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MOSCOVICI, Serge. L‟ère des représentations sociales. In: DOISE, Willem.


PALMONARI, August. L’étude des Représentations Sociales. Delachaux & Niestlé:
Neuchâtel - Paris, 1986.

A era das representações sociais

1. A redescoberta do pensamento social

Aqui estou numa situação singular. Há mais de vinte anos preconizei uma
psicologia social centrada nos fenômenos cognitivos e lingüísticos. E agora que
esta psicologia social tomou forma sob nossos olhos, me forçam a explicar hoje o
que tinha em mente e o que eu queria fazer outrora. E eu não devo fazer aqui
unicamente para vocês, mas para os outros que me desafiam e me apressam a
pegar o bonde “cognitivista” já andando. Como se eu o tivesse abandonado! Como
se tivesse parado de defendê-lo ou interrompido minha pesquisa na direção que eu
mesmo escolhi!
Durante todo este período, a teoria das representações sociais permaneceu
discreta. Meu conceito de representação não fazia parte de uma terminologia
comum. Decerto, desde que eu a havia formulado (Moscovici, 1961) não faltavam
teorias para explicitá-la exatamente e aumentar o seu alcance (Abric, 1970;
Chombart de Lauwe, 1979; Doise, 1976; Faucheux et Moscovici, 1968; Flament,
1984; Herzlich, 1973; Jodelet, 1984; Roqueplo, 1974 etc.) No entanto, a ênfase
que o meu conceito de representação coloca no aspecto cognitivo da realidade
social e a forma de considerar esta realidade eram e continuam incompatíveis com
uma visão positivista da ciência e uma abordagem behaviorista da realidade.
Somente após a publicação de excelente artigo de Farr (1978) que se torna
possível uma ponte entre nossos estudos e aqueles que prosseguiram em outras
áreas. O fato de poder discutir esta situação num curso de verão representa uma
mudança aos meus olhos. Isto me permite esperar que nossas idéias encontrem
uma maior compreensão. No entanto, não alimento grandes ilusões.
As resistências e as incompreensões permanecem numerosas, dado que,
nenhuma mudança sobrevém na visão correntemente aceita da ciência e da
realidade. Talvez, vocês contribuirão para esta mudança necessária.
Neste estado, o conceito de representação, mesmo o de representação social,
não é mais discreto. Ele está a um passo de se tornar um conceito central e
comum a todas as ciências sociais. A história das mentalidades, assunto que
suscita muito interesse, se refere explicitamente (Le Goff, 1974) ao conceito de
representação social e o ilustra brilhantemente. Mas, sobretudo no domínio da
inteligência artificial que o conceito de RS se revela indispensável (Bobrow et
Collins, 1975). É chegado o tempo onde as pessoas falam de uma era de
representações para caracterizar o novo modo de pensar, ao qual os computadores
e sua ciência têm feito nascer (Hofstadter, 1979). E eu creio que o termo se
justifica.
Dado que este curso de verão é dedicado à análise dos fenômenos cognitivos e
que vocês têm certamente descoberto muitas coisas a respeito deste assunto,
inclusive sobre as representações sociais, minha tarefa será menos árdua. Aqui, eu


Texto preparado para estudantes de um curso de verão em psicologia social (Aix-en-Provance, 1981) e
traduzido em inglês sob o título “The comming era of representations” em J.P.Codol e J.P. Leyens:
Cognitive approaches to social behavior, La Haye, M. Nijhoff, 1982, pp. 115-150
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simplesmente explicarei como este conceito se liga a outros conceitos. Meu


objetivo principal é de mostrar como ele se insere numa evolução que o faz tão
pertinente quanto necessário, se bem que, em muitas considerações, a psicologia
social não esteja ainda preparada para incorporá-lo. Em outras palavras, nós
examinaremos aqui, em que medida o conceito de representações está presente
em uma série de estudos, e porque dele resulta uma quantidade de dificuldades
enfrentadas por estes estudos. Penso particularmente nos estudos sobre a
atribuição e a cognição social.
Avançaremos um pouco agora. Isto que se passou ao longo dos últimos anos é
a redescoberta do pensamento social. Por que falar de redescoberta, perguntarão
vocês? A razão é que esta redescoberta trata do problema fundamental da
psicologia social. Esta ciência foi fundada, no sentido de formular as leis do espírito
(pensamento) social. Podemos distinguir três fases da evolução que se desenrola
sob nossos olhos, cada uma caracterizada por um conceito bem definido: as
atitudes sociais, as cognições sociais, e em fim as representações sociais.
(Grifos não são do autor). Em cada uma, nós conseguimos resolver as dificuldades
da precedente. Assim, o que era periférico em uma fase, torna-se central na
seguinte. Receio não poder entrar em todos os detalhes, o espaço e o tempo me
são limitados. Todavia, espero falar-lhes o suficiente para que façam uma idéia
clara do conjunto da evolução.

2. A psicologia social cognitiva. Reforma ou revolução

De toda maneira, podemos dizer que estamos no meio de uma revolução


cognitiva1. Como vocês sabem, temos tendência em empregar a palavra revolução
a torto e à direita. Nós a aplicamos sem precaução a não importa qual forma de
mudança, qualquer que seja a importância da mesma. Teremos razão em dizer
que a psicologia suportou recentemente um choque intelectual tão forte como no
momento em que apareceram os primeiros trabalhos de Freud ou de Pavlov? Creio
que não. No meu ponto de vista, trata-se aqui de outra coisa: voltamos a uma
visão (concepção) clássica dos fenômenos psíquicos, que dão mais destaque „as
imagens mentais, ao raciocínio e „a memória ativa. Logo, a psicologia se define
mais uma vez como ciência do pensamento consciente. E este retorno teve lugar
menos em razão de uma descoberta excepcional do que sob a impulsão da
antropologia, da lingüística, da psicologia da criança e da ciência da computação.
Aquilo de que somos testemunhas não é uma revolução, mas uma adaptação
inevitável a um quadro cientifico modificado. Não rejeitamos o paradigma
behaviorista, mas o colocamos de acordo com seu novo contexto. Da mesma
maneira que a pintura volta-se da arte abstrata para a arte figurativa, a psicologia
retorna do comportamento para a consciência. Esta mudança teve certamente um
efeito libertador e permitiu o retorno do contato com as manifestações concretas

1
Neste capítulo, não discutirei o que entendemos por social. Nós podemos evidentemente definir social
como toda informação ou reação relativa a uma pessoa antes que a um gato, ou a uma casa, mas isto
será bastante rudimentar. Não é a natureza do objeto que o diferencia de social do não social, mas a
relação que temos com ele. Existem gatos sagrados e casas sagradas e existem seres humanos que
representam menos que objetos para seus médicos, por exemplo. Apagandando a distinção entre
elementos sociais e elementos interpessoais, lançamos a dúvida sobre uma grande parte do trabalho
feito sob a rubrica de cognição social.
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das experiências mentais. Demos um passo na direção correta, mesmo não tendo
ido muito longe.
De qualquer maneira que avaliarmos o que se passa na psicologia, uma coisa é
certa: estas tendências não deveriam nos surpreender. Zajonc (1980) demonstra
isso brilhantemente, afirmando que a psicologia social é cognitiva há muito tempo.
E ele não se enganou. Mesmo o termo “psicologia social cognitiva” é um
pleonasmo. Mas Zajonc tem sobretudo na mente, o primeiro estado do
desenvolvimento que quero vos falar, durante o qual os psicólogos têm acentuado
o caráter racional do comportamento e das relações sociais. Por que eles destacam
a racionalidade? Este destaque não se justificaria? Certamente sim. É sabido que
os primeiros psicólogos sociais que estudaram as massas, os fenômenos de
influência, a propaganda, deram um maior destaque aos fatores emocionais,
afetivos e inconscientes. De fato, aos fatores irracionais. Suas teorias se fizeram
aclamar nos meios reacionários e encontraram sucesso em particular nos meios
nazistas. Não é nada surpreendente que os psicólogos sociais notadamente os
sábios alemães como Lewin (1951) e Asch (1952) tivessem protestado contra esta
maneira de abordar o comportamento e as relações sociais. Lewin se ocupava dos
grupos primários, não das massas, Asch substituiu a doutrina da influência devido
ao prestígio e ao poder sugestivo em tais grupos, pela análise racional dos
processos de influência. Nestes estudos é resgatada uma visão de homem como
animal racional. Daí por diante, o comportamento e o pensamento humano foram
estudados em um enquadramento social. Nestas condições, é fácil de compreender
porque os fenômenos cognitivos pareciam estar no coração desta nova psicologia
social em sua segunda pátria – os EUA. Portanto, se observamos as coisas mais de
perto, vemos que os fenômenos cognitivos já estavam presentes numa antiga
abordagem em ligação com os fenômenos de atitude. E tudo girava em torno
delas.
Sem querer substituir os futuros historiadores de nossa ciência, adoraria fazer
dois destaques neste assunto. De um lado, as atitudes são definidas como
estruturas cognitivas: do espírito social voltado para os valores e dos estados de
disponibilidade organizados através da experiência. É verdade que sob a influência
do behaviorismo este estado mental foi mais bem estudado, entretanto ele não
desapareceu inteiramente. De outro lado, as atitudes são a coluna vertebral de
todas as outras manifestações psíquicas: percepções, julgamentos e
comportamentos. Assim, a maior parte das teorias tratava da estrutura e da
dinâmica das atitudes (Sherif e Hovland, 1961; Osgood e Tannembaum, 1955). E a
teoria mais influente é a Teoria da Dissonância Cognitiva (Festinger, 1957) que
engendrou a série de estudos mais originais da história da psicologia social, e é
como vocês sabem, uma teoria da mudança de atitudes. Ela exprime que os
choques entre duas cognições são a força motriz de todas as modificações de
nossas opiniões e de nossos julgamentos. Nós procuramos atenuar este conflito e
a colocar nossas atitudes de acordo com os nossos comportamentos. Suponhamos
que eu tivesse uma opinião desfavorável sobre a teoria da dissonância. Se eu
devesse vos apresentar, dizendo que se trata de uma bela teoria, eu diria uma
mentira. Mas, após a minha conferência, eu teria uma melhor opinião sobre ela do
que antes, porque faria o máximo para diminuir o desatino entre minhas
declarações e minhas crenças.
Por outro lado, ao longo destes anos, tudo que se relacionava à percepção, ao
julgamento social etc., parecia relegado ao segundo plano. Como estes fenômenos
negligenciados tornaram-se o centro da atenção? No período onde as atitudes (e a
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influência social!) almejavam um lugar central na pesquisa, o homem geralmente


