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Territórios do Carapitanga
O povo que planta e pesca,
2021
Luís Perequê
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Realização: Coordenação de Campo / Povos:
Associação Comunitária Indígena Guarani Anna Maria Andrade, Cristiano Lafetá, Gabriela
(ACIGUA) Comunidade Guarani Mbya da Aldeia Itaxi Muruá
Mirim
Associação de Moradores do Quilombo Campinho Pesquisadores de Campo (FCT) / Povos:
(AMOCQ) Alexandre Karai Benite, Ana Carolina Santana
Associação de Moradores de Paraty Mirim (AMPM) Barbosa, Ariane Rosa Martins, Carolina Santos,
Associação Comunitária Indigena da Araponga Fabiana Ramos, Ivanildes Pereira, Luisa Vilas Boas
(ACIAR) Comunidade Guarani Mbya da Aldeia Cardoso, Francisco Xavier, Guilherme Euler, Lohan
Guyratapu dos Santos, Sergio Reis, Vagno Martins, Julio
Observatório de Territórios Sustentáveis e Garcia Karai, Santiago Bernardes
Saudáveis (OTSS)
Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Coordenação de Comunicação:
Reis, Paraty e Ubatuba (FCT) Vinícius Carvalho, Eduardo Di Napoli, Felipe
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Scapino, Vanessa Cancian, Tiê Passos
Textos:
Marcela Cananea, Coordenação Nacional de
Comunidades Tradicionais Caiçaras (CNCTC ÍNDICE
Gabriela Muruá, Anna Maria Andrade, Fabiana Ronaldo dos Santos, Coordenação Nacional de
Miranda, Santiago Bernardes Articulação das Comunidades Negras Rurais
Revisão Técnica:
Quilombolas (CONAQ)
Projeto Povos ................................ 08
Vinícius Carvalho, Anna Maria Andrade e Gabriela Entrevistados / Agradecimentos:
Muruá Álvaro Martins, Ariane Rosa Martins, Daniele Elias Entendendo o Pré-Sal ............................ 10
Mapas:
dos Santos, Décio Elias de Lara, Eva Jera Benite,
Fabio Junior Alves da Silva, Joaquim Karai, João Como esses mapas são feitos ................ 14
João Oswaldo Cruz, Nicholas Saraiva, Tiê Passos Paulo Amorim dos Santos, Julio Garcia Karai,
Jurassi Cristo Pereira, Karai Tataedy Oka (cacique
Como usar esses mapas a favor das
Fotos:
Anna Maria Andrade, Eduardo Di Napoli, Felipe
“Augustinho”), Manoel Alves da Silva, Nino Benite
da Silva, Odete Maria da Conceição, Para Mirim
comunidades .......................................... 16
Scapino, Gabriela Muruá, Tiê Passos (“Marciana Oliveira”), Renato Vieira da Silva,
Ronaldo dos Santos, Silvana Alexandrino, Vagner
Projeto Gráfico e Edição de Imagens:
Eduardo Di Napoli, Tiê Passos
Nascimento, Vera Rita dos Santos. Territórios do Carapitanga ............ 19
EM MEMÓRIA: Quilombo do Campinho .......................... 32
Diagramação: Cacique Miguel Benite (Itaxi Mirim), 1901-2021
Eduardo Di Napoli, Tiê Passos Silvana Maria Alexandrina (Paraty Mirim), 1940- Tekoa Araponga e Itaxi-Mirim ................ 52
2020
Ilustrações e infográficos: Odete Maria da Conceição ( Quilombo do Campinho Comunidade Caiçara do
Tiê Passos 1949- 2020)
Paraty Mirim ........................................... 76
Tradução de entrevistas em Guarani:
Alexandre Karai Benite
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N ó s , o s po v o s tr a d i c i o n ais
d e Angr a d o s R ei s , Pa rat y
e Ub a tu b a , d i z end o
Pela primeira vez,
qu a nto s s o m o s , c o mo
nós por nós mesmos.
v i v em o s e o qu e b u s c am o s
pa r a a pl ena r ea l i z a ç ã o
d o s no s s o s d i r ei to s .
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Projeto Povos:
Território, Identidade e Tradição
Onde o Projeto
Conheça a mais abrangente iniciativa de cartografia social já
realizada na Bocaina. Protagonizada pelas próprias comunidades, Povos ocorre?
caracterização envolve territórios indígenas, quilombolas e caiçaras
de Angra dos Reis (RJ), Paraty (RJ) e Ubatuba (SP) O Projeto Povos ocorre nos municípios de Uma observação importante é que esta
Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba. Para sua organização em agrupamentos de territórios
realização, foram definidos 11 agrupamentos – ou microterritórios - não quer dizer
Qual é exatamente o território O Projeto Povos utiliza metodologias de territórios que reúnem laços culturais, que as comunidades caracterizadas não
tradicionalmente ocupado pelos de cartografia social que permitem às ambientais e territoriais comuns. É o caso, tenham fortes e profundos laços com outras
quilombolas? Quais são as condições de comunidades desenhar, com ajuda de por exemplo, do agrupamento de territórios comunidades. Ou seja, essa divisão apenas
saneamento dos indígenas? E quais são os profissionais, mapas dos territórios que tradicionais do Carapitanga, que partilham ajuda a organizar os trabalhos de campo do
desafios dos caiçaras em relação ao acesso ocupam. Este tipo de mapeamento social a mesma Sub-Bacia Hidrográfica em Paraty projeto.
