem as normas processuais subalternas

condicionam a propriedade do uso do remédio extremo do habeas corpus à

circunstância de não ser provisória ou transitória a violência, atual ou virtual, à

liberdade física do cidadão. A ordem jurídica não tolera que alguma ilegalidade

lesione e, muito menos, que sequer arranhe, ainda quando por certo tempo, esse

valor jurídico fundamental da vida humana; por isso arma-o da mais ampla,

pronta e eficaz garantia processual jamais concebida. A tutela, aqui, é absoluta e

incondicional.

A não reconhecer competência à Corte, na espécie, chegar-se-ia

a absurdo redobrado. O primeiro, porque, deparando desde logo com ofensa ou


ameaça provada à liberdade de locomoção, a consciente omissão desta Corte

convalidaria, ainda quando por tempo determinado (o que em nada atenua o

agravo à liberdade individual), ilegalidade conspícua que terá de declarar e

remover quando lhe chegue, em grau de recurso ou de outro pedido de habeas

corpus, o inconformismo do ofendido. Essa condescendência, gravosa à

liberdade, não entoa com a garantia constitucional.

O segundo, porque, se, por exemplo, nos autos de recurso civil,

encontra igualmente provada ameaça ou agressão à liberdade física de alguém,

não pode esta Corte furtar-se à obrigação jurídica de a remediar de pronto e de

ofício, nos termos do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, ainda que, por

hipótese, eventual decreto de prisão civil advenha de juiz de primeira instância,

nada justifica a meu ver, nada, que deixe de a remediar de pronto, quando

provocada, só porque o ato coator consista em decisão denegatória de liminar,

da lavra de Ministro do Superior Tribunal de Justiça!

São estas, em suma, as razões por que sugiro, em preliminar, o

cancelamento da súmula nº 691.

2. Sra. Presidente, faço agora breve consideração a respeito da

sugestão, aventada da tribuna, de que seja dada a essa súmula interpretação

que, com redução teleológica, implique acrescentar-lhe, ao final do enunciado, a

expressão “a menos que a ilegalidade ou o abuso do poder seja flagrante”. Não

posso concordar. Com tal restrição, confundiriamos os dois planos

metodológicos sucessivos de exame do habeas corpus: o da admissibilidade (ou


conhecimento do pedido) e o do mérito. E, com invertê-los, teríamos a revogação

da própria súmula, porque o que esta impede é o conhecimento mesmo do

pedido e, portanto, a admissibilidade do habeas corpus.

Essa sugestão alternativa significaria, ademais, que o Tribunal

tem competência para conhecer do habeas corpus, sempre que, conhecendo, o

juízo de mérito leve a concessão da ordem. Noutras palavras, introduziriamos

como regra contraditória a admissibilidade condicional do habeas corpus,

porque, só com a possibilidade de conhecimento e, portanto, tendo por

admissível o pedido, o Tribunal pode dizer se a ilegalidade é flagrante, ou não.

Ou seja, juízo positivo de admissibilidade ou de conhecimento é o caminho

necessário para que, no exame subseqüente do mérito, possa o Tribunal chegar

a juízo de flagrância da ilegalidade afirmada. De modo que, se o Tribunal não

pode conhecer do habeas corpus, para avaliar se a pretensão contém, ou não, a

prova de alguma ilegalidade flagrante, não há meio lógico-jurídico de reconhecer

que a ilegalidade seja flagrante! Doutro modo cairiamos numa aporia, porque

não se pode conhecer sem examinar o mérito, mas, segundo os princípios, não

se pode examinar o mérito, sem antes conhecer do pedido! Com o devido

respeito, a solução, em teoria, seria contrária à técnica e, na prática, revogaria a

súmula.

Sãos as razões por que, Sra. Presidente, com a devida vênia,

insisto na proposta de cancelamento da súmula nº 691.


10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

VOTO

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator):


Ministro Cezar Peluso, gostaria, para que Tribunal tivesse a exata
compreensão das dimensões da tese tão brilhantemente sustentada por
Vossa Excelência: é dizer que, negada a liminar pelo Relator, cabe
habeas corpus ao Supremo Tribunal contra o seu ato?

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO - Assim, radicalmente?

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Sim. Pois se é


dever do relator conceder a liminar contra a ameaça mais remota que
haja à liberdade de locomoção - como é o caso, o interrogatório de
um acusado - negada pelo Relator do Supremo Tribunal Federal a
liminar, pela mesma lógica, caberá habeas corpus ao Tribunal para
que o Tribunal, em Plenário, decida sobre essa liminar.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO — Não seria conveniente


seguindo a linha de pensamento do Ministro Carlos Velloso, ou seja,
manteríamos a Súmula na sua inteireza?
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator):
Ministro, mas isso obriga a examinar todos os casos. Nesse ponto, o
voto do Ministro Peluso é irretocável.

Não se pode dizer que só se conhece de habeas corpus


quando a ilegalidade for manifesta. Primeiro, por uma questão de
lógica jurídica, conforme mostrou o Ministro Peluso; segundo, por
uma questão de inutilidade prática, porque todas as liminares
negadas neste Pais terão de ser previamente examinadas para dizer
que, como não é manifesta a ilegalidade, não se conhece da
impetração. Ou se conhece, na hipótese contrária.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Quanto à


indagação de Vossa Excelência, a qual, na verdade, é a proposição de
uma questão, tenho lembrança de que, não faz muito, o Tribunal,
contra ato liminar de Vossa Excelência, acabou conhecendo de pedido
dirigido ao Plenário como agravo regimental.
Acho que não seria impossível que, em caso de
indeferimento da liminar, quando seja flagrante a ilegalidade, ou
pelo menos houvesse alegação de ilegalidade manifesta, a decisão do
relator, que indefere a liminar, também ficasse sujeita à apreciação
do colegiado correspondente.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - A minha


preocupação é com a grave responsabilidade deste Supremo Tribunal
Federal com a sua própria viabilidade.

O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO - É, também, a minha


preocupação.
O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO - Não é o caso de cassar
a Súmula, mas de ponderá-la em alguns casos.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Não, Ministro.


Súmula: ou se observa de acordo com os precedentes que a embasaram,
ou se cancela.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO - Não, os precedentes


permanecem.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Não, Ministro. Não


se dá temperamento à súmula; cancela-se esta e, se for o caso,
emita-se outra depois. Mas esta está fundada nos precedentes, a
partir do referido pelo Ministro Cezar Peluso, da lavra do eminente
Ministro Moreira Alves.

