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A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa

Duarte Paulo Meneses Marçal

Relatório Final de História do Direito


Mestrado em Direito e Ciência

Lisboa
2019

1
Índice
1. Introdução.................................................................................................................. 4

2. Parte I – Quadro Sociológico: A Situação Socioeconómica até ao Século XIV: As


Corporações Profissionais ................................................................................................ 5

2.1 As organizações corporativas na Europa e em Portugal ......................................... 5

2.1.1 Traços Gerais da Sociedade de Ordens: o Povo. .............................................. 5

2.1.2 Organizações Corporativas em Portugal e na Europa e os mesteirais. .......... 11

2.1.3 O debate acerca da existência prévia (ou não) de organizações corporativas.


............................................................................................................................... 177

3. Parte II - Quadro Politico: A organização Municipal da cidade de Lisboa .............. 199

3.1 A administração local municipal: Traços Gerais até 1383. .................................. 19

3.2 As instituições municipais de interesse local. ....................................................... 20

3.2.1 O concelho...................................................................................................... 20

3.2.2 O almotacé.................................................................................................... 244

3.2.3 Os alvazís ..................................................................................................... 255

3.2.4 Procurador do concelho, tesoureiros, contadores, e porteiros do concelho . 277

3.2.5 Vereadores .................................................................................................... 277

3.3 As instituições municipais de interesse central ................................................... 299

3.3.1 O Alcaide...................................................................................................... 299

3.3.2 O Mordomo .................................................................................................. 310

3.3.3 O almirantado ............................................................................................... 321

3.3.4 Almoxarife ................................................................................................... 322

3.3.5 Os ovençais .................................................................................................... 32

3.3.6 Meirinhos ....................................................................................................... 33

3.3.7 Corregedores .................................................................................................. 33

3.3.8 Os juízes de fora ............................................................................................. 34

3.4 Participação dos mesteirais nas instituições municipais antes da Crise de 1383 .. 35

4. Parte III :A Criação da Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa e a sua História .......... 37

2
4.1 Contexto Político da Crise ............................................................................... 37

4.2 A Criação da Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa ............................................ 40

4.3 A questão do número de profissões representadas na Casa dos Vinte e Quatro. . 44

5. O funcionamento da Casa dos Vinte e Quatro ........................................................ 45

5.1 A organização da Casa dos Vinte e Quatro ..................................................... 46

5.2 As Bandeiras .................................................................................................... 47

5.3 Os ofícios ......................................................................................................... 50

5.4 O arrumamentos dos ofícios ............................................................................ 52

6. Os órgãos da Casa dos Vinte e Quatro: Juiz do Povo e Procuradores dos Mesteirais
……………………………………………………………………………………..55

6.1 O Juiz do Povo ................................................................................................. 55

6.2 Os procuradores da Casa dos Vinte e Quatro .................................................. 58

7. Os Poderes, Prerrogativas e Atuação da Casa dos Vinte e Quatro ........................... 61

7.1 Os Privilégios e Prerrogativas.......................................................................... 61

7.2 Atuação da Casa dos Vinte e Quatro .................................................................... 63

8. Evolução institucional da Casa dos Vinte e Quatro ................................................ 70

8.1 Até ao Século XVI ................................................................................................ 70

8.2 Suspensão da Casa dos Vinte e Quatro ................................................................. 72

8.3 Séculos XVII e XVIII ........................................................................................... 75

8.4 Fim da Casa dos Vinte e Quatro ........................................................................... 77

9. Conclusão ................................................................................................................... 79

10. Bibliografia ............................................................................................................... 84

10.1 Fontes Manuscritas ............................................................................................. 84

10.2 Fontes Monográficas........................................................................................... 84

11. Anexos ...................................................................................................................... 89

11.1Esquema da organização da Casa dos Vinte e Quatro ......................................... 89

3
1. Introdução

Com este trabalho, realizado no âmbito da unidade curricular de história do direito,


propomo-nos a tratar o tema da Casa dos Vinte Quatro de Lisboa e a consequente
participação do “povo miúdo” - e, neste caso particular, dos mesteirais1 -, nesta nova
instituição política municipal, instaurada em 1383, por D. João I. Instituição essa que
depois se reproduziu noutras cidades portuguesas, com a criação de Casas dos Vinte e
Quatro em Coimbra, Santarém, Guimarães e Porto.
Abordaremos a origem desta instituição, a sua estrutura, poderes e evolução histórica,
de forma a compreendermos a razão da sua criação, objetivos e modo de
funcionamento.
Esta instituição política tem, desde logo, duas dimensões indissociáveis - por um lado, a
dimensão jurídico-político, por outro, a social. São indissociáveis, pois se a primeira
dimensão emerge da segunda, por outro lado, é a própria natureza política que influi na
dimensão social, moldando-a pela sua ação.
Para o estudo que aqui levamos a cabo, considerámos necessário analisar em primeiro
lugar a situação socioeconómica do povo até ao século XIV, uma vez que ela nos
oferece o substrato sociológico de onde as diversas instituições municipais emergem e
corporizam determinadas situações sociais. Em seguida examinamos o funcionamento
das organizações corporativas e explicamos o que eram o mesteirais, de onde irá
emergir a representação da Casa dos Vinte e Quatro, e tratamos, em especial, da sua
participação na vida municipal prévia à criação da Casa dos Vinte e Quatro; por fim,
dentro deste primeiro capítulo, aludimos ao debate acerca da existência (ou não) de
organizações corporativas anteriores a 1383, questão que nos permite compreender o
impacto da Casa dos Vinte e Quatro - ou em resultado da institucionalização política de
uma organização pré-existente, ou como verdadeiramente a criadora de organizações
profissionais, e emergente de situações de facto ausentes de organização jurídica
própria.

1
O termo “mester” é sinónimo da profissão mecânica, enquanto os termos “homens de mester” ou “homens de
mesteres” ou simplesmente “mesteres”/ “mesteirais” remetem para um profissional da indústria, mestres ou oficiais
de qualquer arte.

4
Com os traços gerais do povo e dos mesteirais já delineados, será necessário desenhar
os quadros do funcionamento do município de Lisboa, que nos revelam a arquitetura
administrativo-política, que a Casa dos Vinte e Quatro irá por sua vez ocupar, no
ordenamento administrativo, em especial aqueles que serviam uma função teleológica
de serviço das comunidades locais, daqueles que tinham um thelos central-régio.
Após a análise prévia destas duas dimensões fundamentais, passamos a tratar a questão
da criação desta instituição: o contexto político da crise ou revolução de 1383, o papel
dos ofícios mecânicos nos acontecimentos que culminaram com a subida ao trono de D.
João I, a criação da Casa dos Vinte e Quatro, organização, os seus órgãos, os seus
poderes e as suas prerrogativas. Por fim a evolução histórica institucional da Casa dos
Vinte e Quatro e a sua extinção.

2. Parte I – Quadro Sociológico: A Situação Socioeconómica até ao século


XIV: As Corporações Profissionais

2.1 As organizações corporativas na Europa e em Portugal

2.1.1 Traços Gerais da Sociedade de ordens: o Povo

As sociedades quanto mais complexas, mais tendem para uma estratificação social2, que
determina uma distinta valorização de cada membro social, variando conforme os
interesses coletivos, conscientes ou inconscientes de cada sociedade, que monta um
sistema social como mecanismo de recompensas e punições para obter de cada
indivíduo, ou de cada grupo, a realização de determinada função social, necessárias à
vida em sociedade.3 A forma de distinção pode assentar em critérios de natureza legal
quando a diferenciação resulta da própria lei, do estatuto social ou seja da valorização
que os grupos sociais irão atribuir a outros, em razão económica do grau de riqueza, do
poder político e de razões ideológicas. Perante estas diferenciações primárias podem,
em termos esquemáticos, definir-se três tipos principais de sociedades: de ordens, de
classes e de castas. Há, contudo, sociedades intermédias, impuras, no sentido em que
nelas podem convergir várias classificações, e, por sua vez, diferenciadas em diversos
2
Sobre as sociedades de Castas, Ordens e Classes, vide MOUSNIER, Roland; As Hierarquias Sociais, Publicações
Europa-América, 1969.
3
Ibidem, p. 7.

5
graus, níveis e categorias internos de cada sociedade, tendo cada tipo maior,
diferenciações fundamentais, conforme o tipo de bem ou de função que a sociedade
valoriza.
Deste modo, numa distinção simplificada, as sociedades organizadas em classes4, são
aquelas que estão divididas em grupos semiabertos, representando o tipo mais fluido, e
cuja posição de membro da sociedade está concatenada à relação que o indivíduo tem
com os meios de produção, riqueza e poder de consumo. A de castas5 organiza-se em
função do grau de pureza ou impureza religiosa, assumindo-se como o tipo mais
fechado, cuja mobilidade entre grupos é assaz difícil, uma vez que as castas são grupos
sociais hereditários onde a condição de cada um passa de pai para filho. Por fim, as
sociedades de ordens são aquelas que são divididas em grupos, distintos social e
legalmente, e onde valores como a honra e a dignidade, estão ligadas a determinadas
funções socialmente úteis ou desejáveis.6 Estas sociedades podem ser de vários tipos,
conforme as funções sociais, desde sociedades de ordens administrativas7, teocráticas8,
litúrgicas9, filosóficas10, tecnocráticas11 a militares.12
Tal como acontece em muitas outras sociedades do Ocidente medieval13, a sociedade
medieval portuguesa é uma sociedade tripartida, organizada em três ordens14 – oratores,
bellatores, laboratores. Se, por um lado, o clero sempre pretendeu afirmar a supremacia
dos oratores - enquanto detentores do poder espiritual -, a verdade é que, na sociedade

4
Ibidem, pp. 28-33.
5
Ibidem, pp. 22-27.
6
Ibidem, pp. 17-18.
7
Ibidem, pp. 80 e ss. Paradigmaticamente a China dos Mandarins, em que o topo da sociedade era ocupado por
burocratas.
8
Ibidem, pp. 91 e ss. Paradigmaticamente os estados papais, em que os membros do clero ocupavam as posições
cimeiras da hierarquia.
9
Ibidem, pp. 103 e ss. O melhor exemplo será o estado moscovita, séc. XVI, no qual o topo da sociedade era
distinguido pelo serviço ao autocrata, ou a sociedade de ordens do Império Romano na primeira fase do Dominado
(284 a.c – 476 d.c)
10
Ibidem, pp. 115 e ss. São aquelas que se organizam perante a adesão a uma determinada filosofia, tendo por
natureza duas fases, uma primeira em que a Sociedade é fluida em termos de mobilidade social, e esta mobilidade
acontece por intensidade de fé na ideologia, e uma segunda rígida em que os grupos de cristalizam. Exemplos destas
serão a sociedade da revolução francesa, o fascismo italiano, o nacional-socialismo alemão e o marxismo-leninismo
da URSS. Sobre os tempos das sociedades de ordens, vide Ibidem, pp. 41 e ss.
11
Ibidem, pp. 164 e ss, são aquelas em que fruto da complexificação social e económica, os técnicos formam uma
ordem, por ocuparem a mesma posição profissional, círculos sociais, e educacionais, e acabam progressivamente
mais cimeiros na sociedade. Apesar de ainda não existirem sociedade de ordens de tipo puro tecnocrático, é uma
tendência, que se tem vindo a assistir por exemplo em França, na segunda metade do séc. XX.
12
Ibidem, p. 56.
13
Entre os principais estudos sobre o assunto, veja-se Duby, Georges, As três ordens ou o Imaginário do Feudalismo,
Lisboa, Ed. Estampa, 1982 [original: 1978]. Para uma síntese do debate levado a cabo ao longo das últimas décadas,
veja-se: José D’Assunção Barros, «Trifuncionalidade medieval », Cultura [Online], Vol. 22 | 2006.
14
As próprias Ordenações Afonsinas, Livro I, no preâmbulo ao título LXIII relembram: “Defensores som huüs dos
tres estados, que DEOS quis, per que se mantevesse o Mundo, ca bem assy como os que rogam polo povoo chamam
oradores, e aos que lavram a terra, per que os homeës ham de viver, e se manteem, som ditos manteedores, e os que
ham de defender som chamados defensores” Ordenações Afonsinas, Livro I, Tit. LXIII,
http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/afonsinas/l1p360.htm

6
medieval portuguesa, em grande medida em resultado do seu surgimento no contexto da
reconquista, a função social principal residia no setor militar, nos bellatores, nos que
asseguravam a defesa da coletividade, o que se compreende em particular perante o
quadro internacional-regional da reconquista.
Na realidade, se juridicamente o clero e a nobreza são ambos grupos privilegiados, no
plano material-social os bellatores ocupam o lugar cimeiro, uma vez que eles exercem a
função valorada socialmente como mais essencial. 15
Contudo, a tripartição16 da sociedade de ordens encobre a estratificação e
heterogeneidade existente no seio de cada ordem. Para lá desta distinção tripartida, que
particulariza três papéis diferentes, plasmados por direitos e deveres sociais específicos,
existia uma grande clivagem dentro de cada ordem, essencialmente de índole social.
Neste trabalho, contudo, apenas trataremos do povo, ordem que seria descrita nas
Ordenações Afonsinas, como os “que lavram a terra, per que os homeës ham de viver, e
se manteem, som ditos manteedores” 17.

No que respeita à ordem não privilegiada, é preciso ter em primeiro lugar em conta, as
diversidades que resultam da distinção entre espaço senhorial e espaço concelhio. Na
realidade, na unidade política que caracteriza a sociedade medieval portuguesa
distinguem-se dois modelos de organização social e económica fundamentais: o do
espaço senhorial - centrado inicialmente no noroeste e litoral até ao Mondego - e o do
espaço concelhio – que parte do norte interior e Beiras e que, com a reconquista, se
alarga ao sul do país.

No espaço senhorial, a primeira distinção dentro do povo operava entre aqueles que
eram livres e os que eram semilivres ou servos.
Dentro da primeira grande categoria, na base da estratificação do povo, existiam os
servos18, estes inicialmente correspondiam, na prática, à situação de escravidão, sendo
aquelas pessoas a quem não se reconhecem direitos, não tendo por isso capacidade

15
O mesmo se verificava em França, MARQUES, Oliveira; A sociedade Medieval Portuguesa, Livraria Sá da Costa,
Editora, 3ª Edição, 1974, p. 66. Originários das zonas do pais despovoadas que eram pouco atrativas para a nobreza,
os cavaleiros-vilãos surge como uma verdadeira nobreza rural que realizava as funções de defesa coletiva, porém nas
cidades, este termo aparece mais pela valoração social de uma ordem, que por imperativo das circunstâncias, sendo
especialmente revelador da natureza das ordens à semelhança do que aconteceu em França. Veja-se que, em Portugal
e durante a reconquista, as elites populares são denominadas “cavaleiros-vilãos” - o termo cavaleiro remonta para a
ordem da nobreza.
16
Tripartição que é comum todos os povos indo-europeus.
17
. Ordenações Afonsinas, Livro I, Tit. LXIII, http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/afonsinas/l1p360.htm
18
Caetano, Marcello, História do Direito Português. 3a edição, Editorial Verbo, 1992, p. 180.

7
jurídica, nem de gozo nem de exercício, estando equiparado aos animais juridicamente,
podendo apenas ser objeto de direitos19. A necessidade de povoamento do território
levou a que muitos dos servos no norte de Portugal tenham sido libertados, tornando-se
no século XIII uma condição rara.20
A seguir a estes encontramos os semilivres, não eram servos, nem tinham as liberdades
idênticas aos homens livres, por um lado tinham personalidade jurídica, tendo
capacidade jurídica, exerciam direitos e contraíam obrigações, mas eram limitados em
alguns graus: não podiam deslocar-se à sua vontade, estando vinculados a um senhor.
São por isso denominados juniores, por oposição aos seniores. Dentro daqueles existem
os juniores de herdade, e de cabeça, os primeiros estavam ligados à terra cultivada por
eles, e residiam, podendo ser foreiros21, malados22, solarengos23, reguengueiros24,
conforme fosse a sua situação jurídico-económica.
Estavam vinculados a cultivar a terra de outro, e só podiam abandonar para se irem fixar
num outro sítio, e perdiam total ou parcialmente o que possuíam, a casa, o gado e bens
móveis.25 Deviam pagar um determinado tributo em função da terra que trabalhavam,
prestar determinados serviços, nomeadamente trabalhar na terra do senhor – as jeiras.
Por outro lado, dentro desta subcategoria social existiam os juniores de cabeça, que
tinham de viver dentro das terras de um senhor, não estando vinculados a nenhuma
parcela, podendo deslocar-se livremente dentro do senhorio, não pagavam impostos
prediais, mas por cabeça, podiam, no entanto, sair para fora das terras senhoriais. Sendo
que este regime jurídico operava, tanto de mobilidade ascendente, de servo da gleba
para o regime de juniores, como no sentido inverso, de homens livres, que sentindo-se

19
No início da monarquia portuguesa, a servidão total ou pessoal estava reduzida entre os cristãos, mas o contexto da
reconquista precipitou a entrada de muitos dos vencidos para esta ordem social, a titulo de servidão pessoal, existia a
servidão da gleba, herdeiras da estrutura económica da vila romana, na qual exista um senhor, que empregava os seus
servos nos trabalhos do campo, este é obrigado a cultivar a gleba, a pequena fração de terra que o senhor lhe confia,
este não será expulso sem justa causa e irá ser transmitida aos seus descendentes, devendo entregar determinada parte
da produção ao senhor, e certos serviços, fora estes, pode explorar a gleba como entender, não podendo no entanto
abandoná-la e quando esta é vendida, este também, sendo parte da universalidade da gleba. Este regime é pois mais
vantajoso que a servidão pessoal, ou seja a escravatura.
20
Marcello Caetano oferece-nos algumas razões, como o facto de existirem certos forais que deixavam os servos que
fugissem para determinado concelho gozar de liberdade, desde que ali conseguisse viver um ano e um dia; a
facilidade de fuga levava a que os senhores lhes dessem melhor tratamento, e darem-lhes a liberdade para
permanecerem nas terras.
21
O termo era de uma propriedade rural bem como o seu detentor, não estando vinculado à terra, podia abandoná-lo,
pagando metade dos bens que tivesse ganho. Tendo a obrigação de a cultivar, sob pena de confisco. Cf. SERRÃO, Joel,
Dicionário da História de Portugal, Vol. III, Livraria Figueirinhas, Porto, p. 57.
22
Aquele que servia na Maladia, este termo corresponde a uma relação de dependência entre a aristocracia e um
cliente, que tinham um vínculo com uma série de direitos e obrigações. Cf. SERRÃO, Joel, Dicionário da História de
Portugal, Vol. IV, Livraria Figueirinhas, Porto, pp. 143-144.
23
Os que trabalhavam no solar.
24
Aqueles que moravam nos reguengos, aqueles que exploravam as terras régias. Cf. SERRÃO, Joel, Dicionário da
História de Portugal, Vol. V, Livraria Figueirinhas, Porto, pp. 261-262.
25
Cit. CAETANO, Marcello; História (…), p. 184.

8
inseguros, contratavam a incomuniação, no qual o senhor tornava-se comproprietário
das terras, tendo de o defender e vingar, dessa proteção nascia o malado. Por fim, uma
terceira subcategoria eram os mancebos, criados de lavoura, serviçais, ou jornaleiros
assoldados que estavam na dependência dos seus amos.26
No mundo concelhio, distinguem-se, no quadro da reconquista os cavaleiros-vilãos27, a
elite popular que dará lugar aos homens-bons28. Os cavaleiros-vilãos tiveram um papel
importante em termos militares: eram proprietários de terras, gado e bens móveis,
contratando depois braços que as trabalhassem, que lhe permitiam sustentar um cavalo,
armas e armaduras e, assim, participar nos atos bélicos. Os cavaleiros-vilãos tendem a
imitar a nobreza, copiando o nome de cavaleiro29. São, assim, a elite do povo, numa
sociedade de ordens de tipo militar, onde o prestígio e a consideração dependiam da
realização da função mais importante – a guerra. Abaixo deles surgia a peonagem de
onde se destacam os besteiros, pelo seu relativo grau de especialização e importância.
Eram a tropa convocada pelo alcaide, eram isentos da jugada, mas que tinham, porém, o
estatuto de peões, sendo pagos em dinheiro. Com o fim da reconquista, a sua função
enquanto cavaleiro perdeu sentido e, assim os cavaleiros-vilãos deram lugar aos
homens-bons. Estes seriam os mais ricos entre os vizinhos, eram dotados de estatuto
jurídico especial, e de isenções de impostos especiais, e que tendiam a monopolizar os
cargos concelhios. O título “bonus homo” permite o acesso à Assembleia Municipal
sendo durante muitos anos, prerrogativa dos cavaleiros, mas como a evolução social,
económica e urbana, conhece já adesão dos mercadores e artesãos. 30 Dentro da
peonagem a grande maioria vivia em condições precárias,31 fornecendo o seu trabalho à
jorna na altura das ceifas. Nas cidades, alguns trabalham como mesteirais, dedicando-se

26
Ibidem.
27
Segundo Joel Serrão serão “ Os representantes da Aristocracia não nobre (…) típico produto da influência das
formas económicas muçulmanas sobre a sociedade cristã da Reconquista, ele tanto pode se um burguês como um
trabalhador rural, mas sempre homem livre e proprietário. Reside no montante dos bens a condição básica da
cavalaria vilã: bens que permitam a posse de um cavalo e armas para a prestação de serviço militar (fossado).” Cit.
SERRÃO, Joel, Dicionário da História de Portugal, Vol. II, Livraria Figueirinhas, Porto, p. 29.
28
Estes serão aos vizinhos num plano político-judicial, e no plano militar-social correspondem aos cavaleiros vilãos,
correspondem em suma aos mais ricos, aos mais respeitados chefes de famílias, aos mais honrados, àqueles que mais
detinham consideração social no seio de um povoamento. Com o tempo o termo passou o grupo dos mais ricos, e
devido ao prestígio derivado da condição económica aos próprios mesteirais, mas apenas a uma elite dessa classe.
Não obstante Cf. SERRÃO, Joel, Dicionário da História de Portugal, Vol. III, op. Cit.p. 222.
29
Coord. MATTOSO, José; História de Portugal, Vol. II, Círculo de Leitores, 1993, p. 222, Cf. Nota 12. Porém a sua
origem histórica não provinha da imitação, mas propriamente da função, uma vez que em determinadas zonas, que
não tinham interesse económico, tenham sido o próprio povo a assegurar a função de defensores e por isso tornando-
se uma nobreza no seio do povo. Cf. Também MARQUES, Oliveira; Nova História de Portugal. Portugal na Crise
(…), p. 264.
30
PRADALIÉ, Gerard, Lisboa (…), p. 91.
31
Coord. MATTOSO, José; História (…), p. 224.

9
ao trabalho artesanal e tirando dai o seu sustento, os mais numerosos serão os dos
mesteres dos sapateiros e alfaiates.
Este grupo apresentava-se como uma classe média, entre as elites populares, e os
assalariados, dedicados sobretudo aos ofícios mecânicos. Sobre estes iremos falar em
particular. De seguida, estavam mercadores de longa distância e os almocreves que
faziam circular os produtos a nível regional, fazendo uma verdadeira ligação entre o
mundo rural e o urbano, abastecendo vilas e cidades com as matérias-primas de que se
serviam os mesteirais. Na base do povo livre estavam os assalariados que viviam do
seu trabalho braçal e entre estes, uma pequena fatia daqueles que possuindo terras suas,
trabalhavam por conta própria.

Com o fim da reconquista portuguesa dos algarves em 1249 deixou de ser possível
adquirir riqueza através da pilhagem e das fossadas, o que terminava a estrutura social
virada para a economia da guerra, abrindo assim um novo ciclo nas estruturas
económicas do reino, baseada agora na troca e na produção. A moeda que durante a
baixa idade média era objeto dos reis e grandes senhores e existia quase limitada aos
centros urbanos, alastrou-se primeiro para as feiras e depois para as áreas rurais.32
Estas novas realidades transformaram, como referimos atrás, as elites concelhias: se
antes desta mudança de paradigma as elites populares eram os cavaleiros vilãos, estes
passaram a ser designados homens-bons, que invoca não a função militar, mas riqueza e
honra. Com o tempo iriam dedicar-se ao comércio.33
Estes homens-bons haviam de rentabilizar a terra, não apenas para autoconsumo, mas
para criarem excedentes de mercado, e obter moeda, o que facilitava a acumulação de
riqueza. Assim, estes eram habitantes das cidades e vilas, detentores de terras, numa
posição de riqueza que os distinguia dos moradores concelhios, a sua posição
económica e consideração social, levou a que estes assumissem mais magistérios de
concelhia, e as representassem nas cortes, em especial após as Cortes de Leiria de
1254.34

32
Coord. RAMOS, Rui; História de Portugal, 4ª Edição, A esfera dos Livros, Lisboa, 2009, p. 89.
33
Apesar da economia ser sobretudo agrária até ao século XIV, devido às técnicas agrícolas avançadas esta permitia
excedentes que seriam vendidos no mercado, dando espaço ao aparecimento de uma burguesia rural. Com as
conquistas de além do Tejo, o Reino Português incorporou as cidades muçulmanas que tinham já um comércio
desenvolvido, assim aumentou a circulação de moeda, o crescimento do artesanato que criou as condições da
burguesia urbana. Sobre esta questão vide OLIVEIRA ASCENÇÃO, José/ SERRÃO, Joel, Nova História de Portugal, Vol.
IV, Lisboa 1986, pp. 253-254. Cf. Também Coord. RAMOS, Rui. História (…), pp. 88-90.
34
Coord. RAMOS, Rui. História (…), p. 89.

10
Por fim existiam duas comunidades específicas, que não deixam de pintar a sociologia
da sociedade portuguesa e, em particular, do Portugal meridional, por um lado os
mouros, forros ou livres, por outro os judeus.
Quanto aos primeiros, no início da reconquista eram reduzidos à servidão, porém
conforme a guerra avançou para sul, este estatuto deixou de se coadunar com o modelo
de organização social concelhio. Assim, D. Afonso Henriques estendeu-lhes a proteção,
tendo os muçulmanos de pagar impostos especiais, e sujeitos a regimes jurídicos
próprios, e magistrados próprios - o alcaide dos mouros. Neste sentido, foi possível
manter uma população laboriosa nas cidades de Santarém e Lisboa.
Em relação aos segundos, estavam numa situação análoga aos dos muçulmanos, tendo
proteção especial, havendo uma comuna de Judeus, e inclusive a existência de uma
Sinagoga em Lisboa, estando assim sujeitos a regime jurídico próprio, exercendo muitas
vezes em nome do rei cargos especiais, o que aliás não representa uma exceção em
relação à Europa.35

2.1.2 Organizações Corporativas em Portugal e na Europa e os mesteirais.

Na europa as organizações profissionais ou guildas36 são de natureza muito


diversificada, remontam enquanto unidade organizacional aos collegia romanos37, que
começam aparecer um pouco por toda a Europa durante a Alta Idade Média, junto dos
centros urbanos, em especial durante o reinado de Carlos Magno do Sacro Império
Romano, que permitiu um crescimento demográfico e económico, o que permitiu uma
mobilidade pessoas e bens que não se assistia desde o Império romano. As guildas
podiam ser de dois tipos, as guildas de mercadores, e as guildas de artesãos. Ambas
eram dotadas de um ethos próprio, de solidariedade, justiça e honra no ofício, tendo
normalmente um cariz religioso.38 As guildas tinham, assim, como principal função,
regular determinada atividade, assistência mútua em caso de necessidade, e exerciam

35
Sobre o papel dos judeus na Europa cf. ARENDT Hannah, As Origens do Totalitarismo. Editora Bertrand, 2012.
36
Os nomes variavam bastante, no Norte da Europa eram denominadas Guildas, no germânico Gild (fraternidade de
guerreiros), em França jurandes ou maitrises, e em Itália artes ou maestranze.
37
BLACK, Anthony, Guilds and Civil Society in European Political Thought from the Twelfth Century to the Present,
Methuen & CO.LTD, Londres,1984, p. 3.
38
Idem, pp. 12-16.