à educação? Estas são apenas algumas geralmente envolve populações tradicionais (RJ).
das informações que serão reveladas pelo e é um instrumento utilizado para fazer
Projeto Povos, iniciativa que vai colocar de valer os direitos desses grupos frente a
vez, no mapa do Brasil, os territórios de grandes empreendimentos, problemas
64 comunidades e localidades tradicionais relacionados à grilagem de terras e ao não
indígenas, caiçaras e quilombolas de Angra cumprimento de leis que dizem respeito à
dos Reis (RJ), Paraty (RJ) e Ubatuba (SP). delimitação de terras indígenas, à titulação
de territórios quilombolas
Reivindicação histórica do Fórum de e à regularização fundiária
Caracterização Paraty
Comunidades Tradicionais (FCT), a de territórios caiçaras,
realização do Projeto Povos é uma de 64 territórios entre outros.
exigência do licenciamento ambiental tradicionais
federal, conduzido pelo Ibama, para Além de informações
a produção de petróleo e gás pela
ocorre até 2023 técnicas, os mapas sociais
Petrobras na Bacia de Santos. Quem são construídos de forma
executa é o Observatório de Territórios participativa e apresentam o cotidiano de
Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), uma comunidade em linguagem simples
uma parceria entre o FCT e a Fundação e acessível. Neles, são colocados espaços
Oswaldo Cruz (Fiocruz). de roças, rios, lagos, casas, equipamentos
C caiçaras
sociais como unidades de saúde e escolas
i indígenas
Participam também a Coordenação Nacional e outros elementos que as populações
Q quilombolas
de Articulação das Comunidades Negras envolvidas considerem importantes. Aliás,
Rurais Quilombolas (CONAQ), a Comissão são as comunidades que decidem o que
Guarani Yvyrupá (CGY) e a Coordenação querem caracterizar. No Projeto Povos, Ubatuba Paraty Angra dos Reis
Nacional de Comunidades Tradicionais nenhuma informação é tornada pública SP RJ RJ
Caiçaras (CNCTC), que completam o conselho sem a prévia autorização das comunidades
do projeto com a missão de garantir que envolvidas e das representações nacionais
todos os direitos das comunidades sejam dos povos e comunidades tradicionais
respeitados. (Conaq, CGY e CNCTC).
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Entendendo o O que é o Produção média de
Pré-Sal
petróleo no Pré Sal
Pré-sal?
BARRIS POR DIA
O Brasil não era considerado um país
1,5MILHÃO
importante na produção mundial de petróleo
até a descoberta do Pré-sal, em 2007. 1MILHÃO
O Projeto Povos é resultado de uma condicionante do licenciamento camadas profundas embaixo do mar. Como 41MIL
ambiental federal para a exploração de petróleo e gás na camada do se vê na ilustração abaixo, esse petróleo 2010 2014 2016 2018
Pré-Sal na Bacia de Santos. Mas você sabe o que isso tem a ver com as está localizado em um agrupamento de
rochas localizadas em águas ultra profundas
comunidades tradicionais? em baixo de uma camada de sal, por isso
pré-sal. Ou seja, “antes do sal”.
10 11
Onde fica o Pré-sal? Europa
África África
África África
GONDWANA
América
do Sul
América América América
do Sul do Sul do Sul
PRÉ SAL
Bacia do
Espírito Santo O que isso E, também, alterações terrestres tais
12 13
Como estes mapas 4) Refletindo o
Território
são feitos?
Depois, é hora de apresentar à comunidade
a primeira versão do mapa final e validar
com os participantes cada dado coletado.
Um momento, também, para corrigir
eventuais erros e acrescentar informações
Com a participação de pesquisadores indígenas, caiçaras e quilombolas, importantes que não tenham aparecido nas
o Projeto Povos mapeia só o que as comunidades querem caracterizar. etapas anteriores.
Conheça, passo a passo, como se dá essa construção coletiva.
5) Nosso mapa
Ícones dos mapas do Projeto POVOS
3) Localizando o
território no mapa
A etapa seguinte consiste na transposição
do mapa falado para uma foto de satélite, 6) Ganhando o
localizando os elementos do desenho em
uma base georeferenciada. Nesta etapa,
mundo
o objetivo principal é garantir que os Percorrido esse caminho, o material
participantes consigam dimensionar seu segue para impressão e é devolvido para
território em um mapa e visualizar demais as comunidades. Também validadas pelas
delimitações territoriais já estabelecidas comunidades e suas representações
por órgãos governamentais, como nacionais, as publicações finais são
Unidades de Conservação e demarcações já distribuídas para bibliotecas e órgãos de
realizadas. governo e da sociedade civil cuja atribuição
seja zelar pelos direitos dos povos e
comunidades tradicionais da Bocaina.
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Como usar estes
mapas a favor das Segurança
comunidades alimentar e
nutricional:
O projeto permitirá às comunidades
ampliarem seus conhecimentos sobre as
Os mapas construídos pelas comunidades são instrumentos de espécies agrícolas manejadas por elas e
promoção de direitos. Entenda algumas das formas como eles podem também por suas comunidades vizinhas.
Isso fortalece o conhecimento do território
ser utilizados para a defesa dos territórios tradicionais e facilita possíveis trocas de sementes e de
técnicas de plantio.
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TERRITÓRIOS DO
18 19
20 21
Unidos pela água
A bacia do Rio Carapitanga integra quatro comunidades tradicionais:
duas aldeias Guarani Mbya (aldeia Araponga e Itaxi Mirim), Quilombo
do Campinho e Comunidade Caiçara de Paraty Mirim. Este território
está sobreposto pela Área de Proteção Ambiental Cairuçu, unidade
de conservação criada em 1983 e formada por uma área continental
e mais 63 ilhas, abrangendo um total de 34.690,72 hectares. O nome
dado a este conjunto de territórios se inspira no rio Carapitanga, que
passa pelas quatro comunidades caracterizadas pelo Projeto Povos.
Antigamente a
O Rio Carapitanga é um dos elementos
gente chamava que mais expressa a unidade entre o modo
como Rio Grande. Por de vida tradicional dessas comunidades,
“O Rio a gente usava pra pescar, né? Pra Seu Álvaro, também quilombola do Quilombo
ele ser até mesmo um aproximando suas práticas, costumes e
pescar, pra fachear... Tinha um sistema do Campinho, explica um pouco dos usos do
rio grande, né? Aí depois saberes. No Projeto Povos, os relatos dos
que a gente fazia pra poder pegar peixe pra rio:
com a passagem da Rio- griôs, pajés, caciques, mestres e mestras gente comer, e até mesmo pra ajudar.
nos contaram um pouco das histórias, dos
Santos, esse Rio Grande A gente saía para o rio à noite pra poder
usos e vivências no Rio Carapitanga. fachear. Eu lembro que, na época de eu
se tornou Rio Carapitanga. Dona Vera, caiçara de Paraty Mirim, pequeno, antes da Rio-Santos, depois que Era pra tudo: o rio
Esse rio cerca aqui toda relatou, em entrevista, que parte dos peixes escurecia é que a gente ia. Ele dava um aqui era pra lavar
a comunidade, ele vem pescados por ela estão localizados nos peixe chamado cascudo. O pessoal gostava
roupa, o rio aqui
começando da comunidade braços do rio Carapitanga. Assim como o muito de fachear e de pegar pra trazer pra
era pra tomar banho, o
cozinhar. E seria a nossa janta” (João Paulo
lá do Patrimônio, siri, uma de suas principais fontes de renda.