Então, não é possível estabelecer temperamentos que não


estão nos precedentes. A súmula é uma pura declaração solene do
Tribunal de que considera determinada questão pacificada e,
consequentemente, dispensa novas discussões, citações de
precedentes, longas e eruditas fundamentações. É apenas um "método
de trabalho do Tribunal", na expressão de Victor Nunes. Quando se
discute que a súmula não devia dizer o que os precedentes disseram,
ela já não presta como súmula. Então, o caso é de cancelar. Assim,
não há meia medida: ou se cancela, ou se aplica a súmula.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Não se admitindo


sequer interpretação, porque o verbete já é o resultado de
interpretações reiteradas do Tribunal.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - O único recurso de
hermenêutica da súmula é consultar os seus precedentes. E ninguém
tem dúvida de que os precedentes não faziam distinção alguma. Agora,
o Tribunal tem, para questões excepcionais de afirmação da sua
autoridade, um outro instrumento constitucional, hoje, que é a
"súmula vinculante". Esta, sim, permite per saltum, mediante
reclamação, que se corrija ou que se imponha a jurisprudência que o
Tribunal entenda de qualificar como vinculante, imediatamente.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Se Vossa


Excelência me permite, gostaria de fazer uma ponderação à Corte.
Creio que não podemos ficar muito preocupados com as consequências
de ordem prático-burocráticas, sob pretexto de acúmulo ou volume de
processos.

O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO - Ministro, temos que


nos preocupar, pois a Corte pode inviabilizar-se, com prejuízo,
sobretudo, para a sociedade brasileira.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR)-


Sobrevivência, não. O problema maior, creio, não é esse.

O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO - Viabilidade.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Penso que


essas dificuldades de ordem prática são o preço que a ordem
constitucional paga pelo valor que atribui à liberdade do cidadão
como fundamental à vida humana. E, em nome desse valor, que tem na
hierarquia axiológica um grau elevadíssimo, não se pode colocar na
balança, para contrapesá-lo, dificuldades de ordem prática, até
porque a própria experiência revela que nao sao muitos os casos em
que habeas corpus como este são trazidos à consideração do Tribunal.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Ministro, porque


há cinco anos o Tribunal não conhece do habeas corpus, com uma única
exceção.

O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO - Vossa Excelência


não tenha dúvida de que toda liminar indeferida no Superior Tribunal
de Justiça pode ter um habeas corpus aqui. Depois, não devemos
superestimar, Ministro. Veja que violência é essa que se fez? O
interrogatório que é peça de defesa.

O SENHORMINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Mas poderia


não ser essa. Estamos discutindo a tese. Vossa Excelência está
discutindo a hipótese; nós estamos discutindo a tese. Podia não ser
essa.

O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO - Podia não ser essa.


Se tivesse ocorrido, realmente, violência, o Superior Tribunal de
Justiça adotaria providências para afastá-la.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Estamos

discutindo o principio, o enunciado da súmula. Vossa Excelência está


invocando argumento do caso concreto.

O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO - Ministro, o juiz


está sempre diante do fato.
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) — E o que nao
me parece compatível com a função da Corte é que esta, encontrando
provada ilegalidade, que poderia ser mais grave do que essa a que
Vossa Excelência se refere, condescenda, por omissão, em prolongar o
agravo à liberdade física do cidadão, conscientemente. Isto é, a
Corte toma conhecimento de que está diante de ofensa grave à
liberdade individual do cidadão e diz assim: Bom, temos ai vários
trâmites na ordem de remédios ordinários, vamos aguardar que ela
chegue aqui novamente por outros meios...
A Corte reconhece a ilegalidade ou o abuso de poder
contra a liberdade do cidadão e condescende com isso, quando a
Constituição lhe impõe como dever jurídico velar pelas garantias
constitucionais! Isso me parece incompatível, com o devido respeito,
com a alta função que a Constituição reserva à Corte em nome e por
conta desse valor da vida humana.
Neste caso, como se trata de um dos valores de maior
dimensão na ordem jurídico-constitucional, o Tribunal não pode ter
meias-medidas. Ele deve estar de portas abertas para remediar e
reparar os agravos à liberdade individual.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Ministro, este


Tribunal, data venia, em matéria de habeas corpus, tem uma história
não comparável com nenhuma Suprema Corte do mundo.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - É


exatamente em nome dessa história que estou propondo o cancelamento.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Agora, é


necessário ter presente que somos uma instituição humana e com
determinada capacidade de prestar jurisdição. Lembro-me de ter
ouvido de um Juiz da Corte Constitucional italiana: "muita
jurisdição, nenhuma jurisdição".

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Mas,


Ministro, há ainda outro argumento: o fato de que certas decisões de
órgãos inferiores só são tomadas hoje por conta do enunciado da
súmula, porque se sabe que, a despeito de violarem jurisprudência do
Supremo, contra esses atos não será admissível o habeas corpus. No
instante em que a súmula for removida, as decisões inferiores terão
o maior cuidado, porque se saberá que passarão por controle
imediato.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - O caminho que a


Constituição tomou, data venia, é outro.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - De certo


modo o enunciado da súmula é também um estímulo.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Não se a solução


da questão de fundo se converter em súmula vinculante. Este é o
caminho constitucional. E não que tenhamos de examinar cada caso
criminal neste Brasil afora, para saber, não, se um habeas corpus
foi mal concedido ou mal deferido; mas se uma liminar, para evitar,
enfim, o início de um processo ou, no caso, de um inquérito no qual,
anos depois, possa vir a resultar uma condenação. O Supremo Tribunal
Federal terá de examinar uma a uma das que aqui chegarem. Data
venia, é nos condenarmos à impotência.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR)- Ministro, se


vamos aguardar que todas as hipóteses de violação à liberdade
individual se tornem objeto de súmula vinculante, então vamos
remeter para as calendas gregas as soluções.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Então, por que não


nos transformar na instância originária do habeas corpus em qualquer
caso?

