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Peste negra

A peste negra foi introduzida por genoveses que fugiam de um conflito na


Crimeia. Fala-se que pelo menos 1/3 da população europeia morreu.

A peste negra é como ficou conhecida a peste bubônica, doença causada


pela bactéria Yersinia pestis, que atingiu o continente europeu em meados
do século XIV. Os historiadores acreditam que a doença surgiu em algum
lugar da Ásia Central e foi levada por genoveses para o continente
europeu.

O resultado foi catastrófico, pois a doença atingiu praticamente todo o


continente e resultou na morte de milhões de pessoas. As estimativas
mais tradicionais falam que cerca de 1/3 da população europeia morreu
por causa da crise de peste negra, mas algumas estatísticas sugerem que
a quantidade de mortos possa ter ultrapassado a metade da população
europeia.

Onde surgiu a peste negra?


A peste bubônica é uma doença causada pelo Yersinia pestis, uma bactéria
que é encontrada em pulgas que ficam em ratos contaminados. Quando as
pulgas contaminadas têm contato com seres humanos, a transmissão da
doença acontece. A partir daí, a peste pode ser transmitida de humano
para humano pelas secreções do corpo ou pela via respiratória.

A peste negra foi um surto de peste bubônica que atingiu a Europa ao longo do século
XIV, resultando na morte de, pelo menos, 1/3 da população.

Os historiadores acreditam que a peste negra surgiu na Ásia Central.


Existem inúmeras teorias sobre o lugar específico onde a doença surgiu,
mas a mais aceita sugere que o lugar de origem é a China e que, durante
muito tempo, a peste tenha atuado exclusivamente na Ásia Central. A partir
do século XIV, ela se espalhou por terra e por mar pelo Oriente.

Regiões como a Mongólia, parte da China, Síria, Mesopotâmia e Egito


teriam sido atingidas no começo do século XIV, causando a morte de cerca
de 24 milhões de pessoas nesses locais|1|. A doença teve contato com os
europeus por meio de um conflito que aconteceu em Caffa, colônia
genovesa localizada na Crimeia (região atualmente disputada por Ucrânia
e Rússia).
Em 1343, Caffa foi sitiada por tropas tártaras do Canato da Horda Dourada.
O conflito seguiu com interrupções até que, em 1346, as tropas tártaras
foram dizimadas por um surto de peste negra. Os tártaros decidiram
utilizar a doença como arma e lançaram cadáveres contaminados para
dentro da cidade.

O resultado foi imediato e a cidade de Caffa também começou a sucumbir


perante o surto de peste. Fugindo da doença, genovenses começaram a
abandonar Caffa, retornando para a Península Itálica. Nesse retorno, os
genoveses levaram a enfermidade para locais como Constantinopla,
Gênova e Marselha, o que resultou na disseminação por todo o continente
europeu.

Difusão da peste negra pela Europa


A partir dos portos no litoral mediterrâneo, a peste negra difundiu-se pela
Europa. Em 1347, a doença chegou à Sicília, ilha ao sul da Península Itálica;
em 1348, chegou a Marselha, sul da França; em 1349, alcançou Gênova e o
norte da Itália e, partir daí, espalhou-se por toda a Europa.

A difusão dessa doença levou morte por toda o continente europeu, uma
vez que ninguém sabia o que a causava. Isso naturalmente fez surgir todo
tipo de especulação a respeito das causas da peste. Alguns falavam que
era um castigo divino, por exemplo; outros acusavam os judeus de serem
os responsáveis.

Logo os europeus identificaram que a doença era altamente contagiosa.


Uma das formas de contágio é a respiratória, assim, uma pessoa infectada
pode facilmente transmitir por via respiratória ou por suas roupas, por
exemplo, a doença para outros. A peste negra atuava de maneira
fulminante, e a pessoa que a contraía falecia em questão de dias.

A peste transmitida pela via respiratória é conhecida como peste


pneumônica. Segundo o historiador Hilário Franco Júnior, a pessoa doente
falecia em até três dias depois de contraí-la|2|. Já o historiador Jacques Le
Goff fala que muitas das pessoas que demonstravam os sintomas da
peste faleciam dentro de 24 horas após manifestar os primeiros sinais|3|.
Como era a vida das pessoas durante a peste
negra?
A difusão da peste negra resultou na morte de milhares de pessoas. A
doença espalhou-se por cidades e pelo campo, embora tivesse ação mais
mortal nos grandes centros urbanos. Locais inteiros foram devastados, e o
caos disseminou-se. Algumas regiões da Europa começaram a perseguir
os doentes, isolando os que adoeciam para deixá-los morrer. Em alguns
casos, os doentes eram executados.

O escritor italiano Giovanni Boccaccio presenciou a peste negra com seus


próprios olhos e deixou relatos a respeito do que viu. Ele falou dos
sintomas, do alto grau de contágio da doença, mas também abordou o
desmoronamento da ordem com a disseminação da peste, pois muitas
das autoridades foram contaminadas e, eventualmente, faleciam. O relato
de Boccaccio concentra-se no que ele presenciou em Florença, cidade
italiana.

