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CURSO DE PSICOLOGIA
VIÇOSA - MG
2023
GLENDA SARAIVA BRANTES
VIÇOSA - MG
2023
“– Qual o valor a gente daria à vida se não
existisse a morte? Quem ficaria feliz com o sol se
nunca chovesse? E será que alguém ia querer
tanto a luz do dia, se a noite não viesse de vez em
quando?’’.
(Glenn Ringtved)
RESUMO
O processo de luto é algo que todos os seres humanos enfrentarão em algum momento de sua
trajetória, e as crianças não estão isentas a essa experiência. Logo, a ausência de intervenções
terapêuticas adequadas frente a perda parental pode deixar as crianças vulneráveis e
desamparadas. Nesse sentido, este Trabalho de Conclusão de Curso apresenta uma revisão
integrativa da literatura sobre o "luto infantil" e teve como objetivo explorar como se
desenvolve o processo de elaboração do luto parental na infância, bem como suas possíveis
consequências para a criança e as cabíveis intervenções da Psicologia nesse contexto. Para
conduzir esta pesquisa, realizou-se uma revisão bibliográfica, consultando fontes como
Google Acadêmico, Scientific Electronic Library Online (Scielo) e Periódicos CAPES. Os
resultados indicaram a importância de abordar o assunto acerca da morte com crianças e
destacaram os benefícios do uso de atividades lúdicas, à exemplo de livros e filmes infantis,
como ferramenta que permite às crianças elaborar e compreender seus sentimentos advindos
da morte parental. Além disso, ressaltou-se a importância de incorporar a família no processo
de luto, uma vez que estão atravessando a mesma jornada. Concluiu-se que a ludoterapia
direcionada a crianças enlutadas é altamente benéfica quando enfatiza o cuidado e a empatia.
A peculiaridade da comunicação infantil, que transcende a linguagem oral, reforça a
necessidade de que os psicólogos adotem uma abordagem lúdica e desenvolvam uma
compreensão única e atenta, proporcionando um ambiente acolhedor para que as crianças
expressem seus sentimentos livre de julgamentos.
CHILD MOURNING: The possible contributions and interventions of Psychology in the face
of parental loss, an integrative review of the literature
The grieving process is something that all human beings will probably face at some point in
their lives, and children are not exempt from this experience. Therefore, the absence of
adequate therapeutic interventions in the face of parental loss can leave children vulnerable
and helpless. In that regard, this Course Completion Work presented an integrative literature
review on "children's grief" aiming to understand how the process of elaborating parental
grief in childhood is developed, as well as its possible consequences for the child and the
appropriate Psychology interventions in this context. To conduct this research, a
bibliographical review was carried out, based on sources such as Google Scholar, Scientific
Electronic Library Online (Scielo) and Periódicos CAPES. The results indicated the
importance of addressing the topic of death with children and highlighted the benefits of using
playful activities, such as children's books and films, as tools for allowing children to
elaborate and understand their feelings arising from parental death. Furthermore, the
importance of incorporating the family in the grieving process was highlighted, as they are
going through the same situation. It was concluded that therapy aimed at children in mourning
is highly beneficial when it emphasizes care and empathy. The peculiarity of children's
communication, which transcends oral language, reinforces the need for psychologists to
adopt a playful approach and develop unique and attentive understanding, providing a
welcoming environment for children to express their feelings free from judgment.
1 INTRODUÇÃO 8
2 OBJETIVOS 9
2.1 Objetivo geral 9
2.2 Objetivos específicos 9
3 DESENVOLVIMENTO TEÓRICO 10
3.1 Morte e luto 10
3.2 Luto infantil 12
3.3 Morte parental e a influência da família no processo de luto 14
3.4 A psicoterapia no processo de luto infantil 16
4 METODOLOGIA 18
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO 19
6 CONCLUSÃO 39
REFERÊNCIAS 41
ANEXO A – PROTOCO DE REGISTRO DO TCC 1 46
1 INTRODUÇÃO
A Psicologia, enquanto ciência, estuda o processo do luto como uma fase da vida em
que os indivíduos vivenciarão em algum momento de sua trajetória. Ao longo de nossa
existência construímos relações que consequentemente serão perdidas, sejam elas por morte
ou afastamento. Dessa forma, a Psicologia procura entender como esses vínculos e perdas
influenciarão na elaboração do luto, bem como suas consequências para a saúde mental
daquele que o sofre (Azevedo; Siqueira, 2020).
O luto infantil, além de ser um assunto importante, é uma temática complexa que
merece ser aprofundada e entendida dentro de sua particularidade. Em cada fase do
desenvolvimento infantil é possível ter interpretações e questionamentos diferentes sobre a
morte e, na maioria das vezes, seu entendimento se dará a partir do cenário familiar em que a
criança está inserida (Cole; Cole, 2004).
Além disso, ao vivenciar o luto, o impacto sobre a vida e o emocional da criança serão
diferentes a depender da circunstância da morte e da relevância do ente querido falecido para
ela. As mortes de caráter repentino tendem a gerar um maior impacto sobre a vida e o
emocional da criança, entendendo-se que o ciclo vital não foi concluído de forma natural.
Todavia, quando esse luto é vivenciado de forma antecipada e previsível, ou seja, se a criança
for psicologicamente preparada para o evento, há uma tendência em que as emoções sejam
vividas de forma mais equilibrada (Knijnik; Zavaschi, 1994).
Essas perdas, quando repentinas, podem gerar traumas na criança. Para Freud (1969) o
trauma refere-se a um choque violento que é capaz de romper a barreira protetora existente no
ego e, consequentemente, acarretar perturbações psíquicas no indivíduo. Dessa forma, ao
passar pela situação de morte de um ente querido, surgem sentimentos na criança que
impactam diretamente o seu psíquico e que irão influenciar no desenvolvimento cognitivo
dela.
De acordo com Torres (2002), quando essa morte repentina é de um ou ambos os pais,
a criança será exposta a um misto de emoções que poderão evidenciar o sentimento de
onipotência infantil, que é a crença de que os pais não são superpoderosos e capazes de
protegê-las de todo mal. Somado a isso, Bowlby (1982) argumentou que a perda de uma
figura de vínculo é percebida pela criança como uma experiência de desamparo, que pode ter
efeitos significativos em seu desenvolvimento emocional e psicológico. Assim, ao perder um
genitor, a criança vivencia emoções como o medo de ser abandonada, saudade da figura
perdida e raiva por não a reencontrar.
8
Logo, através deste estudo, almejou-se respostas para as duas perguntas: diante da
perda parental, como se desenvolve o processo de luto na infância e de que forma a Psicologia
pode contribuir nessa etapa da vida da criança? Desse modo, a partir dos questionamentos
levantados, teve-se como hipóteses que em cada fase do desenvolvimento infantil, o luto será
manifestado de formas distintas, isto é, a criança irá compreender o processo de morte
parental de acordo com sua idade e maturidade.
Para mais, no que tange à segunda indagação, acredita-se que a Psicologia pode
contribuir com intervenções eficientes, propiciando que a criança passe por esse
acontecimento de forma menos dolorosa e traumática. Isso porque essa área da ciência conta
com métodos eficazes, a exemplo da Ludoterapia, que irá auxiliar a criança a expressar seus
sentimentos através do lúdico, possibilitando que ela se sinta acolhida e compreendida. Isto
posto, a presente pesquisa objetivou investigar as respectivas hipóteses por intermédio de uma
revisão de literatura.
O interesse em estudar essa temática justificou-se pelas vivências acadêmicas,
especialmente, a partir das disciplinas de Psicologia da infância e Psicoterapia infantil.
Outrossim, teve-se o desejo em examinar as possíveis contribuições da Psicologia nesse
processo. Por conseguinte, no que concerne a relevância científica e social, este estudo teve
grande importância para desmistificar o tabu que a sociedade impõe sobre a morte, já que
pesquisas nesse âmbito corroboram para que as pessoas possam ter outras percepções acerca
do luto. Ademais, acredita-se que o estudo auxiliará na melhoria de técnicas utilizadas por
profissionais da Psicologia no contexto da ludoterapia. Por fim, se almeja que os cuidadores
saibam interpretar melhor as necessidades emocionais das crianças e, que consequentemente,
deem um suporte eficaz a elas.