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Porque,


evidentemente, só atuaremos nos casos que já passaram pelo crivo do
Superior Tribunal de Justiça e que não podem ser remediados nas vias
ordinárias.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Neste caso, não há


nenhuma dúvida de que se trata - para usar uma expressão do Ministro
Sepúlveda Pertence - de uma chapada violação da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal. É um caso de manifesta ilegalidade, quer
dizer, não há nenhuma dúvida de que tanto o Tribunal, ao negar a
liminar, quanto ao Superior Tribunal de Justiça, ao negar a liminar,
arrostou a claríssima jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
construída, inclusive, no voto de Vossa Excelência. Por isso que,
neste caso, não me parece que haja nenhuma dúvida.
Eu não gostaria, sei das lições claras, da doutrina do
Supremo Tribunal Federal e das lições magníficas do eminente Victor
Nunes Leal, que estão positivadas aqui no nosso Regimento Interno,
quanto ao modelo sumular, especialmente quanto à possibilidade de
que não se faz a interpretação da súmula ou de que, talvez - para
usar a expressão americana -, não se devesse fazer um
"distinguishing", mas sabemos que, a partir da idéia mesmo do stare
decisis, há duas formas de arrostar o entendimento, um problema como
este: ou vamos para a posição radical que os americanos chamam de
"overruling", ou fazemos o "distinguishing".
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Basta que a
Corte faça o "distinguishing" para que haja risco de se avolumarem
os pedidos.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Sim, mas acredito


que essa posição intermediária.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Sempre


haverá alegação de que cabe o "distinguishing".

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Só o advogado


inepto vai dizer que a ilegalidade, da qual se queixa, não é "muito
ilegal"...

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Acredito exatamente


que, no atual momento e dada, inclusive, a contenciosidade do tema,
seria de se encaminhar essa solução intermediária. O próprio
Regimento Interno sugere que, toda vez que houver uma mudança na
interpretação radical, se faça a edição de uma nova súmula ou se
cancele.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Sim, cancele-se


para editar ou não uma outra.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Ou outra é uma outra


decisão.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - A outra vai dizer,
também, que da decisão do relator que negar a liminar cabe habeas
corpus ao Plenário.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Mas sabemos, também,


que há várias súmulas que são reinterpretadas aqui e que fazemos,
portanto, essa interpretação compreensiva.
De modo que tenderia a encaminhar não na linha da
superação e do cancelamento da Súmula n° 691, mas na linha já
desenhada nas manifestações do Ministro Celso de Mello e do Ministro
Carlos Velloso, caracterizando o caso como de manifesta ilegalidade
até que encontremos uma solução que, também, atenda ao requisito da
funcionalidade do Tribunal, um requisito importante no quadro do
estado de direito. Encaminharia uma proposta nesse sentido.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Até


admitiria essa solução, não fosse o fato de ela esconder a revogação
prática da súmula. Na verdade, significa isso.

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU: - Quando cheguei a este


Tribunal, pela experiência que tinha, imaginava que o Supremo
fizesse exatamente isso que Vossa Excelência preconiza, ou seja,
que o Supremo examinasse habeas corpus que tivessem por razão ou
motivo um ato coator do Tribunal Superior de Justiça, ou de outro
tribunal, seja do Ministro Relator, seja do próprio Tribunal.
Acontece que a jurisprudência desta Corte - e estou
convencido de que deve ser assim - fez com que ela se transformasse
em um tribunal de alçada, de cassação das decisões tomadas nos
tribunais inferiores.
O que Vossa Excelência preconiza agora é a recolocação
do Supremo Tribunal na função que lhe foi designada pela
Constituição: há ato coator do STJ, então este Tribunal examina.
Isso seria perfeitamente possível, se concebêssemos que não somos
uma instância de recurso e que o ato coator fosse de um tribunal
superior. Mas não é assim que as coisas foram postas. A nossa
jurisprudência encaminhou-se no sentido de dar ao Tribunal um papel
muito mais amplo. Parece-me que, se for mantido esse entendimento,
anular a Súmula significaria examinar, per saltum, matéria afeta ao
tribunal recorrido.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO - Que é contrariar a


Constituição.

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU: - É supressão de


instância.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - E nos casos


ditos flagrantes, o que faremos? A mesma coisa.

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU: - Mas é uma coisa ou


outra.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Ambas.

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU: - Ou uma coisa ou outra.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Noutras


palavras, mantemos a Súmula e, a partir de hoje, fingimos que ela
não existe.

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU: - Não é isso.


O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Se Vossas
Excelências preferem uma postura formal, não me oponho a ela.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Aliás é voltar


aquele jogo de faz-de-conta que depois de muitas décadas superamos
no recurso extraordinário, de discutir o caso, horas a fio, para
depois dizer que não conhecemos do recurso.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - É


exatamente isso.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - O grande problema é


que o verbete é linear ao revelar que:

Não compete ao Supremo Tribunal Federal


conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do
relator que, em habeas corpus requerido a tribunal
superior, indefere a liminar.

No caso, não houve sequer indeferimento pelo Superior


Tribunal de Justiça. Quer dizer, esse habeas é cabível até mesmo
para dizermos que a decisão daquela Corte está correta, porque o que
ela fez foi negar seguimento à impetração. Não houve deferimento ou
indeferimento de liminar no Tribunal.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - É porque a


impetração ao Superior Tribunal de Justiça era contra o
indeferimento da liminar no Tribunal de segundo grau.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Há base para
conhecermos, de qualquer forma, da impetração. O problema do verbete
surgirá no julgamento de fundo do habeas corpus.

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU: - Temos de definir qual é


a nossa função.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Não me


oponho a nenhuma solução de caráter formal, desde que o Tribunal não
se sinta tolhido para examinar casos de ilegalidade, por via de
habeas corpus, contra decisões monocráticas do Superior Tribunal de
Justiça. Em outras palavras, se o Tribunal se assegura o poder de
conhecer de certos habeas corpus para remediar ilegalidades, manter
ou não a Súmula, para mim, é absolutamente irrelevante.
É importante que o Tribunal reafirme o seu poder de
remediar os abusos contra a liberdade do cidadão em via de habeas
corpus, ainda que esse abuso provenha de decisão monocrática do
Superior Tribunal de Justiça ou de qualquer outro tribunal superior.
10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

VOTO S/PROPOSTA

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU: - Senhora Presidente, tenho


de ser coerente com o entendimento que adotei, após ter sido
convencido --- ao chegar neste Tribunal, há um ano e pouco --- de
que o Tribunal, em matéria penal, cumpre um papel extremamente
dilatado. Ele acaba funcionando como uma instância de recurso. Se é
assim, voto no sentido de manter a Súmula, eis que superá-la
significaria suprimir instância.