11
pressão política de cariz setorial de cada atividade económica.39 No entanto, não eram
despidas de atividades religiosas e altruístas. Os fenómenos destas organizações
profissionais, variou bastante perante fatores contingenciais e conjunturais, existindo
locais onde que estas organizações conseguiram o controlo efetivo da governação e do
aparelho administrativo, e fizeram depender o exercício de direitos do burgo na
inscrição corporativa. Situações destas ocorreram no norte da Europa em especial na
Hansa, e na Itália40, em especial as Guildas de mercadores, enquanto noutros locais se
limitaram à eleição de procuradores em órgãos de administração local-municipal. Em
todo o caso, teriam sempre poderes disciplinares em relação aos membros, e de
autorregulamentação da profissão, impondo preços ao público, e tabulando a produção.
As guildas de artífices, não tinham a natureza oligárquica das de mercadores, eram sim
“um corpo associativo, inspirado pelo espírito cristão, dotado de disciplina própria, e
cuja finalidade era a defesa dos interesses profissionais junto dos poderes públicos, a
regulamentação da profissão e convivência dos membros.”41
Em Portugal, no campo, as atividades mecânicas ou industriais eram desempenhadas
pelos próprios trabalhadores rurais, que iam satisfazendo as suas necessidades, cozendo
o pão, tratando e curtindo as peles, fabricando vestuário e construindo a casa, o que
mostra uma falta de complexidade social pela fraca divisão do trabalho; nos senhorios
rurais, havia, por vezes, servos especializados para cada uma destas tarefas.
Nos meios concelhios urbanos, os artífices aparecem geralmente como homens livres
especializados numa tarefa - sabemos pelo foral de Lisboa que esta cidade em 1179 já
contava com tratadores de peles – os peliteiros, padeiros, oleiros, sapateiros e
pescadores.42
Sabemos que em relação a outros países europeus, que em Portugal, na Baixa Idade
Média, a produção mecânica não assumia um papel relevante, devido, em parte, à
escassez de matérias-primas que permitissem a sua transformação, não havendo um
verdadeiro movimento de importação de outros locais, à semelhança do que se passava
na Flandres, ou nas ricas cidades italianas.43

39
MACKENNEY, Richard, Tradesmen and Traders, The World of Guilds in Venice and Europe, Croom Helm Ltd,
Kent, 1987, p. 1.
40
ALBUQUERQUE, Ruy de / ALBUQUERQUE, Martim de, História d Direito Português, VOL. I 1ª Parte, 10ª Edição,
Lisboa 1999, p. 689.
41
Cit. Idem, p. 691.
42
Caetano, Marcello, História (…), p. 198.
43
Oliveira Marques, Nova História de Portugal: Portugal na Crise(…), p. 115. Como nos diz este autor: “ A
organização industrial muçulmana, se houvesse persistido sem quebra em todo o Meio-Dia português, teria condições
para aguentar esse confronto ( com as outras cidades europeias). Porém o seu inevitável declínio, era já um facto na
segunda metade do século XIII, depois das destruições da Reconquista, da fuga ou da morte de muitos artificies, das

12
Enquanto os forais pouco nos oferecem sobre os oficiais mecânicos, outros documentos
já nos fornecem alguma informação,44 permitindo compreender a importância de certos
grupos de mesteirais. De acordo com o estudo de Gerard Pradalié sobre Lisboa, o grupo
de mesteirais mais referenciado na documentação medieval são os sapateiros, em
seguida os alfaiates, especializados no linho, os peleiros, os correeiros, depois os
ferreiros, e os tanoeiros. O estudo revela a existência das atividades mecânicas
orientadas apenas para suprir as necessidades locais.45 Certo é que será durante o
reinado de D. Sancho II que os mesteres se vão agrupar em bairros, como a Ferraria, e a
Carniçaria, tendo já ruas próprias46, o que será também indicativo das organizações
surgirem naturalmente na proximidade geográfica, de atividade e objetivos comuns.
O crescimento exponencial de Lisboa47 apenas vem a acontecer quando esta é
estabelecida enquanto cidade principal (de certo modo, poderemos já falar de uma
capital) após a conquista do Algarve em 1249, uma vez que era já um importante porto
mercantil. Com a ascensão desta cidade, o centro do poder deslocou-se para sul, e o Rei
colocou a sua Chancelaria Régia em Lisboa.

O termo “mesteirais”48 tem por base uma heterogeneidade de profissões. Aparecem


como classe média urbana, situados entre os homens-bons e os assalariados, na base, e
correspondem em suma aos ofícios mecânicos, de artesanato e indústria, mas abarcam
também os pequenos comerciantes, como almocreves, e carniceiros, trabalhadores rurais
como almuinheiros, e mesmo, dentro deste conceito lato, também os pescadores. A sua
existência dependia do trabalho da urbe e do seu grau de desenvolvimento económico.
Existe muito pouca documentação sobre estes, e só se conhecem sete textos sobre os
discursos que fizeram, todos em corte e na primeira pessoa49. Nunca foram em grande
número quando comparados com os lavradores50. De acordo com Oliveira Marques, nos
grandes centros urbanos rondavam os 10% da população, no século XIV51.

dificuldades ao livre florescimento do trabalho mouro, e sobretudo da quebra ou rarefação das ligações económicas
com os centros produtos de matérias primas em todo o Islam.”. cit., p. 115.
44
Cf. A venda feita pela confraria dos ferreiros de uma casa situada na paróquia de Nicolau em 1229 in Pradilé,
Gerard, Lisboa (…), p. 148.
45
Idem, Ibidem, p. 65.
46
Idem, Ibidem.
47
Idem, Ibidem, p. 73.
48
Este termo etimologicamente, advém do latim, ministerium que era o oficio, e o escravo que o realizava o minister,
em português designava-se mister, mester, e mesteiral. Cf. Também Oliveira Martins, A sociedade (…), p. 136.
49
Mattoso, José História (…), p. 413.
50
Oliveira Martins A sociedade (…), p. 138. Não havia mais de uma dúzia de ferreiros na primeira metade do século
XIII, e trinta para o final deste século.
51
Oliveira Marques, Nova História de Portugal: Portugal na Crise(…), p. 115.

13
Com a peste negra de 1348 e a revolução social que originou52, os ofícios mecânicos
passaram por grandes dificuldades. A peste, reduziu a mão-de-obra dos campos, o que
gerou uma diminuição de alimentos; as quebras da moeda, fizeram diminuir o poder de
compra; as guerras fernandinas de 1369-1370, 1372-1373 e 1381-1382, trouxeram a
devastação às zonas das cidades fora das muralhas.
Devido à mortandade sem precedentes, concentração de riqueza por via sucessória, e
falta de mão-de-obra, os trabalhadores rurais, sabendo que haviam poucos braços, e
alavancados nos ditames na lei da oferta e na procura no valor do trabalho, exigiam
salários cada vez mais altos, bem como um êxodo rural rumo aos centros urbanos. Em
Portugal é promulgada uma lei em 1349 que determina que em casa freguesia, dois
homens bons, procedam ao recenseamento de todos os que antes trabalhavam na
agricultura, ou nos ofícios; estes teriam de voltar aos antigos trabalhos, tendo sido
implementadas leis cada vez mais dirigistas, e limitadores, como a proibição de viajar
entre terras, o trabalho obrigatório, a proibição de mendigar. Exemplo significativo
destas medidas é a lei das sesmarias de 1375, promulgada por D. Fernando.
Não obstante a peste, a cidade de Lisboa cresceu, passando de 14.000 habitantes
distribuídos em sessenta hectares no fim do século XII para 35.0000 habitantes em
oitenta hectares em 137053, tendo os mesteirais sido fruto da complexificação e
especialização do trabalho, inerente ao desenvolvimento económico. Maria Helena da
Cruz Coelho mostra-nos, a título de exemplo, como as profissões que englobavam
diversas funções deram lugar a uma especialização: os ferreiros que trabalhavam os
metais deram lugar aos ferradores, aos alfagemes, aos armeiros e aos cutileiros, dos
curtidores das peles, apareceram os correeiros, seleiros e albardeiros, os dos
carpinteiros, os calafates e tanoeiros.54
José Mattoso apresenta-nos um quadro mental dos mesteirais, através dos anseios que
revelam nos capítulos que apresentam em Cortes. Eles mostram-se como opositores das
elites populares, mas não estão ansiosos de as substituir, antes “aquilo que realmente
pretendem é ser nas câmaras municipais, olhos, ouvidos, e voz dos miúdos, dos

52
Cf. Robinson/ Acemuglo, Porque Falham as Nações: Origens do poder, da prosperidade e da riqueza, Bertrand,
2013.
53
Cf. Silva, Carlos Guardado, Lisboa Medieval. A organização e estruturação do espaço urbano. Editora Colibri,
Lisboa, 2008.
54
Coelho, Maria Helena da Cruz, “O povo – a identidade e a diferença no trabalho”. In Marques, A.H de Oliveira/
Serrão Joel, e Coelho, Maria Helena da Cruz/ Homem, Armando Luís de Carvalho, Nova história de Portugal. Vol.
II. Editora Presença, Lisboa 1998, p. 281.

14
excluídos e dos marginalizados”55, conscientes da sua própria pequenez, social e
económica perante as elites concelhias.
Uma vez que, dentro da ordem a que pertencem, os mesteirais estão socialmente
colocados entre as elites e os “mais miúdos”, a oposição sentida surge dos dois lados.
Por vezes, são objeto de diversos antagonismos, sendo acusados de cupidez material56,
sendo, desde os primeiros tempos da nacionalidade conotados com os mouros e judeus,
acusados de subverter os preços, e da mão-de-obra. Com a mudança de paradigma
económico, e crescente urbanização, passaram a ser vistos como rivais das elites locais,
de onde poderiam surgir novos poderosos, que poderiam destronar as oligarquias, e
monopólios de classe57 dentro da ordem do povo, o que motivou diversas queixas em
cortes.58
Na verdade, no que se refere às elites concelhias, há uma tendência ao fechamento e à
tentativa de impedir a ascensão de outros grupos. Esta oligarquização foi tendencial na
Europa. No estudo sobre o assunto, Marconi Costa conclui:
“Portanto, em toda a Europa Ocidental, ocorre um processo que pode ser compreendido
de acordo com o que Max Weber chamaria de um “fechamento social” (Weber, 1978:
40-43), que se desdobra na institucionalidade dos governos locais das cidades medievais
na forma de uma oligarquização. Esse fechamento se dá em um processo no qual uma
coletividade busca monopolizar as vantagens sociais obtidas por esse espaço
privilegiado, limitando o acesso a um número restrito de eleitos. O processo, porém, não
acontece sem conflitos, que ocorrem entre os inseridos e os excluídos dessas relações.
Essa tensão ocorre tanto dentro da institucionalidade, de forma pacífica, quanto em
59
ações contenciosas por parte dos excluídos.” E continua, afirmando: “Do fim do
século XIII até o fim do seguinte, a Europa Ocidental passou por uma série de revoltas
populares, que polarizou os grandes, patriciado, elite, maiores, oligarquia, popolo
grasso, senhores em oposição aos petites, artesãos, grupos populares, menores, arraia-
miúda, popolo minuto, camponeses. Como resposta a uma conjuntura generalizada de
55
Cit. Mattoso, José História (…), p. 413.
56
Idem, p. 414.
57
José Mattoso discute a questão se foram de facto ou não uma classe social dentro da ordem do povo, concluindo
que a nível nacional ou regional nada prova que o seja, porém a nível local, das cidades e vilas, em relação aos
homens-bons, não deixariam de o ser. Mattoso, José, História de Portugal (…), pp. 419-420.
58
Idem, p. 415. De acordo com Mário Farelo, “É sintomático desse antagonismo que as cartas de privilégios do grupo
dos mesteirais ou as suas cópias só se encontrem no arquivo régio. A documentação do arquivo municipal sobre esta
questão reflete, salvo raras excepções, a posição dos outros membros do Concelho, geralmente expressos em agravos
endereçados ao rei ou ao infante dentro e fora das Cortes.” Farelo, Mário, A oligarquia camarária (...), p. 70, nota
387.
59
Cit. Marconi Costa, Bruno, Experiência social e resistência em Portugal no século XIV – as revoltas dos mesteirais
e a oligarquia camarária de Lisboa, in Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, Actas del IV Congreso
Internacional de Jóvenes Medievalistas Ciudad de Cáceres 2016, p. 121.

15
peste, escassez de alimentos, guerra, alto custo de vida, restrição de espaços
governativos, em meio ao rumor e ao pânico, trabalhadores urbanos e rurais levantaram-
se violentamente contra os poderes estabelecidos.”60
Tal antagonismo era particularmente relevante, pois os homens bons que dominavam os
órgãos concelhios, e, nas reuniões camarárias, fixavam preços, concediam licenças, que
correspondiam às almotaçarias. Ao mesmo tempo os homens bons elegiam o almotacé
que fiscalizava estas disposições, sendo assim legisladores e executores da atividade dos
mesteres.
Sobre a organização dos ofícios, pouco se sabe para o período anterior a 1489, dada a
escassez de documentos escritos, e a variedade de profissão para profissão. Sabemos
porém tardiamente em 1788 se contavam com vários graus: mestre, oficial, aprendiz,61 o
que corresponde à estrutura base das guildas de artesãos de outras sociedades europeias
medievais, o que nos aponta para não existência de mudanças estruturais em Portugal na
hierarquia.
Quanto à orgânica destas associações, diz-nos Marcello Caetano que nos assuntos de
maior importância os oficiais se reuniam numa assembleia geral do ofício, denominada
ajuntamento, consistório ou cabido, mas nem sempre esta assembleia elegia as
autoridades ou “magistrados” dos ofícios.62
Regra geral, tinham dois juízes, com a função de visitar e corrigir as tendas, ou seja,
verificar se eram observadas as regras para o exercício de profissão, podendo em caso
de violação dos preceitos mesteirais, aplicar sanções previstas com a ajuda do almotacé
das execuções ou o meirinho.
Eram dotados de um escrivão, que acompanhava os juízes e registava os atos praticados.
Poderiam possuir dois mordomos63, que convocavam os oficiais para as assembleias e
puniam os que faltavam, sendo a pena depois executada pelos juízes. Guardavam a
bandeira do ofício, os castelos e insígnias que o ofício levava na procissão do corpo de
Deus, e arrecadavam receitas e ordenavam despesas.64 Não se podendo confundir este
mordomo com o mordomo concelhio, que tinha funções públicas, o mordomo
corporativo tinha apenas jurisdição interna. O examinador era fundamental, uma vez
que dependia deste o exame de mestria e admissão de novos mestres, em alguns

60
Cit. Marconi Costa, Bruno, Experiência social (…), p. 118.
61
Langhans, Paul-Franz, A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa – subsídios para a sua história, Imprensa nacional de
Lisboa, 1948, p. 39.
62
Caetano, Marcello, A antiga (…), p. 13.
63
Sabemos com certeza a existência destes nos regimentos dos tecelões, de 1559. Cf. Ibidem.
64
Idem, Ibidem.

16
regimentos a função era exercida por juízes, e noutros por mordomos. Por fim os
eleitores: havia casos em que os oficiais não tinham capacidade eleitoral, cabendo assim
aos eleitores votar a gerência da corporação. Podiam ainda ser conselheiros dos juízes e
dos mordomos em todas as matérias importantes que não carecessem da assembleia dos
oficiais. As funções eram anuais e não podiam ser imediatamente reeleitos no ano
seguinte. Finda a eleição iriam até à Câmara tomar posse, restar juramento, e lavrar
auto.

2.1.3 O debate acerca da existência prévia (ou não) de organizações corporativas.

Está pacificado entre os historiadores a existência das confrarias, que são as associações
de assistência religiosa e solidariedade que entre ajuda os membros e familiares dos
membros em caso de necessidade. Em Lisboa aparecem as confrarias de ferreiros, pelo
menos em 122965, sendo Lisboa o local onde se concentravam mais confrarias de
mesteirais. Estas confrarias tinham várias reuniões, hierarquia interna e regras
estatutárias, que além das questões da fé, levavam a uma sociabilidade dos confrades.
Não se sabe ao certo, porém, se existiram ou não organizações corporativas anteriores
ao século XII e XIII, mas sabe-se decerto que existiram antes de 1385. Tal deve-se
sobretudo à ausência de documentos escritos que o comprovem66, lançando entre os
autores a querela de saber se a organização corporativa precede a Casa dos Vinte e
Quatro ou dela é uma consequência. Tal questão é assaz importante neste trabalho, uma
vez que nos ajuda a entender os fatores que levaram à criação da Casa, e aos seus
impactos futuros.
A defender a tese que a organização corporativa não está na causa da Casa dos Vinte e
Quatro, mas é a sua consequência, está o Professor Marcello Caetano.

65
Pradalié, Gérard, Lisboa (…) p. 148.
66
Os primeiros regimentos, que aparecerem são de 1489, que dizem respeito aos borzeguieiros, sapateiros,
chapineiros, soqueiros e curtidores da cidade de Lisboa. Neste regimento estipulavam-se algumas disposições
relativas à profissão, que ilustram o objeto destas organizações profissionais. A título exemplificativo: Nenhum
mestre poderia dar trabalho a obreiro ou aprendiz salvo pelo preço que era costume, pago à semana; Nenhum mestre
poderia consentir que fosse lavrada obra sem o seu conhecimento e verificação; Nenhum mestre poderia contratar
aprendizes por dinheiro, mas sim por tempo, um moço até 12 anos por quatro anos, com mais de 12 por três. Cf.
Oliveira Martins, A sociedade medieval portuguesa, pp. 142-143.

17
Segundo este autor67 até 1384 apenas existiam as confrarias de finalidade sobretudo
religiosa, que constituam hospitais que recebiam inválidos de mester, peregrinos e
viajantes. Durante o século XV apenas existia a decisão de 1391 de D. João I68 que, a
pedido da Câmara de Lisboa, dividia os Mesteres em ruas, por exemplo as ruas dos
correeiros, dos sapateiros etc. No entendimento deste autor, a razão principal para se
afirmar a inexistência de corporações será o facto de não existir um único documento
que o comprove, esta apenas aparece com o regimento dos sapateiros de 1489.69
Do outro lado desta querela encontram-se Ruy e Martim de Albuquerque70. Discordam
que a organização corporativa tenha resultado da participação política institucionalizada
uma vez que, apesar da inexistência de documentos, existem vários indícios que
apontam para a tese de que a organização corporativa precede a Casa dos Vinte e
Quatro. Estes podem ser enumerados do seguinte modo:
i) O espírito do ofício era por natureza disciplinador, logo seria difícil pensar neste sem
uma estrutura orgânica e regras que a disciplinassem.
ii) Não se pode reduzir a ordem jurídica à norma, uma vez que existem outras fontes de
direito, que não tem necessariamente que ser positivadas, e não obstante tem o mesmo
valor, o que nos permite apontar para a possibilidade de existência de regras jurídicas,
não normativas strictu sensu.
iii) A existência de interligação de interesses, fruto das relações de vizinhança,
propriedade comum, obras de beneficência, bem como de comuns preocupações
económicas, aponta-nos mais para a existência de uma organização corporativo do que
para ausência desta.
iv) Talvez no século XII e decerto no século XIII já existiam confrarias de base
profissional, para socorro mútuo dos confrades e realização de obras de assistência
mútua de espírito religioso cristão.
v) Existem documentos do século XIII e XIV que mostram a fundação de hospitais
dotados de órgãos próprios, e organização capacidade para arbitrar querelas entre os
associados.
67
Caetano, Marcello, História (…) pp. 409-503. Veja-se também Cruz, António, “A Casa dos Vinte e Quatro, in
(Serrão, Joel, dir.), Dicionário de História de Portugal, vol. I, Lisboa, Iniciativas Editorias, 1963, pp. 515-516.
68
Nas palavras da carta régia de 13891, “servindo «ao bom regimento e maior formosura e nobreza da cidade» [de
Lisboa]”, citado por Oliveira Marques, A sociedade medieval portuguesa, p. 139.
69
Caetano, Marcello, História (…), p. 503, e também Caetano, Marcello, A antiga organização dos mesteres da
cidade de Lisboa. Imprensa Nacional de Lisboa, 1942, p. 9. “ O mais antigo regimento escrito que até agora temos
notícia data de 1489 e diz respeito aos borzeguieiros, sapateiros, chapineiros, soqueiros, e curtidores.” Oliveira
Marques também corrobora esta opinião, afirmando que “em Portugal não existiram corporações antes de finais do
século XV e a regulamentação integral dos mesteres só se verificou nas centúrias seguintes”, Portugal na Crise dos
Séculos XIV e XV, p. 117.
70
Albuquerque, Ruy de/ Albuquerque, Martim de, (…) pp. 694-695.

18
vi) A existência de ruas com nome de Mesteres em outras cidades aponta já para a
existência de agregações profissionais, por exemplo em 1167 a rua dos Sapateiros em
Guimarães, o mesmo se verificava em Santarém e no Porto no século XIII e XIV, o que
nos permite deduzir que a decisão de 1351 de criação das ruas de Mesteres não foi uma
inovação.
vii) Outros documentos apontam-nos para a existência prévia à criação da Casa dos
Vinte e Quatro de organizações corporativas, como o facto de D. João I ter-se
comprometido a ter dois procuradores ou representantes dos ofícios mecânicos que
fossem “homens bons e letrados”, para lhe darem conselho na aplicação de posturas e
tributos municipais. A participação de mesteirais nas Assembleias de Conselho em
1284, 1290, 1326, 1311, 1354 e 1356 em Lisboa, e em 1368 no Porto, e o documento de
abril de 1384 do relato do paço de Montemor-o-Novo, em que estavam presentes,
juízes, regedores, procuradores, vereadores, homens bons representados, “sapateiros,
“braceiros” e profissões artesanais, indicando estruturas de princípio orgânico
corporativo. Assim, para estes autores, a Casa dos Vinte e Quatro não precede a
organização corporativa, mas sim oficializa-a, institucionaliza-a e dota-a de participação
política.
Tendo de tomar posição neste debate, aproximamo-nos mais da posição de Ruy de
Albuquerque e Martim de Albuquerque, não apenas por motivos aritmético-
argumentativos, mas por natureza qualitativa. Perante a ausência de provas, a conclusão
será a declaração de desconhecimento, e deste partindo para a tese, neste caso, parece-
nos que pelos argumentos de existência de ofícios, provados pela documentação
supradita, que seria difícil pensá-los sem uma respetiva natureza orgânica e dotada de
regulamentos; se relativamente aos regulamentos apenas podemos inferir, no que diz
respeito à orgânica podemos ter já mais alguma convicção, uma vez que a representação
ter de acontecer necessariamente por algum mecanismo de escolha, e este incidir sobre
as profissões.

3. Parte II - Quadro Político: A organização Municipal da cidade de Lisboa

3.1 A administração local municipal: Traços Gerais até 1383.

19
A administração local durante o período medieval tem de ser compreendida em função
dos dois modelos de organização social: o senhorial e o concelhio. Quanto ao nosso
trabalho apenas vamos tratar a segunda.
A administração local concelhia tem como características a territorialidade com a
função delimitadora da organização política, a relativa autonomia do poder central, por
lhe ser reconhecida uma ordem jurídica própria definida no foral e dotada de
magistrados eleitos que sobre o município exercem autoridade. Estas características são
marcadas, contudo por uma certa heterogeneidade, pois dependem do conteúdo do foral
e circunstâncias históricas da sua constituição. No entanto, como muitos autores
afirmam, não se pode entender que a existência do concelho dependia obrigatoriamente
da carta de foral, pois este existia materialmente enquanto organização local uma vez
que “o uso immemorial bastava para se lhe reconhecer a legitimidade”.71
Quanto às instituições municipais existem várias possibilidades da sua sistematização,
seja em relação à natureza rotativa e temporalmente limitada, ou não rotativa e de tempo
indeterminado, ou por critérios cronológicos do aparecimento destas instituições: neste
nosso trabalho optámos pela divisão finalista, ou seja, em razão do tipo de interesse que
as instituições prosseguem: se os interesses locais, se o interesse central, de forma a
isolar, por um lado, aquelas que tinham como thelos o município e, por outro, aquelas
de interesse nacional ao servir o Rei. Dentro de cada divisão ordenamos
cronologicamente, de forma a entender o aparecimento e desenvolvimento de cada
instituição político-administrativa.

3.2 As instituições municipais de interesse local.

3.2.1 O concelho

O principal órgão desta instituição político-administrativa era o concilium ou


concelho72, que era a assembleia dos moradores de determinada circunscrição

71
Cit. Gama Barros, Henrique da História da Administração Pública Portuguesa nos séculos XII a XV, Tomo V 2ª
Ed., Editora Livraria Sá da Costa, Lisboa 1948, cit. p. 11.
72
Medina, João, História de Portugal Dos Tempos Pré-históricos aos Nossos Dias, Vol. III, Ed. Ediclube,1998, p.
326.