2 OBJETIVOS
3. DESENVOLVIMENTO TEÓRICO
Sabemos racionalmente que a morte é um fato, mas esse elemento não parece
suficiente para determinar a presença da morte na nossa vida. Aos poucos, sem nos
darmos conta disso, passamos a agir como se a morte não fizesse parte da nossa
natureza e do ciclo vital. Lenta e silenciosamente, fomos nos distanciando de uma
das poucas certezas da vida: a de que somos mortais. E distantes daquilo que somos,
transformamos nossa finitude em uma fatalidade (Bacellar, 2017, p. 46).
10
independentemente da idade, do sexo, nível socioeconômico, todo ser humano está fadado a
morrer um dia. Ainda segundo esses autores, o medo geralmente está ligado ao receio de
perder um ente querido, enquanto a ansiedade, à um estado geral que precede essa
preocupação específica. Dessa forma, quanto mais ansioso, maior o medo da morte.
Um argumento importante retratado por Kovács (1992) é que as causas e o contexto
acerca da morte afetam diretamente no processo de elaboração dela. Nesta perspectiva, de
acordo com a autora, as mortes inesperadas provocadas por suicídio são mais difíceis de lidar,
ao passo que muitas vezes não há tempo de se preparar emocionalmente para este fato. Em
circunstâncias de morte repentina, ou seja, aquela causada por acidentes, por exemplo, pode
ocorrer adversidades em relação ao processo do luto.
Kovács (1992) disse que o processo de luto é um composto de reações psicológicas,
emocionais e comportamentais que ocorrem em resposta a uma perda significativa. O modelo
de Bowlby (1985) descreve quatro fases do processo de luto:
1. Fase de choque: Nesta fase a pessoa se sente atordoada e pode apresentar dificuldades
em acreditar que a perda ocorreu, assim, há a possibilidade de manifestações de raiva,
desespero e tristeza intensa. Essa fase pode durar de horas a semanas.
2. Fase de desejo e busca: Este período é um pouco mais longo e pode persistir de meses
a anos. Aqui, o indivíduo começa a perceber a realidade da perda e sente um forte
desejo de recuperar o ente finado.
3. Fase de desorganização e desespero: ocorrem sentimentos intensos de tristeza, solidão
e ansiedade. Essa fase, por sua vez, pode manter-se por meses ou anos.
4. Fase de reorganização: a pessoa aceita a realidade da perda e começa a reconstruir sua
vida, podendo se envolver em novas atividades, buscar novos relacionamentos e
encontrar um novo sentido na vida. Essa etapa pode perdurar vários meses ou anos.
De acordo com Kovács (1992), o tempo de luto é variável e pode durar mais tempo em
alguns casos do que em outros. É importante reconhecer que cada pessoa tem seu próprio
ritmo e que não há um prazo definido para que o processo seja concluído. Além disso,
segundo a mesma autora, em alguns casos o luto nunca termina completamente e a dor pode
ser sentida por vários anos após a perda, sendo o traço mais permanente o sentimento de
solidão.
Segundo Raimbault (1979) existem três requisitos para que o processo de luto possa se
realizar. No primeiro, denominado desidentificação e desligamento, a pessoa precisa ser capaz
de se desidentificar do morto e desligar-se emocionalmente dele. Subsequente a isso, no
segundo requisito, designado aceitação da inevitabilidade da morte, é necessário que o
11
indivíduo aceite que o falecimento é inelutável, e que o ente perdido não voltará. Por último, a
terceira condição, postulada pelo autor, é a de procurar um substituto para a libido
desinvestida, ou seja, o enlutado precisa encontrar um suplente para os investimentos
emocionais que foram direcionados à pessoa falecida.
Contudo, Kovács (1992) salientou que a personalidade do enlutado antes da perda
pode influenciar a forma como ele lida com a dor e o processo de luto. Dessa forma, pessoas
que já possuem características de resiliência e equilíbrio emocional podem ser capazes de
lidar melhor e ter um processo de luto mais saudável. Por outro lado, indivíduos que têm uma
personalidade mais frágil ou desestruturada podem apresentar dificuldades em lidar com a
perda, sendo mais propensas a desenvolver um quadro patológico.
Em suma, compreende-se que:
A morte, bem sabemos, faz parte de nossas vidas, mas dela não queremos saber, a
não ser sabê-la bem longe de nós. Entretanto, ela salta aos olhos diariamente, nas
notícias dos jornais, divulgando informações e conscientizando-nos de nossa
condição humana. Ao mesmo tempo que invade de maneira escancarada nossas
vidas, sem pedir licença, é interdita, pois não se quer falar dela ou pensar nela...
Nota-se, assim, a conspiração do silêncio (Paiva, 2011, p. 1).
Paiva (2011) esclareceu que, mesmo sendo comum a todos, ainda é desafiador abordar
a morte, especialmente com as crianças, já que esse assunto estimula a curiosidade e gera
dúvidas das quais os adultos fogem de responder. Para uma maior compreensão, no que
concerne à fuga dos adultos em responder as crianças, torna-se oportuno analisar as
importantes considerações a respeito do processo de luto infantil, logo, essa será a tese
abordada no próximo tópico.
12
morte e o luto, dependem da faixa etária em que se encontram e de outros fatores, como o
desenvolvimento cognitivo, afetivo e emocional.
Cada faixa etária possui suas características e limitações em relação ao entendimento
da morte. Dessa maneira, os estágios definidos por Jean Piaget (1996) como período sensório-
motor, período pré-operacional, período operacional e período de operações formais, nos
ajudam na compreensão de como as crianças vivenciam o falecimento de um ente querido:
1. Período sensório-motor: para as crianças que ainda não adquiriram a linguagem falada,
o conceito de morte não existe e pode ser percebida somente como uma ausência da
pessoa estimada;
2. Período pré-operacional: já para as crianças de 3 a 5 anos, o finamento é visto como
algo reversível e não separam a vida da morte, possuem pensamentos mágicos e para
elas tudo é possível;
3. Período operacional: correspondente às crianças de 6 a 9 anos, em que o falecimento é
compreendido como algo definitivo e permanente. As características da fase anterior
são perdidas, porém ainda não são capazes de explicar as causas do óbito;
4. Período de operações formais: etapa que perdura de 10 anos até a adolescência. Nesse
estágio, a definição de morte já é vista como algo inevitável e irreversível.
Posto isso, compreender como as crianças vivenciam o luto, de acordo com as etapas
do desenvolvimento, é importante para que os adultos se comuniquem com as crianças de
maneira adequada, constituindo laços essenciais para segurança e proteção (Aberastury,
1984).
Nesse sentido, para Bowlby (1989) ao manter proximidade com alguém que gere
segurança e proteção, a criança terá predisposição a ter um comportamento de apego.
Destarte, ao estabelecer uma relação de apego seguro, isto é, confiança na disponibilidade dos
pais que ajudarão em alguma situação ameaçadora, a criança desenvolverá a certeza de que
terá alguém em que poderá confiar e manifestar suas dores frente ao luto.
Torres (1999), disse que igualmente ao processo de luto em adultos, o luto infantil
pode apresentar três fases, sendo elas: 1) Protesto: nesta fase a criança não acredita que seu
ente esteja morto. Nesse sentido, procura maneiras de recuperá-lo e tenta personificar a pessoa
ausente; 2) fase correspondente ao desespero e desorganização da personalidade: neste ciclo, a
criança já aceita o fato da morte, porém continua na expectativa de sua volta; 3) - A última
fase é denominada como esperança, período em que a criança tenta organizar a vida, mesmo
na ausência da pessoa finada.
13
Logo, a criança entenderá o processo de morte a partir de sua idade e,
consequentemente, de sua maturidade, através da assistência desempenhada de um adulto para
com ela. Assim, é necessário que o responsável tenha habilidade para tratar desse assunto com
a criança de forma a entender sua capacidade cognitiva e emocional (Domingos; Maluf,
2003).
Nesse viés, quando a criança não é orientada e não participa do processo de morte e
luto, ela acaba sendo impedida de enxergar a realidade e confrontar as suas perdas. Estudos
confirmam que lidar com as frustrações é importante para a maturidade cognitiva e emocional
da criança, além disso, é papel do adulto a atitude de explicar sobre a morte e não tentar
afastá-la da realidade (Nunes et al., 1998).
Contudo, Priszkulnik (1992) afirmou que cada uma das fases, comuns ao luto infantil,
serão mais ou menos longas a depender do elo que a criança tinha com seu ente querido.