Outra coisa gostaria de deixar anotado: não é verdade que


não se interprete súmula. Interpreta-se-a sim, porque é impossível
não interpretá-la. A súmula deixa de ser norma e se transforma num
texto. No caso, devemos discutir se ela pode ou não pode ser
excepcionada. Isso vai depender fundamentalmente --- quero insistir
nesse ponto --- da função que atribuirmos a nós mesmos . Somos um
Tribunal que examina habeas corpus contra ato coator ou somos uma
instância de recurso? O que vem prevalecendo é o entendimento de que
somos uma instância de recurso. Por isso, voto contra a anulação da
Súmula; voto pela sua manutenção.
10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

VOTO

(SOBRE PROPOSTA)

O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA: Senhora Presidente,

também voto contra a anulação da Súmula. Comungo do pensamento

externado pelo ministro Sepúlveda Pertence sobre a matéria e me

preocupo sobremaneira com a sobrevivência desta Corte.

Mas há um outro problema que também me preocupa.

Trata-se de uma certa fragilidade, uma certa instrumentalização

deste Tribunal por certos setores. Não raro, utiliza-se a Corte

como balão de ensaio...

Explico. Essa questão foi objeto de um artigo recente

do ilustre advogado, propondo exatamente a revogação da Súmula.

Ora, essa Súmula foi aprovada por nós há menos de dois anos. Eu
e os ministros Cezar Peluso e Carlos Britto, tão logo tomamos

posse nesta Corte, aprovamos essa Súmula. Subitamente vem uma

proposta de anulá-la. E a estabilidade da jurisprudência da

Corte, onde fica?

Com essas considerações, com relação a esse primeiro

aspecto, acompanho a divergência e recuso, a proposta do ministro

Cezar Peluso.
10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO


PACIENTE(S) : ROBERTO LUIZ JUSTUS
IMPETRANTE(S) : ALBERTO ZACHARIAS TORON E
OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DO HABEAS CORPUS N° 39.955 DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EXPLICAÇÃO

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) -

Senhora Presidente, eu vou pedir vênia aos Ministros que me antecederam e

que estão na divergência, para, brevemente, dizer que, embora justificável sob o

ponto de vista pragmático, a postura da Corte é que a Súmula, a partir de agora,

se aprovada ou mantida, terá a seguinte leitura: não compete ao Supremo

conhecer, exceto nos casos em que o Supremo entende que compete conhecer!

Esse será o teor da Súmula em concreto.

Acho que a correta postura da Corte, com o devido respeito, não

é de se por na condição de revisor ou não. A posição da Corte é a posição da

Constituição. É de ser o tutor último da liberdade individual. Nem vejo nenhum

inconveniente de ordem prática depois de tantas exceções. Não é este o

primeiro caso após a aprovação da Súmula; são várias exceções: Ministro


Velloso, algumas decisões minhas e de outros Ministros, Ministro Marco Aurélio.

Em muitos casos, o Tribunal já conheceu.

Portanto, trata-se de uma experiência que, posterior à vigência

da Súmula, demonstra que esta não impede em certos casos que o Tribunal

remedeie a ilegalidade. Por isso, o próprio Tribunal abre exceção à Súmula e

que, por lógica jurídica, também aniquila a própria Súmula.

Razão por que vou pedir vênia e manter o meu ponto de vista,

ficando, se for o caso, vencido na preliminar.


10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1______________________________________________ SÃO PAULO

À revisão de aparteS doS SrS. MinistroS Sepúlveda Pertence, CEZAR

PELUSO (RELATOR) E CARLOS BRITTO.

VOTO S/PROPOSTA

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Senhora Presidente,

como já me manifestei no debate, tenho a impressão de que a despeito

das lições da ortodoxia nos leve, talvez, a entender que tanto

quanto possível devéssemos interpretar a Súmula de maneira

apoditica, também temos, ao longo dos anos, exemplos claros de

mitigação dos efeitos, de modo que a própria fórmula segundo a qual

não se interpreta a Súmula acaba dando azo a uma reformulação.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Permita-me apenas

em homenagem a Vossa Excelência e ao Ministro Eros Grau. Quero dizer

que não assumo a enormidade do que, brevitatis causa, tenho dito que

"súmula não se interpreta".

Quando falo que súmula não se interpreta é que só há um

método a recorrer na interpretação da súmula: são os precedentes,


porque ela não é uma regra autônoma, ela tenta ser a sintese de

decisões já tomadas. É só nesse sentido que eu falo que Súmula não

se interpreta.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Claro. Eu entendi. Não

estou imputando a Vossa Excelência.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - É, apenas para

deixar clara a minha declaração, porque meus netos, amanhã, poderão

ficar assustados de saber que eu teria dito que um texto não se

interpreta.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Esse texto, inclusive,

nem é de Vossa Excelência, mas, de alguém tão notável quanto Vossa

Excelência, Ministro Victor Nunes Leal, que recomendava exatamente

isso.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Dizia Victor:

"começou a discussão sobre qual o sentido da súmula, está na hora de

cancelá-la".

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Ele dizia isso. E dizia

mais: não deveria haver dúvida quanto ao cancelamento nem aditamento

sequer. Isso está no nosso Regimento Interno.


De qualquer forma, na nossa prática, sabemos que as

coisas não correram, ao longo dos anos, desse modo. Lembro de um

precedente que foi objeto de discussão aqui, em 2001/2002, que teve

como Relator, salvo engano, a Ministra Ellen Gracie. Trata-se da

Súmula n° 506 que dizia:

"O agravo a que se refere o art. 4o da Lei


4.348, de 26/6/1964, cabe, somente, do despacho do
Presidente do Supremo Tribunal Federal que defere a
suspensão da liminar, em mandado de segurança; não do que
a "denega".

Antes de alcançarmos a fórmula do cancelamento à que

chegamos, passamos, inicialmente, a admitir o cabimento de mandado

de segurança contra aqueles casos que reputássemos extremamente

graves.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Estou-me

animando com o raciocínio de Vossa Excelência.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Sim. É um caso,

inclusive, da relatoria da Ministra Ellen Gracie, e creio que

tivemos outros no Plenário.

De modo que, nessa linha, me parece razoável, e de acordo

com a doutrina desenvolvida pelo Tribunal, fazer-se, neste momento,


o proposto "distinguishing" com base nessa cláusula aberta, que

sabemos todos, da manifesta ilegalidade.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO - O fumus boni iuris não é

uma cláusula aberta que utilizamos tanto? A relevância da

fundamentação da questão constitucional não é uma cláusula aberta, e

nós não a utilizamos tanto?

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Pedido vênia ao

eminente Ministro Cezar Peluso, também proponho a mantença da Súmula

com esta leitura ou com esta interpretação, entendendo que ela não

impossibilita a eventual apreciação do habeas corpus em casos

determinados.
10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Senhora Presidenta,

antes da edição do verbete de súmula, sob a égide da mesma

legislação, distinguíamos situações concretas quanto ao

indeferimento de medida acauteladora em habeas corpus.