foi considerado como um animal racional. Mas, a teoria da dissonância cognitiva o
revela como uma criatura racionalizante antes que racional. Suas mudanças de
atitudes e de cognições refletiam seus esforços de alinha-las aos seus
comportamentos e aos seus motivos subjetivos e não o inverso. Cada vez que
surge um conflito entre uma opinião e uma ação, o homem não confia à razão a
resolução do problema. Ele racionaliza para diminuir a tensão entre os dois e sair
deste estado desagradável. E quanto menos ele tem a justificação interna para
agir de encontro de sua opinião, mais a tensão é penosa. Inversamente, se o
conflito é de origem externa e a ele foi imposto por alguém, menos a tensão é
penosa. Por exemplo, eu experimentaria menos dissonância se tivesse opinião de
esquerda e se a polícia me obrigasse a votar pela direita que se eu votasse pela
direita sem nenhuma pressão exterior, por uma razão não pertinente, como por
exemplo, porque o candidato é meu vizinho.
Assim a maneira pela qual percebemos a causa da tensão entre opiniões e
ações, quer dizer, as relações de uma com as outras, tornam-se cruciais. O que
era secundário, a saber as percepções sociais, tornou-se primordial. Não tínhamos
dado a resposta correta para a questão de saber como percebemos e pensamos o
que estamos em contato e como nós nos percebemos a nós mesmos. Ao mesmo
tempo, entretanto, uma contração do campo de investigação é produzida, o
reduzindo a uma de suas partes. A gama dos fenômenos a dar conta é encolhida.
As relações entre grupos foram substituídas pelas relações entre pessoas, a
atenção dada ao grupo foi substituía pela atenção aos indivíduos. Resulta então,
que antes os problemas epistemológicos eram concebidos como problemas sociais,
no momento são os problemas sociais que concebemos como problemas
epistemológicos.

3. A arte de perguntar por que: do saber à ciência

Não faremos nada neste mundo


se não estivermos guiados por idéias falsas.
Esta observação de Fontenelle
está longe de me parecer uma brincadeira.
Flaubert

Existiam provavelmente razões suplementares ao declínio progressivo do


interesse pela teoria da Dissonância Cognitiva. O antagonismo entre a Gestalt e o
behaviorismo, a resistência oposta pela psicologia social de orientação mais
clássica, e as dificuldades intrínsecas à teoria, sem falar do fato curioso de
Festinger mesmo ter renunciado à teoria. Isto marca o início do segundo estado,
no qual a atenção se concentra na cognição social. Eu suponho que vocês o
sabem há mais tempo que eu. Mas, espero que me desculpem de repetir aqui
alguns pontos que lhes sejam familiares. Para reduzir a chance de possíveis maus
entendidos, eu quero esboçar rapidamente os traços principais do quadro social no
qual trabalharemos. Salvo engano, e tudo neste domínio é bastante vago – o setor
da cognição social se relaciona à percepção do indivíduo e sua análise lógica de
informações que ele tem sobre os outros, isto é, a maneira que ele caracteriza os
outros indivíduos e infere sua vida psicológica interior e privada. De um lado,
então, tudo está localizado ao nível das relações mais estreitas. De outro lado, o
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homem não é mais concebido enquanto animal racional, mas enquanto máquina
pensante.
O que isto implica? Implica simplesmente que como as máquinas, ele adquire o
conhecimento retrabalhando as informações que o atingem quando em contato
com o mundo exterior (Graumann et Sommer, 1981). Lidamos aqui com uma
espécie singular de máquina, uma máquina que não reproduz o cérebro do sábio
profissional, mas o cérebro do sábio ingênuo. Em outras palavras, este indivíduo é
considerado como sendo “o homem da rua” “monsieur Toutelemonde”: de mente
sã, nem muito inteligente, nem muito estúpido, nem tão instruído, nem tão
ignorante. Vocês e eu, por exemplo, quando falamos do caráter de um amigo, ou
da razão pela qual somos chamados a um posto de trabalho que procuramos.
Examinemos um pouco mais de perto o interior desta máquina singular para
ver o que ela contém. Antes de tudo, lá encontramos uma série de “teorias
implícitas” sobre a personalidade (p. ex. conceitos leigos, idéias fixas,
prejulgamentos do senso comum etc) sobre os seres humanos (Rosemberg e
Dedlak, 1972). Quais são suas funções? Duas funções se apresentam: “a primeira
tem tratado do papel de opiniões pré-concebidas nos julgamentos do outro e a
segunda concerne às diferenças individuais de percepção” (Schneider, 1973,
p.294). Em todo caso, estas teorias implícitas são relativamente impermeáveis à
experiência pessoal. São fortemente influenciadas pela linguagem e inteiramente
distintas das teorias científicas correspondentes.
Em segundo lugar, o sábio ingênuo é confrontado com uma variedade
surpreendente de ações e com um leque assustadoramente largo de situações
quando ele observa o comportamento do outro. Tentando apreender as coisas e
ter uma visão estável, ele se pergunta por que tal ou qual coisa se produz, e tenta
fazer uma análise causal de ações e situações. Como vocês sabem, no curso desta
análise, ele se esforça para atribuir a causa do que observa seja relativa à pessoa,
seja à sua situação. Digamos que um amigo desempregado lhes peça ajuda. Vocês
poderiam então se perguntar se ele está sem trabalho porque não tem vontade de
trabalhar, porque ele é incapaz de trabalhar ou porque as condições econômicas o
impedem de encontrar trabalho. Estou certo de que não existe dúvida nas suas
mentes sobre a resposta. Assim, para o sábio ingênuo, compreender significa
sempre interpretar e intelegir se reduz sempre a explicar (grifos do autor).
Quando observamos mais de perto a maneira que esta máquina pensante
efetua uma análise, reconhecemos a presença do “esquema”. Estes esquemas
são qualquer coisa como conexões prévias, organizações ativas entre as
percepções e a memória, que classificam e ordenam o fluxo de
informações não selecionadas, arranjando-as de acordo com o modelo
apropriado. (Grifos não são do autor). Como o escrevem Garumann e Sommer:
“vemos que os esquemas guiam o processo de percepção” (1981, p. 20). Uma
distinção é feita entre esquemas causais e esquemas de eventos. Os primeiros
transformam todo elemento de informação em efeito de uma causa: encontramos
uma enumeração de esquemas causais num artigo célebre de Kelley (1972). Os
segundos, que podíamos considerar como os scripts, descrevem uma seqüência de
eventos dos quais participamos (Schank et Abelson, 1977). Um script do curso de
verão, por exemplo, representaria o que se passou depois que vocês chegaram
aqui. Ele compreenderia seus trabalhos no laboratório, seminários, e todo o resto,
até a conferência desta manhã.
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Que objetivos substituem estes scripts2, estas acumulações de aspectos


mentais? Seu objetivo é de recolocar em memória uma situação anterior e de nos
sugerir um comportamento conveniente a situação presente. Eles agem como
modelos ou rascunhos numa certa medida: o presente copia o passado e exclui
assim a surpresa e os elementos imaginários. Antes de vir aqui, por exemplo, eu
preparei minha conferência na idéia de que vocês gentilmente permanecessem
sentados a me escutar. Mas se vocês estivessem em pé me vendo entrar e dessem
as mãos e começassem a dançar numa roda, eu ficaria bastante surpreso. A
imagem que vocês me dariam de um curso de verão, certamente não
corresponderia ao script que eu tinha em minha mente.
Em terceiro lugar, uma vez que a análise é terminada, a máquina propõe a
resposta, quer dizer, a reação apropriada para com o indivíduo sob observação.
Evidentemente esta reação será diferente visto que pensamos que o que alguém
diz ou faz obedece aos motivos internos ou externos. Como vocês podem
constatar, não estamos afastados de um ciclo puramente behaviorista, que se
inicia por um estimulo, para um instante numa caixa preta convenientemente
preparada e se acaba por uma reação. Eu imagino a dúvida de vocês: mas, em
que considerações este sábio ingênuo é ingênuo? Em que esta epistemologia
profana difere da epistemologia científica?
Não é suficiente afirmar que o saber ingênuo não é doutor em ciência: nem
Edinson nem Faraday o eram. E nem tão pouco dizer que ele procura dominar o
sentido do mundo cotidiano. Cada sábio o faz também. Ninguém pretenderia que
estes fossem os conceitos válidos. A escola americana, à qual pertence a maior
parte de psicossociólogos, proporia a seguinte reposta: o sábio ingênuo não pensa
logicamente, ele tem idéias pré-estabelecidas sistemáticas e comete um grande
número de erros. Então, o trabalho que ele faz sobre a informação disponível é mal
feito. Não é uma afirmação em vão. Efetuamos experiências engenhosas para
confirmá-la.
Estou certo de que esta nova versão da antiga idéia de que o homem da rua
não é muito esperto, não surpreenderá ninguém. Portanto, esta conclusão me
parece coxa. Ela coloca em relevo os sofismas nos quais somos pegos (como numa
armadilha) quando negligenciamos as representações sociais. Aqui, é necessário
que eu me detenha alguns instantes para ser mais preciso, pois temos atingido o
lugar geométrico de todos os impasses relativos à cognição social.
Se desejássemos descrever os traços desta epistemologia leiga sobre a base de
experiências realizadas até aqui, nós nos concentraríamos em três dentre elas: a
impermeabilidade „a informação, a confirmação behaviorista e o
personalismo. Vamos descrevê-los esquematicamente, um após o outro.