Nesse sentido, quando a criança experiencia o luto diante da morte parental, ou seja, perda de
um de seus genitores, ela passará por uma experiência traumática e este fato exigirá uma
reorganização emocional da criança e da família (Franco; Mazorra, 2007). Portanto, é
necessário compreender perspectivas diante da morte parental e a influência da família nesse
contexto, fato este a ser abordado a seguir.
Sabe-se que em algum momento da vida, uma separação dos filhos com seus pais, seja
por um tempo curto ou definitivo, será inevitável. No entanto, quando há separação da criança
e seu genitor de forma definitiva ocasionada pela morte, tal fato irá se configurar como um
processo perturbador, visto que poderá colocar em risco tanto a sua segurança, quanto a sua
sobrevivência emocional (Franco; Mazorra, 2007). Além disso, não será apenas a criança que
sentirá a perda do seu ente querido, mas também todo o seu grupo familiar, uma vez que este
se encontrará fragilizado pelo impacto de tal acontecimento (Cole; Cole, 2004).
Do mesmo modo que os adultos, as crianças apresentam respostas particulares à perda,
que podem ser influenciadas pela maneira com que os adultos compreendem a morte e lidam
com o falecimento (Walsh; Mcgoldrick, 1998). Este fato se torna ainda mais suscetível
quando se refere ao óbito prematuro de um ou ambos os pais, por se tratar de um
acontecimento que pode ser um fator de risco significativo para a saúde física e mental da
criança (Parkes, 1998).
14
Nesse sentido, quando a morte de um ou ambos os pais são provocados de forma
repentina, tendo como exemplo, o homicídio, o impacto na criança poderá ser ainda mais
traumático e oferecer riscos maiores (Domingos; Maluf, 2003). O caráter repentino e violento
do falecimento por homicídio, pode ter um efeito significativo em várias áreas da vida da
criança, incluindo mudanças físicas, emocionais, intelectuais e sociais (Parkes, 1998).
Consoante Bromberg (2000), para a criança, a perda de uma figura de vínculo é
considerada difícil, já que seu psiquismo está em fase de construção e ela depende das pessoas
ao seu redor para garantir sua sobrevivência física, desenvolvimento emocional e
entendimento do que acontece ao seu redor.
No que tange ainda a morte parental, Raimbault (1979) disse que a morte do genitor
será definida pela criança em função do seu desaparecimento do campo visual e de sua
localização, já que ela perderá a referência que tinha do ente querido. Em acréscimo, Torres
(2002) salientou que a compreensão da morte possui várias facetas que variam de acordo com
a idade e experiências de vida, como especificado anteriormente neste estudo. Logo, a
avaliação do conceito de morte na infância requer uma abordagem multidimensional que
considere diversos fatores que influenciam a percepção da criança acerca dessa tese.
Bowlby (1998) argumentou que a partir de um ano e quatro meses de idade, a criança
começa a ter recursos cognitivos e emocionais para lidar com a perda e o luto parental de
maneira mais elaborada, que se aproxime ao do adulto. No entanto, é importante ressaltar que
a capacidade elaborativa da criança ainda não pode ser identificada como a do adulto, em
virtude de seu psiquismo ainda estar em formação.
Aberastury (1984) enfatizou a importância de esclarecer a morte parental para a
criança de forma adequada, sem negá-la esse direito. Ao esconder este acontecimento, esta
poderá sofrer consequências no processo de elaboração do luto, ao passo que é importante que
a criança aceite que uma pessoa desapareceu para sempre. Além disso, a autora acentua que
usar expressões como "foi viajar" ou "é uma estrelinha" podem criar uma ideia equivocada,
dificultando a compreensão da ausência definitiva da pessoa falecida.
Bowlby (1998) exemplificou algumas das possíveis reações das crianças quando estas
passam pelo processo de perda parental, tais como: angústia persistente, desejo de morrer com
esperança de se reencontrar com o genitor, acusações, culpa constante, compulsão por cuidar,
entre outros. Todavia, como já mencionado, é possível afirmar que essas reações serão
influenciadas pelas condições do funcionamento familiar, já que contribuem diretamente pela
qualidade da elaboração do luto.
15
Além disso, durante o luto, a criança pode permanecer na fantasia ligada ao progenitor
morto, investir a libido em atividades, temer a amar outras pessoas e aceitar a perda
encontrando outra figura para amar. Tudo isso será influenciado durante o processo de
elaboração do luto, dessa forma, é importante enfatizar a relevância do apoio para que as
crianças falem abertamente sobre sua dor com o núcleo familiar (Bowlby, 1998).
Conforme P. Santos (2021), o papel desenvolvido pela família no enfrentamento do
luto se torna essencial, dado que a vivência conjunta da morte poderá ser menos sofrida e
mais leve a depender do elo dessa relação. Logo, conversar sobre este assunto no contexto
familiar torna-se importante, na medida que possibilita a diminuição da ansiedade e medo
frente a perda, além de proporcionar que o enlutado tenha um significado mais elaborado em
relação ao luto (Arantes, 2019).
Diante disso, muitas famílias não se sentem confortáveis e apresentam dificuldades em
abordar a morte com as crianças devido a sua complexidade, por isso, criam histórias como
uma forma de afastá-la desse sofrimento. No que tange a este argumento, é importante que a
família transmita informações verdadeiras acerca da morte do ente querido a elas. Isso inclui
explicar que a morte é irreversível e que a pessoa não pode voltar à vida. De fato, esses
esclarecimentos podem ser difíceis para as crianças entenderem e aceitarem, mas são
necessários para que possam começar a lidar com a perda (Roncatto, 2019).
Bowlby (1998, p. 283) salientou que “é imprescindível que a criança saiba que o
morto não voltará nunca e que seu corpo está enterrado no chão ou foi incinerado.” Essa
informação é crucial, já que a compreensão da irreversibilidade da morte é um passo
primordial no processo de elaboração do luto. Quando a criança entende que o ente querido
não voltará, ela pode encontrar maneiras de se adaptar à nova realidade. O autor ainda ressalta
que esse processo interfere no desenvolvimento infantil, na socialização, bem como no
estabelecimento de vínculos futuros.
Contudo, é pertinente destacar que existem possibilidades de intervenções que irão
contribuir no enfrentamento de adversidades em relação ao luto na infância e à perda parental,
através de práticas familiares e de psicoterapia. Nesse viés, o próximo tópico auxiliará para a
compreensão das contribuições da Psicologia neste processo.
Desde que Sigmund Freud, criador da psicanálise, começou a procurar uma definição
para a psicoterapia, esse assunto ganhou espaço e tem percorrido um complexo caminho em
16
busca dessa definição. A designação para tal conceito deve envolver necessariamente a
origem e a essência da palavra, além disso, deve-se levar em consideração a relação terapeuta-
cliente-mundo. A palavra psicoterapia, de origem grega significa ‘’cura, iniciação, método,
ato de curar, tomar conta’’, desse modo, a mesma pode ser definida de forma geral como
‘’cura da alma’’ (Ribeiro, 1986).
Ligada à psicoterapia, buscando entender o comportamento e a mente humana, a
psicoterapia infantil é uma abordagem terapêutica específica, que visa atender às necessidades
emocionais das crianças, ajudando-as a expressar seus sentimentos e problemas de uma forma
que seja compreensível e satisfatória para elas. O objetivo da psicoterapia infantil é
semelhante ao da psicoterapia com adultos, uma vez que essa abordagem oferece suporte ao
paciente para lidar com suas dificuldades emocionais e psicológicas. Todavia, a forma como
esses processos ocorrem, tratando-se de crianças, são distintos, na medida em que se
considera as diferenças no desenvolvimento e maturidade dos adultos (Silva et al., 2017).
Nesse viés, a ludoterapia é aplicada como uma alternativa dentro da psicoterapia
voltada para crianças, que utiliza o brincar como principal meio de comunicação e expressão.
O objetivo da ludoterapia é permitir que a criança se sinta à vontade para expressar seus
pensamentos, sentimentos e comportamentos, sem se sentir pressionada a agir de forma
diferente (Barreto; Rocha, 2015).
Outrossim, é crucial apontar que a ludoterapia pode ser uma ferramenta muito útil no
tratamento de crianças que passam pelo processo do luto. Isso em razão de que quando a
criança perde um ente querido, ela pode experimentar uma variedade de emoções complexas e
difíceis de entender (Mendes; Costa, 2022).