Cheguei mesmo a citar, em decisão liminar contra

indeferimento de liminar em habeas corpus, precedente do ministro

Carlos Velloso, em queSua Excelência ressaltava perceber os

parâmetros da impetração e, ai, partir para a concessão, ou não, da

ordem no habeas corpus.

Editamos o verbete, contra o qual fui, creio, voz

isolada no Plenário, e continuamos a perceber proclamações do

próprio Superior Tribunal de Justiça pelo cabimento, em certas

situações, de habeas corpus, de impetração, contra ato na origem que

houvesse implicado o indeferimento de medida acauteladora.

Veio à balha o Verbete nº 691, um verbete linear, um

verbete - e assumo aqui o que foi veiculado quanto ao enunciado de

súmula não permitir interpretação, subscrevendo lição de Victor

Nunes Leal - que não permite qualquer abertura para excepcionar-se

esta ou aquela impetração:

"Não compete" - o verbete é muito claro, como deve ser


todo enunciado de súmula - "ao Supremo Tribunal Faderal conhecer
de habeas corpus impetrado contra decisão do Ralator que, em
habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a
liminar."

Situação concreta: não houve indeferimento de liminar

por tribunal superior. Houve a negativa de seguimento ao pedido

formulado no habeas corpus. Por isso, entendo que o conhecimento

desta impetração, pouco importando o verbete, está assegurado para,

em passo seguinte, deferir-se ou indeferir-se a ordem - ai sim -,

tendo em conta o verbete de súmula.

Continuo convencido do que sustentei quando, junto com

muitos outros verbetes, a proposta alusiva a este foi examinada.

Quer a Carta da República - e o Supremo é o seu guardião maior -,

quer o Código de Processo Penal, quer o Regimento Interno veiculam

que se dará habeas corpus sempre que alguém sofrer restrição ou

ameaça de restrição à liberdade de ir e vir com abuso de poder - e

essa ameaça pode ser indireta, latente, considerada a continuidade

de processo em curso, de procedimento em curso.

O habeas corpus não sofre - e tenho por base a

Constituição Federal - qualquer restrição. É cabível contra decisão

singular, decisão de colegiado, decisão precária e efêmera ou

decisão definitiva. É cabível ainda que o pronunciamento judicial

tenha sido coberto pela preclusão maior, ainda que não caiba mais,

contra a decisão proferida, recurso segundo a legislação de

regência. Serve, até mesmo, como substitutivo do recurso ordinário

constitucional quando, em idêntica medida, foi indeferida a ordem na

origem. O que cumpre perquirir? Se se tem, ou não, a configuração de


um ato ilegal a alcançar, de alguma forma, ainda que projetada no

tempo o fenômeno, a liberdade de ir e vir do cidadão. É uma garantia

constitucional - está no rol das garantias constitucionais - de

envergadura ímpar.

Perguntaria - desisti de perguntar, porque houve a

resposta, no aparte do ministro Gilmar Mendes - se, no caso

concreto, tivemos queima de etapa; se o processo chegou aqui ao

Supremo per saltum, considerada a decisão do Tribunal - não sei se

de Justiça ou de Alçada Criminal - na origem, no Estado de São

Paulo? Não. Houve a observância da tramitação regular, de um

encadeamento de atos, pela parte, presente o figurino instrumental.

Impetrou-se, contra ato do Juízo, habeas corpus no

Tribunal situado na Justiça comum; houve o indeferimento de liminar,

contrariando-se - é bom que se diga - sedimentada jurisprudência

desta Corte; contra essa decisão deu-se o ajuizamento no Superior

Tribunal de Justiça e, lastimavelmente, utilizou-se o verbete, como

se o verbete do Supremo estivesse acima da Carta da República,

estivesse no ápice da pirâmide das normas jurídicas, batendo-se

praticamente carimbo - e a prevalecer o verbete, terá que se

fazer -, liquidou-se impetração em penada única. Contraria o

Verbete nº 691 da SúmuLa do Supremo Tribunal Federal - e verbete não

tem conteúdo normativo, pelo menos esse verbete -, pouco importando

a causa de pedir da impetração, a Constituição Federal.

Senhora Presidenta, enquanto houver mm tribunal

aberto, situado em patamar superior, acima daquele ocupada pelo


autor de certo ato, a porta desse tribunal não pode ser fechada ao

cidadão. O pragmatismo não deve imperar. Aprendi, desde cedo, que,

em Direito, o meio justifica ao fim, mas não o fim, o meio. Não me

preocupa, a ponto de me levar ao abandono da ordem jurídica,

especialmente, o grande número de processos. Constato hoje em dia

que já não tenho tempo, pelas manhãs, para apreciar as petições que

me são dirigidas e que vão na pasta para a residência, e cuidar de

processos urgentes, contendo pleitos acauteladores. Mas nem por isso

posso deixar de observar a Lei Fundamental. E esta não distingue. Ao

prever a adequação do habeas corpus, a Constituição Federal não

excepciona este ou aquele ato. Contenta-se, reafirmo, com prática, à

margem da ordem jurídica, e que repercuta de alguma forma, como

ressaltei, na liberdade de ir e vir do cidadão.

O Supremo atua no campo pedagógico, principalmente

quando os atos que pratica têm repercussão, aliviando a carga de

trabalho. Nem sempre as decisões que profere são observadas, como

não foi pelo Tribunal de Justiça quanto à tipicidade da conduta.

Está em jogo a premissa básica da ação penal, pela Corte que se

pronunciou inicialmente, sobre os parâmetros desta impetração. De

duas, uma: ou o verbete é pra valer, ou não, ou o verbete continua

figurando na Súmula da jurisprudência predominante do Supremo e é,

ou não, observado. A partir do momento em que abrimos uma exceção,

sem afastar do cenário o verbete, descredenciamos a própria. Súmula

do Supremo Tribunal Federal.


Por isso, entendo que devemos evoluir em homenagem à

Constituição Federal e reconhecer que o verbete - e o caso concreto

bem revela isso - não é harmônico com a Constituição, revisando-o,

cancelando-o, para deixar-se aos cuidados do relator do habeas

corpus definir a concessão, ou não, da liminar e submetê-la, já que

o habeas não passa por um juízo de admissibilidade do relator, ao

Colegiado. Isso decorre do Regimento Interno. O processo deve ser

colocado em mesa para a apreciação do juiz natural, que é a Turma ou

o Plenário, propugnando-se pela concessão, ou não, da ordem.