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Do ponto de vista desta discussão, os scripts são os esquemas perceptivos e os programas que definem
uma seqüência de ações. Eles são construídos segundo o modelo behaviorista, que dá prioridade aos
estímulos e „a aprendizagem. Segundo Schank e Abelson, para compreender o que acontece numa
situação dada, é preciso ter exposto as ações determinadas pela situação. Temos dificuldade em
manipular o que se desvia do modelo standard (Schank e Abelson, p.67). De toda maneira, este não é o
caso das representações sociais. Elas tendem a tomar o lugar de situações específicas, tendem a redefini-
las, e a ultrapassa-las. As representações sociais são os sistemas de preconcepções, de imagens e de
valores que possuem sua própria significação cultural e subsistem independentemente das experiências
individuais; elas incluem automaticamente a previsão de desvios possíveis. As teorias científicas também,
na realidade. O conceito de teorias “implícitas” é apenas um estratagema que permite tratar a
informação ligada como se ela fosse uma informação livre.
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1. O problema principal da cognição social é de unir a informação objetiva com um


esquema causal apropriado. Isto poderia parecer um problema estranho, pois
poderíamos imaginar que a coisa parta de si. Todavia, a importância do
problema aparece claramente se colocamos a questão: Qual é a preocupação
principal dos psicossociólogos? A resposta é: determinar como uma nova
informação é influenciada pelos conhecimentos adquiridos anteriormente. Uma
série de experiências tem revelado uma situação das mais interessantes. Numa
delas, Snyder e Swann (1978) pedem aos sujeitos que recolham (obtenham)
informações sobre uma pessoa. A uma parte dos sujeitos dizemos no início que
esta pessoa é extrovertida, ao passo que aos outros dizemos que a pessoa é
introvertida. Os sujeitos são desta maneira colocados em condição de
experimentação através desta “hipótese” que lhe damos sobre a pessoa fictícia.
O que observamos? Os sujeitos que partem da idéia de que encontrarão um
indivíduo extrovertido fazem perguntas ligadas de uma forma ou de outra à
extroversão, enquanto que os que acreditam encontrar um introvertido fazem
questões ligadas à introversão. Poderíamos dizer que cada grupo tenta verificar
sua hipótese, a “teoria” implícita que lhe foi insinuada (Lorde et al., 1979).
Podemos concluir desta experiência e de outras análogas que pesquisamos as
informações que confirmam nossos pontos de vista, negligenciando aqueles que
poderiam invalidá-los. De fato, nós utilizamos as provas de que dispomos para
apoiar nossos “estereótipos” (Snyder e Cantor, 1979).
Isto não é tudo. Uma vez que formamos uma opinião, temos a
tendência a conservá-la. Suponha que eu vos diga que uma pessoa
conhecida cometeu na opinião de vocês um ato desleal e manifestou inveja e
ciúme de vocês. Vocês passam então a considerar esta pessoa sob um
julgamento diferente, suponham que em seguida eu vos digo então: “o que eu
falei sobre esta pessoa não é exatamente assim, eu menti.” Nesta situação, eu
nego a informação que tinha dado, me contradizendo. Como conseqüência eu
esperei que vocês mudassem de opinião. Na verdade, não é isto que se passa,
como prova a experiência da vida cotidiana e aquela realizada no laboratório.
As pessoas guardam o julgamento que lhes são formados sobre a base de tais
informações. Este fenômeno é subjacente às ilusões mais comuns da vida
social. Chapman e Chapman (1967) sustentam que nós - e esse nós inclui
também os psicólogos clínicos e sociais - estabelecemos todas as correlações
entre os eventos que na realidade não têm correlações entre si. Ou que as
correlações poderiam ser o oposto daquelas que nós propusemos. “Estes erros
sistemáticos, escrevem eles, persistem ao mesmo tempo quando nos
expusemos várias vezes ao material de estímulos e nas condições concebidas
para aumentar ao máximo tanto a motivação quanto à ocasião de observar com
exatidão”. (p.203)
Temos tido amplamente a ocasião de confirmar este fato na prática, por
exemplo, com erros de ortografia ou de datilografia, como se a ortografia
errada tivesse deixado um traço mnemônico indelével. E todos os professores
conhecem o perigo que existe ao chamar a atenção do aluno sobre uma
estrutura que permanece então na sua memória apesar de todos os esforços
feitos para a corrigir.
Todos estes resultados mostram que existe uma certa impermeabilidade
‘a informação. Ela é muito corrente e se manifesta em diversas circunstâncias.
Na qualidade de “sábios ingênuos”, as pessoas tendem a resistir aos fatos e aos
conhecimentos que não se encaixam às suas teorias implícitas. Tendem a
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excluir tais informações e ao mesmo tempo lhes dão pouca importância. Parece
quase que um princípio geral: cada crença ou teoria conserva todas as
informações que a confirmam e se livra de todas as informações que a invalida.
É fácil encontrar exemplos históricos surpreendentes neste princípio. Stálin
negligenciando os relatórios que anunciavam um ataque alemão iminente.
Dayan não deu importância aos que o advertiam sobre um ataque egípcio 3.

2. Se tivermos uma idéia ou uma representação do que uma pessoa deve ser,
tentamos confirmá-la através de todos os meios que dispusemos. De maneira
mais específica, criamos relações, manipulamos a situação de maneira a
estimular comportamentos em consonância com nossas crenças sobre o outro 4.
Isto é o que fizeram os anti-semitas: criaram em torno do judeu, condições em
que eles parecem avarentos, medrosos, ou desviantes. Todas estas interações
sociais são em geral canalizadas de tal modo que elas conduzem os indivíduos
que são alvos dessas crenças a fornecer no seu comportamento as
confirmações das crenças daqueles que a perceberam. Vejam aqui uma
experiência elegante que ilustra este ponto. Os casais de sujeitos que aqui não
se conheciam anteriormente (um observador masculino e um alvo feminino),
interagiam numa situação onde se apresentavam. Os homens deviam interagir
com as mulheres que julgavam ser sedutoras ou pouco sedutoras, a partir de
informações anteriormente fornecidas pelos experimentadores. Nós
analisávamos em seguida o comportamento real do alvo para ver se ele
correspondia ao estereotipo do observador. Os resultados são impressionantes.
Como o verificamos, no momento em que um alvo feminino era percebido (sem
o seu conhecimento) como fisicamente sedutor, a mulher alvo reagia com um
comportamento amável ou sociável. Inversamente, se o homem não a achava
sedutora, ela se mostrava pouco amável ou sociável. Todavia deve-se
acrescentar que estes comportamentos só eram evidentes nos domínios onde
os homens acreditam que a beleza física e as características pessoais estavam
ligados de uma forma ou de outra. Observamos um fenômeno análogo no caso
onde os sujeitos acreditavam que certas pessoas estavam dispostas de modo
hostil ou amigável. (Snyder e Swann, 1978). Parecia, portanto que os
indivíduos tendem a criar mundos fechados. Cada um de nós vive num mundo
fechado, tenta produzir nos outros os comportamentos que confirmarão as
idéias preconcebidas que fazemos deles. Na verdade, nós criamos estas
informações. E uma vez manifestadas estas informações elas confirmam os
dados iniciais do nosso mundo individual e o perpetuam. A expressão que

3
Estas descobertas de laboratório fazem parte do estoque de conhecimentos comuns a todos aqueles
que estudaram a realidade social. “As crenças e as percepções políticas não são fundadas sobre as
observações empíricas nem, na verdade, sobre qualquer informação que assim seja. Ademais, as
cognições que não têm um fundamento empírico são aquelas que resistem mais „a revisão inspirada pela
observação do mundo, têm assim a influência mais patente (visível) sobre o fato de saber que as
observações empíricas e os índices sociais levados em consideração, os quais ignoramos.” M. Edelman,
Politics as Symbolic Action, Academic Press, New York, 1971, p.31.

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A confirmação comportamental é um termo que se aplica a um fenômeno largamente observado por
numerosos psicossociólogos. As pessoas tentam desempenhar o papel de criminoso ou de doente para
racionalizar sua conduta desviante e justificar o diagnóstico e as prescrições dos especialistas.
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escutamos freqüentemente “bem que eu te disse” ilustra perfeitamente o ciclo


vicioso onde a realidade reflete a imagem que o indivíduo tem desta realidade.

3. Procurando explicação para o comportamento de uma pessoa, o sábio ingênuo


pode como vocês sabem, escolher entre atribuir a causa deste comportamento
à pessoa e às suas disposições (traços característicos, motivos etc.) ou atribuí-
la às circunstâncias. Os sábios profissionais estão, certamente, na mesma
situação (eles poderiam atribuir a Deus, ao destino, mas isso não faz parte da
teoria!). Mas todos estes que estudaram como se formaram estas atribuições,
em geral, foram surpreendidos por uma coisa: é que de forma geral preferimos
as causas pessoais. É mais natural colocar as causas nos indivíduos que nas
circunstâncias. O psicossociólogo americano Ross chama isto de o erro
fundamental. Existe uma coleção impressionante de resultados que corroboram
o fato de que o indivíduo colocado numa situação de julgamento sobre alguém
negligencia tudo o que se refere às circunstâncias (Nisbett e Ross, 1980) e
destaca sobretudo o que concerne a pessoa, superestimando a parte analisada
por ela sobre a ação. Os motivos desta ação e as relações que dela resultam
são personalizadas (Batson, 1975; Snyder et al., 1977; Leyens, 1980).
Dado conta da regularidade destas observações, é fácil de imaginar que
espécie de “filosofia espontânea” está funcionando. É isto que nós entendemos
por personalismo: organizar o mundo em torno dos indivíduos, de seus valores
e de suas responsabilidades. O personalismo conduz a erros de julgamento e ao
desligamento da realidade objetiva. Eu acredito que Nisbett resumiu bem uma
opinião largamente aceita: “e como observamos três gerações de
psicossociólogos, a grande preferência pelas disposições pessoais como base de
previsão é um risco de desviar as pessoas de prestar atenção aos fatores que
podem utilmente os guiar em suas previsões. A saber, os fatores situacionais,
ou nos termos de Lewin, o campo de forças que operam no momento onde o
comportamento tem lugar (Nisbettt, 1980 p.114).
Se eu não temesse ofender certas “orelhas positivistas”, diria que
Monsieur Toutlemonde tende a perguntar espontaneamente: “quem tem a
culpa?” E como Hercule Poirot nos romances de Agatha Christie, ele quer saber
quem lucrou com o crime. Uma vez que o criminoso foi detido, ele incumbe aos
advogados procurar as verdadeiras causas do crime, as condições da vida social
e econômica do criminoso. Isto na intenção de impressionar o júri para
inocentar o crime. A verdade é que nos assuntos humanos, tentamos encontrar
as causas: não tratamos a informação de maneira neutra, construímos um
caso. Mas tenho medo de me afastar um pouco do assunto dizendo isto.
O sábio ingênuo é por isso um mal sábio5. Ele é impermeável à
informação, se limita a confirmar suas teorias e explica tudo o que observa,