Como já mencionado anteriormente, a criança tem um modo de interpretação da morte
que difere dos adultos, já que essas não compreendem de forma concreta o processo de luto.
Dessa forma, nem sempre a criança irá falar sobre a morte, posto que este conceito poderá não
estar bem definido em seu psiquismo. Todavia, ela pode representar a perda de outras formas
dentro da psicoterapia, através do lúdico em atividades interativas, histórias infantis, dentre
outros (Affonso; Teixeira, 2015).
Quando a psicoterapia e o lúdico são conduzidos de forma a encorajar a criança a
expressar suas emoções, ela poderá vivenciar seus sentimentos e compreender o processo do
luto e assim, ganhar autonomia e capacidade de enfrentar a situação de perda pela qual está
passando (Louzette; Gatti, 2007).
Contudo, a partir da utilização de técnicas psicoterápicas, a criança poderá encontrar
amparo e acolhimento e, assim, dar início a um processo que qualifique seus conflitos
17
internos. Assim sendo, é necessário que haja um tratamento eficaz e respeitoso diante da
realidade subjetiva de cada criança.
4 METODOLOGIA
18
Sabe-se que a revisão de literatura desempenha um papel fundamental para a
elaboração de um trabalho científico. Segundo Trentini e Paim (1999) ao se fazer uma revisão
de literatura precisa é possível familiarizar-se com o tema e conhecer o que anteriormente foi
estudado, dessa forma, novos estudos podem surgir agregando o banco de dados acerca da
tese.
Diante disso, Gil (2002) afirma que ao se fazer pesquisas utilizando-se livros e artigos
científicos é possível que o autor se fundamente em teorias pré-existentes que abordem o tema
especificado, neste caso, o luto infantil. Portanto, tal pesquisa se orientou através dos
referenciais teóricos e buscou agregar o tema com os objetivos especificados.
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A fim de eleger artigos que corroborassem com o presente estudo, foi realizada a
busca das produções científicas nas bibliotecas digitais do Google acadêmico, Scielo e
Periódicos CAPES, prezando por seguir as mesmas palavras-chaves nas respectivas
plataformas. Para os descritores referentes a Ludoterapia AND luto infantil averiguados no
Google acadêmico, obteve-se o total de 202 artigos. Nesse viés, após a análise dos títulos e
resumos, foram selecionados 7 desses artigos que se enquadravam na temática central da
pesquisa. Na biblioteca eletrônica Scielo, não foram encontrados resultados acerca deste
descritor, bem como no periódicos CAPES (Quadro 1).
Nos descritores Luto infantil AND influência da família analisados no Google
Acadêmico, foram encontrados 255 resultados. Após a análise dos títulos e resumos, apenas 2
foram selecionados, já que 2 dos artigos já haviam sido utilizados e os demais não se
enquadravam na temática da pesquisa. Nas outras bases de dados retratadas não foram
encontrados resultados (Quadro 1).
No que concerne a palavra-chave Luto infantil AND perda de genitores, a busca
resultou em 32 artigos no Google Acadêmico, dos quais 3 foram selecionados para análise e
discussão. No entanto, nas demais bibliotecas digitais não foram encontradas resultados para
esses descritores (Quadro 1).
Com relação a palavra-chave Luto AND infantil, obteve-se 435 artigos, e após a
leitura dos títulos e resumos, foram eleitos apenas 2 no Google Acadêmico, na medida em que
4 eram artigos repetidos, 1 continha o acesso restrito e os demais não se enquadravam na
temática do estudo. Os títulos encontrados na plataforma Scielo totalizaram em 3, não sendo
designados trabalhos para análise e discussão. Por sua vez, o periódicos CAPES exibiu 18
19
artigos, sendo apenas 1 elegido para análise, posto que 2 eram repetidos e os demais não
correspondiam ao objetivo da pesquisa (Quadro 1).
Por último, no descritor Luto infantil AND Psicologia, a busca resultou em 402 títulos
no Google Acadêmico, todavia nenhum deles foram selecionados, dado que 6 eram artigos
repetidos e os demais não se encaixavam na temática da pesquisa. Na plataforma Scielo, foi
encontrado 1 artigo, entretanto, não se adequava a temática da pesquisa. Destarte, no
periódicos CAPES a busca totalizou em 7 artigos, sendo escolhido apenas 1 para análise e
discussão, visto que 3 eram repetidos e os demais não se adequavam ao estudo (Quadro 1).
Portanto, o Quadro 1, descrito abaixo, apresenta o total de artigos encontrados,
trabalhos selecionados, a data da busca e as leituras realizadas. Essas informações são cruciais
para assegurar a transparência e a qualidade da revisão.
20
Luto infantil AND 15/07/2023 0 0
perda de genitores
Luto AND Infantil 15/07/2023 18 1
21
Quadro 2 - Trabalhos selecionados para análise e discussão
22
da saúde devem estar atentos
para investigar e intervir no luto
simbólico ou real.
23
O luto e a criança: Uma Compreender como Enfoque qualitativo, Percebe-se a importância do
revisão da literatura se manifesta o luto na utilizando a trabalho em conjunto realizado
acerca dessa infância, bem como metodologia de pela família, pelo
experiencia na infância. promover um debate pesquisa bibliográfica. acompanhamento psicoterápico
SILVA, A. C. L. 2022. no que se refere a essa Artigos do Google e no contexto escolar no
temática, trazendo acadêmico, Capes e trabalho com crianças enlutas,
como ponto a ser Scielo, sendo além da necessidade da escola e
discutido a escola levantados trabalhos dos professores trazerem à tona
frente a crianças que de 2006 a 2021. de modo mais frequente
vivenciam um discussões acerca da morte e do
processo de luto luto.
O luto na infância: uma Apresentar como a Revisão bibliográfica Os resultados sugerem estudos
revisão sistemática. morte e o luto na sistemática. acerca: das adaptações de
KLINGER, E. F; infância são instrumentos para crianças; dos
MIRANDA, F. J; abordados nas sintomas e desdobramentos do
OLIVEIRA, D. P. 2021. publicações, quais são luto na infância no
os impactos desenvolvimento como estresse
atribuídos ao luto não pós-traumático; da importância
elaborado em crianças das redes de apoio e do trabalho
e quais as estratégias preventivo. Abordar e trabalhar
de intervenção que com esse tema é tarefa delicada,
estão sendo propostas. por tal razão, é importante a
realização de estudos e
intervenções preventivas junto à
comunidade e às escolas, com
ampliação de diretrizes que não
foquem somente a criança, mas
também na família enlutada
24
Luto infantil e seus Compreender os Revisão narrativa de A comunicação da morte tem
processos: Uma revisão processos do luto literatura científica. sido representada de maneiras
narrativa da literatura. infantil e as principais As buscas foram diversas, trazendo várias
MENDES, B. A; estratégias de realizadas nas bases consequências no processo de
COSTA, K. S. comunicação eletrônicas LILACS, organização de recursos para
2022. utilizadas neste SciELO, Google e lidar com as perdas,
contexto. Google Acadêmico. principalmente pelas crianças. O
psicólogo pode oferecer
acolhimento de maneira
profissional para evitar que o
sofrimento prejudique o
desenvolvimento da criança. Foi
possível perceber que é preciso
ser investigado mais sobre as
intervenções que são feitas
durante da psicoterapia infantil,
pois não foi possível saber
detalhadamente sobre as
intervenções que são realizadas.
25
à morte e demais fatores
inerentes a este processo.
Psicanálise e contos de Realizar uma reflexão Pesquisa teórica e Através deste estudo, pode-se
fadas no processo de sobre o processo de bibliográfica em constatar (com destaque para a
elaboração do luto elaboração do luto artigos, livros e em relevância que o costume de
infantil. infantil e investigar bases indexadas contar histórias às crianças
MOURA, J. G; ASSIS, como os contos de referentes possui), a relação
M. F. P. fadas podem ser principalmente ao transgeracional estabelecida
2018. utilizados como período 2010/2016, durante as narrativas de
amparo ao sob a ótica da histórias e os benefícios que os
funcionamento abordagem contos trazem ao psiquismo
psíquico infantil, psicanalítica. infantil. O processo de
auxiliando a elaboração do luto quando
solucionar as acompanhado de narrativas
demandas vividas torna-se menos penoso ao ego,
pelas crianças que pois o conto metaforiza toda a
passam pelo processo dor do sujeito de maneira que a
de luto criança seja capaz de
identificar-se com a perda que
os personagens das histórias
sofrem.