20
administrativa. Nesta não estavam englobados todos os moradores, mas apenas os
vizinhos, ou seja os homens-bons que eram titulares de habitação dentro dos limites do
município durante determinado tempo73, possuíam profissão certa, uma idade mínima e
pagavam impostos, excluindo do concelho os restantes. Numa definição negativa,
estavam excluídos do concelho: os homens não-livres, os que habitavam os reguengos –
os reguengueiros, e aqueles de foro especial como os mouros, judeus, os membros do
clero e da nobreza, existindo porém lugares em que aqueles eram permitidos participar,
enquanto a participação destes dependia da renúncia dos privilégios de ordem e a
sujeição às leis dos comuns.74 Os vizinhos estavam assim ligados ao concelho por uma
teia de direitos e deveres específicos do município, que não se confundiam com os dos
outros concelhos, sendo dotados de leis próprias. Esta relação jurídico-espacial só veio a
ser alterada nível interno com a sobreposição do direito régio sobre o municipal.75
Na prática, o denominado “povo miúdo” e os mesteres não tinham participação neste
órgão, uma vez que este era dominado por grandes mercadores, proprietários ou
cidadãos abastados que integravam na categoria de “homens-bons”, que eram a elite do
povo. Gerando uma tensão social entre o grupo quanto ao concelho, almejando estes
menor publicidade e substituição por órgãos mais restritos, enquanto aqueles desejavam
maior publicidade e mais ampla participação, o tempo viria a dar a vitória aos primeiros
como iremos ver mais à frente.76
Reunia em lugares eminentes do município, tais como praças, adros da igreja, e árvores
antigas, podendo ser convocadas por emprego de pregões ou marcadas em dias
definidos.77
O concelho funcionava como instituição máxima da administração local, tendo
atribuições de administração da generalidade dos assuntos de interesse local,
nomeadamente atribuições judiciais que foram-se modificando com o tempo,78/79

73
Sobre a participação nos órgãos concelhios,vide, Sousa Melo, Arnaldo, Os mesteirais e o governo municipal do
Porto nos séculos XIV e XV, in La Governanza de la ciudad europa en la edad media, Gobierno de La Rioja, 2011,
pp. 323-330,
74
Caetano, Marcello História do Direito Português, 4ª Ed. Editora Verbo, Lisboa/ São Paulo 2000, p. 223.
75
Mattoso, José, História de Portugal, (…) 2º Vol., p. 219.
76
Hespanha, António Manuel Curso de História das instituições, Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa 1978, p.
360 e 361. Sobre a definição de Homens-Bons, vide Herculano, Alexandre História de Portugal,9ª Ed., VIII, p. 297
ss.
77
Albuquerque, Ruy de & Albuquerque, Martim de, História do Direito Português, vol. I, 10ª Edição, Edição Pedro
Ferreira, p. 633.
78
Sobre a questão das classificações dos municípios para determinar as suas funções judiciais, temos por um lado
Alexandre Herculano que os divide, em rudimentares, imperfeitos, e completos, atendendo ao critério da
complexidade, e atendendo à magistratura jurisdicional, tendo em conta o número de magistrados. Assim nos
completos existiriam mais do que dois, nos imperfeitos existe um ou nenhum sendo neste caso a função feita pelos
homens-bons. No mesmo sentido Roberto Durand e o Professor Torquato de Sousa Soares que os vai dividir em
urbanos, rurais e distritais, mas mantém o critério. Contra estas teses de complexidade, temos Dr. António Matos

21
deliberações de obras públicas - paradigmaticamente infraestruturas como pontes e
estrada, a feitura das posturas municipais –, as regras gerais que funcionavam como
direito complementar ao direito foraleiro, e eleição dos alcaides e outros magistrados do
município, nomeadamente os juízes que auxiliavam a assembleia do concelho a aplicar
a justiça, os almotacés que tinham funções de policiamento e saneamento, bem como de
assegurar o abastecimento da cidade a fiscalização de preços, os sesmeiros que
repartiam os terrenos pelos vizinhos, os mordomos que cobravam os impostos. Fora
estes existiam uma panóplia de funcionárias menores que dependiam da extensão e
complexidade do município.80
Com o tempo e devido principalmente à crescente complexificação da administração
municipal, alguns concelhos aumentaram o número de juízes, que fruto da dificuldade
de decisão em assembleia, levou à institucionalização, algures entre 1332 e 1340, de um
colégio de cinco ou seis homens-bons – os vedores, mais tarde vereadores, com funções
de administração concelhia, desde os impostos ao policiamento e justiça. Nestas sessões
estavam presentes além dos seis vereadores, dois ou três juízes, almotacés, o
procurador, o tesoureiro, escrivães e a partir de certa altura os mesteres, que iremos
analisar abaixo em pormenor. 81
Os juízes e vereadores eram eleitos nos concelhos, havendo vários processos de eleição
a saber: a direta, indireta, a que carecia de confirmação régia ou senhorial, e a cooptação
entre o bispo ou senhor. Sabemos, no entanto, que D. João I vem a instituir um sistema
de escolha que perdurou durante o antigo regime, o chamado sistema de pelouro, este
adveio dos problemas, corrupção e inimizades que a eleição dos oficiais gerava, e
consistia essencialmente num sistema misto de designação pela “aristocracia municipal”
por sorteio e confirmação régia, na qual era feita uma lista dos homens-bons cujos
nomes eram sorteados, ficando os restantes para o ano seguinte, de tal como que após
alguns séculos antiga estrutura de vizinhos de cariz amplo, ficou reduzida a uma

Reis, que baseia a crítica no estudo sincrónico destes autores, preferindo uma abordagem diacrónica, de análise
histórico-evolutiva, ao invés de classificações estáticas destas instituições, preferindo assim um critério cronológico,
encontrando os elementos comuns, a saber: a base da administração da justiça assenta no concelho. i) Nos municípios
pequenos aplicava a justiça, ou em alternativa um juiz externo por nomeação do Rei ou do Senhor no caso de crimes
mais graves. ii) Nos municípios de certa dimensão existe um juiz que no primeiro quarto do século XII é eleito. iii)
Por fim existiam aqueles com um alfoz externo que dividido em colações possuía um corpo de magistrados chamados
alcaides, que o auxiliavam e substituíam. Sobre esta questão, ver Albuquerque, Ruy de & Martim, História do Direito
Português(…), pp. 589-591, e Matos Reis, António Origens dos municípios portugueses, 2ªedição, Livros Horizonte,
pp. 18-20.
79
Espinosa Gomes da Silva, Nuno História do Direito, Edição da Associação Académica da faculdade de direito de
Lisboa, Lisboa 1965 p. 140.
80
Albuquerque, Ruy de & Albuquerque, Martim de, História do Direito (…), pp. 634-635.
81
Hespanha, António Manuel, Curso de História das instituições, (…)., p. 366.

22
oligarquia monopolizada por um número reduzido de famílias que alternavam nos
cargos de administração municipal.82
Esta oligarquia fica evidente quando se passou das reuniões públicas nos adros das
igrejas e nas praças, para uma sala, para uma câmara, onde tinham assento o grupo dos
juízes e vereadores. Quando os assuntos eram fundamentalmente importantes,
chamavam-se outros, os homens bons, ricos e experientes, em exclusão dos nobres e do
clero que não exercem magistraturas municipais, em suma a elite dos comuns,
excluindo o “povo miúdo”, os mesteirais, os restantes.

Pouco nos é dito no foral de Lisboa de 117983, o facto de tradicionalmente o concelho


tratar das questões judiciais e de não existir qualquer referência no foral levanta duas
hipóteses: ou essa função já existia por via do direito consuetudinário e tornando a
referência desnecessária ou a conquista recente de Lisboa impunha um maior controlo
do poder central deixando a jurisdição para o alcaide e o mordomo.
Com o flagelo da peste, o concelho adquire a função de nomear dois homens bons para
recensearem a população e saberem tanto para o campo como para os mesteres quantos
estariam válidos para trabalhar, tendo estes que trabalhar no ofício que tinham antes da
peste, pelos salários taxados pelo concelho, caso estes não desejem fazer o mesmo, deve
o concelho deliberar. Os salários devem ser publicados, e em caso de violação são
sancionados com uma coima.
O concelho deve também eleger dois homens bons, para fiscalizarem o cumprimento
das posturas para execução da lei e punir o incumprimento. Por outro lado, para
responder às alterações socioeconómicas das relações laborais resultante da peste, na
qual agricultores e pastores apenas queriam trabalhar às semanas ou aos meses, o
concelho terá agora o poder de obrigá-los ao serviço anual, fixarem o salário, e
condenar os senhores que os empreguem e não paguem o devido.
82
Idem, p. 369.
83
A administração municipal de Lisboa nos moldes institucionais do reino de Portugal, é fundamentalmente
estabelecida no foral atribuído por D. Afonso Henriques em 1179, trinta e dois anos depois da conquista cidade.
A doação do foral a esta cidade é feita em simultâneo com a cidade de Santarém e Coimbra, o que levou certos
autores, nomeadamente Alexandre Herculano e Torcato Sousa Soares a considerar uma fórmula única, pela natureza
da sua complexidade. De acordo com a classificação de Herculano, apresentavam-se como municípios perfeitos.
Contudo, Marcello Caetano vem a discordar da fórmula única, e negar a inspiração das instituições lisboetas das do
foral de Coimbra, pois este tinha disposições especificas, já que fruto de uma revolta de 1111, obtivera um foral do
Conde D. Henrique, lhe atribuía autonomia quase total, em especial o direito de não serem executados sem
julgamento em concelho inter pares, o juiz e os alcaide seriam escolhidos entre os naturais, bem como o facto dos
infanções não poderem ter casas ou vinhas em Coimbra exceto se habitassem naquela terra e suportassem os mesmo
encargos dos vizinhos. Tais disposições não estão previstas no foral de Lisboa de 1179 o que acarreta principalmente
vantagens para a nobreza e o clero. A título de exemplo o foral determina que o clérigo “que for encontrado com
alguma mulher, a pratica ação vergonhosa, (turpiter), não lhe ponha o mordomo a mão em cima, nem o prenda de
maneira nenhuma, embora possa prender a mulher, se quiser”83

23
As reuniões do concelho até 1336 faziam-se no Adro da Sé de Lisboa, a partir desta data
começa a ser no paço do concelho, numa câmara ou sala. Tal tem importância capital,
porque demonstra que se torna menos público, e que os vereadores foram lentamente
substituindo a assembleia de homens bons, e por outro lado porque nasce a prática das
reuniões serem feitas numa sala ou câmara, mostrando o percurso centralizador e de
especialização das funções da administração municipal. Por outro lado, nas assembleias
revela-se a participação de cavaleiros, homens bons, cidadãos e mesteirais.
Nas cortes de 1352, os homens bons queixam-se que os vereadores deliberam sem eles.
Os vereadores ficam então obrigados, a convocar a assembleia municipal, ouvir os
homens bons para a elaboração das posturas e resolução de assuntos graves,
contrariando os usos de centralização.
No reinado de Fernando não existem registos de reuniões do concelho, o que demonstra
que o concelho estava a fazer outra vez o seu caminho de restrição dos intervenientes, e
menor participação do povo miúdo.

3.2.2 O almotacé

Eleito pelo alcaide enquanto representante do rei e pelo próprio concelho,84 direito
depois confirmados por D. Sancho I, em 1204.
Uma carta de D. Dinis revela que havia o costume deste ofício fosse desempenhado
anualmente por doze cidadãos, um por cada mês do ano, sendo os dois primeiros
provenientes dos alvazis do ano anterior.85 Sabe-se também os processos intentados
contra os almotacés, apenas deveriam ser julgados em sede de concelho, e não pelo
tribunal da Corte.86
Na lei de 134887 a ordenação distingue almotacés menores e maiores. Estes devem ser
eleitos no início do ano ao mesmo tempo da eleição dos juízes, pelos vereadores com
mais doze homens bons, fidalgos e cidadãos, escolhendo doze almotacés, um para cada
mês, sendo apenas elegíveis, os melhores, os mais honrados e sem cobiça que
existissem no concelho, bem como sem encargos de outros ofícios para que, em

84
“ et almotazaria sit de concílio, et mittatur almotaze per alcaidem et per concilium ville” cit, Caetano, Marcello, A
Administração Municipal de Lisboa durante a 1ª Dinastia, in separata da «Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa » Vol. VII. Lisboa 1951, p. 17.
85
Idem, idem.
86
Idem, p. 53.
87
Idem, idem.

24
exclusividade, pudessem realizar estes da melhor forma possível. Em relação aos
primeiros e aos porteiros dos almotacés, estes são acusados de não cumprirem o
juramento e de criarem laços de amizade com quem deviam fiscalizar, assim o Rei
determinou que se escolha melhor estes funcionários e sirvam por apenas um mês.
Por outro lado estes devem proibir os subalternos do alcaide, dos alvazis, e de outros
poderosos, de tirarem carne ou peixe do mercado antes de este ser pesado e almotaçado.
Os mesteirais ficam sujeitos à almotaçaria, e como por vezes aqueles não cumpriam os
preços tabulados, cabia ao alcaide, aos juízes e ao almotacé, imporem o cumprimento
das posturas da almotaçaria, que tenham sido deliberadas pelos homens bons e os
vereadores. Para fiscalizar esta execução são designados pelo concelho os vedores 88 que
aplicam coimas aos transgressores.
Estas disposições não serão tanto uma inovação, mas antes uma positivação daquilo que
eram os usos da comunidade local. 89
Em suma o almotacé ocupava-se do artesanato, da fiscalização e policiamento dos
mercados, dos pesos, medidas e preços.90

3.2.3 Os alvazis

Eleitos anualmente pelo concelho, constituam o tribunal presidido pelo alcaide,


funcionando como órgão judicial a quem os munícipes tinham de recorrer em caso de
litígios penal ou civil, retirando deste modo ao mordomo a função de juiz da ação
declarativa. No entanto, não parecem ter sido criados pela carta de 1204, que é primeira
referência que temos a esta instituição, pelo contrário, a carta apenas faz referência à sua
existência e não serve base constitutiva.
Na carta de 1227 de D. Sancho II no contexto de desordem que foi palco o início do seu
reinado, a sua autoridade é reforçada. A carta denota o estado de ausência de eficácia da
justiça de Lisboa, em especial que os magnates e os alcaides impediam os alvazis de
administrar a justiça às ordens não privilegiadas, nomeadamente os pobres e os mouros
e judeus.91 Para responder aos conflitos, D. Sancho II vai consolidar a autoridade dos

88
Não se devem confundir com os vereadores, uma vez que estes deliberam, e os vedores devem fiscalizar e
sancionar o incumprimento.
89
Caetano, Marcello, A Administração Municipal de (…)., p. 79.
90
Pradalié, Gerard, Lisboa: (…),.p. 54.
91
Vide Carta Régia de Junho de 1227 (D. Sancho II) “(1) Os vizinhos disseram-me que por causa dos magnates da
cidade os vossos alvazís não tem força para fazer justiça e para emendar os agravos feitos ao pobres, (rancuras
pauperum): mando firmemente que nem os alcaides nem outros maiorais os impeçam de administrar a justiça e
queles que os impedirem sejam considerados meus inimigos, expulsai-os da cidade, e confiscai-lhe quanto
possuírem, isto por meu mando. ” Idem p. 131.

25
alvazis, ao declarar que quem impeça a justiça destes seja considerado inimigo do Rei,
expulso da cidade, e que os bens sejam confiscados; deste modo cria mecanismos que
podiam fazer frente às elites da cidade e à arbitrariedade do alcaide régio.
Em novembro de 126492 é deliberada pela Cúria de Coimbra a lei de D. Afonso III que
prossegue no caminho de consolidação do poder dos alvazis, em detrimento dos
alcaides,93 permitindo o exercício das suas prerrogativas e nomeação sem a interferência
deste.
Com aumento dos pleitos, surgiu a necessidade de especialização dos juízes. Na carta
régia de D. Dinis de 1295 são criados os alvazis dos judeus e dos ovençais, sendo
eleitos dois pares anualmente pelo concelho de Lisboa, um par para os litígios entre
judeus e cristãos, o outro para os pleitos com os ovençais.94 A dupla terminologia
advém principalmente do facto de serem os judeus a exercerem as funções de
funcionários da coroa na coleta de crédito. As suas funções apenas são clarificadas na
carta régia de 13 de dezembro de 1313, que determina que os mordomos rendeiros
apenas poderiam cobrar as dívidas vencidas no ano seguinte perante os alvazis dos
ovençais.95
Em 1299, na carta régia de 28 de janeiro, D. Dinis vem a criar os alvazis dos órfãos,
dotados de escrivão próprio que seria um tabelião. Esta magistratura era anual, cabendo
aos alvazis do ano anterior, passado o seu mandato, passarem a funcionar como
almotacés. Tinham as funções de instituir e substituir os tutores dos órfãos bem como
supervisionar as tutelas.96
O estatuto dos alvazis foi-se incrementando, sendo cada vez mais aliviados das suas
tarefas, em parte devido à complexificação do concelho, que permitiu aos alvazis
delegar num ou mais homens bons o juízo de determinadas causas; por outro lado,
demandar um alvazil em juízo ou seu tabelião apenas era possível perante o tribunal da
Corte.

92
Sobre a Lei de 1264 vide Idem p. 32.
93
Sobre estas restrições consultar pagina x, sobre as limitações dos alcaides.
94
Vide Carta Régia de 30 de abril de 1295 “ E eu sobre (e)sto tiue por bem com outorgamento do Concelho de lixboa
que esse Concelho, em cada huũ ano enleia dous pares d(e) aluzys homẽes boons quaaes birem que mais
conuenhauees e melhores podem ser que aguardem a mym os eus direitos e ao poboo os seus E que humm par destes
aluazys ouça as demandas que forem ante uos e os cristãos E o outro par ouça as outras contendas todas asi como foy
e he de foro d(e) uso e costume dessa cidade lixboa.” Idem, p. 132.
95
Idem, p. 50
96
Vide Carta Régia de 28 de janeiro de 1299. Idem, p. 133.

26
Nas cortes de Santarém de 133197 surgem algumas alterações que reforçam ainda mais o
seu poder. dado que os alvazis de origem popular e sem educação jurídica, eram presa
fácil quando perante eles advogavam cavaleiros e clérigos, o Rei proibiu então estes de
advogarem perante juízes municipais; exerciam depois nos tribunais ad hoc, os
denominados juízos de graça, devido ao facto de serem nomeados pela graça do
soberano.98 Importante é a descoberta do alvazil-cidadão que é referido no artigo 30º
das cortes; este vem a ser esclarecido nas cortes de 1389 mostra que existia um costume
de um dos alvazis sere de origem popular e o outro fidalgo.
Em 1348 é feita uma lei99 que determina que os alvazis, os porteiros e procuradores
residam nas vilas, e não se ausentem sem serem substituídos; determina também a
proibição e punição de perturbação de audiência in concilio.

3.2.4 Procurador do concelho, tesoureiros, contadores, e porteiros do concelho

Os procuradores aparecem na carta régia de 3 de dezembro de 1296100, eleitos pela


assembleia de homens bons e representando a própria assembleia na Corte e com
terceiros. A nível concelhio funcionam como representantes dos interesses públicos
concelhios, defendendo os interesses, património e créditos do município, sendo autor
de litígios e requer a forma pública de determinados documentos.
Os tesoureiros surgem da necessidade de anotar as receitas, despesas, créditos e dívidas
municipais. Pela carta de 1313101 sabemos que era prerrogativa do concelho nomear
estes dois ofícios, mas o Rei avoca para si a escolha do tesoureiro e deixa a escolha do
escrivão ao concelho, prestando contas aos contadores do concelho.
Os contadores do concelho, são referidos na carta de 1313, que nos indica que tomavam
as contas ao tesoureiro e escrivão, e fiscalizavam a fazenda municipal por delegação da
assembleia de homens bons. As funções acabariam por passar para os vereadores.
Os porteiros do concelho, também surgem no tempo de D. Dinis; são fixados em
número de vinte, sendo de exclusiva jurisdição municipal, e funcionando também como
pregoeiros. Em 1328 são em número superior.
97
Capítulos especiais da cidade de lisboa apresentados às cortes de 1331 in Caetano, Marcello, A Administração
Municipal de Lisboa (…), p. 141
98
Caetano, Marcello, A Administração Municipal de Lisboa (…). p. 60
99
Idem, idem.
100
Idem, idem. Cf. Carta de 3 de dezembro de 1296, C. M. L., I, p. 111.
101
Carta de 13 de dezembro de 1313, C. M. L., I, p. 119.

27
3.2.5 Vereadores

Os vereadores inicialmente denominados vedores, aparecem no regimento dos


corregedores de 1340102, que é, no entanto, uma cópia de uma ordenação que é anterior
a esta data. Estes são chamados de homens bons. De acordo com conteúdo do regimento
quando aos veadores, podemos concluir que: são cinco ou seis em número e colocados
pelos corregedores; devem tratar e deliberar todas as coisas que forem do vereamento da
vila, decidindo por maioria; resolvem disputas que os juízes locais tenham dúvida,
também por maioria; devem prestar juramento que agir em benefício do concelho;
devem aplicar penas aos almotacés que agiram mal no exercício das suas funções; no
caso particular dos padeiros e carniceiros que se obriguem perante o Concelho a realizar
a sua profissão se a quiserem abandonar em menos de um ano, devem ser obrigados
pelos vereadores a responder pessoal ou patrimonialmente; se tomarem conhecimento
da chegada há mais de dois dias de alguém estranho à freguesia, devem dar
conhecimento ao juiz para que este apure a identidade do recém-chegado; deverão
guardar as ruas e apurar se aí vivem feiticeiras, mulheres de sorte ou alcoviteiras, e, em
caso de descoberta, devem dar a conhecer ao corregedor; quando na vila ou no julgado
ocorrer morte ou furto devem dar a conhecer a outras vilas e ao corregedor; devem
ocupar-se dos muros, das pontes, calçadas e fontes por serem de interesse comum de
determinada comunidade, averiguar se existem receitas para a manutenção e, caso não
existam, devem ocupar-se do assunto com o menor dano possível; têm, por todas as
suas atribuições, de responder ao corregedor.103
Em Lisboa a primeira menção que recebemos desta instituição data de 1339, quando se
faz referência a “cinco homens bons jurados do concelho” 104
A aplicação da lei deve, porém, ter sido de pouca duração, pois em 1342 já se faz
referência a dois vereadores no Concelho de S. Martinho de Mouros, e sensivelmente na
mesma data, 1342 ou 1344, surge a referência a três vereadores de Lisboa.105
As razões de criação desta instituição são-nos avançadas por Marcello Caetano: por um
lado a impossibilidade da assembleia municipal deliberar sobre todas as questões

102
Sobre o regime dos vereadores no regimento dos corregedores, vide Idem, pp. 71-75, e sobre o regimento dos
corregedores integral pp. 158-174.
103
Idem, idem.
104
Cit, idem, p. 76.
105
“Dom affonsso, pela graça de ds, Rey de Portugal e do algarue, a uoos aluaziis e vereadores de lixboa, saude” in
Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos para a História do Município de Lisboa, 1ª Parte Tomo VI, Typographia
Universal, Lisboa 1891, p. 564.

28
administrativas, por outro lado devido à excessiva sobrecarga da administração da
justiça pelos alvazis especialmente em resultado da criação de nova legislação, em que
já não bastava aplicar a experiência e conhecimento dos costumes, mas obrigava a uma
certa preparação jurídica. Sendo, por isso, natural a especialização de funções nos
vereadores.106
Da lei de 1348107 resulta a proibição dos vereadores de acumularem outras funções
públicas e serão escolhidos entre os homens bons, de honra não questionável.

3.3 As instituições municipais de interesse central

3.3.1 O Alcaide

A primeira menção ao alcaide surge no foral de 1179 de Lisboa. Representa o Rei,


comanda o castelo e os fossados, exerce a jurisdição sobre os valeiros, e tutela a justiça
e os negócios comuns. Participa na eleição do almotacé, e nomeia o alcaide menor que
tem como funções ajudá-lo e substitui-lo, e o porteiro do alcaide que é o oficial de
diligências; recebe ainda um tributo a alcaidaria.
Em 1179 aparece alcaide dos navios108 com funções de jurisdição sobre quem usava o
mar e os rios, nomeadamente os marinheiros e pescadores. Em 1227, por carta régia, é
retirado ao alcaide dos navios, agora chamado alcaide do mar, a tutela judicial sobre os
pescadores, marinheiros entregando-os aos alvazis, assim como os judeus e mouros
passam a poder ser julgados por estes. 109
A lei de 1264, de forma a limitar os abusos e usurpação de poder dos alcaides, institui a
proibição das práticas dos alcaides de levarem para o castelo os mouros escravos
acusados de um crime, e apenas os libertarem se os donos por eles pagassem. Evitando
assim o juízo dos alvazis, a lei obriga assim que seja imediatamente entregues aos
alvazis, reduz também o número de alcaides menores para apenas um, que será proposto
pelo alcaide-mor e votado em concelho reunidos com os alvazis.
106
Caetano, Marcello, A Administração Municipal de (…)., p. 77.
108
Vide na carta régia de 1204, “(2) Nem o Alcaide da Vila, nem o dos navios, nem outro (…)”. Idem p. 124.
109
Vide Idem “(4) Mando que os Marinheiros, pescadores, mouros e judeus respondam ante os alvazís nas demandas
que lhes sejam movidas, e aqueles sob cuja proteção estiverem submetam-nos ao Direito comum e, se não quiserem,
os alvazis que os constranjam, executando quanto possuam, a que se cumpra o Direto.

29
O alcaide também está proibido de coagir o concelho durante a eleição dos alvazis ou
mostrar preferência por um candidato, devendo por isso na votação encontrar
concordância com o concelho.
Em relação ao processo judicial, o alcaide não pode prender arguidos em condições de
prestar a fiança, e no caso em que esta não é admitida, que o detido seja presente aos
alvazis para que estes o interroguem e permitam a constituição de advogado nomeado
pelo réu ou oficioso. Em relação ao processo executivo, o alcaide também estará
proibido de realizar as funções dos mordomos e de ordenar penhoras.
Em suma esta lei mostra o aumento das funções judiciais do alvazil, e a limitação das
funções do alcaide ao policiamento e presidência dos órgãos concelhios, como
fiscalizador em nome do Rei.
É também nesta altura tentado resolver o problema da jurisdição de conflitos entre
judeus, mouros e cristãos, que não ficou resolvido com D. Sancho II. D. Afonso III
estabelece o critério do foro do réu: sendo o autor da ação mouro e o réu cristão, a
questão era resolvida pelos alvazis, no caso inverso seria resolvida pelo alcaide dos
mouros, criado nesta altura; o mesmo operava com os judeus, sendo no caso de réu
judeu a questão era resolvida pelo arrabi dos judeus.110
Nas cortes de Santarém de 1331111 chegam novamente ao Rei as queixas do século
anterior: os alcaides prendiam os munícipes no castelo sem os apresentar aos alvazis,
cobravam emolumentos para dar segurança aos que a pediam, faziam prisões arbitrárias,
nomeiam como alcaide menor homens que não eram vizinhos. O Rei novamente
determina que sejam imediatamente levados aos alvazis de dia, e, se de noite, devem ser
apresentados logo pela manhã; determina também que o alcaide-menor seja vizinho e de
boa reputação. Em face da luta pela eleição relativamente livre dos almotacés e dos
alvazis sem interferência dos alcaides, o Rei, em Cortes, manda que se respeite a livre
eleição por parte dos alcaides, dos cavaleiros e dos grandes, que podem agora ser
expulsos das assembleias.
Surge o alcaide dos adiceiros - estes eram mineiros do ouro de Adiça, com jurisdição
própria.
No reinado de D. Fernando, devido às necessidades bélicas, os alcaides voltam a ter
mais poder na cidade, regressando a velha querela da influência nos juízes e nas suas
decisões, que o Rei vai considerar como positivas para garantir a ordem.
110
Caetano, Marcello, A Administração Municipal de (…)., pp. 33-34.
111
Ibidem, p. 141.

30
Em 1374 sabemos que existe um alcaide dos mouros, com dois homens à sua
disposição: um para guardar os prisioneiros, e escrever as provisões, outro para fazer as
citações.