Amorim dos Santos, 65 anos, Quilombo do rio aqui era pra fachear,
Já Seu Décio, também caiçara de Paraty
descendo, passando pela Mirim, relatou que costuma pescar peixes Campinho, 2019) pegar cascudo durante o
Independência, e esse rio que “se criam no rio (e) crescem no mar”. dia. Então esse rio aqui é
vai desaguar no Paraty A pesca no rio também foi muito comum um rio que ele teve muita
Mirim entre os quilombolas do Campinho, mas,
utilidade pra gente, o
com a construção da BR101, essa prática foi
João Paulo Amorim dos Santos, 65 perdendo força.
rio aqui é um rio muito
anos, Quilombo do Campinho, 2019 sagrado pra gente
22 23
Por exemplo, muitas das falas
apontam para a alta poluição do
rio com a chegada da BR101 e,
consequentemente, com o aumento
da urbanização em torno dos
territórios tradicionais.
24 25
Antes, quando meus
pais chegaram
aqui, era melhor. Tinha
muito peixe: cascudo,
bagre, robalo, tilápia. Os
peixes parece que foram
sumindo, teve uma grande
destruição de peixe.
O rio tá raso, não tem
mais poço onde o peixe
fica. Enchente também
destruiu uma criação de
traíra, então só tem traíra
agora. E pra nós, [o rio]
é uma praia também.
É onde as crianças vão
tomar banho. Tinha menos
população aí pra cima
antes, desce muito lixo
e prejudica a gente essa
situação
Joaquim Karai, 55 anos, Itaxi, 2021
26 27
Resumo das ações
do Projeto POVOS
nos territórios do
Carapitanga
28 29
Resultados
por território
tradicional
30 31
Quilombo Campinho
da Independência
“Ao final do século XIX, com a decadência do regime escravocrata,
a história do Quilombo Campinho da Independência começa a ser
escrita por três mulheres: Vovó Antonica, Tia Marcelina e Tia Maria
Luíza que, com base no regime matriarcal, conduziram o processo de
desenvolvimento local.” (Ronaldo dos Santos)
32 33
Método de Plantio Pousio ou adubo do roçado
Eu lembro que na
época dos meus pais,
A escolha do espaço da depois de roçado
roça e derrubado, [tinha que]
queimar, né? Mas com o
Ah, o espaço, a gente
passar do tempo nós viemos
escolhe hoje um
a adquirir outra forma de
espaço fora de fonte
trabalhar, que não é queimar
d’água, onde passa rio, até
mais a terra, queimar o mato
mesmo porque tem as regras,
pra poder plantar. A gente
né? de não descampar a
roça aquele mato. Se torna
proximidade do rio, ali as
bem mais difícil, mas é uma
nascentes d’água, que é uma
maneira que a gente tem
das coisas que a gente deve
para proteger até mesmo a
se preocupar para não estar
terra. Em vez de queimar, a
descampando.”
gente faz as fileiras no canto
João Paulo Amorim dos Santos, 65 da roça, para que ela possa
anos, Quilombo do Campinho, 2019
até depois, com o passar do
tempo, estar apodrecendo,
O preparo da terra que aqueles matos, aquelas
madeiras, elas se tornam um
A primeira etapa é adubo para a terra.”
você preparar a terra. João Paulo Amorim dos Santos, 65
Você tem que roçar anos, Quilombo do Campinho, 2019
a área onde vai plantar, e aí
depende muito da área que A lua e a plantação
você vai trabalhar: às vezes
pode ser uma capoeira fina, Desde a época dos
que você só vai usar a foice meus pais que eles
ali pra roçar; e se for uma usam plantar na
capoeira grossa, vai ter que, minguante ou então na lua
além de usar a foice, vai ter nova. É melhor porque a lua
que usar o machado, pra ela tem uma força muito
poder derrubar.” grande, né? Na lua minguante
João Paulo Amorim dos Santos, 65 você sente, aquilo mexe
anos, Quilombo do Campinho, 2019 no seu corpo, né? Com a
plantação não é diferente, a
plantação, ela se fortalece
mais.”
João Paulo Amorim dos Santos, 65
anos, Quilombo do Campinho, 2019
34 35
Plantamos Práticas de Cura e
Abacaxi Carambola Jambo Cuidado
Abóbora Moranga Chuchu Jambo Branco
Abóbora Sapo Chuchu branco Jamelão
Açaí Cidra Jiló branco e verde Como mostram os relatos dos moradores
Acerola Coco da Bahia Juçara do Quilombo Campinho, as práticas de
Alecrim Coco do palmito margoso Laranja Lima
cura e cuidado estiveram presentes desde
Alecrim do Campo Coco Ferrugem Laranja Pera
a construção desse território junto às
Limão (cravo; galego; siciliano; suas matriarcas. Essa ancestralidade é
Alface crespa Coco Indaiá tahiti)
É importante, né? Até demonstrada, ainda hoje, pelo manejo de
Mamão (formosa; nativo; pa- mais de 40 variedades de ervas e plantas
Alface (Lisa e Roxa) Coco natal paia) porque a gente ali
medicinais. A parte da planta utilizada
Mandioca (aipim preta; branca;
Amora Coentro liso preta; rosa; roxa; vassourinha) plantando, a gente vai na receita e as técnicas de preparo são
Amora de cacho Coentro selvagem Milho de canjica comer um produto saudável, diversas e constituem um rico sistema de
Araçá Copaiba Milho palha roxa conhecimentos transmitidos ao longo do
um produto que a gente sabe
Araçá Boi Couve dura e manteiga Mixirica (carioquinha) tempo, de geração em geração.