5
Kruglanski tem razão ao notar que os sábios profissionais não estão imunes contra os erros dos sábios
ingênuos. Mas isto não muda em nada a situação. O principal é saber se as faltas “lógicas” são cometidas
no tratamento da informação ou se as faltas eram de natureza “teórica” e implicavam as deduções feitas
e a informação criada. Existe uma assimetria particular na epistemologia científica: jamais alguém
pretenderia unicamente que este ou aquele sábio, por exemplo, Lorentz ou Poincaré, cometeram um erro
de raciocínio recusando a teoria da relatividade, enquanto que este que examina a epistemologia profana
afirma que “ o homem da rua” comete um erro recusando de atribuir a causalidade „as situações e não
„as pessoas. Parece-me que é tão difícil de seguir Kruglanski e de aceitar que não existe diferença entre
os dois tipos de sábios quanto definir suas diferenças sobre uma escala de perfeição do pensamento
lógico. Fazemos uma pergunta ruim quando nos perguntamos: “quem pensa melhor?”. A resposta auto-
10

fundamentando-se nas causas pessoais. O que faz com que ele testemunhe
com uma tal indiferença, estaríamos tentados a dizer, com uma certa aversão à
realidade? Por que ele se recusa em corrigir seus erros sistemáticos e suas
idéias, enquanto que, a nossos olhos, a mente humana é naturalmente e quase
que constantemente ocupada de se conservar de tais erros? Pareceria que ele
necessitasse incriminar sua ignorância de regras da lógica e sua falta de
treinamento para pensar logicamente. Isto é porque ele representa um perigo.
Nas universidades de língua inglesa, começamos a ensinar aos estudantes os
“perigos do sábio intuitivo” (Gergen, 1981). Como a humanidade pôde
sobreviver desde milhões de anos se apoiando sobre teorias e explicações
preconizadas por pensadores tão indigentes? Como podemos inventar a
agricultura e a química e mesmo descobrir a América? Nós nos perguntamos.
Especialmente quando vemos sábios profissionais que dispõem de métodos
elaborados e estão perfeitamente certos de conhecer as causas capazes de
destruir esta obra em algumas horas. E isso apenas com uma bomba atômica.

4. Das cognições sociais „as representações sociais.

Quantas verdades o homem pode suportar?


Nietzsche

Os estudos sobre este assunto são numerosos e sua especialização é tal que
nenhum estudante pode esperar domina-los. O material em geral e as monografias
abraçam o domínio que vai da psicologia social à psicologia da criança e à
psicologia clínica. Existem estudos sobre todo ou sobre quase todos os aspectos da
epistemologia leiga e da atribuição causal. Como podemos encetar uma discussão
fecunda seguindo particularmente as linhas teóricas gerais? Eu quero, contudo,
levantar o desafio. Começarei minha discussão observando que apesar da sua
abundância, a literatura com algumas exceções raras, tende a ser pouco
conclusiva. As provas factuais fazem da tarefa de análise científica uma empresa
bastante arriscada. Entretanto, é preciso admitir que suas conclusões parecem
pouco surpreendentes. Elas já vos eram familiares, mesmo sem as experiências
como premissas da psicologia social clássica que foram fundadas, depois de tudo,
para responder à questão: “o que explica o fato de que o raciocínio e o
pensamento das pessoas estejam freqüentemente errados?”(grifos não são
do autor). Os pioneiros neste domínio estão divididos em duas escolas de
pensamento, uma afirmando que as emoções são responsáveis pela obnubilação
da mente, a outra dando destaque aos preconceitos e mecanismos acionados pela
situação de grupo. Estou realmente impressionado por sua perspicácia. Lendo o
livro de Nisbett e Ross (1980) tive quase a impressão de reler as passagens de Le
Bon, McDougall e Bechterew. É, contudo verdade que nós precedemos sobre um
ponto. Dispusemos de uma quantidade suficientemente grande de fatos para ter o
direito de discutir a questão livremente, sem sucumbir à vã especulação. Cada
uma das linhas de pesquisa que acabo de descrever tem seu valor. Tomadas em
conjunto, elas fornecem uma documentação indispensável à intuição sociológica e
psicológica. Portanto, se desejamos ter uma visão consistente do conjunto do
fenômeno em questão, nós devemos pesquisá-la em um nível mais profundo.

complementar dos psicossociólogos: “Nós!” é tão pouco satisfatória como aquela de Kruglanski:
“Ninguém!”.
11

Nenhum dos modelos lógicos ou psicossociológicos propostos até aqui podem


explicar certos traços surpreendentes da epistemologia leiga, de maneira que o
domínio da cognição social passa por uma fase difícil.
A meu ver, a cognição social estava condenada ao impasse do início, pois a
cognição limitava-se a um só aspecto – a percepção. Ao mesmo tempo, a realidade
crescente de informação em questão, era considerada como neutra, não social e
presumida objetiva (não chegaremos a lugar algum se excluirmos do pensamento
o imaginário, o simbólico, o ilusório: estes são seus componentes cruciais!) Pelo
contrário, um dos resultados mais surpreendentes que estas experiências nos
forçam a reconhecer é o fato de que a informação que nos chega do mundo
exterior é moderada não pela realidade neutra, mas pelas teorias e preconceitos
implícitos e que estas por sua vez moderam para nós o mundo.
Tal é a conclusão de qualquer pessoa que trabalha de alguma maneira com
representações sociais: “não somente nossas imagens são um reflexo dos eventos
do mundo social, mas os eventos do mundo social podem ser o reflexo e os
produtos de nossas imagens do mundo social” (Snyder e Swann, 1978, p. 160).
Isto nos lembra Fausto meditando sobre a origem de todo conhecimento. O que
vem primeiro: as palavras, o poder ou os atos? Não, primeiro vem a imagem! Se
os fatos são tais que exigem esta inversão, somos obrigados a dirigir para outra
parte a luz da pesquisa, fixada até aqui de maneira a explorar a natureza da
informação e de concentrar a pesquisa sobre as teorias implícitas, as
preconcepções típicas, as imagens e assim por diante. O que elas têm em comum?
Dois traços principais: antes de tudo elas têm um caráter coletivo. Elas não
saberiam dar contar das diferenças individuais, mas somente das diferenças entre
grupos. E segundo, elas são toda uma mistura de conceitos, de imagens e
percepções. Estes são os traços mesmos que no conjunto, caracterizam a categoria
das representações sociais. Devemos projetar as pesquisas de ponta sobre as
representações sociais. Somente as representações podem analisar as trocas que
tem lugar entre nós e a realidade que enfrentamos.
Elas são partilhadas por um grande número de pessoas, transmitidas de
geração em geração, e impostas a cada um de nós sem o nosso consentimento
consciente.
Vocês irão me dizer: “apenas mudaste a embalagem. A mercadoria permanece
a mesma”. Não, não é verdade. Como vocês o podem ver, já fizemos uma
mudança, destinando as representações um papel determinante. Ademais, a
inversão traz conseqüências que estão longe de serem negligenciáveis. Por
exemplo, na teoria das cognições sociais, nos servimos destas representações para
explicar as idéias e os erros que observamos. Todavia, no nosso ponto de vista, as
pré-concepções e os erros são todos secundários. Permitam-me de invocar a
autoridade de Heider: “uma explicação deste comportamento social deve, pois,
levar em conta a psicologia do senso comum, suas suposições e princípios se
revelam ou não válidos, submetidos ao exame científico. Se uma pessoa acredita
que as linhas de sua mão predizem seu futuro, é preciso usar esta crença para
explicar algumas de suas esperanças e de suas ações” (1958, p.5). Em outras
palavras, o conteúdo e a estrutura destas construções intelectuais é tudo o que
importa.
Mas, não nos detenhamos muito tempo neste ponto. Basta notar o número de
pesquisadores trabalhando neste domínio de cognições sociais que já fizeram
experiências autênticas sobre representações sociais. É necessário convencê-los?
Vejam aqui alguns exemplos. Estudando a representação social da psicanálise,
12

descrevi dois tipos básicos de representação da psique – o tipo mecanista e o tipo


vitalista – que são os mais correntes. Estes tipos aparecem nas experiências
efetuadas do outro lado do Atlântico. Langer e Abelson (1974), por exemplo,
apresentaram aos seus sujeitos uma gravação de uma conversa com uma pessoa
apresentada para metade dos participantes como concorrendo a um emprego e
para outra metade como um doente. Os sujeitos tinham recebido uma formação
especial em psiquiatria e em psicologia. A metade entre eles tinha uma formação
em psicanálise e a outra uma formação behaviorista. Pedimos que eles julgassem
o equilíbrio afetivo da pessoa na gravação. Aqui estão os resultados: os
behavioristas pensavam que a pessoa estava bem adaptada nas duas situações
experimentais. Já os psicanalistas, pensavam que o mesmo indivíduo estava mais
inadaptado quando o apresentamos como um doente do que quando o
apresentamos como um candidato a um emprego. A razão desta diferença é
evidente. E os resultados nos convencem de que nossa representação do
mecanismo psíquico afeta a maneira que interpretamos a informação recebida
sobre as pessoas e portanto, nossas avaliações das mesmas.
Podemos tirar conclusões ainda mais surpreendentes de um outro grupo de
estudos relativamente recentes. Os autores Fischer e Farina (1979) e Farina et al.
(1978) ensinaram a seus estudantes duas representações da doença mental, que
tem cada uma, numerosos partidários em nossa cultura. Segundo a primeira
representação, que destaca a abordagem orgânica, a doença mental é vista como
genética por sua origem, seu desenvolvimento como difícil de se prever e que seu
tratamento só pode ser dado pela farmacoterapia. Conforme a segunda
representação, a doença mental é vista como uma perturbação da aprendizagem,
podemos remedia-la adotando novos hábitos e mudando de meio. A primeira trata
então a doença mental como um fenômeno externo e mecânico, enquanto a
segunda a ver como um fenômeno interno e dinâmico. (há tempos, os estóicos já
fizeram a diferença entre o que depende de nós e o que não depende!). Após esta
fase de ensinamento, perguntamos aos estudantes como eles reagiam aos diversos
aborrecimentos, melancolia e tédio que eles deviam experimentar. Os que tinham
uma representação orgânica da doença eram naturalmente menos inclinados a
pedir ajuda pessoal para superar suas dificuldades, utilizando pelo contrário, toda
sorte de medicamentos. Os estudantes que tinham uma representação social mais
clínica, de outro lado, se consideravam capazes de serem seus próprios terapeutas
e estimavam existir pouca chance de recorrerem aos medicamentos ou ao álcool
com o fim de ir ao fundo em suas doenças.
Podemos dizer então que, cada vez que acrescentamos ou modificamos uma
representação social, mudamos um certo número de comportamentos dirigidos em
direção aos outros e a nós mesmos. Podemos ver aqui, sob a forma mais pura
como o público e os psicólogos partilham uma única visão de conjunto. Podemos
ver também, as conseqüências virtuais das representações sociais, uma vez que
uma certa imagem bem definida da personalidade, da doença etc. é propagada
pela sociedade. Esta imagem deixa sua impressão no pensamento, nas relações
humanas e sobre a linguagem e o comportamento (Moscovici, 1961). A caminhada
de exemplo a exemplo, me expõe a vossa crítica, de que eu não faço mais que
tocar muito de leve a superfície, mas creio profundamente que existia alguma
razão para abordar a questão preliminar da inversão das relações entre
representação social e informação social. Admito, contudo, que é chegado o
momento de atacar o ponto principal. Continuemos.
13

