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A Formagä

Social da Mente
L. S. V i g o t s k i

Martins Fontes
FACULDADE
DOM B O S C O

A FORMAÇÃO BIBLIOTECA CENTRAL

SOCIAL DA MENTE
O Desenvolvimento dos Processos
Psicológicos Superiores

L. S. Vigotski

ORGANIZADORES
M ichael C ole
V era J ohn -S teiner
S ylvia Scribner
E llen Souberman

tra d u çã o

J osé C ipolla N eto


Luís S ilveira M enna B arreto
S olange C astro A feche
do G rupo de D esenvolvimento e R itmos B iológicos -
D epartamento de C iências B iomédicas - USP

M art/ns Fontes
São Paulo 1999
Título original: MIND IN SOCIETY - THE DEVELOPMENT
OF HIGHER PSYCHOLOGICAL PROCESSES.
Copyright © The President and Fellows o f Harvard College.
Copyright © Livraria Martins Fontes Editora Ltda.,
São Paulo. 1984. para a presente edição.

6- edição
fevereiro de 1998
y tiragem
novembro de 1999

Revisão da tradução
Monica Stahel
Produção gráfica
Geraldo Alves
Capa
Alexandre Martins Fontes
Katia Harumi Terasaka

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Vigotski, Lev Semenovich, 1896-1934.


A formação social da mente : o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores / L. S. Vigotski ; organizadores Michael
Cole ... [et a i] ; tradução José Cipolla Neto. Luís Silveira Menna
Barreto. Solange Castro Afeche. - 6- ed. - São Paulo : Martins
Fontes. 1998. - (Psicologia e Pedagogia)

Título original: Mind in society.


ISBN 85-336-0818-7

1. Cognição 2. Cognição em crianças I. Cole. Michael. II. Título.


III. Título: O desenvolvimento dos processos psicológicos superiores.
IV. Série.

97-5628__________________________________________CD D-155.413
índices para catálogo sistemático:
1. Cognição : Desenvolvimento :
Psicologia infantil 155.413

Todos os direitos desta edição reservados à


Livraria Martins Fontes Editora Ltda.
Rua Conselheiro Ramalho, 330/340
01325-000 São Paulo SP Brasil
Tel. (11) 239-3677 Fax (11)3105-6867
e-rnail: info@martinsfontes.com
http://www.martinsfontes.com
INDICE

Prefácio dos organizadores da obra............................................ XIII


Introdução (Michael Cole e Sylvia Scribner).............................. 1

Nota biográfica sobre L. S. Vygotsky........................................... 21

Primeira parte
TEORIA BÁSICA E DADOS EXPERIMENTAIS

1. O instrumento e o símbolo no desenvolvimento da criança.... 25


2. O desenvolvimento da percepção e da atenção........................ 41
3. O domínio sobre a memória e o pensamento........................... 51
4. Internalização das funções psicológicas superiores................ 69
5. Problemas de método................................................................. 77

Segunda parte
IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS

6. Interação entre aprendizado e desenvolvimento..................... 103


7. O papel do brinquedo no desenvolvimento............................. 121
8. A pré-história da linguagem escrita.......................................... 139
Posfácio (Vera John-Steiner e Ellen Souberman)........................ 161

As obras de Vygotsky..................................................................... 181


68 A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

Essa logicização é indicativa de como as relações entre as funções


cognitivas mudam no curso do desenvolvimento. Na idade de transi­
ção, todas as idéias e conceitos, todas as estruturas mentais, deixam de
ser organizadas de acordo com os tipos de classes e tornam-se organi­
zadas como conceitos abstratos.
Não há dúvida de que lembrar de um elemento isolado, pensando
em conceitos, é completamente diferente de pensar em complexos, em­
bora sejam processos compatíveis*. Portanto, o desenvolvimento da
memória das crianças deve ser estudado não somente com respeito às
mudanças que ocorrem dentro do próprio sistema de memória mas,
também, com respeito à relação entre memória e outras funções.
Quando uma pessoa ata um nó no lenço para ajudá-la a lembrar de
algo, ela está, essencialmente, construindo o processo de memorização,
fazendo com que um objeto externo relembre-a de algo; ela transforma
o processo de lembrança numa atividade externa. Esse fato, por si só, é
suficiente para demonstrar a característica fundamental das formas su­
periores de comportamento. Na forma elementar alguma coisa é lem­
brada; na forma superior os seres humanos lembram alguma coisa. No
primeiro caso, graças à ocorrência simultânea de dois estímulos que
afetam o organismo, um elo temporário é formado; no segundo caso,
os seres humanos, por si mesmos, criam um elo temporário através de
uma combinação artificial de estímulos.
A verdadeira essência da memória humana está no fato de os se­
res humanos serem capazes de lembrar ativamente com a ajuda de sig­
nos. Poder-se-ia dizer que a característica básica do comportamento
humano em geral é que os próprios homens influenciam sua relação
com o ambiente e, através desse ambiente, pessoalmente modificam
seu comportamento, colocando-o sob seu controle. Tem sido dito que a
verdadeira essência da civilização consiste na construção propositada
de monumentos de forma a não esquecer fatos históricos. Em ambos os
casos, do nó e do monumento, temos manifestações do aspecto mais
fundamental e característico que distingue a memória humana da me­
mória dos animais.