Filio-me à corrente sustentada pelo ministro Cezar

Peluso. Entendo que precisamos evoluir e admitir que o Verbete nº

691 discrepa - e me permito, aqui, um arroubo de retórica -, a mais

não poder, da Constituição Federal.

Acompanho Sua Excelência, votando, portanto, em

questão de ordem, pelo cancelamento do Verbete, sem prejuízo de

apreciar, seja qual for o resultado desta questão de ordem, o habeas

corpus que está em mesa.


10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

VOTO

(VISTA)

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO — Sra. Presidente, desde

os primeiros casos que enfrentei, esta foi a tese que sustentei, no

sentido de que se poderia fazer a distinção, vale dizer, diante de

escancarada ilegalidade, seria possível conhecer do habeas corpus.

Conhecer de todos os habeas corpus não seria possível, tendo em

vista que é a própria Constituição que estabelece regra de

competência para julgamento de habeas corpus pelos tribunais

superiores.

De sorte que, conhecer desses habeas corpus sem maior

análise, sem se fazer a distinção, seria violar a Constituição,

fazendo supressão da competência do Tribunal que a Constituição

expressamente conferiu: a competência para julgar.

De modo que, fazia assim a distinção no pressuposto

de, se a ilegalidade ou a violência são escancaradas, são

flagrantes, a Corte Constitucional, que tem a incumbência de guardar

a Constituição e, em conseqüência, de guardar aquilo que é mais caro


à Constituição, que são os direitos fundamentais, conhecer do habeas

corpus.

Felizmente, Srs. Ministros, não precisei conhecer dos

pedidos, porque, em todos que me foram distribuídos, não havia

ilegalidade flagrante. O certo é que não encontrei nenhuma decisão

de Ministro, ou de Turma do Superior Tribunal de Justiça, que

estivesse escancaradamente praticando uma ilegalidade.

Certo é que o meu entendimento não prevaleceu. Os

acórdãos que se seguiram, do Supremo Tribunal Federal, foram todos

no sentido de não admitir a distinção, tendo em vista que, se o

fizesse, estaria o Tribunal violando regra de competência

estabelecida na própria Constituição.

Portanto, peço licença ao Sr. Ministro-Relator e voto

com a divergência inaugurada pelo Sr. Ministro Eros Grau, no sentido

de manter a Súmula.
10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO


PACIENTE(S) : ROBERTO LUIZ JUSTUS
IMPETRANTE(S) : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DO HABEAS CORPUS Nº 39.955 DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Senhora Presidenta,

há uma forma menos traumática, considerado o verbete e seu alcance

irrestrito, que é se acionar o Código deProcesso Penal e conceder

nesse processo - e qualquer processo enseja, esse ato - o habeas

corpus de oficio.

A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE) - Bem, ainda

não chegamos lá.


10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

VOTO S/ PROPOSTA

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Sra. Presidente,


reafirmo que não conheço - e duvido que neste ponto seja ignorância
minha - sistema de proteção da liberdade de locomoção violada ou
ameaçada, mesmo remotamente, tão aberto quanto o do Brasil, graças,
sobretudo, à longa construção do habeas corpus pelo Supremo Tribunal
republicano.

Qualquer pretensão de habeas corpus denegada nas


instâncias submetidas à jurisdição desta Casa aqui pode chegar. Seja
pela via do recurso, seja pela via aqui criada de entender-se que a
denegação de um habeas corpus, em qualquer tribunal, o torna
responsável pela coação e, consequentemente, possibilita a chegada
da pretensão ao Supremo Tribunal Federal, independentemente de
prazo, independentemente da atuação do advogado.

Mas, a meu ver, não se pode levar essa abertura de modo a


anular a hierarquia jurisdicional, porque, então, ela pode
comprometer a racionalidade e a viabilidade do funcionamento do
Poder Judiciário.

Já não vige o artigo 101, I, "h", da Constituição de 1946,


que nos atribula a competência originária para conhecer do habeas
corpus, sempre que houvesse perigo de se consumar a violência, antes
que outro juizo ou tribunal pudesse conhecer do pedido.

No entanto, a liminar em habeas corpus custou a aparecer,


Sra. Presidente. A primeira liminar em habeas corpus na história do
Supremo data de 1964, da lavra do saudoso Ministro Gonçalves de
Oliveira, contra uma intervenção militar, de fato, no Estado de
Goiás. "A coação independia de documentos", gostava de contar o
Ministro Gonçalves de Oliveira: bastou-lhe chegar à janela do seu
apartamento e ver que já corriam pelo Eixão os tanques que iam
prender o Governador de Goiás por força de uma ordem de prisão de um
juiz militar de 1o grau. O Ministro Gonçalves de Oliveira despachou
no rosto da petição: "Autue-se, sim."

Ficou a liminar em habeas corpus reservada para situações


não tão dramáticas politicamente, mas da mesma iminência de
consumação de uma violência real à liberdade de locomoção. É claro,
está na nobre função dos advogados forçar as portas. E, então, hoje
é rara a petição de habeas corpus - mesmo aquelas da nossa
indiscutível competência - que não traga a tarja vermelha do pedido
de liminar.

Às vezes, são condenados a 50, 60, 70 anos de reclusão a

alegar uma nulidade num processo de que teria decorrido uma parcela
de 2 ou 3 anos desses 50 ou 60 anos. E, sobre isso, tem-se de
proferir uma decisão de imediato. Os autos são remetidos à casa dos
juizes a altas horas da noite. Mas não só pretensões grotescas como
essa: é a tentativa de antecipar, a todo custo, a solução, quando
não há a mais minima probabilidade de uma violência real; mas há de
incômodos, os quais não podem aguardar, não podem correr a

hierarquia jurisdicional, sem nenhum risco de que eles se convertam


em coação real à liberdade. Seria o ideal que assim pudesse ser.
Que, verificando o Supremo Tribunal, que, em uma remota delegacia de
policia, se está abrindo um inquérito por fato que - ou já afirmado
pela jurisprudência do Tribunal ou conforme a convicção do Relator -
seja de patente atipicidade, seria o ideal que este Tribunal
pudesse, de imediato conceder habeas corpus - contra a denegação de
liminar em habeas corpus impetrado a tribunal superior contra
denegação de liminar em segundo grau; este, por sua vez, impetrado
contra denegação da liminar em primeiro grau e restabelecer o
império da lei e poupar o cidadão de incômodos, ou quem sabe, daqui
há alguns anos, da ameaça de uma condenação à privação da liberdade.