Arroz Crotalária Mixirica ponkan como foi produzido, como
Banana (3 quinas; D’água; da
Terra; Maçã, Marmelo; Nanica; Cupuaçu Palmeira Real
foi plantado, que não tem O conhecimento das parteiras também faz
Ouro, Prata)
agrotóxico. Então a gente parte desse conjunto de práticas de cuidado.
Feijão (carioquinha; liso; mulatinho; Pimenta (Dedo de Moça; Reino; Até bem pouco tempo, todos os nascimentos
Batata-doce branca e roxa porco; preto; roxo) Malgueta; Malaguetão; Roxa) plantando, a gente sabe o que no Quilombo do Campinho eram conduzidos
Brócolis Gengibre Pitanga
não tá metido com veneno, por elas. Embora hoje não sejam colocados
Cabeludinha Goiaba branca e vermelha Pupunha
Cacau amarelo e roxo Graviola Quiabo que vem a ser prejudicial à em prática, os conhecimentos de como
fazer um parto seguro permanecem vivo na
Cambucá Grumixama Taboa nossa saúde.” comunidade.
Cambuci Inhame rosa e roxo Taioba
Cana (Amarela Roxa; Caiana Jabuticaba Urucum João Paulo Amorim dos Santos, 65
Amarela; Preta) anos, Quilombo do Campinho, 2019
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Dona Madalena Cana do Brejo Diurético
Infecção Urinária Gastronomia
faleceu, era uma Copaíba (folhas) Cicatrizante
de nossas últimas Circulação
Café (folhas) Dor de Cabeça Boa parte desta produção agroecológica
parteiras vivas, e uma de abastece o restaurante comunitário do
Urucum Corante
nossas últimas rezadeiras Colesterol Quilombo do Campinho. Inaugurado em 2007,
também. Agora temos Laranja (folhas) Resfriado (Vitamina C) o restaurante é um dos principais espaços
Pitanga (folhas) Antibiótico, contém
poucas mulheres que fazem ferro de referência na organização comunitária,
pois gera trabalho, distribui renda, fomenta
esses serviços, serviços de Taioba Piriri
Goiaba (suco feito do - a produção agroecológica, mantém a relação
fé eu digo. Tia Zaquina, tia broto) solidária de comércio com pescadores das
Bernarda - demos o nome Babosa Infecção no Útero comunidades do entorno e coloca na mesa
do posto de saúde [em sua Algodão Queimadura grave
uma culinária típica produzida de forma
Amora Limpar a casa
homenagem], tia Madalena Aroeira Dor de Cabeça
sustentável.
Jambo Diabete
Jamelão Diabete
Pata de vaca -
Moranguinho -
Carqueja -
Sabugueiro * Irritação da pele *
Seca sarampo
Mil folhas Infecção de Garganta
Tansagem Infecção de Garganta
Cipó Caboclo -
Gervão Roxo -
Guaco Xarope, piolho e co-
ceira
38 39
40
Culinária tradicional Artesanato 41
Nos convenceram
que as casas
tradicionais, de pau
a pique, remetiam à
pobreza, tudo isso para
que abandonássemos
nossos conhecimentos.
Hoje uma ecovila cobra
caro para dar um curso de O manejo da juçara envolve cuidado e seleção dos frutos
para o processamento da polpa.
44 45
processo, por exemplo, de
é possível fazer a roça autonomia da comunidade, é
nas áreas já abertas, um conflito de lei na realidade
Conflitos que acontece, mas o que a
que são áreas de uso,
mas é sempre uma dúvida gente faz aqui é avançar com
Segundo os entrevistados, a criminalização
do manejo tradicional agrícola e extrativista, porque né, embora essa [seja] autorização, quando a gente
juntamente com o alto processo de
uma comunidade quilombola avança por autorização, tem
urbanização do território da Bocaina, têm
titulada dentro de uma uma coisa autorizada pela
dificultado a continuidade do modo de vida e
da cultura quilombola. unidade de conservação em unidade, não corre o risco
nível sustentável, é possível de ser multado porque você
Um dos principais focos de conflito ainda
fazer a roça. Mas o grande tem um documento de um
se relaciona à sobreposição do território
problema é: se passa polícia órgão ambiental que gerencia
tradicional com unidades de conservação
o território e autoriza. Isso
Educação criadas sem processos de consulta
prévia com a comunidade. Segundo os
ambiental, que agora tem uma
acontece muito pra uso de
unidade aqui, e vê abrir uma
Diferenciada entrevistados, isso levou à criminalização
madeira caída no mato,
de roças, do manejo agroextrativista e da nova área de uma mata com
O debate sobre a Educação Diferenciada no caça sem que fosse resguardado o direito à o processo de regeneração pra usar a madeira caída a
Quilombo do Campinho vem dos anos 2000, autonomia dos quilombolas de realizarem
já avançada é possível deles gente pega uma autorização,
período imediatamente após a titulação do práticas que remetem ao seu modo de vida
multarem, já ocorreu isso vai lá se compromete em
território, que se deu em 1999. Isso se deu tradicional.
pelo entendimento que se tinha de que a aqui recentemente. Até plantar outras madeiras e
escola presente no território desde a década
porque nessas sobreposições tal, e a APA Cairuçu dá uma
de 70 do Século XX era uma escola branca, Conflito Descrição
de leis: por um lado uma autorização pra gente, aí
eurocentrada, além de urbana, e que por
isso fazia parte da construção histórica
Perda das Parteiras/Ben-
zedeiras comunidade titulada, que tem a gente tá resguardado, se
do racismo estrutural que condiciona a
Perda da Cultura Perda das práticas de
seu território homologado, chegar qualquer fiscal de
comunidade ao processo de autonegação construção de
Tradicional casas de estuque
dentro de uma unidade outro órgão e tal a gente
e desestruturação. Compreendido isso, Perda dos terreiros de
afirmava-se que a gestão do território matriz Africana de conservação de uso tem um documento ali que tá
dependia tanto do autorreconhecimento e do Demarcações oficiais não
sustentável, deveria ter uma respaldando a gente.