H Vc|*' Vygolsky, Thoughl atui Language, capítulo 6, para uma discussão maior
«nhrc cnIu clUtinç&n
CAPÍTULO 4
INTERNALIZAÇÃO DAS FUNÇÕES
PSICOLÓGICAS SUPERIORES
5

Ao comparar os princípios reguladores dos reflexos condi­


cionados e incondicionados, Pavlov usa o exemplo de uma ligação te­
lefônica. Uma possibilidade é que a ligação telefônica seja completa­
da pela conexão de dois pontos, diretamente, via uma linha especial.
Isso corresponde a um reflexo incondicionado. A outra possibilidade
é que a ligação se complete através de uma estação central especial,
com o auxílio de conexões temporárias e de variabilidades sem limi­
tes. Isso corresponde a um reflexo condicionado. O córtex cerebral,
sendo o órgão que completa os circuitos do reflexo condicionado, cum­
pre o papel dessa estação central especial.
A mensagem fundamental da nossa análise dos processos subja­
centes à criação de signos (signalização) poderia ser expressa por uma
forma mais generalizada da mesma metáfora. Tomemos os exemplos
de atar um nó para ajudar a lembrar de algo ou um sorteio casual como
meio de tomar uma decisão. Não há dúvida dc que, em ambos os casos,
forma-se uma associação condicionada temporária, ou seja, uma as­
sociação do segundo tipo de Pavlov. Mas se queremos apreender os
aspectos essenciais do que está se passando aqui, somos forçados a con­
siderar não somente a função do mecanismo telefônico mas, também, a
função da telefonista que manipula os conectores e, assim, completa a li­
gação. No nosso exemplo, a associação foi estabelecida pela pessoa
que atou o nó. Esse é o aspecto que distingue as formas superiores de
comportamento das formas inferiores.
70 A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solu­


cionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, re­
latar, escolher, etc.) é análoga à invenção e uso de instrumentos, só
que agora no campo psicológico. O signo aee como um instrumento
da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instru-
mento no trabalho. Mas essa analogia, como qualquer outra, não im­
plica uma identidade desses conceitos similares. Não devemos espe­
rar encontrar muitas semelhanças entre os instrumentos e aqueles
meios de adaptação que chamamos signos. E, mais ainda, além dos as­
pectos similares e comuns partilhados pelos dois tipos de atividade, ve­
mos diferenças fundamentais. Gostaríamos, aqui, de ser o mais preci­
sos possível. Apoiando-se no significado figurativo do termo, alguns
psicólogos usaram a palavra “instrumento” ao referir-se à função indi­
reta de um objeto como meio para se realizar alguma atividade. Ex­
pressões como “a língua é o instrumento do pensamento” ou “aides de
memoire” são, comumente, desprovidas de qualquer conteúdo defini­
do e quase nunca significam mais do que aquilo que elas realmente
são: simples metáforas e maneiras mais interessantes de expressar o
fato de certos objetos ou operações terem um papel auxiliar na ativida­
de psicológica.
Por outro lado, tem havido muitas tentativas de se dar a tais ex­
pressões um significado literal, igualando o signo com o instrumento.
Fazendo desaparecer a distinção fundamental entre eles, essa aborda­
gem faz com que se percam características específicas de cada tipo de
atividade, deixando-nos com uma única forma de determinação psico­
lógica geral. Essa é a posição assumida por Dewey, um dos represen­
tantes do pragmatismo. Ele considera a língua como o instrumento dos
instrumentos, transpondo a definição de Aristóteles da mão humana
para a fala.
Eu gostaria de deixar claro que a analogia entre signo e instrumen­
to proposta por mim é diferente das duas abordagens discutidas acima.
() significado incerto e indistinto que comumente se depreende do uso
figurativo da palavra “instrumento” não facilita em nada a tarefa do
pesquisador. Sua tarefa é a de pôr às claras as relações reais, não as fi­
gurativas, que existem entre o comportamento e seus meios auxiliares.
I >everíamos entender que pensamento ou memória são análogos à ativi­
TEORIA BÁSICA E DADOS EXPERIMENTAIS 71