3.3.2 O Mordomo

Aparece também pela primeira vez no foral de Lisboa, tendo como funções prosseguir
os interesses fiscais e judiciais da Coroa, tendo a superintendência da cobrança de
impostos do Rei, executando as dívidas vincendas dos devedores, penhorando os bens
do devedor, atuando como juiz da ação declarativa e da ação executiva, por outro lado
tem funções policiais, a titulo de exemplo se o mordomo encontrar uma mulher a ter
relações com um membro do clero, pode prender a mulher,112 por outro publicita o gado
perdido, e caso não exista quem o reclame, este fica para si. Possui os saiões como
agentes que o ajudam nas funções.
O mordomo nas cartas régias de 1204 e 1210 aumentou de número pelo facto de agora
ser referenciado de forma plural.113 Tendo como função representar a Coroa nos pleitos
do interesse desta. Mas apenas o porteiro alcaide cita os réus e não os saiões, no entanto
os mordomos executam as sentenças. As cartas mostram inúmeros conflitos entre os
órgãos, de os mordomos prenderem pessoas fora da vila, e fazerem execuções sem
julgamento prévio municipal.114
Acaba por ter os poderes e funções limitados com a criação do almoxarifado115, que fica
assim com o poder de executar os devedores do fisco condenados perante o tribunal,
ajudados por escrivães e beleguins que formavam os “homens do mordomo” 116.
Nas cortes de Santarém de 1331 chegam ao rei também queixas do mordomo, queixam-
se que este arrendava o mordomado, criando dois mordomos-rendeiros, cada um com
uma loja, escrivão e homens para si, prendiam os devedores, não os apresentavam aos
alvazis, e exigiam bens como pão e vinho, o Rei determina o cumprimento do foro de
Lisboa e proíbe as prisões abusivas.

112
Matos Reis, António Origens dos municípios (…), pp. 18-20.
113
“E mando os meus mordomos que não lancem pedidos na vossa vila ou fora dela.”. Idem.
114
Vide Carta Régia de agosto de 1204, (D. Sancho I) “(3) Os meus mordomos não sairão fora da vila para prender
homens, nem para os roubar ou forçar;” e também vide “(7) Os mordomos não penhorem nenhum homem antes de o
citarem para ser julgado no concelho perante o alcaide e os alvazis.” Deste modo se nota as queixas que se fizeram
chegar ao Rei para que fosse necessário tais disposições. Idem, p. 125.
115
Cf. Com pagina x sobre o almoxarife.
116
Idem p. 47.

31
Tais queixas mostram pouca modificação dos costumes e instituições municipais em
termos substantivos, os abusos das autoridades mantiveram-se.

3.3.4 O almirantado

D. Dinis, em 1298, altera o estatuto dos marinheiros, que se até estavam sob a jurisdição
do alcaide do mar, D. Dinis vai criar o Almirantado que vem a ter superintendência
sobre os marinheiros que adquire funções judiciais e de comando, se bem que as
competências judiciais só vêm a ser mais claramente delimitadas na carta régia de
1325117, de onde decorre que o Almirante e o Alcaide do Mar julgam de todos os pleitos
não criminais, e o Alcaide e os alvazis julgam os crimes.

3.3.5 Almoxarife

O almoxarife de Lisboa advém do termo árabe al-moxarif que significa ilustre, nobre,
inspetor, intendente, aparecendo referencia a esta instituição desde D. Sancho II, tendo
como função a superintendência da fazenda da Coroa, em especial dos reguengos, num
determinado distrito. Sabe-se também que na administração dos reguengos estava um
mordomo e que cobrava os créditos da Coroa e um vigário que servia como juiz e
administrador, para a quem cabia o recurso das decisões deste último seria ao
almoxarife de Lisboa. Além destas funções de superintendência e de recurso judicial,
inspecionava também as portagens nas alfândegas e do arrendamento de terras do Rei,
este era ajudado por escrivães que além de registarem as receitas, formavam com o
almoxarife um tribunal coletivo.
Com o tempo, acabam por ficar com grande parte das funções do mordomo, que ficaram
reduzidos a um papel subalterno. Nas cortes de 1331 aparece o almoxarife da madeira e
o escrivão da madeira, que tinham jurisdição apenas sobre este recurso, o que denota a
sua importância para levar a uma especialização de magistraturas.

3.3.6 Os ovençais

32
Com a especialização de cobrança de créditos da Coroa surgem os ovençais, que são um
conjunto de funcionários nomeados, que são não taxativamente: os porteiros da
portagem, os dizimeiros, os sacadores das dívidas dos Rei, os relegueiros, os jugadeiros
etc. O termo ovença tem origem eclesiástica, designava os cargos económicos
dependentes do mosteiro. Na administração pública importou-se o termo, para indicar
quem cuidava de parte do património da Coroa.
As fontes dão-nos informação da sua existência desde D. Sancho I, pela carta régia de
1210.118

3.3.7 Meirinhos

Os meirinhos aparecem no reinado de D. Afonso III com funções de inspecionar as


províncias em nome do Rei. Eram fidalgos escolhidos pelas suas qualidades
administrativas e capacidade de corrigir injustiças, de mandato vitalício; em data incerta
foi-lhes atribuído o primeiro regimento, fixando os limites de intervenção. Declara-se
neste regimento que os meirinhos não tolham a jurisdição do mordomo, do porteiro ou
do juiz, e só quando fossem estes magistrados constituídos arguidos podia o meirinho
substituir-se ao julgador.119

3.3.8 Corregedores

Os corregedores eram nomeados entre os letrados de mandato trienal e também foram


dotados de regimento próprio em 1332. Tinham como função conhecer as dar a querelas
em tribunal por meio dos tabeliães e dar-lhes seguimento, receber as queixas contra a
autoridade e os as elites locais, agir contra os que ocultam crimes, prender criminosos à
solta, perseguir os desordeiros, inquirir almoxarifes, escrivães, porteiros e sacadores
sobre o exercício das suas funções; providenciar o povoamento das terras, inspecionar
castelos e prisões, e escolher os juízes locais. Podiam atribuir cartas de

118
Vide Carta Régia de 14 de novembro de 1210 “ concedo homibus obedientialibus, meis de ulizbonaa” Note-se que
as obedientiae eram os ovençais. Idem p. 126.
119
Idem, pp. 67-68.

33
segurança,120exceto quando o visado incorria em pena de morte; verificavam também se
os tabeliães cumpriam as suas obrigações, etc.121
No reinado de D. Fernando, de forma a centralizar o poder em si mesmos, os
corregedores passam a ser a primeira autoridade municipal. Coube ao corregedor
supervisionar a construção da muralha fernandina.

3.3.9 Os juízes de fora

Os juízes de fora parte, ou juízes por el-rei, ou juízes de fora, aparecem no contexto da
peste negra, devido à elevada taxa de mortalidade e ao multiplicar de testamentos de
bens a favor da igreja, o que reacendeu a velha questão de quem tinha autoridade para
abrir e executar os testamentos, se era a espada régia, se o báculo de S. Pedro.
Numa lei de 1349, o rei proíbe a apresentação de testamentos a vigários episcopais, e
que sejam entregues aos juízes régios. No entanto, os juízes eleitos no concelho, mal
preparados devido a necessidade de homens bons que não tenham perecido, não tinham
a força para enfrentar o clero, seja pela influência que estes exerciam, seja no caso dos
mais audazes da falta de preparação intelectual perante um clero das letras. Em grande
medida por essa razão, o rei cria os juízes de fora, por ele nomeados, que eram de fora
do concelho, logo não pertenciam à comunidade dos vizinhos, revestidos pela
autoridade do rei, e genericamente letrados.
Os concelhos queixaram-se da perda de prerrogativa de elegerem os seus juízes,122 que
eram pagos pelo concelho, pelo que o Rei acabou por ceder e atribui-lhes o direito de
eleger juízes e alvazis segundo cada foro. Note-se que o flagelo da peste negra já estava
distante, mas, se estes juízes apareceram por razões circunstancias, nos argumentos do
rei123 existem problemas patológicos das instituições eleitas, talvez por essa razão em
1356 são restabelecidos no momento de um novo surto de epidemia; em 1361 voltam os
concelhos a queixarem-se dos juízes de fora, e o novo rei, D. Pedro I volta a prometer

120
A segurança era a garantia dada ao ameaçado por intermédio de intimação do ameaçador a não exercer vingança
sobre o ameaçado, e conformar-se com o julgamento dos tribunais públicos. Caso o autor se recusava a segurar o
ameaçado o corregedor castigava-o. Tais disposições foram feitas para evitar a vingança privada.
121
Caetano, Marcello, A Administração Municipal de (…)., p. 70.
122
Tais queixas aparecem nas cortes de 1352 em Coimbra. O rei veio a argumentar em relação à prerrogativa, que
não era em seu prejuízo mas seu benefício, por um lado devido a estes juízes terem muitos amigos e parentes, por
outro pela questão dos testamentos e por fim para se resolver casos que ainda não tinham sido resolvidos, dando
celeridade à justiça. Quanto ao pagamento, diz aos concelhos que terão mais a ganhar com a ação dos juízes com a
cobrança de rendimentos atrasados do que terão de despender em salário.
123
Ver nota supra.

34
respeitar a tradição, mas as sucessivas queixas em Cortes são reveladoras da
permanência dos juízes de fora.

3.4 Participação dos mesteirais nas instituições municipais antes da Crise de 1383

A participação dos mesteirais no concelho de Lisboa, não era de forma alguma inédita,
sendo que muito antes dessa data, este corpo médio do povo já há muito fazia ouvir a
sua voz.
Estes participam várias vezes nas assembleias do concelho, nos assuntos que são de
interesse geral do município, em especial naquelas que envolve impostos, a defesa da
cidade, terrenos concelhios, feiras, e eleição de alguns magistrados. Vejamos então as
referências aos mesteirais no concelho de Lisboa.
Durante o século XIII, durante uma assembleia concelhia de 1244, um alfaiate chamado
Vicente Pais, fala a título de testemunha num processo judicial.124
Em 1285 o concelho teve a sua primeira participação popular na forma dos mesteres. Os
últimos anos de Afonso IIII foram marcados por um conflito entre o rei e o concelho.
Finda a guerra civil e a conquista do Algarve, o monarca, veio a residir mais
permanentemente na cidade de Lisboa e pretendia além de controlar a cidade, obter
grandes rendas. Na carta escrita ao Papa125, o clero deixava claro as queixas dos
populares: o rei ocupara os terrenos municipais e particulares, para ali construir
edifícios, dos quais obtinha rendas para a Coroa; por outro lado implementava mercados
e açougues régios e proíba a compra de géneros noutros locais, aumentando assim os
rendimentos à custa do povo.
Em 1273 o rei cede e permite a realização de uma feira um dia por semana. Durante
grande parte da década de 70 houve um sistemático desrespeito pelo foral de Lisboa, o
que levou a que no reinado de Dinis se convocasse uma magna assembleia em 1285,
para resolver as questões pendentes. Segundo o tabelião João Mendes, nesta assembleia
participaram alcaides, alvazis, cavaleiros, peões, mercadores, e, caso singular,
representantes mesteres - peliteiros, alfaiates, sapateiros, ferreiros e pescadores. O pleito
foi resolvido com a promessa do rei não aumentar as propriedades para além das que já
tinha. Existem várias interpretações para a presença dos mesteirais nesta assembleia.

124
Pradalié, Gerard, Lisboa (…) p. 91.
125
Caetano, Marcello, A Administração Municipal(…), p. 36.

35
Marcello Caetano afirma que são apenas mencionados devido à excecionalidade da sua
intervenção.126 Por outro lado, Gomes Martins127 diz-nos que resulta da necessidade de
demonstrar uma pluralidade de agentes, de forma a garantir a legitimidade das decisões
tomadas na referida assembleia.
Em 1298, para além dos comerciantes, os mesteirais também participam na assembleia
do concelho128, havendo assim um aumento da participação popular nesta instituição,
uma vez que para sustentar a guerra contra Castela, o rei necessitava de cavaleiros e
besteiros, e reuniu não apenas os homens bons mas também dois homens de cada
mester. No entanto, os comerciantes e os mesteirais não se entenderam em relação ao
pagamento. Enquanto estes queriam o pagamento em proporção da fortuna de cada um,
os primeiros propunha uma contribuição idêntica, tanto para cavaleiros como para
peões. A falta de consenso levou a que o monarca expulsasse os mesteres da assembleia,
e de ali em diante, as decisões ordinárias passaram a ser tomadas pelo alcaide e os
alvazis e com a presença de apenas alguns homens bons, consoante o assunto ou a
importância.129
Durante o século XIV existe uma especialização da administração pública municipal.
Esta consubstanciou, a partir de 1330, a mudança no município, das reuniões abertas de
vizinhos, para as realizadas numa sala, na Câmara da Vereação, nos Paços do Concelho,
formando-se uma oligarquia camarária130, dominada pelos homens-bons na dependência
do Rei.
Em 1304, há referência aos mesteirais a participarem no concelho, a propósito da
doação de um terreno, para que donatário fosse onerado na construção de um troço da
muralha, tendo participado nesta assembleia, o alcaide, os alvazis, alvazis dos ovençais,
os almoxarifes, e vários homens-bons de cada mester.131 Dez anos depois, em 1314,
vários ofícios queixam-se que os almotacés estavam a cobrar mais impostos que o
devido. D. Dinis decide em carta régia que os homens bons do concelho devem decidir
a forma mais adequada de cobrar impostos, de forma a manter o foros e bons costumes
da cidade.132 Em 1333, durante uma disputa entre um particular e o concelho sobre a

126
Idem, p. 37.
127
Martins, Miguel Gomes, O concelho de Lisboa durante a Idade Média, Homens e organização municipal in
Cadernos do Arquivo Municipal de Lisboa. Edição da Câmara de Lisboa. Série I, 7 (2004), p. 71.
128
Documentos para a História da cidade de Lisboa, Livro I de Místicos Reis: Livro II dos Reis D. Dinis, D. Afonso
IV, D. Pedro I. Edição, Câmara Municipal de Lisboa, 1947, doc. 3: 113.
129
Idem, p. 40.
130
Sobre a Oligarquização da Câmara, vide a Tese de Doutoramento de Farelo, Mário Sérgio, A oligarquia camarária
de Lisboa: (1325 e 1433). Disponível no repositório da universidade de Lisboa.
131
A.N.T.T., Mosteiro de S. Dinis de Odivelas, Liv. 19, fl.6-8.
132
Documentos para a história da cidade de Lisboa (…), pp. 127-128.

36
construção de uma casa no rossio, que era propriedade do concelho, uma carta régia de
D. Afonso IV foi apresentada e apregoada perante os magistrados e mesteres da
cidade.133 Em 1336, depois da decisão de D. Afonso IV de aumentar os impostos sobre
a venda vinho, o concelho reuniu, na presença de magistrados, homens bons, cavaleiros,
e mesteres da cidade.134 Em 1352, quando o concelho é convocado para decidir sobre
um terreno do município em Oira a ser transferido para o Rei, comparecem os
procuradores, vereadores, tesoureiros, homens bons e mesteirais.135 Em 1355, o
concelho decide lançar novos impostos sobre o vinho, uma vez que o concelho
comprava pão e o revendia mais barato, acabando por ficar endividado, e precisava de
receitas para fazer face às despesas de manutenção de defesa da cidade. Nessa
deliberação estão presentes o alcaide, os alvazis, os vereadores, procuradores,
almoxarifes, escudeiros e cavaleiros, homens-bons da cidade, e quatro mesteirais, dois
dos alfaiates, e dois dos ourives.136 Em 1362, surge nova questão no concelho, entre os
rendeiros de vinho e o próprio concelho em relação às sisas lançadas nos sete anos
anteriores. O Rei D. Pedro modera a discussão, tendo participado: vassalo do Rei, os
rendeiros, alvazis, vereadores, o procurador do concelho, dizimeiro da alfândega,
mercadores, homens bons e mesteres, em especial um ourives – Afonso Martins.137 Por
fim, em 1364, numa reunião de concelho sobre a eleição do provedor do hospital do
Conde D. Pedro para substituir o anteriormente eleito e que viera a morrer (depois da
morte do provedor, os alvazis passaram administrar tanto a capela como o hospital) foi
eleito o alvazil, Vasco Afonso Carregueiro, estando nessa reunião, por apregoamento, o
alcaide do castelo, os alvazis, escudeiros, cavaleiros, tesoureiro com concelho,
vereadores, juízes, homens bons, fidalgos, e mesteirais da cidade de Lisboa.138

4. Parte III: A Criação da Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa e a sua História

4.1 Contexto Político da Crise139

133
Idem, pp. 191-193.
134
Documentos para a História da cidade de Lisboa, Liv. de Místicos de D. Fernando. Edição da Câmara Municipal
de Lisboa, 1948, pp. 13-15.
135
A.N.T.T., Gav. XIII, maç. 1 nº25 e Liv. 2 dos Direitos Reais, fl. 272v.
136
Documentos para a História da Cidade de Lisboa, Livro de Místicos do Rei D. Fernando (…), pp. 23-25.
137
Documentos para a história da cidade de Lisboa, Livro I de Místicos (…) pp. 33-37.
138
A.N.T.T Livro I do Hospital do Conde D. Pedro, nº34.
139
O termo revolução ou crise tem sido muito contendido entre os historiadores, Entre os que o denominam
revolução, Hermano Saraiva, em Saraiva, Hermano, História concisa de Portugal, Publicações Europa-América,
2003; José Matoso, apresenta-a como uma revolução, despida de aceções marxistas, Mattoso, José, A Nobreza e a
Revolução de 1383», in 1383 / 1385 e a Crise Geral dos Séculos XIV / XV. Jornadas de História Medieval: Actas,
Lisboa, História & Crítica, 1985, pp. 391-402; Sérgio, António Sobre a revolução de 1383 – 1385, in ensaios, VI. 2ªa

37
Quando D. Fernando morre em 1383, a sucessão ao trono estava estabelecida no
Tratado de Salvaterra, que determinava que a regência cabia à viúva de D. Pedro,
Leonor de Teles, até que D. Beatriz, casada com o rei de Castela tivesse um filho maior
de 14 anos. Uma vez que esta tinha à data doze anos, a situação iria prologar-se durante
muito tempo. Entre os apoiantes da rainha D. Leonor estava um fidalgo de origem
galega, o conde de Ourém João Fernandes Andeiro,140 que Fernão Lopes nos elucida
ser amante da rainha. Quando D. João I de Castela e D. Beatriz foram aclamados reis de
Portugal, nas cidades e vilas surgiram tumultos, bem como algum descontentamento
entre parte da nobreza inferior que por um lado desconfiava do fidalgo Andeiro e por
outro não pretendia a ingerência de Castela
As elites populares, apoiada por elementos nobreza inferior (ou filhos segundos da
nobreza) e D. João, na altura mestre da ordem militar de Avis, filho bastardo do rei D.
Pedro e meio-irmão do falecido D. Fernando, conspiraram para matar o conde Andeiro,
espalhando em Lisboa o rumor que este último havia feito perigar a vida do mestre. O
povo, temendo a monarquia castelhana e odiando a sua rainha, saiu à rua, o que
terminou na nomeação do mestre como Regedor e Defensor do Reino, pelos homens-
bons de Lisboa, bem como pelos mesteirais. A partir deste momento as sementes da
guerra civil estavam lançadas. O sul alinhou com o Defensor do Reino, o norte com a
rainha. No clero a divisão foi ideológico-política: os que apoiavam o Papa de Roma
alinhavam com D. João, os que alinhavam com herdeiro de S. Pedro no cativeiro na
Babilónia Francesa, com D. Beatriz. Na nobreza a baixa nobreza estava com o mestre,
em especial os filhos segundos, os bastardos, os membros de linhagens secundárias,
enquanto a alta apoiava o partido de D. Beatriz.
D. João reorganizou os exércitos para combater a invasão castelhana, nomeou Nuno
Alvares Pereira para comandar as forças no Alentejo e recompensou os mesteirais que o

Ed. Lisboa 1976, pp. 121-160; Serrão, Joel O Carácter social da revolução de 1383, 2ª Ed. Lisboa, 1976. Em sentido
contrário, vide Caetano, Marcello, A crise Nacional de 1383-1385, Lisboa 1985 e Coord. Ramos, Rui. História de
Portugal, 4ª Edição, A esfera dos Livros, Lisboa, 2009, pp. 146-148. Quanto a nós, escapando o escopo deste trabalho
a discussão tão viva sobre a classificação conceptual dos eventos de 1383, assumimos a classificação crise, apesar de
não negarmos o alinhamentos das ordens em base e superior da estrutura social, em que o povo, as elites do povo e a
baixa nobreza se uniram contra a alta nobreza, entendemos que este não era motivado com a alteração da posição das
ordens, não almejava nem a mudança estrutural da sociedade, nem a substituição da sociedade de ordens por uma de
classes ou de castas, nem da alteração da composição dessas mesmas ordens, ou do próprio governo que lhes
subjazia, mas sim a questão de quem governava, num fenómeno explicativo mais de natureza independentista do que
de alteração, constitucional ou social. No entanto não podemos deixar de considerar, que as consequências, apesar de
ausentes mudanças estruturais, não foram de livres de mudanças, uma vez que os segundos filhos, os bastardos e a
pequena nobreza foram levantados, com privilégios e terras, e o povo miúdo de Lisboa, conheceu a Casa dos Vinte e
Quatro, e prerrogativas de representação do conselho régio.
140
Coord. Ramos, Rui. História de Portugal (…), p. 135.

38
apoiaram, concedendo-lhes mercês, em especial a nomeação de representantes para o
conselho régio, reuniu as cortes num número sem precedentes, aumentado a influência
das cidades que ali podiam fazer chegar os seus problemas, aumentando o peso do
mundo urbano.141
Com as vitórias iniciais de Nuno Álvares Pereira sobre Castela, em abril de 1384 em
Atoleiros, e em maio no Porto, e no fim desse mês com a resistência de Lisboa, que
cercada por terra e mar, foi salva pelo surto de peste que dizimou os castelhanos,
assistiu-se a muitas povoações, inicialmente hostis, a juntarem-se à sua causa.
Em 1385, nas Cortes de Coimbra, com a presença do clero, da nobreza, e dos concelhos,
rejeitou-se o governo de D. Beatriz, e elegeu-se D. João como rei de Portugal.
Seguiram-se batalhas como a de Trancoso, a 29 de maio desse ano, e, por fim, a de
Aljubarrota em agosto, como uma vitória decisiva. A guerra prolongou-se agora no
território de Castela, com outra vitória em Valverde de Mérida, em outubro, que
cristalizou a posição de D. João I, mestre de Avis, sendo que a paz só foi
definitivamente obtida em 1402.
Em suma existem quatro momentos essenciais da crise na história de Lisboa:
- Os motins de 6 de dezembro de 1383 depois do assassinato do Conde Andeiro que
representam a reação popular adversa ao governo de D. Leonor de Teles.
- As assembleias de 15 e 16 de dezembro de 1383 nas quais o povo proclama o mestre
regente e defensor de Portugal, primeiro os mesteirais e a raia miúda, depois os Homens
bons.
- Os preparativos para resistir ao cerco de Castela, nos quais uma série de providências
são feitas a favor de Lisboa entre 1 de abril e 1 de março de 1384, em especial a brutal
contribuição que a cidade, os três estados fizeram para a guerra, onde judeus e mouros
contribuíram, levantando e votando uma contribuição de 100.000 libras, recebendo as
mercês, de participação no governo municipal, autorizar os escrivães a fazerem
escrituras publicas, assim como os tabeliães.
- Depois do fim do cerco, a 6 de outubro de 1384, e a confirmação da regência e
homenagem aos três estados, quando fica decidido a convocação de Cortes em Coimbra,
desta vez se convocando os fidalgos do reino142. É especialmente interessante entender a
base de apoio de D. João: primeiro convenceu a raia miúda a apoiá-lo, depois os
homens bons, e só depois a fidalguia.

141
Idem, p. 138.
142
Caetano, Marcello, Concelho (…), p. 28.

39
Para agradecer ao povo, o mestre deu-lhes muitas mercês e privilégios, a da Casa dos
Vinte e Quatro; os magistrados tinham de ser eleitos pelo concelho, e nulidade das
cartas régias que deles façam mercê; os escrivães dos cargos municipais gozam agora de
fé pública; a jurisdição dos homens do mar, que era do alcaide do mar, passa agora para
os juízes da cidade, não haveria mais impostos ou encargos que não estivessem no foral
ou no costume a favor da Coroa e o rei deixa de possuir alfândegas e tendas dentro e
Lisboa; os impostos lançados serão pagos por todos os moradores, inclusive os fidalgos;
os cidadãos de Lisboa podiam ter armas, e já não havia de dever albergar fidalgos e
oficiais do Rei; em caso de guerra, a defesa local da cidade tinha primazia sobre outras
forças bélicas; os cidadãos honrados da cidade, só podiam ser castigados quando os
fidalgos os fossem; era livre a imigração para Lisboa, anulando as regras gerais decretas
pela peste; a almotaçaria exercia funções com o acordo do mestre.143
É, pois, espantoso entender o rebalanceamento que aconteceu na sociedade de ordens,
em especial nos direitos e deveres da ordem do povo, que foram claramente
beneficiados, pelo apoio que deram ao fundador da Dinastia de Avis, a grande
benefício, dos mercadores, dos mesteirais, dos homens-bons, e inclusive dos
assalariados, que haviam fugido de campo e não seriam expulsos para o seu local de
origem.

4.2 A Criação da Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa

Durante a crise de 1383, e sabendo-se já da invasão do rei de Castela, decidiu-se


convocar o povo de Lisboa no mosteiro de Domingos144 para convencerem o Mestre a
ficar para os defender. Na reunião do mosteiro, a uma voz, muitos disseram que lhes
prazia servi-lo e morrer de ante dele.145 Em resposta o Mestre despôs-se a ser o seu
defensor, notaram porém, que não estava ali todos os cidadãos, e por isso propôs-se que
fossem chamados à câmara no concelho, e lhes fosse proposto o que havia sido
decidido. O mestre concordou e no dia seguinte juntou-se novamente o povo, tendo o
apoio do povo miúdo146, este é dos mesteres, no entanto a nova assembleia ficou em
silêncio, não se manifestando a aceitar a proposta do mestre, apenas sussurravam uns
143
Idem, pp. 45-47.
144
Lopes, Fernão, Crónica del Rei Dom Joam da boa memoria, Primeira Parte, Edição do Arquivo Histórico
Português, 1915, Cap. XXVI, p. 46.
145
Ibidem. No original “ E ellles a huũa voz nom esperamdo que falllase huũ por todos, mas quamtos hi erã jumtos,
altamente disserom, que lhes aprazia de o servir e ajudar com os corpos e averes ataa morrerem todos amtelle.”
146
Idem, p. 47. No original “ E sseendo assi jumtos em aquella Camara da çidade, foi rrazoado por parte do Meestre,
como todo o poboo meudo o rrecebiam por seu rregedor e deffenssor.”