As hipóteses e os postulados das teorias da cognição social supunham em


primeiro lugar que o indivíduo é a sede da realidade psíquica, enquanto que todo o
resto, inserido aí o grupo, não é mais que derivado desta realidade. Eles supunham
então que uma inteligência humana dada – ou uma máquina pensante – é para
todo e sempre idêntica a ela própria. Isto significa que os indivíduos devem seguir
as mesmas regras mentais e lógicas em todas as circunstâncias. Os cientistas
constituem a forma mais alta e mais perfeita desta conduta ou deste
comportamento. As diferenças de julgamento e de interpretação que observamos
correntemente entre nós, pessoas comuns, deve-se, pois atribuí-las à aplicação
incorreta destas regras nos diversos estratos da sociedade. Isto provoca a
impermeabilidade às informações, os erros de atribuição de causa o tudo o que se
segue. Sem a formular, todos os artigos acima citados contêm a seguinte
mensagem: o sábio ingênuo é inferior a nós, sábios profissionais, a lógica do
homem da rua é totalmente desprovida de valor comparada àquela do homem do
quadro negro. Chapman e Chapman (1967) não temem se fazer ouvir...: “na
calada, escutamos opiniões enérgicas dos psicólogos experimentais que sustentam
que os clínicos são inferiores no plano científico, pois não reagem a evidências”
(p.204)
Uma evidência de que, a serviço de quem? Vocês podem estar certos de que
nós levamos sempre à mesma conclusão e ao mesmo impasse, opondo um
processo de pensamento inferior e deficiente ou defeituoso a um processo superior
e válido, nos mesmos termos: um homem comum, tido como ingênuo, dá uma
explicação correta de um fato psicológico e social? O erro consiste em anunciar o
problema desta maneira, quer dizer, supondo que o homem procede exatamente
como o sábio profissional, munido dos mesmos instrumentos e mesmas tradições,
teorias e informações, salvo que ele é incapaz de pensar claramente e de aplicar
as regras lógicas. Supomos que este homem só reage aos dados, que observa os
fatos, as palavras e os gestos dos outros indivíduos de uma maneira
desinteressada e depois os explica se fundamentando em esquemas causais.
Apesar que de fato este homem poderia observar muito bem os fatos e gestos ou
escutar estas palavras de um outro ponto de vista, os recolher de maneira mais
apaixonada e as impor automaticamente ao quadro social do grupo. E ele as faria
uma representação familiar.
Colocando o problema desta maneira, a atividade cognitiva do leigo é a priori
interpretada como uma versão rudimentar da atividade cognitiva do sábio, então
considerada quase como anormal ou patológica. Um terapeuta cognitivo de
renome, Ellis (1977), tem sustentado que as perturbações destes pacientes eram
neuróticas porque os seus pensamentos não se estruturavam conforme as regras
da lógica. Eles careciam também de experiência. Logo, eles não pensavam como
os sábios. Como um grande número de seus colegas em terapia cognitiva, Ellis
estima ser seu dever alinhar o raciocínio de seus pacientes com as leis do
pensamento científico – modelo mais elevado do pensamento humano. Os
psicossociólogos adotaram uma atitude um pouco similar. Uns e outros agem como
os membros da Sociedade Real das Artes julgando deficiente a pintura primitiva
porque nela não se observam as leis da perspectiva.
Se tomarmos as representações sociais como ponto de partida, todavia, o
processo de pensamento parece perfeitamente normal e mesmo apropriado. Eu
vos peço um pouco de paciência, pois tentarei ilustrar isso por um exemplo
concreto: o personalismo. Conforme o modelo americano de pensamento, o
personalismo é o erro fundamental, a linha de divisão entre o pensamento leigo e
14

o pensamento científico. Devemos então fazer a seguinte questão: o personalismo


resulta de uma aplicação errônea das leis do pensamento na análise causal da
realidade ou é exatamente o contrário, o resultado de uma aplicação correta
destas leis, que tem como ponto de partida uma representação errada da realidade
porque ela é personalista? Isto que vocês o admitem, não faz retornar ao mesmo
ponto. No primeiro caso, lidamos com um verdadeiro erro, no segundo o problema
se encontra numa má adaptação dos “conceitos” aos “fatos”. No estado das coisas,
existem numerosos fatores na nossa sociedade notoriamente ideológicos e
lingüísticos por natureza, que nos induzem a personalizar. Tomem um fenômeno
banal: os acidentes de trânsito. A palavra acidente já implica na pesquisa de uma
vítima e de um culpável, que podemos isolar do fluxo de carros. A palavra é
manifestamente inapropriada. Na verdade, as colisões de automóveis nas
estradas, com os mortos e os feridos que elas trazem, são um fenômeno tão
regular e previsível quanto a colisão de átomos num acelerador. A regularidade e a
freqüência de cada um desses eventos podem ser previstas com a mesma
facilidade. A única coisa que nós não saberíamos é que veículo chocar-se-á com
outro, como não sabemos predizer que átomo entrará em colisão com aquele
outro. Em face de um evento tão previsível, é tão absurdo falar de acidentes de
automóveis como de acidentes de partículas atômicas. Mas quando o fazemos, nos
deixamos ouvir que alguém cometeu uma falha e nos colocamos na medida de
designar este indivíduo. Tomem o sistema jurídico. Conforme o direito civil e
criminal, podemos responsabilizar Sr Untel. Todo o nosso sistema social, desde a
estrutura da linguagem até a estrutura da lei, conduz a uma pesquisa de uma
causa pessoal, ao “fator humano”. No interior deste sistema, toda uma
representação do mundo dos acidentes é construída e recebe reforços pela parte
das autoridades religiosas, políticas e econômicas. Vejam aqui o que o arcebispo
de Marseille declara com indignação: “Não é verdade que a vida humana deve
pagar seu tributo à circulação de automóveis; o assassino não é o veículo, mas o
condutor”. E Roland Barthes, um célebre crítico literário (morto em um acidente de
automóvel) reflete no mesmo ponto de vista: “no meu ponto de vista, o problema
dos automóveis se encontra nas mãos dos psicanalistas”. Todas estas idéias são
interiorizadas e os condutores de automóveis vêm as coisas da mesma maneira.
Se lhes perguntamos qual é o maior obstáculo que se opõe à redução do número
de acidentes de automóveis, 78% nos dirão: o comportamento dos condutores
(Barjonet,1980). Em última análise, o fato de personalisar nesta condições, não é
um caso de erro de raciocínio, mas resulta da conclusão lógica que chegamos a
partir do sistema de representações comumente aceitas.
Eu poderia provar a mesma coisa a respeito do material de várias experiências
a que eu me referi acima. Na medida em que elas colocam em jogo uma psicologia
leiga (ou clínica), elas implicam automaticamente que pesquisemos os fatores
causais individuais e depois as situacionais. Direi que neste caso, nenhuma outra
coisa é possível, já que uma causa mecânica ou impessoal seria inaceitável. Para
ser mais rigoroso, acrescentaria que mesmo o personalismo é um traço
fundamental que só importa a ideologia que podemos qualificar de laisse-faire,
capitalista ou individualista. Um de seus efeitos é que os operários atribuem seu
fracasso em prosseguir seus estudos como um incapacidade pessoal: “foi minha
culpa” repetem eles, para explicar que eles estejam fora do sistema escolar
(Fremontier, 1980). Muito tempo antes que estes estudos fossem realizados, o
sociólogo Gabel (1974) escreveu: “um dos traços característicos da causalidade
ideológica é a superstimação desta tendência „largamente individualista‟; quer
15

dizer, a pretensão de explicar os comportamentos coletivos por motivos que tem


uma validade individual. Este fenômeno é característico da ideologia da Direita
americana” (p.71).
Vejam o que quero provar. Podemos mais facilmente entender a atribuição
causal aos indivíduos como conseqüência de nossas representações dos seres
humanos e dos grupos sociais, do que como erro de análise dos sábios ingênuos.
As representações podem ser “erradas”, mas isto não é assunto de lógica
ou de psicologia, é assunto da história e da interpretação da nossa
cultura6. Eu consideraria talvez, que as teorias correntes tem razão num ponto,
embora, eu sinta que as diferenças que elas descrevem têm suas origens em
outros campos. O que distingue a ciência das representações sociais ou dos mitos
é creio eu, a freqüência com a qual ela faz a questão “por que?” E não de saber se
a resposta a esta questão é: uma pessoa ou uma situação. O pensamento
científico tende efetivamente a desencorajar e limitar a pesquisa de uma
explicação, apesar do pensamento popular a encorajar e multiplicar. O antropólogo
Marcel Maus escreveu há muito tempo que a magia é “uma variação gigantesca
sobre o tema do princípio de causalidade.” E o filósofo Wittgestein deu eco a este
pensamento : “a superstição é a crença em uma relação de causa e efeito.”
Neste domínio, toda generalização é suspeita, mas não existe meio de evitá-la.
Na verdade, precisamos abandonar a hipótese individualista e postular o inverso
do processo. As leis psicológicas e as regras da informação lógica, não são o que
determinam o comportamento, os sentimentos e as palavras. É perfeitamente
manifesto que uns ou os outros desempenham unicamente um papel inferior. São
as representações sociais que desempenham um papel maior, pois o efeito é “tão
estabelecido na literatura sobre o consenso da informação que mostra que as
atribuições feitas pelas pessoas são freqüentemente influenciadas por suas
esperanças normativas antes que pelas informações reais fundamentadas sobre as
amostras”. (Kassin, 1981 p. 186).
A única maneira de sair desta situação é começar pelas representações sociais,
e as tomar por dados que devem servir de ponto de partida para pesquisa
científica. Não as relacionando mais a indivíduos isolados e assim procurando
apanhar seus mecanismos no interior do quadro cultural, a possibilidade existe de
compreender suas leis. Sem nenhuma dúvida, isto não levará a uma série de
teorias que sejam tão simples e convenientes como a manipulações de laboratório
dos nossos colegas americanos. As representações sociais têm propriedades
exclusivas, que só podem ser descobertas estudando suas relações com os grupos
sociais, como é necessário estudar as leis do mundo animal sobre a base dos
grupos animais antes que sobre animais isolados. É unicamente se conhecemos
estas propriedades que podemos esperar iluminar a gênese das nossas categorias
analíticas em função das pessoas ou das situações ou de regras lógicas. Pois, na
vida mental, além de simples reações dos nossos sentidos, tudo é