Boccaccio também falou das diferentes reações que as pessoas tiveram


no período de crise da doença. Ele relata que muitos procuraram o
isolamento, evitando manter qualquer tipo de contato com pessoas,
sobretudo os que estavam doentes. Aqueles que eram mais ricos e
possuíam propriedades de campo, fugiram das cidades e foram abrigar-se
nesses locais afastados.

Com o tempo, os médicos perceberam que o contato com os doentes e


com os corpos dos mortos não deveria acontecer. Com isso, os doentes
eram isolados e o contato com eles era limitado àqueles que realizavam o
tratamento médico. Padres também mantinham contato com os
acometidos, principalmente porque realizavam os ritos religiosos
relacionados com o perdão dos pecados e o funeral.
Os médicos que cuidavam dos que adoeciam de peste usavam uma roupa preta de
couro e uma máscara em forma de bico de pássaro.[1]

Essa percepção de que o contato com os doentes contribuía para


disseminar a doença fez com que as famílias parassem de se reunir à
beira daqueles que estavam doentes. Reuniões de funerais também
acabaram deixando de acontecer, e os que tratavam dos doentes
passaram a utilizar roupas específicas, feitas de couro, para impedir que as
secreções dos doentes penetrassem no tecido. Os médicos também
passaram a utilizar uma máscara em forma de bico de pássaro, que era
preenchido com ervas aromáticas. Acreditava-se que essas roupas
evitavam a contaminação.

Os padres foram um dos grupos que mais sofreram, pois tinham contato
direto com os doentes e com os corpos dos que faleciam. Como muitos
dos padres viviam em mosteiros, locais que havia uma grande
aglomeração de religiosos – muitos em idade avançada –, quando um
padre contraía a doença, ela era rapidamente transmitida para outros.

A historiadora Tamara Quírico trouxe um relato de um cenóbio (residência


de monges), em Florença, onde cerca de ¾ dos religiosos que habitavam lá
faleceram em decorrência da peste|5|. Isso afetava os rituais funerários
praticados, uma vez que não havia sacerdotes para atender a quantidade
de mortos.

Além de não haver sacerdotes suficientes, não existiam coveiros, e os


sepultamentos começaram a ser realizados em massa, isto é, em valas
comuns, tamanha a quantidade de pessoas que morriam. Todavia, com a
percepção de que os cadáveres também eram vetores de contaminação,
muitos passaram a abandonar as práticas de sepultamento e começaram
a incendiar os corpos dos falecidos. Até as roupas utilizadas pelos
doenças e outros itens começaram a ser queimados.

Como já mencionado, muitas autoridades começaram a impor certo


isolamento para evitar a propagação da doença. O cirurgião Guy de
Chauliac, de Avignon, na França, falava que pais não podiam visitar seus
filhos e vice-versa em razão do alto risco de contágio. Boccaccio relatou
também que algumas obras para melhorar a limpeza e condições de
higiene da cidade e a proibição da entrada de doentes também ocorreram
em Florença|4|.

Sintomas da peste negra


O médico Drauzio Varella afirma que a peste negra pode causar febre de
41° graus, além de vômitos com a presença de sangue e complicações no
pulmão. Para os que tinham problemas pulmonares, a morte era
praticamente garantida|6|. Boccaccio também deixou alguns relatos a
respeito de como a doença se manifestava nas pessoas. Ele diz que a
peste começava:

[…] com o surgimento de certas tumefações na virilha ou nas axilas


de homens e mulheres, algumas das quais atingiam o tamanho de
uma maçã comum e outras o de um ovo, umas mais e outras menos,
e a elas o povo dava o nome de bubões. E os referidos bubões
mortíferos, não se limitando às duas citadas partes do corpo, em
breve espaço de tempo começaram a nascer e a surgir
indiferentemente em todas as outras partes, após o que a qualidade
da enfermidade começou a mudar, passando a manchas negras ou
lívidas, que em muitos surgiam nos braços, nas coxas e em qualquer
outra parte do corpo, umas grandes e ralas, outras diminutas e
espessas. E, tal como ocorrera e ainda ocorria com o bubão, tais
manchas eram indício inegável de morte próxima para todos aqueles
em quem aparecessem|4|.

Por meio desse relato, podemos perceber que as regiões inchadas do


corpo por causa da doença eram chamadas de bubões, por isso peste
bubônica. A expressão peste negra, por sua vez, faz referência às manchas
pretas que apareciam no corpo das vítimas que contraíam a doença.
Consequências
O primeiro e o maior surto de peste negra ocorreu entre 1348 e 1350, mas
outros surtos aconteceram ao longo de todo o século XIV. A peste foi uma
doença que esteve presente na vida dos europeus até 1720, quando o
último surto foi registrado em Marselha, na França. A atuação da doença
na Europa ao longo do século XIV contribuiu para uma redução
populacional drástica.

As estimativas tradicionais falam que a enfermidade foi responsável pela


redução de 1/3 da população do continente europeu, mas alguns
historiadores, como Jacques Le Goff, têm trazido novos dados,
demonstrando que a quantidade de mortos possa ter sido maior que isso.
Le Goff fala que entre metade e 2/3 da população europeia possa ter
morrido por causa da doença e, em alguns locais, como a Inglaterra, ele
sugere que a mortalidade esteve na casa dos 70%|7|.

Por Daniel Neves Silva


Professor de História

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