40
com os outros. Fernão Lopes conta-nos que além do povo miúdo, os cidadãos, apesar de
desejarem o reino defendido, não acreditavam ser possível a defesa contra o reino de
Castela, mas pelo contrário a opinião do povo miúdo era cheio de esperança.147 Perante
o silêncio, um tanoeiro, chamado Afonso Anes Penedo, que havia estado presente no
dia anterior em S. Domingos, disse:
“ Que estaes vos outros assi cuidamdo, e que nom outorgaaes o que outorgarom
quamtos aqui estom? E Como! Ainda vos duvidaaes de tomar ho Meestre por rregedor
destes rregnos, e que tome carrego para defender esta çidade, e nos outros todos? Parece
que nom sooes vos outros verdadeiros portugueses. Digovos que quamto per essa guisa,
buscaaenos vos todos çedos em poder de Castellaãos.”148 Vendo que ninguém apoiava
ainda o Mestre, continuou “Vos outros que estaaes assi fazemdo? Querees vos outrogar
o que vos dizem? Ou dizee qe nom querees, ca eu em esta cousa nom tenho mais
aventuirado que esta gargamta; e quem isto nom quiser outorgar, logo há ester que o
pague pella sua, amte que daqui saya” [sic].149
O povo miúdo apoiou e os restantes também, talvez não sem pensar nas palavras finais
do tanoeiro, assinando por suas mãos a proposta e o mestre foram tomados o Regedor e
Defensor do Reino.
Com este apoio inequívoco, fundamental para o curso da história e para o sucesso da
empresa do mestre, este determinou que a partir daquele momento, vinte e quatro
homens, dois de cada mester, estariam presentes na Câmara, para todas as coisas que
tivessem de ser decididas por bom regimento e serviço do Mestre, tivessem o seu
acordo.150
Esta, porém, só seria verdadeiramente criada em 1 de abril de 1384 por carta régia que a
estabelece de um ponto de vista legal-formal.151 Este conflito de datas, entre a carta
régia de 1 de abril de 1384 e a narrada por Fernão Lopes a 16 de dezembro do ano
anterior, é apontada por certos autores como Marcello Caetano152 e Maria Teresa
Campos Rodrigues153 como a falta de preocupação do cronista pela cronologia, pelo
lapso temporal entre a obra e os acontecimentos e a falta de rigor dos documentos.

147
Ibidem.
148
Cit. Ibidem.
149
Cit. Ibidem. p. 48.
150
Idem, p. 49. No original “E foi logo hordenado na çidade que viimte e quatro homees, dous de cada mester
tevessem arrego destar na Camara, pera toda cousa que sse houvesse de hordenar por boom rregimento e serviço do
Meestre, fosse com acordo delles.”
151
Caetano, Marcello, O Concelho de Lisboa (…), pp. 51–56.
152
Idem, p. 14.
153
Campos Rodrigues, Maria Teresa, Aspectos da Admisntração municipal de Liboa no século XV, in separata dos
números 101 a 109 da “Revista Municipal”, p. 63.

41
Marcello Caetano considera que a criação da casa apenas acontece no século XV com o
desenvolvimento das corporações profissionais154, enquanto outros autores discordam
da criação da Casa por D. João I, colocando a sua criação como anterior, como é o caso
de Freire de Oliveira155 uma vez que os procuradores dos mesteres são anteriores a 1383
e a para a sua eleição seria necessário algum tipo de organização. Enquanto autores
como Rocha Martins e Lopes D’Oliveira a consideram fundada nos atos do tanoeiro
Afonso Anes de Penedo156, por sua vez Maria Antonieta Pessanha Santos, que realizou
uma tese de curso sobre o tema, discorda de ambos, colocando a sua criação no
momento da carta régia de D. João I.157
Note-se, no entanto, que o nome de Casa dos Vinte e Quatro é anacrónico a este
momento histórico. A instituição existia, mas não o seu nome. Este apenas aparece em
1492 aquando da fundação do Hospital Real de Todos os Santos, em consequência da
incorporação de pequenos hospícios de toda a cidade. Muitos destes eram propriedade
dos mesteres, assim quando foi criado o hospital, a Assembleia dos Vinte e Quatro ali se
passou a reunir, e só com a reunião num anexo deste hospital, ficou a Assembleia
conhecida como a Casa dos Vinte e Quatro, à semelhança da evolução etimológica da
assembleia do município, que se passou a denominar câmara, quando os magistrados se
começaram a reunir numa sala fechada.158
Em termos do que significou a sua criação, Ruy Albuquerque considera a criação da
Casa dos Vinte e Quatro como institucionalização dos mesteres e atribuem a sua criação
aos acontecimentos de 1383. Langhans apresenta como principal fator a facilidade de
decisão por parte da assembleia, segundo este autor “O governo municipal era exercido
pelos vereadores, mas nas cousas grandes e graves, depois de deliberarem, deviam
convocar todo o concelho para que o povo fosse ouvido. Em princípio era assim e as
ordenações consagravam a regra. Na prática porém, não podia ser seguido à risca, pelo
menos nas cidades e vila importantes, onde se formariam grandes ajuntamentos, que só
dificultariam a justiça e a rapidez das resoluções a tomar. Para obviar inconveniente
recorreu-se ao sistema das representações delegadas em assembleia cada vez menos

154
Caetano, Marcello, A história da organização dos mesteres na cidade de Lisboa, separata da revista portuguesa-
brasileira SCIENTIA IVRIDICA, Tomo VIII, nº39/41, Janeiro-Junho, 1959, p. 7.
155
Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos para a história do Municipio de Lisboa, Vol. I, p. 4.
156
Rocha Martins/ Lopes D’Oliveira,, Os direitos do Povo, in Cadernos Históricos, Edições Excelsior, Lisboa, p. 6.
157
Santos, Maria Antonieta Pessanha, A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa, Tese de Licenciatura em Ciências
históricas e filosóficas da faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1942, p. 7.
158
Caetano, Marcello, A história da organização dos mesteres (…), p. 6. Note-se também os paralelismos da
evolução do nome parlamento britânico na sua house of lords.

42
numerosas. Foi desta necessidade que nasceu a Casa dos Vinte e Quatro, como tudo
levar a crer”159
Cabe-nos também tecer algumas considerações sobre a sua criação. Seguimos aqui a
opinião de Pessanha Santos que nos diz ser com o ato de D. João I, uma vez a
documentação por via da carta régia para essa data apontar, e nos parecer difícil
entender a representação dos mesteres, sem um corpo intermédio, uma organização,
uma assembleia que servisse de elemento agregador e decisor dessa mesma
representação. Mas entendemos também que a criação jurídica aparece num contexto
evolutivo, e este contexto dificilmente se podem identificar os momentos críticos, pois
ainda que os tenhamos ousado fazer, da participação dos mesteirais no governo
municipal, a relação das classes mecânicas com o rei, a aclamação de D. João I, o papel
das classes mecânicas na defesa da cidade, e nas cortes que fizeram de D. João rei,
entendemos que existem muito mais fatores igualmente críticos, que não temos
elementos para observar, por falta de fontes, ou pela limitação da extensão deste nosso
trabalho, que serão fatores psicológicos, sociológicos de como eram visto os mesteirais
pela comunidade, sobre o papel das ideias tanto a nível criador como a nível da
migração das ideias por assembleias semelhantes na europa, e fatores puramente
individuais, como a própria vontade dos mesteres e do Rei, em lhes atribuir esta benesse
e não outras. De qualquer forma, é nosso entendimento que o nascimento das
instituições, ainda que possa ser individualizado num único momento formal, é produto
de uma evolução contingencial, estrutural, conjuntural. No primeiro salientamos o papel
dos mesteirais na município e a sua oposição a uma oligarquia de homens-bons
monopolizadora do município, em especial o antagonismo entre ambas as “classes” no
seio do povo; no segundo a própria arquitetura das instituições municipais e como elas
ofereciam um quadro onde o antagonismo se desenrolava, como elas pela sua estrutura
mais fechada – a câmara - favoreciam os homens bons em detrimento dos mesteirais;
por fim os conjunturais que foram na prática toda a sucessão de eventos que é
denominada de crise de 1383 e que providenciou a possibilidade de um novo capítulo
na contingência entre estas duas classes, e teve efeitos na própria estrutural municipal,
portanto na própria estrutura político-administrativa.
Em relação ao significado da criação, se nos parecem inegáveis os argumentos de
participação popular - os argumentos históricos pelos apoios destas classes a D. João I,

159
Langhans As antigas (…), p. 6.

43
mas também que a sua criação, implica um novo desenrolar no conflito entre classes160
no seio da ordem do povo, se por um lado, a sociedade portuguesa é de ordens, não
negamos que dentro da ordem existem os princípios de uma estratificação de classes,
que fora do plano social se reproduz no plano jurídico-político. Já vimos como as
tensões entre os homens-bons e os mesteirais se refletiam nas cortes e na administração
municipal. Esta participação política institucionalizada permitiu um equilíbrio das
classes conflituantes, se por um lado não minou a base de poder da oligarquia
municipal, por outro permite que as vozes da raia-miúda sejam ouvidas161 e que tenham
efetivos poderes sobre a decisão municipal, nas diversas matérias.
Na prática tratou-se num equilíbrio de posições de um ponto de vista político-
administrativo, que apesar de ser a custo dos homens-bons, poderia virtualmente
pacificar as relações, uma vez que as soluções municipais teriam de passar pelo
consenso dos mesteirais e dos homens bons.

4.3 A questão do número de profissões representadas na Casa dos Vinte e


Quatro.

Existe também uma querela entre os historiadores, do porquê do número vinte e quatro.
Podemos encontrar várias teorias explicativas para o facto: i. que foi em inspiração na
casa dos vinte e cinco de Londres, criada aquando da Magna Carta162; ii. que não se
contavam senão 12 profissões163 mecânicas; iii. que estão representadas as de maior
relevo, seja ele por valor económico daquela profissão, seja por contar com mais
artífices; iv. que se devia entender o temo mester como uma agremiação de diversos
ofícios mais ou menos afins.
Em relação ao número de representados, Marcello Caetano afirma não existir qualquer
correspondência entre o número de representantes do “povo miúdo”164, pois não existe
prova que eram doze, sendo assim necessário fixar um número limite ao número de
160
Despido de considerações e construções marxistas, o conceito de classe aparece-nos como anacrónico, no entanto,
a consideração de uma estratificação social dentro do estado do povo, e tendo essa uma base de riqueza e prestígio
social, um que nos aponta ao conceito de classe, o outro de ordem, assumimos que a diferença de posições levou a
um conflito entre as partes por terem interesses diferentes e muitas vezes conflituantes. Sobre esta questão vide nota
de rodapé nº44.
161
Colhendo o quadro mental oferecido por José Mattoso, nunca desejaram a substituição do status quo social, mas
antes terem uma voz na condução dos negócios do município.
162
Martins, Rocha/ D’Oliveira, Lopes, Os direitos do (...), pp. 3-4.
163
Albuquerque, Ruy de/ Albuquerque, Martim de, (…) p. 692.
164
Caetano, Marcello O concelho de Lisboa na crise de 1383-1385, in separata dos “Anais”, II série, VOL. IV,
Lisboa, 1953, p. 20.

44
representantes, escolheu-se esse número como se poderia ter escolhido outro. Mas
aponta para a influência de colégios análogos como os Aldermen em Londres, os
veiticuqatros das cidades da Andaluzia165 e de Castela, e na França dos échevins.166
Ruy e Martim de Albuquerque consideram duvidosas as teses de Marcello Caetano, pois
já em 1298 existe numa convocação de D. Dinis para que dois homens de cada mester
compareçam no concelho de Lisboa, apontando isso para a tese de uma agremiação de
profissões mais ou menos afins. Tese esta a que aderimos, pois parece-nos que resultaria
das naturais circunstâncias da sua organização que vamos ver de seguida.
Além do mais, a representação de dois por ofício também se deduz da carta régia de
1484, que nos diz “que elegeis em cada um anno dois homens e cada um officio para se
deles fazer numero de vinte e quatro.”167
Alinhamos com as posições de Ruy e Martim de Albuquerque, pois a representação em
magna assembleia teve de vir acompanhada de alguma organização pré-existente.

5. O funcionamento da Casa dos Vinte e Quatro

A Casa dos Vinte e Quatro era uma assembleia composta pelo produto das eleições de
uma miríade de corpos intermédios, qualitativa e quantitativamente diferentes. A
assembleia em si era eleita por organizações corporativas denominadas bandeiras, esta
por sua vez compostas por outros corpos intermédios – os ofícios enquanto organização,
e também eleita pelos ofícios organizados que não pertenciam a bandeiras – os não
embandeirados.
Surge assim como uma espécie de federação ou de cúpula de corpos intermédios ou
federados: A Casa, As Bandeiras, os Não embandeirados, e os Ofícios.168 Cada um
deles dotado de uma organização, regras, poderes, e órgãos próprios.
De forma a organizarmos a nossa exposição, neste capítulo iremos apenas abordar como
funcionava a Casa dos Vinte e Quatro enquanto assembleia, aflorando depois nos seus
corpos intermédios – as bandeiras e ofícios, os seus elementos relevantes como o
arruamento, os seus órgãos principais – os procuradores e o juiz do povo, e por fim a
história da sua instituição.

165
Na andaluzia já os conejo abiertos, foram sbustituidos por colégios restritos, de oito, deasseis, vinte e quatro, ou
trinta e seis de homebres buenos, estes colégios eram denominados os veinticuatro, Cf. Idem, ibidem.
166
Caetano, Marcello História (…), p. 501
167
A.N.T.T., Chanc. De D. João II, Livro X, fl.62 e ss. Pub. Em : Freire Oliveira, cit. T.XIII, p. 441. Cf. Campos
Rodrigues, Maria Teresa, Aspectos da Administração, (…), p. 65.
168
Cf. Com o esquema no anexo I.

45
5.1 A organização da Casa dos Vinte e Quatro

A Casa reunia num anexo junto à igreja de S. Domingos e elegia um presidente da


assembleia, que seria designado como Juiz do Povo. Era composta por oficias eleitos,
tanto das bandeiras, como dos ofícios não embandeirados.
Para se ser eleito para a assembleia da Casa dos Vinte e Quatro, exigia-se um conjunto
de critérios fundamentais para que pudessem assegurar os respeitos cargos, assentando
em critérios pessoais, familiares, profissionais e jurídicos.
Os pessoais eram ter pelo menos 40 anos, saber ler e escrever, ser considerado como
bom e famigerado, tendo tempo para assistir às reuniões da Casa, ter um génio
sossegado e não orgulhoso, ser prudente e hábil.169
Os critérios familiares eram ser casado, e as suas cônjuges não venderem em lugares
públicos. Estas formalidades nem sempre se cumpriram, pois não eram consideradas
indispensáveis.170
Os profissionais eram não ser capataz de nenhuma Companhia, e não ter tido ocupação
vil.171
As jurídicas eram de não ter sido condenado em pena que gere a infâmia, ser vassalo do
Rei de Portugal, naturalizado no reino, não estar isento da jurisdição nem da Casa nem
da Câmara, ter sido eleitos com mais de dois terços dos votos, pela bandeira ou pelo
ofício, e não ter servido na Casa no espaço de 3 anos.172
A eleição para oficiais membros da Casa realizava-se sempre no dia 21 de dezembro de
cada ano, no dia de S. Tomé. A eleição podia ser por pelouros, ou seja sorteada, ou por
vozes, ou seja por votos. No dia da eleição se algum oficial enviado pelo ofício não
tinha as condições requeridas podia ser rejeitado e o Juiz do Povo podia fazê-lo
substituir.
A Casa dos Vinte e Quatro não compreendia todos os ofícios existentes. Logo no seu
início essa separação manifesta-se, ficando excluídos da sua ação aqueles que não
tinham importância do ponto de vista político-económico, quer pela sua própria
estrutura (atividade não ter uma grande valorização ou necessidade económica) quer
pelo número de mesteirais que a compunham, bem como os ofícios que voluntariamente

169
Santos, Maria Antonieta Pessanha, A Casa dos Vinte e Quatro (…),p. 12.
170
Ibidem.
171
Ibidem.
172
Ibidem.

46
não queriam a ela pertencer.173 Estes ofícios não subordinados estavam sob a alçada
direta da Câmara pelo pelouro da almotaçaria ou subordinados a um oficial mor do
respetivo ofício. Ex. Armeiros, superentendidos pelo Armeiro-mor do Reino.
A organização da casa reproduzia por isso a estrutura inferior de organizações
corporativas e atendia a critérios puramente de valorização económico-social.

5.2 As Bandeiras

Os ofícios mecânicos, de maneira geral, agrupavam-se por afinidades, formando


corporações ou bandeiras, com fins económicos, políticos e administrativos. Mas
também uma irmandade ou confraria com fins religiosos e pios.174
Antes de analisarmos a Bandeira enquanto instituição, cabe por motivos lógicos
explicar primeiro o que eram enquanto objeto físico e simbólico, que viriam a emprestar
o nome às corporações.
Os oficiais mecânicos ostentavam objetos na procissão do Corpus Christi, três
elementos externos havia para estes grémios de mesteres. Os “castelos” que eram
“hastes roliças, rematadas na parte superior por uma maçaneta ou obra torneada, e
adornadas com bandeiras ou ramalhetes, fitas e outros enfeites, que os mesteirais
levavam nas procissões da cidade”.175 Com o tempo foram substituídas por tochas, em
1610, por pedido do juiz e da própria Casa dos Vinte e Quatro ao Senado da Câmara176.
Por outro lado, as Bandeiras são descritas no livro de Freire Oliveira, que citando o
Doutor Ignacio Barbosa Marchado, nos ensina que estas eram: “«à maneira de grandes
painéis suspensos por cordões de seda e oiro, e varas compridas com remates e pontas
de oiro, de que pendiam muitas e grandes borlas do mesmo metal»”.177 Conta-nos Freire
de Oliveira com elevado detalhe a riqueza com que eram constituídas, sendo bordadas a
173
Ibidem, p. 13.
174
Ibidem.
175
Cit. Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos, T.I (…), p. 427.
176
Cit. Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos, T.I (…), p. 429. Cf. Também o Livro I das festas, fs. 205.
177
Cit. Ibidem, p. 427.

47
damasco, outras de brocardo, outras bordadas a ouro, com tarjas do mesmo metal, que
mostravam a imagem dos santos padroeiros de cada grémio, sendo tão grandes e tão
pesadas pela pedraria, que para a mover eram preciso a força de três ou quatro que e
revezavam entre si para poderem seguir caminho na procissão178. Por fim existiram as
Invenções que eram distintivos que faziam parte da procissão do Corpo de Deus e
tinham os símbolos de cada grémio, por exemplo o dragão infernal para os sapateiros, o
sagitário para os armeiros, a serpente para os alfaiates, as torres para os tanoeiros etc.
Estas que inicialmente destinadas à procissão do Corpus Christi, foram-se generalizando
noutras procissões da cidade.
Estes objetos de exteriorização e simbólica, muita impressão haviam de fazer na
comunidade: as cores, as pedrarias preciosas, as figuras santas nas bandeiras ladeadas
das invenções profanas. Além desta grande impressão que como Freire Oliveira
observou “ formavam os mesteres a parte mais ridícula e variada, e por isso mesmo a
que mais enthusiasmava e prendia a atenção da phrenetica turbamulta”179 Seria também
de considerar a importância que os próprios mesteirais davam às suas bandeiras, e que
escolheram depois fazer delas instituição ou corporação profissional.
Os ofícios com representação na Casa dos Vinte e Quatro podiam estar ou não
embandeirados, e alguns houve importantes como os ourives de ouro e prata que nunca
pertenceram a qualquer bandeira e ficaram sempre isolados.
Nos ofícios mecânicos reunidos em bandeiras, o seu agrupamento obedecia a principio
às afinidades que tinham entre si, mas com o decorrer do tempo essa preocupação deixa
de ser dominante, seja pelo desaparecimento de alguns ofícios, quer pelo
desenvolvimento de outro e a sua especialização, ou por fim pelo desejo de adquirir as
regalias que era pertencer à Casa, levando certas profissões associarem-se a mesteres
mais fortes do ponto de vista da Casa.
As bandeiras compreendiam o ofício ou ofícios principais denominados “Cabeça” aos
quais estavam subordinados os ofícios, a que se dava o nome de “Anexos”.
Em regra, esta distinção obedecia ao maior número de mesteirais que compunham o
ofício Cabeça ou à importância económica reconhecida deste oficio-cabeça sobre os
restantes pertencentes à mesma bandeira.
Cada bandeira tinha os seus cargos próprios e para eles apenas podiam ser eleitos
oficiais que obedecessem a determinados requisitos. Assim, para o exercício das

178
Cit. Ibidem, p. 428.
179
Cit. Ibidem, p. 427.

48
funções mais importantes da bandeira, a função de juízes, Escrivão e de Mordomo.
Estes órgãos só podiam ser eleitos, para oficiais os “que tenham tendas e usassem do
seu mester, que não fossem estrangeiros, mas que fossem pessoas de boa consciência,
verdade e procedimento e que soubesse ler e escrever”180.
As bandeiras segundo uso muito antigo, eram obrigadas a comparecer a todas as
procissões da cidade. Tal era a importância que estes Grémios disputavam a primazia
destas cerimónias públicas. Exemplo disso será em 1771 nas medidas que o Senado da
Câmara teve de tomar para evitar conflitos, regulando a ordem e lugares de cada uma
das bandeiras nas cerimónias religiosas.
Muitas vezes os oficiais mecânicos procuravam furtar-se a essa comparência, fazendo-
se substituir, fundando-se nos seus privilégios, para o evitar. Determinou-se, por alvará
régio de 10 de maio de 1514, a comparência pessoal e obrigatória dos oficiais nas
corporações. Porém, estas infrações continuaram, determinando o Rei por alvará de 17
de junho de 1527, e por carta régia de 27 de junho de 1527, que os oficiais mecânicos
não estivessem escusados pelos ditos privilégios de ir às festas religiosas. E em 1539
por alvará régio de 30 de maio é imposta a multa de 2000 reis e prisão aos
incumpridores.
O desenvolvimento da cidade e consequente aparecimento de novos mesteres levou a
que em 1539 houvesse 27 deputados na Casa dos Vinte e Quatro, o que leva D. João III
a intervir e é elaborada uma nova orgânica da casa.
Nessa reforma estabeleceu-se que existissem 14 ofícios a encabeçar a representação dos
mesteres, os 14 eram ofícios eram as cabeças mas tendo cada um deles outros ofícios
em anexo181:
1 – Ofício de S. Jorge. Cabeça armeiros e barbeiros. Anexos: 27 outras profissões,
(ferradores, espadeiros, ferreiros etc. todos os que trabalhavam ferro e fogo). 2
Deputados.
2- Ofício de S. Miguel o Anjo. Cabeça: Sombreireiros. Anexos: 11 outras profissões,
(livreiros, boticários etc.) 2 Deputados
3. Cabeça: sapateiros: Anexos: curtidores, surradores, ordreiros. Etc. 2 Deputados
4. Cabeça: correeiros. Anexos: adragueiros e lavradores de fio. 2 Deputados.
5. Cabeça: tecelões de linho. Anexos: colchoeiros, cardadores, tecelões de seda. 1
Deputado.

180
Cit. Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos, T. XII (…), p. 400.
181
Caetano, Marcello, A história da organização dos mesteres na cidade de Lisboa (…), pp. 12-14.

49
6. Cabeça: cereeiros. Sem anexos. 2 Deputados.
7. Cabeça: pedreiros e carpinteiros. Anexos: torneios, taipeiros, violeiros. Dois
deputados.
8. Cabeça: tosadores. Anexos tintureiros. Dois deputados.
9. Cabeça: alfaiates. Anexos: calceteiros, carapuceiros e algibebes, 2 deputados.
10. Cabeça: tanoeiros. Sem anexos dois deputados.
11: Cabeça: cordoeiros da Pota de Santa Catarina e da Porta da Cruz. Anexos
esparteiros. 2 Deputados.
12. Cabeça: ourives da prata. Anexo picheleiros. 1 Deputado.
13. Cabeça: ourives do ouro. Anexos Lapidários, apartadores, afinadores, e os que
trabalham com pedraria. 1 Deputado.
14. Cabeça: oleiros: anexos: telhereiros e malgueiros: 1 deputado.
Num total 24 deputados para a Casa dos Vinte e Quatro.
Como se vê, para efeito de representação organizava-se em 14 cabeças que tinham em si
61 ofícios.
No alvará de 3 de dezembro de 1771 reorganizam-se as corporações – bandeiras, já não
correspondendo aos estandartes conduzidos na procissão do corpo de Deus, mas ainda
fazendo parte da organização. A cada uma respondiam a uma organização própria,
administração de uma património próprio e encargos partilhados.182

5.3 Os ofícios

Os ofícios eram organizações profissionais dotadas de regras e órgãos próprios.


Cada ofício possuía o seu juiz a quem competia a visita mensal das tendas e lojas e o
exame das obras nelas feitas, com vista a assegurar a boa manufatura dos bens e
proteger o público contra possíveis excessos e enganos dos mesteirais, mordomos e
compradores.
Havia até alguns ofícios, que tinham ensaiadores – como os da prata e do ouro – que
examinavam a prata e ouro que lavrava.183
Os ofícios mecânicos regiam-se pelos regimentos dados pela câmara ou pelo rei, pelos
quais era estabelecido o normal exercício profissional e competia a cada ofício ter

182
Idem, p. 15.
183
Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos, T. IX (…), pp. 70-72.

50
também os seguintes livros: livro das eleições, livro dos termos e conferencias, das
correções, da matrícula dos aprendizes, e da receita e despesa.
O mais antigo dos regimentos conhecido é dos borzeguieiros, de 22 de setembro de
1450, feita pelo Rei.184 Neste são estabelecidas normas de exercício da indústria, regras
de aprendizagem, regras de exames, no entanto faltam por exemplo, disposições sobre o
grau mais elevado do progresso corporativo, o que só na segunda metade do século XVI
é conseguido.185
A ausência dos regimentos é talvez explicada pela expansão marítima nos séculos XV e
XVI que absorveram quase por completo a atenção e atividade dos reis, que por muito
foram alheios às necessidades de regulamentação disciplinar e profissional que se
faziam sentir nos ofícios mecânicos.186
Só no fim do século XV, depois de 1491, se estabeleceu a aprendizagem e exame
obrigatório para os oficiais. Não sem antes vencer forte oposição por parte dos
mesteirais, embora tais medidas se impusessem pelos abusos a que dava lugar uma
demasiada liberdade de trabalho, ou então pelos prejuízos do mau fabrico oriundo da
falta de regulamentação.187
Foi em 1572, pelas reformas de Duarte Nunes de Lião, que os regimentos dos ofícios
passam a ter estatutos completos, símbolo de um aperfeiçoamento do regime
corporativo reconhecido como útil à economia nacional. Estes irão manter-se até
1767.188
Estas reformas surgem num contexto de complexificação da economia nacional. A
existência de ouro trazido para Portugal continental e a possibilidade de este pagar pelos
principais bens ditou a queda da produção interna e desprestígio do trabalho mecânico,
que agora face aos séculos anteriores se torna cada vez menos necessário socialmente.
Estes factos somam-se aos novos ofícios que apareciam e desejavam a representação na
Casa dos Vinte e Quatro. Para dar resposta às aspirações dos ofícios é escolhido um
licenciado em direito para proceder à harmonização legislativa dos regimentos que
regiam os ofícios.
Agora existem disposições restritas de exercício industrial, também há especificações de
condições gerais, dentro de cada ofício que regulam a eleição para os diferentes cargos e
as condições do seu exercício, que determinam as normas com pormenor de
184
Santos, Maria Antonieta Pessanha, A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa (…), p. 16.
185
Ibidem, p. 25.
186
Ibidem.
187
Ibidem.
188
Caetano, Marcello, A história da organização dos mesteres na cidade de Lisboa (…), p. 13.