6
É fácil de ver após a passagem seguinte como certas representações sociais conduzem ao
personalismo: “ensinamos aos Americanos em casa, na escola e na retórica política persuasiva que a
América é o país da igualdade de oportunidades. Dada esta igualdade, aqueles que são pobres são
inclinados a atribuir sua situação infortunada a suas próprias dificuldades e a sua insuficiência. Esta
inferência lógica e esta crença largamente difundida têm como perturbar os pobres. Eles são fortificados
nos seus sentimentos de culpabilidade pelos ricos e por seus representantes parlamentares que atribuem
seu próprio sucesso e o fracasso dos outros ao seu valor pessoal e a falta de valor,
respectivamente”.Edelman, op. cit., p. 55.
16

necessariamente social por natureza. (grifos não são do autor). Por este
método de abordagem, obteremos uma visão mais exata das coisas que estamos
dividindo em leigas e sábias, homens da rua e homens de gabinete. Tornar-se-ia
então evidente que a maior parte entre nós pensa errado, pois pensamos
diferentemente, conforme uma teoria social diferente.
Estas observações precisam ser expostas com mais precisão, e espero fazer um
pouco daqui por diante (Moscovici,1984). Neste instante, eu queria simplesmente
indicar que atingimos um ponto que não permite volta. Os modelos não são um
grande socorro, e se nós desejamos prosseguir nosso caminho, nos é necessário
construir novos modelos. Guardando o objetivo presente na mente, eu queria
acrescentar um comentário mais pessoal. Isso que me parece o mais contestável e
mesmo artificial em tudo que escrevemos sobre cognição social, não é a redução
do mundo coletivo ao marfim do laboratório. É sua terrível simplificação da vida
mental dos seres humanos em sociedade. Devo admitir que não cheguei a
compreender como uma discussão sobre a definição de cognição social ou a
viabilidade das atribuições causais podem não dar conta do fato de que os seres
humanos são governados por uma curiosidade autêntica, de crenças religiosas ou
filosóficas e uma gama de etnias. Ou então este aspecto cultural foi evacuado,
jogando tudo isso no saco dos prejulgamentos e dos estereótipos. No meu ponto
de vista, toda teoria da cognição, toda análise de nossa vida mental que não
destina um papel de pivô ao estudo das culturas que criam a linguagem, que não
se interessam pelo tipo de relação entre as pessoas ou por suas atitudes para com
o conhecimento e as instituições, toda teoria desta espécie me parece sem objeto.
É somente se apreendemos os fenômenos de representação social que podemos
restabelecer sua pertinência. Todos que escreveram neste objetivo confirmaram a
verdade desta observação7.

5. Quem é o verdadeiro psicólogo ingênuo?

É bem possível que muitos aspectos dos meus argumentos estejam errados ou
exagerados. Precisamos esperar uma discussão profunda para o descobrir.
Enquanto isso me deixem prosseguir nestas especulações. No seu estado primitivo,
as pesquisas sobre cognições sociais e aquelas consagradas em representações
sociais tratavam do mesmo objeto: a psicologia popular ou ingênua. Elas eram as
mesmas partes de uma hipótese comparável. Heider a exprimiu como o seguinte:
“Já que a psicologia do senso comum guia nosso comportamento para com o
outro, ela é uma parte essencial dos fenômenos aos quais nós nos interessamos.
Nós interpretamos as ações dos outros e predizemos o que eles farão em certas
condições. Considerando que, em geral, nós não formulamos estas idéias, elas
funcionam freqüentemente de maneira adequada. Elas cumprem de uma certa
medida o que uma ciência deve cumprir: Uma descrição adequada do sujeito
estudado que lhe garante a previsão possível” (1958, p.5).

7
Na psicologia da criança, podemos observar uma evolução comparável. Inicialmente, estudamos as
crianças isoladamente, depois sua cognição social (conhecimento interpessoal, atribuições etc) se tornou
o centro de interesse. Atualmente o interesse se dirige em direção as representações sociais das crianças
relativas ao dinheiro, ao governo, à cultura etc. Veja, por exemplo, o capítulo intitulado “Issues in
Childhood Development” in H. McGurk (ed. Psychology in progress, Methuen, London, 1978.
17

Mudando o mesmo objeto e a mesma hipótese, estes estudos divergem em


duas direções opostas. Descrevendo os contrastes entre elas, espero fazer o
melhor para que vocês compreendam o problema ao qual se liga o estudo das
representações sociais. Para diferenciá-las, associarei uma entre elas ao nome de
Hercule Poirot, o personagem principal de Agatha Christie e o outro a Bouvard e
Pécuchet, os dois personagens criados por Flaubert. Conforme o primeiro modelo
de aproximação, a psicologia leiga foi fundada sobre o senso comum dos
psicólogos leigos, sobre a qual os sábios se apoiaram em sua volta para extrair seu
núcleo teórico e autêntico. Este senso comum tem sua origem na família, nas
relações entre esposos ou entre amigos, na vida cotidiana e permite interpretar os
mistérios que existem nas relações entre duas pessoas. O psicólogo ingênuo, como
Hercule Poirot, viu tudo um pouco de perto. Ele adquiriu uma grande experiência
nas diferentes situações e conhecendo muita gente. Criou sua própria filosofia
sobre os assuntos das pessoas e acreditava saber o que as fazia roubar, matar ou
amar e se ajudar. Na falta de uma informação particular, seus conhecimentos
eram provenientes da observação do comportamento do outro, de seus atos e das
situações mais diversas. Para os interpretar, ele se esforça para juntar as
informações mais exatas e as verificar. Ele tenta analisar a causa do
comportamento de cada um. Encontramos numerosas dessas teorias implícitas na
obra de Agatha Christie. Ele se serve apenas de teorias para classificar as
informações que procura e indicar o quadro no qual as interações reais terão lugar.
Estas teorias determinam as linhas principais da psicologia leiga subjacente em
cada romance.
Heider sugere de uma maneira ou de outra que nos comportamos mais ou
menos como Hercule Poirot resolvendo os enigmas de nossa existência e
melhorando nossas relações com os outros na sociedade. Logo, eu direi que cada
um de nós, de uma parte, se pergunta qual é a função desta filosofia e de outra
parte, quer saber como ela afeta o comportamento de cada indivíduo. Neste
contexto, compreender significa um processo pelo qual as pessoas comuns
acoplam o que vêem e escutam com os quadros préestocados de ações às quais já
tinham se exposto. Isso que nós traçamos aqui, até um certo ponto, é um
processo perceptivo natural no qual o sujeito ingênuo percebe o mundo a partir de
uma certa distância, nas circunstâncias as mais diversas. Como a abelha operária,
o sábio assegura então o pólen que recolheu e o destila para fazer o mel.
Conforme a segunda perspectiva, na sociedade atual, tudo o que é considerado
como leigo e relativo ao senso comum está fora da ciência. Ela própria está em
fluxo constante. As descobertas científicas, que constituem os eventos verdadeiros,
forçam as pessoas a assimilar estes novos resultados e a confrontá-los com suas
próprias idéias e experiências. Isto é mais verdade da psique do que psicologia.
Neste caso, a melhor estratégia consiste em estudar como e porque uma teoria
científica, tal como a psicanálise torna-se uma psicologia do senso comum, criando
novas maneiras de classificar os indivíduos, de explicar seus comportamentos e de
falar deles e com eles. É exatamente o processo que eu sigo. Eu empreendi o
estudo de um choque cultural, não um choque causado pela realidade. O leigo não
é um sábio ingênuo, mas um sábio amador, tipo humano e intelectual que teve
efetivamente um lugar na ciência (Moscovici, 1961). O sábio amador é estimulado
pelo conhecimento anteriormente elaborado e persegue seus esforços adaptando-
os aos seus interesses pessoais. Graças a este conhecimento, ele cria informações
que o ajudam a compreender o mundo no qual ele está vivo. Como Nietzsche, ele
rejeita o “dogma da percepção ingênua”.
18

Flaubert imortalizou vários desses tipos de indivíduos em seu romance Bouvard


e Pécuchet. Após Barbey d‟Aurevilly, a vontade de Flaubert era mostrar “como
tornar os seres humanos inteligentes e instruídos sem ensino obrigatório”. Os dois
personagens se encontram e se associam no mesmo objetivo de estudar as várias
ciências, afim de compará-las e de aplicar as teorias ao universo familiar. O que
está em jogo aqui, sem nenhuma dúvida é uma cópia, como o atestam a profissão
anterior destes dois comparsas, e também o fato que eles são uma dupla. Uma
cópia inexata deixemos claro. O autor nos dá uma descrição sutil da maneira que
os conceitos de anatomia, da história etc., se transformam em suas mãos e como
eles se infiltram nas preocupações cotidianas da cidade onde vivem Bouvard e
Pécuchet. Os comparsas tornam-se psicólogos amadores, tentando validar ou
invalidar algumas idéias sobre a frenologia. “Gall se engana, e eu vos desafio de
legitimar sua doutrina pegando, ao acaso, três pessoas na boutique. A primeira era
uma camponesa com dois grandes olhos azuis. Pécuchet diz observando-a:

- Ela tem boa memória. Seu marido atesta o fato e se oferece ele mesmo para
observação.
- Oh! Você, meu bravo, nós o guiamos dificilmente!
Muitos diziam, não existia no mundo ninguém mais teimoso que ele! Etc.
(1979, p.250).