Luto Infantil: A Entender de que Revisão bibliográfica Foi possível entender, com os
vivência diante da perda modo a criança procurando-se livros e dados e as informações obtidos,
de um dos pais. vivencia o luto diante artigos científicos que cada criança lida e elabora a
LEANDRO, J. C; da perda de um dos enfocando esse sobre perda de diversas formas.
FREITAS, P. M. L. pais, buscando o assunto escolhido. Algumas se calam, outras
2015 compreender os manifestam sua dor, outras
processos que podem questionam o sentido da morte
facilitar a elaboração antes de expressar qualquer tipo
psicológica saudável de emoção. Foi possível
dessa perda concluir também que esse
geralmente tão processo do luto é bastante
desorganizadora na conflituoso e traumático para a
existência humana, criança, pois ela ainda se
principalmente na encontra em estágio humano de
infância. desenvolvimento cognitivo e
emocional. Sendo assim, perder
esse genitor, que até então era
considerado sua fonte de
segurança e proteção, traz para a
criança intensos sentimentos,
entre eles o de culpa, de raiva,
de abandono e ainda de negação
da perda, pois um
relacionamento entre pais e
filhos sempre envolve todos
esses sentimentos conflitantes.
26
fenômenos humanos.
Diante das percepções sobre o luto, Soares (2021) destacou em seu estudo que a morte
é uma realidade inevitável da vida humana. Sendo assim, por mais que a medicina e a
tecnologia avancem, até o momento, não foi possível alcançar a imortalidade e todos os seres
humanos, em alguma fase da vida, enfrentarão a experiência de perder alguém querido e
passarão pelo processo de luto. Desse modo, o luto se revela como uma reação natural diante
do falecimento de alguém significativo.
Ainda sob concepções da mesma autora, por ser um tema carregado de estigmas e
tabus, muitas vezes evita-se falar no que diz respeito a morte. No entanto, ao enfrentar as
perdas e abrir espaço para reflexões e diálogos sobre essa tese, cria-se a oportunidade de
promover uma compreensão mais saudável e realista da vida e da finitude (Soares, 2021).
Utilizando como base o livro “Luto e Melancolia’’ escrito por Sigmund Freud (1917),
Moura e Assis (2018) destacaram em seu estudo alguns tópicos importantes expostos pelo
renomado psicanalista. De acordo com o criador da Psicanálise – Freud - o luto é uma
vivência dolorosa para o ego, e esse processo ocorre quando o objeto de amor, ao qual a
energia libidinal estava investida, é perdida, tornando-se inacessível de alguma forma. Nesse
sentido, para lidar com a nova realidade da perda, o ego precisa deslocar seu investimento
emocional para novos objetos. Entretanto, em suas observações, Freud salientou que o
processo de elaboração do luto não ocorre de maneira linear, ou seja, não se estende de forma
progressiva e constante. Pelo contrário, requer um período considerável, pois não se trata de
uma transição rápida e fácil.
27
Moura e Assis (2018) abordaram questões relevantes sobre o luto na infância.
Segundo os autores, a manifestação do luto em crianças é detalhadamente descrita no Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), onde se evidencia o processo
doloroso de elaboração do luto expresso por meio de brincadeiras e comportamentos. Durante
esse período, podem ocorrer regressões no desenvolvimento, comportamentos ansiosos ou de
protesto em situações de separação e união. Nas crianças menores, é comum a predominância
da angústia de separação, enquanto nas crianças maiores, prevalece a angústia social e de
identidade, tornando-as mais vulneráveis ao desenvolvimento de quadros depressivos.
A perda de um ente querido durante a infância pode ser um evento profundamente
traumático, especialmente quando ocorre de forma repentina, como no caso da perda dos pais
ou do cuidador principal. Essas situações podem deixar a criança em estado de choque, já que
subitamente é privada da principal fonte de investimento amoroso e referências na
estruturação de sua própria identidade (Moura; Assis, 2018).
Ainda de acordo com Moura e Assis (2018), crianças entre cinco e sete anos tendem a
conceber a morte como algo reversível, assemelhando-a ao sono ou a uma separação que
eventualmente será superada e voltará ao normal. Nesses casos, torna-se necessário esclarecer
de forma sensível para a criança o que é a morte, podendo recorrer a exemplos concretos,
como, por exemplo, a morte de animais de estimação, com o objetivo de facilitar a
compreensão da realidade. Já a partir dos oito anos, as crianças tendem a conceber a morte
como uma punição, e é responsabilidade dos adultos esclarecer essa fantasia. Os autores
patenteiam que à medida que o psiquismo da criança amadurece e sua compreensão da
realidade se desenvolve, ela começa a encarar a morte de forma mais natural. Contudo,
independentemente da idade da criança, é essencial que o acontecimento seja informado de
maneira compreensiva e afetiva, visando evitar intensificar o sofrimento.
Ao abordar o tema do luto infantil, a contribuição de Soares (2021) torna-se de
extrema relevância ao fornecer um valioso respaldo para essa questão complexa. A autora
enfatizou que, especialmente no caso de crianças, o momento de luto exige uma atenção
especial dos familiares envolvidos. Infelizmente, muitos adultos tendem a ocultar a verdade
ou fornecer informações de forma inadequada, acreditando que, assim, irão proteger a criança
do sofrimento. No entanto, tal comportamento pode acarretar consequências, comprometendo
sua capacidade de lidar com o sofrimento de forma saudável. Outrossim, a autora discorreu
sobre a importância de acolher o menor e compreender suas particularidades, uma vez que
cada criança é única e possui um julgamento e compreensão individuais em relação à morte.
28
Sobre o conceito de morte, Filgueira (2021), apoiado por Yamaura e Veronex (2016),
descreveram que se trata de uma construção que se desenvolve ao longo da infância, sendo
influenciado pela idade e experiência da criança. À medida que o menor cresce, sua
compreensão da morte evolui, o que molda a forma como ele lida com o sofrimento no
presente e no futuro, especialmente em situações de perda de um ente querido. Dessa forma,
Filgueira (2021), apoiado por Ross (2017) e Paiva (2011), afirmou que quando a criança não
consegue lidar adequadamente com as perdas, isso pode causar consequências em seu
desenvolvimento e gerar sentimentos de abandono e culpa. Em vista disso, ressalta-se a
importância de abordar questões acerca do finamento na vida da criança, de forma que ela
possa elaborar seu processo de luto de maneira a estabelecer relações seguras e concretas.
Oliveira et al. (2020) corroboraram a necessidade de um diálogo aberto sobre o
assunto da morte com a criança. Eles destacaram que a decisão de evitar essa conversa muitas
vezes é tomada por adultos que desejam proteger a criança do desconforto emocional que o
tema pode causar. Além disso, salientaram que, após a perda de um ente querido, a criança
pode vivenciar uma série de emoções e reações, como tristeza profunda, confusão e até
fantasias de que o familiar falecido ainda está vivo. Nessa situação, negar ou evitar falar sobre
a morte com a criança pode agravar os sentimentos de tristeza e levar à persistência da
negação da perda, o que pode resultar em sérios problemas emocionais no futuro. Os autores
também indicaram fatores que podem contribuir no processo do enfrentamento do luto
infantil, como garantir que a criança sempre saiba a verdade, ser um ouvinte atento e
assegurar sua proteção.
Ademais, verificou-se que o processo do luto é extremamente individual e cada
criança pode vivenciá-lo de maneiras distintas, uma vez que algumas podem se calar e se
mostrarem retraídas, enquanto outras podem manifestar sua dor de maneira mais visível,
através de choro, tristeza intensa ou comportamentos que denotam sofrimento (Leandro;
Freitas, 2015).
Também em relação às vivências das crianças no processo de luto, Camps (2022)
acrescentou que as interpretações dos adultos sobre a morte influenciam nas mudanças de
comportamento da criança enlutada. Isso pode levá-las a adotar posturas que, por vezes, as
tornam agressivas e as fazem regredir em seu desenvolvimento previamente estabelecido.