51
aprendizagem e de exame189, que regulam as aberturas das lojas, que determinam a
manufatura de determinados bens, que estabelecem penas para os transgressores das
posturas ou dos novos regimentos, e criam-se disposições sobe concorrência
estrangeira. Preocupação sempre presente pelos mesteirais, que logo impuseram
condições para que os estrangeiros exercem o seu ofício em Portugal, dificultando a sua
vida, por via do estabelecendo de maiores tempos de aprendizagem, aumentando as
taxas, e penas, exigindo por vezes a naturalização, e por vezes recusava-se a
autorização190.
Por outro lado, é consagrado que a assembleia do ofício onde eram eleitos os juízes
passa a ser de duração anual e que seria neste órgão corporativo que se designavam os
eleitores dos dois juízes, que tinham a função de examinadores e de escrivão. Ambos
com a duração de um ano de mandato, e com um período de obrigatório entre eleição e
reeleição de três anos. Fica estabelecido que os almotacés e execuções, os meirinhos, e
alcaides porteiros devem ajudar os juízes no cumprimento dos regulamentos.
Os examinadores ficam restritos por regras de conflitos de interesses, como não
examinar filhos, ou parentes, devendo em caso de necessidade de exame, de proceder a
pedido à câmara para que esta providencia-se os juízes, do ano anterior para proceder à
examinação. Por outro lado cada oficial só podia ter uma tenda, e estava limitado pela
sua habilitação profissional. A estrutura básica, mestre, oficial e aprendiz mantém-se.
Em termos analíticos esta compilação aumenta a hierarquia e burocracia interna, abre
espaço a maior hétero-regulamentação por parte do rei, em oposição à
autorregulamentação em sede de corporação, ou hétero-regulamentação por parte da
câmara de Lisboa. Aumentando-se as multas por incumprimento.
Esta compilação foi especialmente importante para a constituição da Casa dos Vinte e
Quatro, porque por um lado dificultou o acesso à categoria de oficial, através de mais
critérios, que embora uniformizados eram mais rígidos e exigentes, o que limitava o
acesso à Casa dos Vinte e Quatro, que exigia a condição de oficial, bem como ao
restrição aos cargos de juiz e procurador, e os cargos municipais que advinham destas
magistraturas.

5.4 Os arruamentos dos ofícios

189
Note-se que o pormenor dos exames, chega a especificar que para o pintor, fazer o exame deveria, fazê-lo numa
tábua de quatro ou cinco palmos, pintar o que o examinador mandasse e conter sempre paisagens.
190
Santos, Maria Antonieta Pessanha, A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa (…), p. 27.

52
O arruamento é parte essencial da Casa dos Vinte e Quatro, sendo exemplo de como
localização física das pessoas consegue criar e influenciar as instituições, enquanto
produto das relações e dinâmicas intergrupais e pessoais que a geografia cria no seio da
sociedade, de onde emergem as diferentes instituições. Neste caso, o arruamento, além
de finalidades profissionais e urbanísticas terá ainda o efeito de criar uma maior
proximidade com os mesteirais e com os mesteres, fomentando uma maior capacidade
de organização e entre ajuda e sentimento de pertença a uma classe profissional pelas
relações de vizinhança, conhecimento e proximidade entre os intervenientes. Bem por
razões de proteção, contra violência e abuso, vigiando-se mutuamente, quer na
qualidade quer na quantidade de produtos, preços praticados e métodos de atrair
clientela.191
O arruamento dos ofícios é um dos primeiros indícios da organização das corporações
profissionais mecânicas, era jurisdição exclusiva da câmara e tendo sido ordenados por
motivos estéticos e urbanísticos192, permitem uma mais rápida e efetiva fiscalização
juízes dos ofícios e dos almotacés municipais, estando proibidos os mesteirais de morar
em ruas diferentes das que lhes eram destinadas, uma vez que a habitação e a oficina
eram no mesmo.
Nem mesmo os oficiais donos das casas podiam morar nelas desde que tivessem seu
arruamento estabelecido em qualquer outra rua, e só quando em virtude de extensão do
ofício, ou da pequena área das respetivas ruas, já não havia lugar no arruamento
ordenado pela câmara, o oficial podia abrir a sua loja no arruamento a seguir, para isso
era necessária autorização da câmara, tendo de proceder a formalidades como depósito,
vistoria, despacho de entrega e posse. Os arruamentos começam em 1391, por
autorização pelo rei em carta régia de arruar os mesteirais a pedido das câmaras.193
Prevendo a lei que “ para bom regimento e maior formosura e nobreza da cidade” fica a
câmara autorizada a “ordenar que morem todos os mesteirais cada uns juntos e
apartados sobre si”194, com a condição de indemnizar os proprietários das casas
existentes nas ruas que fossem destinadas aos mesteres, arrendando ou dando-lhe casas
noutros lugares, tão boas quanto as que possuíam. Resultou assim de uma imposição
camarária dotada de imperium régio.

191
Serrão, Joel, Dicionário da História de Portugal, Vol. IV, op. Cit., pp. 280-281.
192
Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos, T.I (…), p. 291
193
Ibidem, p. 291
194
Caetano, Marcello, A história da organização dos mesteres na cidade de Lisboa(…), pp. 4-5.

53
Este não terá sido bem-sucedido, uma vez que em 1395 é decretado, por carta régia
novamente, o arruamento dos mesteirais, “cada uns de seu mester em ruas”. 195 O
arruamento determinava que cada ofício estivesse compartimentalizado numa rua ou
fração de rua. Tinha em vista uma melhor fiscalização por parte das autoridades
concelhias, bem como da própria Casa dos Vinte e Quatro, e das corporações, vigiarem
o cumprimento das suas disposições profissionais.
É de notar a insistência com que D. João I vinca a necessidade da câmara, ao estabelecer
os arruamentos, contentar os proprietários dessas que casas, que provinha “da lei de
nosso reino que ninguém pode habitar a casa contra a vontade do dono”.
Muitas vezes a fim de se furtarem a esse encargo, os donos das casas situadas em alguns
arruamentos, aforavam-nos ou arrendavam-nas por 10 anos ou exigiam por elas preços
tão exorbitantes que dificilmente os mesteres as podiam pagar.
Para evitar esta fraude, e a pedido dos juízes dos ofícios arruados na rua dos douradores,
(douradores, bate folhas, espadeiros, armeiros, freeiros, e latoeiros), - D. João V pela
provisão régia de 1720 estabelece “que os senhores das casas que sejam dentro do
arruamento dos suplicantes os não possam aforar, nom arrendar, por tempo de dez anos,
e possam alguma, ainda que sejam oficiais do mesmo oficio, e sobre os pregos dos
arrendamentos havendo discordia, se avaliarão por louvados na forma que se pratica nos
demais arrumamentos (…).”196
Com o tempo e alargamento dos ofícios, e a destruição das casas dos respetivos
arruamentos, foi necessário proceder ao seu aumento. Para isso a câmara procedeu ao
estabelecimento de posturas em que determinava a parte que o ofício podia ocupar, as
quais eram apregoadas pelo porteiro do Senado da Câmara, na Praça do Pelourinho e no
princípio, meio e fim da rua a que respeitasse.
Assim, o arruamento dos ourives de Prata abrangendo, inicialmente em 1514 apenas a
rua chamada Prataria, é posteriormente aumentado, por determinação do senado de
Lisboa, desde “ o canto da travessa que vai abaixo da Madalena para a Conceição, pela
rua abaixo da ourivesaria até ao canto da alfandega que está junto ao Pelourinho”.
Quando da reconstrução da cidade depois do terramoto de 1755 ainda é expedido ao
Senado da câmara um aviso para que cada uma das bandeiras e ofícios indicasse o

195
Cit. Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos, T.I (…), p. 263.
196
Idem,, Elementos, T.III (…), p. 291

54
número exato de todos os oficiais arruados a fim de se proceder ao alinhamento das vias
destinadas ao seu arruamento.197
No decreto de 5 de novembro de 1760 determinava-se a área dos arruamentos dos
mercadores e ofícios mecânicos atendo-se primeiro aqueles que “menos pudessem
deturpar o prospecto da hum tão nobre entrada da minha corte, como he a que jas entre
as praças do comercio e a do Rocio” e “… reservando a distribuição de outras lojas
daqueles officios que devam ter arrumamentos e agora não puderam receber nas ruas
que se achão abertas, para as determinar nas que tenham mandado alinhar, e abrir
imediatamente pera complemento do plano da parte Baixa da referida Cidade.”198
Depois do terramoto foram edificadas ruas como antigamente, em nome de cada ofício
mecânico (sapateiros, correeiros, franqueiros, douradores, ourives de ouro etc., que
ainda hoje podem ser encontradas na baixa lisboeta). 199
Juntamente com este decreto encontra-se o pano de distribuição de ruas e a indicação
dos ofícios que se ocupavam. À parte de ligeiras alterações, conserva-se ainda hoje a
estrutura denominada de então.

6 Os órgãos da Casa dos Vinte e Quatro: Juiz do Povo e Procuradores dos


Mesteirais

6.1 O Juiz do Povo

Existe uma discussão de quando este nos aparece, Fernão Lopes afirma que o tanoeiro
Afonso Penedo foi o primeiro juiz do povo; Marcello Caetano discorda, dizendo que
não foi eleito juiz do povo senão muito mais tarde200. Para este autor, o carismático
tanoeiro foi na verdade um caudilho da plebe Lisboeta, pois a ele se atribuiu a vitória
dos mesteirais de Lisboa, mas o cargo era inexistente, oferecendo ainda os argumentos
de ausência documental, pois em Évora já aparece um chefe dos mesteirais denominado
“caudilho dos meãos e minores da cidade”201.
Em carta de 29 de março de 1484, D. João II responde a um pedido de mesteirais
Lisboetas que se queixam de por vezes haver ofícios que não elegiam os seus dois
representantes para o colégio dos 24 e destes não escolherem procuradores para a
197
Santos, Maria Antonieta Pessanha, A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa, (…), p. 9.
198
Ibidem.
199
Cit. Rocha Martins/ Lopes D’Oliveira, Os direitos do povo (…), p. 29.
200
Caetano, Marcello O concelho (…), p. 21.
201
Ibidem.

55
câmara. O rei institui a multa de 100 reis para os que faltarem à eleição dos
procuradores ou mesteres, determinando que os 24 elejam um presidente entre si para
fazer respeitar a nova disciplina. O novo presidente é conhecido nos séculos XV e XVI
por juiz dos vinte e quatro, e só em XVII por juiz do povo. 202
O juiz e o seu escrivão teriam lugar na câmara, no banco dos vinte e quatro
procuradores dos mesteres. Este lugar foi muito discutido, inclusive na revolução de
1820, em especial nas funções públicas, pois entendia-se que deveriam estar sentados na
mesma linha dos presidentes da Cidade e dos vereadores. A câmara emitiu parecer
desfavorável, que foi aceite pela Junta Provisional do Governo Supremo da Nação.203
No entanto, estes não estavam todos presentes, ou seja estavam representados em
grupos de quatro ou seis, por cada semana ou por cada mês.204
Jurisdição:
O juiz do povo era o presidente da Casa dos Vinte e Quatro, assembleia representativa
dos ofícios mecânicos aos quais se restringia a sua jurisdição com exclusão absoluta dos
restantes membros do terceiro estado.205
Estava em tudo subordinado ao Senado da câmara, o que por sua vez tentava agir em
total liberdade. Tais abusos levaram aquele organismo a fixar a sua competência.
O seu exercício não significa jurisdição, pois é um mero informador dos ofícios
mecânicos e dos oficiais, e não do povo todo.
O juiz do povo era considerado um procurador das classes profissionais mecânicas, em
nome o qual devia requerer ao senado da câmara, em que tinha assento mas não
votação.206
Só podendo intervir em relação aos ofícios mecânicos, e não se podia requerer qualquer
outra coisa sem convocar e ouvir o voto dos 24.
Em tudo devia dirigir-se diretamente ao senado e só no caso de não serem diferidos os
seus requerimentos podia usar de meio ordinário ou de requer ao Rei.
O juiz tinha também jurisdição para mandar prender qualquer um dos Vinte e Quatro, e
juízes das bandeiras, (o que mostra bem a relação de cúpula em relação aos corpos

202
Caetano, Marcello, A história da organização dos mesteres na cidade de Lisboa, separata da revista portuguesa e
brasileira SCIENTIA IVRIDICA, Tomo VIII, nº39/41, Janeiro-Junho, 1959, p. 12.
203
Langhans A antiga (…), pp. 6-7. Cf. Livro de consultas de 1820, fl. 404.
204
Idem, Ibidem, p. 65.
205
Santos, Maria Antonieta Pessanha, A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa, (…), p. 36.
206
Esteves Rodrigues da Silva, índice de elementos para a História do Município de Lisboa, 1992, fl.23.

56
intermédios associativos), que infringissem os regras ou as suas ordens. Tendo para o
efeito de levantar auto por via do escrivão.207
A sua jurisdição estende-se mais tarde a todos os mesteres e homens do povo, mas é-
lhes retirado pelo Senado, a 20 de dezembro de 1735, a possibilidade de suspender
qualquer oficial sem primeiro dar conta à Câmara ou ao Rei.208Podia ainda convocar
todos os oficiais mecânicos por meio de avisos ou circulares para estarem
presencialmente nas procissões da cidade em que tomavam parte, acompanhados do
209
próprio Senado. Juntamente com o escrivão, acompanhava também o tribunal do
Santo ofício todas as vezes que este saísse e tomava parte em muitas cerimónias
públicas de corte, tendo neste lugar de o partilhar com os membros do Senado.

A eleição do juiz realizava-se como a dos vinte e quatro, no edifício junto ao Hospital
de todos os Santos, destruído no terramoto de 1755, sendo eleito por palavra ou pelo
voto.210
Depois da eleição competia ao novo juiz a apresentação dos procuradores dos mesteres
no senado da câmara e eram-lhe entregues, depois de ter tomado contas ao juiz que
terminava o seu mandato, as chaves dos armários e os livros da Casa, que ficavam na
posse do escrivão enquanto era feita a eleição.
De todos os atos, deliberações ou omissões da câmara, de onde resultasse prejuízo para
o bem geral podia o juiz pedir revogação, alteração ou providência, por meio de
representação ao rei ou ao senado, sempre que seja da sua competência, os ofícios
mecânicos, abastecimento, e preços.211 Bem como a regulamentação e fiscalização das
atividades das lojas, dos ofícios e pessoas neles envolvidos e determinar quais os dias
que seriam feriados,212 bem como regulamentação de mercados, abastecimentos, fixação
de preços e de medidas.213
Sendo um cargo que além da dignidade institucional, tinha uma dignidade social, que
não poderia estar totalmente desconexa com o seu valor institucional, uma vez que a
instituições políticas emergem dos quadros sociais, e por estes são influenciados apesar
destas formarem um quadro próprio.

207
Santos, Maria Antonieta Pessanha, A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa (…), p. 37.
208
Resolução, em Elementos, t. XIV,. p. 387.
209
Ibidem.
210
Índice, f.69. Vº
211
Idem, p. 7.
212
Fernandes, Paulo Jorge, As Faces de Proteu. As Elites Urbanas e o Poder Municipal em Lisboa de finais do
Século XVIII a 1851, p. 26.
213
Idem, Ibidem.

57
Esta dignidade social é demonstrada através das suas funções e honras sociais214, tais
como ir à cabeça de procissões e festividades, em especial na excelsa Corpo de Deus.215
Representar a cidade de Lisboa em momentos importantes de uma perspetiva política,
tal como o nascimento, e batismo de um príncipe, casamentos reiais, e funerais de
personalidades importantes do Reino.216
O exercício de tal cargo e o apoio da população faziam com que o juiz não deixasse de
se pronunciar sobre as questões económicas e políticas da nação.
A sua ação fez-se sentir na defesa dos ofícios, comunidade em geral, abastecimento
fixação dos preços, impostos, licenças, e assuntos de cada ofício, bem como lutar pelo
privilégio, direitos, e prerrogativas da casa. 217
Além disso intervém em questões sociais, como levar a Senado a necessidade de os
oficiais saberem ler e escrever, e dirigindo ao governo por intermédio a favor do ensino
primário218
Em termos políticos, intervém na crise de independência, que resulta pelo apreço de D.
João IV no uso de honras de usar a vara vermelha.219
Intervém na deposição de D. Afonso VII a favor de D. Pedro, e passa a ser consultado
em matéria de política interna e externa.
Tinham ainda um ordenado e propinas, que em 1624 eram tenta mil reis, e em 1711
aumentado para quarenta e cinco mil reis, em 1745 para 48 mil. 220
Em consequência do terramoto de 1755, para direção dos trabalhos de remoção do
entulho e buscas nos escombros, nomearam-se 2 juízes do povo.221 Este órgão dura até a
dissolução da Casa dos Vinte e Quatro.

6.2 Os procuradores da Casa dos Vinte e Quatro

O segundo órgão da Casa dos Vinte e Quatro, e talvez o seu mais importante, eram os
procuradores dos mesteres. Nestes estavam os principais poderes institucionais da Casa
dos Vinte e Quatro. Em primeiro, a câmara não podia funcionar sem a sua presença e
sem o seu voto, como forma de não serem decididas questões à revelia dos
214
Idem, Ibidem.
215
Principal procissão de Lisboa, sendo instituída pelo Papa Urbana IV em 1264.
216
Fernandes, Paulo Jorge, As Faces de Proteu (…), p. 26
217
Santos, Maria Antonieta Pessanha, A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa (…), p. 38
218
História do município, VIII, pp. 22-26.
219
Índice Geral, p. XXLV, decreto de 15/1/1641.
220
Cada um dos aumentos – Elementos para Historia do Município. T. X, p. 565. O segundo, T.XV, p. 502,
Regimento de 25 de março de 1745.
221
Cit. Rocha Martins/ Lopes D’Oliveira, Os direitos do povo (…), p. 29.

58
representantes dos mesteres. Em segundo, tinham poder deliberativo com os vedores do
conselho, quanto às posturas, ordenações, fintas, e talhas, contratos de emprazamento,
aforamento, e arrendamento, eleição de juízes, dos próprios vereadores, e procuradores,
bem como da almotaçaria.222
Tendo obrigação de tudo comunicar ao juiz do povo e à Casa dos Vinte e Quatro que
223
fossem vitais para o “bem comum” da comunidade. Sendo que esta não pode ser
entendida enquanto povo-ordem, mas mesteirais, enquanto classe socioeconómica
dentro da ordem do terceiro estado.
Quando houvesse decisão tomada contra o seu voto224, podiam requerer a sua
suspensão, pedindo o conselho decisão ao rei.
Os procuradores eram os representantes das classes mecânicas no senado de Lisboa.
Embora alguns autores julguem a criação deste cargo anterior a 1384, nada até hoje nos
autoriza a fazer tal afirmação, e por isso consideramos a entrada dos procuradores na
Câmara, como privilégio concedido por D. João I, não deixando, porém, claro quantos
são. Em 1395 somos levados a supor que não seriam mais de quatro a oito, mas
provavelmente quatro.225
D. Duarte ordena226 que os procuradores dos mesteres sejam fixados em número em
quatro nas cortes de leiria em 1438.227

Quanto ao exercício de poderes, era apenas exercício mensal até D. Afonso V lhes fixar
a jurisdição e definir o mandato por um ano.228
Os procuradores tinham de comparecer no Senado todos os dias da vereação e faltando
sem justificação eram suspensos durante 15 dias.229, pois o senado não funcionava sem
a sua presença e os procuradores eram obrigados a assinar todas as deliberações, mesmo
as que não concordassem,230 não podendo votar além das suas competências.
Quando não cumpriam a vontade da Casa, ou tinham excedido a sua procuração,
podiam ser expulsos do cargo de procuradoria e até mesmo da própria assembleia dos

222
Idem, Ibidem.
223
Idem, Ibidem.
224
Eram no entanto obrigados a assinar todas as deliberações, mesmo as que fossem vencidas, não podendo proferir
declaração, o que gerava protestos, e por vezes a prisão dos núncios dos mesteirais. Cf. Ide, p. 127.
225
Santos, Maria Antonieta Pessanha, A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa, (…), p. 41.
226
índice geral, fl, 81, v.9)
227
Santos, Maria Antonieta Pessanha, A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa, (…), p. 42.
228
índice geral, fs 82)
229
índice geral, fs 80 e poucos)
230
índice geral, 155)

59
vinte e quatro.231 Tinham ainda de assistir à eleição do almotacé, a qual sem a sua
presença não era realizada. Tinham de notificar os membros da Casa dos Vinte e Quatro
para aparecerem na procissão do Corpus Christi.
Nas reuniões de câmara ficavam à parte dos vereadores, em lugares inferiores no
tribunal, e em 1773, pela Carta régia de 13 de novembro, os procuradores tiveram
licença para terem lugares na mesa da vereação, “ nos últimos lugares do extremo da
sala.232

A 6 de maio de 1512, D. Manuel estabelece que um dos procuradores tem de ser cristão-
novo, (note-se que este evento vem depois da perseguição, castigo e restabelecimento,
da Casa dos Vinte e Quatro, depois dos criminosos eventos de 1506). No entanto, só
seria eleito um cristão-novo, quando fosse eleito a vozes, pela Casa dos Vinte e
Quatro.233

Quanto às eleições dos procuradores dos mesteres, realizava-se juntamente com a dos
Vinte e Quatro, só podendo ser eleitos os mesteirais que não tivessem ofício da cidade.
E como os restantes oficiais a sua reeleição só podia acontecer passado 3 anos.234
A eleição, segundo o costume, era por votos. Apenas em 1590, Filipe I ordena que se
faça por sorteio.235 Em 1619 a própria Câmara pede a eleição por votos e enquanto não
se resolvia a questão, é autorizada ser feita desse modo236 por Filipe III em janeiro de
1634.237
Por resolução régia de 23 de dezembro de 1641, D. João IV determina que a eleição se
volte a fazer pela forma tradicional, de sortes e pelouros, para se evitar subornos e
corrupção, critério aliás que se manteve até 1655, onde, a pedido do juiz do povo, se
voltou a fazer por votos,238 sendo assim mantido até à extinção da Casa.
Em relação aos privilégios e prerrogativas, tal como o Juiz do Povo, e em geral todos os
oficiais da Casa, também Procuradores gozavam de numerosos privilégios e
prerrogativas que lhes dava o seu cargo, de que tinham como insígnias as honoríficas

231
elementos para a historia, t.XIII, p. 105
232
Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos para a história do município, Vol. XV, p. 77..
233
Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos para a história do município, Vol. XV, p. 604.
234
Santos, Maria Antonieta Pessanha, A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa, (…), p. 45.
235
( índice geral, fs. 70)
236
Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos para a história do município, Vol. II, p. 520.
237
Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos para a história do município, Vol. XII, p. 396.
238
Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos para a história do município, Vol. XII, pp. 396-397.

60
varas vermelhas com as armas da cidade concedidas pelo Senado da Câmara, em
1550239.
Os Procuradores estavam isentos de serviço militar, exceto quando entrava o próprio
Rei240 e não lhes podia ser aplicada pena de justiça pública.241 Gozavam ainda de
privilégios, dos quais, caso pertencessem à irmandade de Santo António, podiam
acompanhar a procissão com as suas varas, e gozavam de todos os privilégios que os
cidadãos da cidade tinham.
Os Procuradores tinham ainda preferência no provimento de certos ofícios do senado, e
também como o Juiz do povo tinham diversas propinas e ordenados estabelecidos.
Como o juiz do Povo, os Procuradores também intervêm frequentemente em questões
económicas e respeitantes a corporações, no sentido de manterem ou alargarem novas
regalias para a classe dos mesteres, da Casa dos Vinte e Quatro.

7. Os Poderes, Prerrogativas e Atuação da Casa dos Vinte e Quatro

7.1 Os Privilégios e Prerrogativas


Em virtude do papel dos mesteirais no cerco de Lisboa, e em recompensa aos seus
grandes sofrimentos, o mestre de Avis concedeu-lhes um conjunto de privilégios: “
«Entonce lhe junto estes costumes e direitos, que haviam em usança de pagar, relego242,
leigados243, de pão e de vinho, mordomado244 e anaduvas245, açougagem246, selario247,
mealharia248, londas249, e alcavala250. E mais lhe fêz mercê e do passo das fangas de
farinha e do passo onde os carniceiros cortam carne e mais lhe deu dezasseis tendas que
eram desde o Arco das Mercearias à Porta das Carnaçarias, oito de uma parte e oito de
outro, as quais mandou que se derribassem para a praça da cidade ser mais formosa.
Deu-lhe mais dois tabeliados que havia em Oeiras e no reguengo de Ribamar, por não

239
Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos para a história do município, Vol. I, p. 561.
240
Santos, Maria Antonieta Pessanha, A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa, (…), p. 46. Cf. Com confrontar carta
régia de 2 de dezembro de 1476 – Livro dos Pregos, fs 304.
241
Índice geral ( Carta régia de 1 de abril de 1521, confirmada a 9 de novembro de 1524, Índice geral, p.( 61 ou 81).
242
Relativo ao celeiro, lagar, adega, onde se guardavam os géneros.
243
Sítios onde coubessem pequenas porções. Cf. Direitos do povo.
244
Quantias monetárias pagas ao mordomo.
245
Obrigação de prestar trabalho ou dinheiro na reparação das muralhas e castelos.
246
Direitos sobre a carne e outros comestíveis postos em mercado.
247
Imposto sobre os animais de sela.
248
Dízimo sobre a medida trazida a praça para venda.
249
Pagamento pelos foros das terras de novo arroteadas ou abertas.
250
Género de tributo de fazendas, gados, vendas e portagem em trânsito em caminho privado.