dade externa? Teriam os meios de atividade simplesmente o papel inde­


finido de embasar os processos psicológicos? Qual é a natureza desse su­
porte? O que significa, em geral, ser um “meio” de pensamento ou de
memória? Os psicólogos que tanto se comprazem em usar essas expres­
sões confusas não nos fornecem as respostas a essas questões.
Mas a posição dos psicólogos que conferem àquelas expressões
significado literal chega a ser muito mais geradora de confusão. Con­
ceitos aparentemente psicológicos, mas que realmente não pertencem à
psicologia - como “técnica” são “psicologizados” sem embasamento
absolutamente nenhum. Só é possível igualar fenômenos psicológicos
e não psicológicos na medida em que se ignora a essência de cada forma
de atividade, além das diferenças entre suas naturezas e papéis históri­
cos. As distinções entre os instrumentos como um meio de trabalho para
dominar a natureza, e a linguagem como um meio de interação social,
dissolvem-se no conceito geral de artefatos, ou adaptações artificiais.
Nosso propósito é entender o papel comportamental do signo em
tudo aquilo que ele tem de característico. Esse objetivo motivou nossos
estudos empíricos para saber como os usos de instrumentos e signo es­
tão mutuamente ligados, ainda que separados, no desenvolvimento cul­
tural da criança. Admitimos três condições como ponto de partida para
esse trabalho. A primeira^stá relacionada à analogia e pontos comuns
aos dois tipos de atividade; a segunda esclarece suas diferenças básicas;
e a terceira tenta demonstrar o elo psicológico real existente entre uma
e outra, ou pelo menos dar um indício de sua existência.
Como já analisamos, a analogia básica entre signo e instrumento
repousa na função mediadora que os caracteriza. Portanto, eles podem,
a partir da perspectiva psicológica, ser incluídos na mesma categoria.
Podemos expressar a relação lógica entre o uso de signos e o de instru­
mentos usando o esquema da Figura 4, que mostra esses conceitos in­
cluídos dentro do conceito mais geral de atividade indireta (mediada).

Figura 4
72 A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

Esse conceito, muito corretamente, foi investido do mais amplo


significado geral por Hegel, que viu nele um aspecto característico da
razão humana: “A razão”, ele escreveu, “é tão engenhosa quanto pode­
rosa. A sua engenhosidade consiste principalmente em sua atividade
mediadora, a qual, fazendo com que os objetos ajam e reajam uns so­
bre os outros, respeitando sua própria natureza e, assim, sem qualquer
interferência direta no processo, realiza as intenções da razão.”1Marx
cita esta definição quando fala dos instrumentos de trabalho para mos­
trar que os homens “usam as propriedades mecânicas, físicas e quími­
cas dos objetos, fazendo-os atingirem como forças que afetam outros
objetos no sentido de atingir seus objetivos pessoais”2.
Essa análise fornece uma base sólida para que se designe o uso de
signos à categoria de atividade mediada, uma vez que a essência do seu
uso consiste em os homens afetarem o seu comportamento através dos
signos. A função indireta (mediada), em ambos os casos, torna-se evi­
dente. Não especificarei com maiores detalhes a relação entre esses
dois conceitos, ou a sua relação com o conceito mais genérico de^ativi-
dade mediada. Gostaria somente de assinalar que nenhum deles pode,
sob qualquer circunstância, ser considerado isomórfico com respeito às
funções que realizam, tampouco podem ser vistos como exaurindo
completamente o conceito de atividade mediada. Poder-se-iam arrolar
várias outras atividades mediadas; a atividade cognitiva não se limita
ao uso de instrumentos ou signos.
No plano puramente lógico da relação entre os dois conceitos,
nosso esquema representa os dois meios de adaptação como linhas di­
vergentes da atividade mediada. Essa divergência é a base da segunda
das nossas três condições iniciais. A diferença mais essencial entre sig­
no e instrumento, e a base da divergência real entre as duas linhas, con-
siste nas diferentes maneiras com que eles orientam o comportamento
humano. A função do instrumento é servir como um condutor da in­
fluência humana sobre o objeto da atividade; ele é orientado externa-
mente', deve necessariamente levar a mudanças nos objetos. Constitui um

I (i llegrl, "lincyklopadie, ErsterTeil, Die Logik”, Berlin, 1840, p. 382, men-


t mundo |>ni K Mmx, O ('apitai. Modem Library Edition, 1936.
Mmx. O ( apitai, p 199.
----- ~ * f *g , O ly----_ -£_^.