correspondem ao terri-
pertencimento, quanto da segurança jurídica tório tradicionalmente
da propriedade, recém conquistada. ocupado do Quilombo do certa autonomia, mas aí Vaguinho, Quilombo do Campinho, 48
Campinho
Hoje, 20 anos depois, a Escola Municipal Criminalização das prá- tem a lei da Mata Atlântica anos
do Campinho já é considerada uma escola ticas de roças e extração
Modo de produção, de madeira que é bem restritiva, se o
quilombola, com oferta de ensino da urbanização
Educação Infantil ao segundo segmento do
e política desenvolvi- Rodovia Rio Santos
(BR101)
cara pegar lá pela lei da
mentista
Ensino Fundamental. Esta é uma conquista Incorporação dos Quilom- Mata Atlântica, toda área
bolas como mão de obra
recente do movimento social e avança barata nos condomínios de regeneração da mata é
na consolidação de uma experiência de de luxo (ex: Laranjeiras)
educação no país que reconhece e articula Especulação Imobiliária proibido o corte, aí fica esse
a educação do território com a educação Drogas conflito de lei. Existe esse
escolar. Infraestrutura Saneamento inadequado
46 47
O manejo e o processamento da polpa da juçara no Quilombo
do Campinho envolve homens, mulheres e crianças. Além
de alimento saudável na mesa dos quilombolas, a polpa da
juçara se tornou uma importante fonte de renda familiar
48 49
50 51
Tekoa Guyraitapu
Como ele explica, a nação Guarani está
conectada por seu sangue, espírito, língua
e por seu vínculo sagrado com a natureza.
(Araponga) e
Dessa maneira, todo território onde vive ou
passou um guarani é considerado Território
Guarani.
Localizadas em Paraty/RJ, as Aldeias Araponga e Itaxi Mirim são 55 indígenas. Na TI Itaxi Mirim são em torno Julio Garcia Karai Xiju, Aldeia Sapukay,
de 49 famílias e 260 indígenas. É importante 37 anos
Terras Indígenas (TI) tradicionalmente ocupadas por povos Guarani destacar que esses números se alteram com Araponga é um pássaro geralmente
Mbya. A TI Parati Mirim (onde se situa a aldeia Itaxi Mirim) possui uma frequência dada a transitoriedade entre os encontrado no Brasil, no Paraguai e na
indígenas guarani por todo seu território de
área regularizada de 79,1997 hectares e a TI Araponga de 213,2033 direito. Eva Benite, liderança Guarani Mbya
Argentina, justamente os territórios por
onde Seu Augustinho passou.
hectares. Ambas estão com pedido de ampliação em fase de estudo. de Itaxi Mirim, nos contou, por exemplo, que
nasceu no Paraná, mas que seus pais eram
No caso da TI Araponga, segundo relatos dos seus moradores, este da Argentina. Seu Augustinho, Cacique da Bom, um dia veio o
território possui mais de 275 hectares. Aldeia Araponga, explica também um pouco pessoal de São Paulo
da história de sua família: (aldeia Tenondé Porã)
pra Araponga, veio o Jejokó,
seu Altino, veio o Kambá
Muito obrigado por Pyku, Manoel Lima e Nivaldo,
chegarem até minha foi um grande encontro de
aldeia, eu agora tenho caciques. Começamos a
99 anos. Minha mãe e meu conversar e ai eu comecei a
pai vieram lá do Paraguai, já falar: ‘na língua português é
eu nasci aqui em Brasil. Nós Araponga mas, como eu sei,
guaranis, as minhas famílias eu chamo de Guyraitapu, isso
todas são de Chapecó/SC, daí eu ouvi lá na Argentina’. O
eu casei lá para Argentina e pessoal falando: ‘ah, esse
voltei. Meus filhos são todos pássaro é Guyraitapu, isso é
do Brasil, quando voltei eu um pássaro batendo pedra’,
andei por todos os lugares, diziam eles. Daí eu lembrei e
fui para Uruguai, passei pelo disse a eles: ‘e por isso nós
Rio Grande do Sul, Santa Guaranis vamos chamar essa
Catarina, Paraná, São Paulo e Aldeia de Guyraitapu”
Rio de Janeiro, agora eu estou
aqui no Rio de Janeiro há 45 Karai Tataedy Oka “Augustinho”, 100
anos. anos, Araponga, 2019
Acará
Bagre
Arapyau é o tempo Caranguejo Comunidade O que pesca
novo, é o recomeço Guaiamum
Sururu
de ciclo. Começa a partir Lagosta
Lambari
Lambari
do primeiro semestre do Aldeia Itaxi Mirim
Maria Mole Aldeia Araponga
Guaiamum
Caranguejo
ano, de janeiro a junho, e Pitu
Bagre
Robalo
no segundo semestre do Sururu
Acará
ano entra Arayma, que Tilápia
é o tempo antigo. E aí Traíra
Capivara
Cotia
Gambá
Galinha Jacu
58 59
Opy (Casa de Reza) Festas,
e Oo (Moradia) Celebrações e
Danças
Opy é Casa de Reza. Toda tekoa guarani
tem que ter. “É nossa principal sala de O Coral Guarani
aula, praticar a cultura nhadereko. Tekoa O Coral de crianças Guarani Mbya da
é o lugar onde vive a cultura, os modos de Aldeia Araponga se chama Ka’guy ovy, que
viver e ser.” (Julio Garcia Karai Xiju, Aldeia significa: “Mata verde fechada e intensa,
Sapukay, 37 anos) grande floresta”
64 65
Conflitos Relatos TI Itaxi
Mirim
Comunidade Conflito Problemas Descrição
Sobre a precariedade da
Vizinho O vizinho solta os cavalos para pastar no território saúde:
da Aldeia, eles estragam as roças
Território
Grilagem e
Estacionamento Estacionamento de Juruá
E também falando
Irregular sobre a saúde dos
Alagamento pelo
aterramento Barramento da estrada alagou o terreno da aldeia não-índios, não temos
Desvio de Água Usam água da aldeia nenhum carro que nos
da TI
Retirada ilegal de Conflito com vizinhos por retirada ilegal de ma-
atenda para que possamos
madeira deira
ir buscar remédios ou
Conflito com vizinhos que não permitem que os
Recursos
Naturais
Pesca indígenas pesquem nos levar para tomar
Aldeia Itaxi
- Entra caçador e madeireiro remédios, pois isso é
Mirim - Roubo de mudas de bananeira muito importante para
Antes pescavam na Baia de Paraty Mirim e Saco
Proibição de pesca de Mamanguá todos nós. Já que não
Saneamento Situação precária dos banheiros, falta de sanea-
mento e abastecimento de água
temos mais como usar
plantas medicinais das
Ausência de remé-
Infraestru-
tura
Saúde dio e transporte
para saúde
nossas próprias matas,
devíamos ter, pelo menos,
BR101 e estrada de Estrada corta a aldeia.