Mas a máquina judiciária, Sra. Presidente, tem limites. E


este Tribunal - como todos os tribunais -, mas este,
particularmente, com essa triste responsabilidade de dizer a última
palavra tem responsabilidade também com a viabilidade do
funcionamento dessa máquina judiciária. E, depois de décadas de
vivência diária nesta Casa, convenço-me, realmente, de que o exagero
na ambição de a tudo prover imediatamente acaba dados limites
humanos e temporais de sua capacidade, por inibi-la de desempenhar o
seu papel inafastável.

Mantenho a Súmula.
10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

VOTO S/ PROPOSTA

A Senhora Ministra Ellen Gracie - (Presidente): Também eu, pedindo


vênia ao eminente Ministro Cezar Peluso, que propôs o cancelamento, acompanho a
linha da divergência inaugurada pelo Ministro Eros Grau.
10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

VOTO

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator):

1. Meu voto estava assim redigido. Em se tratando de pedido de

habeas corpus contra indeferimento de liminar pelo Superior Tribunal de Justiça,

é certo que, em princípio, não mereceria conhecido, nos termos da súmula 691,

que enuncia: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas

corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a

tribunal superior, indefere a liminar".

Mas os sucessivos indeferimentos de liminares sufragaram tese

que colide, clara e frontalmente, com a postura adotada do Plenário, no longo

julgamento do HC nº 81.611 (Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de

13.05.2005).

Assim, segundo já decidiu a Corte no HC nº 84.014-AgRg (Rel.

Min. MARCO AURÉLIO), cede a orientação da súmula 691, quando se cuide de

flagrante constrangimento ilegal, que é o que se vê ao caso. Por essa razão,

conheço do pedido.

2. E defiro ordem de ofício.


É evidente a ilegalidade que sofre o paciente, submetido a ação

penal sem que tenha sido definitivamente constituído o crédito tributário, ou seja,

sem lançamento definitivo do tributo. É, ao propósito, expressiva a ementa do

precedente, de cujo acórdão consta largo voto por mim declarado:

“Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1o):


lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo
administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso,
porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura
pela falta do lançamento definitivo.

1. Embora nao condicionada a denúncia à representação da autoridade


fiscal (ADInMC1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do
crime tipificado no art. 1o da L. 8137/90 - que é material ou de resultado-,
enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de
lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição
objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo.

2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela
satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L.
9249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não
permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do
cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o
Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter
para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal.

3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o


processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por
crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo”
(HC nº 81.611, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE).

O entendimento tem sido aplicado pelas Turmas (cf. HC nº

85.299, RE nº 230.020 e Al nº 419.578, Rei. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE; HC

nº 85.457, Rei. Min. ELLEN GRACIE; HC nº 84.423, Rel. Min. CARLOS

BRITTO; HC nº 84.092, Rel. Min. CELSO DE MELLO; HC nº 83.414 e HC nº


83.901, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA; HC nº 84.105 e HC nº 84.925, Rel. Min.

MARCO AURÉLIO).

3. Do exposto, defiro de ofício ordem de habeas corpus,

extinguindo o processo da ação penal movida contra o ora paciente, sem que

corra prescrição enquanto não sobrevenha eventual lançamento definitivo do

tributo, e reputo prejudicado o pedido.


10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

VOTO

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU: - Sra. Presidente,


gostaria de ouvir o Ministro Sepúlveda Pertence, nosso decano.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Acho mais ortodoxa


a solução agora proposta pelo Ministro Cezar Peluso do gue o
"distinguishing". A não ser que os eminentes Colegas que propuseram
a teoria do "distinguishing" se proponham gentilmente a ser o filtro
do conhecimento de qualquer habeas corpus: verificam, primeiro, se é
manifesta a ilegalidade e depois se discute.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Não vejo nenhuma
diferença substancial, desculpe-me, Ministro.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Ministro, não o
estou ofendendo. Apenas, eu não me levo muito a sério, senão a coisa
aqui fica insuportável.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Não estou ofendido,
apenas estou a dizer que, na verdade, não há diferença ontológica
entre o que eu propus e o que o Ministro Cezar Peluso está propondo.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Aí, sim, o Ministro
Cezar Peluso já põe um problema para soluções gritantes: aqueles
casos era que se possa, sem medo de errar, conceder habeas corpus de
ofício para trancar o processo, quando se está pedindo apenas uma
liminar para sustar interrogatório. Acho que é o caso.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - A solução, para,
Inclusive, observar o vocábulo bem a gosto de um ex-integrante desta
Corte hoje presente e nos assistindo - o ministro Francisco Rezek
é palatável.
10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

VOTO

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU: - Sra. Presidente, a exceção


não é estranha ao Direito. Surgindo a exceção, o Poder Judiciário
aplica a norma desaplicando-a, isto é, retirando a norma da exceção.
No caso das súmulas, em situações de exceção são delas retiradas.
Diria que a exceção afronta a regra --- não cabe na súmula --- , mas
não é adversa ao Direito, quer dizer, está contida no Direito.

Creio que a solução proposta pelo Ministro Cezar Peluso


traz a exceção para dentro do Direito e dá a solução que ela
reclama.

Acompanho o voto do Ministro Cezar Peluso.


10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

VOTO

O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA: Senhora Presidente,

acompanho o voto do ministro Cezar Peluso, pela concessão, de

ofício, da ordem, já que manifestamente a decisão impugnada

viola reiteradas decisões desta Corte baseadas no que ficou

decidido no HC 81.611.
10/08/2005 TRIBUNAL PLENO
HABEAS CORPUS 85.185-1_____________________________________________ SÃO PAULO

À REVISÃO DE APARTE DO SR. MINISTRO SEPÚLVEDA


PERTENCE.

VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Sra. Presidente,

inicialmente gostaria de ressaltar que o "distinguishing" é prática

neste Tribunal. Mostrei os exemplos da Súmula n° 506.

O SENHOR MINISTROSEPÚLVEDA PERTENCE - Para mim, eu a

considero "moralmente” cancelada, embora não se tenha deliberado

formalmente a respeito.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Já foi formalmente

cancelada, mas antes houve, pelo menos, dois ou três mandados de

segurança contra atos de indeferimento.