Além disso, suas relações sociais podem ser afetadas, resultando em atrasos comportamentais
que impactam suas dimensões cognitivas, físicas, espirituais e socioculturais. Por meio de
alterações afetivas e comportamentais, a criança pode adotar posturas extremamente
diferentes do que se espera para sua idade, como, por exemplo, tentar assumir o papel de
29
cuidador em sua família. Assim, de acordo com a autora, é fundamental que haja a presença
de um adulto que proporcione à criança apoio para compreender o processo e a concepção da
morte, permitindo-lhe desenvolver autonomia e vivenciar essas experiências, adaptando-se a
essas novas situações.
Nesse viés, para que a criança possa assimilar o conceito de morte de forma adequada,
é fundamental que ela compreenda duas concepções fundamentais abordadas no estudo de
Barreto e Rocha (2015): 1) irreversibilidade que é a compreensão de que, uma vez que uma
pessoa ou qualquer ser vivo morre, não é possível retornar à vida física e; 2) universalidade da
morte que tange ao entendimento de que tudo o que possui vida está sujeito à morte em algum
momento.
Além da importância de a criança compreender essas concepções, Silva (2022) ao
afirmar que a morte é sentida pela criança, apresentou as fases do luto apoiado nas
perspectivas de Bowlby (1997): 1) a primeira fase, conhecida como torpor ou aturdimento,
representa a fase inicial do luto, caracterizada por uma sensação de choque e desespero,
podendo permanecer por horas, dias ou semanas; 2) já a segunda se manifesta como saudade,
onde surge um forte desejo em recuperar a pessoa finada, podendo se prolongar por meses ou
anos; 3) posteriormente, na fase de desorganização e desespero, o sujeito experiencia
profunda tristeza e desespero diante da perda; 4) por último, a fase de aceitação ocorre quando
o sujeito começa a aceitar gradualmente a realidade da perda e encontra maneiras de seguir
em frente na ausência da pessoa finada. Para a criança, essas fases se expressam de formas
distintas, a depender da fase de desenvolvimento cognitivo em que ela se encontra.
Com base na perspectiva anterior, torna-se ainda mais evidente a importância de
entender e abordar adequadamente o luto infantil, especialmente quando se trata da dolorosa
experiência de perder um dos genitores durante essa fase delicada da vida. É nesse contexto
que apresentaremos a discussão em torno da segunda categoria temática desta pesquisa.
30
impactos mais complexos na psique da criança quando ocorre de maneira abrupta, violenta ou
prematura, ou seja, de maneira repentina.
Leandro e Freitas (2015), apoiados por Franco e Mazorra (2007), abordaram algumas
questões sobre a perda parental e relatam que a infância é uma fase em que a criança necessita
de segurança e estabilidade. Sendo assim, ao presenciar a morte de um de seus genitores, ela
tende a se ver onipotente, havendo a perda de sua identidade e dificuldades de lidar com a
gama de sentimentos advindos dessa experiência. Outro autor mencionado no estudo é
Kovács (1992), que tratou a morte de genitores como um rompimento de vínculos afetivos, o
que, consequentemente, evidencia o sentimento de perda.
É irrefutável que a morte de um dos pais, ou de ambos, pode ter um impacto
significativo na vida de uma criança. Nesse sentido, a criança poderá enfrentar diversos
aspectos, como manter-se imersa na fantasia relacionada ao progenitor falecido, redirecionar
sua energia emocional para atividades, experimentar o medo de amar outras pessoas e, por
fim, aceitar a perda e encontrar uma nova pessoa para amar. Esse último é um indicativo de
que o luto foi vivenciado de maneira saudável (Leandro; Freitas, 2015).
Ainda seguindo o estudo de Leandro e Freitas (2015), que faz referência a Torres
(2012), é possível afirmar que o comportamento da criança frente à perda parental dependerá,
em grande parte, das informações recebidas, da forma como a notícia foi transmitida, do
modo que o progenitor sobrevivente irá lidar com os novos sentimentos advindos do
acontecimento, bem como das expectativas em relação as possíveis reações da criança. Desse
modo, a maneira como o menor experimenta o processo de luto também está vinculada ao
suporte que o progenitor sobrevivente pode oferecer diante da circunstância da perda.
Torres (2012), no estudo de Leandro e Freitas (2015), acrescentou que o luto poderá
ser aliviado, mesmo antes de a criança vivenciar esse processo, dependendo das relações pré-
existentes com seus pais. Ou seja, a comunicação, segurança e proteção são fatores que
contribuem para uma melhor elaboração do luto. Além dessa vertente de pensamento,
Fusijaka (2009), na mesma pesquisa, ressaltou que a criança pode não demonstrar reação
frente à perda de um dos pais, e isso se deve à comunicação inadequada por parte do
progenitor sobrevivente, negando assim, o direito de a criança processar seus sentimentos.
Dessa forma, assim como mencionado em outros momentos e, inclusive no eixo anterior, é
importante esclarecer esse assunto para a criança, mantendo-a informada sobre os rituais que
envolvem o luto, incluindo o velório e o enterro.
Nesse sentido, visando confirmar a importância do envolvimento da criança com a
realidade, Mello, Lima e Mota (2021) ressaltaram sobre um aspecto frequentemente
31
negligenciado diante do contexto de morte, que é a presença de crianças em rituais funerários.
Apoiado por Boss (2005) e Anton; Favero (2011), o autor elucidou que os rituais de
despedida são símbolos essenciais na elaboração do luto, já que facilitam a retomada das
interações sociais após a perda, além de ser uma ocasião de amparo importante nesse
processo. A não participação da criança nos rituais de morte relacionados a seus genitores
pode resultar em um maior risco de desenvolvimento de sentimento de culpa e depressão na
vida adulta.
Os estudos mencionados até o momento esclareceram a importância de lidar
adequadamente com a perda parental. No entanto, nota-se que é essencial considerar as
diversas perspectivas oferecidas por estudiosos e pesquisadores no campo. Nesse sentido, as
considerações apresentadas no livro "Perda, tristeza e depressão", escrito por John Bowlby
(2004), surgiram como um recurso fundamental para compreender os complexos desafios
enfrentados por crianças nesse contexto.
O autor também confirmou que as crianças geralmente só tomam conhecimento da
morte após o seu ocorrido e, mesmo assim, muitas vezes a informação é transmitida de
maneira enganosa. Por exemplo, comunicar que um dos pais está viajando ou foi transferido
para outro hospital, em vez de dizer a verdade. Essa prática tende a adiar o difícil momento de
lidar com a notícia, que frequentemente é transmitida pelo sobrevivente do casal. Além disso,
quanto mais nova for a criança, maior é a tendência de adiar esse momento, pois se pressupõe
que ela não terá a capacidade emocional e cognitiva de entender o ocorrido. No entanto, as
crianças conseguem perceber facilmente qualquer sinal, inclusive os sentimentos dos pais, que
podem ser absorvidos e reproduzidos pelos filhos. Quando a notícia é de fato transmitida para
a criança, possivelmente o genitor sobrevivente dirá ao filho que o outro foi para o céu. Nesse
contexto, a criança pode pensar que o céu não é distante e que a volta é apenas uma questão
de tempo. Diante disso, como Bowlby (2004) enfatiza, é crucial que a criança saiba que o
morto não voltará e que seu corpo está enterrado ou incinerado.
Dentro desse contexto, é relevante enfatizar que a presença e o apoio da família são
fundamentais para ajudar uma criança a atravessar o processo de luto de forma saudável.
Nesse sentido, o estudo de Filgueira (2021) elucidou que existem ações que auxiliam o
processo de elaboração do luto pela criança, e uma delas é a comunicação familiar. O genitor
sobrevivente ou responsáveis devem criar um ambiente acolhedor no qual a criança seja
notificada sobre o ocorrido e tenha seus sentimentos possíveis acolhidos e compreendidos.
Conforme Filgueira (2021), apoiado por Louzette e Gatti (2007), é de suma importância que
alguém de confiança da criança comunique o ocorrido para proporcionar apoio e carinho. A
32
ausência dessa comunicação pode levar a comportamentos agressivos e hostis em relação aos
colegas, sendo possível perceber a tristeza não verbalizada em palavras.
O estudo de Filgueira (2021) também fez importantes considerações, apoiado em
Cordero (1999), sobre maneiras de auxiliar a criança na elaboração do luto por perdas
parentais, dentre elas: encorajá-la a expressar seus sentimentos; debater sobre a morte de
forma que o menor possa compreender; autorizar que ela faça o mesmo questionamento,
expondo suas dúvidas e receios; oferecer alternativas para que a criança se recorde do ente
estimado, como escrever cartas e fazer desenhos; e conversar com a criança de acordo com
seu nível de desenvolvimento. Desse modo, é responsabilidade da família esclarecer as
dúvidas das crianças, garantindo que elas não interpretem o silêncio como uma maneira de
reprimir seus sentimentos em relação ao evento (Filgueira, 2021).