acesso ao Paraty Crianças são atropeladas e jovens saem sem con- transporte para a saúde
Mirim sentimento dos pais
Sobre saúde, educação e a
Eva Jera Miri Benite, 50 anos, Itaxi
O contato com a cultura Juruá faz com que subs-
tâncias lícitas e ilicitas que geram vícios graves Mirim, 2019 BR101:
Outros Uso de drogas
para a saúde cheguem até a juventude Guarani
Mbya
Conflito com ca-
Sobre a precariedade do A saúde e a
Recursos çador Juruás que caçam em território Guarani Mbya saneamento: educação são o
Naturais Antes pescava na Baia de Paraty Mirim e Saco de
Proibição de pesca Mamanguá que mais nos afeta e é
Aldeia Ara-
ponga Saneamento Situação precária dos banheiros. Falta de sanea-
mento e abastecimento de água Nós temos muito difícil. Também
Infraestru- Estrada Estrada de acesso à Aldeia dificuldades muito temos a estrada que corta
tura
Saúde Diminuição de Pessoal e falta de recursos
grandes na aldeia com a a aldeia, passa carros a
Escola Ausência de professores
água. As caixas são muito todo momento e é muito
antigas, precisamos de ruim, não temos também
mais caixas para algumas onde mais procurar lenhas
casas. Os banheiros estão e isso está sendo muito
precisando de reformas difícil.
Eva Jera Miri Benite, 50 anos, Itaxi Eva Jera Miri Benite, 50 anos, Itaxi
Mirim, 2019 Mirim, 2019
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Relatos TI
Araponga
Tem o problema da
estrada também
que eu falo, falo e falo
mas nenhum juruá me
ajuda
Sobre saneamento:
A cachoeira que
temos não usamos
quando chegamos
aqui porque tinha uma Sobre a precariedade da
nascente que nossos saúde:
antepassados usavam,
No Polo Base
a cachoeira mesmo só
não tem mais
usa os juruás e alguns
segurança, não tem
que vão tomar banho.
ninguém para atender
Para nós o problema é
telefone. A equipe de
quando tem muita gente
saúde trabalha dobrado
lá pra cima e assim teria
desde a SESAI. Eles que
problemas porque se
marcam consulta, fazem
tiver muita gente acima
várias coisas que antes O artesanato é uma importante fonte de renda para as
do rio vinha doença e por
havia alguém da área comunidades indígenas. Além de belíssimas cestarias e
isso antigamente tinha
administrativa para fazer adereços feitos em miçanga, os bichos feitos de cacheta
doenças. e pintados com ferro quente são uma marca étnica do
Karai Tataedy Oka “Augustinho”, 100 Vera Xunu “Nino Benite”, 38 anos, artesanato guarani.
anos, Araponga, 2019 Araponga, 2019
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Comunidade
Caiçara do Paraty
Mirim
A história da Comunidade Caiçara de Paraty Mirim é marcada pela
resistência de 30 núcleos caiçaras que vêm sendo obrigados a
conviver em seu território com a especulação imobiliária e a ocupação
desordenada causadas pelo turismo predatório de massa.
As roças, caças e manejo agroextrativista de As práticas tradicionais vinculadas aos recursos naturais da mata atlântica fazem parte
Paraty Mirim fizeram parte de um “tempo A gente desde dez da memória desses mais velhos, um rico conhecimento que vem se perdendo. Atualmente
bom”, aquele em que o caiçara não era anos trabalhava na em Paraty Mirim há roças principalmente em locais mais afastados da praia. Já os quintais
criminalizado por praticar suas atividades caiçaras, em todo o território, seguem com muitos pés de árvores frutíferas como: mamão,
tradicionais. Segundo relatos, a chegada das
roça, todo mundo. Minha abacate, jabuticaba, grumixama, pitanga, jambo, jaca, caju amarelo, caju vermelho, limão
Unidades de Conservação, na década de 70, mãe teve dezesseis filhos, galego e cravo, lima, laranja pêra, laranja bahia, pokã, mexerica, fruta pão, acerola, abacaxi,
iniciou essa “pressão” sobre o ato de plantar todo mundo trabalhou ameixa (nêspera), côco, diversos tipos de banana (prata, da terra, pacubita, ouro, roxa), manga
que foi se intensificando com a chegada da e goiaba.
Unidade de Policiamento Ambiental (UPAm)
na roça, aprendendo
em 2012. tudo que era de roça, de
Planta Época de plantio Fases da lua
estudo não, que naquela
época nem escola tinha Cana “Antes plantava bastante, mas agora planta bem pou-
co”
Antigamente não pra gente. A gente só Julho, agosto e setembro.
era proibido, a aprendeu a trabalhar… Milho
Colheita: 6 meses após plantio.
gente podia sobreviver é bastante coisa, é Fevereiro, março, abril é o melhor período.
com caça, comia as coisas importante Feijão Agosto e setembro também dá para plantar. “Lua ideal para plantar é
a Lua Minguante”.
que criava e quando tinha Colheita: 3 meses após o plantio.