61
haver outros tabeliães no termo e não somente lhe tirar este costume e direitos»” 251.
Estes deu exclusivo aos mesteirais, mas deu também aos restantes membros do
concelho “«mas ainda deu outros mais outros privilégios a todos os vizinhos da cidade e
de seu termo, que entonce eram, ou deante fôssem, que não pagassem em todos os
lugares do Senhorio de Portugal e do Algarve portagem252, nem usagem253, nem
costumagem254, nem outro nenhum direito nem tributo de todas as mercadorias que
levassem para um lugar dos outros reinos, ou que trouxessem de outros lugares para a
dita cidade, assim como para seus mantimentos, como pera vender»” [sic]255.
Com estas mercês o povo aprendeu a governar e a fazer frente aos arrojos e arrogâncias
dos nobres. Representava o terceiro estado, em cortes e nunca deixou de reclamar. O
juiz do povo passou a ser magistrado muito de requestar e sem ele dificilmente se
moveriam as massas populares.256
A Casa e os seus membros tiveram ao longo de muito tempo muitos privilégios.
Consegue de D. João I que os fidalgos e outros poderosos estejam obrigados ao
pagamento de determinadas taxas lançadas ao povo.257 Privilégio posteriormente
confirmado por todos os monarcas portugueses.
Em 1565, a 4 de dezembro, pela escritura de composição que a Casa celebra com a
Câmara, os oficiais ficam isentos do pagamento de chancelaria de cartas e exame de
licenças para vendas públicas e qualquer outro documento que passasse pela chancelaria
régia.
A carta de régia de 5 de junho de 1581 assinada pelo rei espanhol, declarava:
“«Receby a vossa carta de 30 de maio, em resposta do que os dias passados vou
escrever por ser informado que as fintas258 que se faziam nesta cidade era cousa nova e
parecer que poderiam ser de escandalo ao povo que queria que não recebesse nuqua. E
vysto o que agora dizyeis, Ey por em que se faça aquilo que em semelhantes casos se
costuma fazer nesta cidade; e receberei cotente e muto de nisso se proceder co a
moderação q conve (convém) como comfio que o fareis. E posto que sey com que
quoãto cuidado e vigilância procedereis, no que toca à saúde e conservação dela me

251
Martins, Rocha/ D’Oliveira, Lopes, Os direitos do Povo (…), pp. 8-9. Citando Fernão Lopes, Crónica de D. João I
– Vol. III pp. 81-82. Ed. Melo de Azevedo.
252
Martins, Rocha/ D’Oliveira, Lopes, Os direitos do Povo, (…) p. 9
253
Dízimos para legalizar mas pagos por uso e costume.
254
Idem.
255
Martins, Rocha/ D’Oliveira, Lopes, Os direitos do Povo (…), pp. 8-9.
256
Ibidem.
257
Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos para a história do Municipio (…), Vol. XVI, p. 294.
258
Décimas, Cf. Martins, Rocha/ D’Oliveira, Lopes, Os direitos do Povo (…), p. 25.

62
pareceo tornar-vo-o a encomendar novo.»” [sic]259. Tratou-se por isso de manter a
isenção das fitas aos oficiais mecânicos.
Os oficiais estavam ainda isentos do pagamento da licença pela abertura de lojas 260 Por
resolução régia de abril de 1705 a pedido do juiz do povo, os aprendizes e obreiros são
escusados de alistarem para soldados, só podendo ser aquele que não tivesse certidão,
em forma do privilégio, passado pelo presidente da Casa dos vinte e Quatro.261
Também nenhum oficial que servisse na Casa dos Vinte e Quatro podia sofrer pena vil
(corporal) durante o seu exercício, e eram dispensados dos serviços de ronda, por
resolução de 9 de julho de 1767.262 E os seus filhos querendo ir servir na Índia ou no
Brasil era-lhe concedido o foro de moço da câmara, por decreto de 6 de dezembro de
1644.263
Todos estes privilégios e outros ainda privativos de alguns ofícios, explicam o desejo
por parte dos ofícios de fazerem parte da Casa, e embora os escassos elementos
estatísticos encontrados, possuímos no entanto alguns que permitem avaliar a população
mecânica no século. XVIIII e século XIX.

7.2 Atuação da Casa dos Vinte e Quatro

Cabe agora tratar em conjunto quais os principais momentos de atuação da Casa dos
Vinte e Quatro no percurso da história, de forma a compreender a sua importância.
Apareciam na festividade do Corpus Christi que foi instituída pelo Papa Urbano IV em
1264 e parece da data do final do reinado de D. Afonso III a procissão que celebrava em
Lisboa. Esta tem uma importância capital, pois as instituições existem numa dimensão
formal, mas também de uma social, do prestígio, grau de adesão que conseguem receber
por parte da comunidade de onde se situam. A Procissão do Corpus Christi tem um
valor social enorme numa sociedade profundamente católica, e a posição que esta classe
profissional – os mesteirais, organizados na Casa dos Vinte e Quatro ocupam na
procissão, a sua dignidade e simbolismo, não seriam alheios aos olhos dos Lisboetas.
Por outro lado, a Casa dos Vinte e Quatro tinha competência para suspender ou proibir
certas contribuições em determinados casos ainda mesmo que a câmara não concordasse

259
Cit. Rocha Martins/ Lopes D’Oliveira, Os direitos do povo (…), pp. 25-26.
260
Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos para a história do Municipio (…), Vol. XIII, p. 263.
261
Santos, Maria Antonieta Pessanha, A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa, (…), p. 29.
262
Ibidem.
263
Ibidem.

63
e possuía ainda outras atribuições especificadas na “carta de Sentença passada em nome
del rei D. Afonso V” sobre a jurisdição dos mesteres com os moradores e cidadãos da
cidade de Lisboa”.
Formaram forte ação no respeitante a contributos ou impostos, reagindo e opondo-se,
por vezes com violência, aos desejos camarários e régios, representando não só a sua
classe profissional mas o terceiro estado enquanto um todo.
Não haviam decisões da câmara sem a sua presença, mas também se eles faltassem sem
justificação, eram-lhes descontadas as prerrogativas, e que daquele modo poderiam
fazer o que se chamaria mais tarde “obstrucionismo”.
Eles votavam com os vereadores eleitos e sorteados para os pelouros, embora não
tivessem alvedrio além do que respeitava aos seus ofícios e despesas citadinas.
Na Carta de Privilégios de 1384, são atribuídos aos mesteres as seguintes mercês, em
relação à Casa dos Vinte e Quatro:
- Que dois procuradores dos mesteirais de Lisboa, homens bons letrados, estariam
presentes em todas as reuniões do conselho do Rei, para formularem os seus pedidos,
emitirem os seus pareceres, e apresentarem as suas reclamações, e assistiram a todas as
audiências municipais, para votarem, sendo eleitos, substituídos e demitidos, pelos
moradores, e mesteirais de todos os mesteres, e pagos por conta do Concelho.
- Os Juízes, regedores, e o procurador da cidade não poderiam aprovar posturas264,
ordenações, aumentar impostos, prometer ou da atribuir serviços, contrair encargos,
eleger magistrados como os juízes, vereadores, sem que dois homens bons de cada
mester fossem chamados a votar, deliberando por maioria.265/266
- A cobrança de imposições municipais, não seria dada de arrendamento, salvo existir
uma grande necessidade, e neste caso com a aprovação dos mesteres, ou dos seus
procuradores.

264
As posturas podiam ser disposições destinadas a regular a produção e venda de bens de forma a salvaguardar os
interesses gerais e manter uma fonte de receita do concelho. Cf. Langhans As Antigas corporações dos Ofícios
Mecânicos e a Câmara de Lisboa, Publicações Culturais de Lisboa, 1942 in separata dos Nos 7, 8 e 9 da “Revista
Municipal”, p. 3.
265
Caetano, Marcello, O concelho de Lisboa (…), p. 14.
266
Confrontar o texto recolhido, da carta régia de 1 de abril de 1383, por Marcello Caetano, Idem, pp. 51-54. No
original “Outrissy nos pedírom por mercee que os jujzes nem regedores nem procurador que ora da dita cidade som
ou forem ao diante nom ponham nem façam pusturas nem hordenaçõões em nenhua guisa nem alçem sisas nem fintas
nem talhas e nehua guisa nem pormetam nem dem serujços nem pera outros nehuuns encargos nemhua cousa Nem
outrossy nom façam nem posam fazer enliçam de jujzes nem vereadores nem procurador nem dem officíos a nehuas
pesoas a menos que dous homens boons de cada huu mester seíam chamados e que se façam segundo a mayor parte
delles acordar E que fazendo se em outra guisa que nom seíam firmes” [sic].

64
- Apenas os vinte e quatro teriam competência para decidir sobre a cobrança ou
dispensa das taxas, talhas, fintas e serviços nessa altura lançados, o de que futuro
possam ser lançados.
- Todos os impostos seriam distribuídos por igual, consoante os bens267 de cada um,
fossem ricos e nobres, ou pobres e mesteirais, acabando com os privilégios dos fidalgos
e dos doutores.
Deste modo se pode concluir que, contrariando a oligarquia urbana instituída, os
mesteres, teriam agora o poder de fazer as posturas, aprovar os impostos, eleger os
magistrados, formando uma assembleia dentro de uma assembleia, ou seja dentro da
assembleia municipal onde se contavam os homens-bons, estavam a assembleia dos
vinte e quatro representantes dos mesteirais, senão fisicamente, pelo menos
institucionalmente. Não podendo a câmara funcionar sem a sua presença, e sem o seu
voto seria nulo quando versasse sobre estas matérias. Neste sentido muito se
assemelhavam a um verdadeiro contra poder, que não substitua no governo municipal às
elites concelhias mas fazia-lhes um freio nas matérias que a si diziam respeito.
Quando morreu D. Duarte ficou na regência D. Leonor de Aragão, a sua viúva. Não se
concordou com a sua governação, preferia-se o infante D. Pedro e criaram-se partidos.
Deliberava-se na câmara e nas ruas. Entenderam uns que devia ser a rainha, outros que
cabia ao Infante D. Pedro, irmão do infante. Os lisboetas não consentiam que se afixasse
porta da Sé a carta em que a Rainha se pronunciava pelo entendimento com o povo, que
pediu ao notável letrado, o doutro Afonso Magalhães que falasse em seu nome, o que
ele fez ao lado do capitão-mor do mar e alfares da cidade - Álvaro Vaz de Almada.
Deliberava-se que “a Rainha devia ceder a regência, e devia toma-la até a maioridade do
rei Afonso V, o infante D. Pedro. Em caso de falecimento deste, seguira-se o infante D.
Henrique, e a este seguia-se ainda que estivesse a definhar em Fez, o infante D.
Fernando, em último recurso a família bastardo de D. João I, conde de Barcelos, futuro
duque de bragança.
Pelas intrigas do chefe daquela casa, pereceram D. Pedro e o seu companheiro conde de
Avranches, Álvaro Vaz de Almada.
Quando do pleito com a Rainha, o povo reunia-se no refeitório de S. Domingos e”
leram-lhes os acordos dos vereadores para isso designados e pediram a todos que
dessem o seu parecer. Um alfaiate, Diogo Peres Bradou logo que nada tinham para lhe
dizer, e que estavam prontos a cobrir de assinaturas o acordo em tudo conforme com as
267
Tal representa a reivindicação do povo que impossibilitou a assembleia magna convocada por D. Dinis de decidir.

65
intenções populares. Deviam ter sido úvidos os procuradores da Casa dos Vinte e
Quatro.
“ Com aquela voz, de Rui de Pina, seguiram-se tantas que alguma se não ouvia; e com
as assinaturas do que tinham assinado foram logo outras tantas feitas, que não cabiam
em um grande caderno, porque assim trabalhava cada mecânico, apesar de por ali o seu
nome, como se no futuro dele se acrescentasse sua honra e fazenda, remedisse toda a
necessidade do Reino”268
Quando Portugal cai sobre o domínio espanhol, os nobres e os ricos submeteram-se de
melhor grado que o povo.269 Em 1633 os procuradores eram obrigados a assinar todas as
resoluções da Casa dos Vinte e Quatro, ainda que não as aprovassem não sendo
permitido fazer qualquer declaração. A eleição dos procuradores era feita por pelouros –
as bolas de cera que se ocultavam os nomes que seriam sorteados. Os mesteirais
solicitaram que se fizesse por votos afim de não recaírem os sufrágios em pessoas “«
inhabeis e de muitos defeitos, incompatíveis, para assistirem na mesa da vereação; e
sendo por votos elegem os melhores e reprovam os inhabeis; e suborno que podia haver
entre eles não cessa, antes se arrisca mais per pelouros»” [sic].270
No ano de 1629 havia tantas dívidas à Casa dos Vinte e Quatro que o juiz do povo,
Francisco Lemos e o seu escrivão, foram a Madrid reclamar junto do Rei aqueles
pagamentos.
Os procuradores do povo, em 1634, começaram a sua resistência legal e pacífica contra
o governo filipino, porque foram introduzidas nas suas regalias novas medidas. O
procurador a cidade não pode votar nas matérias e negócios da câmara e do povo desta
cidade por não ter competência para tal.
O juiz do povo João de S. Paio recordava que D. Filipe II jurara em Cortes acerca das
garantias de “«privilégios, liberdades, e franqueza, usso e costumes e de manter esta
Coroa separada de Castela e quaisquer outros seus reinos»” 271 Reclamando que não se
devia fazer Cortes sem o Rei, e de “todos seus povos e não numa junta de povos
limitados, em tão notório prejuízo de reputação e crédito dele adquirido com tantos
feitos heroicos se seos naturais” [sic].272 Para o juiz escrever deste modo bravo, contra o
poderoso rei ibérico, era preciso altivez e desassombro, o que pode ser explicado ou por
fatores de personalidade individual ou por uma base de suporte popular.
268
Martins, Rocha/ D’Oliveira, Lopes, Os direitos do Povo (…), p. 12.
269
Ibidem, p. 21.
270
Cit. Ibidem, p. 26.
271
Cit. Ibidem, p. 27.
272
Cit. Ibidem p. 27.

66
Os fidalgos da conspiração de 1640 não deixaram de ter por si o juiz do povo, apesar de
a revolução ter sido feita pela nobreza. Para defesa do Reino estipulou-se que a 5 de
setembro de 1641, um imposto: “ «Que em cada uma das freguesias desta cidade de
Lisboa haja 5 pessoas que assintam e disponham esta contribuição das quais uma delas
será fidalgo outra letrado, outra cidadão ou nobre e duas do povo, das que este ano
servem na Casa dos Vinte e Quatro ou serviram no passado»” 273.A Casa dos Vinte e
Quatro exige em 1687 a convocação de cortes sob pena de declarar levantadas as
contribuições de guerra.
Na segunda metade do século XVII foi apogeu da intervenção efetiva dos Vinte e
Quatro nos conselhos do Rei, bem como na sua influência na vida pública.
À semelhança do advento da sua criação, foi proporcionada pela necessidade da
colaboração das classes mecânicas numa outra guerra de independência nacional – a
guerra da restauração. Tal se devia, não a uma mudança das ideias da forma como ver
esta classe do terceiro estado, mas antes da conjuntura de guerra prolongada, da força do
adversário, que culminava em inúmero esforços humanos e monetários a que D. João IV
não foi alheio, e esforçou-se para desenvolver uma relação de maior colaboração entre a
administração régia e a Casa dos Vinte e Quatro, que determinou a sua valorização,
tanto de um ponto de vista formal e do direito, no sentido de criar determinados usos
institucionais, como do ponto de vista social e politico, com a valoração que esses
mesmos usos determinavam numa opinião sobre as mesmas instituições.274
Esta colaboração foi demonstrada, pela chamada dos Juízes do Povo às Juntas
encarregadas da defesa e da administração, quer para informar, quer para dar o seu
entendimento, sobre as matérias que a título direto ou indireto afetavam as classes
populares, par excellence as contribuições monetárias para a guerra.275
Este tipo de nova relação com a Coroa proporcionou e alavancou outro tipo de
intervenções nos assuntos do Reino, tais como intervenções em sede de regência
durante a menoridade e posterior incapacidade de D. Afonso VI.276
Com o fim da guerra da restauração, a necessidade de contar com os tribunos dos
mesteirais nos conselhos régios esvaiu-se. No entanto, as práticas formaram usos e estes
sobreviveram à favorável conjuntura que serviu para o empoderamento da Casa dos
Vinte e Quatro. Por isso, com esta terminada, ainda se pronunciava a casa sobre
273
Cit. Rocha Martins/ Lopes D’Oliveira, Os direitos do povo (…), p. 28.
274
Ao ponto de o monarca lhe atribuir o nome honorífico “ Minha Casa”.
275
Langhans, Almeida, Advertências feitas à Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa em 1701 sobre a politica que
conduziu à guerra da Sucessão Espanhola, Separata da Revista Portuguesa de História, Tomo IV, Coimbra, p. 5.
276
Idem, Ibidem, p. 6.

67
Política, em especial da internacional, que tanto importava aos mesteres que dependiam
sobretudo dos grandes mercados internacionais, tanto para a matéria-prima, como a
redução da mão-de-obra,277 como nos mostra Langhans “Resoluções régias da época
bem o provam, quando mandam «que os oficiais a que foi concedido levantar gente
(para o exército) não alistarem os tais oficiais e aprendizes ( ou oficiais mecânicos)»”.278
Em 1660, protesta contra os novos impostos alegando não ter de ser sido ouvida sobre
eles como era seu direito e o prejuízo que dai advinha para o povo 279. Opondo-se
também ao lançamento de novos tributos, tributos para a construção de fortificações,
protestando contra o prejuízo dessas obras acarretavam para o povo, não só para em
bens como em pessoas que são obrigadas a trabalhar nas obras. 280 A par desta ação
desenvolve também grande atividade em defesa dos seus interesses e da comunidade:
protesta contra o aumento projetado da moeda.281 Representa sobre a importação de
couros e produtos ingleses e do prejuízo que trazem ao reino, quer contra os lavradores
que pretendiam isentar-se dos impostos.282
Reclama contra o açabarcamento dos produtos impensáveis à manutenção da população,
e contra os Pregos excessivos que os mesmos, por vezes atingem; protesta contra
qualquer infração dos seus privilégios, pede a convicção de novas cortes.283
Esta importância e usos mostram que durante este áureo período teve a Casa dos
Mesteirais, posições de relevo que extravasavam as suas atribuições institucionais. Esta
importância é mostrada pela sua posição quanto à guerra civil espanhola.284
Estas motivaram grandes divergências sobre qual o caminho que Portugal havia de
tomar, se a neutralidade, se o lado do império Britânico, se o lado Francês. Os
mesteirais representados na Casa, não deixaram de fazer valer a sua opinião e
elaboraram um documento, denominado “Advertências feitas pelos Vinte e Quatro do
Povo Da Muito Grande e Sempre Leal Cidade de Lisboa que Servirão a mesma no ano

277
Idem, Ibidem, p. 6.
278
Cit, Idem, Ibidem, p. 6.
279
Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos para a história do Município , Vol. VI, p. 51.
280
Ibidem, p. 175.
281
Idem, p. 191.
282
Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos para a história do Município, (…), Vol. VIII, pp. 120, 127, 137.
283
Santos, Maria Antonieta Pessanha, A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa, (…), p. 34.
284
A guerra da sucessão espanhola, foi o conflito europeu, que se decorreu entre 1701 e 1714, para decidir quem
ocuparia o trono de Espanha depois da morte de Carlos II que morrera ser herdeiros, subindo ao trono um Bourbon,
dinastia que governava França, o temor do enorme poder que era a união destes, bem como a de Espanha ser reinada
por um Habsburgo e ter uma união à Áustria, gerou uma guerra entre os pretendentes, entre O Sacro Império (
Austria, Prussia e Hannover), bem como a Grã Bretanha até 1707 a República Unida dos Países Baixos, Portugal, a
Saboia e o reino Unido da Dinamarca e Noruega), contra a França dos Bourbon, a Baviera e a cidade de Mântua. A
guerra termina com o tratado de Utrecht no qual Filipe de Anjou é reconhecido como Rei de Espanha, e a Grã-
Bretanha aumenta a sua hegemonia na europa.

68
de Mil seiscentos e oitenta e oito aos vinte e quatro que na da Casa servem este Presente
ano de 1701”.285
Esta advertência quanto ao seu conteúdo é estruturada em três partes, uma primeira que
passa por uma declaração de intenções, que dizendo não sendo das suas atribuições a
pronúncia sobre as questões de política internacional, sem necessidade de se expressar
sobre esta questão de tanta importância nacional e consequentemente para esta camada
do terceiro estado. “No anno assima mencionado servimos nesta Cidade as mesmas
occupaçõens a que por obrigação assistimos não dão lugar a discurssos políticos como
estas nos não desobrigão de zelosos diremos a V.Mces com verdade e sem cautella o q se
nos oferece em ordem ao estado prez.te” [sic]286
Para tal lembram com amargura dos eventos da guerra da Liga de Augsburg287, em que
existiu uma neutralidade, sem uma força que a permitisse, acabando por isso por se
juntar à Grande Aliança.288
Uma segunda parte que passa pela adoção de uma posição de neutralidade enquanto
melhor opção “O q não obstante houve muitos zellozos a q.m pareçeo com bom
fundamento naquela mesma occazião que a neutralidade vestida e armada é capaz e ser
venerada quando bem defendida, era o mais sagaz e conveniente arbítrio: porque só
assim se conservaria respeito e se aumentarião as forças pelo meyo do comercio que s
podia estender e ampliar em grande utilidade e beneficio da Republica circunstancia que
sempre se deve preponderar (sic) com profunda atenção” [sic].289
Em terceiro, passa por uma análise das opções política: da neutralidade, da adesão à liga
do Império Sacro Romano-Germano, ou posicionarem-se do lado Francês:
“ Tres são os pontos em q finalmente em q finalmente temos que discorrer e discursar.
O primr.o se convirá entrarmos na Liga do Imperio Inglaterra e Olanda e mais potençias
que seguem aquella aliança. Segundo se será mais conveniente unirnos com França e
Castella, com as cirunstancias e condiçõens que oferecem e propoem os Principes de
uma e outra potencia. Terceiro se seria mais justo, mais conveniente, e mais seguro
ficarmos com a neutralidade” [sic].290

285
Transcrição livre, documento transcrito na integra, em Langhans, Almeida, Advêrtencias feitas à Casa dos Vinte e
Quatro (…), pp. 16 e ss. Note-se que apresentada em 1701 são apresentadas pela Casa dos Vinte e Quatro de 1688,
Cf. Idem, Ibidem, p. 11.
286
Idem, Ibidem, p. 16.
287
Coligação contra Luís XIV encetada por Inglaterra, A República holandesa, e o arquiducado da Áustria, que
desembocou na Guerra dos Nove Anos.
288
Langhans, Almeida, Advêrtencias feitas à Casa dos Vinte e Quatro (…), p. 13.
289
Cit. Idem, Ibidem, p. 16.
290
Cit. Idem, Ibidem, p. 18.

69
Por fim, numa quarta parte, sugerem uma opção subsidiária, que caso a guerra não
possa ser evitada, deve Portugal ir pelo lado da Liga do Império. Oferecendo para isso
diversos argumentos: como não convir uma aliança com França por não garantir a
proteção do comércio, deixar Portugal sujeito a Castela quando for feita a paz e caso
morra o rei de França que “ se acha ja na idade de 63 annos” [sic]291. Por outro lado a
guerra com Inglaterra e a Holanda deixa desprotegidas as rotas comerciais impedindo a
chegada de “ drogas que não hão de chegar das nossas Conquistas acabandoçenos com
ellas o unico nervo ds cabedaes deste Rn.º; porq perdendoçe os asucares e tabacos, e o
mais qu nos vem dellas só por milagre nos poderemos conservar e mais defender” [sic].
292

Este documento tem uma importância vital para o nosso relatório, pois mostra-nos
vários aspetos importantes da Casa e dos seus representantes, o conhecimento específico
de geopolítica e relativa literacia, que longe das espadas desembainhadas a quando da
aclamação de D. João I como defensor da pátria, apresentavam agora argumentos
estruturados, fundamentos em análises geopolíticas, e com análise consequencial
económica. Este será por isso o momento de maior influência da Casa dos Vinte e
Quatro, que se arrogava de se pronunciar sobre as grandes questões da política
internacional, ainda que não de forma vinculativa.

8 Evolução institucional da Casa dos Vinte e Quatro

8.1 Até ao Século XVI

Os mesteirais queixam-se ao Infante D. Duarte que segundo o costume estavam


presentes os vinte e quatro, porém D. Duarte coloca em dúvida o seu direito, tendo de
lhe o demonstrar, e mais acrescenta que não deveriam estar todos presentes ao mesmo
tempo, mas por turnos mensais ou semanais, de 6 a 4.
293
Em Carta régia de 4 de abril de 1409 : determinava que nas reuniões de câmara não
estejam mais presentes que não os vinte e quatro. “das vozes em alguns ajuntamentos,
que de necessidade ás vezes se fazem por bem da governança da idade, e em algumas
outras cousas para que convem, havemos por bem determinarmos que nos taes

291
Cit. Idem, Ibidem, p. 18.
292
Cit. Idem, Ibidem, p. 20.
293
Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos (…), pp. 383-284.

70
ajuntamentos não haja mais vozes que as dos vinte e Quatro dos mesteres, e isto no que
toca aos do povo, porque estes abastam por elle, e assim se cumpra” [sic]294.
O infante com o voto de Conselho que o assistia, estabelece que os mesteres,
interviessem nas eleições ou nomeações para cargos municipais e na elaboração de
ordenações que pertenceram ao povo – é uma restrição aos direitos de 1384 quer quanto
ao número de assuntos que podem intervir, quer quanto ao número de mesteirais por
reunião.295
Depois dos mesteirais mostrarem escritura pública que confirma os privilégios, D.
Duarte, já rei, expede carta régia de 9 de abril de 1434 em que confirma os direitos
concedidos, e determina que fossem 4 os procuradores a participarem em todas as
deliberações que os privilégios de 1383 lhes concediam.
Em 1466 após nova contenda entre a câmara e os mesteirais decide D. Afonso V que os
4 procuradores “eleitos pelos bons homens dos mesteres sirvam anualmente e não até aí,
por turnos mensais ou semanais” (carta régia de 14 de outubro).296
Em 1466 passam a formar uma assembleia exclusiva onde eram eleitos os 4
procuradores que os representavam nas reuniões de câmara.
Nas cortes de Évora de 1481 -1482 os representantes dos conselhos protestam contra os
mesteirais no governo dos municípios, o Rei responde que os mesteirais só têm voto em
Lisboa.
Nas cortes realizadas em Évora de 1481 e 1482 existem queixas contra os
representantes dos mesteres.297 Queixam-se os núncios concelhios que os tribunos da
raia miúda são incompetentes e ignorantes para reger o município, preferindo a
sabedoria dos “bons antigos cidadãos”298, pedindo pois o regresso ao estado de coisas
anterior aos acontecimentos do século anterior, estando a oligarquia municipal ainda
muito viva, apesar do tempo passado. A esse pedido, responde D. João II “ que elles
nam stam pera dar voz, senam em lixboa e quando a ella for emtemdera sobrello como
for seu serviço” [sic].299
Nas cortes de 1490 na mesma cidade, são rogados ao Rei os mesmos pedidos, e
novamente são recusados, “que omde os ha, por bem que sejam ouvidos amtes que

294
Cit., Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos (…), p. 384.
295
296
Marcello, A antiga organização dos mesteres (…), p 6.
297
Campos Rodrigues, Maria Campos, Aspectos da Adminstração (…), p. 64.
298
Cit, Idem, Ibidem.
299
Cit, Idem, Ibidem.