j t O

TEORIA BÁSICA E DADOS EXPERIMENTAIS 73

meio pelo qual a atividade humana cxterna á dmgida-para o controle e


domínio da natureza. O signo, por outro lado, não modifica em nada o
objeto da operação psicológica. Constitui um meio da atividade interna
dirigido para o controle do próprio indivíduo; o signo é orientado inter­
namente. Essas atividades são tão diferentes uma da outra, que a natu­
reza dos meios por elas utilizados não pode ser a mesma.
Finalmente, o terceiro bonto trata da ligação real entre essas atjva-
dades e, por isso, trata da ligação real de seus desenvolvimentos na
filogênese e na ontogênese. O controle da natureza e o controle do com­
portamento estão mutuamente ligados, assim como a alteração provo­
cada pelo homem sobre a natureza altera a própria natureza do homem.
Na filogênese, podemos reconstruir uma ligação através de evidências
documentais fragmentadas, porém convincentes, enquanto na ontogê­
nese podemos traçá-la experimentalmente.
Uma coisa já é certa. Da mesma forma como o primeiro uso de
instrumentos refuta a noção de que o desenvolvimento representa o
mero desdobrar de um sistema de atividade organicamente predeter­
minado da criança, o primeiro uso de signos demonstra que não pode
existir, para cada função psicológica, um único sistema interno de ati­
vidade organicamente predeterminado. O uso de meios artificiais - a
transição para a atividade mediada - muda, fundamentalmente, to­
das as operações psicológicas, assim como o uso de instrumentos
amplia de forma ilimitada a gama de atividades em cujo interior as
novas funções psicológicas podem operar. Nesse contexto, podemos
usar o termo função psicológica superior, ou comportamento supe­
rior com referência à combinação entre o instrumento e o signo na
atividade psicológica.
Descrevemos, até agora, várias fases das operações com o uso de
signos. Na fase inicial o esforço da criança depende, de forma crucial,
dos signos externos. Através do desenvolvimento, porém, essas opera­
ções sofrem mudanças radicais: a operação da atividade mediada (por
exemplo, a memorização) como um todo começa a ocorrer como um
processo puramente interno. Paradoxal mente, os últimos estágios do
comportamento da criança assemelham-se aos primeiros estágios de me­
morização, que caracterizavam-se por um processo direto. A criança
muito pequena não depende de meios externos; ao invés disso, ela usa
^ ■ ><, _ 'V * '5—

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74 A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

uma abordagem “natural”, “eidética”. Julgando somente pelas aparên­


cias externas, parece que a criança mais velha começou, simplesmente,
a memorizar mais e melhor; ou seja, que ela, de alguma maneira, aper­
feiçoou e desenvolveu seus velhos métodos de memorização. Nos ní­
veis mais superiores, parece que ela deixou de ter qualquer dependên­
cia em relação aos signos. Entretanto, essa aparência é apenas ilusória.
O desenvolvimento, neste caso, como freqüentemente acontece, se dá
não em círculo, mas em espiral, passando por um mesmo ponto a cada
nova revolução, enquanto avança para um nível superior.
-Chamamos de internalização a reconstrução interna de uma ope-
ração externa. Um bom exemplo desse processo pode ser encontrado
no desenvolvimento do gesto de apontar. Inicialmente, esse gesto não é
nada mais do que uma tentativa sem sucesso de pegar alguma coisa,
um movimento dirigido para um certo objeto, que desencadeia a ativi­
dade de aproximação. A criança tenta pegar um objeto colocado além
de seu alcance; suas mãos, esticadas em direção àquele objeto, perma­
necem paradas no ar. Seus dedos fazem movimentos que lembram o
pegar. Nesse estágio inicial, o apontar é representado pelo movimento
da criança, movimento este que faz parecer que a criança está apontan­
do um objeto - nada mais que isso.
Quando a mãe vem em ajuda da criança, e nota que o seu movi­
mento indica alguma coisa, a situação muda fundamentalmente. O apon­
tar torna-se um gesto para os outros. A tentativa malsucedida da crian­
ça engendra uma reação, não do objeto que ela procura, mas de uma
outra pessoa. Conseqüentemente, o significado primário daquele mo­
vimento malsucedido de pegar é estabelecido por outros. Somente
mais tarde, quando a criança pode associar o seu movimento à situação
objetiva como um todo, é que ela, de fato, começa a compreender esse
movimento como um gesto de apontar. Nesse momento, ocorre uma
mudança naquela função do movimento: de um movimento orientado
pelo objeto, torna-se um movimento dirigido para uma outra pessoa,
um meio de estabelecer relações. O movimento de pegar transforma-se
no ato de apontar. Como conseqüência dessa mudança, o próprio mo­
vimento é, então, fisicamente simplificado, e o que resulta é a forma de
apontar que podemos chamar de um verdadeiro gesto. De fato, ele só
se torna um gesto verdadeiro após manifestar objetivamente para os
TEORIA BÁSICA E DADOS EXPERIMENTAIS 75