Dona Silvana Alexandrino, 87 anos,
uma caça a gente comia, Paraty Mirim, 2019
Mandioca Brava
Aipim Vassourinha
Agosto e setembro: “dá muita vara, cresce muito, mas “Não pode plantar nem
não dá raiz ou é pouca raiz” três dias antes da Lua
mas agora ninguém mais Aipim Vermelhinha Cheia, nem três dias
Maio, junho e julho: “dá raminha pequena e raiz”. depois, pois é uma lua
mata caça. Era muito boa Aipim preta muito clara, então dificul-
Aipim Amarela ta e dá bicho”.
[a carne da cotia], só que Aipim São José
Colheita: 1 ano após plantio.
caça, não pode, é proibido. Abóbora “As plantações devem ser feitas, em sua maioria, na
época das águas porque chove mais”.
Agora é proibido queimar, Quiabo
“Horta precisa regar de manhã e à tardezinha”.
proibido derrubar, roçar,
a gente não pode mais
mexer com o mato
Dona Silvana Alexandrino, 87 anos,
Paraty Mirim, 2019
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A alimentação tradicional apontada pelos
caiçaras de Paraty Mirim é constituída por
itens provenientes da roça como batata- Eu acho que a gente
doce, a farinha de mandioca, biju, o café de
tem que trabalhar
cana, paçoca de banana e bolo com farinha
de mandioca; da criação, com ovos e carne enquanto pode, derrubar,
de galinha; e também produtos da pesca roçar, plantar pra colher,
com diversas formas de preparo, como o
pra comer, né? Porque
peixe escalado (seco e salgado), tainha e
parati fritos ou cozidos, pirão de peixe. E se não fizer da roça, as
há também receitas mais elaboradas como coisas vão ficando cada
bolinho de aipim com carne moída e azul
vez piores, tudo caro. Não
marinho.
Fazer farinha é uma atividade que leva
pó. Aí depois você coloca tem um bom emprego,
tempo e tem várias etapas. Geralmente
quem faz farinha tem seus próprios pés de
a forma no forno, joga no Ameaça às práticas então tem que plantar
mandioca. A primeira etapa da produção forno e faz a farinha. Vai tradicionais da roça pra colher. No
de farinha é o plantio das ramas. Depois mexendo, eu mexia com mercado tudo com veneno.
de colhida, a mandioca passa por um Tive que parar, A gente plantando e
rodo, agora é a palheta.”
processamento, como explica Dona Silvana.
porque eu sozinho colhendo é natural, o
A produção de farinha em seu molde mais
tradicional envolve o uso de artefatos feitos
Dona Silvana Alexandrino, 87 anos,
Paraty Mirim, 2019
não dava conta, meu gosto é diferente, as
pelos próprios caiçaras, como os tipitis, pai morreu, minha mãe bananas do mercado que
balaios, cochos, roda ou rolete e rodo. morreu... a gente compra não têm
Alimentação tradicional Hoje em dia, ninguém doce. E a que a gente
O feitio da farinha de quer trabalhar na roça
mandioca colhe da roça é uma
mais, hoje é tudo barco, o banana doce, saudável pra
Colhia o feijão da pessoal faz frete na praia.
Você arranca a gente comer.”
roça pra comer, tá difícil.”
mandioca, traz
plantava milho, plantava
pra casa. Esse aqui é Décio Elis de Lara, 63 anos, Paraty Dona Silvana Alexandrino, 87 anos,
mandioca, plantava cana, Mirim, 2019 Paraty Mirim, 2019
o processo: raspa a
banana, fazia horta.
mandioca, tira a casca Para os antigos, as práticas tradicionais não
Criava galinha, comia ovo são fonte apenas de renda, elas integram
dela, lava, seva no rolete, Eu sou feliz,
caipira da galinha caipira, seu modo de vida, que valoriza alimentos
imprensa, que é num sem venenos e uma convivência solidária
sossegado. Cidade
fazia café de cana, moía no
tipo um tapiti, pra secar entre os vizinhos:
grande não, eu não
engenhinho de madeira, a
a massa. A gente tinha preciso morar em cidade.
gente fazia e tomava, fazia
que imprensar ela bem, [Eu gosto de] trabalhar na
farinha da roça. Era muito
deixa secar [umas] duas roça, tem que ser na roça.
bom!”
horas e meia. Aí eu levo
pra peneira, sobra aquele Dona Silvana Alexandrino, 87 anos, Décio Elis de Lara, 63 anos, Paraty
Paraty Mirim, 2019 Mirim, 2019
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Pesca é difícil, ele vai levar você
A pesca é parte do modo de vida dos
pra depois do Algodão, aí
caiçaras. Eles convivem com as águas, se ninguém te buscar de
doce e salgada, e são ensinados, desde barco, você fica à deriva
muito cedo, a lidar com os perigos do rio
lá na baía de Ilha Grande.
e do mar. Um pouco diferente das roças, a
pesca artesanal segue viva no território, Então é bem perigoso!”
sendo praticada por homens e mulheres que
enxergam nessas águas a extensão de suas Renato Vieira da Silva, 33 anos, Paraty
casas. Mirim, 2019
Ah, aprendi A diversidade de peixes consumidos pelos caiçaras de Paraty Mirim revela a eficiência dos
conhecimentos tradicionais associados à pesca para garantir segurança alimentar, mesmo
com meu pai. Eu mergulhava no quando faltam os peixes de valor comercial para venda. A característica do ambiente marinho
Eu era novo, era muito fundo e era tanto de Paraty Mirim, com a foz do Rio e a presença do mangue, influencia a atividade pesqueira,
pequenininho, ainda não peixe bonitinho. Falei: diversificando os ambientes e técnicas de captura.
na baía aqui, de canoa, de Lula Pesca perto da costeira, dentro e fora da baía, com zangarelho. De noite ou de ma-
drigada
caiaque, pra você romper Siri Covo ou jereré
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Dona Vera explica como usa o jereré (ou
2) Criminalização da [Meus irmãos]
puçá) pra coleta de siri, uma importante
pesca tradicional
atividade tradicional que garante a Tá acabando tudo, foram para Angra
segurança alimentar dos caiçaras.
diminuiu muito, trabalhar (em) barco de
porque tinha muito e Pescava antes no arrastão...
