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organizadoras
PSICOLOGIA
SÓCIO-HISTÓRICA
contribuições à leitura de questões sociais
São Paulo
2022
Copyright © 2022. Ana M. B. Bock e outras. Foi feito o depósito legal.
ISBN. 978-65-87387-92-5
CDD 302.09
323.4
155232
Bibliotecária: Carmen Prates Valls - CRB 8a. - 556
Produção Editorial
Sonia Montone
Revisão
Paulo Alexandre Rocha Teixeira
Editoração Eletrônica
Waldir Alves
Gabriel Moraes
Capa
Gabriel Moraes
Imagem
Imagem: HitaJast por Pixabay
Administração e Vendas
Ronaldo Decicino
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em nenhum outro lugar a não ser na mente humana, mas não brota dela.
Ao contrário, ele é de caráter puramente social, surgindo na esfera espaço-
-temporal das interrelações humanas. Não são as pessoas que originam estas
abstrações, mas suas ações. [...] À medida que a produção de mercadorias se
desenvolve e se torna a forma típica de produção, a imaginação do homem
cresce cada vez mais separada de suas ações e se torna cada vez mais individua-
lizada, eventualmente assumindo as dimensões de uma consciência privada.
Consideramos importante iniciar o presente capítulo com base nessa
complexa citação do economista Sohn-Rethel, para apontarmos a complexi-
dade exigida pela discussão das dimensões subjetivas da realidade.
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6 Nesse sentido, recomendamos Furtado (2011, capítulo 1), Toassa (2016) e lembramos
que, como diz Lukács (1970), “[…] ainda somos todos stalinistas. Sem uma teoria geral
autêntica da sociedade e de seu momento não se sai do stalinismo”. Ademais, É preciso
observar que Sohn-Rethel está citando apenas uma obra de Leontiev (1973) e ligando-a a
apenas um outro texto de Pavlov (1973). Neste caso, o autor (1978), também influenciado
pelas críticas ao período stalinista, infere que o primeiro é um reflexologista, desconsi-
derando as demais obras daquele autor e seus colegas da psicologia soviética. Comparti-
lhamos, entretanto, que a leitura da obra de Leontiev requer uma discussão maior que a
atualize a partir de um debate mais contemporâneo sobre as bases do materialismo histó-
rico e dialético, como estamos indicando neste capítulo.
7 Estamos atribuindo a Leontiev um conceito que foi elaborado após suas publicações. Mas,
rigorosamente, a lógica de Leontiev sobre a plasticidade cerebral humana antecipa a desco-
berta que a paleontologia e a arqueologia realizaram posteriormente. Para essa comparação,
confira Mithen (2002). Mais detalhes sobre as confirmações das neurociências contempo-
râneas acerca das descobertas soviéticas da plasticidade cerebral (Luria, 1979), ver Mikadze
(2014, p. 453).
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mais imediata), tornando-se: (a) uma ação complexa relativa à outra finali-
dade (produzir uma mercadoria), que então (b) relaciona-se a outra moti-
vação (a troca). Assim, para o agricultor, o leite está ausente do ponto de
vista natural, mas está, de certa forma, presente do ponto de vista social –
fato que forja e é forjado pela dimensão subjetiva da realidade e que é parte
das práticas primordiais onde “a consciência e a ação das pessoas se separam
na troca e seguem caminhos diferentes”. Como conclui Sohn-Rethel (1978,
p. 93), o “intelecto autônomo é um efeito do mecanismo de troca por meio
do qual o homem perde o controle sobre o processo social”.