outros todas as funções do apontar, e ser entendido também pelos outros


como tal gesto. Suas funções e significado são criados, a princípio, por
uma situação objetiva, e depois pelas pessoas que circundam a criança.
Como a descrição do apontar ilustra, o processo de internalização
consiste numa série de transformações.

a) \jrna operação que inicialmente representa uma atividade ex­


terna éreconstruída e começa a ocorrer internamente. É de particular
importância para o desenvolvimento dos processos mentais superiores
a transformação da atividade que utiliza signos, cuja história e caracte­
rísticas são ilustradas pelo desenvolvimento da inteligência prática, da
atenção voluntária e da memória.
b) ' Um processo interpessoal é transformado num processo
intmpessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança apare­
cem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível indivi­
dual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior
da criança (intrapsicológica). Isso se aplica igualmente para a atenção
voluntária, para a memória lógica e para a formação de conceitos. To­
das as funções superiores originam-se das relações reais entre indiví­
duos humanos.
c) A transformação de um processo interpessoal num processo
intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao
longo do desenvolvimento. O processo, sendo transformado, continua a
existir e a mudar como uma forma externa de atividade por um longo
período de tempo, antes de internalizar-se definitivamente. Para muitas
funções, o estágio de signos externos dura para sempre, ou seja, é o es­
tágio final do desenvolvimento. Outras funções vão além no seu desen­
volvimento, tornando-se gradualmente funções interiores. Entretanto,
elas somente adquirem o caráter de processos internos como resultado
de um desenvolvimento prolongado. Sua transferência para dentro está
ligada a mudanças nas leis que governam sua atividade; elas são incor­
poradas em um novo sistema com suas próprias leis.

A internalização de formas culturais de comportamento envolve a


reconstrução da atividade psicológica tendo como base ãs operações
com .signos. Os processos psicológicos, tal como aparecem nos ani­
76 A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

mais, realmente deixam de existir; são incorporados nesse sistema de


comportamento e são culturalmente reconstituídos e desenvolvidos
para formar uma nova entidade psicológica. O uso de signos externos
é também reconstruído radicalmente. As mudanças nas operações
com signos durante o desenvolvimento são semelhantes àquelas que
ocorrem na linguagem. Aspectos tanto da fala externa ou comunicati­
va como da fala egocêntrica “interiorizam-se”, tornando-se a base da
fala interior.
A internalização das atividades socialmente enraizadas e historica­
mente desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia hu­
mana; é a base do salto quantitativo da psicologia animal para a psicolo­
gia humana. Até agora, conhece-se apenas um esboço desse processo.
CAPÍTULO 5
PROBLEMAS DE MÉTODO

Em geral, qualquer abordagem fundamentalmente nova de


um problema científico leva, inevitavelmente, a novos métodos de in­
vestigação e análise. A criação de novos métodos, adequados às novas
maneiras de se colocar os problemas, requer muito mais do que uma
simples modificação dos métodos previamente aceitos. Com respeito a
isso, a experimentação psicológica contemporânea não constitui exce­
ção; seus métodos sempre refletiram a maneira pela qual os problemas
psicológicos fundamentais eram vistos e resolvidos. Portanto, nossa
crítica das visões correntes da natureza essencial e do desenvolvimento
dos processos psicológicos deve, inevitavelmente, resultar num reexa-
me dos métodos de pesquisa.
Apesar da grande diversidade dos detalhes de procedimento, vir­
tualmente todos os experimentos psicológicos baseiam-se no que cha­
maremos de uma estrutura estímulo-resposta. Com isso queremos di­
zer que, independentemente do processo psicológico em discussão, o
psicólogo procura confrontar o sujeito com algum tipo de situação-estí­
mulo planejada para influenciá-lo de uma determinada maneira, e, en­
tão, examinar e analisar a(s) resposta(s) eliciada(s) por aquela situação
estimuladora. Afinal de contas, a verdadeira essência da experimenta­
ção é evocar o fenômeno em estudo de uma maneira artificial (e, por­
tanto, controlável) e estudar as variações nas respostas que ocorrem,
em relação às várias mudanças nos estímulos.

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