Outro exemplo clássico - e isso envolve sempre

proteção judicial efetiva - é a Súmula n° 634:

"Não compete ao Supremo Tribunal Federal


conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a
recurso extraordinário que ainda não foi objeto de
juízo de admissibilidade na origem."
Em alguns casos, tendo em vista razões de proteção

judicial efetiva, temos admitido um "distinguishing" em relação a

essa Súmula. Isso é algo comum. O Ministro Eros Grau, recentemente,

em um caso do TSE - objeto de discussão, sobre o qual o Ministro

Carlos Velloso, de quando em vez, tem suscitado dúvida quanto ao

cabimento neste caso especifico do efeito suspensivo concedeu o

efeito suspensivo antes da admissibilidade do recurso

extraordinário. Poderiamos citar muitos outros exemplos nesse

sentido.

Aqui, parece-me ser evidente a possibilidade. A

concessão do habeas corpus de oficio antes confirma do que nega,

exatamente, a tese que estou a defender. Em caso de chapada

incompatibilidade, portanto, de manifesta ilegalidade em relação à

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, aceita-se o habeas

corpus. Está se dando até muito mais do que o pretendido.

Na verdade, na solução do Ministro Cezar Peluso, vejo

confirmada a minha tese: a possibilidade de concessão do habeas

corpus em nome da proteção judicial efetiva, um principio que não

pode ser afastado.

Invoco aqui mesmo lição do Ministro Sepúlveda

Pertence, um célebre caso - que sempre tenho citado como exemplo de

proporcionalidade em sentido concreto - conhecido da proibição da

liminar do Plano Collor, em que havia uma norma geral que proibia a

concessão de cautelar em todas aquelas medidas provisórias, depois


convertidas em lei ou que envolvesse aplicação. Sua Excelência,

então, fez a construção segundo a qual seria cabível ou aceitável a

legitimidade da fórmula. Todavia, cada juizo ou tribunal poderia

fazer a aferição em concreto para verificar se aquela denegação da

liminar afrontava a proteção judicial efetiva; caso típico de

proporcionalidade em sentido concreto, que estamos a fazer aqui, em

sede sumular.

De modo que acompanho o voto do eminente Ministro

Cezar Peluso na concessão do habeas corpus de oficio, mas

ressaltando que estamos, aqui, a colocar uma ressalva na Súmula

objeto de discussão.

Certamente os advogados, sempre hábeis nesta

discussão, saberão que poderão pedir e, se Vossa Excelência

entender, que faça a concessão do habeas corpus de oficio.

Essa discussão acaba sendo, neste caso, meramente

semântica. Mantenho a minha posição e acompanho o eminente Ministro-

Relator.
10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO


PACIENTE(S) : ROBERTO LUIZ JUSTUS
IMPETRANTE(S) : ALBERTO ZACHARIAS TORON EOUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DO HABEASCORPUS Nº 39.955 DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EXPLICAÇÃO

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU: - Ministro Gilmar Mendes,


queria ressalvar que, no caso do Tribunal Superior Eleitoral, havia
um despacho negativo de admissibilidade e um agravo de instrumento
que já estava aqui. O caso não é símile.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - De qualquer sorte,


temos várias manifestações no sentido de que, se a não-concessão do
efeito suspensivo envolver lesão à proteção judicial efetiva,
quebra-se ou rompe-se com a Súmula na 634. Só para dar mais um
exemplo de que, aqui, é o império da aplicação, da proteção judicial
efetiva.
10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Senhora Presidenta,

tanta discussão para uma solução tão simples.

Inicialmente, conheço da impetração. Em passo

seguinte, reafirmado o verbete de súmula pelo Plenário, indefiro a

ordem como pleiteada e caminho, como já houvera salientado antes,

para a aplicação do Código de Processo Penal , concedendo, já que

podemos fazê-lo em qualquer processo - conforme ressaltado pelo

ministro Sepúlveda Pertence -, o habeas corpus de ofício, para

trancar a ação penal por falta de tipicidade.

É como voto.
10/08/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.185-1 SÃO PAULO

VOTO

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO: - Sra. Presidente,

inicialmente, assaltou-me uma dúvida: o Tribunal, não sendo

competente, poderia conceder?

O Sr. Ministro MARCO AURÉLIO: - Vossa Excelência me

permite? Há um precedente que envolveu um ex-Presidente da Câmara

dos Deputados e fui relator do processo, o caso Ibsen Pinheiro.

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO: - Correto. Assaltou-me

a dúvida: se o Tribunal não tem competência para o julgamento do

habeas corpus poderia, entretanto, conceder a ordem de oficio? O Sr.

Ministro Sepúlveda Pertence trouxe o esclarecimento exato. No caso,

a questão não é de competência e, sim, de jurisdição. No âmbito de

sua jurisdição, o Tribunal pode conceder a ordem de ofício.

Então, concluo o meu voto acompanhando o voto do Sr.

Ministro-Relator, concedendo a ordem de ofício.


Realmente, no caso, tem-se uma instauração de uma ação

penal sem justa causa, sem que haja tipicidade. O Sr. Ministro-

Relator deixou expresso, isso é importante: não corre o prazo de

prescrição enquanto o lançamento não tiver sido feito, enquanto não

nascer a ação. A ação ainda não nasceu.


PLENÁRIO

EXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 85.185-1


PROCED.: SÃO PAULO
RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO
PACTE.(S): ROBERTO LUIZ JUSTUS
IMPTE.(S): ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES): RELATOR DO HABEAS CORPUS Nº 39.955 DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Decisão: A Turma, acolhendo proposta do Presidente,
decidiu remeter o presente habeas corpus a julgamento do Tribunal
Pleno. Unânime. Falou pelo paciente o Dr. Alberto Zacharias Toron.
1ª. Turma, 21.06.2005.

Decisão: Preliminarmente, o Tribunal rejeitou a


proposta de cancelamento do enunciado da Súmula nº 691, formulada
pelo relator, vencidos Sua Excelência e o Senhor Ministro Marco
Aurélio. No mérito, o Tribunal julgou prejudicado o pedido de habeas
corpus, e concedeu a ordem, de ofício, para efeito de trancamento da
ação penal, suspendendo o prazo prescricional, tudo nos termos do
voto do relator. O Ministro Marco Aurélio conhecia da impetração e
indeferia a ordem, mas concedia-a de ofício, nos mesmos termos dos
demais membros da Corte. Votou a Presidente. Falou pelo paciente o
Dr. Alberto Zacharias Toron. Ausente, justificadamente, o Senhor
Ministro Nelson Jobim (Presidente). Presidiu o julgamento a Senhora
Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Plenário, 10.08.2005.

Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie (Vice-


Presidente) . Presentes à sessão os Senhores Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar
Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau.

Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Fernando


Barros e Silva de Souza.

Luiz Tomimatsu
Secretário

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