Tem uma cordinha. agora quase não tem. Até arpão, mas hoje
Décio Elis de Lara, 63 anos, Paraty
Eu amarro a corda o camarão que sempre não uso mais arpão. Mirim, 2019
na rede e amarro o peixe tinha, agora quase não Proibiram de usar arpão.
tem mais também, tá bem Não pode, só com rede. 3) Pesca de Arrasto
(a isca). Aí boto pro fundo
e fico esperando um fraquinho. É difícil porque No fundo do mar não mata
pouco. Depois eu puxo e o a gente vive mais da mais nada.” A pesca de arrasto tem sido outro desafio
ao pescador artesanal. Os arrastões se
siri tá agarrado no peixe, pesca.” aproximam da costa, território das canoas
Décio Elis de Lara, 63 anos, Paraty
aí eu pego [risos]” Vera Rita dos Santos, 63 anos, Paraty
Mirim, 2019 artesanais, para pescar camarão.
Mirim, 2019
Vera Rita dos Santos, 63 anos, Paraty
Mirim, 2019
Segundo relatos, a diminuição do pescado é
Foi acabando,
ocasionada pelo aumento da pesca industrial
e do tráfego de embarcações do Pré-sal e
acabando [os
O cerco fixo flutuante também é uma técnica
que os caiçaras de Paraty Mirim dominam,
pela criminalização de algumas modalidades peixes] aqueles barcos
porém, devido às características da baía,
de pesca. Isso tem impossibilitado que arrastando acabaram
pescadores artesanais consigam sustentar-
devem ser colocados um pouco mais
se com essa prática tradicional e levado
tudo. Quando abre a pesca
afastados. A Ilha do Algodão possui pontos
de cerco, e na saída da baía rumo ao Saco do
diversos moradores a trabalhar em outras de arrasto de camarão
Mamanguá existe outro.
atividades vinculadas ao turismo de massa. na baía de Paraty Mirim,
as traineiras levam tudo,
não sobra nada para os
Os desafios da pesca
artesanal: Tem vezes que meu caiçaras.”
Décio Elis de Lara, 63 anos, Paraty
filho trabalha um Mirim, 2019
1) Diminuição do pescado dia pra um, um dia pra
outro, porque só da pesca
está muito fraco. Um filho
Sardinha tinha
meu trabalha no Calhaus
muito. Acabou”
de caseiro e outro na
Essa frase é repetida exaustivamente
marina, os dois trabalham
pelos pescadores e moradores da região. de lancha.”
Os pescadores cobram providências das
autoridades competentes para salvar a Dona Vera, Caiçara da Comunidade de
pesca artesanal e a cultura caiçara. Paraty Mirim, 63 anos
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Derramamento de Práticas de cuidado
Petróleo
/ Saúde
Além de remédios caseiros feitos com ervas
Nossa [se tiver um (ainda muito utilizadas), antigamente as
vazamento] aí que práticas de cuidado envolviam também rezas
acaba com tudo. Aí que e simpatias para proteger e curar crianças e
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Festa de Nossa antigamente era levantado
Senhora da uma semana antes da
Conceição festa. Tinha bingo, leilão
de assados, bolo, o
Paraty Mirim é uma localidade muito
pessoal doava as coisas
importante historicamente no processo de pra festa. Antes o festeiro
ocupação do território paratiense. Contam dava almoço, era frango,
os moradores caiçaras que a igreja local é a
mais antiga do município, e que em Paraty
carne, peixe, feijão e
Mirim desembarcou boa parte dos africanos farinha, que paratiense
trazidos para trabalhar nas lavouras de cana não passa sem farinha. No
e café, mesmo depois de proibido o tráfico
sábado à noite, depois da
negreiro. A padroeira da comunidade, Nossa
Senhora da Conceição, é celebrada todo dia celebração na igreja, era
08 de dezembro. Durante décadas, o festejo o baile da festa, o forró.
foi uma das mais importantes celebrações
Antes era tocador daqui
da região e atraía famílias que vinham de
toda parte: Saco do Mamanguá, Pouso da
mesmo, meu irmão tocava
Cajaíba, Praia Grande da Cajaíba, Ponta violão, tinha pandeiro. O
Grossa, Ilha do Algodão, Funil, Pedreira, e Luís Antônio, o Ananias
de localidades mais afastadas da costeira,
como o Campinho. Ao lado da igreja tem
cantava, o Celinho. E tem
um caminho que até hoje é chamado de barraquinha com cerveja,
“caminho da procissão”, cunhado por ser vinho, quem bebe tem
utilizado na circulação dos devotos com
a santa no andor. A comunidade caiçara
cachacinha também. No
de Paraty Mirim quer restaurar a igreja e domingo de manhã é a
incluir a festa da padroeira no calendário missa e depois continua
do município para manter e celebrar a sua
história e seu patrimônio cultural.
a festa. E tem a disputa
final do torneio de futebol.
Essa praia aí você não
passava de tanta canoa
A igreja mais velha e embarcação que vinha
que tem aqui é o pessoal de fora. Vinha
essa. A gente quando e encostava aqui. Hoje já
era festeiro montava não tem mais, mas antes
uma equipe, umas 8 isso aqui lotava”
a 10 pessoas, e cada
setor de trabalho era Manoel Alves da Silva, 66 anos, e
Jurassi Cristo Pereira, 62 anos, Paraty
um camarada. O mastro Mirim, 2021
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Os partos antigamente... Artesanato
Tradicional
Eu moro nessa O que é feito Matéria
prima
casinha aqui,
Móveis Guapuruvu
só essa casa aqui é de Casa
Angelim
Caquera
estuque, ela está com Canoa Bicuibas
Cipo
cinquenta anos! Eu fiz Remo Taquaruçu
Caixeta
Cestos, barquinhos
essa casinha aqui pra luminária etc
Taquara de Lixa
Conflitos
Conflito Descrição
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