Vocês vêem os efeitos cômicos que Flaubert tira destas situações. Woody Allen
obteve efeitos comparáveis em seus filmes, brincando com o vocabulário e com as
explicações psicanalíticas que ele aplica às situações as mais incongruentes. Sem
querer ofendê-los, eu devo admitir que, deste ponto de vista, a psicologia amadora
não é este fictício homem da rua, mas Heider ele mesmo, compondo peças de
teatro, romances e obras de psicologia a fim de produzir uma versão sistemática
das relações interpessoais. E Kelley, Jones, Ross, Nisbett e outros, seriam os
psicólogos científicos.
Retornemos aos motivos dos nossos sábios amadores. Seus objetivos, quando
tentam incorporar a ciência ao domínio da experiência cotidiana, não são somente
úteis ou práticos, asseguram a sobrevivência da espécie. Mas, seus verdadeiros
motivos são também o prazer, a energia mental, e a aventura social. Para eles, um
contato pessoal com a ciência quer dizer estar em relação com a maior force de
verdade e da ação na esfera humana.
Utilizarei um exemplo para fazer um contraste entre o método de Hercule Poirot
e o de Boulevard e Pécuchet. Imaginem que vocês têm a sua frente um pedaço de
queijo num prato. Ele tem uma forma distinta, uma cor, um odor e uma
consistência; Poirot sabe do que ele fala: é de um camembert. Logo que ele enfia
sua faca e o prova, o sabor do queijo confirma seu julgamento e ele o identifica.
Não é roquefort, nem chester, nem munster, mas camembert. Uma informação
sem falha e o detetive se perguntará em seguida como o queijo foi escolhido, fará
sua investigação com o vendedor para saber quando o compramos etc.
Coloquemos então o mesmo camembert na mesa de Boulevard e Pécuchet. De
lado, colocamos um copo de vinho tinto. “É certamente francês” dirá um dos
nossos dois heróis. E eles levantarão as teorias químicas e depois as históricas,
eles se lembraram de paisagens da Normandia, falarão de vacas e de pradrarias
em flores, e trautearão a famosa canção “irei rever minha Normandia”. Eles
experimentarão um frisson de patriotismo. E como pela célebre Madeleine de
19

Proust, as qualidades características do queijo se ocultarão e não permanecerá


mais que o emblema de uma nação e a representação de um país.
Temos encetado este domínio de estudo examinando a gênese da psicologia
ingênua, pontuando o interior do contexto cultural ao invés do núcleo do
individual. Ao mesmo tempo, enfatizamos o que parece ser a tarefa da psicologia
social no domínio cognitivo: estudar o que acontece quando se produz
transformações de uma maneira de conhecer as coisas a uma outra maneira – por
exemplo da ciência ao senso comum – e qual efeito tem estas sobre a
comunicação e a ação. Em cada caso, os conceitos, as linguagens, as imagens etc.,
são apresentadas de novo (representadas) em um novo contexto. É precisamente
o que acontece quando passamos de comunicação oral para comunicação escrita e
vice-versa, quando um romance se transforma em peça de teatro ou em cenário
de filme. Poderia-se dizer que as coisas se passam desta forma quando ensinamos
nossos alunos as idéias teóricas que nós concebemos. Logo, as representações
sociais nascem ao longo de uma série de transformações que geram novos
conteúdos.
Quero apenas dizer uma palavra a respeito da informação. Durante estas
metamorfoses, as coisas não só se modificam, mas também são vistas sob um
novo ponto de vista. As pessoas se tornam assim, receptivas às manifestações que
lhes tinham antes escapado. E como Bouvard e Pécuchet, tentam produzir estas
informações a fim de colocar o mundo em harmonia com estas novas idéias.
Podemos concluir que sobre a base de novas representações, a informação é
criada. E esta informação não existia antes. Assim, quando a psicologia do senso
comum se impregnou de psicanálise, as pessoas começaram a explorar seus
arredores para tentar detectar os indícios de tal ou qual complexo, ou de lapso e a
observar seu comportamento em direção aos parentes, nos seus filhos etc. Eles
retrabalharam esta informação, que tinham em grande parte provocado ou mesmo
criado eles mesmos.
Todas as coisas que nos surpreendem no mundo que nos cerca são tanto efeito
de nossas representações partilhadas quanto a causa de tais representações.
Devemos distinguir nas nossas discussões e nas nossas teorias a informação livre,
que nos chega sem ser solicitada e a informação ligada, que depende de nossas
conexões mentais anteriores. Imagino que os psicólogos generalistas e aqueles
que trabalham com ciência da computação tratam geralmente do primeiro gênero
de informação, enquanto que nós psicólogos, tratamos sempre do segundo. Não é
possível transpor estes conceitos de um domínio a outro. De toda maneira, nós o
fazemos, mas na certeza de um erro.
A isto devo acrescentar ainda um ponto. Muita gente comete o erro partindo de
uma idéia generosa crendo que injetando uma boa quantidade de informação livre
e correta, podemos dissipar os efeitos das “teorias implícitas”, dos prejulgamentos
e dos estereótipos que reinam num grupo. É a filosofia das luzes nos laboratórios!
A verdade da coisa é que, só, a informação ligada pode ter um efeito paralisador
sobre a maioria dos sábios amadores que somos. O telescópio de Galileu só
ensinou e deixou visíveis os novos fenômenos aos partidários da representação
heliocêntrica do mundo. Todos os outros que conservaram a representação
geocêntrica só o viam como estranhas aparições – e a razão não era que eles eram
católicos ou de mente obtusa. Para fazer com que alguém reaja a uma nova
informação não é preciso de forma alguma “administrá-las” em altas doses nem
retificar o seu pensamento. Tudo que é preciso fazer é religá-la modificando a
representação de objeto ao qual ele se liga. Um provérbio francês diz: podemos
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levar um cavalo ao bebedouro, mas não podemos forçá-lo a beber. Apesar de


tudo, a psicanálise coloriu o senso comum e mais que o senso comum, sem
oferecer dados mensuráveis, sem nenhum fato confirmado. Os fatos só foram
reunidos quando a teoria foi aceita, a fim de persuadir o outro de que ela é
correta.
Em outras palavras, os prejulgamentos não são dissipados, os estereótipos não
são enfraquecidos: eles são revertidos. Para parafrasear Leibniz, poderíamos dizer
que não existe nada na representação que não está na realidade, exceto a própria
representação. Que a representação nos agrade ou não, que nós estejamos de
acordo ou não. Este modo de pensar é um fato que existe desde muito tempo para
que nós não possamos perceber a realidade. Não somos nem moralistas nem
padres, tendo por função julgar a natureza humana. Somos cientistas. Nossa
vocação é analisar a natureza humana e dizer a verdade a seu respeito. Tudo o
que escrevemos sobre personalismo, ou sobre a impermeabilidade à informação,
contém muita moralização e pouca intuição analítica, ao meu ver. Não podemos
escapar da realidade e eu tentei vos apresentar esta realidade. Não lidamos
apenas com um problema lógico aqui, mas também com um problema
antropológico. Nem nós o inventamos, nem temos motivos para o reduzir, para
deixá-lo mais digerível aos preconceitos da psicologia social. Ele está no coração
da cultura e das práticas tais como a vulgarização científica, a educação, a
psicoterapia, os meios de comunicação de massa e daí por diante.

6. Esperando Godot

Estamos na iminência de entrar em um terceiro estado? Estamos a um passo


de superar uma crise? As hipóteses sobre a cognição social que serviram de base
para muitas pesquisas, estariam desmoronando ao seu redor? Tornou-se
recentemente uma possibilidade a considerar seriamente (Hewstone e Jaspars,
1982). Em todo caso, já temos a matriz de novas soluções.
É preciso pesquisas suplementares, em particular teóricas, antes de poder
determinar se as dificuldades existentes poderão ser superadas levando em conta
as representações sociais. Contentar-se de acrescentar fatos pode não ser a
resposta certa: nós já desmoronamos sobre os fatos. Mas alguns passos se
impõem se quisermos progredir ao longo do caminho indicado.
Nosso primeiro passo deve ser de deslocar nossas investigações e nosso
interesse do plano individual para o plano coletivo. No lugar de nos concentrarmos
na questão de compreender o que significa ser “um indivíduo engajado no ato de
pensar”, devemos tentar compreender o que se constitui como “um grupo ou uma
sociedade engajada no ato de pensar”.
Existem muitas formas de tratar este problema. A maior parte de pessoas
envolvidas com a teoria das representações sociais a interpretariam da seguinte
maneira. Antes de tudo, elas veriam neste problema a indicação de que uma
mudança é efetuada do nível interpessoal ao nível social e cultural. (Isto é tudo
natural; a maior parte das noções ditas populares fazem parte da esfera cultural).
Quando pensamos na sociedade, não temos somente uma entidade que serve de
pano de fundo para o indivíduo, mas uma entidade sui generis. Vocês não devem
perder de vista que a psicologia social foi fundada especialmente para responder a
este gênero de problemas. Recusando de tratá-la, nós a relegamos ao papel de
ciência menor, que deve se voltar em direção à psicologia geral ou mesmo à
ciência da computação, para receber a solução da mesma.
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Isto significa então, dar prioridade preferencialmente às linhas intersubjetivas e