Numa outra perspectiva, compreendendo as emoções provenientes do luto por morte
parental, Nunes (1998), mencionado por Filgueira (2021), alegou que a raiva é uma reação
previsível e comum em crianças após a perda de um ente querido. Essa emoção pode se
manifestar de diversas maneiras, incluindo a agressividade dirigida a um membro da família
que ainda está vivo. Ainda de acordo com o estudo de Filgueira (2021), o autor Paiva (2011)
evidenciou também que é fundamental permitir que a criança expresse suas dúvidas e
emoções sobre a morte, o que pode ser facilitado por meio de atividades lúdicas, como jogos e
desenhos. Além disso, ressalta-se a importância de observar a comunicação não-verbal do
menor, na medida que o silêncio pode ser prejudicial quando ignorado ou negligenciado.
Esse silêncio pode ser mal interpretado pela criança, assim como apresenta o estudo de
Cruz et al. (2021), que também considera importante a comunicação à criança. Os autores
confirmaram que o luto é um período delicado e desconhecido para a criança, especialmente
quando vivenciado com carência afetiva por parte de seus responsáveis. No entanto, é
importante reconhecer que esse desamparo não ocorre de forma intencional, uma vez que o
adulto também pode estar enfrentando seu próprio processo de luto. Diante da falta de
diálogo, a criança pode associar o ato de falar sobre a pessoa falecida a algo negativo e, com
isso, ela evita o assunto e passa por esse processo de luto de forma solitária, chegando a
inverter os papéis, assumindo o papel de cuidador e buscando fazer o adulto ao seu redor se
sentir feliz. Mesmo que seja comum os adultos evitarem abordar o tema da morte com as
crianças, devido ao receio de agravar problemas, a literatura sustenta o contrário, afirmando
que discutir essa temática possibilita que a criança expresse de forma mais clara o que está
vivenciando diante da situação (Cruz et al., 2021).
33
A morte ser mantida em silêncio é um fenômeno discutido por Mello; Lima; Mota
(2021), conhecido como "Conspiração do Silêncio". Essa abordagem, fundamentada em
concepções históricas da infância, sugere que a morte é mantida em segredo com o intuito de
preservar a criança de confrontar a dura realidade da vida. Esse enfoque, conforme discutido
por Ariès (1978) no mesmo estudo, concebe a morte como algo complexo e inacessível à
compreensão infantil, levando à crença de que evitar a discussão do assunto é uma medida
protetora. No entanto, Mello; Lima; Mota (2021) lançaram luz sobre as possíveis implicações
negativas dessa abordagem, argumentando que a falta de informações transparentes e
oportunidades para expressar emoções pode, de fato, contribuir para maior confusão e
angústia durante o processo de luto da criança.
Contudo, percebe-se que a maneira como a criança recebe a notícia da morte é
determinante para o enfrentamento da perda e a elaboração do processo de luto. Por isso, é
essencial criar meios que facilitem essa elaboração, tanto para as crianças quanto para seus
familiares, que têm o papel de informá-las sobre a morte e enfrentar conjuntamente esse
momento difícil. Além disso, é fundamental que os familiares se preparem antecipadamente
para abordar o tema com as crianças e busquem formas de lidar com esse assunto delicado
(Cruz et al., 2021).
Fornecer apoio e acompanhamento psicológico à criança em situações de perda de
genitores é essencial, assim como oferecer atendimento psicoterápico à família torna-se
imprescindível. Isso se justifica pelo fato de que, nesse momento, os familiares podem estar
passando por uma fase de crise e desorganização, visto que o processo de elaboração do luto
está intrinsecamente relacionado à forma como a família lida com essa situação (Franco;
Mazorra, 2007).
Portanto, a análise do papel da Psicologia diante do luto infantil, como discutido no
próximo eixo do estudo, torna-se crucial para entender como essa área pode contribuir
efetivamente para o bem-estar integral da criança e de sua família nesse processo apresentado
como delicado. Logo, inicia-se a construção teórica no que tange a terceira e última categoria
temática da discussão.
34
abordagem direcionada ao atendimento de crianças, que visa facilitar a expressão adequada de
seus sentimentos, inquietações e desafios.
Essa abordagem permite que a criança encontre uma maneira satisfatória de se
comunicar e, assim, desenvolva meios para lidar tanto com seu mundo interior quanto com as
situações externas que a afetam. A prática, que se refere a jogos, diversão e distração,
combinada com a ideia de terapia fundamentada na psicanálise infantil, é reconhecida como
Ludoterapia (Affonso; Teixeira, 2015).
O brincar no ato terapêutico mostra-se fundamental para a exploração do mundo e
para o desenvolvimento de habilidades como atenção, memória, imitação e capacidades
motoras. Além disso, estudos afirmam que a brincadeira desempenha um papel crucial no
processo de socialização, comunicação e expressão da criança, proporcionando um espaço
onde ela pode exercitar sua criatividade e imaginação de maneira significativa (Leite, 2011
apud Silva et al., 2017).
No mesmo estudo, Affonso (2012) expôs que dentro do âmbito da psicoterapia
infantil, a prática do brincar assume um papel central no Ludodiagnóstico, um processo
terapêutico que envolve técnicas projetivas. Nesse viés, essa abordagem, influenciada pelas
teorias de Sigmund Freud e Melanie Klein, permite à criança expressar-se de forma
espontânea por meio da brincadeira, combinada com as técnicas projetivas (Silva et al., 2017).
Simon; Yamamoto (2012) também agregaram ao estudo de Silva et al. (2017)
proferindo que, Melanie Klein, fundamentando-se nas premissas delineadas por Freud,
elaborou essa estratégia de empregar o brincar. À medida que ela se aprofundava em sua
exploração e interação com crianças, percebia a possibilidade de assemelhar o brincar infantil
à associação livre adotada por adultos. A partir dessa percepção, a técnica do brincar se
revelava como uma via de acesso mais profunda ao mundo interior das crianças, visto que os
mecanismos de repressão nelas eram menos rígidos em comparação aos adultos.
Nota-se que algumas adaptações são essenciais para viabilizar a efetivação da
psicoterapia infantil, como, por exemplo, a necessidade de um ambiente específico e de
ferramentas adequadas que possam ser manejadas de forma apropriada. Nesse sentido, uma
das abordagens que se destaca é a concepção da caixa lúdica. Esta abordagem, como
descreveu Affonso (2012), incorpora uma variedade de materiais e brinquedos selecionados,
constituindo uma coleção destinada à participação da criança durante as sessões. Com suas
origens na perspectiva de Melanie Klein, essa caixa é projetada com a finalidade central de
facilitar a interpretação, fomentar a representação e promover a criatividade da criança,
conferindo um meio valioso para a exploração e expressão emocional (Silva et al., 2017).
35
A pesquisa de Barreto e Rocha (2015) sublinhou que essa participação da criança só
pode ser bem-sucedida quando a mesma se sente segura e adaptada ao ambiente do
consultório e ao terapeuta. Assim, ambas as perspectivas convergem na compreensão de que o
desenvolvimento de um vínculo seguro é um elemento essencial para o progresso terapêutico
eficaz.
Dessa forma, conforme mencionado no estudo de Barreto; Rocha (2015), Coppolillo
(1990) discorreu que, durante a fase inicial da psicoterapia, podem ser observadas cinco
realizações cruciais, sendo elas: 1) a criança alcança um nível de conforto que lhe permite ser
ativa e produtiva durante as sessões; 2) a comunicação da criança ocorre de maneira habitual;
3) estabelece-se uma aliança de colaboração entre a criança e o terapeuta, conhecida como
aliança terapêutica; 4) a criança adquire a consciência de que certas atividades mentais têm
origem interna, em oposição ao mundo externo; e, por fim, 5) a criança e o terapeuta iniciam
o compartilhamento de métodos para expressar seus estados internos por meio de palavras,
imagens e símbolos.
Barreto; Rocha (2015) ainda salientaram que nos estágios iniciais do atendimento
psicológico de uma criança é comum observar a manifestação de comportamentos de retração
e desconfiança. Isso ocorre porque a criança muitas vezes projeta a mesma dinâmica que
experimentou com outros adultos sobre o terapeuta.