Nessas transformações da estrutura da consciência que ocorrem na
passagem da “primeira” para “a segunda natureza”, também ressaltamos o fato
de que o papel central e ontocriativo do trabalho corresponde, em parte, ao
seu caráter mediativo. Ainda que a externalização seja o resultado do trabalho
onde não apenas o produto, mas a própria humanização é posta, é preciso
considerar que o trabalho é, em geral, árduo e frequentemente sua motivação
pode estar ausente da consciência (e da vivência) da atividade propriamente
dita. Já o consumo do seu produto e os seus resultados humanizadores podem
ser momentos mais claramente satisfatórios e conscientes – independente da
realidade dessa consciência. Factualmente, queremos o creme de leite mais
do que queremos plantar, colher, pastar ou ordenhar. Com isso, há aqui
para duas perspectivas importantes. Primeiro, na medida em que a especia-
lização aumenta a produtividade – e, com isso, obtenha-se mais produtos e
mais humanização por menos esforço laboral –, a troca de mercadorias (fruto
dessa especialização) poderia, assim, apresentar-se como o eixo do nexo socio-
metabólico – ainda que, concretamente, esse nexo permaneça matriciado
na produção. Ou seja, especialização e mercadoria representaram, junto do
desenvolvimento das forças produtivas, um aumento das riquezas humanas
(que, por outro lado, vão se tornando privadas). Por isso, de certa forma,
esse modo de produção tende a se tornar mais vantajoso (sobretudo para seus
controladores) e vai se tornando, “ao longo das eras da troca de mercado-
rias” (Sohn-Rethel, 1978), a forma pela qual a vida material passa a ser repro-
duzida. Mas, em segundo lugar, toda essa questão poderia ser equacionada,
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8 Sohn-Rethel (1978) chama atenção para os eventos sócio-históricos que contribuíram para
o que hoje chamamos de alienação e estranhamento, nos termos abordados no primeiro
tópico. No período e região analisados pelo autor, o trabalho era, em grande parte, escravo,
mas também era realizado (principalmente na metrópole e outras localidades) de modo rela-
tivamente livre e familiar – para mais detalhes, ver “PART II Social Synthesis and Production”
da obra em questão. Assim, nesse último caso, o excedente produzido (na forma-mercadoria)
retornava em valor equivalente na forma de outro excedente em posse alheia, do qual produ-
tores careciam e que motivava a troca (ex.: trigo em troca de leite). Ou seja, enquanto produ-
tores relativamente livres, seu excedente não lhes era alienado (embora houvesse tributos e
afins), assim como geralmente eram seus os meios de produção. Com isso, o que o autor
sustenta é que as relações de troca de produtos privados, em unidade com a separação do
trabalho intelectual, são o ponto de partida sócio-histórico no qual a estrutura funcional da
consciência deixa de refletir mais direta e justamente o trabalho social. Ou seja, elas precedem
e criam as condições para o estranhamento e o fetichismo da mercadoria peculiares ao
trabalho alienado capitalista. Assim, com a introdução do pensamento de Sohn-Rethel nas
discussões da Psicologia Sócio-Histórica, buscamos ressaltar e ampliar nosso conhecimento
sobre as bases objetivas e subjetivas da constituição da consciência.
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Apesar dos esforços das classes dominantes daquele período inicial para
apagar, com suas abstrações e violência, os rastros históricos de suas deter-
minações, Sohn-Rethel (1978, p. 66), em sua “arqueologia”, reforça que o
trabalho intelectual integra o “composto de vários elementos de segunda
natureza”. Como ele explica, “o que define o caráter do trabalho intelec-
tual em sua divisão completa de todo trabalho manual é o uso de abstra-
ções de formas não empíricas que podem ser representadas por nada além de
conceitos não empíricos, ‘puros’. Ou seja, ainda que esse processo tenha sido
sofisticado (e violento), além de complexo, secular e nada apriorístico, vai se
tornando claro como “o intelecto abstrato emerge com um sentido normativo
peculiar e próprio, servindo como sua ‘lógica’ e conectado desde o início com
seu próprio senso de verdade e inverdade”. Ou seja, como autojustificação –
ainda que seja muito mais do que um jogo ideológico e ou de falseamentos.
Por outro lado, não deixa de ser um processo de construção do que Karel
Kosik (2002) chama de pseudoconcreticidade. Não meramente aquela que
os trabalhadores precisam cooperar em busca do seu equilíbrio provisório e
dinâmico na sociedade de classes para que a vida faça algum sentido (Gold-
mann, 1972). Mas uma pseudoconcreticidade positivada e postulada. Como
explica Sohn-Rethel (1978, p. 68),
Toda a abstração da troca está fundamentada no postulado social e não no fato.
É um postulado que o uso de mercadorias deve permanecer suspenso até que
a troca ocorra; é um postulado de que nenhuma mudança física deve ocorrer
nas mercadorias e isso ainda se aplica mesmo que os fatos desmintam; é um
postulado que as mercadorias na relação de troca devem contar como iguais,
apesar de sua diferença factual; é um postulado de que a alienação e aquisição
de coisas entre proprietários de mercadorias está ligada à condição de permu-
tabilidade; é um postulado de que as mercadorias mudam de proprietário por
meio da tradução de uma localidade para outra, sem serem materialmente
afetadas. Nenhum desses conceitos de forma implica declarações de fato. Todas
são normas às quais a troca de mercadorias deve obedecer para ser possível e
permitir que a sociedade anárquica sobreviva pelas regras da reificação.
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