sociais e não às ligações com o objeto. Em outras palavras, a ligação com o objeto
é uma parte intrínseca do lugar social e deve então ser interpretada neste quadro.
Nossas representações comuns parecem assim determinar a natureza de nossos
comportamentos e de nossas informações. As teorias da cognição social estão
fundamentadas sobre a concepção oposta, na qual os caracteres distintivos de
elemento social estão perdidos. Simon tem razão ao escrever: “Quando
identificamos os processos subjacentes aos fenômenos sociais, como temos feito
nos capítulos deste livro, estes da segunda e da terceira parte em particular, os
fenômenos sociais revelam-se ser os próprios processos de informação que
encontramos das cognições não sociais” (Simon, 1976 p. 254).
Voilà uma conclusão bastante inquietante. Ou bem o domínio social existe pleno
de direito e tem sua dinâmica própria, que deve produzir certos efeitos, ou então é
estúpido de nossa parte estudar os processos de informação. Neste caso,
deixaríamos o caso nas mãos de outras ciências, no lugar de nos iludirmos com a
idéia de que temos um acesso mais fácil à vida mental dos seres humanos em
sociedade. Entre as duas, é preciso escolher. De minha parte, eu subscrevo
plenamente à seguinte afirmação do filósofo Merleau-Ponty, a observação é
perfeitamente adaptada a nossas necessidades: “do único modo que praticamos a
psicologia social, estamos fora da ontologia objetivista, e só podemos permanecer
nela, exercendo sobre o objeto uma limitação que compromete a pesquisa. A
ideologia objetivista está aqui diretamente contrária ao desenvolvimento do saber.
Era uma evidência, por exemplo, pelo homem formada no saber objetivo do
Ocidente, que a magia ou o mito não possuem uma verdade intrínseca, que os
efeitos mágicos e a vida mítica e ritual devem ser explicadas pelas causas
„objetivas‟ e relacionadas pelo resto às ilusões da Subjetividade. Se quer ver a
sociedade como realmente ela é, a psicologia pode portanto partir deste postulado,
feito ele mesmo parte da psicologia ocidental e o adotando, presumeramos nossas
conclusões” (Merleau-Ponty, 1964, p. 43).
O segundo passo será colocar fim na separação entre os processos e o
conteúdo do pensamento social. Temos feito desta separação um caso de princípio
(Kassin, 1981; Kruglanski, 1980) e uma condição anterior do caráter científico da
nossa pesquisa. Sua justificação implícita é a seguinte. Os processos de
pensamento são gerais e invariantes, enquanto que o seu conteúdo é particular e
variável. Os primeiros são tirados da cultura, os segundos estão ligados à cultura,
os primeiros sendo independentes dos segundos. Pois, as leis de inferência são
válidas para não importa quais assuntos e eventos. “A teoria de atribuição, escreve
Kassin, destaca os parâmetros dos estímulos que dão nascimento à percepção ou à
inferência de uma relação causal entre dois eventos” (1981, 170). Como
conseqüência, a pesquisa sobre cognição social torna-se uma pesquisa de
laboratório de suporte sobre a lógica 8.
8
Poderíamos acrescentar que o conceito de cognição social implica um processo consciente e lógico. Isto
não é válido para s representações sociais. Elas se baseiam sobre as convenções e os símbolos e
compreendem os aspectos conscientes e inconscientes, racionais e irracionais. Resulta que o termo
“cognitivo” não é exato quando aplicamos aos fenômenos sociais.Seria mais apropriado empregar a
palavra simbólico, que não é a mesma coisa. Não é correto dizer que as representações sociais são
representações cognitivas. Os psicossociólogos tendem a confundir o cognitivo e o simbólico. Se, como
nós o pretendemos, sua revolução cognitiva está atrás deles, sua revolução simbólica está ainda por vir e
isto se aplica bem a todos os psicólogos em geral. Na falta de uma revolução, as representações sociais
teriam um pouco de contribuição a dar. Um argumento suplementar é o fato que não existe nenhuma
maneira de tratar as inferências se nós não tratamos as representações concomitantes, tudo como as
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Sem dizer que por uma razão ou por outra, podemos sempre separar
conceitualmente o processo do conteúdo, de sorte que o primeiro se refere a uma
coordenação de regras ou de sistema gerais, e o segundo a exemplos particulares.
Isto não resulta a questão de saber se é preciso fazer esta separação, portanto, e,
sobretudo, é legítimo de fazê-la no nosso próprio domínio. Deixamos de lado uma
grande parte das provas. As regras da lógica são especificamente ligadas a uma
cultura dada e a uma atividade mental dada. A regra de não contradição, que é a
mais importante na lógica e o pensamento ocidental, parecem desempenhar um
papel secundário na ciência e no pensamento chineses, de mesma forma que no
domínio do pensamento simbólico. De outro lado, existem numerosos temas de
heróis, o tema de uma comunidade primordial, de um mundo justo que existe em
algum lugar (Lerner e Miller, 1976), o tema da aspiração de um mundo como tal, e
assim por diante. Nossas representações sociais são feitas por temas deste gênero
e os temas recebem sua coerência. Flament (1984) mostrou como o princípio do
equilíbrio de Heider não é apenas um simples caso de lógica. Existe igualmente um
conteúdo ideológico. O mesmo conteúdo ideológico aparece na filosofia taoísta e
através da filosofia de Rousseau. Desde a Revolução Francesa, esta filosofia
usufrui uma considerável popularidade. Uma vez que nós penetramos um pouco na
camada exterior, nós destacamos que as leis da psicossociologia são a versão
condensada de toda uma sociologia (Moscovici, 1961).
As coisas não permanecem lá. Na epistemologia científica, as teorias e sua
lógica, as relações de causalidade e os princípios físicos ou biológicos são tratados
como uma unidade. Por que nos limitamos à lógica e à causalidade quando lidamos
com a epistemologia leiga, sem dar conta das teorias ou representações
subjacentes? Dissociando o que na verdade é uma entidade orgânica – pois cada
pensamento é um pensamento de qualquer coisa – nossa pesquisa tende a perder
uma boa parte de sua importância e de sua pertinência, e mesmo sua relação com
a sociedade em seu conjunto. Ë somente analisando os temas, as declarações, as
imagens e suas combinações que podemos enraizar nossos estudos na cultura à
qual nós pertencemos e a compreender. É só assim que estamos em posição
pontual e de dar respostas significativas (Gilligan, 1977). Vocês advinham meus
sentimentos. A psicologia social cognitiva- desculpem o pleonasmo! Não imita a
ciência da computação ou a psicologia geral. Ela não se ocupa da matéria, mas do
software e não se interessa na aplicação dos programas e das linguagens, mas na
sua criação: a saber, como nascem as cognições.
Em todo caso, no que concerne às representações sociais, devemos seguir o
exemplo da antropologia e da psicanálise, que elucidam os mecanismos
examinando o conteúdo resultante destes mecanismos e deduzindo os conteúdos
sobre a base dos mecanismos. Já desenvolvi várias vezes esta idéias que estão
longe de serem originais. A objeção que vai ao seu encontro é que elas são
metafísicas. Aos meus olhos, isto não diminui em nada sua pertinência, pelo
contrário. Elas convergem mesmo com algumas idéias expressas pelo homem que
consideramos como pioneiro da psicologia cognitiva, Neisser. Permitam-me citá-lo
um pouco demoradamente. Antes de ter expressado seus arrependimentos sobre
do que a psicologia cognitiva era feita, ele retorna ao laboratório e lamenta o fato

operações lógicas são inseparáveis das operações representacionais. Nesta consideração, teremos
particular interesse em ler de PH.N. Johnson-Laird e M. Steedman “ The Psychology of syllogisms” ,
Cognitive Psychology, 10, (1978), pp. 64-99.
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“de que os seus interesses tinham se tornado de uma estreiteza decepcionante”,


ele se pôs em guarda contra a esterilidade de uma teoria concebida pelos
especialistas para os especialistas, protegido de toda contaminação pela cultura.
Eles escreveram: “uma teoria psicológica seminal pode mudar as crenças de uma
sociedade inteira, como o fez certamente a psicanálise, por exemplo. Isto só pode
se produzir, portanto, se a teoria tem alguma coisa a dizer sobre o que as pessoas
fazem nas situações reais, tendo uma significação cultural. O que ela diz não deve
ser trivial, e deve ter alguma significação para os participantes destas situações.
Se uma teoria falta com estas qualidades – se ela não tem o que chamamos
atualmente de validade ecológica - ela será abandonada cedo ou tarde” (Neiser,
1976, p2). Tais são as qualidade que uma teoria das representações sociais deve
se fixar por objetivo. Na falta disso, lhe faltará profundidade e ela não trará
nenhuma luz às pessoas que deveria interessar.
O terceiro passo é de inverter o papel do laboratório e o papel da observação.
Se tivermos as representações sociais como dados de base, para analisar
fenômenos, nós só podemos as apreender no seu próprio contexto. Se nós as
isolamos e as separamos de uma e da outra e de suas instituições, só nos restará
fragmentos da realidade desvitalizada, reduzida à sua expressão mais simplificada.
Os estudos no laboratório a título de dados não sociais tornam-se estudos de
sílabas enfraquecidas de sentido: a significação humana é puramente e
simplesmente substituída pelos signos físicos (Von Cranach et al, 1980).
De outro lado, a análise de representações sociais deve ser comparativa por
definição: ela implica a comparação entre grupos, entre culturas e entre
mentalidades e ideologias. Atualmente, nos dedicamos a uma comparação artificial
entre as representações dos cientistas e as dos homens da rua. Na medida em que
ela é artificial, ela não pode ser arbitrária. Ocupamo-nos, pois da realidade, a fim
de nos apoiar sobre dados fiéis e de submeter as conclusões das análises
científicas a um teste válido. Tudo bem considerado, o melhor método é o de
retornar a uma mistura de observação e comparação, um método de aproximação
de acordo com nossas tradições. O laboratório pode então assumir a tarefa de
analisar alguns processos que acontecem isolados do conjunto e de validar as
hipóteses específicas que se ligam a ele. A questão se coloca: jamais foi colocada
de outro jeito? A resposta é menos direta do que sugeriam as discussões em
curso. (Harré et Secord, 1972). Cada pesquisador dá conta das observações
assimiladas antes de acomodá-las para uma experiência. Estas observações eram
implícitas e concebidas para outros fins. É preciso agora transformá-los em dados
mais explícitos que possível, e os conceber enquanto dados de base. Nossos
conhecimentos neste setor são rudimentares, apesar dos estudos pioneiros que se
escutam desde as observações de campo até às experiências de laboratório.
As idéias que eu esbocei aqui são relativamente incompletas, para não dizer
simplistas. Os problemas mais complexos nos esperam nos bastidores. Antes de
tratá-los, é preciso empreender uma discussão sobre os aspectos fundamentais da
psicologia social e seu objeto. Numa discussão assim, as tomadas de posição
seriam claras e os participantes escolheriam facilmente. Resta saber se uma tal
discussão terá lugar e se ela será alcançada até a sua conclusão.

Obs. Texto traduzido pela Profa Renata Lira dos Santos Aléssio

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