71
sobre ello determine cousa alguua, e que omde os nom ha, ha por beem que os nom aja”
[sic].300
Em 1499, D. Manuel301, tendo em atenção os inconvenientes das velhas assembleias
municipais em que podiam tomar parte todos os homens bons, ordenou por Carta régia
de 4 de abril de 1499 que nessas assembleias só podiam votar pelo povo vinte e quatro
dos mesteres, passa então de quatro a vinte e quatro novamente.
Em carta régia de 24 de junho de 1499 é ordenado que a Câmara deva deliberar, ainda
que não estivessem presentes os representantes da Casa dos Vinte e Quatro,
suspendendo-os quando houvessem faltado sem justa causa.302

8.2 Suspensão da Casa dos Vinte e Quatro

Em 1506, depois dos motins antissemitas, D. Manuel castiga a cidade, privando-a de


vários privilégios e dissolve a Casa dos Vinte e Quatro, não deixando terem hospitais,
nem consistórios, nem estarem à mesa da vereação. Estes factos aconteceram, devido ao
motim que fez da capital do país triste local de memória de terríveis atrocidades e
crimes, descritos no poema de Garcia Rezende:
“Vi que em Lisboa se alçaram
Povo baixo e vilãos
Contra os novos cristãos
Mais de quatro mil mataram
Dos que houveram às mãos
Um deles vivos queimaram
Meninos despedaçaram
Fizeram grandes cruezas
Grandes roubos e Vilezas
Em todos quantos acharam.”303

Movidos pelo espírito de rapina, pela intolerância do rei, e instigados por membros do
clero, culparam os judeus convertidos ao cristianismo – os cristãos novos - de todos os
300
Cit., Gama Barros, Henrique da História da Administração Pública Portuguesa nos séculos XII a XV, 2ª Ed.,
Tomo III, Volume VIII, pp. 92-93.
301
Santos, Maria Antonieta Pessanha, A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa, (…), p. 29.
302
Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos (…), p. 61
303
Cit. Martins, Rocha/ D’Oliveira, Lopes, Os direitos do Povo (…), p. 15.

72
males, em especial da peste que grassava na cidade de Ulisses, como nos narra Freire de
Oliveira “A própria magistratura popular participava do mesmos erros e prejuízos, tudo
filho do obscurantismo e do despótico regímen do seculo XVI, do grande seculo das
conquistas e de estrondosas canibaes, que voltava as costas à idade média, com summo
desprezo por essas epochas barbaras e sem religião, que não sabiam, trucidar hebreus,
mouros… e christãos tambem, nem bater palmas aos gritos agonisantes dos opulentos
israelitas, usurários e exactores da fazenda publica, estoreendo-se no potro, ou nas
chamas da fogueira, e aspirar com Àvido prazer esse cheio de carne queimada
sobremaneira agradável.304” [sic]. No domingo e páscoa de 19 de Abril, o vil motim
deu-se, quando num relicário no mosteiro de S. Domingos lançou um grande clarão, que
os transeuntes logo entenderam por silogismo inconsciente ser um milagre, e um
cristão-novo, por infortúnio da razão, disse tratar-se de um reflexo de luz, frase esta que
foi rastilho, de um tumulto que arrastando o povo miúdo e muitos mesteres, matou na
cidade de Lisboa quinhentas almas. O tumulto durou dois dias, nos quais ao total
pereceram duas mil pessoas, das quais a maioria era cristão-novo. O rei sabendo dos
ignominiosos acontecimentos, mandou que os culpados fossem castigados com penas
corporais e perdendo os seus bens, o que por omissão não contiveram os crimes, que
perdessem um quinto dos bens, e por fim que não houvesse em Lisboa a eleição dos
Vinte e Quatro dos mesteres, nem os quatro procuradores para o Conselho. 305
O castigo é levantado a pedido da Rainha por carta régia de2 de agosto de 1508: “Em
que a Rainha D. Maria de Castella faz constar, como a seus rogos el rei D. Manuel
annuira, e lhe aprazia perdoar e relevar as cousas comteudas na setença, que sobre o
casso da uniam dos Xpãos nouos sse deu… averemsse de quintar fazemdas aos
negrigemtes, E asy nom aver daver hy apossemtadarias, que nom aja hy mais mesteres,
nem vimte quatro, nem juízes depirtaees como dantes avia; E apaz a sua alteza q as ditas
cousas se tornem ao ponto e estado q damtes eram, amte q a setença fosse dada;” [sic]306
A 6 de maio de 1512, por carta régia, D. Manuel estatui que na eleição dos quatro
procuradores dos mestres, pelo menos um seja cristão-novo e os outros três sejam
cristãos velhos. 307
Em 1542 é ordenado por carta régia que nenhum cristão-novo possa ser recebido ou
eleito, para a Casa dos Vinte e Quatro:

304
Freire de Oliveira, Eduardo, Elementos (…), T, I, p. 395.
305
Ibidem, p. 396.
306
Ibidem, p. 403, Cf. O original: Livro III, d’el Rei D. Manuel, fs. 6.
307
Ibidem, p. 16.

73
“Eu El Rei Faço saber a vos Vereadores e Procuradores desta cidade de Lisboa que eu
hei por bem por alguns justos respeitos que me a isso movem que daqui em diante não
sejão recebidos na Casa dos Vinte e quatro dos Mesteres nenhum christão novo, nem os
homens que cada officio ellege cada anno para Vinte e quatro não sejao christãos novos.
E por este mando ao Juiz dos ditos vinte e quatro que lhos não recebão notifica[ções]
assim , e mando que este se cumpra, e guarde inteiramente como nelle se contem.
Bastião da Costa o fez em Lisboa a 22 de outubro de 1542. E isto será emquanto eu o
houver por bem, e não mandar o contrario.” [sic].308
Em alvará régio de 1 de julho de 1586 estatui-se a proibição que os representantes dos
mesteres não estejam presentes quando os vereadores votassem a aplicação das penas
corporais, de açoites ou exposição ao Pelourinho.309
Em carta régia de 18 de maio de 1633 fica determinado que os representantes dos
mesteres teriam de assinar todas as deliberações da câmara, mesmo aquelas que não
aprovaram, sendo-lhe proibido fazer qualquer declaração.310 Esta disposição teve tal
aplicação que já em 1679 quando os procuradores se recusaram a votar e assinar
determinada disposição foram presos na torre do Bugio por ordem régia, só saindo
depois de muitas súplicas.311
A 15 de janeiro de 1717, por alvará régio, devido à divisão do Papa Clemente XI do
antigo arcebispado de Lisboa em duas dioceses, logo duas cidades (Lisboa Oriental e
Lisboa Ocidental), ordena D. João V que houvesse por sua vez dois senados, cada um
com o seu presidente, que teria de ser fidalgo, três vereadores, um procurador ou
representante da cidade, e dois representantes dos mesteres. Sendo os representantes dos
mesteres os mais antigos na Lisboa Ocidental, e na Oriental os mais modernos. 312
A 31 de agosto de 1741, depois de o papa Bento XIV ter abolido a divisão de Lisboa, o
rei D. João V, em alvará régio, ordena a formação de um senado único de Lisboa,
ficando este com um único presidente, seis vereadores, dois procuradores da cidade, e
quatro representantes dos mesteres.313
Como D. João V não reconhecia integralmente os seus privilégios, fazendo recordação
os ofícios por três anos, houve quem se recusasse a aceitar o cargo na Casa dos Vinte e

308
Transcrição livre de Teresa Rebelo da Silva, Registado na Torre do Tombo no Liv. 11 de Confirmações Geraes
D’El Rei D. Felipe 3º a fl., 251.
309
Ibidem, p. 64.
310
Ibidem, p. 67.
311
Idem, Ibidem, cf. Nota de rodapé
312
Ibidem, p. 22.
313
Ibidem, p. 23-24.

74
Quatro, que chega a funcionar apenas com dezoito membros nos anos de 1746 e 1747.
Os seus oficiais eleitos deviam fiscalizar a limpeza dos seis bairros.314
Os procuradores e a Casa exerceram a sua função até às invasões francesas. O Juiz do
povo em tempo de governo de Junot era Abreu de Campos que apesar de tudo não
concordou com a junta dos 3 estados, declarando-a incompetente para decidir acerca do
pedido feito a Napoleão para dar um rei a Portugal.315 Batidos os franceses e instalada a
regência, os homens da Casa dos Vinte e Quatro só trataram de assuntos municipais e
mal apareceram na política, coisa diferente da guerra da sucessão espanhola que
mostrava já a sua decadência.

8.3 Séculos XVII e XVIII

Em 1778 a estrutura municipal é alterada até ao regime liberal, sendo a Câmara


composta por um Presidente e quatro vereadores desembargadores nomeados
diretamente pelo rei, por dois procuradores da cidade também por escolha régia, pelo
Juiz do Povo, quatro representantes dos mesteres, e um escrivão do povo, eleitos pelo
Grémios dos ofícios, por ano.
Entre os anos 1620 a 1834, o número de mesteres varia, mas acontece uma verdadeira
descida sociológica entre o número de mesteres.

Quadro da Casa dos Vinte e Quatro316

Bandeiras 1620* 1788** 1803** 1810** 1824** 1830** 1834**


São Jorge 581 ? 644 755 707 1026 473
São Miguel 207 ? 251 353 265 485 212
São Crispim 1009 ? 1103 1204 1068 1513 1032
Nª Sr.ª da Conceição 91 ? 150 146 126 207 67
N.ª Sr.ª das Merçês 80 ? 197 283 231 354 191
Santa Justa e Rufina 102 ? 99 175 122 197 79
São José 3530 ? 332 357 303 538 172

314
Martins, Rocha/ D’Oliveira, Lopes, Os direitos do Povo (…), p. 29.
315
Cit. Rocha Martins/ Lopes D’Oliveira, Os direitos do povo (…), p. 30.
316
Fernandes, Paulo Jorge, As Faces de Proteu (...). p. 44.

75
São Gonçalo 100 ? 71 178 58 220 57
N.ª Sr.ª da Oliveira 68 ? 206 270 220 327 297
N.ª Sr.ª das Candeias 387 ? 404 385 263 563 387
N.ª Sr.ª da
Encarnação 65 ? 289 295 257 486 124
Ofícios sem
Bandeira 312 ? 586 981 568 1272 395
Total 6532 5204 4332 5383 4188 7188 3486

*Número dos Mestres e Oficiais


** Número dos Mestres

Deste podemos traçar as evoluções e decréscimos que aconteceram no ancién regime,


em 1620 eram 6532 mestres e oficiais distribuído em 62 ofícios agrupados em 12
bandeiras, em 1788 eram apenas 10 bandeiras, e 46 ofícios, em que 17 deles não tinham
bandeira, destes 5204 eram mestres, 6851 oficiais, e 796 aprendizes. 317 Depois de
reestabelecido o regime absoluto em 1824 conta com 4188 mestres, o que mostra uma
perda de 22.2% em relação a 1810. Em 1830 tinham 11 bandeiras por 51 ofícios, e nove
sem bandeira, num total de 7188, ou seja o número de mesteres aumenta 25,1% em
relação a 1810, porém em 1834 contava apenas com 3486 mestres, havendo uma quebra
de 51.4 % em apenas quatro anos, anunciando da sua decadência, o seu fim.318
Na primeira metade do século XVII, durante a regência de D. Luísa de Gusmão, a Casa
dos Vinte e Quatro foi temporariamente extinta afastando a representação popular da
câmara.319
Sendo que esta intervenção apenas voltou a acontecer, por via do Regimento da Câmara
Municipal de Lisboa em 1671, depois de D. Pedro restabelecer a Casa dos Vinte e
Quatro.320
Introduzindo estas alterações, formalidades para a nomeação sem as quais não seriam
válidas, em especial fazerem provas de conhecimento, de aritmética mas também de
letras, de forma a conseguirem realizar as funções que lhes eram incumbidas.

317
Ibidem, p. 43.
318
Ibidem, p. 43.
319
Fernandes, Paulo Jorge, As Faces de Proteu (…), p. 28.
320
Ibidem, p. 28.

76
Em 1830, por decreto de 27 de novembro, é decretada a nulidade da representação da
Casa dos Vinte e Quatro na câmara.
No entanto durante o século XVIII as relações entre o Tribunal do Senado 321 passaram a
ser mais profícuas, ao intervirem na organização e direção dos ofícios mecânicos,
mesmo os que entretanto tinham aparecido e não tinham representação. Serviam de
árbitro, nos diferendos de construção de obras, de sobreposição de interesses e
demarcação de atividades profissionais, por exemplo entre marceneiros e
carpinteiros.322 Este tipo de conflitos adveio do crescimento demográfico e consequente
complexificação da economia espelhada pela criação de novas profissões mecânicas,
que oponha as antigas às modernas.
O senado além de dirimir estes litígios, interferia ainda mais na organização dos
mesteirais, pois a este competia a atribuição de estatutos ou regimentos privativos de
cada ofício, que regulavam a profissão, em termos de técnica, moral, disciplina, exames
e deveres, podendo alterá-los, depois de consulta com a Casa dos Vinte e Quatro.
Esta conexão poderia, à luz da contingência que faz a história, gerar muitos conflitos,
mas pelo contrário gerou a paz social municipal, pois os caudilhos do povo souberam
gracejar as vitórias e mudanças conjunturais. Veja-se o facto dos juízes do povo, que
receberam o general Junot em Sacavém, serão também os juízes a aplaudir o novo Rei,
quando D. Miguel ascende ao poder, e não fugindo a uma praxis de cumplicidade,
alheia a motivações politicas e ideológicas firmes, mas perante o oportunismo de
manutenção dos privilégios populares, são os mesteirais que enviam documentos às
autoridades liberais em 1833 a condenar a usurpação miguelista, evocar a história
secular, e a recondução de um juiz do povo sem o costumeiro e positivado processo
eleitoral. D. Pedro reafirma as antigas leis regedoras desta instituição, e a corporação
elege novo juiz – Cândido Lucas Evangelista da Costa.323

8.4 O Fim da Casa dos Vinte e Quatro

321
Chamado assim ao órgão concelhio, oficialmente desde 2 de maio de 1609 por alvará que concede ao Presidente
da Câmara, os mesmos privilégios e benefícios que tinham o Regedor da Casa da Suplicação e Tribunais da Corte.
Será porém durante o reinado de D. Maria que asa a ter a dignidade de Tribunal Régio, cf. Idem, Ibidem.
322
Idem, Ibidem, p. 35.
323
Idem, Ibidem, p. 35.

77
O decreto a 7 de maio de 1834324 extingue a Casa dos Vinte e Quatro. A organização
corporativa dos mesteres a sua organização ao momento da extinção era a seguinte:
- Cada profissão de certa importância constituía um ofício sujeito a regulamentação
municipal e dotada de um regimento, o qual era aplicada por dois juízes e
examinadores, privativos de cada ofício.
- Alguns ofícios possuíam sozinhos ou conjuntamente, irmandades espirituais, culturais
e assistência mútua.
- Para efeito de comparência nas procissões oficiais da cidade, e de eleição dos
representantes corporativos que haviam de constituir a Casa dos Vinte e Quatro, os
ofícios organizavam-se em bandeiras, que tinham estatutos e gerência própria.
- A Casa dos Vinte e Quatro era uma espécie de Câmara Corporativa Municipal onde se
debatiam os problemas que interessavam a vida local ou profissional. Anualmente
elegiam um juiz do povo, um escrivão e quatro procuradores dos mesteres.
- Os 4 procuradores assistiam as reuniões do Senado, representavam o povo, já que os
vereadores eram de nomeação régia, nesta data.
- Era condição da Casa dos Vinte e Quatro ter servido em qualquer lugar do seu ofício e
da sua bandeira.
As razões da sua extinção são-nos avançadas, nos decretos de 22, 23, e 24 e 16 de maio
de 1832, por Mouzinho da Silveira que nos diz:
“«Por direito natural e politico podem os cidadãos que se dedicam às ciências e artes, ou
aos conhecimentos agronómicos ou industriais formar, de seu moto-próprio sociedades,
ocupando-se em comum dos progressos dos conhecimentos humanos, das artes, da
agricultura e da indústria. Estas sociedades naturalmente livres e independentes das leis
quanto ao estabelecimento e regulamento, podem admitir cidadãos de outras localidades
e estrageiros sábios. Nenhum cidadão tem mais direito que outro às vantagens comuns:
todos gozam das mesmas prerrogativas, e suportam os mesmos encargos. Na igualdade
comum não há distinção que não provenha das faculdades pessoais ou de serviços
prestados» ”325
Na Lei que se seguiu à vitória liberal para extinção da Casa dizia-se “que não se
coadunavam com os princípios da Carta Constitucional da Monarquia, base em que
devem assentar todas as disposições legislativas, a instituição de juiz, procuradores,
mesteres, a Casa dos Vinte e Quatro, os diferentes grémios, outro tantos estroços à

324
Caetano, Marcello, A antiga organização dos mesteres da cidade de lisboa, (…), p. 15.
325
Cit. Rocha Martins/ Lopes D’Oliveira, Os direitos do povo (…), p. 31.

78
industria nacional, que para medrar muito carece de liberdade, que a desenvolve e da
proteção que a defende.»”.326
Acabavam as corporações e suas bandeiras, as classes operárias iam agremiar-se
livremente, guardando todavia na sua tradição o incremento secular que lhes dera a
força para pugnar pelos seus direitos.
Representou uma machadada na sociedade de ordens e das suas corporações e com as
suas prerrogativas, as distinções perante a lei, eram agora justificadas pela coroa de
Nike, pelo mérito, e pelas qualidades pessoais, critérios esses, herdados à ponta da
baioneta que na algibeira dos exércitos imperais franceses traziam agora um novo
paradigma.
Que na mais elementar justiça vinha em si anular todas as prerrogativas do povo miúdo,
do povo comum, e na ressaca do jacobinismo, tratar por igual o desigual, gerando a
desigualdade em nome da igualdade.
A Casa dos Vinte e Quatro estava fadada ao desaparecimento, pois na grande
contingência das ideias, o sistema em que assentava havia sido destruído pelo
liberalismo, que concedia as liberdades de associação, desde que essas não interviessem
no poder da monarquia constitucional.

9. Conclusão

Adensamos as nossas questões inicais e encontramos em larga medida resposta ao que


nos proposemos.
Sobre o aparecimento da Casa dos Vinte e Quatro pudémos verificar que surge
essencialmente de um quadro político e social, económico, internacional e sociológico
muito específico, bem como sendo produto contigêncial de uma oposição de grupos
sociais, que se degladiavam nas instituições.
No contexto sociológico de uma sociedade de ordens tripartida, mas com profundas
divisões internas entre si, que continha em si a existência de grupos profissionais – os
mesteirais, que podem ser reconduzidos ao conceito de classe, e ganham cada vez mais
importância numa cidade crescente e num processo de complexificação, à data da

326
Cit. Rocha Martins/ Lopes D’Oliveira, Os direitos do povo (…), p. 31-32.

79
criação da Casa. Estas alterações demográficas, bem como conjunturais da cidade ser
elevada a capital, e ecónomicas de fim da economia de guerra, e cada vez maior procura
de bens, empoderou uma classe profissional, pelo crescimento das necessidades de
bens, que ditou a sua valorização ecónomica e social, enquanto que em simultâneo se
assistiu ao crescimento de uma elite popular – os homens bons, que tinham cada vez
mais ascendente no mosaico social de Lisboa.
Este substrato sociológico, de diferença económica e de valorização social, que nunca
se encerra nestes dois grupos, mas encontra neles os seus principais protagonistas, foi
transposta para um plano político das intituições municipais, que acompanharam as
mesmas mudanças conjunturais, em que se assistiu ao modelar das instituições,
aparecendo mais magistérios, especializando-os e encontrando uma verdadeira cerrata
instituições municipais. As velhas assembleias de vizinhos, públicas, abertas,
participadas, deram lugar a reuniões fechadas, pouco participadas e sem a publicidade
de então. Esta mudança das instituições favoreceu uma elite, que passou a monopolizar
ou a oligarquizar os grandes cargos de governaça municipal.
O antagonismo psicológico da valorização social, os interesses económicos antagónicos,
lançaram o fermento para um adversariedade que encontrou o seu grande palco, além
das ruas, nas próprias instituições.
Segue-se um século de tentativas, votadas ao fracasso, de equilíbrio das posições entre
os homens-bons e os mesteirais, estas encontram finalmente uma oportunidade na linha
de eventos que culminaria na crise 1383.
Nesse momento, por fatores críticos estruturais, que acabamos de falar, a conjuntura não
foi de certo alheio a motivos contigênciais, D. João I institui a Casa dos Vinte e Quatro.
Esta nova instituição, uma assembleia corporativa da raia-miuda, de uma classe média
popular, que nos surge como grande elemento indiciário da existência de corporações
profissonais no século XIV, vem a funcionar como uma verdadeira assembleia
federativa, de corpos intermédios associativos profissionais, uma cúpula que agrega em
si representantes das corporações em bandeira e não embadeiradas que por sua vez são
agremiações de oficios, dotadas de regras e orgãos que nos permite falar claramente
numa organização corporativa.
Esta nova instituição é, por isso, o púlpito de uma classe profissional, mas também de
de uma ordem inteira, pois os seus interesses - os de quem tem o direito e o dever de
trabalhar - na sociedade de ordens são convergentes.

80
A Casa apresenta-se como uma assembleia de eleitos, com dois orgãos fundamentais, o
juiz do povo, caudilho, tribuno, e presidente da assembleia não do povo, mas dos
mesteirais, que sem voto no senado da câmara, tem prestígio social e assento nos
conselhos régios do monarca; e os Procuradores dos Mesteirais, que representam a
institucionalização e participação popular dos representantes dos oficios mecânicos no
governo municipal e uma quebra numa excluvidade de participação do governo
municipal, tendo capacidade para deliberar sobre impostos, posturas, regulamentos, e
todas as coisas do interesse dos mesteres, e um freio à oligarquia dos homens-bons que
têm agora que contar com eles.
A assembleia da Casa dos Vinte e Quatro apresenta-se como um orgão deliberativo,
onde são ouvidas e sintetizadas as vontades das profissões, enquanto os Procuradores
apresentam-se como verdadeiros núncios dessa vontade, vinculados à assembleia eleita.
Os três orgãos têm poderes, prerrogativas, e privilégios, de natureza política e social.
Quanto à segunda conseguiram a isenção do serviço militar, de inúmeros impostos, e de
honras, e previlégios simbólicos de grande natureza importância na cidade de Lisboa,
conseguindo uma valorização asssente em honras e na participação, primeiro na
procissão do Corpus Christi, depois nas restantes da cidade.
Quanto à segunda, são uma verdadeira vox populi, no sentido de serem o orgão de
mediação entre o rei e o povo: defendem os direitos do povo, participam na
administração municipal, vetam as decisões fundamentais, fazem aprovar outras, são
determinantes dos periodos de crise, muletas dos Reis contra a grande nobreza,
caudilhos a agradar durante governações externas, vêm-se na possibilidade de poder
ajuizar sobre grandes questões, como o regente do reino, ou a posição portuguesa na
guerra da sucessão espanhola.
A sua evolução acabou por não ser linear, muitas queixas foram feitas nas cortes contra
os homens rudes que agora se sentavam nos bancos dos homens-bons na câmara do
senado de Lisboa. A sua própria estrutura, sem grande educação, e permiável ao
obscurantismo que impera naqueles que não conhecem a fortuna das letras e do alvo
conhecimento, mesmo o mais elementar, suscptíveis às narrativas ignominosas, ou à
celerada demagogia, no seu sentido etimológico, levaram aos tristes eventos da chacina
dos judeus em 1506, sendo por isso castigados e a sua Casa dissolvida, para serem
depois restaurados volvidos dois anos. Mas as instituições, contrárias ao ditado latino de
“dificil é fazer e facil é desfazer”, tendem a subsistir quando persista um quadro ôntico

81
– socilógico e material - a estas relativas, e um conjunto de ideias que o constatem, e
por isso a Casa dos Vinte e Quatro estava ainda fadada a persistir por mais séculos.
Conheceu avanços e recuos na sua existência, de valorizações e desvalorizações,
interessante será, que encontra estrutura de poder e contra poder. Não encontramos
fortes indícios da natural osmose que se dá nestes casos, que análoga e anacrónicamente
encontramos nos tribunos romanos da plebe que se misturaram com a nobreza. A Casa e
os seus oficiais encontraram remédios para esses males; se a corrupção flagrava e a
osmose entre os grupos sociais, seria inevitável, entendemos que foi relativamente fraca
neste caso, com os períodos de intervalo entre as eleições, a relativa democracia da
estrutura federada, o que é produzido na constante luta pelos direitos e privilégios do
povo, o que nunca nos permitiu em nenhum documento, ou autor de falar de uma
“contra-oligarquia”, ou indícios de uma oligarquia dos cargos altos dos oficios, ou de
uma cerrata das suas instituições, mesmo quando o orgão de procurador abria lugar a
cargos bem pagos e vitalicios da câmara, a estrutura relativamente democrática e
hiérarquia manteve-se.
O seu declínio acontece precisamente quando o quadro que lhe dá sentido, em suma o
seu “para quê” e o seu “porquê”, se começam a esbater - primeiro no plano sociológico
do declínio de números de mesteirais, entre o século XVII e XVIII que eram o substrato
humano, que dava corpo à Casa dos Vinte e Quatro enquanto cúpula dos corpos
intermédios, que separavam o oficial mecânico do governo municipal.
Depois vieram as ideias, profetas feros do fado das certezas da vida, e das instituições
humanas, por fim, os derradeiros algozes, que já não extinguiram nada, mas uma
estrutura que havia perdido a sua razão sociológia e as ideias que nela assentavam, uma
casca moribunda, que não encontravam espaço num novo mundo, que havia de ver ruir
à sua volta as sociedades de ordens e entrada em cena da predominância das sociedades
de classes. A Casa dos Vinte e Quatro era do mundo passado, do corporativo, dos
direitos do povo, mas as novas ideias, herança dos autores e das boionetas francas, já
não o conheciam, nem reconheciam. O fim da Casa dos Vinte e Quatro vem por isso de
forma natural, como a lei caduca que é revogada. Poderia porventura subsisitir como
subsistiriam tantas instituições da sociedade de ordens, mas quis a contigência sem
desejo que ficasse na data de 7 de maio de 1834 a sua extinção, a extinção de uma
instituição com 451 anos de existência.
O que o estudo da Casa Dos Vinte e Quatro, que se apresenta como uma verdadeira
espada de Saturno, do ponto de vista da forma como se olha para a história, e o que se

82
quer ver, tantos nas lentes do que estuda, como o desejo daquele que a procura. Será
objecto de prova a tantos apologistas dos direitos e organizações do povo, enquanto
produto da sua vontade, como aqueles que vêm a emancipação do povo, feita pelos
poderes régios, ou anacrónicamente àquilo que podemos chamar estado.
A sua existência e os subsídios que oferece para a história do direito são inegáveis, será
em primeiro uma instituição incontornável quando se estudam as instituições
municipais e políticas da história portuguesa, em especial da cidade de Lisboa, na sua
evolução da idade média ao liberalismo, como fiel testemunho de grande parte da
história municipal.
Por outro, apresenta-se como objeto de estudo profícuo para entender as relações dos
grupos sociais entre si e destes com as instituições, o que permite uma melhor
compreesão de institutos jurídicos, das instituições e da evolução e contigência da
história nas suas diversas prespetivas e lentes.

83
10. Bibliografia

10.1 Fontes Manuscritas

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88
11. Anexos

11.1 Esquema da organização da Casa dos Vinte e Quatro

89

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