Além disso, o escopo do estudo de Barreto; Rocha (2015) se expandiu
significativamente, direcionando o olhar para a relevância da ludoterapia em contextos de
perda. Isso ocorre particularmente quando uma criança passa pelo doloroso processo de luto
após a morte de um ente querido, sobretudo no âmbito da estrutura da família nuclear. Essa
perspectiva é especialmente significativa, uma vez que o luto coloca desafios psicológicos
distintos para a criança enlutada.
Nesse viés, conforme indicado por Kovács (2007) no estudo de Barreto; Rocha (2015),
a psicoterapia com crianças enlutadas emerge como uma abordagem de cuidado. A
particularidade da comunicação infantil, que vai além da linguagem oral, reforça a
necessidade de uma técnica especializada para ouvir e interagir com a criança durante suas
atividades lúdicas. Isso implica em um ambiente de comunicação livre de censura ou
preconceitos, proporcionando um espaço propício para a expressão de sentimentos.
No entanto, é essencial reconhecer que vivências pessoais não existem em isolamento,
uma vez que estão interligadas com o contexto social amplo, abrangendo elementos como o
tempo, cultura, época histórica e local geográfico. A experiência do processo de luto é
36
profundamente influenciada por fatores subjetivos, resultando em experiências individuais
(Klinger; Miranda; Oliveira, 2021).
Vários autores corroboraram da importância de o profissional compreender esse
momento delicado do luto, necessitando ser atencioso em sua prática e favorecendo um
ambiente terapêutico que garanta um acolhimento seguro e envolvente. Ao atender crianças
que passaram por situações envolvendo a perda de alguém próximo, é de extrema importância
que o psicólogo considere uma variedade de aspectos ligados a esse processo de perda, à sua
elaboração e à maneira como pode fornecer apoio adequado para acolher as necessidades
emocionais das crianças. É indispensável que o profissional compreenda que lidar com o tema
da morte demanda sensibilidade, devido ao peso emocional, aos medos e aos tabus associados
a ela. Por meio das atividades lúdicas na psicoterapia, a criança tem a capacidade de
materializar a ausência do indivíduo falecido, construindo uma narrativa em torno de sua
partida ou deslocando para o seu brincar perspectivas da conexão que mantinha com aquela
pessoa. Ao engajar nesse tipo de brincadeira, a criança tem a oportunidade de reviver
lembranças, elaborar emocionalmente a perda e, até certo ponto, diminuir a saudade e a
sensação de desamparo que frequentemente acompanham a partida de alguém que ocupa um
lugar afetivo em sua vida (Klinger; Miranda; Oliveira, 2021; Santos, 2021; Bianchi et al.,
2019).
Nesse viés, o estudo de Oliveira et al. (2020) também destacou a necessidade de
desenvolver abordagens de intervenção, tanto na comunicação quanto no manejo dos
sentimentos evocados pelo tema da morte com as crianças. Conforme mencionado por
Andrade et al. (2018) no estudo de Oliveira et al. (2020), a incorporação de abordagens
narrativas, como fábulas, contos e histórias, dentro da psicoterapia infantil, cria um ambiente
acolhedor que é especialmente benéfico para crianças que estão enfrentando situações de
perda. Quando adotados como ferramentas terapêuticas, esses enfoques permitem estabelecer
uma ligação entre o mundo real e a representação simbólica, presente tanto no consciente
quanto no inconsciente. Logo, contribuem para o bem-estar emocional ao explorar a dimensão
lúdica, o simbolismo e a manifestação das angústias.
Destaca-se como possibilidades de recursos terapêuticos, que podem ser aplicados no
processo de psicoterapia, além de outros já mencionados anteriormente, o uso de artesanato,
jogos, narrativas, poesias, música, literatura e recursos audiovisuais. Estas estratégias se
apresentam como escolhas eficazes, contribuindo para a facilitação do processo terapêutico e
proporcionando resultados positivos, especialmente quando se trata do público infantil
(Soares, 2021; Barreto; Rocha, 2015).
37
Soares (2021) explorou a temática da morte e do luto em obras cinematográficas
voltadas para o público infantil, incluindo filmes como "Up: Altas Aventuras", "Viva: A Vida
é uma Festa" e "O Rei Leão". Além disso, a autora ressaltou a presença dessa temática em
obras literárias como "O Vovô Não Vai Voltar" e "Mas Por Quê? A História de Elvis". Ao
examinar essas criações artísticas, Soares (2021) apontou que os espectadores têm a
oportunidade não apenas de se identificar com elementos de suas próprias experiências e
características, mas também de acompanhar os protagonistas em suas jornadas de superação e
autoconhecimento. No entanto, a seleção de filmes ou livros deve ser orientada por
comportamentos que se buscam desenvolver ou pelas lições que se pretendem transmitir.
Logo, a história escolhida deve estar em sintonia com as necessidades do paciente,
sublinhando a importância de que o psicólogo tenha conhecimento acerca da história de vida
da criança.
A utilização da imaginação guiada, um método voltado para a redução da ansiedade
infantil e o cultivo de padrões de pensamento saudável, também apareceu como uma
estratégia eficaz no estudo de Filgueira (2021). O autor também fez menção a uma seleção de
livros infantis que podem ser empregados por pais e psicólogos para auxiliar no processo de
elaboração do luto na criança. Estes títulos incluem: "O Livro do Adeus"; "A Abelhinha Poli";
"Pode Chorar Coração, mas Fique Inteiro"; e, "As Meninas, a Vovó... e a Saudade de Quem
Foi Pro Céu". Ademais, sublinhou brinquedos e jogos terapêuticos, como: Desenho livre;
Família terapêutica; Criança na terapia: trabalhando o luto; Luto; e Caixa/Livro. Filgueira
concluiu seu estudo realçando que a morte é um componente intrínseco da vida das crianças e,
como tal, destaca-se a necessidade de fornecer cuidado e apoio embasados em abordagens
instrumentais e científicas para auxiliá-las na elaboração do processo de luto (Filgueira,
2021).
Além das técnicas e estratégias apresentadas, visando ampliar ainda mais essa
abordagem, a pesquisa de Camps (2022) ressaltou a importância de incorporar a família no
processo de luto da criança. Reconhecer a família como um elemento integral desse contexto
demonstra-se indispensável, uma vez que eles estão igualmente atravessando a mesma
jornada. A vivência conjunta dessa experiência não apenas fortalece os laços familiares, mas
também fornece um suporte mais sólido e coeso para a criança durante esse período delicado.
Por fim, percebe-se a importância de ressaltar que o psicólogo pode auxiliar a família
a compreender o seu papel diante dessa situação delicada e a tomar decisões cruciais. Isso
engloba escolhas como a participação no velório, a abordagem das conversas sobre o ocorrido
e a forma de acolher as angústias que surgem em relação à perda (Mendes; Costa, 2022).
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6 CONCLUSÃO
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recursos, a ludoterapia se destaca, pois permite que as crianças expressem seus sentimentos
por meio do lúdico, uma linguagem que vai além do oral. Além disso, filmes e livros também
se mostram eficazes como recursos terapêuticos, uma vez que permitem que a criança explore
suas emoções, identificando-se com personagens e situações vivenciadas.
O luto é uma experiência universal e as crianças não estão imunes a ele. A falta de
uma abordagem adequada sobre esse tema pode deixar as crianças vulneráveis e
desamparadas diante de uma das experiências mais desafiadoras da vida humana. Portanto,
esse estudo é de grande relevância, na medida que oferece uma perspectiva valiosa sobre
como a sociedade e os profissionais podem apoiar e compreender melhor as crianças
enlutadas.
As respectivas hipóteses apresentadas no princípio do estudo foram confirmadas, e as
referências utilizadas desempenharam um papel significativo no aprimoramento dos estudos
existentes sobre o tema, contribuindo para desmistificar o tabu em torno do luto infantil. No
entanto, é profícuo esclarecer que ainda há o que explorar, especialmente em relação às
intervenções psicoterápicas desenvolvidas no contexto da morte parental. Logo, para estudos
futuros, espera-se uma investigação mais aprofundada e detalhada com fomentos que
preencham essa lacuna existente.
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ANEXO A – PROTOCOLO DE REGISTRO DO TCC 1
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